YURI & BEATRIZ
YURI DE CASTRO MACHADO BEATRIZ DEOTI E SILVA RODRIGUES
Diagnóstico e Tratamento de
Diagnóstico e Tratamento de
ISBN: 978-85-5795-010-8
Diagnóstico e Tratamento de
A abordagem das feridas, assim como todas as outras áreas da Medicina, desenvolveu-se muito nos últimos anos. Diagnóstico e Tratamento de Feridas tem como objetivo compilar esses conhecimentos (tradicionais e novos) para estudantes de medicina e enfermagem, médicos, enfermeiros e cuidadores. Os capítulos foram escritos por especialistas que atuam diariamente em casos semelhantes aos abordados e contemplam todo o universo de apresentação das feridas (história, anatomia e fisiologia da pele, cicatrização, modulação imunológica, lesão por pressão, curativos, desbridamentos, pé diabético, anestesia e analgesia, antibióticos e casos clínicos), com foco no seu diagnóstico e tratamento, apontando as prováveis tendências a serem seguidas nos próximos anos.
Feridas
Feridas
Feridas
Sumário Seção 1 - Introdução............................................................... 1
1. História das Feridas....................................................................................................................1 Rodolfo Francisco Cardoso Mollo e Alcino Lázaro da Silva
2. Tipos de Feridas....................................................................................................................... 15 Sabrina Morais Silva, Antônio Lucas das Mercês Filho, Beatriz Deoti e Silva Rodrigues e Alcino Lázaro da Silva
3. Anatomia e Fisiologia da Pele................................................................................................ 25 Christina de Castro Brommonschenkel, Matheus Sewastjanow-Silva e Nicole Perim
4. Cicatrização e Modulação Imunológica............................................................................... 35 Filipe Roza da Silva, Maíse Moreira Dias e Ivana Duval Araújo
5. Anestesia e Analgesia.............................................................................................................. 53 Sara Magro Borigato e Breno Cotta Coelho
6. Antibioticoterapia em Infecções Cutâneas........................................................................... 75 Letícia Monteiro de S. Oliveira e Enio Roberto Pietra Pedroso
Seção 2 - Feridas de Etiologia Específica........................... 91
7. Feridas Cutâneas Relacionadas à Infecção........................................................................... 91 Antônio Carlos M. Guedes, Luiza Rennó R. de Oliveira e Taisa Guimarães Mesquita
8. Feridas Genéticas e Imunes.................................................................................................. 117 André Menezes Santos, Pedro Henrique Torres Menezes e Marcus Castro Ferreira
9. Pé Diabético............................................................................................................................ 131 Igor Guedes Nogueira Reis, Nayara Stephanie Castello Branco Santos e Ernesto Lentz de Carvalho Monteiro
10. Lesões por Pressão................................................................................................................. 141 Yuri de Castro Machado, Letícia Duarte Alvarez, Antônio Lucas das Mercês Filho e Marcelo Cesar Reggiani Alves
11. Feridas Vasculares.................................................................................................................. 159 Fernanda Cristina Barbosa Lana, Lara Lellis Navarro Minchillo Lopes e Tulio Pinho Navarro
12. Feridas Oncológicas............................................................................................................... 171 Bruna Luiza da Silva Carvalho e Fabiano Moraes Pereira
13. Feridas Abdominais............................................................................................................... 183 Cristiane de Barros Gaspar, Pedro Vilela Duarte, Lucas Alves Oliveira e Beatriz Deoti e Silva Rodrigues
Seção 3 - Feridas por Agressão Externa..........................201
14. Atendimento Inicial ao Trauma........................................................................................... 201 Eric Levi de Oliveira Lucas e Armando Pinto Monteiro Neto
15. Feridas por Queimaduras..................................................................................................... 215 Keven Henrique Cassaro Jardim e Marcelo Cesar Reggiani Alves
16. Feridas por Acidentes Automobilísticos............................................................................. 233 Ana Clara Guimarães Gabrich Fonseca e Armando Pinto Monteiro Neto
17. Feridas por Acidentes Domésticos...................................................................................... 257 Jaqueline Amorim Arantes, Gustavo Amaral de Abreu e Antônio R. Souza
18. Feridas por Animais.............................................................................................................. 267 Cecília Maria de Sousa Lagares Dabien Haddad e Lucas Tomazelli de Souza Ferreira
19. Abordagem Inicial das Feridas Oftalmológicas................................................................. 287 Lucas Costa Vaz, Márcia Lopes da Costa Foureaux e Emílio Castellar Macedo Foureaux
20. Lesões Pessoais: Corpo de Delito e Análise de Feridas..................................................... 299 Gabriela Veloso de Freitas, Gabriela Zamunaro Lopes Ruiz, Lara Lellis Navarro Minchillo Lopes e Márcio Alberto Cardoso
Seção 4 - Tratamento de Feridas.......................................307
21. Tratamento Cirúrgico de Feridas......................................................................................... 307 Lucas José Resende e Gustavo Costa Goulart
22. Curativos................................................................................................................................. 317 Alessandra Rocha Luz
23. Desbridamento Biológico..................................................................................................... 325 Yuri de Castro Machado, Pedro Henrique Souza Melo, Julianny Barreto Ferraz e Patricia Jacqueline Thyssen
24. Enxertos de Pele..................................................................................................................... 333 Guilherme Carvalho, Rafael Valério Gonçalves e Rogério Noronha
25. Retalhos................................................................................................................................... 355 Paulo Roberto da Costa e Thiago Macedo e Cordeiro
26. Células-tronco........................................................................................................................ 375 Fabiana Versiani dos Reis e Alberto M. L. Caldeira
27. Tecnologias no Tratamento de Feridas............................................................................... 393 Alessandra Rocha Luz
28. Casos Clínicos........................................................................................................................ 403 Luana Reis de Miranda, Vitória Moura Leite Rabelo de Rezende, Rafael Ageu Franklin de Freitas, Ana Beatriz de Pinho Barroso, Yuri de Castro Machado e Beatriz Deoti e Silva Rodrigues
Índice Remissivo.................................................................................................................... 423
2 Tipos de Feridas Sabrina Morais Silva Antônio Lucas das Mercês Filho Beatriz Deoti e Silva Rodrigues Alcino Lázaro da Silva
Introdução “Ferida é a interrupção da continuidade de um tecido corpóreo, que lesa a camada regenerativa da derme e é capaz de provocar um extravasamento circulatório, sendo provocada por um trauma (através de um instrumento ou meio) ou por uma afecção que comprometa os mecanismos de defesa do organismo (por exemplo, uma incisão profunda, uma escara, uma úlcera, uma queimadura). Quando o dano limita-se à epiderme ou à porção mais superficial da derme, não se fala em ferida. Nestes casos, usa-se apenas “lesão cutânea”, que ao contrário da ferida, não deixa cicatrizes”.1
Existem diversas classificações de feridas utilizadas pelos profissionais da saúde. Algumas delas são específicas a determinadas especialidades, mas as citadas nesse capítulo são comuns na prática clínica como um todo. Classificar a ferida de um paciente tem o objetivo de contribuir para melhor interpretação das anotações feitas, além de guiar a terapêutica e favorecer o conhecimento do prognóstico2. Sua correta classificação é essencial para a busca de informações na literatura, além de permitir a escolha do tratamento mais adequado. Comum a todas elas é a avaliação clínica da injúria, em que se observam o local e estruturas acometidos, aspecto dos tecidos, sinais de infecção, odor, além da mensuração de área e profundidade. Com essa primeira avaliação, após conhecer a história do paciente e seu estado de saúde, pode-se também utilizar outras classificações que contribuirão ainda mais para a descrição dessas lesões. Apesar de não haver consenso, algumas delas são frequentemente utilizadas por profissionais de saúde e também encontradas em bases de dados como descritores2.
Classificação das feridas Quanto à causa Traumática São lesões (imediatas ou tardias) causadas pelos diferentes tipos de energia: mecânica, física ou química.
