Os autores Ricardo e Mabel Cavalcanti dedicam-se há mais de 40 anos à solução das dificuldades sexuais de seus clientes. Nesta nova edição, revista e atualizada, apresentam uma metodologia original de estruturação da terapia sexual a fim de manter saudável o relacionamento dos casais. Destinado a médicos e psicólogos, o livro Tratamento Clínico das Inadequações Sexuais tem como base o trabalho sério e de comprovada eficácia clínica dos autores, apresenta inspiração cognitivo-comportamental, através de um texto simples e didático e, ao final de cada capítulo, apresenta questionários para avaliação do aprendizado sobre cada tema abordado.
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Sumário
01. Critérios de Sexo ............................................................................................................................................................................ 001 02. Grandes Modelos Terapêuticos ............................................................................................................................................. 005 03. Principais Escolas Psicoterápicas........................................................................................................................................... 011 04. Princípios Comportamentais e Cognitivos ..................................................................................................................... 039 05. Delineando um Posicionamento Teórico.......................................................................................................................... 065 06. Fases Biológicas da Resposta Sexual Humana............................................................................................................... 071 07. Anatomia dos Órgãos Sexuais................................................................................................................................................ 077 08. Fisiologia da Resposta Sexual Humana. ............................................................................................................................ 091 09. Procedimentos Terapêuticos. .................................................................................................................................................. 135 10. Proposta de Estrutura Terapêutica ...................................................................................................................................... 183 11. Disfunções Sexuais ....................................................................................................................................................................... 207 12. Disfunção do Desejo ................................................................................................................................................................... 233 13. Disfunção Erétil .............................................................................................................................................................................. 249 14. Distúrbios da Ejaculação............................................................................................................................................................ 285 15. Desordens do Orgasmo.............................................................................................................................................................. 307 16. Vaginismo e Dispareunia........................................................................................................................................................... 323 17. Sexualidade no Ciclo Gravídico-puerperal Normal..................................................................................................... 337 18. Disfunções Sexuais na Terceira Idade. ................................................................................................................................ 345 19. Ética do Terapeuta Sexual.......................................................................................................................................................... 357 19. Referências Bibliográficas.......................................................................................................................................................... 362 19. Índice Remissivo............................................................................................................................................................................. 367
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2 Grandes Modelos Terapêuticos O modo de encarar e tratar os problemas sexuais varia de acordo com as concepções teóricas de cada um. Diversas correntes procuram explicar a gênese dos distúrbios da sexualidade, e, de acordo com seus esquemas explicativos, apontam orientações terapêuticas que consideram mais aplicáveis e eficientes. Numa primeira aproximação, podemos agrupar os diferentes pontos de vista dentro de três modelos básicos:
• Modelo médico clássico ou organicista. • Modelo psicológico. • Modelo psicossomático ou holístico. No modelo médico clássico, os transtornos do comportamento em geral, e os da sexualidade em particular, são considerados como sintomas de enfermidades orgânicas. As perturbações funcionais da resposta sexual humana seriam determinadas apenas por fatores biológicos e, a partir daí, se adotaria uma postura somática exclusiva no tratamento desses distúrbios. Esta visão organicista dos problemas do comportamento mantém a crença de que todas as dificuldades sexuais são, em essência, semelhantes às doenças de outras partes do corpo. Aqui, o setor atingido é a estrutura anatomofuncional, responsável pela resposta sexual humana. A terapia, evidentemente fundamentada em procedimentos físicos e em medicamentos, aplica ao campo dos distúrbios da sexualidade, a mesma metodologia e o mesmo arsenal terapêutico utilizado no tratamento das doenças orgânicas. Neste contexto, o médico desempenha um papel essencialmente ativo; o remédio é o agente da cura e o doente, um elemento passivo, daí a denominação “paciente”. Dele se espera o mínimo de colaboração, pois a eficiência da terapia repousa, basicamente, na capacidade técnica do médico, evidenciada pelo diagnóstico correto e pela prescrição medicamentosa acertada. É claro que, na terapia das inadequações sexuais, o alto índice de fracasso evidencia, desde logo, a impropriedade da abordagem médica clássica.
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No modelo psicológico, o transtorno da conduta sexual não é encarado como doença, nem o terapeuta como elemento ativo do processo psicoterápico. Ativo é o paciente. Ele é seu próprio agente da cura. O terapeuta é apenas um catalisador do processo. O modelo psicológico foi uma reação contra os radicalismos da visão organicista. Infelizmente, alguns de seus seguidores logo passaram a considerar que a causa de todos os distúrbios do comportamento, e em particular as disfunções sexuais, era exclusivamente psicológica e, portanto, só adequadamente tratada por procedimentos psicoterápicos. Configurou-se, então, um radicalismo em sentido oposto ao modelo organicista. Naturalmente, o índice de fracassos também era alto na terapia das disfunções sexuais. O modelo psicossomático ou holístico é uma visão terapêutica mais centrada. Nele prevalece a crença de que o indivíduo reage como um todo psicofísico. As disfunções sexuais podem ser determinadas tanto por fatores primariamente orgânicos como por fatores primariamente psicológicos. É evidente que, quando há causas orgânicas, estas devem ser tratadas com procedimentos biológicos, mas quando as causas são exclusivamente psicológicas, o tratamento deve ser psicoterápico. Esclarece-se, no entanto, que não há enfermidade física sem comprometimento psíquico. Da mesma forma, os comprometimentos psicológicos terminam, de alguma maneira, por causar alterações orgânicas. É por esta razão que o tratamento orgânico beneficia o psiquismo do indivíduo e o tratamento psíquico traz benefícios para as condições biológicas da pessoa. Este é o princípio da solidariedade psicofísica. No caso particular das disfunções sexuais, teoricamente, tanto o tratamento físico quanto o psíquico são vantajosos. Há de se acrescentar, porém, que todos se beneficiarão do apoio da psicoterapia As disfunções sexuais são distúrbios psicossomáticos, isto é, alterações fisiológicas e/ou estruturais resultantes de processos psicológicos. Estes distúrbios são evidenciados, ao nível do corpo, por perturbações
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circunscritas ou disseminadas no funcionamento dos efetores autônomos (glândulas e músculos lisos), decorrentes da diminuição ou do aumento da atividade fisiológica. Quando uma pessoa vivencia uma emoção, as mudanças que nela ocorrem são primariamente construtivas, uma vez que procuram preparar o organismo para agir em uma determinada situação, para enfrentar ou evitar o problema. Tais modificações fisiológicas têm, portanto, caráter adaptativo. Contudo, se as reações funcionais são demasiadamente intensas ou duradouras, elas perdem o caráter construtivo e passam a ser, elas mesmas, agentes agressores do organismo. Aí está configurado o que se chama distúrbio psicossomático. Esses distúrbios vão desde as simples alterações funcionais (mudanças psicofuncionais), que podem ser totais ou parcialmente reversíveis, até as lesões estruturais de tecidos e órgãos (doenças psicossomáticas). As disfunções que ocorrem no comportamento sexual se enquadram, em geral, entre as alterações reversíveis da fisiologia, superáveis, portanto, por meio de tratamento adequado. Algumas, porém, são alterações irreversíveis, com lesões estruturais bem caracterizadas. O conceito de que grande parte das disfunções sexuais são problemas psicossomáticos nos permite adotar uma linha explicativa de raciocínio, face às múltiplas causas determinantes das alterações funcionais da atividade sexual. Na maior parte das vezes, uma disfunção resulta de uma série de variáveis confluentes. Duração
Intensidade
Frequência
Algumas mais relevantes do que outras. Tudo depende do indivíduo. O que para uma pessoa pode constituir uma causa de desequilíbrio, para outra pode não ter nenhum significado. Por isso, mais importante do que relacionar fatores psicológicos específicos é determinar o mecanismo básico da causalidade, isto é, definir o “poder reacional” de cada pessoa, em dado momento da sua vida, diante de um determinado estímulo (Fig. 2.1). Acreditamos que o poder reacional (PR) é o resultado do cotejo entre a provocação emocional (aqui entendida como intensidade, duração e freqüência da situação estimuladora) e a estrutura psicofísica do indivíduo em certa fase da vida. PR =
Provocação emocional Estrutura psicofísica
O fator mais importante não é, portanto, o estímulo. É a estrutura psicofísica do indivíduo com seu passado experiencial, suas predisposições genéticas e adquiridas e, sobretudo seu modo de interpretação dos eventos que dá maior ou menor significado a uma provocação emocional, como também promoverá, no organismo um estado de maior ou menor vulnerabilidade ao fator estimulante. Toda vez que a provocação emocional for maior que a resistência da estrutura psicofísica, sobreviverá uma disfunção. Mas esta só será incorporada ao repertório sexual de uma pessoa se houver fatores reforçadores que a mantenham. Uma simples e
Potencialidades
Vivências
Estímulo
Aprendizagem
Organismo (PR)
Mudanças destrutivas
Mudanças construtivas
Caráter não adaptativo
Caráter adaptativo
DISTÚRBIO PSICOSSOMÁTICO Alterações funcionais
Alterações estruturais
SAÚDE
DOENÇAS PSICOSSOMÁTICAS
Figura 2.1 – Mecanismo geral das alterações psicossomáticas.
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eventual falência do processo fisiológico, como ocorre em episódios anorgásmicos esporádicos ou em falhas eréteis transitórias, indica uma “provocação emocional”, mas não define, necessariamente, um quadro de disfunção. Para que se caracterize o estado disfuncional é necessário que o problema seja permanente, o que só se evidencia se houver variáveis que reforcem a constância da alteração funcional. No tratamento das disfunções sexuais, é imperativo identificar sempre duas categorias de variáveis: as detonadoras, que disparam a provocação emocional, e as reforçadoras, que mantêm a constância do problema. Em terapia, um passo essencial para que se obtenha a solução do problema é identificar e neutralizar as variáveis reforçadoras. Sem isso, o processo terapêutico conseguirá, no máximo, um alívio temporário e inconstante do distúrbio sexual. Ainda no que concerne à estrutura psicofísica, há de se assinalar que, no intervalo entre a captação do estímulo e o eliciamento da resposta, atua toda uma cadeia de complexas reações cogntivas e fisiológicas, sendo imprescindível que cada elo esteja hígido para que não haja una alteração, total ou parcial, no mecanismo da resposta. Assim, receptores sensoriais, vias eferentes e aferentes, centros sexuais e efetores devem estar funcionalmente normais. Qualquer condição física que modifique esta higidez (anomalias genéticas e congênitas, enfermidades agudas e crônicas, drogas etc), são causas orgânicas de disfunções sexuais. Também é necessário mencionar que indivíduos com respostas funcionalmente hígidas podem apresentar dificuldades constitucionais, quando em confronto com o potencial biológico do parceiro. Ambos são funcionais, mas o relacionamento é inadequado. Na verdade, toda pessoa herda, como patrimônio biológico, aptidão para eliciar respostas sexuais. A natureza, no entanto, não distribui a todos, de forma equitativa, a mesma capacidade de responder sexualmente, conferindo maior potencialidade a uns do que a outros. Isso equivale a dizer que há, constitucionalmente, indivíduos mais “sexuais” do que outros. Tal afirmativa pode ser demonstrada tomando-se o exemplo da apetência sexual. Os estatísticos afirmam que é muito importante fixar o valor modal de um evento, isto é, o valor mais observado para este evento em determinado grupo. Fixado o valor modal (x), é possível determinar um desvio padrão, e assim medir o grau de dispersão dos indivíduos em torno do valor médio.
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No caso da apetência sexual, é muito difícil fixar valores médios para um certo grupo. Alguns acreditam que um bom parâmetro é assinalar a frequência média das relações sexuais das pessoas desse grupo, em determinada unidade de tempo. Assim, se a frequência média for x, os indivíduos do grupo que tiverem x-1, x-2, x-3, ..., x-n relações sexuais em um tempo (t) prefixado serão considerados como hipoapetentes, enquanto os que tiverem x+1, x+2, x+3, ..., x+n, hiperapetentes. A fragilidade deste critério é evidente. Nem sempre não ter relações sexuais com a frequência considerada “normal” indica alguma “anormalidade” na apetência. Para se ter relações sexuais, é necessária uma série de fatores, como disponibilidade de parceiro, local, saúde etc., o que nem sempre condiz com o grau de apetência sexual de determinado indivíduo. Nas sociedades tradicionais, embora a mulher possa arder em desejo, geralmente fica ao sabor da disponibilidade do parceiro para ter relações sexuais. Pensando assim, Hastings, usando a curva de Gauss, estabeleceu as diferenças individuais, distribuindo graficamente as pessoas de acordo com o seu grau de apetência. Se um indivíduo está no ponto “B” e a parceira no ponto “E”, é natural que ele a considere “hipersexuada”, enquanto ela tenderá a rubricá-lo de “hipossexuado” (Fig. 2.2). Na hipótese dos parceiros estarem no mesmo ponto, ou em pontos muito próximos, a adequação se evidencia de modo bastante claro e será tanto mais efetiva quanto mais próximas estiverem as posições dos parceiros. O trabalho de Hastings vale, sobretudo, para esclarecer que ninguém é “hipo” ou “hipersexuado” por si mesmo. Um indivíduo pode ser “hipersexuado” para
X C
D
B
E F
A -3
-2
-1
X
+1
+2
+3
Figura 2.2 – Curva de Gauss.
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uma parceira e “hipossexuado” para outra. Como se pode constatar, o critério é essencialmente subjetivo, de modo que a avaliação do problema só pode ser feita em relação a um parceiro específico. Embora seja válido admitir que em cada ser humano existe um potencial, maior ou menor, de reatividade erótica, a possibilidade desse potencial ser explorado ou inibido dependerá das condições do meio ambiente. Para que se entenda melhor o problema, vamos tecer algumas considerações. Em primeiro lugar, é preciso definir melhor as características da “provocação emocional”. Para tanto, temos de recordar noções elementares e gerais de psicofísica. Qualquer evento do meio ambiente, interno ou externo, que determine uma resposta é considerado um estímulo. É a resposta que caracteriza a existência do estímulo, porque se o evento não determinar a resposta não pode ser considerado como um fenômeno estimulador, pelo menos para aquela pessoa, naquelas condições específicas. Sabemos também que uma resposta só é efetuada se o estímulo tiver certa intensidade. A menor intensidade capaz de eliciar uma resposta é chamada de limiar. Quando um estímulo é apresentado, a resposta não é imediata. O intervalo de tempo que vai da apresentação do estímulo ao início da resposta é chamado de latência (Fig. 2.3). Quanto maior for a magnitude do estímulo, maior será a magnitude da resposta e menor o tempo de latência (tente aplicar isso ao exercício da atividade sexual). Quando um estímulo é apresentado com muita frequência, o tempo da latência aumenta e a magnitude da resposta se torna cada vez menor. Nestes casos, a intensidade do estímulo necessário para ultrapassar o limiar aumenta de modo considerável. Quando isso ocorre, podemos observar o fenômeno da fadiga.
Intensidade
Frequência
Estímulo
Duração
Latência
Resposta
Figura 2.3 – Componentes da relação E-R.
