De Carlo Kudo
TERAPIA OCUPACIONAL EM CONTEXTOS HOSPITALARES E CUIDADOS PALIATIVOS Os campos de conhecimentos e de atuação da Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos são bastante amplos, diversificados e crescentes. Este livro tem como objetivo fundamental compartilhar experiências assistenciais e trabalhos científicos que têm sido produzidos sobre a especialidade profissional de Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares e suas áreas de atuação, particularmente em Cuidados Paliativos. Traz uma grande contribuição para a consolidação das práticas baseadas em evidências na área da saúde e consequente melhoria da qualidade da assistência prestada aos clientes, seus familiares e cuidadores. Escrito por profissionais brasileiros e internacionais que atuam nos mais diversos contextos, serviços e programas hospitalares e junto a diferentes populações, distribuídos em 15 capítulos, com 27 diferentes abordagens sobre temas fundamentais para os profissionais das áreas que tenham interesse por Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos.
ISBN: 978-85-5795-003-0
9 788557 95003 0
Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos
ORGANIZADORAS
MARYSIA MARA RODRIGUES DO PRADO DE CARLO AIDE MITIE KUDO
Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos
Sumário
1. Fundamentação e Processos da Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos ............................................................................. 1 Marysia M. R. do Prado De Carlo, Leonardo Martins Kebbe e Rosibeth Del Carmen M. Palm
2. Políticas Públicas de Saúde e Terapia Ocupacional na Assistência Hospitalar................33 Júnia J. Rjeille Cordeiro
3. Gerenciamento de serviços hospitalares de Terapia Ocupacional e procedimentos do SUS........................................................................................................................49 Aide M. Kudo
4. Avaliação e Intervenção de Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares...............79 Solange A. Tedesco
5. Tecnologia assistiva e Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares....................... 103 Miryam B. Pelosi e Cristiane A. Gomes
6. Terapia Ocupacional em Enfermaria Pediátrica e Brinquedoteca Hospitalar............... 127 Aide Mitie Kudo, Priscila Bagio Maria Barros e Regina Helena V. Torkomian Joaquim
7. Terapia Ocupacional em Oncologia Pediátrica e Cuidados Paliativos............................ 145 Walkyria de Almeida Santos, Maria Lúcia Pedroso Cesari Lourenço, Camila Dias Silva e Heloisa Cristina Figueiredo Frizzo
8. Terapia Ocupacional e a atenção oncológica em Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos............................................................................................................................ 159 8.1. Noções de Oncologia e a Atuação do Terapeuta Ocupacional no Câncer de Mama e de Pulmão....................................................................................................... 160 Leticia M. Vendrusculo Fangel e Renata C. Cardoso.
8.2. A Construção de Espaços de Atuação da Terapia Ocupacional em Cuidados Oncológicos...................................................................................................................... 175 Francine de C. Alves Victal e Marcela dos Reis Bigatão
8.3. Terapia Ocupacional e Cuidados Paliativos em Clínicas Cirúrgicas: Neurocirurgia Oncologia e na Cirurgia de Cabeça e Pescoço Oncológica.................... 184 Marcela dos Reis Bigatão
XXIV Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos
8.4. O Terapeuta Ocupacional na Unidade de Transplante de Medula Óssea............. 196 Renata Sloboda Bittencourt e Dayane Regina dos Santos
8.5. Terapia Ocupacional Hospitalar – Atuação junto a Pacientes de Onco-Ortopedia.................................................................................................................................. 205 Gisele Brides Prieto Casacio
9. Terapia Ocupacional e Cuidados Paliativos Oncológicos.................................................... 213 Fernanda Capella Rugno, Tatiana B. Bombarda e Marysia M. R. do Prado De Carlo
10. Terapia Ocupacional em Condições não-oncológicos em Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos......................................................................... 225 10.1. Terapia Ocupacional na Atenção ao Paciente Queimado......................................... 226 Janaina Teresinha da Silva Junqueira Assis e Noycla Duque Raymundo
10.2. Terapia Ocupacional em Condições Neurológicas e Neurodegenerativas em Contextos Hospitalares................................................................... 241 Cíntia Pontin Carraretto e Preslavia Colares Aguiar
10.3. Terapia Ocupacional com pacientes com disfunções traumato-ortopédicas no contexto hospitalar........................................................................ 256 Ana Paula M. Cazeiro e Gisele B. P. Casacio
10.4. Terapia Ocupacional em Condições Não-Oncológicas: Doenças Cardiovasculares.............................................................................................................. 269 Mônica Estuque Garcia de Queiroz
10.5. Terapia Ocupacional em Condições Infecto-contagiosas / Aids............................ 279 Mônica Estuque Garcia de Queiroz
11. Condições De Envelhecimento e Cuidadores de Idosos em Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos......................................................................... 289 Gabriela Rezende e Carolina Becker Bueno De Abreu
12. Terapia Ocupacional em Unidades de Terapia Intensiva..................................................... 311 12.1. Terapia Ocupacional em Unidades de Terapia Intensiva Neonatal....................... 311 Erika da Silva Dittz e Ludimila Laranjeiras Barros Rocha
12.2. Intervenção de Terapia Ocupacional em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica............................................................................................................................ 329 Mariana de Paiva Franco e Aide Mitie Kudo
12.3. Terapia Ocupacional em Unidade de Terapia Intensiva – Adultos e Idosos....... 350 12.3.1. Atuação do Terapeuta Ocupacional em Unidade de Terapia Intensiva Adulto.................................................................................................................. 350 Claudia Aline Valente Santos
Sumário
12.3.2. A Terapia Ocupacional no Trabalho em UTI com pacientes em Cuidados Paliativos............................................................................................................................ 355 Mônica Estuque Garcia de Queiroz
13. Promoção de Saúde Mental em Contextos Hospitalares.................................................... 363 13.1. Saúde Mental em Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos.......................... 363 Heloisa Cristina Figueiredo Frizzo e Leidiane Fernandes de Queiroz
13.2. A clínica de Terapia Ocupacional em Saúde Mental em hospitais gerais: raciocínio clínico................................................................................................................................. 375 Luciene Vaccaro de Morais Abumusse
14. Perdas e Luto em Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos............................................................................................................................ 387 Heloisa Cristina Figueiredo Frizzo e Victor A. Cavaleiro Corrêa
15. Necessidade de Pesquisa e Evidências de Terapia Ocupacional em Cuidados Paliativos............................................................................................................................ 399 Gail Eva
XXV
Capítulo
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Terapia Ocupacional e Cuidados Paliativos Oncológicos Fernanda Capella Rugno, Tatiana Barbieri Bombarda e Marysia Mara Rodrigues do Prado De Carlo
Mas tenho muito medo do morrer. O morrer pode vir acompanhado de dores, humilhações, aparelhos e tubos enfiados no meu corpo, contra a minha vontade, sem que eu nada possa fazer, porque já não sou mais dono de mim mesmo; solidão, ninguém tem coragem ou palavras para, de mãos dadas comigo, falar sobre a minha morte, por medo de que a passagem seja demorada. Bom seria se, depois de anunciada, ela acontecesse de forma mansa e sem dores, longe dos hospitais, em meio às pessoas que se ama, em meio a visões de beleza. Rubem Alves
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Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos
Introdução O processo de morte e morrer é retratado aqui, por Rubem Alves1, como um momento sombrio, solitário e doloroso. Esta descrição reflete a atual visão social de morte, a qual é permeada por sentimentos negativos, como culpa, impotência, medo e fracasso, e a concepção que poderia (e deveria) ser diferente. A morte envolve uma multiplicidade de significados. Pode ser compreendida como a separação de entes queridos, como a finitude dos sonhos e a interrupção de planos, sendo raramente vista como um processo natural. O medo de morrer é uma experiência individual, que recebe um significado diferente conforme a etapa do ciclo vital em que a pessoa se encontra (infância, adolescência, idade adulta ou velhice) e de acordo com a personalidade e o ambiente social, cultural, religioso e familiar de cada indivíduo2. Os avanços tecnológicos mais os protocolos de condutas terapêuticas estabelecidos têm contribuído para o prolongamento da vida, mas têm promovido também a distanásia, que significa prolongamento exagerado do processo de morte como sinônimo de tratamento inútil. No mundo europeu, fala-se de “obstinação terapêutica”, e nos Estados Unidos, de “futilidade médica” (medical futility). Isso nos coloca uma questão ética importante: Até que ponto se deve prolongar o processo de morrer quando não há mais esperança de reverter o quadro3? Os cuidados paliativos trouxeram a compreensão de que pacientes com uma doença que ameace a continuidade de sua vida merecem um cuidado integral, que promova tanto a qualidade de vida quanto a qualidade de morte. Viver e morrer com dignidade são direitos de todos.
Cuidados paliativos oncológicos O termo câncer refere-se a um conjunto de mais de 100 doenças, nas quais as células que sofreram alterações genéticas, denominadas neoplásicas ou cancerígenas, dividem-se desordenadamente e invadem tecidos e órgãos, podendo espalhar-se para outras partes do corpo4,5. A carcinogênese (processo de formação do câncer) se constitui em um processo altamente complexo e, em geral, lento, no qual estão envolvidos fatores de risco externos (exposição à radiação, exposição a produtos químicos, vírus, tabagismo, alcoolismo, má alimentação, falta de exercícios físicos, exposição ocupacional) e fatores de risco internos (sistema imunológico comprometido, predisposição genética, alterações hormonais)5. No Brasil, de acordo com o Instituto Nacional de Câncer, para o biênio 2016-2017, há a expectativa da ocorrência de aproximadamente 600 mil novos casos de câncer. Excetuando a contabilização dos casos de câncer de pele não melanoma, os tipos mais frequentes e esperados de cânceres no gênero masculino são próstata (28,6%), pulmão (8,1%), intestino (7,8%), estômago (6,0%) e cavidade oral (5,2%). Enquanto que para as mulheres, a configuração dos tipos mais previstos são os cânceres de mama (28,1%), intestino (8,6%), colo do útero (7,9%), pulmão (5,3%) e estômago (3,7%)6.
Capítulo 9 Terapia Ocupacional e Cuidados Paliativos Oncológicos
Os tratamentos antineoplásicos variam de acordo com o tipo de câncer, com suas características biológicas, com o estadiamento da doença, bem como com as condições clínicas do paciente. Existem diversos tipos de terapêuticas em que se destacam o tratamento sistêmico do câncer (quimioterapia, hormonioterápicos, drogas de alvo molecular etc.), tratamento locorregional (radioterapia e suas variações, diferentes procedimentos cirúrgicos), reabilitação e cuidados paliativos4,7. O tratamento antineoplásico e os cuidados paliativos não são mutuamente excludentes. Os cuidados paliativos devem ser oferecidos o mais precocemente possível aos pacientes com doenças crônico-degenerativas oncológicas ou não oncológicas, persistindo durante toda a trajetória da doença e, inclusive, durante o período do luto familiar, a fim de garantir uma adequada qualidade de vida aos pacientes e seus cuidadores familiares, sob os aspectos físicos, psicossociais e espirituais/existenciais. A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu que “os cuidados paliativos são aplicáveis no início do curso da doença, em conjunto com outras terapias que visam prolongar a vida”7. Os cuidados paliativos trouxeram a (re)humanização do processo de viver e morrer com dignidade. Em um ranking de qualidade de morte8, o Brasil ocupou o 42o lugar entre 80 países avaliados quanto à oferta de cuidados paliativos à sua população (analisando ambiente de saúde, recursos humanos, formação profissional, qualidade de cuidado e conhecimento/ acesso da comunidade). Este fator evidencia a fragilidade assistencial nos processos que envolvem finitude de vida e ilustram a necessidade de investimentos na formação dos profissionais de saúde no âmbito nacional. Os cuidados paliativos oncológicos estão associados historicamente com o Movimento Internacional Hospice, difundido pela inglesa Cicely Mary Strode Saunders, fundadora do St. Christopher´s Hospice em 1967, local destinado à assistência de pessoas sem expectativa de cura9. Saunders desenvolveu a abordagem sistêmica para o controle da “dor total”, cuja atenção era voltada não só para as necessidades físicas dos pacientes que tinham doenças crônico-degenerativas em fase avançada, mas também para as demandas psíquicas, sociais, emocionais e espirituais9,10. Os cuidados paliativos procuram oferecer o adequado manejo e o controle da dor e de sintomas físicos e psíquicos, além de facilitar o processo de comunicação, a compreensão do diagnóstico e das metas de atendimento/assistência e a manutenção da qualidade de vida, das atividades de vida diária e das atividades práticas ou instrumentais de vida diária. Devido à complexidade da oferta de um atendimento integral que contemple o olhar para a totalidade do sujeito, faz-se necessário o trabalho de uma equipe multiprofissional, composta por médicos, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, assistentes sociais, enfermeiros, nutricionistas, psicólogos, farmacêuticos clínicos, assistentes religiosos e musicoterapeutas10. Porém, a simples presença de uma equipe composta por diferentes especialidades não garante o desenvolvimento de uma assistência integral. Um trabalho multiprofissional efetivo deve elaborar um projeto terapêutico singular, o qual exige que os profissionais dialoguem efetivamente entre si, com trocas de saberes e comunicação uniforme para com o paciente e seus familiares.
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Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos
O Projeto Terapêutico Singular (PTS), dispositivo da Política Nacional de Humanização, consiste em um conjunto de condutas terapêuticas articuladas que emerge a partir da discussão entre os membros de uma equipe multiprofissional e que busca a singularidade (diferença) como elemento central desta articulação, visto a tendência de diagnósticos igualarem os sujeitos (com hipertensão, diabetes, câncer, entre outros)11. O PTS deve ser composto por:
• Diagnóstico: avaliação orgânica, psicológica, funcional e social, considerando desejos,
interesses, trabalho, cultura e rede sociofamiliar, a fim de ter acesso à identificação dos riscos e da vulnerabilidade do paciente; • Definição de metas: proposição de ações articuladas a curto, médio e longo prazo, a partir do que foi evidenciado no processo avaliativo; • Divisão de responsabilidades: definição das tarefas de cada membro da equipe de modo claro, a fim de suprir as necessidades do paciente e da família; • Reavaliação: discussão acerca do processo evolutivo e verificação da necessidade de remanejamentos e encaminhamentos. É a interação entre os diferentes profissionais que propicia a clínica ampliada, contudo, esta é uma ação condicionada ao aprendizado coletivo de lidar com as diferentes formas de pensar, os conflitos emergentes, os afetos, as relações de poder existentes e a incorporação da corresponsabilidade. A comunicação entre os profissionais infere diretamente na qualidade assistencial. A falta de tempo na rotina hospitalar para discussões de todos os casos clínicos não isenta a comunicação e a formulação do PTS para todos os pacientes, o que pode ser feito por meio do prontuário, o qual, entre outras funções, tem a finalidade de favorecer a comunicação multiprofissional. Comunicar más notícias não é tarefa fácil e exige dos profissionais um preparo prévio, que pode ser estabelecido adequadamente quando o profissional passa por treinamentos específicos (sobre técnicas de comunicação) e segue determinados protocolos técnicos. Na comunicação verbal, os profissionais da saúde devem usar palavras simples e evitar os jargões médicos/científicos. Além disso, precisam observar os gestos, a postura e as reações dos pacientes (comunicação não verbal), e, assim, predizer e compreender as reais necessidades de cada indivíduo12. Comunicar más notícias não é ação exclusiva do médico. Durante todo o processo de hospitalização, terapeutas ocupacionais irão se deparar com questionamentos realizados pelos pacientes quanto ao seu prognóstico. E o profissional tem o dever ético e moral de esclarecer as reais possibilidades vinculadas ao desempenho funcional e ocupacional, de modo a não suscitar expectativas irreais no paciente. Uma boa comunicação envolve clareza e graduação das informações, bem como o respeito ao tempo do paciente (este envolve a compreensão da informação, suas emoções e reações), sendo comum a retomada de questionamentos nas diversas etapas do tratamento, assim como o surgimento de sintomas de ansiedade e depressão.