• Energias de ordem mecânica: São as lesões causadas por
armas, acidentes automobilísticos, animais, quedas e explosões. Os meios mecânicos causadores dessas lesões são classificados em perfurantes, cortantes, contundentes, perfurocortantes, perfurocontundentes e cortocontundentes3,4. Classificam-se as feridas nesses casos como:
• Feridas causadas por instrumentos perfurantes: são
feridas causadas por objetos pontiagudos, alongados e finos, como uma agulha, por exemplo. São chamadas também de lesões puntiformes ou punctórias que apresentam a abertura externa estreita, geralmente com pouco sangramento. Com poucas repercussões na superfície cutânea, sendo sua gravidade determinada pela profundidade da lesão e estruturas atingidas, além da possibilidade de infecção pela penetração de bactérias3,4. • Feridas causadas por instrumentos cortantes: são feridas incisas. São lineares, com bordas e fundo regulares, geralmente apresentando sangramento profuso. O comprimento é maior do que a profundidade e suas extremidades são menos profundas que sua porção mediana. Apresenta, tipicamente, a cauda de escoriação causada pelo deslizamento do objeto cortante (Fig. 2.1). As incisões feitas durante procedimento cirúrgico recebem preferencialmente o nome de feridas cirúrgicas e diferem
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Seção 1 – Introdução
das demais por serem mais regulares, de profundidade uniforme e não apresentarem causa de escoriação4. Pode haver afastamento das bordas devido à elasticidade dos tecidos. Os objetos causadores são, por exemplo, lâminas de barbear, bisturis e navalhas. • Feridas causadas por objetos contundentes: são feridas causadas por objetos de superfície plana, podendo ser lisa ou irregular, por meio de compressão, pressão, explosão, deslizamento ou tração. São abertas, com bordas e fundo irregulares. Podem ser de forma estrelada, sinuosa ou retilínea. Apresentam pontes de tecido íntegro entre as bordas da ferida e são pouco sangrantes (Fig. 2.2). Ocorrem durante atropelamentos ou quedas, por exemplo, em que há forte impacto entre a superfície e um corpo3,4. • Feridas causadas por objetos perfurocortantes: são feridas causadas por instrumentos pontiagudos como gume, que perfuram e cortam ao mesmo tempo. São ferimentos em forma de “casa de botão”, lineares e com ângulos agudos nas extremidades. São causadas por facas, tesouras e espada. • Feridas causadas por objetos perfurocontundentes: são feridas causadas por perfuração e impacto simultaneamente; por exemplo, causadas por lanças, flechas ou, o mais comum, por disparos de arma de fogo. Apresentam o orifício de entrada circular ou elíptico devido à ponta do objeto utilizado, além de escoriações nas bordas pela
ação contundente. No caso dos disparos por arma de fogo, as lesões apresentarão ainda outras características de acordo com o tipo de arma e a distância do disparo3,4. • Feridas causadas por objetos cortocontundentes: são feridas que apresentam formas variadas de acordo com a força, posição e tipo do objeto ou meio causador, podendo apresentar-se mais cortantes ou mais contusas. Geralmente, são profundas e graves. Não apresentam pontes de tecido íntegro entre as bordas e nem cauda de escoriação. São causadas por instrumentos como machado, foice, enxada e também dentes e unhas3,4. • Energias de ordem física: São as lesões causadas pela temperatura, eletricidade e radioatividade: • Temperatura: as lesões podem ser causadas tanto pelo frio ou pelo calor excessivo. Aquelas causadas pelo frio guardam similaridades com as queimaduras produzidas pelo calor e podem ser classificadas em primeiro, segundo ou terceiro graus3,4.
Figura 2.1 Ferida linear causada por instrumento cortante.
Figura 2.2 Ferida no couro cabeludo causada por objeto contundente.
Nas lesões de primeiro grau, pode-se encontrar a pele pálida ou congesta, com aspecto anserino. As de segundo grau apresentam eritema, bolhas ou flictenas, podendo ser preenchidas por sangue ou não. As de terceiro grau apresentam necrose de partes moles e nas de quarto grau, gangrena.
2 Tipos de Feridas
Já a classificação de Calissen admite apenas três diferentes graus, sendo, respectivamente, eritema, vesificação e gangrena3. As queimaduras causadas pelo calor direto possuem diversas classificações, considerando extensão, profundidade ou ambas as características das lesões. Aquela que estima a área corpórea atingida se baseia na Regra dos Noves de Pulaski e Tennisson3,4. A classificação de Dupuytren divide as lesões em seis diferentes graus de acordo com os tipos observados3,4. A mais utilizada, no entanto, é a classificação de Hoffmann, que divide as lesões em primeiro, segundo, terceiro e quarto graus3. Os detalhes são descritos no capítulo sobre queimaduras.
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Vivenciando a clínica Mensurar a extensão da superfície corpórea queimada (SCQ) é extremamente importante para ajustar as condutas de suporte clínico de hidratação para o paciente. Aplique a regra dos nove em % para cada parte do corpo. No adulto: a cabeça 9%; o tronco anterior e posterior 18% cada; os membros superiores direito e esquerdo 9% cada um; e os membros inferiores direito e esquerdo valem 18% cada; genitália 1%. Na criança: a cabeça 14% para 5 anos e 18% para 1 ano; o tronco anterior e posterior 18%; os membros superiores direito e esquerdo valem 9% e os membros inferiores direito e esquerdo 16% para crianças de 5 anos e 14% para crianças de 1 ano. Aplique a fórmula de Parkland: 2mL a 4mL x % SCQ x peso (kg). Lembre-se: 2mL a 4mL/kg/%SCQ para criança e adultos; idosos, portadores de insuficiência renal e de insuficiência cardíaca congestiva devem iniciar o tratamento com 2mL a 3mL/kg/%SCQ; faça a infusão de 50% do volume calculado nas primeiras 8h e 50% nas 16h seguintes.
• Eletricidade: dependendo da baixa ou alta tensão, um
acidente com eletricidade industrial pode ou não deixar marcas. A marca elétrica de Jellinek é uma lesão que pode ser encontrada nessas ocasiões (Fig. 2.3). Já os acidentes que envolvem alta tensão apresentarão tanto mar-
Figura 2.3 Queimadura profunda por eletricidade. (Imagem gentilmente cedida pela Enfermeira Eva Mateus Cezário.)
cas elétricas, quanto queimaduras com diferentes graus de gravidade3,4. • Radioatividade: causadora de lesões locais ou difusas. As lesões locais são chamadas radiodermites. São classificadas como agudas, de primeiro, segundo e terceiro graus ou crônicas. O primeiro grau pode apresentar-se nas formas depilatória ou eritematosa. O segundo grau é a forma papuloeritematosa e o terceiro é a forma ulcerosa3,4. • Energias de ordem química: Nesta seção, chamam a atenção os cáusticos, cujas lesões variam em aspecto e gravidade de acordo com a natureza e quantidade da substância. Compostos como o nitrato de prata, por exemplo, têm efeito coagulante, deixando os tecidos desidratados, com escaras endurecidas. Já outros, como a soda cáustica, têm efeito liquefaciante, produzindo lesão úmida e amolecida3.
Lesões por pressão São lesões da pele e/ou tecidos mais profundos, produzidas por uma combinação de pressão, forças de cisalhamento e fatores intrínsecos individuais5. Resultam principalmente da isquemia produzida no tecido que está sendo comprimido e podem estar associadas a forças tangenciais responsáveis por cortes ou lacerações, produzindo lesões mais profundas6. Anteriormente, estas lesões eram conhecidas como úlcera de decúbito por ocorrer principalmente em indivíduos com restrição de mobilidade. São classificadas de acordo com o grau do dano observado nos tecidos. As regiões mais acometidas são occipital, trocantérica, sacral, maleolar e de calcâneo7. Pacientes com mais de uma doença crônica, principalmente doenças vasculares e insuficiência cardíaca congestiva, aqueles que possuem pressão sistólica baixa, que fazem uso de vasopressores ou aqueles com incontinência fecal têm maior risco de desenvolver lesões por pressão. Outros fatores de risco são a obesidade e o estado nutricional deficiente de pacientes hospitalizados há longo prazo6.
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Seção 1 – Introdução
Sua apresentação não é simples, visto que mudará conforme a causa principal. Quando a pressão é o principal fator causal, sua forma é circular ou ovalada, geralmente em posição perpendicular a uma proeminência óssea. Inicia-se como um eritema quando a pele ainda está íntegra. Se a causa for uma combinação de forças de pressão e cisalhamento, suas bordas serão menos circulares e mais irregulares. Sobre o tempo de cicatrização, aquelas que têm atuação apenas das forças de pressão cicatrizam em um menor período de tempo. Existem várias classificações, entre elas a NPUAP (National Pressure Ulcer Advisory Panel) que subclassifica as lesões em estágios8. Estágio 1: é a mais superficial. Caracterizada por eritema não clareável à digitopressão, sem perda da integridade da pele ou formação de bolhas. A pele no local apresenta-se dolorosa, com temperatura e consistência diferentes das áreas adjacentes e com edema. Pode também apresentar alteração da cor, enquanto na pele branca há vermelhidão; em peles de tons mais escuros pode assumir tons azulado ou azulado purpúreo6,7. Estágio 2: atinge camadas mais superficiais da pele com perda parcial de tecido (epiderme ou epiderme e parte da derme). Aparece como uma ferida rasa, de fundo avermelhado ou como bolha ou flictena6,7, mas sem apresentar esfacelo, tecido de granulação ou escara. Tecido adiposo e outros mais profundos não são visíveis. Estágio 3: perda de toda a espessura da pele (epiderme e derme). O tecido subcutâneo pode ser visto, podendo apresentar danos ou necrose, mas não há exposição de músculos, ossos ou tendões. Podem ser vistos tecido de granulação, escara ou esfacelo. Quando a presença de tecidos necróticos impede a visualização da profundidade da lesão, deve-se classificá-la como lesão por pressão não classificável. A perda tecidual dessa lesão varia de acordo com o sítio anatômico atingido: são rasas em locais de pouco tecido subcutâneo e geralmente apresentam tunelização em locais com tecido subcutâneo em abundância6,7.
Estágio 4: perda tecidual que permite exposição ou palpação direta de ossos, tendões, fáscia, músculo ou cápsula articular, podendo também acometê-los. Podem estar presentes esfacelo, escara e tunelização. Sua profundidade também varia de acordo com o sítio acometido e a quantidade de tecido subcutâneo6,7. Na presença de esfacelo ou escara que impeçam a estimativa da profundidade da lesão, a classificação utilizada será lesão por pressão não classificável (Fig. 2.4).