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Na fadiga, o estímulo não perde o poder de eliciar; é o organismo que, cansado, perde temporariamente a capacidade de responder. Basta esperar a recuperação física e a pessoa voltará a ter novas respostas (veja como é fácil transportar todas estas considerações para o campo da sexualidade humana). Também é necessário distinguir claramente fadiga, habituação e saciação. Na habituação, a apresentação repetida de mesmo estímulo determina diminuição da receptividade ao estímulo apresentado. O indivíduo pode não estar fisicamente cansado, mas a crescente familiaridade com a situação estimuladora faz com que ele perca, gradualmente, a capacidade de responder. Já se disse, com justa razão, que “a familiaridade conduz à indiferença”. Eis o que ocorre com uma das mais frequentes formas de disfunção do desejo (“inapetência situacional”), comumente observada em casais unidos há muito tempo. O longo período de convivência, a exposição repetida aos mesmos estímulos sexuais faz com que os parceiros se “esgotem” sexualmente. Eles perdem o poder de estimular sexualmente o outro; deixam de ser, portanto, estímulos sexuais “efetivos” e, se muitas vezes continuam unidos, é porque a convivência foi cimentada por outros motivos, dentre eles os laços de uma afeição sincera e profunda. Na saciação, a apresentação repetida de um mesmo estímulo faz com que o evento perca seu poder eliciador. Saciação e fadiga, embora conceitos muito próximos, são nitidamente distintos. Um indivíduo pode estar fatigado, mas não saciado e vice-versa. Por outro lado, a diferença entre saciação e habituação também é clara, embora nem sempre bem compreendida. A saciação é um fenômeno que ocorre a curto prazo, enquanto a habituação ocorre a longo prazo. Um indivíduo pode estar saciado sexualmente, mas não necessariamente habituado. Uma pessoa que acabou de ter relações sexuais pode estar saciada em relação ao parceiro. Podemos dizer que a saciação é a condição oposta à privação sexual, sem que o indivíduo esteja, necessariamente, em estado de fadiga ou de habituação. Para que tudo fique bem claro, pode-se dizer que a fadiga e a saciação são estados de esgotamento físico, e a habituação é um estado de esgotamento psíquico (Tabela 2.1). Já afirmamos que um indivíduo sexualmente funcional responde a um estímulo erótico efetivo. Agora
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Grandes Modelos Terapêuticos 9 Tabela 2.1 – Estados decorrentes do aumento da frequência do estímulo. Estados
Estímulo Poder eliciador
Capacidade responsiva
Causas da irresponsividade
Fadiga
Inalterado
Perda temporária
Física
Habituação
Perda a longo prazo
Inalterada
Psíquica
Saciação
Perda a curto prazo
Perda temporária
Física
parece importante que se esclareça o que se pode considerar como “efetivo”. A característica da “efetividade” pode ser potencial ou adquirida. Alguns eventos são filogeneticamente eliciadores de respostas sexuais, significando que são considerados sexualmente efetivos para todos os indivíduos de mesma espécie. Assim parece ser a manipulação genital. Contudo, a maioria dos estímulos sexuais são aprendidos no meio em que se vive. Algumas situações só são consideradas eliciadoras da resposta sexual para indivíduos de uma determinada cultura, podendo não ter tal conotação para pessoas de grupos culturais diferentes. Na verdade, o ser humano, desde o nascimento, está submetido a uma aprendizagem social intensa, de modo que seus comportamentos são moldados dentro dos padrões culturais do grupo em que vive. Cada cultura considera certas condutas como desejáveis e outras como indesejáveis. Quando uma pessoa emite um comportamento indesejável, ela é punida pela sociedade, sendo orientada a se comportar como o grupo deseja. Logo que ela assim procede, a sociedade a reforça com recompensas. Assim é que, por meio de um mecanismo que envolve um duplo jogo de punições e recompensas, o grupo social molda as pessoas dentro de seus padrões culturais. Na verdade, todo comportamento, ao ser emitido, gera no ambiente uma consequência que pode ser positiva ou negativa. As consequências positivas, ou recompensas, fortalecem o comportamento que lhes deu origem, ao passo que as negativas, ou punições, enfraquecem a emissão do comportamento original.
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Organismo
Há eventos que podem ter significado sexual “efetivo” para um indivíduo, mas não ter o mesmo valor para outros do mesmo grupo. O ser humano é, ao mesmo tempo, plural e singular. Plural, na medida em que é semelhante a todos os indivíduos da mesma espécie e da mesma cultura. As preferências, as idiossincrasias, bem como os distúrbios sexuais, disfunções e desvios, são, muitas vezes, aprendidos à custa das vivências particulares de cada um. São frutos da ação conjunta da herança e da aprendizagem. Não é sem razão que se afirmou que herdamos um sexo, mas a sociedade e a cultura nos dirão o que fazer com ele. E ao agir como ensina o grupo sociocultural, as vivências sexuais de cada indivíduo deixarão a marca definitiva de sua presença. A herança biológica e cultural, as experiências de vida e a aprendizagem dizem o que somos, como somos e por que agimos sexualmente de certa forma e não de outra.
Testando a aprendizagem • Qual a diferença entre o modelo médico e o
modelo psicológico no tratamento das disfunções sexuais? • Não ter relações sexuais com a frequência considerada “normal” indica sempre uma anormalidade na apetência? Justifique. • O que é estímulo? • O que é resposta limiar? • O que é latência? • Diferencie habituação de saciação e de fadiga. • Na habituação, o estímulo perde o poder de eliciar a resposta de modo constante ou eventual?
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12 Disfunção do Desejo Apetência sexual e seus distúrbios O comportamento sexual humano é constituído de dois grandes grupos de respostas: encobertas e manifestas. A apetência sexual é uma resposta encoberta. Ocorre em nível psicológico. Por outro lado, os atos reflexos que caracterizam a excitação, o orgasmo e a resolução são respostas manifestas. Acontecem em nível fisiológico. A apetência sexual serve como pano de fundo para toda conduta sexual manifesta. Ela não só determina o aparecimento dos comportamentos sexuais reflexos, como dos desempenhos operantes pré-coitais (procura e escolha de parceiro, tipos de jogos sexuais etc.), os quais, em uma mesma cultura, têm características comuns com as variações próprias de cada indivíduo, em virtude da aprendizagem e do passado de cada um. Em uma pessoa com integridade neurofisiológica, não se evidencia excitação no soma nem o orgasmo é eliciado se antes não houver desejo sexual. Quando há um bloqueio na apetência, todo o ciclo da resposta sexual fica prejudicado. Baseado nesse fato, Kaplan (The New Sex Therapy), em 1974, nominou a inibição do desejo de disfunção sexual geral. A expressão era muito vaga, mas numa época em que se englobavam todas as disfunções sexuais femininas sob a única rubrica de frigidez, foi um avanço notável diferenciar dois quadros disfuncionais distintos: disfunção sexual geral e disfunção orgásmica. Em 1979, Kaplan percebeu que não havia uma distinção exata entre desejo e excitação sexual, passando a adotar, em Disorders of Sexual Desire, o modelo trifásico para a resposta sexual humana (desejo, excitação e orgasmo). É imperativo diferenciar a fase do desejo da fase da excitação sexual, pois a tendência das pessoas é considerá-las uma só. A doutora Grenshaw, em seu livro The Alchemy of Love and Lust, é muito feliz quando afirma que “o desejo da mulher é ambivalente e multifacetado. Pode ser ativo (agressivo), receptivo (passivo), pró-ativo (sedutor) e adverso (inverso). Além disso, pode
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ser generalizado ou genital. Pode ser motivado por orgasmo, penetração, masturbação ou, comovedoramente, pela ternura”. A fome epidérmica pode exigir sexo tórrido ou conforto corporal. A necessidade emocional varia de acordo com a intimidade; da próxima vez, poderá ser um sexo descomplicado, do tipo “nem quero saber como você se chama”. O espectro é muito amplo, varia das mulheres que preferem o sexo genital àquelas cujo único desejo é o contato não sexual. Interessante é que todos esses componentes coexistem em saudável continuidade. Vale assinalar que uma mulher climatérica pode, em determinado momento da vida, estar movida por um grande desejo sexual sem que os sinais da excitação em nível genitálico nela se manifestem. Na menopáusica e na idosa, o reflexo da lubrificação pode ser bloqueado pela distrofia vaginal, em virtude da deficiência estrogênica. No homem, um desejo sexual intenso pode não se evidenciar na ereção do pênis, se o reflexo erétil for inibido por um fator orgânico ou psíquico. A apetência sexual é, sobretudo, um fenômeno psicológico; a ereção e a lubrificação são fenômenos fisiológicos. Os níveis são diferentes, mas como o indivíduo é uma unidade psicossomática, os fenômenos estão intimamente inter-relacionados. Suas individualidades se evidenciam quando ocorre uma dissociação, passando-se a observar uma fase de apetência sexual e uma fase de excitação sexual. Em homens que sofreram transecção medular (paraplégicos e quadriplégicos), a estimulação tátil dos genitais pode determinar uma ereção peniana (e na mulher, uma lubrificação vaginal), mesmo na ausência de conhecimento, consentimento ou desejo sexual. A veracidade dessa afirmativa foi experimentalmente constatada, colocando-se um anteparo no nível do abdome desses pacientes, de modo a impedir o campo visual deles, ao mesmo tempo em que se procedia à manipulação dos genitais.
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234 Tratamento Clínico das Inadequações Sexuais
Em alguns homens não só se observou uma boa resposta erétil, mas a continuidade do ato manipulativo culminou em ejaculação, sem que o indivíduo disso se apercebesse. Não há dúvida de que nesses casos existe verdadeira dissociação entre desejo e excitação sexual, entre centros sexuais encefálicos ou superiores e centros inferiores ou medulares, que são os responsáveis imediatos pelos reflexos do comportamento sexual manifesto. No indivíduo com integridade neurológica, os centros superiores controlam os inferiores, ora inibindo ora estimulando os comportamentos respondentes, dentro de um processo de interação. Quando há algum problema no nível da resposta manifesta como, por exemplo, uma ereção dolorosa, o fator aversivo pode inibir a resposta apetitiva e o desejo sexual, desaparecer. Por outro lado, consequência gratificante pode atuar como uma possante força que alimenta e reforça o desejo erótico. A procura por uma expressão que traduza, de modo objetivo e indiscutível, o estado de apetência sexual não é um problema de hoje. Freud iniciou o seu Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade lamentando que não existisse, em alemão, uma palavra para designar a “necessidade” sexual da mesma forma que “fome” indica a “necessidade de alimento” e “sede”, a “necessidade de água”. Poder-se-ia dizer que a palavra adequada seria lust, mas em alemão ela possui duplo significado: indica tanto a sensação de “necessidade” como a sensação de tê-la satisfeito, isto é, significa tanto “desejo” como o “prazer” da realização. Assim sendo, Freud optou pela expressão libido para indicar o desejo sexual. Contudo, no linguajar psicanalítico, a palavra libido não possui uma única definição. Ela é empregada, muitas vezes, para designar coisas diferentes. O próprio Freud, que inicialmente lançou a expressão com o significado de desejo sexual, a redefiniu posteriormente para lhe dar sentido mais amplo. Libido deixou de ser a energia das pulsões sexuais para se tornar a energia das pulsões da vida, isto é, a energia que tende à autoconservação em oposição às pulsões da morte. Jung ampliou ainda mais a conceituação de libido, que passa a ser vista, em toda sua obra, como uma energia psíquica não especificada, presente em toda “tendência a”. As diferentes concepções terminológicas nos fizeram optar pela expressão apetência sexual, que nos parece mais explicativa e fiel ao que se pretende dizer.
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Além do mais, na teoria da motivação, o conceito científico de apetência está intimamente ligado ao de motivo, que definimos como o conjunto de variáveis de que o comportamento é função. Segundo a teoria da motivação, os “determinantes” da conduta (impulsos, motivos, necessidades ou reforçadores) podem ser de dois tipos principais: apetências e aversões (Fig. 12.1). Entre as apetências, há os reforçadores primários e os secundários. São primários aqueles que se originam nos processos orgânicos, como fome, sede, sexo etc.; são secundários aqueles que são adquiridos por aprendizagem no meio social. Sendo o sexo um apetite, é natural que a palavra apetência possua sentido muito mais explicativo e científico do que desejo, embora a expressão desejo sexual seja aceitável. A apetência é uma potencialidade biológica. Todo indivíduo da espécie humana nasce com a capacidade de ter apetência sexual diante de um estímulo erótico eficaz. O grau de “eficácia” e a própria caracterização do que é estimulo sexual depende muito das variáveis culturais. Um certo fator pode ser altamente eficaz para despertar o desejo sexual em um indivíduo de determinada sociedade, mas este mesmo fator pode ser absolutamente “neutro” para outra pessoa de grupo cultural distinto. O genótipo, a cultura, as vivências e a aprendizagem conspiram para a unicidade do indivíduo. Afirma-se no ocidente que o homem é mais apetente do que a mulher. Esse é um exemplo típico de fato cultural, claramente mutável de acordo com os grupos humanos e, em uma mesma cultura, passível de ser modificado com o decorrer do tempo. Motivos
Apetências
Primárias
Aversões
Secundárias
Fome Sede Sexo etc.
Figura 12.1 – Classificação dos motivos (teoria das motivações).
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Disfunção do Desejo 235
Kinsey et al., estudando o interesse sexual das pessoas, chegaram à conclusão de que, entre os homens, o grau máximo de interesse sexual era observado em torno dos 21 anos e, entre as mulheres, em torno dos 35. Essa constatação naturalmente já foi reformulada. Atualmente, a liberação sexual da mulher tende a equilibrar os graus de desejo sexual, sem que haja uma discrepância tão grande entre os sexos, como foi observada no tempo das pesquisas clássicas de Kinsey. Contudo, seria exagero afirmar que a cultura é responsável pela intensidade do desejo sexual das pessoas. As coisas não se processam dessa maneira. A natureza, ao conferir aos seres humanos a capacidade de responder apetitivamente aos estímulos sexuais, não faz uma distribuição equitativa dessa potencialidade. Com isso, queremos dizer que os indivíduos nascem com distintos graus de apetência sexual. Essa potencialidade, como todas as outras, pode ser mais ou menos estimulada pelo ambiente social. É válido afirmar que há pessoas que têm mais apetência erótica do que outras, como há pessoas que têm mais propensão a sentir dor, fome, sede etc. Determinar o quanto um indivíduo é apetente não é tarefa simples. Não existe propriamente um parâmetro quantitativo absoluto nem uma medida objetiva rigorosa. A avaliação do grau de apetência dos indivíduos é por procedimentos qualitativos. Nos animais inferiores, costuma-se “medir” o interesse sexual tomando como base a relação entre intensidade do impulso e tolerância a estímulos aversivos. Os cientistas do comportamento animal construíram uma caixa onde é possível mensurar a força relativa desses impulsos (Fig. 12.2). Essa caixa de obstáculo consiste em dois compartimentos separados por uma grade metálica eletrificada.
Figura 12.2 – Caixa de obstáculos da Columbia.