Capítulo 9 Terapia Ocupacional e Cuidados Paliativos Oncológicos
Deste modo, o alinhamento das ações a serem desenvolvidas pela equipe, contemplando um cuidado biopsicossocial e espiritual, favorece um processo de comunicação adequado e efetivo entre os profissionais e pacientes, bem como entre os profissionais e cuidadores/familiares. Uma comunicação eficaz auxilia na estruturação do vínculo terapêutico, o qual se dá não apenas por postura empática, mas pelo ato de saber reconhecer e entender sinais, expressões, olhares que por vezes são emitidos e podem ser traduzidos simbolicamente em evidências sobre sentimentos, dúvidas e desconfortos presentes e não verbalizados12.
Terapia ocupacional em cuidados paliativos oncológicos A Associação Americana de Terapia Ocupacional afirma que é direito de uma pessoa que esteja “fora de possibilidades de cura” ter acesso aos cuidados da comunidade dentro do sistema de saúde, e receber um cuidado personalizado e individual dentro do curso de uma doença terminal13. As necessidades dos pacientes variam conforme o estágio de evolução da doença de base e dos sintomas de difícil controle, que impactam nas modalidades de atendimento oferecidas. Na perspectiva do cuidado integral e integrado a esta clientela e sua família, a terapia ocupacional tem por objetivo fundamental a promoção de saúde, bem-estar e qualidade de vida, tornando-os capazes de melhorar o desempenho funcional e ocupacional. Assim, contribui para a reorganização da vida ocupacional e minimização dos agravos, retomada das atividades cotidianas e dos papéis sociais e ocupacionais e o enfrentamento dos processos de adoecimento e hospitalização, que trazem repercussões importantes para a vida e para as relações interpessoais da pessoa e sua família. Para a terapia ocupacional, todos os indivíduos se engajam em ocupações, as quais são realizadas por meio de habilidades e sentido. Logo, os terapeutas ocupacionais são profissionais qualificados para ajudar pessoas que estão morrendo a se engajarem em atividades prazerosas e significativas14. A terapia ocupacional deve valorizar a vida remanescente do indivíduo, ajudando-o a viver o presente e reconhecendo seu direito de autodeterminação14,15. Pessoas em processo de finitude de vida comumente apresentam reflexões vinculadas ao uso do tempo durante seu período sadio, manifestando arrependimentos, pendências, desejos interrompidos e medos atrelados à dependência e à interrupção de papéis. Tudo isso fomenta o sofrimento vivenciado. Armitage e Crowther16 relacionam o papel do terapeuta ocupacional em cuidados paliativos à habilidade de observar, escutar e trabalhar com cada paciente em sua individualidade, para alcançar seus objetivos particulares. O terapeuta ocupacional emprega sua habilidade de identificar os papéis e valores ocupacionais do sujeito e adequá-los à vida atual do indivíduo, o que pode garantir uma melhor qualidade de vida, inclusive durante o processo de morte17.
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Para a avaliação de necessidades e demandas, em uma perspectiva holística, o terapeuta ocupacional deve considerar tanto aspectos relativos à independência funcional e ocupacional quanto aspectos subjetivos, buscando compreender anseios, dúvidas, temores e fantasias ao longo da vivência com o câncer, bem como as dificuldades e os receios atrelados à hospitalização prolongada e a outros aspectos de ordem sociocultural e espiritual. A utilização de escalas padronizadas pode gerar indicadores relevantes acerca do desempenho ocupacional/funcional durante o percurso da doença. Entre as mais utilizadas, estão a Karnofsky Performance Status (KPS) e a Palliative Performance Scale (PPS), instrumentos que avaliam o estado funcional atual do paciente e suas ocupações remanescentes (capacidades e limitações). Podem ser utilizados também instrumentos para mensuração de sintomas, como a Escala de Avaliação de Sintomas de Edmonton (ESAS), a Escala Numérica ou Visual Analógica de Dor (EVA) e o Inventário para Dor de Wiscosin17. As ferramentas que avaliam a qualidade de vida de pacientes em cuidados paliativos podem fazer parte da rotina de avaliação dos terapeutas ocupacionais. A Palliative Outcome Scale (POS) é uma escala de avaliação multidimensional da Qualidade de Vida, bastante utilizada tanto no ensino e na pesquisa quanto na prática clínica junto a pessoas com doenças crônico-degenerativas ameaçadoras da vida em cuidados paliativos18. A seguir, serão apresentados alguns preceitos sobre a atuação do terapeuta ocupacional em cuidados paliativos.
Ofertar um sistema de suporte que auxilie o paciente a viver tão ativamente quanto possível até sua morte O terapeuta ocupacional possui instrumentalização, habilidades e competências profissionais para manter o nível de independência e autonomia do paciente pelo maior tempo possível, mantendo-o ativo em seu cotidiano para o desempenho ocupacional. Ao avaliar funcionalidade, o terapeuta ocupacional deve buscar compreender a rotina vivenciada pelo paciente e pelo familiar e a relação de significados com as atividades por eles desempenhadas. É necessário verificar as habilidades, capacidades e dificuldades presentes, em especial no desempenho funcional das atividades de vida diária (AVDs) e das atividades práticas ou instrumentais de vida diária (AIVDs). Para favorecer o desempenho ocupacional, o terapeuta ocupacional pode promover ajustes nas rotinas diárias de acordo com o que o paciente tolera e suas necessidades de descanso. A partir de uma avaliação consistente das demandas, o terapeuta ocupacional pode realizar modificações e adaptações do ambiente físico, para que o paciente continue a participar de atividades sociais; prescrever ou confeccionar recursos de tecnologia assistiva, como adaptações para favorecer AVDs e para reduzir os esforços e o tempo requerido para suas ocupações; dispositivos auxiliares de locomoção e de comunicação alternativa ou suplementar; adequação de mobiliários, entre outros.
Capítulo 9 Terapia Ocupacional e Cuidados Paliativos Oncológicos
Promover o alívio da dor e de outros sintomas desagradáveis Para o controle da dor e dos sintomas, além do emprego de medidas farmacológicas, como o uso de opioides, o plano terapêutico deve incluir também a utilização de medidas não farmacológicas, que podem ser bastante eficazes para prevenção de dores articulares, fadiga∕astenia e dispneia. É importante avaliar a presença de fatores psicossociais, como medos, angústias, irritação, ansiedade e depressão, visto que são variáveis que inferem na exacerbação de sintomas, podendo influenciar na intensidade da dor (dor total) e na promoção de descompensações cardiorrespiratórias. O terapeuta ocupacional pode vir a fazer uso de recursos terapêuticos, como técnicas de massagem e relaxamentos; prescrição de talas, confecção de órteses e adaptações; orientação e treinamentos de técnicas de conservação de energia e de proteção articular. Além disso, a oferta de atividades expressivas e de lazer favorece a diminuição de tensões e a regulação emocional.
Ofertar sistema de suporte para auxiliar os familiares durante a doença do paciente e no período de luto A qualidade de vida do familiar cuidador e sua rede social de suporte no período de tratamento e no luto também devem ser abordados pelo terapeuta ocupacional em conjunto com a equipe, de forma a identificar o impacto e a sobrecarga (física e emocional) que a doença, a tarefa do cuidar e o luto têm na vida de todos. O processo de morte, além de ser um evento biológico, apresenta elementos sociais/ culturais, legais, emocionais e espirituais que influenciam no luto. Ademais, geram uma variedade de reações emocionais nos familiares e cuidadores, como tristeza, raiva, estresse da separação, negação, perda do interesse em si mesmo e nas relações sociais, bem como a revisão do momento da morte e seus eventos subsequentes por diversas vezes19. Os familiares podem também vivenciar o luto antecipatório, o qual se constitui em manifestações de sofrimento vinculadas à percepção da perda do familiar antes que a morte ocorra efetivamente. É essencial a abordagem do familiar e/ou cuidador durante o tratamento e o luto, visando o reconhecimento de suas necessidades para lidar com este momento da maneira mais saudável possível, por meio de medidas e estratégias que reforcem este processo como parte natural da experiência e da finitude humana19,20. Ao ofertar apoio terapêutico aos familiares, o terapeuta ocupacional deve buscar avaliar a estruturação da rotina do cuidador, compreender sua visão sobre o processo de adoecimento e morte de seu familiar, por meio de escuta ativa e acolhimento. Nesse sentido, é possível a realização de grupos que favoreçam trocas de experiências, compartilhamento de vivências e de estratégias, assim como atendimentos individualizados que podem ser mantidos via assistência ambulatorial ou domiciliar, de acordo com as peculiaridades dos serviços.
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Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos
A assistência familiar deve ser continuada pelo terapeuta ocupacional após o óbito, visto o impacto do luto na rotina do cuidador. Muitos familiares/cuidadores dispendem muito tempo de seu cotidiano no ato de cuidar e, na maior parte das vezes, necessitam abrir mão de atividades e distanciam-se de relações afetivas. No luto, se deparam com um vazio a ser preenchido, com a dificuldade de se reorganizar para retomar suas ocupações e/ou incorporar novas ações em sua rotina voltadas a maior investimento no autocuidado, no bem-estar e na qualidade de vida.
Melhorar a qualidade de vida e influenciar positivamente o curso da doença A promoção da qualidade de vida durante a trajetória da doença e do tratamento está relacionada à compreensão da pessoa com câncer em sua integralidade, com seu sofrimento físico-psicossocial-espiritual. O viver com qualidade inclui o respeito aos seus desejos e vontades, o manejo adequado dos sintomas (sejam eles físicos, psíquicos ou espirituais), a convivência e a comunicação com os familiares e o resgate de sua autonomia, fé e esperança. Para isso, o terapeuta ocupacional deve desenvolver uma prática profissional voltada ao resgate da biografia do paciente e de seus relacionamentos interpessoais, à melhora da comunicação com a família e os membros da equipe multiprofissional, à reorganização dos papéis ocupacionais e sociais e à manutenção de atividades significativas. Contudo, é importante ressaltar que, com a evolução da doença, haverá perdas funcionais e ocupacionais, que exigirão a ressignificação da vida cotidiana e intervenções que ajudem no processo de morte e morrer.
Caso clínico L., 40 anos, deu entrada na Unidade de Emergência do Hospital apresentando lesão extensa na face com odor fétido e secreção esverdeada. Apresenta desnutrição proteica, está taquicárdico e tem nível de dor 7. É um morador de rua com carcinoma espinocelular do lábio com invasão local, mas a cirurgia estava contraindicada devido à grande extensão da lesão. Como antecedentes, o paciente era ex-tabagista, ex-etilista, estava em condição de vulnerabilidade social e apresentava má adesão ao tratamento, não tendo realizado quimioterapia e radioterapia previamente indicadas. Com esse quadro clínico, o paciente foi encaminhado à enfermaria de cuidados paliativos de um hospital público de médio porte, secundário, de média complexidade.
Plano terapêutico Após a avaliação pela equipe multiprofissional, foi elaborado um plano terapêutico que incluía: controle da dor, adequação nutricional, estímulos para manutenção do desempenho funcional, avaliação e suporte às questões psicossociais suscitadas pelo processo de adoecimento (desfiguração da face) e hospitalização e articulação com a rede para suporte no pós-alta.
Capítulo 9 Terapia Ocupacional e Cuidados Paliativos Oncológicos
Assistência terapêutico ocupacional Nos contatos iniciais do processo de avaliação de terapia ocupacional, foi possível perceber que o paciente apresentava quadro de negação, demonstrando em seu discurso uma não compreensão em relação à evolução e gravidade de seu quadro clínico. Por ser morador de rua, não apresentava rede de suporte social e apontava vínculos afetivos fragilizados com os familiares. Apresentava comunicação de difícil compreensão devido à lesão, que envolvia a mandíbula, a língua e o lábio superior. Em termos de funcionalidade, o paciente apresentou escore da Palliative Performance Status (PPS) = 60 e realizava suas AVDs de modo ativo, mas necessitando de auxílios ocasionais. Não visualizava papéis ocupacionais e não identificava atividades significativas e prazerosas. Apresentava sofrimento psíquico, com dor, choro, introspecção, apatia, dificuldade em lidar com a autoimagem e despertencimento social. A partir das demandas estratificadas, foram priorizadas as seguintes intervenções:
• Em relação às estratégias de comunicação, optou-se por escrita com prancheta e caneta, devido à recusa do paciente em usar a prancha de comunicação alternativa. No entanto, muitas vezes a escrita era ilegível, devido a sintomas como desconforto e fraqueza. Assim, foram pactuados sinais gestuais entre o paciente e a equipe; • Apesar da gastrostomia, foi mantida a oferta oral de alimentos para prazer do paciente. Em conjunto com a Fonoaudiologia, foram feitas a adaptação do talher e da textura alimentar e as orientações de mobilidade, como encaixar o talher na boca devido à lesão; • Foram propostos passeios na área externa do hospital e atividades artesanais, como recursos de apoio durante a vivência hospitalar e estímulos de funções psicomotoras; • A música foi um recurso usado para favorecer a expressividade e o relaxamento, particularmente devido à dor de difícil controle farmacológico. Por ser introspectivo, expressava-se pouco, mas através da escolha de algumas músicas nas atividades, sugeria conteúdos importantes sobre seus sentimentos, os quais eram trabalhados sempre de modo indireto. Algumas de suas escolhas musicais foram: “É preciso saber viver”, “Tristeza” e “Solidão”. Ao longo do processo, as intervenções foram sendo adequadas às demandas específicas de cada fase da vida do paciente. L. trouxe alguns repertórios de seu contexto enquanto morador de rua e da busca de sentido para sua vivência atual. Expressou não possuir religião, mas manifestou com afetividade recordações de um padre que sempre o auxiliou com a oferta de comida. Em uma destas intervenções, foi sinalizada a ele a possibilidade da vinda de um padre, sendo que L. interessou-se pela visita, realizada pelo padre de referência do hospital. Aconteceram visitas constantes ao paciente que, apesar de ser introspectivo com a equipe, conversava pouco mais de 40 minutos com o religioso. A equipe percebia maior serenidade e melhora de humor nos dias seguintes à visita do religioso.