• Lesão por pressão não classificável: há perda da espes-
sura total da pele e perda tecidual não determinada. A ferida com presença de esfacelo ou escara que impossibilitam a visualização da profundidade ou do grau de acometimento da lesão recebe essa classificação. Após retirada do tecido desvitalizado, será exposta lesão por pressão estágio 3 ou 48. • Lesão por pressão tissular profunda: trata-se de lesão que ocorre por pressão persistente ou de forte intensidade, ou mesmo cisalhamento entre ossos e músculo. A pele pode estar ou não lesada com descoloração profunda vermelha-escura, marrom ou púrpura não clareável, ou separação epidérmica, demonstrando uma ferida de leito escuro ou bolha de conteúdo sanguinolento. Antes do aparecimento das alterações de pele, podem ocorrer dor e mudança de temperatura locais. Essa lesão pode se resolver ou evoluir para maior perda tecidual. Se houver tecido de granulação, subcutâneo, tecido necrótico, músculo, fáscia ou outras estruturas mais profundas visíveis, será de estágio 3 ou 4 ou ainda não classificável. Essa classificação não deve ser utilizada para descrever lesões vasculares, traumáticas, neuropáticas ou dermatológicas8. • Lesão por pressão relacionada a dispositivo médico: é causada por dispositivos utilizados para diagnóstico ou tratamento, sendo geralmente da mesma forma do dispositivo causador. Sua classificação segue esse mesmo sistema de estágios das lesões por pressão8.
Figura 2.4 Lesão por pressão estágio 4 em região sacral. Observe a perda tecidual com visibilização do tecido muscular em região sacral.
2 Tipos de Feridas
• Lesão por pressão em membranas mucosas: estão
relacionadas à história de uso de dispositivos médicos, causando lesão por pressão em mucosas. Nesse caso, as lesões não seguem os estágios da classificação8.
Feridas venosas Cerca de 70% das feridas crônicas na perna são decorrentes de insuficiência venosa. Tal insuficiência ocorre naqueles pacientes cujo sistema venoso tem dificuldades em retornar o sangue para o coração9. Para que seja feita essa classificação, o suprimento arterial do membro inferior do paciente deve estar preservado10. A etiologia, em grande parte dos casos, é o acometimento do sistema superficial de veias que está obstruído ou apresenta refluxo, além de ser menos auxiliado pela bomba muscular da panturrilha. O membro atingido pode apresentar edema, coloração amarronzada da pele por deposição de hemossiderina, chamada de hiperpigmentação ocre, além da presença de varizes. Pode haver aumento da consistência do tecido subcutâneo nos locais acometidos, gerando dermatoesclerose. A pele normalmente se encontra descamativa e pode haver a alteração chamada atrofia branca, que são áreas de placas brancacentas, circundadas por hiperpigmentação. A ferida, geralmente encontrada em região de maléolo medial, pode surgir espontaneamente ou após trauma local, podendo aparecer em outras regiões da perna. Assumem dimensões variáveis, podendo ser únicas ou resultado da coalescência de mais de uma lesão. Suas bordas são bem definidas, porém apresentam formato irregular. O leito pode estar preenchido por material avermelhado, úmido e brilhante (tecido de granulação) ou com depósito de fibrina, de aspecto amarelado, não excluindo a possibilidade da ocorrência de infecções que alteram a coloração e produção de secreções locais9. Na maioria das vezes há dor que piora na posição ortostática e melhora após elevação do membro (Fig. 2.5). O diagnóstico diferencial deve ser feito com as feridas arteriais, mistas e hipertensivas, detalhadas no Capítulo 12- Feridas Vasculares.
Feridas arteriais São feridas presentes em pacientes com doença arterial periférica (DAP), cuja causa mais frequente é a aterosclerose, ou seja, isquemia tecidual resultante da obstrução arterial. Entre os critérios para doença arterial, há diminuição ou ausência de pulsos palpáveis em membros inferiores, atraso de enchimento capilar, retardo de 10 a 15 segundos na recuperação da cor de um membro que foi elevado a 45º durante 1min (teste de Buerger) e índice tornozelo-braço (que é a razão entre a pressão sistólica aferida nas artérias do tornozelo e na artéria braquial) ≤ 0,911 (Quadro 2.1). Os pacientes frequentemente apresentarão claudicação intermitente (dor ao andar), e em fases mais avançadas do comprometimento vascular apresentarão dor inclusive em repouso. São úlceras dolorosas, com piora da dor à noite e em elevação do membro. Possuem bordas irregulares,
Figura 2.5 Ferida venosa em região anterior do terço inferior da perna direita, com bordas irregulares e limites bem definidos. Observe a hiperpigmentação da pele circundante. (Imagem gentilmente cedida pela Enfermeira Eva Mateus Cezário.) Quadro 2.1 Índice tornozelo-braço. Técnica
Conclusão
Calcula-se a razão entre a Valor ≤ 0,9 = DAP11 PAS aferida na artéria tibial Valor > 0,9 = normal posterior ou dorsal do pé e a PAS aferida na artéria braquial ipsilateral12 PAS = pressão arterial sistólica.
leito pálido e seco, não apresentam tecido de granulação e comumente se localizam abaixo do tornozelo, mais frequentemente na área ao redor dos dedos dos pés. A pele ao redor estará mais fria do que o normal, pálida e brilhante. Podem surgir após trauma ou espontaneamente11.
Feridas neuropáticas Também chamadas de mal perfurante, são relacionadas à hanseníase, tabes, siringomielia, ausência congênita de dor, entre outras doenças. A fisiopatologia do pé diabético também tem o componente neuropático, mas, por sua complexidade, é abordada em capítulo à parte. Além das condições circulatórias, o trofismo da pele também depende
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Seção 1 – Introdução
de inervação íntegra que atua através do controle do tônus vascular, da sudorese, de estímulos à regeneração cutânea e da existência da sensibilidade. Essas feridas surgirão, então, em áreas de inervação e, consequentemente, sensibilidade deficiente por pressão ou traumas repetidos, iniciando-se como calosidade, evoluindo para fissura e depois úlcera. Pode não haver dor, como na hanseníase, ou a dor pode ser o sintoma predominante, como nos diabéticos, com bordas apresentando hiperceratose, podendo surgir em região metatarsiana ou calcânea13.
deve-se remover áreas de necrose e colocar curativo local, com o intuito de oferecer a melhor cobertura possível. É importante manter o acompanhamento contínuo, sendo necessário regulação adequada da glicemia e prevenção de novas feridas16. Ter certeza do diagnóstico de diabetes melito e do pé diabético é muito importante, pois pode-se eventualmente fazer um tratamento precoce, visto que tais medidas não só melhoram a qualidade de vida do paciente, como também diminuem os gastos dos serviços de saúde (Fig. 2.6)16.
Feridas hipertensivas ou “úlcera de Martorell”
Feridas neoplásicas
Foi inicialmente descrita por Fernando Martorell em 1945, em Barcelona, na Espanha, como uma ferida dolorosa, em pacientes obesos, do sexo feminino e como complicação da hipertensão grave. As feridas são raras e apresentam poucos casos relatados no Brasil. Como apresentação clássica inclui mácula ou pápula que se transforma em ferida superficial de pequeno tamanho, com necrose central e hiperemia perilesional. Como localização típica, encontra-se na borda anterolateral supramaleolar, podendo também ocorrer em outras áreas dos membros inferiores. Os pacientes típicos são mulheres entre 45 e 55 anos, obesas e que apresentam hipertensão diastólica, de longa data e de difícil controle. Apresenta como fator precipitante lesões traumáticas mínimas. Para confirmar o diagnóstico, deverão ser excluídos outros tipos de feridas, como por insuficiência vascular ou por outras doenças sistêmicas. Além disso, os pulsos periféricos em membros inferiores devem estar presentes, garantindo uma pressão mínima de 60mmHg medida pelo doppler do pulso pedioso ou tibial posterior. O tratamento visa o controle da pressão arterial com níveis de pressão diastólica menores que 100mmHg e cuidados com a ferida, incluindo desbridamento cirúrgico14,15.
São tumores primários de pele que se apresentam como feridas neoplásicas16. As feridas neoplásicas mais comuns na prática clínica são os carcinomas basocelular e espinocelular, além de melanoma, linfomas e lesões metastáticas. Há também as que são causadas pela infiltração da pele por células malignas provenientes de órgãos adjacentes, por exemplo as feridas encontradas em lesões do câncer de mama. São feridas crônicas que não cicatrizam devido ao processo cancerígeno17. Podem apresentar aspecto vegetante, infiltrativo ou ulceroinfiltrativo. Para confirmação diagnóstica, deve-se realizar a biópsia, que pode ser incisional ou excisional, dependendo do tamanho e localização da lesão. O material enviado para exame anatomopatológico confirma o tipo histológico da lesão. Outro tipo de degeneração maligna da ferida crônica é a “úlcera de Marjolin”. Essa lesão se desenvolve em úlceras crônicas ou cicatrizes antigas, principalmente de queimaduras, sendo o principal tipo histológico o carcinoma espinocelular. A lesão, antes ferida ou área de cicatriz, desenvolve-se, assumindo progressivamente aspecto vegetante. Seu diagnóstico também se dá por meio de biópsia16 (Fig. 2.7).