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Coloca-se um rato num compartimento e uma rata no cio no outro, eletrificando-se a grade entre eles. A tendência do rato é se deslocar em direção ao compartimento onde está a fêmea. Quando tenta fazê-lo, ele se confronta com um estímulo aversivo de intensidade conhecida, podendo recuar ou enfrentar o choque, dependendo da intensidade de seu impulso. Se ele atravessar a grade, é recolocado em seu compartimento, aumentando-se a carga elétrica até o ponto em que a estimulação aversiva passa a ser maior do que a “força” do impulso. Acredita-se que, usando-se esse procedimento comparativo, é possível ter uma avaliação objetiva da intensidade do impulso sexual. Como é evidente, com a espécie humana não se pode proceder da mesma maneira. Então, geralmente toma-se como parâmetro para fixar o “valor” da apetência sexual das pessoas a frequência com que elas mantêm relações sexuais. Se em determinado grupo a frequência é “X”, quem tiver “X 2 n” é considerado hipoapetente, da mesma forma que “X 1 n” caracterizaria o hiperapetente. Essa atração por valores medianos também levou Kinsey et al. a fixarem em três o número de relações por semana de um indivíduo na faixa dos 30 anos. A amplitude de variação ficaria entre o máximo de sete relações semanais e o mínimo de uma a cada duas semanas. Alguns autores procuraram determinar valores médios. Abdo, em pesquisa realizada com 3.703 homens e 2.904 mulheres, chegou à conclusão de que 53,5% das mulheres (contra 40% dos homens) têm vontade de fazer sexo algumas vezes na semana. Com o avanço da idade, a frequência diminui em ambos os sexos. Para estudar a frequência com que ocorre um determinado fato, os estatísticos criaram artifícios muito úteis. Um deles foi estabelecer os valores médios ou centrais de determinado conjunto de eventos. Entre esses valores centrais, podemos citar o valor modal ou modo, definido como “o valor de uma série que se apresenta com maior frequência”. As variações individuais se dispõem em torno do valor modal, uns mais próximos, outros mais distantes. Há também medidas de dispersão, das quais a mais conhecida é o desvio padrão (DP). Considerando-se uma distribuição simétrica representada graficamente pela curva de Gauss, devemos tomar valores iguais para a esquerda e para a direita do valor médio “M” para encontrarmos os desvios padrões. O ponto médio “M” corresponde a zero; a partir daí temos para a direita
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11DP, 12DP, 13DP etc., enquanto para a esquerda temos 21DP, 22DP, 23DP etc. A subárea da curva de Gauss compreendida entre 11DP e 21DP corresponde a 68,27% dos indivíduos; a subárea entre 12DP e 22DP a 95,45% e a área de 13DP e 23DP a 99,73%. Com isso, pode-se afirmar que são muito raros os valores que diferem da média por mais de duas vezes o desvio padrão (Fig. 12.3). A rigidez do critério estatístico também não se coaduna muito com a característica variedade do ser humano submetido às múltiplas imposições socioculturais. É provável que os dados obtidos retratem os valores médios de um universo específico de pessoas que foram estudadas em certa época. No caso das estatísticas de Kinsey, os dados possivelmente podem ser considerados como mensurações grosseiras do desejo sexual dos seres humanos numa fase histórica em que o machismo era a regra, e da mulher se exigia total recato e controle sobre suas apetências eróticas. Mesmo assim, o valor dos dados quantitativos é muito precário. O número de relações não depende apenas do desejo de uma pessoa, mas de uma série de fatores, como disponibilidade de parceiro, situação de saúde, capacidade econômica, local apropriado etc. Analisando esse critério, Leslie Lo Piccolo afirma que “é necessário distinguir entre a frequência real de determinado comportamento erótico e a frequência desejada. Um indivíduo pode entregar-se a uma atividade sexual maior ou menor do que realmente deseja. Além disso, observar apenas as atividades sexuais a que um indivíduo se entrega não fornece dados sobre o desejo em relação a outras atividades sexuais que esse indivíduo gostaria de tentar”. Em terapia sexual, o importante não é a frequência de eventos que evidenciam o desejo em termos médios 34,14
M
com a de sua parceira?” • “Tem notado diminuição de seu desejo sexual ou no de sua parceira?” Essas perguntas são muito elucidativas. Na primeira, pode-se ter uma ideia da existência ou não de estados de inadequação intra e interpessoais; na segunda, somos informados da magnitude do problema (se a discrepância for pequena, o ajustamento geralmente será mais fácil). Assim sendo, os critérios qualitativos são os que melhor parecem exprimir os diferentes graus de apetência sexual das pessoas. Na verdade, esses critérios são relativos, partindo do pressuposto de que o indivíduo não é em si mesmo “hipo” ou “hiper”. Ele pode ser hipoapetente para determinada mulher e hiperapetente em relação a outra. Hastings utiliza o gráfico de Gauss para representar, de forma esquemática, a curva normal das diferenças individuais. Na figura 12.4, nota-se que as pessoas podem se distribuir em vários pontos da curva, uns X
2,14 -2
-1
0
+1
+2
D
C
13,59
2,14
+3
68,27% 95,45% 99,73%
Figura 12.3 – Curva de Gauss e valores do desvio padrão.
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• “Você está satisfeito com sua apetência sexual e
34,14
13,59
-3
de uma população específica. Esse é um dado sociológico importante, mas, para fins de tratamento, o que está em primeiro plano é o nível de apetência sexual de determinado indivíduo e/ou par. Nesse sentido, idealizamos a medida da taxa de resposta apetitiva (TxRa), isto é, a frequência com que o indivíduo busca situações sexuais em determinado espaço de tempo. Essa TxRa se presta admiravelmente bem para os fins a que se destina. Realmente, numa visão clínica, o que se deve fazer é tomar o indivíduo como seu próprio padrão ao longo do tempo, para, em seguida, cotejá-lo com seu parceiro, que é o seu padrão interpessoal válido.
B
E F
A -3
-2
-1
X
+1
+2
+3
Impulso sexual
Figura 12.4 – Distribuição do desejo sexual.
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Quadro psicopatológico
Disfunções para menos
Variações fisiológicas
Disfunções para mais.
Quadro psicopatológico
Figura 12.5 – Das variações fisiológicas aos quadros psicopatológicos.
à direita, outros à esquerda do valor modal. Alguns desses pontos foram denominados A, B, C, D, E, F, para fins de explicação. Não é comum as que duas pessoas constituintes de um par estejam exatamente no mesmo ponto. Um homem situado em D considerará sua mulher em C como hipoapetente; isso é verdade do ponto de vista dele, da mesma forma que ela o classificará como hiperapetente, o que também é verdade do ponto de vista dela. Após os limites extremos das variações fisiológicas estão as disfunções para mais ou para menos; além das disfunções, estão os quadros psicopatológicos (Fig. 12.5). Esse esquema possui apenas o mérito de fixar certos quadros em uma progressão quantitativa de situações em que o indivíduo pode se encontrar. O limite entre esses “estados”, porém, não é nítido. Uma boa analogia é imaginar que estamos diante de um espectro com dois pontos extremos (branco e preto). Entre eles há uma variedade muito grande de tonalidades intermediárias (do cinza mais claro ao cinza mais escuro), não sendo possível determinar com clareza onde começa uma tonalidade e termina outra. Da mesma forma, também não se pode fixar o ponto exato em que uma variação fisiológica passa a ser um quadro disfuncional ou o momento em que um comportamento deixou de ser disfuncional para se tornar psicopatológico. A erotomania, definida por Iwan Bloch como “saudade desmedida do amor”, é uma expressão vaga que engloba desde paixões exageradas sem desejos sexuais explícitos até a exacerbação da apetência sexual, fazendo com que a pessoa viva com a ideia fixa de sexo. No primeiro caso, estão aqueles que se consomem em um amor platônico exagerado, ideal, etéreo, inacessível. Houve épocas de erotomania “epidêmica”, como na Idade Média, com os seus cavaleiros andantes. Cervantes nos deixou uma caricatura genial desse tipo de pessoa, ao criar a figura grotesca de Don Quixote de la Mancha.
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No segundo grupo, estão a satiríase e a ninfomania. Satiríase é um distúrbio psicossexual do homem, caracterizado por desejo obsessivo e insaciável de prazer sexual. O indivíduo pode apresentar um estado contínuo de ereção, praticar numerosos atos sexuais, com ejaculações repetidas, permanecendo, porém, com a apetência erótica insatisfeita. Ninfomania é o correspondente feminino da satiríase, tendo como exemplo clássico Messalina, a mulher do imperador Cláudio. Mesmo admitindo essas dificuldades, podemos identificar, em termos de apetência sexual, certos estados para mais ou para menos, que são nitidamente patológicos. Assim, de um lado temos os quadros de erotomania; do outro, os de aversão sexual (Fig. 12.6). É preciso não confundir satiríase com priapismo. Este, como já vimos, é um quadro orgânico de ereção persistente e dolorosa, sem relação com o desejo sexual. Também é válido diferenciar satiríase de donjuanismo, que é a tendência compulsiva de conquistar mulheres. Conquistar pelo prazer da conquista.
Figura 12.6 – “Ele só consegue pensar em uma coisa...” Aquarela anônima.
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A figura típica que define esse comportamento compulsivo foi imortalizada em Don Juan, herói da peça O Trocista de Sevilha, escrita pelo espanhol Tirso de Molina, em 1630, e na qual Mozart se inspirou para escrever a ópera Don Giovanni. A aversão sexual (erotofobia) é uma reação neurótica do tipo fóbico. Qualquer atividade sexual, mesmo em pensamento, pode desencadear uma violenta ansiedade, com respostas autonômicas intensas (sudorese profusa, náuseas, diarreias, palpitações etc.). É o componente fóbico que caracteriza e permite o diagnóstico do quadro, o qual poderá estar ou não associado com um processo disfuncional. A aversão sexual ocorre com mais frequência em mulheres e, em geral, é secundária. Ela pode ser seletiva, isto é, relacionada com determinado parceiro ou situação, ou generalizada, independendo de pessoas ou circunstâncias. O tratamento dos quadros psicopatológicos é responsabilidade do psiquiatra, pois em grande número de casos o problema sexual é mais um “sintoma” de um quadro de psicose do que propriamente uma entidade clínica. Contudo, acreditamos que nos casos de aversão sexual sem comprometimentos de ordem psiquiátrica, a proibição da atividade sexual associada com procedimentos de relaxamento, dessensibilização imaginária e focagem das sensações seja o suficiente para a resolução do problema em poucas semanas. Kolodny et al. esclarecem que quase sempre, em algum ponto do tratamento, o parceiro, impressionado com a progressão favorável, comete o erro de avançar demasiadamente rápido, violando recomendações expressas do terapeuta. Isso pode criar uma dificuldade adicional, mas, mesmo assim, sempre é possível reverter, com brevidade, o problema fóbico. É claro que o quadro será mais complicado se a aversão sexual estiver associada com uma disfunção.
Disfunções da apetência A disfunção do desejo é conhecida como desejo sexual hipoativo*, anorexia sexual ou inapetência sexual. Kaplan distingue o desejo sexual hipoativo da inibição do desejo sexual. Segundo ela, a inibição do desejo sexual é reservada para as situações em que a disfunção do desejo é de causa psicológica, enquanto no desejo sexual hipoativo a etiologia ainda não foi firmada. Acreditamos que isso aumenta a confusão terminológica, de modo que usamos desejo sexual hipoativo, anorexia sexual ou inapetência sexual como sinônimos, significando a diminuição do desejo em suas diversas gradações.
*
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Com frequência, denomina-se frigidez, mas essa é uma expressão que deveria ser completamente abandonada, seja por seu caráter pejorativo, seja pela ambiguidade terminológica que encerra, gerando confusões e falsas interpretações. Para a maioria dos autores, frigidez significa ausência de desejo sexual. Para alguns (Trimmer, Stekel, Ellis, Wolfromm, Bergler, Kinsey et al.), é sinônimo de anorgasmia; para outros (Hastings), significa falta de excitação sexual; para outro grupo (Lazarus, Lachman), é definida como ausência de desejo, excitação e orgasmo. A falta de uniformidade terminológica, acompanhada do caráter depreciativo que foi associado com o termo, contraindica o uso dessa expressão na sexologia clínica moderna. No DSM-IV-TR, o transtorno do desejo sexual hipoativo é definido como “deficiência ou ausência de fantasias sexuais e desejo de ter atividade sexual (Critério A). A perturbação deve causar acentuado sofrimento ou dificuldade interpessoal (Critério B)”. Incidência e prevalência É difícil precisar a frequência com que esse tipo de problema incide em determinado grupo humano. A primeira dificuldade decorre da falta de um acordo conceitual entre os autores, mas o grau de subjetividade do problema é um dos maiores, se não o maior obstáculo para que se possa ter uma ideia estatística de incidência e prevalência. Não há nenhum dado objetivo preciso que possa indicar o grau de apetência sexual das pessoas. A intimidade do problema garante sua privacidade, dificultando o acesso à informação. Isso põe em dúvida a validade dos dados que são apresentados pelos diferentes autores. Em 1944, Bergler afirmava que 70 a 80% das mulheres eram inapetentes. Em 1952, segundo Greenhill, mais de 1⁄3 das pessoas do sexo feminino apresentavam problemas de inapetência sexual. Wolfromm, em 1970, e Lief, em 1977, fixavam esse fenômeno em 40%, mas Lief notou posteriormente essa disfunção em cerca de 37% das mulheres e em 18,7% dos homens. Na população brasileira, segundo Abdo, a inibição do desejo sexual foi referida por 8,2% das mulheres e 2,1% dos homens. Dados tão contraditórios reforçam a evidência de que a inapetência sexual varia de acordo com a sociedade estudada e o momento histórico que o grupo humano atravessa. Não nos atrevemos a fazer um levantamento estatístico, mas, pela observação clínica,
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nos parece que a inapetência sexual tem aumentado nas últimas décadas. Dentre as numerosas causas que poderiam ser invocadas para justificar esse incremento, a mais evidente é a habituação sexual. Numa sociedade de consumo como a nossa, o sexo tem sido um dos bens mais intensamente consumidos. Os meios de comunicação de massa exploram o corpo da mulher e do homem como elemento de promoção comercial para lançamento de produtos ou incentivo na venda de mercadorias. O bombardeio que sofremos, sobretudo , por intermédio da televisão, e o desgaste psíquico a que é submetido o corpo humano desnudado deixam pouca margem ao devaneio e à fantasia sexual.
Classificação As deficiências na apetência sexual podem ser classificadas de acordo com os critérios de cronologia e amplitude. Sob o ponto de vista cronológico, é primária a condição do indivíduo que nunca sentiu apetência sexual. Filler a denomina de “constitucional”, Wolfromm afirma que é uma espécie de “modo de ser” das pessoas. Não acreditamos que exista ser humano constitucionalmente assexuado. Contudo, em nossa experiência clínica, temos nos deparado com pacientes que relatam “nunca” ter sentido desejo sexual, pelo menos em nível consciente. Em geral, são indivíduos que foram submetidos a intensa repressão sexual, punidos e condicionados por fatores aversivos em
fases muitos precoces do desenvolvimento, de modo que se configurou neles uma verdadeira “castração” psíquica. As inapetências secundárias ou adquiridas são mais frequentes e podem se instalar de forma brusca (depois de acontecimentos traumáticos) ou de modo progressivo e lento, como se o manancial da apetência fosse se exaurindo aos poucos. Sob o ponto de vista da amplitude, as inapetências podem ser gerais ou absolutas (independendo da qualidade ou da intensidade do estímulo) e situacionais ou relativas (nas quais os indivíduos se mostram inapetentes para um tipo específico de parceiro, porém são reativos em relação a outros). Há quem diga que as inapetências situacionais são pseudo distúrbios, pois é condição usual que as pessoas sintam apetência sexual por determinados indivíduos, mas não por outros, e em certas ocasiões, mas não em todas. Não parece existir humano capaz de ter desejo sexual indiscriminado por qualquer pessoa em qualquer circunstância. Não usamos a expressão nesse sentido genérico. Para nós, o que caracteriza a inapetência situacional é o fato de uma pessoa que sentia desejo sexual em relação a outra perder o interesse por ela após determinado tempo (Fig. 12.7). As inapetências situacionais podem ser por assincronia, eventualidade ou habituação. A falta de sincronia pode ser temporal (os parceiros têm apetência em momentos diferentes) ou por quantidade (um tem mais desejo sexual que o outro). Esses desencontros, que não são propriamente quadros
Critérios
Amplitude
Cronológicos
Primária
Secundários
Brusca
Geral
Lenta
Situacional
Assincronia
Habituação
Eventualidade
Figura 12.7 – Deficiências da apetência sexual.