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Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos
Não foi possível promover a alta hospitalar devido à necessidade de cuidados específicos, associados à ausência de rede de suporte social. Apesar do acionamento do Ministério Público para provimento de vaga em uma instituição de retaguarda, L. permaneceu 280 dias hospitalizados, até seu óbito. Infelizmente, casos de internações sociais são frequentes devido à ausência de suporte sócio-familiar. Assim, a equipe hospitalar vale-se dos esgotáveis recursos técnicos e financeiros e de seus inesgotáveis recursos humanitários para garantir o direito à qualidade de vida e de morte de cada paciente em cuidados paliativos.
Considerações finais Os cuidados paliativos oncológicos estão relacionados aos direitos humanos básicos: a qualidade de vida e a qualidade de morte, considerando que a morte é parte inevitável e inegável da vida. Os terapeutas ocupacionais, fundamentados pela filosofia e pelas diretrizes dos cuidados paliativos, podem ajudar o paciente a escolher a forma como viverão e enfrentarão seu processo de adoecimento, assim como o modo que desejam partir. Esta é uma das ações mais efetivas, significativas e valiosas para o trabalho conjunto da equipe de cuidados paliativos. “A vida tem que ser algo que quando termine mereça comemoração21”.
Referências bibliográficas 1. Alves R. Sobre a morte e o morrer. In: Folha de São Paulo. São Paulo: Caderno Sinapse. 2003. 3p. 2. Cesar B. Superando o preconceito de falar sobre a morte. In: Figueiredo MTA. (org.). Coletânea de Textos sobre Cuidados Paliativos e Tanatologia. São Paulo: Unifesp; 2006. p. 4-7. 3. Hilkner M, Hilkner RR. A questão da terminalidade. Saúde, Ética & Justiça, 2012;17(2):75-81. 4. Centers for Disease Control and Prevention (CDCP). Numbers of deaths for leading causes of death. 2011. Available on: http://www.cdc.gov/nchs/fastats/lcod.htm. 5. Araujo MBM, Soares FA. Patologia geral do câncer. In: Lopes A, Iyeyasu H, Castro RMRPS. Oncologia para a Graduação. 2. ed. São Paulo: Tecmedd; 2008. 6. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Estimativa 2016: incidência de câncer no Brasil. Coordenação Geral de Ações Estratégicas, Coordenação de Prevenção e Vigilância. Rio de Janeiro: Inca; 2015. 7. World Health Organization. Definition of palliative care. Geneva: World Health Organization; 2013. Available on: http://www.who.int/cancer/palliative/definition/e. Accessed on: 20/06/2011. 8. Economist Intelligence Unit. The 2015 quality of death index ranking palliative care across the world. Available on: http://www.lienfoundation.org/sites/default/files/2015%20Quality%20of%20 Death%20Report.pdf. Accessed on: 20/01/2016. 9. Santos FK. O desenvolvimento histórico dos cuidados paliativos e a filosofia hospice. In: Santos FK. (org.) Cuidados Paliativos: diretrizes, humanização e alívio de sintomas. São Paulo: Atheneu; 2011. p. 3-15. 10. Paiva C, Faria CB, Nascimento MS, Dos Santos R, Scapulatempo HH et al. Effectiveness of a palliative care outpatient programme in improving cancer-related symptoms among ambulatory brazilian patients. Eur J Cancer Care, 2012;21:124-30. 11. Brasil. Ministério da Saúde. Cartilha do Ministério da Saúde: clínica ampliada, técnico de referência e projeto terapêutico singular. 2. ed. Brasília: Núcleo Técnico da Política Nacional de Humanização; 2007.
Capítulo 9 Terapia Ocupacional e Cuidados Paliativos Oncológicos 12. Perdicaris AM, Silva MJP. A comunicação essencial em oncologia. In: Carvalho VA et al. (org.) Temas em Psico-oncologia. São Paulo: Summus; 2008. p. 403-13. 13. American Occupational Therapy Association. Occupational therapy and hospice (statement). American Journal of Occupational Therapy, 1998;52:872-3. 14. Bye R. When clients are dying, occupational therapy perspective. Occupational Therapy Research, 1998;18:3-24. 15. Trump SM, Zahoransky M, Siebert C. Occupational therapy and hospice. The American Journal of Occupational Therapy, 2005;59(6). 16. Armitage K, Crowther L. The role of occupational therapist in palliative care. European Journal of Palliative Care, 1999;6:154-7. 17. Pearson EJM, Todd JG, Futcher JM. How can occupational therapists measure outcomes in palliative care? Palliat Med, 2007;21:477-85. 18. Rugno FC; De Carlo MMRP. Validação da Palliative Outcome Scale no Brasil (POS-Br). (Tese de Doutorado em andamento). Ribeirão Preto: Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, 2016. 19. Al S, Wimpenny P, Unwin R et al. Literature review on bereavement and bereavement care. Aberdeen: The Joanna Briggs Institute, Robert Gordon University; 2006. Available on: http://www4.rgu.ac.uk/ files/BereavementFinal.pdf. Accessed on: 18/03/2010. 20. Bereavement Support Working Group. Bereavement support guideline. End of Life & Palliative Care CNG, 2011;1(1):1-23. 21. Melo AGC, Caponero R. Cuidados paliativos: abordagem contínua e integral. In: Santos FS. Cuidados Paliativos: discutindo a vida, a morte e o morrer. São Paulo: Atheneu; 2009. p. 257-67.
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Capítulo
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Condições de Envelhecimento e Cuidadores de Idosos em Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos Gabriela Rezende e Carolina Becker Bueno de Abreu
Enquanto estiver vivo, sinta-se vivo. Se sentir saudades do que fazia, volte a fazê-lo. Não viva de fotografias amareladas... Continue, quando todos esperam que desistas. Não deixem que enferruje o ferro que existe em você. Faça com que em vez de pena, tenham respeito por você. Quando não conseguir correr atrás dos anos, trote. Quando não conseguir trotar, caminhe. Quando não conseguir caminhar, use uma bengala. Mas nunca se detenha. Madre Teresa de Calcutá
Introdução – Envelhecimento humano De acordo com o Ministério da Saúde, envelhecimento populacional é definido como a mudança na estrutura etária da população, o que produz um aumento do peso relativo das pessoas acima de determinada idade, considerada como definidora do início da velhice1.
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O envelhecimento populacional decorrente do processo de transição demográfica é um fenômeno mundial, o qual reflete no aumento do número de idosos e em impactos no setor da saúde, entre outros impactos sociais. Estima-se que haverá cerca de 2 bilhões de idosos no mundo em 20502. O Brasil também vivencia essa transição demográfica. De acordo com os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil, no ano de 2010, havia 190.755.799 habitantes, dentre os quais, 20.590.599 eram idosos, configurando 10,8% da população total3. No Brasil, idoso é considerado como a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos, de acordo com a Lei 8.842/94, parágrafo 2o, que dispõe acerca da Política Nacional para o Idoso4. Essa população idosa apresenta um perfil epidemiológico caracterizado pela prevalência de alta mortalidade e morbidade, em decorrência de condições agudas por causas externas e agudizações de condições crônicas. Assim, o aumento da expectativa de vida é uma conquista que deve ser legitimada pela melhora de qualidade de vida dessa população. As políticas voltadas aos idosos precisam levar em consideração a capacidade funcional, a necessidade de autonomia, de participação, de cuidado e de autossatisfação e o incentivo à prevenção, ao cuidado e à atenção integral à saúde5. A Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa atualmente vigente foi publicada por meio da Portaria no 2.528 de 2006, a qual introduz um novo paradigma para a saúde do idoso, por meio da inclusão do critério de funcionalidade para formulação de políticas públicas a essa população. Esta orientação considera que este grupo populacional é composto por idosos independentes e frágeis, e as ações dirigidas a eles devem contemplar suas especificidades6. Envelhecer é visto como um processo natural que gera mudanças graduais e inevitáveis relacionadas à idade, sendo um fenômeno progressivo e irreversível que, além de desencadear desgaste orgânico, ocasiona alterações nos aspectos culturais, sociais e emocionais, o que auxilia que esse processo ocorra em diferentes idades cronológicas7. O envelhecimento biológico pode ser de dois tipos: senescência (fisiológico) ou senilidade (patológico). Quando o envelhecimento é decorrente de um processo natural, por meio da diminuição progressiva da reserva funcional das pessoas, tem-se a senescência. No entanto, quando esse processo ocorre em condições de sobrecarga, por meio de doenças, acidentes e estresse emocional, podendo gerar como consequência alguma condição patológica que requeira assistência, tem-se a senilidade. Mediante a introdução de um estilo de vida mais ativo, o processo de senescência pode ter seus efeitos minimizados8. A Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa considera que “o conceito de saúde para o indivíduo idoso se traduz mais pela sua condição de autonomia e independência do que pela presença ou ausência de doença orgânica”9. Nesse sentido, funcionalidade é a capacidade da pessoa em conduzir sua própria vida ou cuidar de si mesmo, ou seja, por meio de autonomia, vista como a capacidade individual de decisão e comando sobre as ações; já a independência, é a capacidade de executar algo
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com os próprios recursos. Embora o idoso apresente doenças, ele é considerado saudável a medida que é capaz de realizar suas atividades de forma independente e autônoma10. De acordo com a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), a saúde possui como componentes: a funcionalidade, a incapacidade e os fatores contextuais (pessoais e ambientais)11:
• Funcionalidade
é um termo que engloba todas as funções do corpo, atividades e participação social de maneira correspondente, já a incapacidade abrange as deficiências, limitação das atividades ou restrição da participação social. • Funções do corpo são as funções dos sistemas fisiológicos, demonstrando a perspectiva corporal da funcionalidade. As perdas dessas funções acarretam um nível de incapacidade que se denomina deficiência (perspectiva corporal da incapacidade). • Atividade é a realização de uma tarefa ou ação por uma pessoa, representando a perspectiva individual da funcionalidade. Assim, a limitação das atividades é a dificuldade que uma pessoa pode apresentar na realização de uma atividade. • Participação é o envolvimento de uma pessoa em uma situação de vida real, representando a perspectiva social da funcionalidade, sendo que quando há restrições, apresentam-se problemas que a pessoa pode enfrentar quando se encontra envolvida em situações reais da vida, que é a perspectiva social da incapacidade. Nesse sentido, a revisão dos sistemas fisiológicos reflete a avaliação da funcionalidade das estruturas e funções do corpo (deficiências), a medida que a revisão das funções reflete a avaliação das atividades (limitação) e da participação social (restrição)11. A CIF considera, ainda, que os fatores ambientais influenciam a funcionalidade e a participação, atuando como barreira ou facilitador. A avaliação multidimensional do idoso é um processo integral e amplo, abrangendo o idoso e a família, com o objetivo principal de definir o diagnóstico multidimensional e o plano de cuidados. A abordagem geriátrica deve ser realizada de forma minuciosa, com todos os informantes, familiares ou não, que convivam com o idoso e sejam capazes de detalhar o seu desempenho em todas as atividades de vida diária. Contempla a avaliação da funcionalidade global da pessoa idosa, por meio das atividades de vida diária (básicas, instrumentais e avançadas), investigando a presença de declínio funcional e a avaliação dos sistemas funcionais principais, como cognição, humor, mobilidade e comunicação. O comprometimento das atividades de vida diária pode refletir uma doença grave ou um conjunto de doenças que comprometam direta ou indiretamente essas quatro grandes funções, de forma isolada ou associada. Nesse sentido, o declínio das capacidades funcionais inicializa-se pelas tarefas de maiores complexidades, como o banho, e progride de forma hierárquica até atingir o nível de dependência completa, quando o idoso tem a necessidade de auxílio até para a alimentação. Dessa forma, a presença de declínio funcional pode indicar doença ou conjunto de doenças não tratadas, apresentando ausência de sinais ou sintomas típicos. A presença de dependência funcional deve gerar uma investigação ampla10.
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As incapacidades funcionais são vistas como as principais manifestações de vulnerabilidade, sendo foco da intervenção geriátrica e gerontológica. Além disso, elas são preditoras de mortalidade, hospitalização e institucionalização da população idosa. Apesar de o conceito de fragilidade ser controverso, é um termo empregado para descrever o idoso com maior risco de incapacidades, institucionalização, hospitalização e morte12. A assistência ao idoso ocorre nos diversos contextos e níveis de assistência à saúde, e muitas vezes requer a integração entre assistência social e à saúde. Em termos gerais, os idosos consomem mais recursos hospitalares e necessitam mais de cuidados prolongados que os indivíduos de outras faixas etárias. O terapeuta ocupacional pode atender o idoso nos diversos serviços, conforme as especificidades de cada caso: serviços de atenção básica, ambulatório, enfermaria, domicílio, centro de convivência, centro dia, instituição de longa permanência, hospice.