Feridas diabéticas O diabetes é uma doença crônica, multifatorial e muito incidente em todo o mundo. No Brasil, estima-se que aproximadamente 10 milhões de pessoas são acometidas por essa doença. Evolui com complicações sistêmicas, envolvendo principalmente o sistema cardiovascular. Os pacientes apresentam lesão crônica da microcirculação periférica e alterações de sensibilidade, mais comuns em ambos os membros, com destaque para os membros inferiores. Tais alterações levam a não percepção de pequenas lesões em membros inferiores, que tendem a não cicatrizar uma vez que a vascularização está prejudicada. Hoje em dia, sabe-se que essa é a principal causa da gênese de feridas crônicas e, consequentemente, do pé diabético16. A lesão formada no membro afetado apresenta profundidade e bordas variadas, influenciadas pelo tempo decorrido até o tratamento direcionado. Tais lesões devem ser prontamente abordadas cirurgicamente e, quando necessário,
Figura 2.6 Ferida diabética. Observe o acometimento de 1º e 2º pododáctilos com área de necrose no primeiro.
2 Tipos de Feridas
Limpas
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São feridas cirúrgicas não infectadas, sem sinais inflamatórios, em localizações que não atinjam o trato respiratório, gastrointestinal, genital ou urinário. O risco de infecção varia entre 1 e 5%19.
Limpas contaminadas São feridas cirúrgicas em que há envolvimento dos tratos respiratório, gastrointestinal genital e urinário, em condições controladas, sem contaminações incomuns. Nesse grupo têm operações com penetração de orofaringe, trato biliar, apêndice, vagina, entre outros, na ausência de infecção ou desvios das técnicas assépticas. A taxa prevista de infecção do sítio cirúrgico vai de 3 a 11%19.
Contaminadas
Figura 2.7 Lesão neoplásica em região perianal. Observe o aspecto vegetante.
Aqui a taxa de infecção está entre 10 e 17%. Inclui feridas acidentais abertas, recentes, com vazamento volumoso de secreções do trato gastrointestinal e incisões em tecidos com inflamação aguda não purulenta durante o procedimento (Fig. 2.8.). Também entram aqui as operações do trato geniturinário, em contato com urina infectada e do trato biliar, na presença de bile infectada19.
Outras feridas Outras doenças são capazes de originar feridas não classificadas em nenhum grupo específico e que surgem como parte das manifestações clínicas. Como exemplo as vasculites, tais como a necrosante, a doença de Behçet ou aquelas consequentes ao lúpus eritematoso e à artrite reumatoide, as doenças hematológicas como anemia falciforme, talassemia, esferocitose hereditária, entre outras.
Quanto à flora microbiana As infecções do sítio cirúrgico aumentam a morbimortalidade, o tempo de permanência hospitalar, além dos custos da internação18. As feridas podem ser classificadas em quatro categorias, divididas de acordo com a flora microbiana presente nessas lesões, cujas taxas de infecção variam entre 1 e 27%. Estudos mais recentes têm apontado para a redução dessas taxas, principalmente entre as contaminadas e infectadas. Essa classificação permite melhor avaliação do risco de infecção das feridas cirúrgicas, além de orientar a tomada de decisão e o desenvolvimento de estratégias para prevenção de complicações19. Além disso, constitui um bom preditor de infecção de sítio cirúrgico, porém é importante lembrar os outros fatores envolvidos que também contribuem para aumentar o risco, por exemplo, a existência de comorbidades, o uso incorreto da antibioticoprofilaxia, assim como o tempo operatório19.
Figura 2.8 Ferida contaminada. Incisão feita em região que pode manter contato com secreções do trato gastrointestinal.
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Seção 1 – Introdução
Infectadas Aqui entram as feridas traumáticas, antigas, contendo tecido desvitalizado, corpo estranho ou material fecal, ou aquelas que envolvem infecção clínica ativa ou víscera perfurada. Infecções ocorrem em mais de 27% dessas feridas19 (Fig.2.9.).
Quanto ao tipo de cicatrização O processo de cicatrização tem início com a lesão do tecido. Ocorre de acordo com as condições gerais de cada organismo, sofrendo influência de doenças sistêmicas, como diabetes melito, desnutrição e vasculopatias. Os mecanismos de cicatrização foram inicialmente divididos, por Carrel em 1910, em cinco fases: inflamação, proliferação celular, formação do tecido de granulação, contração e remodelamento da ferida. Posteriormente, Clark reclassificou o processo em três fases, sendo a divisão meramente didática, tendo ciência que todas essas fases ocorrem de forma simultânea20. Essas fases serão abordadas com mais detalhes no capítulo ‘Cicatrização e modulação imunológica’. De acordo com as fases de cicatrização, as feridas podem apresentar um fechamento de acordo com o tipo de método utilizado, infecção e tempo decorrido até o fechamento. São eles:
• Primeira intenção: É o tipo mais comum de fechamento
plicações. Os resultados estéticos são melhores e o tempo de cicatrização é menor quando comparado às outras formas (Fig. 2.10.). Pode ser utilizado em lesões traumáticas que ocorreram antes de 6 a 8h, e a ferida deve estar limpa e sem sinais de infeção20. • Segunda intenção: Ocorre principalmente em feridas infectadas e com grandes perdas de tecido, onde não se consegue fazer o fechamento decorrente de grande tensão (Fig. 2.11). Ocorre por formação de tecido de granulação e contração das bordas da ferida. Também por contração dos miofibroblastos, sendo importante para a redução da área exposta da ferida. Apresenta os piores resultados estéticos quando comparado às outras formas de cicatrização20. • Terceira intenção: É uma aproximação mecânica das bordas de uma ferida de primeira intenção que evoluiu com deiscência total ou parcial ou de segunda intenção. Utilizada em feridas pequenas, porém que apresentam contaminação grosseira inicial, por exemplo feridas com fragmentos de pedra, areia, projéteis ou mordedura de animais. Inicialmente deve-se realizar desbridamento e limpeza da ferida e após 3 a 7 dias realizar aproximação das bordas da ferida com sutura. Ao realizar a sutura a ferida não pode apresentar sinais de infecção20.
Quanto à duração Agudas
das feridas cirúrgicas. Refere-se à aproximação primária das bordas da lesão, que a princípio não apresenta com-
Segundo Lazarus e cols.21, classifica-se como aguda aquela ferida que seguiu um processo de recuperação da
Figura 2.9 Ferida infectada. Observe a presença de conteúdo entérico saindo pela alça de delgado fistulizado.
Figura 2.10 Cicatrização por primeira intenção em que as bordas foram aproximadas com pontos cirúrgicos.
2 Tipos de Feridas
• não cicatrizar em até 3 meses; • presença de infecção; • comprometimento da viabilidade de tecidos superficiais, necrose, hipovascularização;
• associação com doenças sistêmicas que prejudiquem a cicatrização (Fig. 2.12).
Os tipos mais frequentes são os mesmos das feridas crônicas: as feridas venosas, por insuficiência arterial, diabéticas e feridas por pressão, além de feridas infectadas e daquelas relacionadas à terapia imunossupressiva. Pode-se entender que a complexidade das intervenções e do cuidado com o paciente portador de feridas complexas, além dos custos habituais envolvidos, são bastante significativos. Pode-se dividir as feridas complexas em categorias, sendo as principais23:
• resultantes de doenças crônicas (diabetes, insuficiência venosa e/ou arterial, entres outros);
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Figura 2.11 Deiscência de ferida após retirada de pontos que cicatrizará por segunda intenção. Curativos para granulação do tecido e posterior epitelização. integridade física e funcional, que acontece ordenadamente através das fases de controle de infecções, solução da inflamação, angiogênese e regeneração conjuntiva eficiente, além de diferenciação, remodelamento e reepitelização. Os principais exemplos são as feridas traumáticas, normalmente não relacionadas a processos patológicos subjacentes que retardariam a cicatrização, como o diabetes, doenças vasculares, neuropatia, entre outros21.
• lesões por pressão; • feridas cirúrgicas não cicatrizadas.
Os tratamentos serão guiados pela natureza de cada uma delas. É importante avaliar o estado de saúde e as limitações dos pacientes, o controle e estabilização da doença crônica, além do tratamento de possíveis infecções e outros fatores interferentes na cicatrização, por exemplo, a queda de imunidade23.
Crônicas Feridas crônicas são aquelas que evoluem por mais de 6 semanas ou com frequente recorrência10. São feridas que falharam no seguimento do processo ordenado de regeneração, sendo realimentadas por processos infecciosos, pela persistência da doença de base, estado de saúde do portador, além de influências ambientais. Sua prevalência tem aumentado às custas do envelhecimento demográfico e do aumento da prevalência de doenças crônicas22. As etiologias mais frequentes incluem as feridas venosas, por insuficiência arterial, diabéticas e feridas por pressão10. São agravos que exigem cuidado especializado e multidisciplinar e interdisciplinar, tanto por serem complicações de comorbidades, quanto por sua natureza multifatorial. Além dos altos custos envolvidos no cuidado dos pacientes portadores de feridas crônicas, têm-se também os prejuízos relacionados ao isolamento social e perda de funcionalidade desses indivíduos9.