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disfuncionais, podem trazer sérios problemas de adequação interpessoal, pondo em risco a estabilidade do par. As inapetências por eventualidade são observadas em alguns estados fisiológicos (infância, certos ciclos gravídico-puerperais, algumas mulheres climatéricas) e em condições patológicas (doenças, uso de drogas, estafa física, estresse etc.). As inapetências por habituação são frequentes nos relacionamentos de longo tempo. A apetência vai minguando, se diluindo no desgaste diário do contato permanente. O entusiasmo dos primeiros tempos vai sendo substituído por uma amizade cada vez mais assexuada. O tempo se encarrega de deixar marcas no corpo, destruindo ou desgastando os atrativos sexuais; além disso, o mesmo estímulo, repetidamente apresentado, termina por perder progressivamente o seu poder eliciador. Contudo, vale ressaltar que é preciso ter sempre muito cuidado em discernir entre um verdadeiro quadro de alterações da apetência erótica e das mistificações e subterfúgios de um dos elementos do par. Por trás de muita “inapetência situacional” se esconde uma vida extraconjugal bastante rica em desempenhos sexuais.
Etiologia No capítulo anterior, estudamos os fatores etiológicos das disfunções. Neste, vamos nos limitar a breves considerações sobre as causas mais frequentes que podem determinar inibições na apetência sexual dos indivíduos. Fatores orgânicos e, sobretudo, causas psicossociológicas podem ser apontados para explicar a gênese das inapetências. Podemos recordar as principais causas orgânicas listando-as em três categorias fundamentais: Anomalias genéticas e congênitas • Síndrome de Klinefelter (80% dos casos). • Distrofia miotônica. • Anorquia congênita. • Síndrome de Prader-Willi. • Síndrome de Kallmann. • Doenças agudas e crônicas • Hipogonadismos adquiridos e hipopituitarismos, especialmente os prolactinomas. • Com acromegalia e com epilepsia do lobo temporal há casos de hiperapetência.
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• Tumores suprarrenais feminilizantes, doença
de Addison, parkinsonismo, hiper e hipotireoidismo. • Drogas • Depressores, tranquilizantes e antidepressivos do sistema nervoso central (em doses elevadas). • A ação de estimulantes e alucinógenos é discutível. • Antidopaminérgicos, antagonistas da aldosterona, alfametildopa. Podemos afirmar que as principais drogas com efeito deletério sobre a sexualidade são álcool, betabloqueadores adrenérgicos, anti-hipertensivos de ação central e antiandrogenicos. De modo geral, as condições orgânicas que diminuem, direta ou indiretamente, os níveis circulantes de testosterona, ou as que determinam alterações metabólicas graves, têm efeito depressor sobre a apetência sexual. Outras vezes, a inapetência pode ocorrer pelo princípio de solidariedade psicofísica (depressões reativas a enfermidades, ansiedades em certos quadros clínicos, como em coronariopatias). Vale ressaltar que a etiologia nunca é orgânica nos casos de inapetências situacionais. Com frequência, a inibição pode decorrer de certas condições ligadas ao próprio ato sexual. A punição (dispareunias) ou a ausência de reforço (anorgasmia) pode levar ao desinteresse. A ejaculação precoce do parceiro continua a ser um dos fatores mais comuns da inibição da apetência sexual das mulheres. A sequência contínua do quadro excitação/frustração termina por suprimir a apetência, e certos estímulos eróticos que antes eram eficazes, como manipulações e carícias orogenitais, tornam-se aversivos. Afirma-se frequentemente que “não existem mulheres frígidas, mas homens incompetentes”. Essa afirmativa é parcialmente verdadeira. Com efeito, a “incompetência do homem”, sua ignorância sexual e suas atitudes falocráticas podem ser fatores significativos, mas o problema depende também de outras variáveis. Na maior parte das vezes, as dificuldades ligadas à apetência erótica são de ordem psicossocial. Já tivemos oportunidade de discorrer sobre esse assunto, de modo que apenas relembraremos as principais causas psicossociológicas:
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• Aprendizagem familiar • Educação sexualmente castradora, sobretudo
quando é reforçada por crenças religiosas e normas de conduta inibidoras da sexualidade. • Causas comportamentais • Vivências sexuais destrutivas • Violências sexuais. • Medo de engravidar. • Traumatismos obstétricos. • Fatores circunstanciais (problemas de natureza econômica, choques emocionais de diferentes origens etc.). • Relações diádicas inadequadas. A inadequação sexual, além de criar um ambiente sexualmente destrutivo, muitas vezes se generaliza para a área da comunicação do casal, pondo em risco a integridade do casamento. Tordjman, a propósito das causas, afirma que só excepcionalmente se pode remeter a etiologia da inapetência sexual a uma única causa. Em geral, ela é a resultante vetorial de uma série de fatores que interferem, segundo uma dinâmica própria, em cada um dos pacientes.
978-85-5795-011-5
Reações à inapetência sexual Não é idêntica a maneira como as pessoas encaram a apetência sexual inibida. Se o parceiro inapetente é do sexo feminino, as reações que a mulher pode ter à sua dificuldade variam desde a grande angústia de ter de se submeter ao ato sexual até a aceitação passiva de sua situação. A regra geral é o comportamento de evitação, criando continuadas desculpas. Quando não conseguem mais evitar, algumas se revoltam contra si mesmas, não raro se auto agredindo com enfermidades psicossomáticas, enquanto outras apresentam intensa hostilidade pelo companheiro. Algumas mulheres se realizam emprestando o corpo à satisfação do parceiro, aceitando sua situação como natural e contentando-se com os carinhos e a intimidade do contato. Quando a inapetência surge no homem, a primeira tendência da mulher é julgar que está sendo traída, passando a acusar o marido e a persegui-lo com frequentes crises de ciúmes. Outras terminam por se acomodar com a situação, procurando conforto em práticas autoeróticas ou sublimando sua sexualidade, sem grandes danos psíquicos.
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Atitude frequente observada no parceiro que tem mais apetência sexual é a de sentir-se rejeitado, interpretando a recusa do outro como sinal de desamor. Isso costuma originar um estado de insegurança e baixa autoestima e a pessoa reage exigindo ter relações sexuais como forma de autoafirmação. O usual é se estabelecer um círculo vicioso com distanciamento progressivo do par, sendo as acusações mútuas uma tônica constante. Outras vezes, o parceiro mais apetente procura relacionamentos extra-conjugais, não só como busca de prazer sexual, mas também como forma de vingança e autorrealização. Tratamento As tentativas para o tratamento das deficiências da apetência sexual são muito antigas. No Kama Sutra, escrito há cerca de 1.500 anos, há uma lista de receitas para melhorar o desejo sexual. Uma retrospecção histórica confirma que, em todos os tempos, a humanidade procurou empregar “afrodisíacos”, para revitalizar a apetência debilitada ou incrementar o desempenho sexual deficiente. A inutilidade desse procedimento é evidenciada pelo grande percentual de fracassos, sendo os eventuais sucessos atribuídos mais ao efeito placebo que propriamente a uma ação direta do “remédio” empregado. Sem dúvida, os casos mais difíceis de ser tratados são aqueles em que a inibição do desejo é o resultado de um longo processo de habituação. A oxigenação do relacionamento de um par de longa convivência e a mobilização da imaginação criativa dos parceiros é tarefa ingrata. O emudecimento sexual das pessoas, condicionado e reforçado por fatores diversos, torna a terapia difícil e duvidosa. Pode-se dizer que, em geral, é necessário tentar descobrir os fatores determinantes. Infelizmente, porém, nem sempre é possível identificar a etiologia precisa, sobretudo quando a dificuldade não é recente. Em qualquer caso, de acordo com Kolodny et al., “é crítico orientar o foco terapêutico para o relacionamento, em vez de assinalar um parceiro como doente e o outro como sadio”. Estamos convencidos de que, diante de um quadro clínico de inapetência sexual, o primeiro passo do terapeuta deve ser a eliminação dos fatores orgânicos. Para tanto, ele deve investigar possíveis anomalias genéticas e congênitas, doenças agudas e crônicas e consumo de drogas.
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Em pacientes do sexo masculino, não existindo nada que justifique causalidade orgânica, é válido dosar a testosterona. Caso ela esteja baixa ou muito próxima do nível mínimo, pode-se fazer uso moderado desse hormônio. Quanto às mulheres, há consenso de que os métodos laboratoriais atualmente disponíveis não são sensíveis nem confiáveis para dosar a testosterona livre. Com elas, o terapeuta deve se guiar pela sintomatologia clínica. Quando indicada a pacientes do sexo feminino, a testosterona pode ser empregada por via oral, sob a forma de undecanoato de testosterona*; Outros preferem prescrever bupropiona. Recentemente foi indicada a flibanserin, droga não existente no Brasil (FDA)**. Flores Colombino afirma que a bupropiona é um antidepressivo, também usado para tratamento do tabagismo, que inibe a recaptação da noradrenalina e da dopamina, acumulando-se no sangue e incrementando o desejo sexual. Outro fármaco, empregado em alguns países como spray nasal, é o Bremelanotide ® (PT-141), análogo sintético do peptídeo-MSH, agonista dos receptores de melanocortina. Todas essas drogas merecem ser mais bem estudadas, para que possam ser indicadas com segurança e convicção de seus efeitos. As injeções intramusculares *** de undecanoato podem ser úteis para homens, sobretudo com hipogonadismo, mas são contraindicadas para mulheres, em virtude do alto teor de testosterona. Também se faz uso local, na vulva, sob a forma de gel ou creme, do propionato de testosterona e das prostaglandinas. O propionato de testosterona local tem se mostrado pouco efetivo. Não há dúvida de que a prostaglandina aumenta o fluxo sanguíneo para a O undecanoato de testosterona é moderadamente efetivo, mas deve ser usado duas ou três vezes ao dia, em razão de sua meia-vida curta. Para mulheres, prescrevemos um a dois comprimidos diários durante três semanas seguidas. Deixamos uma semana de intervalo e analisamos clinicamente o quadro para tomar uma nova decisão. Se depois de três ciclos não houver modificação da apetência, abandonamos esse tratamento. O undecanoato de testosterona tem a vantagem de ser absorvido pelo sistema linfático, escapando da inativação hepática, não tendo, portanto, efeito hepatotóxico, como ocorre com a metiltestosterona, utilizada por alguns. ** Segundo Jolly et al., estudos indicaram que a dose de 100mg de flibanserin parece ser eficaz no tratamento da inapetência em mulheres pós-menopáusicas. Não se pode esquecer, contudo, que a testosterona é uma substância anabólica e, melhorando as condições gerais do organismo, também melhoraria a atividade sexual. *** O emprego de injetáveis, como o decanoato, o propionato e o cipionato de testosterona, foi abandonado, pois esses medicamentos ultrapassam a faixa de normalidade atualmente aceitável (efeito tobogã). *
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genitália. Isso determinaria incremento na lubrificação vaginal, mas nada garante que haja simultâneo aumento da apetência erótica. Têm-se empregado também adesivos de testosterona para homens e, recentemente, apareceu um adesivo para mulheres (Intrinsa®), indicado ao tratamento do desejo sexual hipoativo. A via transdérmica oferece as vantagens de aplicação fácil e absorção rápida. Como desvantagens, foram assinaladas as possíveis reações alérgicas. Nossa experiência com o uso local de testosterona tem sido decepcionante. Finalmente, há quem empregue implantes de testosterona, enquanto outros são contrários ao seu emprego. Importante lembrar que, independentemente da via de introdução, o tratamento androgênio prolongado amplia o risco de hipertrofia prostática e câncer, sobretudo, em homens idosos. Aliás, a terapia androgênica é contraindicada a pacientes com suspeita de câncer de próstata. Também não se pode deixar de assinalar o perigo de virilismo em pacientes femininas com uso inadequado de androgênios. Vistas as causas orgânicas, o primeiro passo consiste em diagnosticar se a debilidade do desejo é, ou não, consequência de um conflito conjugal. Muitas vezes, a insatisfação no relacionamento faz com que os parceiros usem o sexo, conscientemente ou não, como arma para ferir o outro. Outras vezes, o desgaste conjugal é reflexo das frustrações e dos desencontros sexuais. Em qualquer das eventualidades, a providência preliminar é o restabelecimento dos canais de comunicação do casal não só no plano erótico, mas em todos os outros setores da vida em comum. Já se afirmou, com muita razão, que a terapia sexual deve ser precedida por terapia conjugal, por mais simples que ela seja. Na verdade, sem que haja um ajustamento mínimo entre os parceiros é inútil qualquer tentativa de reacender neles a chama da apetência sexual pelo outro. Depois de estabilizada a relação com o parceiro, procura-se descobrir a existência de outras causas psicológicas determinantes. É evidente que cada caso deve ser individualizado por suas peculiaridades, mas há algumas técnicas de aplicação geral.
• Treino e partilha de fantasias. • Pornografia. • Focagem das sensações. • Exercícios de Kegel. • Coito não exigente.
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Disfunção do Desejo 243
Kaplan chama a atenção para as inúmeras possibilidades de “resistências” aos exercícios. Uma delas não se concentrar no que está sendo realizado. Cabe, nesse caso, fazer uso do procedimento distração cognitiva. Quando os pensamentos intempestivos que surgem são negativos ou ansiogênicos, é válido aplicar a técnica da parada do pensamento. Algumas vezes, a “resistência” se apresenta sob forma de “cócegas”, “vontade de rir”, principalmente na focagem das sensações. Nesse caso, o terapeuta, além de chamar a atenção para a transitoriedade desse fato, poderá fazer um programa de dessensibilização in vivo. Outras técnicas (logoterápicas, treino assertivo, relaxamento etc.) ficam na dependência de cada caso. Finalmente, queremos salientar que os fracassos geralmente observados no tratamento das inapetências sexuais decorrem, em especial, de três fatores que devem ser bem investigados:
• Perturbação da personalidade de um dos cônjuges. • Resistência de um dos parceiros em terminar um relacionamento paralelo. • Ganhos secundários.