Terapia ocupacional na atenção ao idoso em contextos hospitalares Os idosos tendem a ser mais vulneráveis a determinadas doenças e condições de saúde, por isso, em termos gerais, procuram mais os serviços de saúde e podem necessitar de internações com maior frequência que indivíduos mais jovens. O adoecimento e a própria hospitalização causam dificuldades no desempenho ocupacional do idoso, podendo alterar a estrutura da vida cotidiana, o lugar de vida e o papel social de todos os envolvidos, comprometendo a qualidade e a realização das atividades humanas, sendo estressante ao paciente, seus familiares e cuidadores, e evidenciando os limites da vida13-15. A hospitalização, principalmente por período prolongado e sem acompanhamento de terapeuta ocupacional, pode causar desconforto e prejuízos à qualidade de vida do paciente e sua família. De fato, o idoso é transferido para um ambiente estranho, sendo retirado de seu meio de convívio familiar e social, apresentando poder mínimo sobre suas ações, medo, ansiedade e insegurança16. Em casos de hospitalização ou assistência domiciliar a idoso acamado, é necessário ficar atento para alguns riscos aos quais os idosos estão mais propensos, entre eles, o de desenvolver úlceras de pressão. A fim de preveni-las, além das medidas gerais de alimentação e higiene, é preciso evitar pontos de pressão, realizando distribuição de peso e alívio de pressão. As orientações à família e aos cuidadores são fundamentais para garantir o adequado posicionamento no leito e mudanças de decúbito a cada 2h, pelo menos. O terapeuta ocupacional inserido na instituição hospitalar tem como foco de sua intervenção com a população idosa, voltada à promoção da qualidade de vida e das relações entre paciente/cuidador/profissional, o favorecimento das relações interpessoais e a humanização do ambiente hospitalar, a promoção da capacidade funcional e do desempenho ocupacional durante a internação, a promoção da autonomia e do
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empoderamento do enfermo, a atenção à família, a orientação na alta hospitalar e o acompanhamento domiciliar17. O terapeuta ocupacional em contexto hospitalar deve levar em consideração a globalidade e a integridade do idoso, promovendo manutenção da capacidade funcional, maior autoestima, motivação e melhor estado de humor, capacitando-o para adquirir autonomia e independência necessárias para manutenção de sua vida ativa, recuperação da saúde e maior qualidade de vida18. Para isso, é necessário fazer uma avaliação do seu estado físico e mental e de sua habilidade para realizar as atividades de vida diária e instrumentais dentro do hospital, bem como no ambiente anterior à hospitalização. Também é necessário conhecê-lo a partir da sua história de vida, de seus valores culturais e espirituais, interesses, relação sociofamiliar, cotidiano, rotina diária, bem como trabalho, lazer e expectativas diante do futuro. Ou seja, conhecer o sujeito em toda a sua complexidade18. A terapia ocupacional no contexto hospitalar atua na atenção ao idoso, por meio de atividades significativas e produtivas, proporcionando a autonomia e a independência na medida do possível, atuando também na promoção, prevenção e reabilitação da saúde do idoso, frente às consequências do processo de adoecimento e da hospitalização, tendo como foco principal a qualidade de vida. O terapeuta ocupacional auxilia o idoso a manter ou desenvolver suas habilidades de desempenho ocupacional, bem como a ressignificação de papéis ocupacionais nesta fase da vida, em decorrência das diversas mudanças e alterações em seu contexto físico, emocional e social. No âmbito da prevenção e promoção de saúde ao idoso, a terapia ocupacional realiza ações de promoção e educação em saúde, socialização e estabelecimento de novos vínculos sociais, apresentação e apropriação de políticas sociais. Assim, garante o empoderamento do idoso sobre seus direitos à saúde, educação, transporte, lazer, cultura, habitação, serviços de previdência social e proteção civil. Enfim, tudo que o torna um cidadão ativo e participativo na sociedade, preconizado nas políticas públicas, leis e estatutos que garantem os direitos a essa população. No ambiente hospitalar, em decorrência de doença ou incapacidade de ordem física, emocional ou social do idoso, principalmente devido à fragilidade, vulnerabilidade, depressão, diminuição das capacidades cognitiva e física, o terapeuta ocupacional pauta suas ações no processo de reabilitação e restauração da saúde, por meio do desenvolvimento de novas capacidades e habilidades, bem como da manutenção das capacidades e habilidades ainda existentes. O terapeuta ocupacional neste contexto trabalha também na recuperação ou adaptação frente às dificuldades e incapacidades que o idoso apresenta com o avançar da idade, de acordo com as potencialidades e habilidades que ele apresenta. Assim, além do uso de atividades, pode fazer a prescrição de tecnologia assistiva e dispositivos auxiliares, para ajudá-lo a desenvolver suas atividades diárias de forma mais independente e autônoma possível, tanto dentro do hospital quanto na preparação para a alta hospitalar no retorno ao seu domicílio.
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Como exemplo desses dispositivos e tecnologias, há as adaptações mobiliárias, como uso de barras de apoio em locais propícios a queda, como escadas e banheiros, retirada ou utilização de ventosas de tapetes, uso de antiderrapantes em banheiros ou locais escorregadios, reorganização do posicionamento do mobiliário para melhor acessibilidade, organizador de medicamentos, dispositivos auxiliares de deambulação, como bengalas, andadores, cadeiras de roda, adaptações para alimentação, como engrossadores, vestuário como abotoadores, comunicação alternativa, órteses, entre vários outros. Dessa forma, a terapia ocupacional no contexto hospitalar volta suas ações na promoção da qualidade de vida dessa população, mantendo ou estabelecendo uma vida significativa ao idoso, seja durante a internação no contexto hospitalar ou após a alta. Não são raros os casos em que o idoso recebe alta em uma condição de declínio funcional mais acentuado que antes da internação, o que pode dificultar seu retorno ao domicílio e às atividades cotidianas que desempenhava antes do adoecimento. Tendo isso em vista, vale ressaltar a importância de orientar adequadamente o paciente e a família sobre as atividades de vida diária e modificações ambientais, quando necessário, e avaliar a necessidade de continuidade de assistência em ambulatório ou domicílio.
Suporte social e família: atenção do terapeuta ocupacional ao núcleo paciente-família Diante do adoecimento do idoso, os familiares e cuidadores também vivenciam os efeitos desse processo, sofrendo junto aos enfermos as consequências que acarretam em sua vida ocupacional e cotidiana. Seja na assistência domiciliar, quando os familiares têm papel central em prover os cuidados diários, seja na internação, a família têm papel importante no bem-estar do paciente. Vale ressaltar que, de acordo com o Estatuto do Idoso, o idoso internado ou em observação em hospital, público ou particular, tem direito a um acompanhante19. O terapeuta ocupacional no trabalho com os familiares tem como objetivo oferecer suporte e apoio nas tarefas de cuidar, facilitando esse cuidado por meio de: orientações e treinamentos nas atividades de vida diária e instrumentais do idoso, na mobilização, transferências posturais, no cuidado para evitar as úlceras de pressão por meio das mudanças de decúbitos e orientações para posicionamento no leito, adaptações no cuidado, como o uso de tecnologias assistivas e dispositivos auxiliares, organização da rotina da família e do idoso no ambiente hospitalar e após, no retorno ao domicílio. Além disso, o terapeuta ocupacional trabalha com a família as questões de sobrecarga advindas do cuidar, por meio do oferecimento de suporte emocional e acolhimento em suas necessidades, expressões de sentimentos e emoções, buscando elaborar estratégias que possam melhorar sua qualidade de vida, solucionar possíveis conflitos com o idoso ou a equipe de saúde, servindo também como mediador na relação idoso-família-equipe de saúde.
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Qualidade de vida do cuidador e sobrecarga relacionada ao cuidado Em decorrência do aumento da população de idosos, acompanhado com frequência de diminuição da funcionalidade, incapacidades físicas e dificuldades psicossociais e ocupacionais, os idosos necessitam, em alguns casos, de cuidados constantes oferecidos por um cuidador. O cuidador assume a função de cuidado do familiar adoecido, acarretando inúmeras mudanças na estrutura familiar, assim como novos papeis assumidos por ele, que se responsabilizará pelos principais cuidados do enfermo que apresenta declínio da capacidade física e/ou psíquica, por períodos transitórios ou permanentes. Enfrentar uma nova rotina, com novas responsabilidades advindas de adoecimento, hospitalização e aproximação do final de vida, constitui situações que podem originar condições emocionais e físicas, como sobrecarga e alterações na qualidade de vida relacionada à saúde. Nesse sentido, “qualidade de vida” é um termo que engloba uma gama de significados, que refletem conhecimentos, experiências e valores de indivíduos e coletividades que a ele se referem em diversas épocas, espaços e histórias diferentes, sendo, portanto, uma construção social20. Seidl e Zannon21 apresentam duas tendências quanto à conceituação do termo QV. Uma o considera de modo mais amplo, influenciado por estudos sociológicos; outra, diz respeito à qualidade de vida relacionada à saúde e trata de aspectos diretamente agregados às enfermidades ou às intervenções em saúde. O impacto do adoecimento atinge amplas dimensões da vida da família, requerendo que os familiares cuidadores passem a colocar suas próprias necessidades e seus desejos em segundo plano, modificando a rotina, a vida profissional e social e a dinâmica familiar. Na literatura encontramos a seguinte classificação de cuidador como: cuidador formal e informal, que se divide em principal ou primário, secundário e terciário. O cuidador formal é definido como o profissional, com formação específica em instituição de ensino, preparado para prestar cuidados, podendo ser remunerado. Os cuidadores informais são aquelas pessoas que se iniciam na tarefa de cuidar e aprendem mediante a prática22. Ainda de acordo com a classificação de cuidador informal, destacam-se três categorias: o “cuidador principal, ou primário”, definido como a pessoa pertencente ao contexto familiar do enfermo de apoio informal que toma para si o cuidado, sendo responsável por ele, sem receber ajuda direta de outros membros da família ou de profissionais, comprometendo a maior parte de seu tempo com essa tarefa sem receber qualquer retribuição econômica. Já o cuidador secundário desempenha as mesmas tarefas que o cuidador primário, porém, presta auxílios eventuais, sem o mesmo grau de envolvimento e responsabilidade, podendo vir a substituir o cuidador principal em algumas situações. Por fim, o cuidador terciário é aquele que não tem responsabilidade sobre o ser cuidado e presta auxílios esporádicos ao cuidador principal em algumas tarefas22.
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Os cuidadores vivem em contextos socioculturais diversos com experiência e vivência próprias e, repentinamente, se veem perante uma tarefa árdua que requer, algumas vezes, certo grau de sacrifícios e privações23. Os cuidados prestados podem incluir tanto auxílio em atividades de vida diária instrumentais (AIVD), como limpeza da casa e administração financeira, quanto em atividades básicas de vida diária (ABVD), como banhar e vestir o idoso, além do acompanhamento do tratamento como um todo. Nesse sentido, o cuidador pode se tornar um importante aliado na assistência ao idoso, dependendo da forma como ele concebe o tratamento e as questões relacionadas à saúde, bem como da sua relação com os serviços e os profissionais23. O modo como a família e o cuidador enfrentam e manejam essas situações depende de vários fatores, como a existência de redes de apoio formal e informal, além dos recursos pessoais do cuidador, como os conhecimentos e as habilidades para cuidar, as estratégias de enfrentamento, o significado do cuidar, a capacidade de manejar situações estressantes, a busca de conforto emocional, a religiosidade, a história do relacionamento com o enfermo e a forma de encarar desafios e situações novas24. Os cuidados contínuos dispensados a um idoso, principalmente por parte de um único cuidador responsável, podem acarretar em uma tarefa vivida com sobrecarga. Sobrecarga familiar foi definida como um estado psicológico produzido pela combinação de trabalho físico, pressão emocional, restrições sociais e demandas econômicas decorrentes de cuidar de um enfermo25. A sobrecarga dos familiares é resultado das tarefas advindas do papel de cuidador e das mudanças que ocorrem na vida social e profissional e familiar. Além disso, a sobrecarga é agravada pela falta de informação sobre a doença, o tratamento utilizado, as estratégias mais apropriadas para lidar com o enfermo e o manejo das situações de crise. Pode causar comprometimento da saúde física e psicológica dos familiares, com o desenvolvimento de transtornos psicológicos, como ansiedade e depressão, provocando consequências negativas, tanto no contexto familiar quanto social e do trabalho. O manejo dos sintomas que o idoso apresenta, seja de ordem física, cognitiva, emocional e social, é de responsabilidade dos cuidadores, porém, essas tarefas podem ser exaustivas fisicamente e psicologicamente, ocasionando sofrimento que frequentemente piora junto com o declínio das condições de saúde do idoso. Conforme ocorre a evolução da doença e o declínio do desempenho funcional do idoso, acarretando em maior assistência na realização das atividades de vida diária, maior é a sobrecarga no cuidador. Assim, os cuidadores não devem ser encarados apenas como parceiros do cuidado, mas como potenciais enfermos, os quais merecem atenção e assistência por parte da equipe que cuida do idoso adoecido. Pesquisas relacionadas às doenças crônicas tentam elucidar os impactos da doença na vida de pessoas que convivem com o paciente, principalmente o cuidador, por meio de escalas que avaliam a qualidade de vida, a sobrecarga, a depressão, a ansiedade, entre outros parâmetros.
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Dessa forma, os cuidadores precisam de mais atenção e cuidado, programas de apoio, suporte e intervenções a serem desenvolvidas para proporcionar menor sobrecarga e sofrimento, para melhorar a qualidade de vida relacionada à saúde dessa população vulnerável. Há uma escassez de escalas validadas no Brasil específicas para cuidadores de idosos. Na Tabela 11.1 apresentamos alguns instrumentos de avaliação da sobrecarga de cuidadores. Listamos as escalas mais utilizadas nos trabalhos nacionais e internacionais e que mais se aproximam do tema abordado. Tabela 11.1 Instrumentos de avaliação de sobrecarga de cuidador. Instrumento
Autor(es)
Ano
Adaptação/validação para uso no Brasil
Caregiver Burden Scale (CB Elmstahl S, Malmberg B, scale) Annerstedt L. Caregiver’s burden of patients 3 years after stroke assessed by a novel caregiver burden scale. Arch. Phys. Med. Rehabil., 1996;77:177-82.
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Sim Medeiros MMC, Ferraz MB, Quaresma MR, Menezes AP. Adaptação ao contexto cultural brasileiro e validação do Caregiver Burden Scale. Rev. Bras. Reumatol, 1998;38(4):193-98.
Zarit Burden Interview – Escala de Sobrecarga de Zarit
Zarit SH, Zarit JM. The memory and behavior problems checklist – 1987R and the burden interview (technical report). University Park: Pennsylvania State University, 1987.
1987
Sim Scazufca M. Brazilian version of the Burden Interview Scale for the assessment of care in cares of people with mental illnesses. Revista Brasileira de Psiquiatria, 2002;24(1):12-7.
Care Burden Inventory (CBI)
1989 Novak M, Guest C. Application of a multidimensional caregiver burden inventory. Gerontologist Cary, 1989;29(6):798-803.
Não
Caregiver Reaction Assessment (CRA)
Given CW, Given B, Stommel M, Collins C, King S, Franklin S. The caregiver reaction assessment (CRA) for caregivers to persons with chronic physical and mental impairments. Research in Nursing and Health, 1992;15(4):271-83.
1992
Não
(continua)
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Tabela 11.1 Instrumentos de avaliação de sobrecarga de cuidador. Instrumento Family Burden Interview Schedule (FBIS/FBIS-BR)
Autor(es)
Ano
1996 Tessler, RC; Gamache, GM. The Family Burden Interview Schedule – Short Form(FBIS/SF). In: Sederer, L; Dickey, B. Outcome assessment in clinical pratice. Baltimore: Williams & Williams, 1996. P.110-112.
(continuação)
Adaptação/validação para uso no Brasil Sim Bandeira M, Calvazara MGP, Varella AB. Escala de sobrecarga dos familiares de pacientes psiquiátricos: adaptação transcultural para o Brasil (FBIS-BR). Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 2005;54(3):206-14.