Quanto à complexidade Feridas complexas Para ser classificada como ferida complexa, deve possuir pelo menos uma das características abaixo23:
Figura 2.12 Ferida complexa (neoplasia). Observe que há perda da viabilidade do segmento instestinal exposto e dermatite na pele periestomal.
23
24
Seção 1 – Introdução
Conclusão A classificação das feridas, portanto, serve ao propósito de registro e identificação, mas também à possibilidade de oferecer medidas preventivas aos grupos de pacientes de maior risco com objetivo de oferecer uma terapêutica adequada, tendo em vista as particularidades de cada classe de lesão.
Referências Bibliográficas Ver conteúdo das referências acessando o QRCode.
27 Tecnologias no Tratamento de Feridas Alessandra Rocha Luz Introdução Os tratamentos de lesões, atualmente, são um grande desafio para os serviços de saúde, acometendo todos os segmentos populacionais, com etiologias diversas. É necessária a utilização de recursos materiais, financeiros e humanos para realizar uma assistência adequada para o paciente portador de lesão1. O tratamento para lesões tem avançado muito, com novas tecnologias e com maior conhecimento por parte dos profissionais de saúde. Contudo, apesar das tecnologias tradicionais terem demonstrado eficácia no tratamento de lesões, ainda encontramos pacientes com lesões que não cicatrizam, representando uma alta taxa de recidiva e estagnação na evolução do processo de cicatrização das lesões2. O acesso às tecnologias corrobora para uma abordagem clínica mais eficaz e oferece maior acesso dos pacientes aos cuidados de saúde, permitindo superar algumas limitações no processo de cicatrização que ocorrem com o uso de terapias tópicas tradicionais.
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Oxigenoterapia Hiperbárica A cicatrização de feridas é um processo complexo, envolvendo diversos mediadores. A busca contínua para a compreensão da cicatrização tem sido fundamental para o entendimento da fisiologia normal, uma preocupação constante da medicina3. Diversas terapias, consideradas adjuvantes, melhoram a taxa de cicatrização de feridas e têm proporcionado uma perspectiva importante sobre o papel do oxigênio e o estresse oxidativo. A oxigenioterapia hiperbárica (HBO2) está entre essas terapias consideradas na atualidade3. Com o uso da câmara hiperbárica, em comparação às condições normobáricas, a concentração de oxigênio dissolvido no sangue aumenta em até doze vezes, aumentando o O2 no sangue e a distribuição deste nos tecidos4.
A oxigenoterapia hiperbárica (OH) depende de vários fatores, entre eles, a concentração adequada de oxigênio em contato direto com a ferida. A baixa perfusão tecidual no leito da ferida gera uma região isquêmica, que prejudica a síntese do colágeno e a proliferação de fibloblastos4. A OH oferece uma concentração adequada de oxigênio com efeitos precoces e tardios nas feridas. Os precoces são vasoconstrição e redução de edema, agindo como agente bacteriostático, bactericida, fungostático e fungicida, além de ter efeito sinérgico aos antibióticos. O efeito tardio é o estímulo à neovascularização, o que diminui a hipóxia4.
Indicações A OH é indicada como tratamento adjuvante para a cicatrização de feridas5,6. Atualmente a literatura não apresenta evidências fortes, mas ela tem sido indicada para:
• Vasculites agudas de etiologia alérgica, medicamentosa e de toxinas biológicas (aracnídeos, ofídios e insetos).
• Embolia gasosa e traumática pelo ar. • Doenças oculares. • Osteomielite crônica refratária. • Úlceras neuropáticas: pé diabético, lesões de decúbito, lesões por vasculites autoimunes, deiscência de sutura.
• Lesão em tecido por radiação: cistite e retite actínicas. • Enxertos e retalhos comprometidos. • Isquemias traumáticas agudas: lesão por esmagamento, síndrome de compartimento, síndrome de reperfusão.
• Gangrena gasosa. • Outras infecções necrotizantes de partes moles: celulites, fasceítes e miosites.
• Queimaduras. • Síndrome de Fournier. • Artrites. Estudos realizados por Margolis et al.7, com 6.259 pacientes com pé diabético, não evidenciaram melhoras na cicatrização de feridas nem redução da taxa de amputa-
394
Seção 4 – Tratamento de Feridas
ção maior. Porém, esses autores destacam a importância de avaliar cada caso. Os novos protocolos internacionais para cuidados com pés diabéticos recomendam o uso dessa terapia quando houver falha nos demais tratamentos por um período maior que 4 semanas8.
Contraindicação Alguns autores descrevem situações com necessidades de cuidados e a avaliação do risco-benefício. Assim, Fernandes9 apresenta contraindicações absolutas e relativas:
• Absolutas: »» Pneumotórax hipertensivo. »» Gravidez. »» Drogas: adriamicina, bleomicina,
dissulfiran,
cisplatina, sulfamilon. • Relativas: »» Toracotomias. »» Pneumotórax espontâneo prévio. »» Pacientes com suscetibilidade a convulsões. »» Doenças infecciosas das vias aéreas superiores: resfriados, otites, sinusites agudas ou crônicas. »» Dispepsias flatulentas. »» Otosclerose, operação prévia do ouvido médio.
Custos Trata-se de um tratamento adjuvante de alto custo. No Brasil, até os anos 1990, a pessoa que necessitava deste tratamento deveria procurar o Poder Judiciário, como apresentado em estudo realizado por Gomes et al.10, que demonstraram que 22,7% dos processos judiciais requeriam acesso ao tratamento com OH.
Vivenciando a clínica Atualmente, no Brasil, uma sessão de 2 horas custa em média R$200,00 a R$300,00. Em estudos realizados por Eggert, Worth e Van Gils11 com pacientes com diagnóstico de pé diabético participantes do protocolo de salvamento do membro, o tratamento custou US$33.100. Esses números evidenciam um bom custo-benefício com a utilização correta desta técnica.
Modo de Inserção Ação A origem grega do termo é: hiper (excesso ou acima) + baros (pressão, peso ou densidade) e oxis (ácido) + genao (produzir) + therapeia (tratamento), e tem o significado de tratamento por inalação de oxigênio5. A OH consiste na administração de oxigênio puro ou a 100% em ambiente com pressão maior que a pressão atmosférica ao nível do mar12. Aplica-se ao tratamento de doenças para as quais um maior aporte de oxigênio é benéfico. Kranke
et al.6 acrescentam que envolve pessoas respirando oxigênio puro em uma câmara especialmente preparada para esse fim. Essa terapia surgiu em 1622 com o médico Henshaw, e posteriormente foi utilizada em casos de tuberculose, cólera, surdez, anemias e hemorragias. Porém, foi a partir de 1965 que seu uso em feridas foi difundido12. No Brasil, o seu uso teve início após regulamentação em 1995 pelo Conselho Federal de Medicina, através da Resolução CFM 1457/9513. Em 2010, esta tecnologia entrou na lista de procedimentos liberados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), e tem cobertura obrigatória conforme diretrizes de utilização. Atualmente há 90 centros voltados para essa terapia no Brasil, e cerca de 2.500 em todo mundo12.
Câmara Hiperbárica São necessárias instalações apropriadas para a realização dessa terapia. Willers5 as descreve como compartimentos cilíndricos, fabricados com materiais resistentes capazes de suportar pressões altas e permitir que o paciente possa respirar concentrações de oxigênio a 100%. Esse autor apresenta ainda dois tipos de câmaras: • Monoplace: possui apenas um compartimento com capacidade para uma pessoa, sendo que o compartimento é selado onde o oxigênio é bombeado por meio de compressores, com cilindro em aço. A porta é vedada de forma a permitir a pressurização do ar em três níveis: (1) normobárico (uma atmosfera); (2) superbárico (duas atmosferas) e (3) hiperbárica (acima de duas atmosferas). Este tipo possui menor custo em comparação ao outro modelo e ocupa menos espaço, podendo ser transportado em ambulâncias. • Multiplace: possui dois ou mais compartimentos, sendo equipamentos tanques com paredes rígidas. A inalação do gás é realizada por máscaras ou capuzes em ambiente com pressão acima de uma atmosfera, sendo fabricada para atender mais de um paciente no mesmo ambiente.
Cuidados com Aplicação e Troca Willers5 descreve sua ação como absorção de altas doses de oxigênio que podem compensar condições de hipóxia. Assim, a OH supre a necessidade de oxigênio em áreas afetadas por via sistêmica, levando ao aumento da saturação tissular em volta da lesão (Fig. 27.1). Mas essa ação ainda não está muito bem estabelecida na literatura. Os principais efeitos que levam à cicatrização são:5;14
• Proliferação de fibroblastos. • Neovascularização. • Ação antimicrobiana.