Estudo de Caso 1
O.M. e V.I. procuraram atendimento em nossa clínica após assistirem a um curso de terapia sexual num congresso realizado em São Paulo. O.M. é médico urologista, tem 35 anos e é natural do Rio de Janeiro, onde se casou há dez anos com V.I., oftalmologista e sua colega de turma. Ela tem 33 anos, carioca, de aspecto tranquilo e de poucas palavras. O casal mora em Brasília há sete anos, onde nasceram os dois filhos, aos quais eles dedicam todas as horas vagas, com prejuízo até dos próprios lazeres. Católicos praticantes, frequentam a missa todos os domingos sempre em companhia dos filhos, pois não têm com quem os deixar. Esse é o principal “lazer” do casal e ambos consideram muito importante que toda a família participe unida. Não vão a motéis nem viajam sozinhos para não se afastarem das crianças. Raramente saem de casa, a não ser para o trabalho no posto médico ou consultório. A queixa do casal se vincula a um possível desencontro da apetência sexual. V.I. admite não ter grande interesse em questões sexuais, mas, na verdade, o que lhe parece grave é a superapetência de O.M. Inquirido sobre a frequência ideal, o esposo afirma que gostaria de ter quatro a cinco relações por semana,
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mas estaria disposto a aceitar duas ou até uma relação semanal, caso V.I. não o proibisse, terminantemente, de se masturbar. Por seu lado, V.I. diz admitir até uma relação quinzenal, frequência que lhe parece aceitável. Mesmo sem desejar, quando as relações ocorrem com esse intervalo, ela sente orgasmo. Sobre as masturbações do marido ela nem gosta de falar, pois considera um absurdo um homem casado, e bem casado como ele, ser “tão infantil a esse ponto”. Segundo informam, a dissincronia existe desde que casaram e até o presente não tem sofrido modificações. O.M. lembra que desde o tempo de namoro sua parceira não gostava de intimidades sexuais, evitando inclusive as situações mais propícias. “Ela nunca tomou a menor iniciativa de qualquer envolvimento erótico”. O casal tem bons conhecimentos dos princípios básicos da terapia sexual, já tendo lido A Nova Terapia do Sexo da Kaplan e feito todos os exames laboratoriais possíveis. Uma terapia de casal já foi tentada, mas sem sucesso. Nos outros aspectos da vida em comum, o par é muito bem ajustado. Ambos se ajudam nos serviços domésticos, nos cuidados com os filhos e na despesa da família. Tratam-se com carinho e respeito, sendo que O.M. é bem mais carinhoso que V.I. Na cama, ela prefere que ele não seja tão “pegajoso”, tendo a mania de dormir abraçado e de inventar situações sexuais novas, o que lhe perturba e a deixa insone. Por sinal, quando ela permite relações mais frequentes, por insistência do marido, não sente prazer algum e perde totalmente o sono, tendo crises de choro e irritação. Sabe que isso magoa O.M., mas não pode se conter. Indagada sobre sua família, V.I. relata que é filha única e que a mãe foi abandonada pelo pai, que a trocou por uma mulher jovem, bonita e muito sexy. Desde pequena, ela nutria profunda mágoa pela atitude do pai e, quando a mãe arranjou um novo companheiro, saiu de casa e foi morar com a avó. Foi educada para que não dependesse de ninguém, especialmente dos homens, “porque eles têm obsessão sexual”. Quando conheceu O.M., ela descobriu nele virtudes que não eram comuns em outros homens. Ele não era dominador, mas uma pessoa acessível e delicada. Gostou dele e casaram-se. V.I. admira-se que O.M.,
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sendo um homem tão calmo e tão seguro, fique de tal forma preocupado com os problemas sexuais a ponto de valorizá-los da maneira como o faz. “Nesse particular, eu acho que sou muito mais equilibrada. Muito menos vulnerável do que ele”. O que V.I. espera da terapia é uma redução do “exagerado” desejo de O.M., enquanto este tem a esperança de melhorar a apetência da esposa. Ambos estão bem motivados para o tratamento. Estruturação da terapia Identificação do par
Parceiro masculino
• Nome: O.M. • Procedência: Rio de Janeiro. Reside em Brasília há mais ou menos sete anos. • Atividade profissional: médico urologista. • Escolaridade: nível superior. • Estado civil: parceira estável. • Idade: 35 anos. • Religião: católico praticante. • Filhos: dois.
Parceiro feminino
• Nome: V.I. • Procedência: Rio de Janeiro. Reside em Brasília há mais ou menos sete anos. • Atividade profissional: médica oftalmologista. • Escolaridade: nível superior. • Estado civil: parceiro estável. • Idade: 33 anos. • Religião: católica praticante. • Filhos: dois.
• Antes: sem tomar iniciativa, sem mostrar ani-
mação por assuntos de intimidade sexual, evitando as condições mais propícias, inclusive as situações novas. • Durante: sente orgasmo quando as relações são quinzenais, mas se são mais frequentes não tem prazer. • Depois: nas frequências sexuais indesejadas ela tem crises de choro e irritação, embora saiba que isso magoe o parceiro. • Onde ocorre? • Na residência do casal. • Quando ocorre? • Quando o parceiro insiste em ter relações sexuais. • Com quem ocorre? • Com o parceiro. • Quando iniciou? • Cronologia absoluta: há dez anos. • Cronologia relativa: desde o casamento. • Como evoluiu? • Desde o início do casamento até o presente, o quadro continua sem modificações. Tentaram resolver o problema lendo o livro da Kaplan e se submetendo à terapia conjugal, sem sucesso. Não há evidências de generalizações. Quantificação do problema
• Taxa de resposta apetitiva TxRa 5
Fs 0 5 5 0, em que t equivale a 10 dias t 10
• Apresentação gráfica
Formulação do diagnóstico 1,0
Identificação do problema
0,9
• Queixa principal: inapetência sexual de V.I. • Projeção: considerar o parceiro como
superapetente. • Definição operacional: ela concorda que não tem grande interesse em questões sexuais, mas afirma admitir até uma relação quinzenal, frequência que lhe parece aceitável. Qualificação do problema
• Como ocorre?
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0,8 0,7 FS
TxRa
0,6 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 I
II Avaliações
III
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• Planejamento terapêutico do comportamento
Avaliação subjetiva
• Atitude em relação ao problema • Ele: admite reduzir a frequência das relações,
desde que V.I. permita que ele se masturbe. • Ela: admira-se que O.M. fique tão preocupado com os problemas sexuais a ponto de valorizá-los do modo como o faz. • Metas • Ele: melhorar a apetência de V.I. • Ela: reduzir o desejo de O.M. • Motivação para terapia: estão bem motivados. Análise etiológica
• Causas orgânicas: nada consta. • Causas psicossociológicas • Causas socioculturais: crer que os homens têm obsessão sexual.
• Causas comportamentais • Vivências sexuais destrutivas: separação dos pais.
• Fatores circunstanciais: nada digno de registro. • Diádicas: usa o sexo como forma de manipulação e domínio.
indesejável • Proibição do coito e focagem das sensações. • Técnicas de estimulação para a parceira: • Treino de fantasias. • Partilha de fantasias. • Leituras eróticas (biblioterapia). • Planejamento terapêutico das áreas da personalidade (Tabela 12.2).
Aplicação de procedimentos Embora o foco principal da terapia seja dirigido a V.I., O.M. também foi submetido ao processo terapêutico e participou de todas as sessões, nas quais recebeu apoio e esclarecimento. Para ele, foram prescritas técnicas de relaxamento e treinamento assertivo. Solicitamos e obtivemos de O.M. uma colaboração participativa, mas em nenhum momento se indicou um “culpado” pelas dificuldades do casal. Além da aplicação prioritária das técnicas dirigidas a combater a inapetência sexual de V.I., foi feita uma hierarquia de procedimentos destinados a atender aos comprometimentos identificados nas diferentes áreas da personalidade:
Análise das áreas da personalidade
• Esclarecimento. • Treino de assertividade. • Reestruturação cognitiva. • Modelação encoberta. • Ansiolíticos. • Relaxamento.
Tabela 12.1. Planejamento da terapia
Esclarecimento sobre o que é terapia sexual, notadamente sobre a responsabilidade de cada um por suas mudanças. Tabela 12.1 – Análise das áreas da personalidade. Áreas
Emoções
Variáveis identificadas
Gosta do parceiro Crise de choro e irritação após o ato sexual Sentimentos de superioridade em relação ao parceiro Mágoa pela atitude do pai
Cognições
Boas informações dos princípios básicos da terapia sexual Crenças irracionais sobre sexo (masturbação, número de relações, papel sexual do homem, necessidades sexuais do parceiro) Generalização da atitude paterna
Comunicações
Boa assertividade geral Desejo de dominação (luta pelo poder doméstico) usando o sexo como arma Dificuldade de assertividade na área sexual
Processo orgânico
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Insônia
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246 Tratamento Clínico das Inadequações Sexuais Tabela 12.2 – Planejamento terapêutico das áreas da personalidade. Áreas
Emoções
Variáveis identificadas
Variáveis relevantes
Grau
Gosta do parceiro
Procedimento
–
–
Choro e irritação após o coito
Sim
I
Esclarecimento
–
Sentimentos de superioridade em relação ao marido
Sim
I
Esclarecimento Treino assertivo
Mágoa pela atitude do pai Cognições
Esclarecimento
Boas informações sobre terapia sexual
–
–
Crenças irracionais sobre sexo
Sim
I
Esclarecimento
–
Generalização da atitude paterna
Sim
I
Reestruturação cognitiva Modelação encoberta Reestruturação cognitiva
Comunicações
Boa assertividade
–
–
–
Desejo de dominação usando o sexo
Sim
I
Esclarecimento
como arma
Sim
I
Treino assertivo
Sim
I
Ansiolítico (fase inicial) Relaxamento
Pouca assertividade na área sexual Processo orgânico
Insônia
Evidentemente, essa ordem de prioridades não significa que uma técnica tinha de ser empregada depois da outra. A regra é utilizar simultaneamente o maior número possível de procedimentos, tendo o cuidado de não saturar o paciente com um número excessivo de tarefas. Avaliação dos resultados obtidos
Durante o tempo em que o casal esteve em terapia, foram efetuadas quatro avaliações, cujos resultados estão expressos no gráfico seguinte. A primeira avaliação é histórica, como já se esclareceu no Capítulo 10 – Proposta de Estrutura Terapêutica. Entre a segunda e a terceira avaliação houve uma espécie de “parada” de progresso no processo terapêutico. Entre a terceira e a quarta, observou-se melhora sensível no quadro clínico. V.I. aceitava ter relações sexuais sem a fixação de uma frequência preestabelecida e já havia pronunciada diminuição do sentimento de superioridade em relação ao marido. A inapetência, contudo, ainda estava presente, embora já se notassem sinais de uma aceitação sexual progressiva. Por sua vez, O.M. já não “pedia” autorização a V.I. para praticar suas atividades masturbatórias, que também diminuíram de frequência. Infelizmente, o casal abandonou a terapia após a 16a sessão. Aliás, por múltiplas razões, dentre as quais a econômica, é frequente observar desistências tão logo se atinge um certo nível de melhora.
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10 9 8 7 6 5 4 3 2 1 0 I
II
III
IV
V
Avaliações
As sessões foram semanais nos dois primeiros meses e quinzenais nos restantes. As avaliações foram realizadas a cada quatro sessões.
Estudo de caso 2
A.C.F., de passagem por Brasília, foi à Clínica de Terapia Sexual levada pela mãe, que, muito preocupada, relatou que a filha não sai de casa, não conversa com os irmãos, nem tem amigos. “Ela não recebe telefonemas e nem procura namorar”. A genitora afirma que A.C.F. é agressiva, sente tonturas, tem úlcera gástrica e, eventualmente, sofre de depressão.
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Para ela, o caso é de fundo psicológico, provavelmente ligado à sua frigidez sexual, como lhe dissera um médico ginecologista que a examinou várias vezes, não encontrando nada que justificasse aqueles sintomas. A.C.F. é filha caçula, tem 35 anos e é solteira. Ela foi criada com mais cinco irmãos, todos homens. Viveu durante a infância na fazenda dos pais em Siqueira Campos, no Paraná. De lá, foi para a sede do município, de onde saiu aos 25 anos para trabalhar e morar em São Paulo (capital), onde vive com um irmão também solteiro (“Quem sabe se em uma cidade grande, ela não arruma alguém de boa família com quem venha a se casar”, dizia o pai). Tentou voltar aos estudos e concluir o segundo grau, mas desistiu por falta de base. Desde que se mudou para São Paulo, trabalha como vendedora numa joalheria pertencente a um amigo do pai. A loja já foi assaltada duas vezes; na última, há 2 anos, um dos assaltantes foi morto pela polícia, enquanto ela e o proprietário ficaram presos, em pânico, no banheiro. Depois disso, A.C.F. adquiriu um medo terrível de sair sozinha em São Paulo, além de ter fortalecido o hábito de desconfiar das pessoas. É muito católica, permanecendo até hoje como “Filha de Maria”, grupo em que ingressou desde que foi crismada. É virgem e só admite se entregar a alguém com quem venha a se casar, pois considera a virgindade como a maior das virtudes e o sexo válido apenas para fins de procriação. Em certa ocasião, sentiu atração por um homem, mas não sabe se houve excitação sexual, pois nunca pensou em ir para a cama com ele. O tipo de pessoa que a atrai é o de rapaz fino, delicado e atencioso, que demonstre educação de berço. Saiu algumas vezes com conhecidos, mas nunca permitiu “intimidades”. Não sabe expressar seus sentimentos e possui uma autocensura muito forte. Se alguém começa a conversar sobre sexo, “não alimenta o papo”, procurando se afastar das possíveis “más” companhias. Nunca foi a um baile nem teve namorados firmes, apesar de, quando jovem (16 anos), ter gostado muito, em segredo, de um colega do ginásio. Porém, a família do rapaz tinha interesses políticos contrários aos do pai. Nessa época, sentia-se muito infeliz e frequentemente ficava isolada no quarto, onde ouvia música e recebia o carinho da mãe. Outros pretendentes a namoro sempre tiveram restrições da família, principalmente dos irmãos, de quem, às vezes, ficava com muita raiva.
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Encarou a menarca como algo normal, uma vez que a mãe lhe explicara o que ela significava. De lá para cá, suas regras vêm normalmente, “como um relógio”. Lembra-se ainda que costumava se masturbar, fantasiando com artistas. Nessa época, sentia que ficava úmida com facilidade. Hoje não se masturba mais, por achar que esse comportamento não se justifica em uma pessoa adulta. Afinal, “não sou mais criança”. Relata que ficou “molhada” algumas vezes após ter vindo para São Paulo. Contudo, não sabe dizer exatamente em que situações. Porém, achou isso desconfortável e anti-higiênico. Atualmente, não fantasia situações eróticas e faz quase dois anos que não tem mais essa sensação de sentir-se “molhada”. Acha que isso, juntamente com as tonturas e depressões eventuais, deve ser início da menopausa (sic). Ela se lembra que aos cinco anos foi passar férias na praia com os irmãos. Era na casa de uma tia, irmã de seu pai. Dormia com o irmão de sete anos de idade. Ela diz que ele insistiu com ela para ver como eram seus genitais e os lambeu, tendo ficado muito assustada com essa experiência. A tia os flagrou e puniu o irmão, mas não a ela. “Eu tive muito medo de que minha tia brigasse comigo, mas ela felizmente não o fez”. Considerou, porém, o fato de passar a dormir separada do irmão como uma espécie de castigo. Considera-se normal, sem problemas de ordem psicológica e/ou sexual. Apesar de não se achar bonita e atraente, crê que é dócil e muito feminina. Não gosta, porém, de seu corpo, “porque é feio e magro”. Está convicta de que Deus quer que ela “fique para tia”, acreditando que isso é uma coisa natural e muito comum. O que ela não “fez, não faz e nem fará jamais é sair por aí se expondo para caçar marido”. Aliás, não quer ser “empregada” de homem, como acha que a mãe sempre foi. Acredita ser incapaz de fazer certas coisas que as suas conhecidas dizem. Não é feminista nem tem tendências homossexuais. Não aceita pornografia, preferindo uma boa leitura. Aliás, faz parte de um “clube do livro”, gostando também de ouvir música. Afirma que só veio à clínica por insistência da mãe. Estruturação da terapia Identificação da paciente
• Nome: A.C.F. • Procedência: interior do Paraná, vivendo em São Paulo nos últimos dez anos.
• Atividade profissional: comerciária.
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248 Tratamento Clínico das Inadequações Sexuais
• Escolaridade: 2o grau incompleto. • Estado civil: sem parceiro estável. • Idade: 35 anos. • Religião: católica praticante. • Filhos: não tem. Formulação do diagnóstico
• Queixa principal: não há uma queixa explícita,
uma vez que a paciente está satisfeita com sua sexualidade, tendo comparecido à clínica apenas para satisfazer à mãe.