Cuidados paliativos ao idoso: peculiaridades da assistência ao idoso Frente ao aumento de enfermidades, principalmente as doenças crônicas, como demência e neoplasias, os idosos apresentam maiores comprometimentos na qualidade de vida. Por consequência, apresentam variados graus de dependência, sendo de fundamental importância abordagens mais adequadas voltadas a essa população, de forma holística, sem medidas desnecessárias ao prolongamento do sofrimento do idoso e da família. Os cuidados paliativos apresentam-se como uma forma inovadora e humanizada de cuidado na área da saúde. Os cuidados paliativos geriátricos vêm se desenvolvendo como um modelo de apoio e de cuidados personalizados destinados a satisfazer as necessidades dos idosos frágeis, vulneráveis e gravemente doentes. Esse modelo de intervenção é indicado no estágio inicial da doença ativa, que apresenta progressão de forma irreversível e ameaça a vida, mesmo que concomitantemente estejam sendo oferecidas propostas de terapias com o propósito de prolongar a vida26. Os cuidados paliativos, quando indicados no estágio inicial da doença, têm muito a contribuir na melhora da qualidade de vida tanto do idoso quanto da família. No entanto, geralmente esse serviço é oferecido aos enfermos quando a doença já se encontra em estágio muito avançado. Considerando apenas a necessidade de cuidados paliativos no final de vida, a OMS27 estima que cerca de 20,4 milhões de pessoas, em todo o mundo, necessitem desse tipo de atenção, sendo que 69% dessa população é composta por idosos (60 anos ou mais). As principais doenças que levam à necessidade de assistência paliativa entre adultos são: doenças cardiovasculares, câncer, doença pulmonar obstrutiva crônica, síndrome da imunodeficiência adquirida, doença renal, cirrose hepática, demências, tuberculose, mal de Parkinson, artrite reumatoide e esclerose múltipla20.
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O cuidado paliativo em geriatria se apresenta como um conjunto de medidas utilizadas pela equipe multiprofissional incumbida do cuidado ao idoso, quando este manifesta uma doença fora de possibilidades terapêuticas de cura. O objetivo é o controle dos sintomas físicos e psíquicos e dos sofrimentos que afligem o idoso, seus familiares e cuidadores, buscando um entendimento holístico (mente, físico e social) do conjunto idoso e família-cuidador, visando sempre medidas necessárias para proporcionar o alívio do sofrimento de todos os envolvidos26. A abordagem geriátrica em cuidados paliativos enfoca o cuidado no idoso e não em sua enfermidade, enfocando suas ações no conhecimento da biografia e no respeito à autonomia dessa pessoa, inserindo a família nesse processo. O acompanhamento ao idoso deve ocorrer de forma processual, desde o estágio inicial de sua doença, frente às situações de declínio funcional, dependência e vulnerabilidade, indo até a sua morte e no seguimento da família enlutada. Logo, essa abordagem visa maximizar a capacidade do idoso, objetivando, acima de tudo, alívio, conforto e qualidade de vida28. Hoje, os cuidados paliativos não implicam um lugar específico para se morrer, mas uma filosofia aplicada a serviços prestados onde quer que a pessoa esteja, podendo até mesmo ser no espaço domiciliar29. As estimativas anuais de incidência e mortalidade por doenças fora de tratamento curativo, além da precária assistência dispensada ao idoso, mostram a extensão do problema da falta de serviços de cuidados paliativos em nosso meio. Frente a isto, torna-se necessária a organização de uma efetiva rede de oferta dessa modalidade de cuidado, de sensibilização da equipe de saúde e a implantação de um programa de educação continuada em cuidados paliativos para o profissional de saúde, de modo a oferecer o melhor tratamento ao enfermo e a sua família30. A falta de comunicação entre os profissionais e os pacientes e o pouco conhecimento a respeito dos serviços resultam em falta de acesso aos serviços de cuidados paliativos especializados31. Os cuidadores familiares informais são essenciais no fornecimento de ajuda necessária ao enfermo em cuidados paliativos, em suas atividades da vida diária, manejo de medicamentos, alimentação, transporte e apoio emocional, bem como na comunicação com os demais familiares e profissionais de saúde, especialmente no estágio final da vida, em sua aproximação da morte. Nesse sentido, o modelo ideal de cuidado paliativo deve englobar todas as fases da doença e necessita ser estabelecido desde o seu diagnóstico e durante todo o curso da doença em conjunto com o tratamento clínico, indo até o pós-luto, quando em caso de pessoas com doenças fora de possibilidade de cura32. A família e o cuidador familiar da pessoa sob cuidados paliativos também são objeto de cuidados e proteção pelos serviços de atenção domiciliar existentes, visando dar maior conforto e melhor qualidade de vida para ambos. Entendendo também que os cuidados paliativos devem ser solicitados e aplicados o mais precocemente possível, e os profissionais devem estar adequadamente instruídos, do ponto de vista técnico e humanístico29.
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Exige-se, portanto, atenção integral, integrada e interdisciplinar ao enfermo e sua família, com a finalidade de possibilitar-lhe o alívio dos sintomas e a vivência de situações saudáveis, em que suas potencialidades e sua autonomia auxiliem na manutenção de sua vida ativa, com maior participação e inclusão social, máximo bem-estar e qualidade de vida, para que a prática em cuidados paliativos seja de fato implementada32. É neste contexto que o terapeuta ocupacional é fundamental na atuação em equipe multidisciplinar. Ele contribui efetivamente para o tratamento oferecido pelos cuidados paliativos, tanto na retomada de atividades da vida diária, dando novos objetivos e ressignificações de vida para o paciente, quanto agindo efetivamente nos sintomas e desconfortos específicos da patologia, tendo como princípio a importância da manutenção da vida com qualidade33. O terapeuta ocupacional pode atuar com o idoso em cuidados paliativos na fase inicial da doença, ou seja, no diagnóstico e ao longo de todo o processo de evolução da doença em que o idoso necessita de cuidados de fim de vida. É necessário que o terapeuta ocupacional tenha uma visão ampla e integradora do idoso e de seus sintomas e necessidades, que impactam de forma significativa em sua vida ocupacional. Para que, a partir disso, seja um facilitador de sua adaptação e de seus cuidadores com as perdas provenientes da progressão da doença e do processo de terminalidade34. O idoso, como ser ativo no seu tratamento, mesmo durante a fase de terminalidade, pode participar dos processos de decisão e dos cuidados voltados para si, pois o paciente é visto na sua individualidade. A reabilitação é parte integrante dos cuidados paliativos, pois muitos pacientes terminais são restringidos sem necessidade até mesmo pelos seus familiares, sendo que muitas das vezes são capazes de realizar suas atividades com autonomia. Dessa forma, a reinserção do paciente em suas atividades de vida diária restabelece o senso de dignidade e autoestima33. Portanto, o terapeuta ocupacional em cuidados paliativos, como profissional essencial à integração da equipe de saúde, trabalha em conjunto com o sujeito, estimulando sua autonomia, o fazer escolhas, elencar prioridades e demandas, objetivando proporcionar o fazer humano na construção da ressignificação de suas histórias e vivências e qualidade de vida durante o período de internação para o paciente, abrangendo os familiares e, também a fase do pós-luto por meio do suporte ao familiar e a reorganização da rotina.
Avaliação multidimensional do idoso e avaliação de terapia ocupacional Tendo em vista a complexidade das condições de saúde da pessoa idosa, caracterizada muitas vezes por multimorbidades, manifestações atípicas, polifarmácia e perdas funcionais, a avaliação é considerada um processo fundamental para promoção da saúde e assistência em todos os níveis. A seguir, abordaremos a avaliação abrangente do idoso e a avaliação específica de terapia ocupacional.
Capítulo 11 Condições de Envelhecimento e Cuidadores de Idosos em ...
A avaliação geriátrica ampla (AGA), também chamada de avaliação multidimensional do idoso (AMI), é definida como: “um processo diagnóstico multidimensional, frequentemente interdisciplinar, que serve para determinar as deficiências ou habilidades dos pontos de vista médico, psicossocial e funcional, com o objetivo de formular um plano terapêutico e de acompanhamento em longo prazo. Ela difere do exame clínico padrão por enfatizar a avaliação das capacidades cognitiva e funcional e dos aspectos psicossociais da vida do idoso e por basear-se em escalas e testes quantitativos”27.
Sua utilização foi proposta inicialmente por Marjory Warren, no Reino Unido, no final da década de 1930, e sua utilização tem sido fortemente aconselhada também no Brasil. Tem demonstrado ser uma ferramenta bem estruturada e eficiente para avaliação da saúde do idoso, mantendo o foco na funcionalidade. Sua aplicação não requer tempo excessivo e o custo é considerado razoável35. Embora deva sempre ser multidimensional e incluir instrumentos para avaliação de capacidade funcional e aspectos psicossociais, a estrutura da AMI é variável, devendo ser definida conforme o contexto da utilização. De fato, a escolha dos instrumentos pode variar conforme o âmbito de assistência (internação, ambulatório, domicílio etc.), dos objetivos (acompanhamento clínico, levantamento epidemiológico etc.), das possibilidades de aplicação (possibilidade de observação, disponibilidade do paciente e/ou da família etc.) e do tempo disponível. Convém aplicar, inicialmente, testes de rastreio, que são rápidos e de fácil aplicação. A partir desses resultados, a equipe pode utilizar outras estratégias complementares, a fim de elucidar o caso e permitir a estruturação de um plano de cuidados. As informações obtidas a partir da AMI podem ser organizadas, por exemplo, conforme os componentes da CIF, proposta pela Organização Mundial da Saúde11. A Caderneta do Idoso, proposta pelo Ministério da Saúde, também é uma ferramenta muito útil da atenção básica que pode favorecer a comunicação entre os diversos níveis de atenção à saúde. A utilização da AMI em grupos ou populações idosas favorece, também, o mapeamento dos seus principais problemas, o que pode contribuir na estruturação da assistência. O primeiro cuidado que se deve ter é o preparo do ambiente onde será feita a avaliação, que deve permitir privacidade e facilitar a comunicação, e a observação e obtenção de dados preliminares para escolher as melhores estratégias. É importante, por exemplo, verificar o nível de consciência, a habilidade cognitiva e as funções sensoriais que, caso estejam prejudicados, podem comprometer a qualidade das informações fornecidas pelo próprio sujeito, requerendo, assim, a participação do acompanhante/cuidador. Em termos gerais, há diversas formas de aplicação dos instrumentos de avaliação: observação direta do sujeito (testes de desempenho), questionários respondidos pelo paciente, entrevista ao paciente ou familiar/cuidador. No Brasil, muitas vezes são utilizados instrumentos ainda não validados ou adaptados para uso em nosso meio.
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Podemos organizar as dimensões avaliadas na AMI entre clínica, psicossocial e funcional. A dimensão clínica aborda doenças atuais e pregressas, medicamentos utilizados, hospitalizações e cirurgias prévias. Inclui, ainda, informações sobre visão, audição, continência, uso de órteses e próteses, sono, situação vacinal, ocorrência de queda e hábitos saudáveis e nocivos à saúde. A dimensão psicossocial engloba saúde mental, cognição, aspectos socioeconômicos e suporte social. É fundamental avaliar o estado de consciência e as habilidades cognitivas do idoso no início da avaliação, pois alterações nessas funções podem influenciar a forma de avaliar o sujeito, a fim de evitar imprecisões nas questões de autorrelato. O delirium, ou confusão mental aguda, é uma condição temporária, bastante apresentada por idosos internados. Costuma estar associado a infecções e distúrbios metabólicos, doenças crônicas descompensadas, abstinência ou intoxicação medicamentosa e pós-operatório36. De acordo com o Código Internacional de Doenças, 10a edição (CID-10), o delirium é uma “síndrome cerebral orgânica sem etiologia específica caracterizada pela presença simultânea de perturbações da consciência, da atenção, da percepção, do pensamento, da memória, do comportamento psicomotor, das emoções e do ritmo vigília-sono. A duração é variável, e a gravidade vai de formas leves a muito graves”.
Pacientes que apresentam delirium durante a internação hospitalar podem permanecer internados por mais tempo. O índice de mortalidade é maior, e aqueles que têm alta hospitalar são mais propensos à institucionalização37. As principais funções cognitivas são atenção, memória, linguagem, funções executivas (que engloba processos cognitivos, como planejamento, controle inibitório, tomada de decisões, flexibilidade cognitiva, criatividade, entre outros), praxia e habilidade visuoespacial. A presença de alterações cognitivas, sejam agudas (relacionadas ao delirium), decorrentes de lesão cerebral adquirida ou de doenças neurodegenerativas, requerem maior atenção dos profissionais de saúde e dos cuidadores informais, a fim de garantir a integridade e o bem-estar do sujeito. O terapeuta ocupacional pode atuar junto a esses pacientes e familiares, utilizando-se de diversas abordagens. Os principais transtornos de humor são a depressão e a ansiedade, reconhecidos como fatores que limitam a funcionalidade e a qualidade de vida. O suporte social é fundamental para a qualidade de vida de qualquer sujeito. Conhecer a rede sociofamiliar do idoso e suas dinâmicas é muito relevante, inclusive, para a estruturação do plano de cuidados e, quando necessário, acionamento da rede de Assistência Social. Todo profissional de saúde deve estar atento a sinais de negligência e maus tratos, como descuidos na higiene e na apresentação pessoal, evidência de lesões corporais injustificadas, demora para acionar o serviço de saúde ou falta de adesão às orientações dos profissionais.
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Situações de insuficiência familiar devem ser identificadas, e a avaliação de sobrecarga do cuidador pode ser necessária para compreender e ajudar a reestruturação da dinâmica familiar, a fim de garantir assistência adequada ao idoso, conforme veremos mais adiante neste capítulo. A avaliação funcional tem muito destaque na AGA, bem como na avaliação específica de terapia ocupacional. A centralidade da avaliação da funcionalidade do idoso é justificada por ser uma preocupação fundamental na atenção à saúde do idoso e, ainda, pelas evidências de que a funcionalidade é um bom preditor de institucionalização e mortalidade36. A capacidade funcional é entendida como a capacidade de manter as habilidades físicas e mentais necessárias para uma vida independente e autônoma. É considerada um paradigma e uma estratégia de saúde global, servindo como referência para ações em todos os níveis de assistência, englobando promoção da saúde, prevenção de doenças e reabilitação das incapacidades instaladas5. De acordo com Novelli e Canon38, as informações advindas da avaliação funcional são referências para: identificar comprometimentos na capacidade funcional e o impacto da doença sobre ela, elaborar programas terapêuticos para recuperação ou manutenção da capacidade funcional e/ou desempenho ocupacional, favorecer a orientação a familiares sobre o cotidiano do sujeito e auxiliar no diagnóstico de algumas doenças incapacitantes. A avaliação de dependência para a realização de atividades básicas, instrumentais e avançadas de vida diária costuma ser feita na AMI, e a avaliação específica de terapia ocupacional deve aprofundar na avaliação do desempenho do sujeito nas atividades. É importante avaliar o desempenho do sujeito nas atividades avançadas, instrumentais e básicas de vida diária, considerando que a tendência é o sujeito ter dificuldades na realização das atividades mais complexas primeiro. Vale salientar que a avaliação de terapia ocupacional não enfoca apenas o grau de dependência, mas também a segurança, o tempo necessário, a satisfação do sujeito, a necessidade de tecnologia assistiva ou auxílio de outra pessoa. Faz-se necessário, ainda, investigar os fatores que levam às limitações funcionais, que podem ser de ordem física, cognitiva, emocional, psicológica, social e/ou ambiental. Além de investigar a realização das atividades de vida diária, faz parte da avaliação funcional verificar equilíbrio, mobilidade, sistemas sensoriais, estado nutricional e continência urinária e fecal. A Tabela 11.2 apresenta sugestões de instrumentos de avaliação. Na Tabela 11.3 apresentamos alguns instrumentos utilizados para avaliação da funcionalidade da pessoa idosa: A avaliação específica de terapia ocupacional também deve variar conforme as preferências do terapeuta e as circunstâncias de assistência. É muito diferente, por exemplo, fazer uma avaliação ambiental do ambiente doméstico atendendo o paciente a domicílio ou estando ele internado em um hospital.