Efeitos Adversos Fernandes9 descreve alguns efeitos colaterais, apesar de raros, e considera a terapia segura quando respeitados os protocolos. Esse autor apresenta como efeitos:
27 Tecnologias no Tratamento de Feridas Oxigenioterapia hiperbárica
FiO2
PpO2 Alveolar
Pp02 Arterial
Pressão do Ambiente Vasoconstrição hiperóxica
Pressão intracapilar
Deformabilidade eritrocitária
Difusão capilar
Efeito anti-isquêmico e redução do edema
Melhoria microcirculatória
Reabsorção do edema
Pressão intersticial
Pp02 Tecidual
Efeito pró-cicatrizante
Correção da hipóxia
Efeito Anti-infeccioso
Proliferação/ Migração fibroblástica
Bactericida/ Bacteriostático
Síntese de colágeno estável
Poder bactericida PMN
Neovascularização
Aporte local Igs/ Complemento
Reepitelização
Figura 27.1 Mecanismos fisiológicos da oxigenoterapia hiperbárica sobre os tecidos. Adaptada de Fernandes, 20099.
• Estresse oxidativo. • Irritação cortical (crise convulsiva), descrita em 1878 por
Paul Bert, que cede ao se retirar o processo de inalação. Estimam-se 0,7 casos a cada 10.000 tratamentos. • Toxicidade pulmonar (traqueobronquite): quando há exposição acima de 6 horas a OH. Ao se prolongar a exposição, pode evoluir para a Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (acute respiratory distress syndrome (ARDS), descrita em 1899). • Transtorno visual transitório (miopia hiperbárica), que pode ser revertido após algumas semanas.
Considerações Trata-se de terapia em uso há muitos anos, porém com pouca evidência científica para a recomendação de uso em massa. São necessárias avaliação criteriosa e recomendações cuidadosas, visto que estudos com maior rigor científico não comprovaram sua eficácia sobre as demais terapias, recomendando-a apenas como terapia adjuvante.
Terapia por Pressão Negativa A terapia por pressão negativa (TPN) é um sistema de sucção utilizado na medicina há séculos. Historicamente, o uso de ventosas para tratamento de diversas doenças era comumente utilizado, hoje sabemos que a sucção excessiva
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prejudica os tecidos. A partir de alguns conceitos e pesquisas já estabelecidos, os laboratórios têm buscado dispositivos que limitam a pressão e que geram benefícios para a saúde15. Assim, a sucção funciona como força mecânica. Esta força tem importância na reparação de tecidos, descrita por Julius Wolff na Alemanha, que reconheceu a adaptação da morfologia óssea às cargas mecânicas aplicadas. Sabe-se que as células endoteliais, os fibroblastos, entre outros, responsáveis pela cicatrização, respondem a essas forças mecânicas. Diante destas informações e respostas da pele à estimulação mecânica, muito se discutiu e avaliou o tratamento de feridas e dessas tecnologias a partir destes conceitos15. O aumento de ensaios clínicos e estudos neste campo proporcionaram uma maior compreensão sobre os efeitos clínicos observados, bem como o mecanismo de ação no tecido, nas células e no nível molecular15. O conceito surgiu no final da década de 1980 com denominações variadas na literatura, como: fechamento a vácuo assistido; fechamento por pressão subatmosférica; sucção selada; vedação à vácuo e limpeza com espuma por sucção16. No ano de 1997, Argenta e Morykwas publicaram o artigo “Vacuum-Assisted Closure: A New Method for Wound Control and Treatment: Clinical Experience”, onde relataram a nova técnica de utilização de pressão subatmosférica para tratamento de feridas em humanos. Procedimento este que acreditava acelerar o tempo de cura, a drenagem do exsudato, a diminuição do edema, a estimulação da angiogênese, a proliferação celular e a remoção de barreiras que impediam o processo de cicatrização da ferida17,18.
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Seção 4 – Tratamento de Feridas
Os pesquisadores Morykwas et al.1 estudaram e analisaram os resultados do efeito dessa terapia. Porém, após vários relatórios, somente em 1997 obtiveram uma resposta positiva para a publicação de seus estudos. A partir de então, essa terapia tem sido difundida, mas sem explicações claras sobre a cicatrização. No Brasil, seu uso teve início em 2001, com as pesquisas do Hospital das Clínicas vinculado à Faculdade de Medicina de São Paulo (FMSP) para tratamento de lesões por pressão, lesões venosas, pé diabético e, posteriormente, outros tipos de lesões1.
Indicações É uma cobertura primária de feridas com moderada à intensa exsudação. É indicada para feridas agudas e crônicas19, preenchimento de cavidades, complemento para fechamento temporário e preparação do leito da ferida para procedimentos cirúrgicos, como enxerto de pele e retalho20. A TPN tem sido utilizada na gestão de feridas em laparostomias, pois facilita os cuidados de enfermagem e contribui para fechamento primário da ferida em tempo menor quando comparado às demais técnicas21.
Contraindicações O profissional deve avaliar de forma cuidadosa os riscos, benefícios e alternativas quanto ao uso da TPN. Não é recomendado seu uso em15:
• Feridas secas. • Feridas com fístulas não entéricas e inexploradas. • Exposição de órgãos, nervos e vasos sanguíneos. • Sangramento ativo. • Sobre necroses com escara presente. • Pacientes sem revascularização. • Osteomielites não tratadas. • Feridas malignas (tumorais). • Exposição do local da anastomose. Quando necessário o uso da TPN em feridas com exposição de tendões, anastomoses e osteomielite, recomenda-se o uso de gaze não aderente impregnada com petrolatum para proteção do tecido adjacente15.
Custo No Brasil, este valor é estimado entre R$800,00 e R$3.000,00 a cada troca. Os valores são diferenciados de acordo com a empresa fabricante. Estudos realizados na Coreia do Sul, por Kim et al.22, identificaram um custo de US$341,26 para tratamento em 38 pessoas com fraturas traumáticas abertas utilizando TPN.
Modo de Inserção Ação Não estão estabelecidos com precisão os efeitos e a ação para a cicatrização com uso da TPN. Schintler20 apresenta alguns benefícios:
• Aumento do fluxo sanguíneo: estudos demonstraram que
a pressão subatmosférica maior que 100mmHg prolonga o efeito consistente do fluxo sanguíneo15,20. • Redução do edema: tem sido descrito devido à ação de sucção do fluido incluir a drenagem de líquidos dos vasos linfáticos, mas estudos têm apresentado apenas dados clínicos, e não apresentam redução de forma quantitativa15,20. • Função de barreira: o uso do filme de poliuretano forma uma barreira entre a ferida e o ambiente circundante, sendo permeável. A água é impermeável para o ar e as bactérias, tendo efeito bidirecional15,20. • Depuração bacteriana: controla a infecção retirando o exsudato e, assim, a colonização local. Estudos têm demonstrado que essa depuração ocorre de maneira mais eficaz quando associada à gaze impregnada com antimicrobiano15,20. • Formação de tecido de granulação: estudos têm demonstrado que o modo intermitente proporciona formação de tecidos mais evidente que o modo contínuo, prevalecendo a pressão ideal em torno de 125mmHg15,20. • Síntese celular: estudos com pacientes portadores de pé diabético demonstraram aumento de fatores de crescimento derivado de plaquetas e fatores de crescimento endotelial nos casos da TPN quando comparados com grupos-controle com uso de hidrocoloide15,20. • Viabilidade de retalhos: estudos têm demonstrado maior sobrevida do tecido e menor perda de tecido quando comparado ao grupo-controle. A pressão subatmosférica recomendada para o uso de TPN nesses casos é de 100mmHg no modo intermitente15,20. • Ambiente úmido da ferida: a TPN mantém a umidade favorecendo o processo de cicatrização, a partir da espuma que permanece úmida em contato com a ferida, retirando o excesso de exsudato15,20. • Outras ações: uma ação descrita por Hougaard et al.21 é a redução das taxas de infecção de sítio cirúrgico e complicações da ferida, evitando danos na parede abdominal em comparação a outras técnicas15,20 (Fig. 27.2).
Equipamento Aplicação de um curativo (gaze ou espuma) na cavidade da ferida, vedando-a com filme ou película adesiva. Liga-se este curativo a uma bomba de vácuo, o que proporciona uma pressão negativa controlada (aspiração), conforme demonstrado na Figura 27.316. Assim, basicamente o equipamento é composto por quatro elementos:
• Espuma: há vários tipos disponíveis no mercado. As mais
utilizadas são as espumas de poliuretano preto de poros abertos, associado ou não à prata. É um produto hidrofóbico em tamanhos diversificados15. O tamanho do poro está diretamente ligado à quantidade de tecido de granulação. Estudos em pacientes com pé diabético demonstraram que poros maiores estimulam mais a formação de tecido de granulação.
27 Tecnologias no Tratamento de Feridas
Termorregulação e retenção da umidade
cuum
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to va
Drenagem do exsudato da ferida, incuído: -excesso de secreção; -mediadores inflamatórios
Macrodeformações
Otimização do leito da ferida
Microdeformações
Figura 27.2 Principais mecanismos da ação da TPN. Adaptada de Huang et al., 2014.15
• Filme de poliuretano ou adesivos: são dispositivos im-
permeáveis de poliuretano, utilizados para obter vedação. Alguns produtos limitam o uso quando em superfícies curvas ou úmidas15. • Tubo conector: tubo de plástico que distribui a pressão negativa em lúmens de detecção individual, sendo vedado ao centro da espuma15. • Bomba: unidade de sistema programado exclusivamente para TPN15 (Fig. 27.4).