Obviamente esse não é um caso de terapia sexual. Caberia, a critério da paciente, diante das distorções cognitivas e desinformações que apresenta, fazer uma terapia geral? Não será essa insinuação um pré-julgamento? Caberá induzir uma pessoa que parece estar adequada a si mesma, feliz dentro de seus próprios horizontes, a fazer terapia?
Testando a aprendizagem • Por que Kaplan chamava a disfunção do desejo de disfunção sexual geral?
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• Por que em uma mulher climatérica, com desejo
sexual, pode existir um bloqueio da lubrificação vaginal? • Cite uma prova definitiva da dissociação entre desejo e excitação sexual. • Por que a expressão apetência sexual é superior a desejo sexual? • O que denominamos taxa de resposta apetitiva? • O que é satiríase? • Como definir o transtorno do desejo sexual hipoativo? • O que significa inapetência por assincronia de quantidade? • Cite três tipos de drogas que podem causar bloqueio da apetência sexual. • Qual é a reação mais frequente de uma mulher cujo parceiro tem inapetência sexual? • Quais os fármacos, por via oral, mais utilizados para o tratamento do desejo sexual hipoativo? • Mencione as principais técnicas psicoterápicas utilizadas para tratamento das disfunções do desejo.
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Disfunções Sexuais na Terceira Idade
Generalidades Não poderíamos deixar de fazer uma referência especial ao indivíduo na terceira idade e aos possíveis eventos disfuncionais que têm lugar nessa fase da vida. Coube a William Masters e Virginia Johnson, nos primeiros trabalhos sobre anatomofisiologia da resposta sexual, demonstrar que o processo de envelhecimento determina alterações na atividade sexual das pessoas. Embora o número de indivíduos pesquisados seja pequeno (39 homens e 152 mulheres), os autores chegaram a conclusões bastante interessantes. A primeira delas é que a capacidade sexual do idoso, bem como seu desempenho, varia muito de indivíduo para indivíduo, e, no mesmo indivíduo, em distintas fases. É claro que a capacidade e o desempenho são influenciados por enfermidades físicas e por imperativos socioculturais, mas, como esclarece Kaplan, o potencial para o prazer erótico parece começar com o nascimento e não deve se extinguir até a morte. Para cada idade há um tipo diferente de qualidade e intensidade da atividade sexual. O padrão psicofísico de cada pessoa confere suas tonalidades particulares, mas, de modo geral, pode-se dizer que, na cultura ocidental e em condições de higidez física, as modificações determinadas pela idade são conforme seguem.
Alterações anatomofisiológicas No que concerne às respostas extragenitais, nota-se que as modificações vasocongestivas diminuem progressivamente de intensidade. Praticamente não se observa mais o rubor sexual e as alterações mamárias, tão marcantes nas mulheres jovens (o aparecimento da rede vascular superficial, o aumento total das mamas e a tumescência areolar* diminuem lentamente de intensidade). A miotonia também sofre modificações notáveis com a idade. A tensão muscular decresce em todo o organismo e o espasmo carpopedal raramente é * Após os 50 anos de idade, é relativamente comum a mulher apresentar tumescência areolar em uma mama, sem que o mesmo fenômeno seja observado na outra. A ocorrência desse fator é excepcional em mulheres jovens.
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observado. Conserva-se, porém, a “ereção” do mamilo tanto em homens quanto em mulheres. Quanto às reações genitais, as principais alterações estão resumidas no Quadro 18.1. A maior diferença entre a resposta sexual de homens jovens e idosos é a duração de cada uma das fases do ciclo sexual. Enquanto no jovem a ereção é imediata, a penetração é precoce, a ejaculação e a detumescência são rápidas, no idoso o processo da ereção é lento, mas, uma vez alcançada, ela pode ser mantida por um bom período sem ejaculação. Contudo, depois que esta ocorre, a detumescência é muito lenta. Quadro 18.1 – Principais alterações nas reações genitais dos homens.
• Escroto • Perda da elasticidade • Diminuição do reflexo dos músculos dartos • Testículos • Redução da elevação testicular pela musculatura cremasterianaa • Ausência do aumento vasocongestivo dos testículos
• Pênis • O tempo para conseguir uma ereção aumenta
com a idadeb, mas, uma vez alcançada, é possível mantê-la sem ejaculação por longo períodoc
• Ejaculação • As contrações ejaculatórias são em menor quantidade, duração e intensidade
• Diminuição da força de expulsão do ejaculadod
• Período refratário • Após os 50 anos de idade, o período refratário se alongae a. Enquanto nos jovens a ejaculação não sobrevém antes da completa elevação dos testículos, nos idosos eles podem ficar a 1⁄3 ou na metade do caminho para o períneo. Interessante esclarecer que o testículo direito pode se elevar até quase a completa aposição perineal, fato não observado no esquerdo. b. Enquanto a ereção no macho jovem é obtida quase imediatamente (3 a 5 segundos depois de uma estimulação efetiva), nos idosos o tempo de reação pode ser até triplicado. c. Elas se reduzem a uma ou duas, no máximo, e o intervalo entre elas aumenta bem mais do que o 0,8 segundo que é observado em jovens. d. No macho jovem, o líquido seminal pode ser expelido com força e lançado a 30 a 60cm do meato uretral; no idoso, a força de expulsão atinge no máximo 30cm, fenômeno que diminui progressivamente com a idade. e. Alguns, por um prazo de 12 a 24 horas depois da ejaculação. Nesse sentido, as variações individuais são muitas.
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346 Tratamento Clínico das Inadequações Sexuais
Com raras exceções, o idoso tem menos necessidade de ejacular que o jovem. O próprio orgasmo tem menos importância para ele, que valoriza, acima de tudo, ter tantas quantas forem as relações sexuais exigidas pela parceira. É importante assinalar que a incidência das disfunções sexuais no idoso praticamente triplica após os 50 anos, continuando a aumentar a cada década. A disfunção erétil secundária é, muitas vezes, determinada pela inatividade sexual decorrente de doenças físicas ou de imperativos socioculturais. É importante esclarecer que a capacidade erétil, nessas condições, pode ser reestimulada e reconstituída, se o idoso voltar a ter prática sexual ativa com parceira que lhe seja sexualmente agradável, interessada e disponível. Exemplo disso foi o próprio Havelock Ellis, conhecido sexólogo inglês do século passado, que curou a disfunção erétil que o perseguiu por toda a vida exatamente em idade avançada, sem ajuda profissional; apenas com uma mulher sensível e amante, que lhe renovou a existência (Quadro 18.2). Tanto em homens quanto em mulheres, o desejo sexual pode permanecer durante toda a vida, ainda que em menor intensidade e com menor frequência. No entanto, é provável que, em algumas mulheres, a dispareunia, as disúrias e as contrações orgásmicas dolorosas sejam fatores aversivos que bloqueiem o desejo sexual. Nas climatéricas que fazem tratamento com estrogênios, mantendo a vitalidade vaginal, o desejo permanece inalterado. É necessário lembrar que, além dos fatores biológicos, a apetência sexual é influenciada pelas condições psíquicas e socioculturais. Vale mencionar ainda que a vida sexual das mulheres pode ser desastrosamente inibida pelo parceiro. Muitos homens, por perderem o desejo sexual por suas parceiras ou por serem portadores de disfunções ou de crendices, negam à mulher o direito de manter a integridade de sua vida sexual. Algumas, por assim dizer, se dessexualizam, enquanto outras apelam para a masturbação como uma atitude sexual alternativa. Em qualquer caso, é importante deixar bem claro que a idade não dessexualiza o ser humano.
Alterações psicossociológicas Em nossa cultura, homens e mulheres idosos podem ser psicologicamente afetados pelos ajustamentos fisiológicos de sua resposta sexual. A ignorância das modificações anatomofisiológicas relativas
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Quadro 18.2 – Principais alterações nas reações genitais das mulheres.
• Clitóris • Não há modificações sensíveis em relação à idade • Região labial • As respostas se reduzem muito, tanto em aumento quanto em coloração
• Vagina • Nítida atrofia (paredes finas, pálidas, pouco enrugadas)
• Pequeno crescimento em comprimento • Pequena expansão do terço interno • Lubrificação vaginal pequena ou ausentea • Diminuição da plataforma orgásmica • Contrações orgásmicas em menor númerob • Útero • Modificações sensivelmente atenuadas • Coito • Dispareunia e disúriac a. Mulheres que mantiveram uma frequência sexual constante durante a idade adulta podem continuar se lubrificando normalmente. b. No orgasmo das mulheres jovens, a plataforma se contrai cinco a dez vezes; nas idosas, não se observam mais do que três a cinco contrações. Além disso, com relativa frequência, as contrações orgásmicas podem ser muito dolorosas e, por essa razão, muitas mulheres na terceira idade evitam o coito. Provavelmente haja contratura uterina de causa ainda não bem elucidada. Estes espasmos, que só se evidenciam nos casos de intenso hipoestronismo, só são aliviados pelo tratamento de reposição conjugando estrogênio/progesterona, mas nenhum desses hormônios é isoladamente capaz de aliviar as dores intensas das contrações uterinas. c. Em geral, o coito é doloroso em mulheres idosas, sobretudo naquelas que não mantiveram uma vida sexual regular. As relações sexuais, pela fricção mecânica, falta de resistência da mucosa da vagina e dificuldade em alojar o pênis podem favorecer o aparecimento de cistites irritativas, semelhantes às que ocorrem com as recém-casadas (cistites de lua de mel). A dispareunia e a disúria podem persistir por 24 a 48 horas após as relações.
à idade aliada à falta de interesse são as causas mais frequentes da evitação sexual. Isso é particularmente verdadeiro em relação aos homens. Aqueles que ignoram as mudanças normais de sua conduta sexual decorrentes da idade podem crer, erroneamente, que estão se tornando “impotentes”. Aliás, o desconhecimento da fisiologia do envelhecimento é o fator responsável por cerca de 60% das disfunções “orgânicas” dos idosos e de mais de 80% das inapetências observadas em mulheres da terceira idade. Os casais idosos poderão encontrar conforto se souberem que essas mudanças sexuais são normais, produtos dos ritmos biológicos da vida e não da qualidade do seu amor ou de seus atrativos. Para resolver as eventuais dificuldades sexuais devidas ao envelhecimento, a franqueza, o amor, o esclarecimento e a aceitação são os determinantes principais. Com esses elementos, “os casais podem aprender as
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formas de utilizar as diferenças e as mudanças, a fim de solidificar a intimidade e aumentar o prazer e a satisfação que cada um pode oferecer ao outro”. Em primeiro lugar, é imperativo deixar claro que se busca uma solução e não um culpado, e é fundamental falar com o outro acerca dos problemas sexuais existentes. É, porém, muito difícil ser sincero e objetivo em temas emotivos. A regra é a evitação de um dos parceiros. Se uma pessoa sente que não conseguirá resolver o problema por si mesma e necessita de ajuda, deve procurar um sacerdote, um médico, um psicoterapeuta profissional. Se seu parceiro (a) não deseja ir, vá só. A separação nos últimos anos da vida deve ser um recurso extremo, pois é uma experiência particularmente penosa, mesmo que as pessoas não o demonstrem. Não há como negar que a terceira idade tem suas características peculiares. Quando se envelhece, os filhos se vão, os netos vêm, os pais falecem e os amigos começam a morrer. A pessoa começa a ter bem presente a inevitabilidade da morte e os limites concretos de suas possibilidades para a realização de sonhos. A morte deixa de ser algo distante e a vida passa a ter anos, meses, dias e até horas quantificáveis e esgotáveis. Infelizmente, é impossível fixar as nuances da vida psíquica individual, onde exatamente têm lugar as reações psicológicas de cada pessoa ao envelhecer. É dessas nuances que o indivíduo se arma para reagir ao processo do envelhecimento. A reação pode ser de adequação às características anatômicas e fisiológicas próprias da idade, mas também pode ser inadequada, decorrente da insatisfação diante das diferenças observadas no ciclo de sua resposta sexual, modificado pelo processo do envelhecimento.
Homens
Analisando a involução psicossexual do homem idoso, Masters e Johnson encontraram seis causas principais:
• Habituação: a monotonia da relação sexual é a
principal causa de perda de interesse do idoso pelo desempenho sexual com a parceira. Essa habituação pode decorrer de uma vida sexual que não acompanhou o desenvolvimento das outras facetas da progressão marital e se manteve numa rotina sem criatividade. A parceira habitual, sobretudo quando há familiaridade
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excessiva, pode perder o efeito estimulador e o homem idoso se voltar para uma mulher mais jovem que, embora possa não ser uma companheira ideal nem sexualmente tão efetiva, pela falta de familiaridade, cria uma ilusão de variação atrativa para a exigência sexual de alguns indivíduos. Outras vezes, a parceira habitual pode provocar o tédio pelo desinteresse sexual que demonstra. É importante assinalar, dizem Masters e Johnson, que o ego do homem idoso é especialmente vulnerável à rejeição, real ou fictícia. O fato é que “qualquer perda de interesse na atratividade pessoal, somada à rapidez da desintegração física da parceira, pode levar à rejeição”.
• Preocupação econômica: depois dos 40 anos de
idade, os homens estão no auge dos picos competitivos de suas ocupações. Eles querem se afirmar nas atividades laborativas e conquistar estabilidade econômica. Não é de admirar que essa pressão possa ter um efeito perturbador sobre a sexualidade. • Fadiga: a fadiga mental e física que se instala depois da meia-idade é um dos fatores que influenciam a diminuição da tensão sexual. • Comer e beber excessivamente: são variáveis que podem obscurecer as necessidades sexuais do homem idoso. Isso é particularmente observado com o uso imoderado de bebidas alcoólicas. • Enfermidades: podem reduzir ou eliminar a capacidade de desempenho sexual. Na verdade, inúmeros processos patológicos podem atuar como cofatores para perturbar a fisiologia da resposta sexual dos idosos, dentre os quais merece destaque a arteriosclerose. • Temor de desempenho: um dos fatores mais importantes para o determinismo da “solidão” sexual do homem. Temendo fracassar, a pessoa evita o ato sexual e, por desconhecer a fisiologia da resposta erótica na terceira idade, começa a temer por sua “potência”, em vez de compreender e aceitar as modificações do processo da involução normal. Não sabem que antecipar o fracasso é provocá-lo. Têm razão Butler e Lewis quando afirmam: “o pênis é o grande barômetro dos sentimentos masculinos”.