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Tabela 11.2 Instrumentos de avaliação do idoso. Dimensão Clínica
Estado funcional
Psicossocial
Exemplos de instrumento de
Subdimensão
avaliação
Doenças e tratamento farmacológico
Lista de doenças prévias e medicamentos
Deficiências sensoriais
–
Avaliação nutricional
Miniavaliação nutricional de Guigóz
Hábitos nocivos e saudáveis
–
Situação vacinal
–
Episódios de queda
–
Equilíbrio e mobilidade
Teste Get up and Go (GUG)
Atividades básicas de vida diária
Escala de Barthel
Atividades instrumentais de vida diária
Questionário de Pfeffer
Cognição
Miniexame do estado mental (MEEM) Fluência verbal Teste do desenho do relógio
Humor
Escala de depressão geriátrica
Suporte social
Apgar de família e de amigos
Condições ambientais
–
Tabela 11.3 Instrumentos de avaliação funcional. (Continuação) Instrumento
Autor(es)
Ano
Adaptação/validação para português
Barthel
Mahoney e Barthel
1965
Minosso JSM et al. Validação, no Brasil, do índice de Barthel em idosos atendidos em ambulatórios. Acta Paulista de Enfermagem, 2010;23(2):218-23.
Katz
Katz et al.
1963
Lino VTS, Pereira SEM, Camacho LAB. Adaptação transcultural da escala de independência em atividades de vida diária (escala de Katz). Cad. Saúde Pública, 2008;24(1):103-12.
The Health Assessment Questionnaire (HAQ)
Fries et al.
1980
Ferraz MB et al. Crosscultural reliability of the physical ability dimension of the Health Assessment Questionnaire. J Rheumatol, 1990;17(6);813-7.
Functional Independence Measure (Medida de Independência Funcional)
Hamilton e Granger
1986
Riberto M et al. Validação da versão brasileira da medida de independência funcional. Act. Fisiatr, 2004;2(11):72-6.
(Continua)
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Tabela 11.3 Instrumentos de avaliação funcional. (Continuação) Classificação de idosos quanto à capacidade para o autocuidado (CICAC)
Almeida
2003
Almeida MHM et al. Confiabilidade do instrumento para classificação de idosos quanto à capacidade para o autocuidado. Rev Saúde Pública, 2008;42(2):317-23.
Questionário de Atividades Funcionais de Pfeffer
Pfeffer et al.
1982
Não
Direct Assessment of Functional Status – versão brasileira (DAFS-BR)
Loewenstein et al.
1989
Pereira FS et al. Cross-cultural adaptation, reliability and validity of the DAFS-R in a sample of Brazilian older adults. Archives of Clinical Neuropsychology, 2010;25:335-43.
Escala de Atividades Instrumentais de Vida Diária
Lawton e Brody
1969
Santos RL, Virtuoso Jr. JS. Confiabilidade da versão brasileira da Escala de Atividades Instrumentais da Vida Diária. RBPS, 2008;21(4):290-6.
Em termos gerais, sugere-se, para além da anamnese e da AMI, conhecer a história de vida e, particularmente, o histórico ocupacional do sujeito, que trarão elementos importantes para elaboração do projeto terapêutico, estabelecimento de prioridades e escolha de atividades significativas para o sujeito. Ainda que a AMI privilegie a avaliação funcional, muitas vezes é preciso aprofundar na análise, enfocando as áreas e habilidades de desempenho, uma vez que frequentemente as informações da AMI traduzem apenas o grau de dependência, mas não esclarecem, necessariamente, os motivos da incapacidade nem os contextos do desempenho. Nesse sentido, as habilidades do terapeuta ocupacional na análise de atividade contribuem sobremaneira para compreensão da funcionalidade e definição do projeto terapêutico. É de suma importância, ainda, avaliar os papéis ocupacionais, pois eles refletem na própria satisfação com a vida, e na velhice muitos deles podem estar comprometidos. Um instrumento já validado para uso no Brasil, baseado no Modelo de Ocupação Humana, é a Lista de Papéis Ocupacionais39. Nele, o paciente/cliente identifica sua participação ou não nos papéis ocupacionais (estudante, trabalhador, voluntário, cuidador, serviço doméstico, amigo, membro de família, religioso, passatempo/amador), considerando passado, presente e futuro. Posteriormente, o sujeito atribui o grau de importância a cada papel descrito. A intervenção sobre o ambiente e o mobiliário também pode ser de suma importância para a assistência de terapia ocupacional, por estarem intimamente relacionados à funcionalidade. A própria CIF considera a influência do ambiente físico, social e atitudinal como barreira ou facilitador sobre as atividades e a participação. Há normas nacionais de acessibilidade para edificações públicas e privadas de uso coletivo que devem ser respeitadas, como a Norma Brasileira NBR 9050:201540. Para os
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ambientes privados, como os domiciliares, a adequação pode ser feita tendo como base não apenas as normas, mas também as especificidades dos sujeitos que o utilizam, do ponto de vista ergonômico, antropométrico e funcional, a fim de garantir o acesso e também a segurança, o uso, o controle e o conforto. A avaliação ambiental pode ser feita por observação, no caso de atendimento/visita domiciliar ou ao atender em centro dia ou instituição de longa permanência para idosos, ou por entrevista, quando não é possível dirigir-se aos ambientes onde o idoso vive. A análise deve enfocar informações sobre os componentes pessoais e ambientais e a análise dos problemas relacionados ao uso do ambiente ou atividades desenvolvidas nele. Como exemplos de problemas que podem ser evitados ou minimizados por meio de adequação ambiental, podemos citar: a ocorrência ou o risco elevado de quedas; a dificuldade de um idoso com demência manter a atenção a uma tarefa, devido à presença de muitos distratores; a dificuldade de locomoção em cadeiras de rodas em ambientes pequenos, com desníveis ou passagens com largura insuficiente; dificuldades na realização de uma série de atividades de vida diária, devido à perda importante da acuidade visual; entre outros.
Caso clínico Apresentamos a seguir um caso clínico, a fim de ilustrar parte do conteúdo deste capítulo, favorecendo a compreensão da intervenção da terapia ocupacional no contexto hospitalar e sua importância para a promoção de qualidade de vida ao idoso que se encontra em cuidados paliativos. F. A. S., sexo feminino, 65 anos, divorciada, reside com a filha, o cunhado e o neto. Tem 4 filhos e 8 netos. É evangélica, trabalhava como faxineira e atualmente recebe auxílio doença. A família é assistida pelo programa bolsa família. A paciente apresenta diagnóstico de carcinoma invasivo da mama direita, diagnosticado há 3 anos, quando notou por palpação a presença de um nódulo. F. foi admitida na enfermaria de um hospital universitário de grande porte, devido à necessidade de submeter-se ao procedimento de pleurodese em pulmão direito para controle de derrame pleural. O tumor teve recidiva local e torácica extensa, evoluindo para metástase pulmonar, cutânea e adrenal. Foi solicitado o acompanhamento da equipe de cuidados paliativos durante a internação e após a alta. No momento da avaliação terapêutica ocupacional, a paciente estava em decúbito dorsal no leito, consciente e orientada. F. apresentou-se pouco receptiva, comunicativa e colaborativa, apenas respondendo às perguntas, necessitando que a terapeuta a estimulasse bastante para compreender suas necessidades e demandas. Discorreu sobre sua rotina extra e intra-hospitalar de forma bem sucinta, bem como o histórico de seu quadro clínico, estando orientada sobre as condutas e procedimentos a serem realizados. Estava sem acompanhantes. Questionada sobre sua queixa principal, F. referiu “preocupação com os filhos quando ela partir”, não conseguir tomar banho sozinha, dispneia e fadiga.
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Processo terapêutico ocupacional O plano de tratamento foi realizado a partir de uma avaliação processual. O processo e a intervenção terapêutica foram planejados e discutidos junto com a paciente, conforme suas queixas e demandas principais, assim como suas vontades e decisões, de acordo com o que lhe era significativo ao longo dos atendimentos. Foram realizados quatro atendimentos no quarto da paciente, ora no leito com esta em decúbito dorsal, ora sentada em cadeira, utilizando mesa de apoio. No primeiro contato, F. apresentou-se pouco comunicativa, respondendo somente as perguntas da terapeuta, e demonstrou impaciência e irritabilidade com a presença da terapeuta, verbalizando “estou cansada de conversar e de chorar por hoje”. A avaliação foi breve, F. recusou a continuidade do atendimento, afirmando que apenas o psicólogo lhe seria suficiente: “não tem nada que você possa me ajudar”. Dessa forma, a terapeuta não conseguiu permanecer por muito tempo com F. e nem terminar a avaliação, respeitando sua vontade. Porém, a paciente aceitou um próximo encontro. No segundo atendimento, F. pediu desculpa pelo primeiro encontro, estava comunicativa, receptiva e colaborativa durante todo o atendimento e discorreu sobre seu contexto extra-hospitalar, sua história de vida. Queixou-se de não conseguir tomar banho sozinha e de preocupação com os filhos quando ela “partir”. Referiu incômodo com sua autoimagem na região torácica e em relação ao cheiro proveniente da metástase cutânea. Foram realizados escuta e acolhimento com a paciente, assim como também orientações sobre técnicas de conservação de energia para o banho. F. também referia não sentir medo da proximidade da morte, afirmava estar ciente quanto ao prognóstico clínico, sendo realizados apontamentos a respeito dos sentimentos envolvidos e reflexões acerca do processo de finitude de vida. Nesse momento, F. permitiu que a terapeuta ficasse com ela. Durante o atendimento, referiu vontade de se sentar, permanecendo nesta posição a maior parte do atendimento. F. relatou seus projetos de vida: mudar para o apartamento que conseguiu pelo programa “Minha Casa, Minha Vida” e confeccionar um porta-jóias para deixar de lembrança para sua família. Referiu também vontade de rezar e frequentar o culto, sendo assim, a terapeuta ofereceu o serviço de apoio espiritual e ela prontamente aceitou. Dessa forma, a paciente e a terapeuta trilharam juntas o caminho para a criação do vínculo terapêutico. No atendimento seguinte, o médico do grupo de cuidados paliativos foi visitá-la antes e, ao retornar, informou que seu quadro clínico havia piorado, que F. estava deitada, com muita dispneia e indisposição. O caso foi discutido em equipe. No entanto, quando a terapeuta chegou ao quarto, ela já estava esperando pelo atendimento. Referiu alegria com a chegada da terapeuta. Relatou sobre a hospitalização e a piora da dispneia (estava usando máscara de O2). Apesar das limitações físicas provenientes de seu quadro clínico, como astenia e dispneia, verbalizou o desejo de confeccionar a caixa, e a terapeuta ofereceu ajuda para realizar a atividade. F., por sua vez, pediu desculpas por não estar bem e aceitou a ajuda. Assim, houve o processo da terapeuta emprestar o seu fazer para ela, construindo juntas
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a atividade, conforme o desejo de F., que se mostrou autônoma durante todo o processo, escolhendo a forma da caixa e a cor. No último atendimento, F. estava sentada em cadeira, demonstrando alegria e satisfação com a chegada da terapeuta, verbalizando “que bom que você chegou, estava te esperando”. Logo de início, relatou que conseguiu realizar a AVD de banho de forma mais independente, após a orientação e o treino de técnicas de conservação de energia. Ela deu continuidade ao processo de finalização da caixa, no entanto, solicitou ajuda da terapeuta. F. estava mais disposta, comunicativa e motivada com a finalização da caixa. No dia seguinte, quando a terapeuta voltou para atendê-la, F. já havia tido alta. Sendo assim, na semana seguinte, a equipe de cuidados paliativos a seguiu em visita domiciliar para acompanhamento do caso. Em um dos telefonemas à família, sua filha, muito abalada, informou o seu falecimento, 3 semanas após a alta hospitalar. Foram oferecidos apoio e suporte emocional. Dessa forma, a família enlutada foi acompanhada pela equipe de cuidados paliativos.
Considerações finais Conforme vimos neste capítulo, o processo de envelhecimento gera maior vulnerabilidade a algumas doenças e condições de saúde, que requerem assistência nos diversos níveis de assistência à saúde. O adoecimento e a hospitalização podem causar impactos na vida ocupacional tanto do idoso quanto da sua família, devido às modificações no cotidiano que o ambiente hospitalar impõe. O terapeuta ocupacional que atua em contextos hospitalares e cuidados paliativos está inserido na equipe multidisciplinar, podendo atuar em enfermarias, ambulatórios, assistência domiciliar e hospice, buscando soluções para os problemas decorrentes do adoecimento e abordando também as necessidades da família e dos cuidadores. A partir de uma avaliação abrangente e abordando aspectos específicos do desempenho ocupacional, o terapeuta ocupacional pode planejar a assistência junto com o idoso e a família, respeitando sua autonomia e suas preferências, com objetivos de promoção da saúde e do bem-estar, manutenção ou melhora da funcionalidade e qualidade de vida dos pacientes, no ambiente hospitalar, domiciliar e na comunidade. Em caso de morte do paciente, a atenção ao luto faz parte das atribuições da equipe, que se estende ao terapeuta ocupacional.