Cuidados com Aplicação e Troca O período de troca não está bem estabelecido na literatura. As determinações dos fabricantes, atualmente, são de 48h a 72h para o curativo, sendo a espuma e o sistema tubular ligados à bomba de vácuo. Para a troca do reservatório, recomenda-se 1 semana, a bomba é reutilizável, sendo, em sua maioria, recolhida pela empresa após o término do tratamento. O tempo total de uso está vinculado aos objetivos da terapia. Está descrito na literatura cerca de 1 a 2 semanas para formação de tecido de granulação. Não há benefícios com o uso a longo prazo, acima de 16 semanas.
Nos casos em que a ferida apresenta necrose, se faz necessário o desbridamento cirúrgico antes da inserção da TPN. Na exposição óssea, é necessário o uso de cobertura para proteção, podendo associar outras coberturas, como gaze impregnada com emulsão de petrolatum e espuma de poliuretano, própria para cavidade (Fig. 27.5).
Efeitos Adversos Diante da facilidade do uso e do aumento do número de casos, complicações e efeitos colaterais têm sido apresentados. Por isso, é necessária uma avaliação criteriosa para seu uso. Os efeitos são: (1) maceração de bordas, (2) sangramentos e hemorragia, (3) infecção (casos raros, mas associados à morte do paciente), (4) dor e (5) retenção e aderência da espuma no leito da ferida (para evitar, recomenda-se uso de gaze não aderente impregnada com petrolatum)15.
Considerações A literatura atual tem demonstrado que a TPN apresenta melhores resultados em feridas agudas, por apresentarem fechamento das feridas em tempo menor19. A eficácia da
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Seção 4 – Tratamento de Feridas
TPN tem sido aceita por vários profissionais e instituições de saúde, porém, o número de estudos de alto nível que demonstram a eficácia ainda é pequeno. Assim, ainda necessita de maiores esclarecimentos sobre o mecanismo da TPN e sua ação sobre o processo de cicatrização. Espera-se que novos estudos tragam dados mais consistentes, para auxiliar na escolha de novas tecnologias envolvendo a TPN.
Ozonioterapia A ozonioterapia é uma técnica que emprega o uso do ozônio como agente terapêutico26. Cristian Friedrick Schonbein, químico alemão, descobriu em 1834 o ozônio (O3), que produzia um odor distinto. Porém, só em 1857, com o químico Werner Von Siemens, foi desenvolvido um gerador de alta frequência para produzir o gás ozônio26. A sua utilização pioneira em feridas ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial, quando se aplicava ozônio tópico nas feridas ainda no campo de batalha27. Atualmente, com as novas tecnologias da informação, têm sido aprimorados os geradores portáteis, vias de aplicação e doses. Na Europa, há um crescimento na utilização do ozônio para tratamento e em cosméticos com objetivos estéticos.
Indicações Figura 27.3 Modo de inserção em lesão de abdome. Fonte: Olona et al., 201423.
A característica com maior potencial terapêutico descrito na literatura27 é a ação bactericida ocasionada pelo ozônio, que direciona o rompimento da membrana celular, devido à oxidação dos fosfolipídios e lipoproteínas28. São
Filme de Poliuretano
Sucção
Espuma
Tubo de sucção
Figura 27.4 Instalação da TPN24. Adaptada de CONITEC, 201424.
27 Tecnologias no Tratamento de Feridas
A
B
Figura 27.5 Instalação da TPN em paciente vítima de acidente automobilístico com ferida traumática25. (A) Lesão apresentando sinais de infecção. (B) Lesão com tecido de granulação e redução da área após 28 dias com uso de terapia por pressão negativa. (C) Lesão apresentando redução da área com enxertia de pele25. C
descritas várias indicações na literatura, porém ainda com poucos estudos com evidências.
• Alergia ao ozônio. • Favismo, sendo deficiência da enzima glicose-6-fosfato
• Outras indicações da ozonioterapia são27: • Tratamento de lesões: traumáticas, pé diabético, lesão por
• Anemia grave.
pressão, queimaduras, lesões vasculares de membros inferiores. • Imunodeficiência: inatividade do vírus da imunodeficiência humana (HIV), a partir da inativação do fator VIII sem prejudicar a funcionalidade. Favorece a homeostase do sistema imune, equilibrando os parâmetros29. • Cervicalgias, lombalgias. • Artrite reumatoide.
Contraindicações As contradições listadas são as seguintes28,30:
• Intoxicação aguda por álcool. • Infarto agudo do miocárdio recente. • Hemorragia em qualquer órgão. • Gravidez. • Hipertireoidismo. • Trombocitopenia.
desidrogenase (G6PD).
Custos A Associação Brasileira de Ozonioterapia relata que a terapia apresenta baixo custo, e que países da Europa têm a incorporado em hospitais públicos e custeado pelos programas de saúde privada31.
Modo de inserção Ação O efeito do ozônio para a cicatrização de lesões ocorre a partir da liberação de oxigênio, estimulando agentes antioxidantes32, e apresenta competências antimicrobianas32,33. Segundo Bocci et al., o ozônio se apresenta versátil34. A aplicação tende a variar de acordo com a “afecção” que pretende abordar, pois as concentrações do ozônio irão determinar o efeito no organismo.
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Seção 4 – Tratamento de Feridas
Bocci et al.34 relatam algumas formas de aplicação, como:
• Injeção: (1) auto-hemoterapia menor por via subcutânea (hoje em desuso devido aos efeitos colaterais) e intramuscular ou (2) auto-hemoterapia maior por via intravenosa. • Aplicação tópica: com sistema de sucção, estando uma parte do corpo dentro de uma bolsa em que suas extremidades estejam vedadas. • Aplicação tópica de água bidestilada ou azeite ozonizados sobre a pele lesionada. • Insuflação retal com absorção pela mucosa intestinal. • Aplicação intra-articular, paravertebral ou intradiscal, com o ozônio injetado diretamente nestes locais. • Hidrozonioterapia, feita com imersão da área em água ozonizada. • Outras vias descritas na literatura34: insuflação endovaginal e uretral29.
Cuidados com Aplicação e Trocas Bocci et al.34 apresentam algumas recomendações, como:
• A aplicação e a reaplicação são variáveis. Dependem da
via e do objetivo do tratamento. • Por via intravenosa, recomenda-se a realização de exames de coagulação previamente. Caso ultrapasse as taxas, pode haver síndrome da coagulação. • A administração não pode ultrapassar 3mg/mL (3mg/L) em solução salina, e o tempo de infusão de 20 minutos tem sido recomendado como suficiente para atingir o platô. • A periodicidade deve ser ponderada seriamente. A Associação Brasileira de Ozonioterapia afirma que doses aplicadas em excesso podem causar danos aos indivíduos, e que doses muito inferiores são ineficazes. Somente um profissional capacitado poderá indicar e aplicar a dose e via de forma individualizada31.
Efeitos Adversos De acordo com a literatura, a terapia pode apresentar dor, principalmente por vias injetáveis34. Outro efeito indesejável é síndrome da coagulação, quando não respeitados os cuidados prévios e as taxas de aplicação34.
Vivenciando a clínica Alguns países, como Alemanha, Cuba e Rússia, já utilizam a ozonioterapia em ambulatórios e hospitais. No Brasil, o Conselho Federal de Medicina ainda não considera a ozonioterapia como procedimento médico, relatando a ausência de estudos com boa evidência31, porém o Conselho Federal de Odontologia35 aprovou, em 2015, a ozonioterapia como procedimento odontológico.
Sua desvantagem é a aplicação no local, não sendo possível o transporte do ozônio, pois sua precipitação total ocorre em poucas horas28.
Laserterapia A terminologia laser é um acrônimo para Light Amplification by Stimulated Emission of Radiation, inferindo uma amplificação da luz por emissão estimulada da radiação37. Inicialmente, o laser foi utilizado por cirurgiões em procedimentos oftalmológicos37. O uso terapêutico do laser de baixa frequência em feridas iniciou-se em 1960 nos Estados Unidos36, com Theodore Maiman. Porém, os estudos publicados datam de 23 anos após, tendo sido feitos em ratos com avaliação a partir da irradiação de laser He-Ne (Hélio-Neônio)37. Atualmente há poucos estudos que demonstram a eficácia desta terapia. Contudo, ela tem sido muito utilizada por profissionais da saúde, principalmente nas áreas de odontologia e feridas. Faz-se necessária a realização de estudos com boa evidência, pois os efeitos da irradiação do laser e seus resultados não são bem compreendidos38.
Indicações Kitchen36 relata as seguintes indicações:
• Cicatrização de feridas cutâneas. • Tratamento de diversos tipos de artrites. • Alívio da dor. Algumas doenças citadas em estudos que obtiveram resultados positivos são: artrite reumatoide, osteoartrite e dor artrogênica, dor neuropática e neurogênica crônicas36.