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Mulheres
Com a falência estrogênica, começam as modificações do climatério, as quais incluem não só as alterações físicas já assinaladas, como as modificações da fisionomia social e psicológica. O que dessexualiza a mulher idosa é própria reação psicológica face às pressões sociais. Ela se dessexualiza no momento em que capitula e absorve a estrutura mítica criada pela sociedade, começando realmente a acreditar nas crendices socioculturais. Nossa cultura está cheia de preconceitos ligados à vida sexual. Em uma sociedade que deifica a juventude, talvez o mais angustiante seja perceber que se está envelhecendo. No climatério e na velhice feminina, há uma profunda sensação de perda. No mundo ocidental, há o conceito romântico de que a atração sexual está ligada à juventude. A mulher idosa, diante dos parâmetros sociais de beleza, decide que é feia e, consequentemente, sexualmente indesejável. Algumas realizam verdadeiras proezas para permanecer jovens, mas se deprimem diante do espelho, olhando uma pessoa que “não é seu verdadeiro eu”. Julgando-se pouco atraentes, fecham-se nas próprias desilusões e rejeitam a atividade sexual que lhes é oferecida pelo parceiro, interpretando-a como manifestação de pena. Essas mulheres geralmente optam por uma sexualidade solitária, em que as práticas masturbatórias proliferam, indo da simples manipulação manual até o uso de duchas, vibradores e dildos de todas as espécies. As fantasias românticas se avolumam e, embora a fidelidade conjugal possa ser garantida publicamente, ela se perde entre os lençóis, onde o “falo artificial” toma os ares de artistas do passado ou de antigos namorados. Os relatórios Hite, Muraro e outros têm comprovado essa realidade, mostrando que os sonhos eróticos e os orgasmos múltiplos são comuns nessa faixa etária. Assinale-se aqui uma importante diferença entre a resposta sexual do homem e a resposta sexual da mulher. No homem, há aumento do período refratário, mas a mulher permanece ativa nas suas práticas solitárias, sem refratariedade, mantendo, às vezes, experiências multiorgásmicas por muitos anos. Associada à crendice de que o sexo é apanágio da juventude, está a ideia de que a menstruação é um dos mais importantes parâmetros da feminilidade, de modo que a menopausa implica na condenação social da mulher à indigência sexual. Julga-se que a mulher que envelhece e perde a capacidade reprodutiva também
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perde os motivos para o sexo. Isso encerra um sofisma evidente. O ato sexual já é motivo suficiente, por si só, e, além disso, a função sexual é muito mais abrangente que a função reprodutora. Ligada a essa crendice há outra particularmente frequente, a de que a sexualidade chega ao fim a partir de certa idade. Chamamos isso de “crença do ponto final”. Algumas mulheres decidem antecipadamente, ou em determinado momento da existência, que sua capacidade sexual desapareceu e se declaram arbitrariamente incapacitadas. Esse fato também é observado em homens, e neles é típica a negativa de discutir o problema com a parceira ou de considerar as possíveis soluções. Muitas vezes, essa é uma maneira de evitar a ansiedade e o temor de desempenho. A sociedade impõe muitos obstáculos à sexualidade dos idosos, a começar pela pressão dos filhos. As estatísticas mundiais mostram que as mulheres sobrevivem aos homens em pelo menos sete anos, e é sempre muito difícil refazer a vida depois de uma viuvez ou de uma separação. Em geral, os filhos ou os netos não entendem que a avó, que vivia na cozinha fazendo quitutes maravilhosos, e o avô, que ficava balançando na cadeira fumando cachimbo, podem ter vida sexual. Os filhos e netos nunca idealizam os pais ou os avós como adultos comuns. Eles constituem uma força de pressão ponderável contra a sexualidade dos idosos, em especial das mulheres. Quando sobrevém a viuvez, ocorre uma das perdas mais dolorosas para a vida emotiva e sexual das pessoas. Tudo deve ser feito para que o sobrevivente se libere psicologicamente e possa começar uma vida nova e diferente. A perda determina um sofrimento agudo, mas, ordinariamente, ele dura de um a dois meses e logo começa a diminuir. Nada resiste ao tempo. Uma das maneiras de minorar o sofrimento é procurar compartilhá-lo com alguém. Além do mais, as pessoas necessitam separar sua identidade da união das duas identidades que se produziu ao longo dos anos. O sentimento de que “parte de mim morreu com ele (ou com ela)”, deve ser substituído pelo pensamento “sou uma pessoa por mim mesma e estou viva”. Nesse terreno, é preciso descartar as crenças irracionais destrutivas. Há ocasiões em que a morte do cônjuge dispara uma verdadeira mania de recordações. Nessa espécie de “fetichismo” ou de guarda de relíquias, tende-se a conservar as coisas como estavam quando o parceiro desapareceu. A viúva considera que viver é uma traição
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e uma deslealdade para com a pessoa morta. Esse sentimento irracional de culpa leva a pessoa ao abandono erótico. É necessário que o sofrimento e a angústia da perda sejam vividos e cicatrizados, não se descartando a possibilidade de uma nova relação posterior à viuvez ou ao divórcio. Numa fase da vida tão perto da morte, deve-se conservar bem viva a atividade sexual quando outras atividades já chegaram ao fim.
Tratamento das disfunções na terceira idade O tratamento das disfunções sexuais da terceira idade baseia-se nos mesmos procedimentos com que se tratam as disfunções sexuais em geral. Certas peculiaridades, porém, devem ser mencionadas. Uma prévia e cuidadosa avaliação médica é sempre imprescindível, investigando-se os aparelhos e sistemas que podem interferir na sexualidade. Vale lembrar que as condições orgânicas que determinam dispareunias, mesmo depois de tratadas, podem continuar atuando no plano psicológico. O medo ou a dor, condicionados e reforçados por muito tempo, podem necessitar de procedimentos de extinção para realmente desaparecerem. Cabem as dessensibilizações e o relaxamento diferencial. Não se pode esquecer que, mesmo diante de causas orgânicas evidentes, o tratamento jamais dispensará acompanhamento e apoio psicológico, em virtude da vulnerabilidade das pessoas nessa faixa etária. Nos casos de inapetência, o quadro é mais dramático, pois o parceiro que se sente rejeitado tem um grande choque em sua autoestima, já sobrecarregada de crendices sociais. Não há dúvida de que a habituação deve ser contornada por uma nova maneira de se apresentar os estímulos eróticos. A velhice, por exemplo, costuma acarretar diminuição da acuidade visual, obrigando a usar óculos. Isso não significa que, para o resto da vida, ele tenha de usar sempre a mesma armação e o mesmo grau de lentes. Continuará usando óculos, mas buscará novas formas de usá-los. É preciso descobrir outros modos de reciclar as pessoas e reoxigenar sua apetência. A terapia das disfunções da apetência é sempre um desafio para o terapeuta e para o casal, pois é grande a possibilidade de fracasso, pelas sabotagens a que está sujeita. Em 60 a 70% dos casos em que se obteve sucesso, foram usados os seguintes procedimentos, algumas vezes associados com farmacoterapia de estimulação:
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• Treino e partilha de fantasias. • Pornografia (adaptada). • Foco sensório. • Autoerotismo. • Esclarecimento. • Apoio. • Treinamento assertivo. Esses procedimentos, às vezes, devem ser asso ciados com terapia conjugal, capaz de avaliar os ganhos secundários advindos do afastamento do par, não se deixando de pesquisar a possibilidade de relacionamentos extraconjugais. No que concerne ao tratamento das disfunções eréteis do homem idoso, há de se ter presente que a prótese é a opção terapêutica possivelmente mais adequada ao tratamento de uma vasculopatia entre os 50 e 60 anos de idade. Depois dos 60, há de se indicar vacuoterapia. Nos casos usuais, contudo, começamos sempre com o emprego da farmacoterapia oral. Os transtornos da ejaculação na velhice geralmente são secundários a afecções neurológicas ou urológicas. A ejaculação retrógrada é uma manifestação frequente em neuropatia diabética de longa duração, aparecendo também depois das cirurgias prostáticas, inclusive intervenções transuretrais da próstata. Há, ainda, de se considerar os efeitos de fármacos. Nessa idade, frequentemente se instalam as cardiopatias. Os anti-hipertensivos, os colesterolíticos e os beta-bloqueadores são medicações que perturbam a fisiologia sexual.
Disfunções sexuais do homem idoso
Conceito Entendemos por disfunções sexuais do homem idoso as que ocorrem após os 60 anos. Na terceira idade, são as disfunções eréteis e as de apetência as mais importantes. Na maioria das vezes, esses quadros disfuncionais se instalam sobre uma matriz de desinformação. O problema não é só cognitivo, há também um forte componente emocional. É mais fácil para o homem entender e aceitar as limitações impostas pelo tempo quando está em jogo qualquer outra parte de seu organismo. Comportamentos como usar óculos, aparelhos para corrigir surdez e pintar os cabelos passam a ser aceitáveis, mas entender e aceitar que seu pênis, para atingir a ereção, já não é capaz de reagir a um estímulo erótico tão prontamente como outrora parece um desafio e, mais do que isso, uma ameaça.
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Etiologia De modo geral, as disfunções da apetência e da ereção, excluídas as causas orgânicas, estão vinculadas à monotonia das relações (habituação), ao estresse, aos excessos na alimentação e, principalmente, à ansiedade (temor de desempenho). Não há dúvida de que, ao enfrentar uma queixa desse tipo, cabe ao terapeuta dissecar, com profundidade, tudo o que se refira à história passada do indivíduo e de sua parceira, principalmente quando o casal mantém um relacionamento de longa data. Nesse caso, é comum a queixa chegar ao consultório do terapeuta por intermédio da parceira que se julga, de alguma forma, responsável pelo distúrbio. Muitas mulheres, por exemplo, desejariam ter uma vida sexual mais rica e intensa e chegam a perturbar o parceiro com exigências que mais afastam que aproximam. Outras desistem de investir na sexualidade e se tornam apáticas, o que contribui para o desinteresse do homem. Contudo, há casos em que, apesar do clima de compreensão e apelo ao diálogo, o homem teima em se fechar numa barreira de defesas racionalizadas que encobre o temor de desempenho, a falta de sensibilidade em partilhar as expectativas da parceira ou mesmo uma vida sexual paralela, às vezes bastante rica. Há aqueles que, por estarem muito tempo juntos, se escudam na afirmativa de que uma exposição contínua ao mesmo estímulo enfraquece a resposta a tal ponto que chega a anulá-la. Em geral, são pessoas muito voltadas para si mesmas e que, no íntimo, podem estar
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temerosas e inseguras de sua integridade psíquica. Precisam de aplausos e de elogios para se sentirem inteiras. Qualquer ameaça à imagem abala seu centro de equilíbrio, deixando-as à mercê do temor de desempenho. Para eles, a evitação ainda é a melhor estratégia. Diante de um casal idoso, faz-se necessária prévia avaliação da personalidade dos parceiros e das defesas que eles portam. Dificilmente se obtém sucesso terapêutico na adequação de pessoas muito defensivas, em especial quando se trata de inapetência por habituação. O parceiro defensivo geralmente sabota a terapia.
Estudo de caso
Inapetência masculina na terceira idade O casal P.C.C. e M.J.C. se apresentou à terapia. Ambos são extremamente elegantes e com aparência saudável. Ele era um engenheiro bem-sucedido, natural do Piauí, católico tradicional, com 59 anos e um porte jovial, apesar dos cabelos grisalhos. M.J.C. era médica, paraense, católica devota de Nossa Senhora de Nazaré e já estava com 60 anos, embora aparentasse menos idade. Mulher bonita, bem cuidada e com um físico invejável, continuava trabalhando por conta própria em seu consultório, depois de aposentada pelo Ministério da Saúde. Ouvidos separadamente, ela declarou que há quatro anos não tinha relações sexuais e que tudo começou depois de uma dificuldade eretiva do marido, durante uma viagem de férias. Ele insistira bastante, pedindo a compreensão da parceira, mas a ereção não conseguiu se instalar. Por sinal, nesse dia tinham ido à praia com um grupo de amigos jovens, contaram piadas e tudo parecia tranquilo. À noite, porém, viera esse fracasso e ele ficou muito abatido e insone. Depois desse episódio, evitou procurar a parceira por mais de um mês e sempre que era inquirido alegava falta de desejo. Um mês depois, experimentou outro fracasso e, a partir daí, as evitações aumentaram. No espaço de um ano, foram seis tentativas e quatro fracassos. P.C.C. é uma pessoa de educação muito tradicional e jamais admitiu variações sexuais. Nunca foi a um motel. Procurou evitar contatos íntimos com a parceira por mais que ela procurasse acariciá-lo. Dizia-se inapetente, chegando a ler artigos que justificavam sua postura. Às vezes, era grosseiro com M.J.C., usando expressões de baixo nível do tipo: “Você só se interessa por pau no útero”. Em seguida, virava-se para o lado e dormia tranquilamente.
978-85-5795-011-5
Se esse desafio for bem aceito, por ambos os parceiros, como parte do jogo erótico, a relação acontecerá num clima de harmonia e, provavelmente, de muita sensualidade. Contudo, se sobrevierem cobranças e ansiedades, o palco estará preparado para o aparecimento do temor de desempenho e o consequente fracasso sexual. Falar que há maior incidência de causas orgânicas nos indivíduos do sexo masculino não parece correto, uma vez que homens e mulheres estão igualmente sujeitos às doenças da terceira idade. Contudo, vale esclarecer que o mecanismo da ereção é particularmente vulnerável, enquanto o da lubrificação pode ser contornado com mais facilidade. Com efeito, uma disfunção erétil impede a penetração, mas a ausência de lubrificação pode ser facilmente contornada com o uso de estrogênios ou lubrificantes vulvovaginais.
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M.J.C., extremamente magoada, masturbava-se sempre que sentia desejo sexual. Chegou a falar com P.C.C. sobre isso, mas ele ignorou sua necessidade, afirmando que era “anormal” para sua idade. Numa rara ocasião em que ela sugeriu que a masturbasse, ele adormeceu durante o episódio. A partir daí, o relacionamento dos dois se tornou quase fraterno, apesar das insistentes provas de amor da parceira, que afirmava ainda sentir tesão por ele. Recordou que durante uma tentativa de diálogo, ele tinha afirmado que a inapetência por habituação era irreversível, pois se tratava de um fato científico. Ela passou, então, a evitar o assunto. Os lazeres entre os dois rarearam, a não ser eventuais jantares, fato que passou a ser de muito interesse de P.C.C., antes uma pessoa de hábitos alimentares muito fugazes. M.J.C., contudo, acreditava que, se os dois se empenhassem, algo poderia ser feito para melhorar a vida do casal e a defesa dos valores comuns. Ela declarou ter demorado a buscar ajuda psicoterápica por acreditar que ele tivesse problemas orgânicos. Como ele se negava terminantemente a procurar um especialista, deixou a situação se prolongar. O clima de tensão entre os dois estava muito pronunciado, com críticas e ausência total de manifestações afetivas de P.C.C. Isso estava minando a relação do casal e abrindo a possibilidade de uma separação definitiva, apesar de 35 anos de vida em comum, considerados exemplares por amigos e familiares. A conselho dos filhos, resolveram fazer uma terapia conjugal. P.C.C. dizia não acreditar na reversibilidade de seu problema sexual, afirmando que sempre soubera controlar e sublimar os seus impulsos, fato, aliás, questionável, pois tivera algumas experiências extraconjugais. Gostaria, porém, de viver melhor com a família. Estruturação da terapia Identificação do par
Parceiro masculino
• Nome: P.C.C. • Procedência: Piauí. • Atividade profissional: engenheiro. • Escolaridade: superior. • Estado civil: parceira estável há 35 anos. • Idade: 59 anos. • Religião: católica tradicional. • Filhos: três.
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Parceiro feminino
• Nome: M.J.C. • Procedência: Pará. • Atividade profissional: médica. • Escolaridade: superior. • Estado civil: parceiro estável há 35 anos. • Idade: 60 anos. • Religião: católica (praticante). • Filhos: três.
Formulação do diagnóstico
• Queixa principal • Evita contatos sexuais com a parceira
(não há introjeções nem projeções). • Definição operacional • Diz que não tem desejo sexual pela parceira. • Define-se como “inapetente por habituação”. Qualificação do problema
• Como ocorre? • Antes: evitando contatos íntimos. • Durante: ignorando a parceira e dormindo. • Depois: sem nenhum sentimento expresso
de culpa. • Onde ocorre? • Na casa do casal. • Quando ocorre? • Quando a parceira sugere qualquer encontro íntimo. • Com quem ocorre? • Com a parceira. • Quando iniciou? • Cronologia absoluta: há quatro anos. • Cronologia relativa: depois de um primeiro fracasso erétil que o deixou muito abalado. • Como evoluiu? • Depois do fracasso, P.C.C. custou a elaborar a situação, evitando o coito por um mês. Ao tentar nova relação, sobreveio um novo fracasso, o que determinou maior número de evitações (em um ano, apenas oito tentativas). Do segundo ano em diante, passou a evitar totalmente as relações sexuais e qualquer manifestação de carinho, tendo o fenômeno se generalizado à área das comunicações, com agressões e críticas à parceira. Quantificação do Problema
• Índice de ereção
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TxRa =
• Fatores circunstanciais • Ele: nega-se às situações sexuais criativas. • Causas diádicas • Ele: agressividade e rejeição. • Ela: mágoa e introversão.