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Capítulo
14
Perdas e Luto em Terapia Ocupacional nos Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos Heloisa Cristina Figueiredo Frizzo e Victor Augusto Cavaleiro Corrêa
Introdução O processo de hospitalização é um período no qual a pessoa se encontra internada em uma instituição para tratar de uma doença, sendo que o tempo de internação varia de acordo com a patologia e as condições de recuperação clínica da pessoa. Nestas situações, a pessoa que adoece e seus familiares passam por mudanças e alterações no dia a dia que influenciam a forma como ocorre o preenchimento do tempo diário e a participação social e ocupacional. Nestas experiências, pode ocorrer afastamento do trabalho, dos afazeres do lar, da rotina diária das ocupações significativas e dos papéis ocupacionais, ocasionando mudanças no repertório ocupacional, entre outras modificações. Não é raro, frente à situação de adoecimento e hospitalização, verificar a expressão de medo, aflições, angústias, mudanças nas relações interpessoais, nos cuidados pessoais, no comer, no descansar, entre outros. As preocupações tendem a girar em torno da pessoa adoecida, do processo de adoecimento e suas implicações. No que se refere aos acompanhantes,
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é frequente observar cansaço, sensação de desgaste, esgotamento físico, mental e emocional, sentimentos angustiantes, medos, oscilação entre esperança e desesperança, saudades, tristezas, incertezas, dificuldades financeiras, de comunicação e de receber visitas, entre tantas outras. Segundo Calvetti1, o hospital pode representar um ambiente desconhecido, que restringe as possibilidades de envolver-se em ocupações significativas, sendo um lugar, muitas vezes, de solidão, tristeza e saudade de casa, dos familiares, dos amigos, entre outros. Barros et al.2 caracterizam a hospitalização como: ambiente físico incomum, rotina hospitalar, ruptura das atividades cotidianas, ausência dos familiares, parentes e amigos, procedimentos médicos invasivos, entre outras condições. Por sua vez, estes fatores podem ser potencializados pela gravidade da doença e agressividade do tratamento, podendo desencadear reações como retraimento, apatia, choro e irritabilidade, entre outras. Segundo Vasques3, por estar relacionada ao adoecimento, a hospitalização possibilita a vivência do sofrimento, compreendido como uma experiência que, frequentemente, envolve perdas, lutos e/ou modificações não desejadas ou não previstas. Eventos cotidianos do hospital compõem a experiência do desconforto, do mal-estar e dos procedimentos terapêuticos, podendo ocasionar modificações nas atividades do dia a dia. A pessoa em condição de internação, além de experienciar o sofrimento provocado pela doença, pode vivenciar a perda da rotina que o identifica como pessoa e o afastamento daqueles que reafirmam seus papéis sociais/ocupacionais4. Nesse sentido, a vivência hospitalar gera uma alteração no dia a dia e uma necessidade de adaptação ao novo tempo/espaço, um adaptar-se à hospitalização, em que podem ocorrer reavaliações e aquisições de experiências ocupacionais frente à sua história de vida. Já os cuidados paliativos visam proporcionar um encontro de possibilidades de atenção e intervenções distintas, na perspectiva de diminuir desconfortos, valorizar a expressão de sentimentos e estimular estratégias e oportunidades de conhecer as demandas, as vivências e as singularidades psíquicas, emocionais, biológicas, espirituais, sociais e ocupacionais que o adoecimento progressivo e a possibilidade da aproximidade da morte podem mobilizar5. A vivência de estar hospitalizado pode estar relacionada ao cansaço, à desestruturação familiar, ao medo da morte do ente querido que está internado, ao isolamento social e à ruptura do cotidiano vivenciado até então (repleto de significados). Entende-se que as pessoas que vivenciam o cotidiano no hospital passam a lidar, em maior ou menor grau, com as condições apontadas. Todavia, percebe-se que é de extrema importância compreender como estas experiências ocupacionais são pensadas, vividas e sentidas pelas pessoas inseridas neste cotidiano. Ocorrem mudanças? Quais? Como essas mudanças interagem com os interesses, preferências, desejos e expectativas daqueles que se encontram internados no hospital, seus familiares e entes queridos?
Capítulo 14 Perdas e Luto em Terapia Ocupacional nos Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos
Enfim, a hospitalização pode ser um processo difícil e trazer diversas consequências para a pessoa internada, podendo se configurar como uma experiência ocupacional potencialmente traumática, por promover, em geral, a perda e o luto pela falta da condição de saúde e pelos rompimentos e afastamentos do cotidiano anterior à hospitalização, do ambiente familiar e das pessoas mais próximas e queridas.
Perda e luto no contexto hospitalar e cuidados paliativos O luto é entendido como uma reação a uma perda significativa, podendo se manifestar nas dimensões somáticas, psíquicas, sociais e ocupacionais. Casselato6 ressalta que o luto pode ser compreendido como uma reação à perda de um objeto ou algo significativo, como a perda da saúde, de uma parte do corpo, do emprego, da condição social ou de uma pessoa querida. O luto não é uma condição patológica, mas pode repercutir nas condições de saúde. Isto ocorre quando a entrada neste processo é adiada ou inibida, predominando mecanismos defensivos, ou quando o luto é complicado, podendo ocorrer a intensificação da sintomatologia ou o prolongamento por longo período, dificultando a elaboração7,8. O luto é manifestado por meio de sentimentos, como tristeza, solidão, medo do desconhecido, raiva, culpa, agressividade e ansiedade, e pela forma que a pessoa se relaciona com o mundo que a cerca, especialmente na participação nas ocupações diárias7,8. Destaca-se o impacto na realização das atividades da vida diária, como: cuidados aos outros, gerenciamento das condições financeiras, da manutenção da saúde e do cuidado com o lar, preparo de refeições, higiene e limpeza, costumes religiosos, além das atividades de descanso e sono, trabalho e participação social. Segundo Rosenberg9, nas condições de perda e luto, aconselha-se recorrer à flexibilidade, sensibilidade e versatilidade e ao maior número de conhecimentos possíveis e profissionais de várias especialidades para tolerar o desconhecido. Nesse sentido, como pode contribuir o terapeuta ocupacional no que diz respeito a essas manifestações e ao que se refere à prevenção e à promoção de condições ocupacionais significativas diante da perda da saúde, da hospitalização, das perdas e dos processos de luto? Compreende-se que a participação nas ocupações é modificada durante o adoecimento e a hospitalização, podendo ocorrer alterações orgânicas, psíquicas, sociais e ocupacionais. O luto apresenta-se como um período de entorpecimento, afastamento e isolamento, que por sua vez pode ter como forma de manifestação o desinteresse e a desmotivação pelas atividades ocupacionais. Podem-se observar reações de protesto, de reivindicação das habilidades e funcionalidades perdidas, assim como das atividades desempenhadas antes do adoecimento e da hospitalização, resultando em grande sofrimento. Além de sintomas como tristeza, negação, dificuldade em aceitar a realidade da perda, das condições de saúde e do afastamento da condição singular da vida cotidiana, ansiedade, desamparo, confusão, distúrbio do sono e apetite, isolamento social, entre
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outros, também há uma história de fazeres carregada de significados, de investimento pessoal e ocupacional, que não pode mais ser vivida, em decorrência do adoecimento e da hospitalização. Nestas condições, pode haver a impossibilidade de continuar investindo nas ocupações do dia a dia. Há situações em que se verifica a ocorrência da perda da possibilidade de continuidade e investimento das ocupações desempenhadas e/ou compartilhadas em conjunto com um ente querido, que está distante devido à hospitalização. Ocorre um sentimento de pesar referente à perda das ocupações realizadas anteriormente. Há um luto ocupacional, um vazio pela perda ou ausência das ocupações realizadas antes do adoecimento e da hospitalização4. No contexto hospitalar, pode ocorrer a situação de “o que fazer agora?”, tendo que assumir novas (ocup)ações. Observa-se que as manifestações do pesar, em caso de perda significativa, se apresentam nas atividades ocupacionais, indicando que a perda interfere no cotidiano das ocupações. As pessoas afastam-se das ocupações, inclusive daquelas relacionadas ao trabalho, e apresentam falta de prazer em manter os cuidados pessoais e em desempenhar as atividades da vida diária, como, por exemplo: preparar e consumir a alimentação, manifestando também isolamento e afastamento social. É uma experiência que exige mudança e ajustamento nas ocupações diárias, para levar a vida adiante, sem poder desempenhar as ocupações antes providas e/ou desempenhadas, confirmando a hipótese de que o pesar se estende às atividades ocupacionais e que o luto é também a dor pela não possibilidade de realizar as ocupações que gosta e/ou necessita. A experiência na assistência em situações de perda e luto tem revelado que as pessoas possuem uma história ocupacional em que há envolvimento significativo com objetos, situações e condições de vida singulares de cada pessoa, onde são desenvolvidas ocupações. Entretanto, quando há perda da possibilidade de ocupar-se após o adoecimento ou a hospitalização ou frente à ameaça da morte, podem ocorrer mudanças que alteram a vida e as ocupações das pessoas internadas, dos familiares e dos entes queridos. Assim, pode haver interrupção na forma e no estilo de vida, privação nos relacionamentos, destituição de papéis e necessidade de abandonar, incluir ou modificar a maneira como realizam as ocupações do dia a dia. Mediante o processo de luto, são observadas alterações e rupturas nas ocupações realizadas anteriormente ao adoecimento e à hospitalização. Um afastamento das atividades ocupacionais e um “não saber o que fazer”. Nas condições de perda e luto, não é raro a pessoa sentir que perdeu a direção da vida10. Para Bromberg6, Worden10 e Parkes11, no luto, a pessoa é induzida a levar a vida adiante e a aprender novas formas de lidar com o mundo, a aprender novos papéis. Funções e padrões habituais de ocupações são rompidos, quando comparado com o período anterior ao adoecimento e à hospitalização. Essa condição provoca a difícil tarefa de renunciar, excluir e incluir novos papéis e novas ocupações4. Um período de elaboração referente às mudanças ocupacionais, as quais deixam marcas e alteram o viver. Para melhor compreensão deste processo, é importante destacar a contribuição do Modelo do Processo Dual do Luto, proposto por Stroebe e Schut12 e Stroebe et al.13, como uma abordagem valiosa para lidar com o processo de enfrentamento das perdas e do
Capítulo 14 Perdas e Luto em Terapia Ocupacional nos Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos
luto e a construção de significados correlacionados. Este modelo propõe a capacidade de oscilação entre o engajamento em experiências ora voltadas para a perda, ora para a restauração da vida. Assim, é importante que a pessoa possa viver questões relacionadas às perdas, tendo contato com os sentimentos mobilizados pela mesma, em alternância com o enfrentamento voltado para a restauração, utilizando-se, quando necessário, dos recursos defensivos para focar em tarefas cotidianas. Na falta de oscilação entre os diferentes modos de enfrentamento (voltado para a perda e a restauração), o processo fica “congelado”, o que dificulta a transformação da relação com as perdas, podendo ter um custo importante para a saúde física, mental e psíquica da pessoa. Esta abordagem teórica auxilia as equipes multiprofissionais em contextos hospitalares e cuidados paliativos a validarem experiências, vivências e expressão de emoções e sentimentos relacionados às questões das perdas quanto à possibilidade de resgate e restauração da vida e compreensão dos significados advindos das perdas.
Terapia ocupacional nas condições de perda e luto no contexto hospitalar e cuidados paliativos Segundo Neistadt e Crepeau14, a Terapia Ocupacional é a arte e a ciência que se propõe a ajudar as pessoas a realizarem atividades que são importantes para si. É um campo de conhecimento e intervenção social, em saúde e em educação e que reúne tecnologias destinadas à emancipação e autonomia de pessoas que, por razões ligadas a diferentes problemáticas, como comprometimentos e/ou alterações físicas, sensoriais, psíquicas, cognitivas, sociais, entre outros, podem desencadear temporária ou definitiva dificuldade de inserção e participação na vida social. A Terapia Ocupacional, como área de conhecimento e prática de saúde, se interessa pelos problemas do homem em suas atividades. Em outras palavras, considera as atividades como produto e meio de construção do próprio homem e busca entender as relações que este homem em atividade estabelece em sua condição de vida e saúde15. A Terapia Ocupacional considera a ação humana como o produto e o meio pelo qual o homem participa da vida diária. Assim, busca entender as relações que a pessoa estabelece com sua condição de vida e saúde nas ocupações cotidianas, considerando-as como instrumentos de domínio científico para compreender a ocupação humana. Uma vez que essas ações possibilitam à pessoa ser reconhecida e se reconhecer por seus afazeres, além de permitirem conhecer a história de vida desta e a maneira como participa e realiza suas ocupações no contexto em que está inserida. A ciência ocupacional, ou ciência da ocupação, é um campo interdisciplinar de conhecimentos básicos sobre o ser humano como ser ocupacional16. Compreende a ocupação como tudo o que as pessoas fazem para preencher seu tempo e possui uma forma, um sentido e um significado17. O centro das atenções está na relação entre o
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engajamento em ocupações e a vida humana, particularmente, na maneira como essa relação influencia a saúde, o bem-estar e a participação social18. A forma ocupacional compreende o que as pessoas fazem e como isso ocorre em relação ao tempo e ao espaço. É um sistema objetivo de circunstâncias, independente e externo a uma pessoa, que se origina da interação de uma atividade com o ambiente, ou seja, quando as ideias arraigadas na mente das pessoas adquirem um tempo e um espaço físico e social. A forma faz referência às características visíveis de uma ocupação e refere-se aos aspectos que são diretamente observáveis18. Busca-se compreender o que as pessoas fazem? Como se dão esses fazeres diários? Quais são as circunstâncias desse fazer? Como elas preenchem o tempo? Por exemplo, se alimentar pode funcionar como ocupação que, embora apresente padrões de execução, assume uma maneira particular de executar para cada pessoa que a realiza. O sentido, também denominado função ou propósito ocupacional, corresponde ao objetivo da ocupação; é quando uma determinada pessoa realiza uma ação específica com um propósito que é individual e subjetivo17. O sentido da ocupação, corresponde ao “por quê” uma pessoa se engaja em uma determinada ocupação ou para qual propósito de adaptação serve essa ocupação, gerado na interação pessoa-atividade. Por exemplo, determinada ocupação pode promover o bem-estar e a saúde, entretanto, outras podem comprometê-las. O sentido da ocupação compreende o objetivo com o qual as pessoas se ocupam, que funções o rol de suas ocupações possuem em sua vida e como influenciam outras pessoas e a comunidade? Assim, o ato de preparar uma refeição pode revelar diferentes objetivos para comunidades diferentes, como, por exemplo: uma mãe que cozinha para os filhos possivelmente não terá o mesmo sentido que um chefe de cozinha em um restaurante. O significado da ocupação refere-se às experiências subjetivas da participação nas ocupações, correspondendo a um aspecto de caráter simbólico que envolve a interpretação, a percepção e os valores pessoais, culturais e sociais, que somente poderão ser expressos por quem realiza uma determinada ocupação. É a representação que cada pessoa fornece a sua ação18, produto da vivência interna que resulta da participação em determinada(s) ocupação(ões) e das experiências externas, disseminadas no seio cultural pela sociedade. Essa condição implica dizer que indivíduos diferentes podem fazer a mesma ocupação, todavia, com significados diferentes. A partir desta compreensão, o terapeuta ocupacional busca compreender as ocupações das pessoas no contexto em que vivem e ocupam-se, e os hábitos e costumes do meio em que estão inseridas. Nessa atuação, a ação humana é o elemento centralizador e orientador na complexa construção do processo terapêutico. Cada encontro é uma oportunidade de ação terapêutica, em que se convida a pessoa em situação de perda, luto ou em cuidados paliativos a expressar o que está sentindo e a refletir sobre suas ações diárias antes, durante e após a perda. Busca-se acolher pessoas em momentos de crise e emergência, para que possam expressar o luto vivido. A assistência caracteriza-se por pessoas que se encontram desorganizadas e em busca de escuta, estão
Capítulo 14 Perdas e Luto em Terapia Ocupacional nos Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos
vivendo uma situação que precisa de cuidado, em que ocorreram mudanças drásticas, e procuram orientação e reencontro com seu momento anterior à perda. Nesse sentido, a assistência terapêutica ocupacional nas condições de perda e luto visa identificar os dados pessoais do indivíduo. Objetiva avaliar e compreender as experiências ocupacionais anteriores e posteriores à perda, buscando compreender o que a pessoa nestas condições tem feito ou faz em um dia rotineiro da sua vida após a perda; busca avaliar: o que a pessoa perdeu? Que mudanças ocorreram ou podem ocorrer com a perda? No caso da perda de uma pessoa significativa, busca-se saber: quem a pessoa perdeu? Em quais circunstâncias ocorreu essa perda? Que ocupações elas faziam juntas? Qual é o significado dessas ocupações para a pessoa em situação de luto? Terapeutas ocupacionais podem ajudar as pessoas no processo de enfrentamento da perda e do luto, a partir do uso terapêutico da ocupação humana, segundo um modelo de fases/etapas proposto por Hoppes e Mohr19,20. A primeira fase é de manutenção das atividades, as quais a pessoa exercia antes da perda. A manutenção de ocupações nessa etapa tem finalidade terapêutica, em função de a pessoa permanecer ativa, trazendo benefícios na gestão do estresse. Engajar-se em ocupações do passado e do presente pode manter a pessoa conectada ao mundo e preencher o dia com senso de normalidade. A segunda fase é chamada de dissolução ocupacional e ocorre quando o choque pela perda desaparece e a pessoa começa a reconhecer que a perda aconteceu. Nesta fase, algumas ocupações podem começar a perder significado e/ou serem esquecidas ou perdidas. Quando ocorre uma perda, as pessoas podem esquecer as ocupações atuais que lhe deram o sentido da vida e apenas assistir à crise. Durante esta fase, é muito importante para os terapeutas ocupacionais orientar os enlutados a manterem-se ativos em ocupações significativas e com propósito20. Nesse momento, pode haver uma dificuldade intensa no resgaste de ocupações que dão significado à vida, sendo comum a fixação nas repercussões negativas advindas da perda. Quando uma pessoa começa a encontrar significado e propósito em ocupações que já realizava antes da perda ou a investir em novas ocupações, observa-se a ambivalência ocupacional, a terceira etapa19,20. A ambivalência ocupacional ocorre quando ocupações que a pessoa já tinha encontrado significado e propósito antes da perda gradualmente retornam à vida da pessoa19. Trata-se de uma fase onde é possível descobrir “projetos de sentido à vida”, retornando para ocupações com significado e propósito19. Nessa fase, é importante, para os terapeutas ocupacionais, investigar os enlutados e descobrir as ocupações que tiveram significado relevante antes da perda. No entanto, ao resgatar seus projetos de vida e retomar ocupações significativas, o enlutado pode expressar culpa por conseguir viver sem as condições de vida anteriores às perdas. A última fase é a restauração e adaptação das atividades, ou seja, é quando a ocupação volta à vida da pessoa. A retomada e o engajamento às ocupações podem ter sido modificados em decorrência da perda e podem ser readaptadas e/ou restauradas. Durante essa fase, é importante para o terapeuta ocupacional entender como a perda afetou a pessoa e seus familiares, a fim de estimular ocupações apropriadas, pois certas ocupações podem ter mudado seu grau de importância ou perderam completamente a importância.