Contraindicações Kitchen36 relata algumas condições em que não se recomenda o uso da laserterapia por baixa frequência: Uso diretamente nos olhos. Apesar do avanço da tecnologia, que tem realizado tratamentos oftalmológicos com resultados muito eficazes. Diagnóstico ou suspeita de carcinoma, exceto em casos paliativos com indicação de alívio dos sintomas. Segundo Kitchen36, o laser pode estimular os efeitos carcinogênicos e, assim, “afetar os mecanismos de reparo do DNA”. Aplicação direta sobre o útero em gestante. Diante da ausência de estudos, Kitchen36 recomenda, como forma de precaução, evitar o uso do laser para tratamento sobre o útero. Hemorragia é contraindicação absoluta para laserterapia, devido ao risco de vasodilatação induzida pelo laser. Paciente com déficit cognitivo, pois ele necessita ter condições para compreender e colaborar com as orientações. Feridas com infecção por Escherichia coli confirmada em cultura de tecido. Kitchen36 relata que o laser tem potencial para estimular o crescimento desta bactéria.
27 Tecnologias no Tratamento de Feridas
Custos A laserterapia é avaliada de forma individual. Assim, os valores podem diferir após avaliação criteriosa do paciente, da etiologia da lesão, das características da lesão e da localização, bem como de cada profissional. Em São Paulo, o valor da sessão varia entre R$200,00 e R$400,00. Em Minas Gerais, a sessão varia de R$90,00 a R$160,00. Os estudos sobre laserterapia não comparam custo-benefício.
Modo de Inserção Ação Segundo Andrade et al.,37 o laser auxilia na proliferação e ativação de linfócitos, aumenta a fagocitose e intensifica a reabsorção de fibrina e colágeno. Estes autores relatam ainda que o laser aumenta a motilidade de células epiteliais e a quantidade de tecido de granulação e reduz a síntese de mediadores inflamatórios. Silveira et al. corroboram com demais autores, declarando que essa terapia realiza uma cascata, gerando aumento da proliferação celular e citoproteção38. A laserterapia de baixa intensidade se resume basicamente na aplicação terapêutica de lasers e diodos superluminosos monocromáticos com potência relativamente baixa (< 500mW), destinada a tratamento de feridas com doses muito baixas (< 35J/cm2)36.
Cuidados com Aplicação e Periodicidade Petz39 recomenda a limpeza do leito da lesão previamente ao uso do laser. Outros cuidados referem a lesões por pressão, sendo necessário considerar avaliação sistêmica, cronicidade da lesão, estado nutricional do indivíduo, comorbidades, bem como alterações vasculares, coberturas primárias utilizadas adequadamente e medidas preventivas39. A aplicação desta terapia inicia-se com a determinação do comprimento da onda e dos parâmetros de irradiação. Kitchen36 cita os parâmetros descritos a seguir36:
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• Potência de saída: expressa em miliwatts (mW) ou milé-
simos de um watt. Os equipamentos permitem a alteração da porcentagem de potência, apresentando também uma potência entre 30 e 200mW36. • Irradiância (densidade de potência): trata-se de potência por unidade de área (mW/cm2), sendo mantida em modo alto36. • Energia: expressa em joules (J) e apontada por ponto irradiado ou vários pontos buscando tratamento geral. Calcula-se multiplicando a potência de saída em watts pelo tempo de irradiação ou aplicação em segundos. De tal modo, o aparelho com 30mW aplicado por 1 minuto (60 segundos) emitirá 1,8J de energia36. • Exposição radiante (densidade de energia): destacada por Kitchen como a melhor forma para especificar a dosagem. Apresentada em joules por unidade de área (J/ cm2). O tratamento é individualizado. O cálculo para
densidade de energia ocorre a partir da divisão da energia (J) pelo tamanho da área (cm) em que pretende tratar36. • Frequência de repetição de pulso: expressa em hertz (Hz). O pulso pode variar de 2 a milhares de Hz. É um parâmetro ainda em discussão, principalmente seus efeitos biológicos36.
Efeitos Adversos Alguns autores apresentam a hipersensibilidade à radiação. Outros efeitos são relatados devido ao uso incorreto e às doses acima do recomendado. São citados também possibilidades de hemorragia pela vasodilatação, estímulo de atividade bacteriana e estímulo de proliferação celular nos casos de carcinoma36,40.
Considerações Há poucos estudos publicados sobre laserterapia, em sua maioria, nas áreas de odontologia e fisioterapia. São necessários estudos com boa evidência para o tratamento de lesões39. Os estudos avaliados recomendam o tratamento de laserterapia para se obter os seguintes resultados: ação anti-inflamatória, revascularização, retração de bordas, neoangiogênese, proliferação de fibloblastos, síntese e deposição de colágeno. Os profissionais da saúde, para utilizar o laser, devem ser capacitados e responsáveis, seguindo os parâmetros adequados. Sendo estes, dose de energia entre 3 e 6J/cm na potência de 1 a 5mW/cm e com um comprimento de onda 632,8 a 1.000nm39,40.
Outros Tratamentos Adjuvantes Fatores de Crescimento São essenciais para o processo de reparação tecidual, sendo uma alternativa para o tratamento de feridas. Indicado pela Infectious Diseases Society of America (IDSA)41 como tratamento adjuvante no tratamento das feridas do pé diabético após 4 semanas de tratamento convencional sem sucesso41,42. Há poucos estudos com produtos a base de fatores de crescimento, diante do seu alto custo no mercado. Alguns tipos citados na literatura são:
• Fatores de crescimento derivados de plaquetas (PDGF):
células endoteliais, macrófagos e plaquetas produzem os PDGF, buscando atrair neutrófilos e monócitos no inicio da cicatrização, causando síntese do colágeno e proteoglicanos, induzindo os fibroblastos à contração das bordas da ferida e remodelando a matriz celular43. Travin Carneiro et al.43 demonstraram a necessidade de associar, nas pesquisas realizadas com este produto, outros tratamentos locais e tecnologias. • Fatores de crescimento insulínicos (IGF): produzidos por órgãos e tecidos. O IGF circulante tem origem no fígado. Os subtipos IGF-1 e IGF-2, sendo peptídeos com alto
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Seção 4 – Tratamento de Feridas
grau de hemoglobina estrutural, como a pró-insulina, atuam sobre o metabolismo intermediário, o crescimento e a diferenciação celular. São responsáveis ainda pela mitose de fibroblastos43. • Fatores de crescimento epidermal (EGF): trata-se de um peptídeo produzido por macrófagos que promove a regeneração celular epidérmica e atua no processo de cicatrização tecidual a partir da estimulação, proliferação e migração de queratinócitos e fibroblastos43. • Fatores de crescimento fibroblástico (FGF): produzidos por macrófagos, mastócitos, células epiteliais e fibroblastos. Os subtipos FGF-1, ou FGFa (ácido), e FGF-2, ou FGFb (básico), agem no recrutamento, ativação, mitogêneses, migração e diferenciação de diversos tipos de células no leito da ferida. Também induzem a liberação do fator de crescimento epitelial vascular (VEGF), o que potencializa a angiogênese e contribui para a síntese de colágeno e, consequentemente, a resistência tecidual43. • Fatores de crescimento epitelial vascular (VEGF): as células mesenquimais sintetizam e secretam o VEGF. Citado como um potente indutor da neoangiogênese, contribui no processo inflamatório crônico e na regeneração tecidual em indivíduos diabéticos43.
Substitutos Cutâneos Os substitutos cutâneos são elementos biológicos ou sintéticos utilizados para fechamento temporário ou permanente das lesões44.
Indivíduos com extensa perda cutânea decorrente a traumas, feridas crônicas, queimaduras e outras afecções apresentam vários problemas, incluindo aumento do risco para infecções, morbidades e mortalidade. Uma possibilidade para estes casos é o enxerto de pele autógena (do próprio indivíduo), quando possível, aloenxertos (indivíduos da mesma espécie), xenoenxertos (de uma espécie para outra distinta) ou sintéticos (derivados de engenharia de tecidos)44. O tipo de enxerto é determinado a partir de vários fatores: extensão e profundidade da lesão, comorbidades, decisão do indivíduo e experiência do profissional cirurgião, bem como da disponibilidade financeira44. Este tema está descrito no Capítulo 26 desta obra.
Referências Bibliográficas Ver conteúdo das referências acessando o QRCode.
YURI & BEATRIZ
YURI DE CASTRO MACHADO BEATRIZ DEOTI E SILVA RODRIGUES
Diagnóstico e Tratamento de
Diagnóstico e Tratamento de
ISBN: 978-85-5795-010-8
Diagnóstico e Tratamento de
A abordagem das feridas, assim como todas as outras áreas da Medicina, desenvolveu-se muito nos últimos anos. Diagnóstico e Tratamento de Feridas tem como objetivo compilar esses conhecimentos (tradicionais e novos) para estudantes de medicina e enfermagem, médicos, enfermeiros e cuidadores. Os capítulos foram escritos por especialistas que atuam diariamente em casos semelhantes aos abordados e contemplam todo o universo de apresentação das feridas (história, anatomia e fisiologia da pele, cicatrização, modulação imunológica, lesão por pressão, curativos, desbridamentos, pé diabético, anestesia e analgesia, antibióticos e casos clínicos), com foco no seu diagnóstico e tratamento, apontando as prováveis tendências a serem seguidas nos próximos anos.
Feridas
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