Fs 0 = =0 t 10
• Apresentação gráfica 10
Análise das áreas da personalidade
9
Tabela 18.1
8 7
Tabela 18.1 – Análise das áreas da personalidade.
6 TxRa
5 4
Áreas
Variáveis identificadas
Emoções
Temor de desempenho
Cognições
Racionalização do problema Crenças errôneas sobre sexo Não admite avaliação médica
Comunicações
Agressividade com a parceira Pobreza de manifestação afetiva
Processos orgânicos
Tensão Falta de diagnóstico médico
3 2 1 0
I
II
III IV Avaliações
V
Avaliação subjetiva
• Atitude em relação ao problema • Ele: acredita que seu problema é irreversível. • Ela: acredita que se ambos se empenharem
poderia haver reversibilidade do problema em todos os sentidos, salvando a vida do casal. • Metas • Ele: viver melhor com a família. • Ela: melhorar a vida do casal e salvar os valores comuns. • Motivação em relação à terapia • Ele: pouco motivado. • Ela: motivada. Análise etiológica
• Causas orgânicas • Fatores fisiológicos: ausentes. • Fatores nosológicos: não esclarecidos. • Drogas: ausentes. • Causas psicossociológicas • Causas socioculturais • Ele: educação muito tradicional. • Ela: mais liberada sexualmente. Masturba-se como escape. • Causas comportamentais • Vivências sexuais destrutivas • Ele: fracasso erétil e evitação.
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Planejamento da terapia
Planejamento terapêutico do comportamento indesejável
• Esclarecimento sobre o que é terapia sexual. • Terapia conjugal (para melhorar o relacionamento diádico).
• Leituras eróticas e esclarecedoras (biblioterapia). • Focagem das sensações (logo que a relação do par apresentar melhora). • Exame médico conjunto.
Planejamento terapêutico das áreas da personalidade
Tabela 18.2. Observação: infelizmente, o tratamento foi sabotado pelo parceiro masculino, e o casal, lamentavelmente, se separou após um ano.
Disfunções sexuais da mulher idosa
Conceito Entendemos por disfunções sexuais da mulher idosa as que ocorrem depois da menopausa. Na terceira idade, as disfunções mais frequentes são as dispareunias e as inapetências sexuais. Elas estão muito inter-relacionadas, pois a dor – como fator aversivo (dispareunia de causa endócrina) – geralmente leva à inapetência secundária. Embora possa ser consequência de uma história de vida de frustração, em que
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Disfunções Sexuais na Terceira Idade 353 Tabela 18.2 – Planejamento terapêutico das áreas da personalidade. Áreas
Variáveis identificadas
Variáveis relevantes
Grau
Emoções
Cognições
Temor de desempenho
Sim
I
Relaxamento Apoio Dessensibilização
Racionalização do problema Crenças errôneas sobre sexo
Sim Sim
I I
Não admite avaliação médica
Sim
II
Reestrutura cognitiva Reestrutura cognitiva Esclarecimento Esclarecimento
Comunicações
Agressividade com a parceira Pobreza de manifestação afetiva
Sim Sim
I II
Treino assertivo Tarefas progressivas
Processos orgânicos
Tensão Falta de diagnóstico médico
Sim Sim
I II
Relaxamento Sugestão de exame
o sexo sempre foi desvalorizado e considerado como um fardo, a inapetência também pode ser uma forma de evitação dos fenômenos dolorosos. Muitas vezes, a inapetência e a dispareunia estão totalmente voltadas para o ato do coito intravaginal, pois muitas mulheres podem manter boas fantasias sexuais e até comportamentos masturbatórios frequentes. Segundo Masters e Johnson, o maior drama da mulher idosa está ligado à baixa ou ausência de lubrificação vaginal, em virtude das condições tróficas da vagina pela ausência de estimulação estrogênica eficiente. Por outro lado, ela é pressionada a se submeter a uma penetração rápida, quase sempre para aproveitar uma ereção fortuita do parceiro igualmente idoso. Esse drama, de certa forma, está hoje muito atenuado pela terapia hormonal no climatério. Assim como para os homens, a desinformação sobre as modificações que a idade determina na estrutura anatomofisiológica tem uma grande importância para a mulher. Na maioria das vezes, os quadros disfuncionais se instalam sobre uma matriz de desinformação. A acomodação às expectativas de uma velhice assexuada chega muito cedo para esses casais que, se mais bem informados, poderiam descobrir a riqueza de uma interação prazerosa na velhice, a qual, segundo Masters e Johnson, pode ser facilmente estabelecida com calor e dignidade. Quando o problema não é bem entendido e aceito pelo casal, as modificações por que passa o organismo se transformam num fardo muito pesado. Problemas conjugais são frequentes, geralmente com o parceiro masculino se sentindo rejeitado.
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Procedimento
A isso se acrescem, como já foi mencionado, os estereótipos culturais de beleza feminina, ditados com força de lei.
Etiologia e classificação
Podemos dizer que, na maioria das vezes, a desinformação, a subserviência e a falta de cuidados médicos são as principais causas que podem levar ao sofrimento erótico e à indigência da atividade sexual. A incidência de disfunções na terceira idade ainda é bastante elevada. Ainda que restritas a um grupo de mulheres de certo nível social e intelectual, a cada dia se avolumam informações e novos horizontes se abrem e se popularizam. Graças à liberação feminina, que gerou na mulher o forte desejo de se afirmar como pessoa, foram compreendidas as modificações fisiológicas decorrentes da idade. Com o emprego bastante difundido da estrogenoterapia, a incidência de queixas clínicas de mulheres idosas têm caído vertiginosamente. Com razão, já afirmavam Masters e Johnson que nada está mais longe da verdade do que a afirmativa de que há desinteresse sexual em uma mulher da terceira idade psiquicamente segura e com uma boa história de maturidade sexual. Infelizmente, muitas mulheres desejariam ter uma vida sexual mais rica e intensa, mas não encontram resposta no parceiro. A rigor, não existe uma classificação precisa para as disfunções sexuais na terceira idade. Mesmo surgindo inapetências primárias, decorrentes de uma vida sexual frustrante desde a mais tenra idade, são mais frequentes as inapetências secundárias, decorrentes de
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354 Tratamento Clínico das Inadequações Sexuais
dispareunia, de crendices ou da contínua exposição a um parceiro não responsivo. As dispareunias quase sempre resultam do déficit de lubrificação vaginal, embora seja necessário excluir outras causas orgânicas. Diante de um casal idoso, é preciso uma prévia avaliação da personalidade dos parceiros e de suas defesas. Com uma pessoa muito defensiva dificilmente se obtém sucesso terapêutico na adequação desse par, principalmente quando se trata de inapetência. O parceiro defensivo sabotará a terapia.
Estudo de caso
Inapetência feminina na terceira idade M.C.J. procurou a terapia, acompanhada de seu esposo M.M., acusando o parceiro de compulsão sexual. Segundo relato do casal, o parceiro já havia sofrido alguns episódios fóbicos que o levaram a usar medicação controlada, da qual já não fazia mais uso. M.C.J. reclamava da insistência sexual do parceiro, afirmando que ele desejava ter relações pelo menos uma vez por semana. Por seu turno, M.M. lastimava-se por não receber carinho e ouvir muitas reclamações sempre que insinuava um relacionamento sexual. No momento da consulta, M.M. tinha 54 anos e a parceira, 49. Mesmo sem apresentar vestígios de vaidade, era uma mulher muito bem conservada. Estavam casados há 24 anos. Entre ambos havia uma grande diferença cultural, visto que a mulher era pós-graduada em economia e o marido tinha apenas o segundo grau completo. Além disso, ele não gostava de leitura, a não ser dos jornais do dia. Estava aposentado do serviço público por motivo de saúde e, no momento, não tinha atividade econômica produtiva, entregando à esposa todo o dinheiro de sua aposentadoria, pois achava que ela era melhor administradora dos bens do casal. Natural de São Paulo (capital), M.C.J. era uma mulher dinâmica, com três filhos casados e vários netos. Sempre trabalhara fora de casa, em seu escritório. Apesar disso, supervisionava muito bem o lar. O marido procedia do interior de Goiás. Ele nunca tivera boa saúde, mas era considerado por todos um marido exemplar e extremamente fiel à esposa. Estando há quatro anos no climatério, M.C.J. se recusava a qualquer tipo de tratamento hormonal e, por isso mesmo, se queixava de muitas dores sempre
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que tentava uma penetração vaginal. A lubrificação era escassa, o que aumentava o desconforto. O casal relatou que as coisas começaram a piorar desde que M.M. se aposentou, há cerca de um ano e seis meses. Antes disso tinham uma vida regular. Aliás, M.C.J. se lembra que nas últimas três vezes em que saíram de férias a situação melhorou e tiveram boas relações. No momento, porém, ela mantinha um comportamento hostil e agressivo, pois “enquanto trabalhava o dia todo, ele permanecia em casa sem fazer nada e ainda exigia bom desempenho sexual”. A única concessão que M.C.J. fazia ao parceiro era masturbá-lo no intervalo de aproximadamente 15 dias, reclamando, porém, sempre que isso ocorria. Evitava carinhos e qualquer tipo de intimidade, temendo cobranças sexuais. Sua grande esperança era poder viver fraternalmente com o parceiro, abolindo totalmente o sexo de suas vidas. Para M.M., a expectativa era a melhora do desempenho sexual da parceira. Ele afirmava estar triste e isolado socialmente. Sua única alegria era o contato com os filhos e os netos, além dos dias que ia à missa com a esposa. Ambos eram católicos praticantes. M.C.J. afirma que nem sabe por que estava fazendo terapia, não fosse a esperança de diminuir a libido do parceiro. Estruturação da terapia Identificação do par
Parceiro masculino
• Nome: M.M. • Procedência: Goiás. • Atividade profissional: aposentado do serviço público.
• Escolaridade: segundo grau. • Estado civil: parceira estável (24 anos de casados). • Idade: 54 anos. • Religião: católica (praticante). • Filhos: três. Parceiro feminino
• Nome: M.C.J. • Procedência: São Paulo. • Atividade profissional: economista. • Escolaridade: superior. • Estado civil: parceiro estável. • Idade: 49 anos. • Religião: católica (praticante). • Filhos: três.
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Disfunções Sexuais na Terceira Idade 355 Formulação do diagnóstico
Identificação do problema
• Queixa principal • Falta de desejo sexual. • Projeção: acusa o parceiro de compulsão
sexual. • Introjeção: não há. • Definição operacional • Evita carinhos e gostaria que não houvesse sexo em suas vidas. Qualificação do problema
• Como ocorre? • Antes: com reclamações de M.C.J. • Durante: com lubrificação escassa e dor. • Depois: reclamando sempre. • Onde ocorre? • Na casa do par. • Quando ocorre? • Sempre que o parceiro insinua um relaciona-
mento sexual. • Com quem ocorre? • Com o parceiro estável. • Quando iniciou? • Cronologia absoluta: há quatro anos mais ou menos. • Cronologia relativa: desde que entrou no climatério. • Como evoluiu? • Com o climatério, M.C.J. começou a sentir dores e desconforto nas relações sexuais. A lubrificação é escassa e ela passou a evitar o ato sexual. O problema piorou com a aposentadoria do marido, fato que desencadeia maior animosidade de M.C.J. Houve um período de melhora durante as férias, mas atualmente a situação está insustentável, com comprometimento na área das comunicações interpessoais. Quantificação do problema
• Taxa de resposta apetitiva TxRa =
Fs 0 = =0 t 30
sendo t = 30 dias
• Apresentação gráfica
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10 9 8 7 6 TxRa
5 4 3 2 1 0
I
II
III IV Avaliações
V
Avaliação subjetiva
• Atitude em relação ao problema • Ele: lastima não receber carinhos e ouvir muitas reclamações sempre que insinua um relacionamento sexual com a parceira. • Ela: acredita que o parceiro tenha compulsão sexual. • Metas • Ele: melhora do desempenho da parceira. • Ela: viver fraternalmente com o parceiro, abolindo o sexo. • Motivação em relação à terapia • Ele: motivado. • Ela: não motivada.
Análise etiológica
• Causas orgânicas: ausentes. • Fatores fisiológicos: próprios da idade. • Fatores nosológicos: inexistem. • Consumo de drogas: ausente. • Causas psicossociológicas: ausentes. • Causas socioculturais: nada digno de registro. • Causas comportamentais • Vivências sexuais destrutivas: ausentes. • Fatores circunstanciais: dispareunia de M.C.J. e rejeição dela ao ato sexual. • Causas diádicas: a tensão entre os parceiros está alimentando o problema, mas não é causa determinante da queixa.
Análise das áreas da personalidade
Tabela 18.3.
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356 Tratamento Clínico das Inadequações Sexuais
Foram feitas cinco avaliações, houve melhora na assertividade e, depois do tratamento orgânico, as relações se restabeleceram sem problema. O par está adequado.
Tabela 18.3 – Análise das áreas da personalidade. Áreas
Variáveis identificadas
Emoções Cognições
Comunicações
– Crenças errôneas sobre sexo Diferença cultural em relação ao parceiro
Testando a aprendizagem • Mencione algumas características da resposta
Hostilidade em relação ao parceiro
Processos orgânicos Recusa em fazer tratamento médico
Planejamento da terapia
Planejamento terapêutico do comportamento indesejável
• Esclarecimento sobre terapia sexual. • Orientação para tratamento médico. • Estrogênios e lubrificantes locais. • Técnicas de estimulação.
Planejamento terapêutico das áreas da personalidade
Tabela 18.4.
sexual masculina na velhice. • Mencione algumas características da resposta sexual feminina na velhice. • Qual é o fator mais importante na gênese das disfunções sexuais na velhice? • Qual é a causa mais constante da perda do desejo sexual na velhice? • Cite alguns mitos sobre sexualidade na velhice. • Quais são as principais disfunções sexuais do homem idoso? • Quais são as principais disfunções sexuais da mulher idosa?
Tabela 18.4 – Planejamento terapêutico das áreas da personalidade. Áreas
Variáveis identificadas
Variáveis relevantes
Grau
Procedimento
Emoções
–
–
–
Cognições
Crenças errôneas sobre sexo Diferença cultural entre parceiros
Sim –
I –
Esclarecimento –
Comunicações
Hostilidade em relação ao parceiro
Sim
I
Treino assertivo
Processos orgânicos
Recusa em fazer tratamento médico
Sim
I
Esclarecimento e tratamento médico
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–
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Os autores Ricardo e Mabel Cavalcanti dedicam-se há mais de 40 anos à solução das dificuldades sexuais de seus clientes. Nesta nova edição, revista e atualizada, apresentam uma metodologia original de estruturação da terapia sexual a fim de manter saudável o relacionamento dos casais. Destinado a médicos e psicólogos, o livro Tratamento Clínico das Inadequações Sexuais tem como base o trabalho sério e de comprovada eficácia clínica dos autores, apresenta inspiração cognitivo-comportamental, através de um texto simples e didático e, ao final de cada capítulo, apresenta questionários para avaliação do aprendizado sobre cada tema abordado.
ISBN 978-85-5795-011-5
9 788557
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