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É imperativo ao terapeuta ocupacional examinar a história de vida da pessoa, a fim de determinar o que e como as ocupações podem ter se modificado devido à perda. Ao envolver-se continuamente em ocupações significativas, a pessoa tende a perceber a importância que elas têm sobre o seu estado emocional e social. Não se trata de esquecer o passado, mas perceber que a vida precisa continuar. Isso só pode ser realizado por meio da restauração e do engajamento em ocupações, que darão sentido e significados à vida da pessoa20. Frente às situações de perda e luto, é saudável a retomada das ocupações, compreendendo a necessidade de manutenção das atividades cotidianas, a dissolução, a ambivalência ocupacional e a necessidade de restauração e adaptação das ocupações, de forma concomitante e constante, uma vez que o processo de luto não é linear, é multifatorial, individual e pode permanecer por tempo indeterminado21. Este raciocínio é bastante apropriado ao se considerar a importância das ocupações como “processos ativos de viver: do início até o final da vida”22. Seja na ocorrência do adoecimento e da necessidade de hospitalização ou no caso de uma doença sem possibilidades de cura, as pessoas podem manifestar demandas no âmbito ocupacional. Nesse sentido, elas podem se preparar para que possam viver bem o seu tempo, ativo no sentido de estar sempre fazendo algo, ocupando-se para a finitude em que os planos e ações dirigem-se para fechar as malas; ou ocupam-se na finitude, mas para o viver, em que se verifica um investimento em manter ou experimentar novas ocupações, um desejo de permanecer aqui, deixar as malas abertas e estar sempre em busca de novos objetos para nela acrescentar23. No processo terapêutico ocupacional junto à pessoa em situação de perda e luto, é importante evitar o empobrecimento e a restrição do repertório das ocupações. Segundo Hagedorn24, estes podem ser observados quando a pessoa perde a capacidade de fazer as coisas que deseja e necessita, ou quando é caracterizada uma situação de risco que traz danos à sua autopercepção, afetando papéis e relações sociais. O processo de enfrentamento da perda e do luto pode gerar alienação, desequilíbrio e disfunção ocupacional21. Entende-se por alienação ocupacional, a sensação de que as atividades do indivíduo não são significativas e satisfatórias, tipicamente associadas com sentimentos de falta de força para alterar a situação. O desequilíbrio ocupacional é compreendido como a falta de variedade na ocupação, o foco excessivo em determinada ocupação em detrimentos de outras, enquanto a disfunção ocupacional refere-se à inabilidade temporária ou crônica para se engajar de forma competente nas ocupações necessárias da vida cotidiana. É frequente observar, frente à perda de um ente querido, a diminuição da motivação e do interesse pelas ocupações cotidianas, havendo inclusive inabilidade no exercício de papéis ocupacionais, como de pais, provedores do lar, trabalhador, entre outras, ou no envolvimento e engajamento excessivo do enlutado em atividades e ocupações24. Na assistência a pessoas que vivenciam situações de perda e luto, o terapeuta ocupacional atua em internação hospitalar, leito dia, ambulatórios, unidades e espaços extra-hospitalares, atenção domiciliar, atenção básica e saúde do trabalhador, por meio
Capítulo 14 Perdas e Luto em Terapia Ocupacional nos Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos
de consultas individuais e/ou grupais, e demais estratégias que visam a livre expressão da pessoa sobre a sua vida ocupacional. Essa assistência deve promover um diálogo contínuo que permita que a pessoa expresse suas demandas e discuta suas expectativas, contribuindo para que este perceba e reconheça suas próprias demandas, comunicando suas necessidades. Estratégias que funcionem como um espaço, primeiramente, de acolhimento e que favoreçam a expressão, o manejo e o enfrentamento das demandas reveladas pela pessoa ao longo de seu processo de manifestação da perda e de elaboração do luto4.Também é importante a utilização de recursos e estratégias que ampliem a capacidade funcional, o conforto e a qualidade de vida e morte da pessoa em situação de perda e luto. O terapeuta pode disponibilizar materiais plásticos, como: papel A4, lápis de cor, canetas esferográficas, tesoura escolar, revistas, cola branca, cola colorida, purpurina, entre outros. O acompanhamento terapêutico ocupacional visa auxiliar as pessoas a (re)aprender e/ ou a ressignificar as ocupações do dia a dia, ao ponto em que possam viver da forma mais independente e satisfatória possível. O terapeuta ocupacional tem a função de avaliar e compreender as ocupações das pessoas. Geralmente, a condição de perda e enlutamento favorece o isolamento e o afastamento da vida social, assim como a baixa motivação para a realização das ocupações diárias. Portanto, destacamos a importância da avaliação do funcionamento ocupacional após uma perda significativa, compreendendo que o pesar repercute no desenvolvimento das funções ocupacionais durante o processo de luto. A intervenção terapêutica ocupacional consiste em compreender como as perdas e os processos de enlutamento interferem no desempenho ocupacional do ser humano, promovendo estratégias que ajudem o engajamento em atividades que sejam significativas para a vida; considerando as possibilidades de que estas possam estar relacionadas às experiências e ocupações vinculadas tanto à vivência da perda quanto à necessidade de resgate e restauração da vida, em um processo oscilatório. Assim, faz-se necessário compreender que o engajamento em ocupações pode ser significativo tanto para vivenciar o processo de perda quanto para resgatar e restaurar a vida. A terapêutica ocupacional se dá, aqui, na possibilidade de que a pessoa possa vivenciar esse processo oscilatório significando suas ocupações, de maneira singular. Para Ribeiro e Oliveira25, a intervenção terapêutica ocupacional pode investir na complexidade da vida cotidiana da pessoa, que se constitui de aspectos físicos, simbólicos, relacionais e materiais. De forma a produzir movimentos capazes de oferecer suportes, proteção e resolução de problemas que contribuam para a superação da situação existencial, condutas que, quando compartilhadas através de espaços relacionais, ajudam a restaurar e/ou promover os sentidos da vida. Na assistência a pessoas em situação de perda e luto, o terapeuta ocupacional propicia à pessoa entender as implicações do pesar nas atividades ocupacionais e no viver, com destaque para as razões pelas quais eles experienciam um período de tristeza, sofrimento, retraimento e afastamento das relações sociais e das atividades do cotidiano. Seus relatos revelam mudanças ocupacionais, em que padrões habituais de atividade são rompidos, remetendo-as à difícil tarefa de renunciar, excluir e incluir novas (ocup)ações.
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Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos
O terapeuta ocupacional está voltado para a organização das rotinas, a promoção da saúde e prevenção de deficiências. Assim, ele contribui para a melhoria da qualidade do viver no âmbito ocupacional, a ampliação das potencialidades laborativas, a independência nas atividades cotidianas, a integração social e a proposição de novos projetos de vida, observando a subjetividade de cada pessoa, o seu entorno e as atividades significativas26. Nesse sentido, a ação terapêutica pode investir na compreensão da vida cotidiana da pessoa em situação de luto, englobando os aspectos práticos, concretos, simbólicos, relacionais e materiais, de modo a produzir movimentos capazes de oferecer suportes, proteção e resolução das situações vivenciadas nas condições de perda e luto. Por meio da relação pessoa/ocupação/terapeuta, é possível compartilhar e (re)criar histórias e projetos de vida, experiências e trocas sociais, transformação de ideias, repensar o contexto ocupacional, desconstruir, habilitar, ampliar limites, sonhar, criar, (re)viver ocupações e produzir inquietações no fazer cotidiano para desacomodar o inativo. Através da expressão material, a pessoa amplia o contato com seu mundo interno, revendo o passado, atualizando o presente e podendo vislumbrar o futuro4. Nas condições de perda e luto, o terapeuta ocupacional pode favorecer a pessoa a (re)aprender e/ou a (re)significar as ocupações cotidianas que necessitam para viver de forma satisfatória, atuando diante de rotinas que foram interrompidas por doenças, incapacidades e traumas, enfim, situações que implicam na realização de ocupações com qualidade e satisfação. Nesse sentido, a realização de atividades atua como forma de expressar a condição humana, de apresentar um compromisso com a existência, promovendo trocas sociais e rompendo com o isolamento das pessoas. O terapeuta ocupacional enquanto profissional da saúde, conhecedor dos inúmeros quadros clínicos que implicam na saúde ocupacional do ser humano, tem a função de avaliar e compreender o desempenho e a realização das atividades ocupacionais e promover o retorno e/ou a manutenção das pessoas em suas ocupações.
Caso clínico M.S.A, sexo masculino, 41 anos, casado, com dois filhos, profissional liberal e procedente da região norte do país. Há 4 anos, apresentou fraqueza, fadiga e episódios de quedas. Após exames e a avaliação de vários profissionais, chegou ao diagnóstico de infecção pelo vírus linfotrófico humano de células T do tipo 1 (HTLV-1, do inglês, human T-cell leukemia virus) e pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV, do inglês, human immunodeficiency virus). Desde então, M.S.A. foi internado várias vezes. Em uma dessas internações, o terapeuta ocupacional verificou alterações na forma, no sentido e no significado das ocupações de M.S.A., bem como em as todas as áreas e padrões de desempenho e fatores do cliente associados à síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS, em inglês, acquired immunodeficiency syndrome) e aos sintomas do HTLV-1. Em razão disso, seus estudos e vida sócio-ocupacional se encontravam comprometidos, ocasionando-lhe momentos de ansiedade, tristeza, dificuldade de aceitação da condição atual e afastamento das principais ocupações diárias – um luto ocupacional. Apresentou piora de vários sintomas funcionais e ocupacionais, principalmente nas atividades da vida diária (AVD). A família é muito presente e atenciosa. Sua esposa é a cuidadora principal,
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mas não quer conversar sobre o adoecimento e a hospitalização do marido e não aceita a evolução da doença. Apenas referiu preocupação quanto à evolução da doença e o risco de morte. O sentimento de perda tem prejudicado a sua própria vida. Na avaliação do terapeuta ocupacional, pode-se compreender a vida e as ocupações antes e durante o adoecimento e a hospitalização de M.S.A, com destaque para as alterações funcionais, psicossociais e, principalmente, ocupacionais. Ele utilizou estratégias que funcionaram como um espaço de acolhimento e que favoreceram a expressão e o enfrentamento do processo de adoecimento, hospitalização, perda e luto. Por meio da assistência terapêutica ocupacional, foi possível compartilhar e (re)criar histórias e projetos de vida, experiências e trocas, repensar o contexto ocupacional, desconstruir, habilitar, ampliar limites, criar, (re)viver ocupações etc. Visou prestar assistência a M.S.A, sua família e suas ocupações, avaliando aquelas que foram interrompidas pelo adoecimento e pela hospitalização, que resultaram em modificações na realização das ocupações do dia a dia.
Considerações finais Nas condições de luto, compreende-se que a finalidade da Terapia Ocupacional possa ser a de fazer com que o homem se aposse com satisfação de sua vida, em seus diferentes campos, no desenvolvimento de seus fazeres diários, vivendo seu tempo e local em busca da realização de desejos e preferência ocupacionais. O terapeuta ocupacional ajuda a pessoa a avaliar, selecionar e se engajar em ocupações que sejam significativas para a vida. As ocupações constituem-se em uma linguagem e um meio flexível que permite (com)partilhar experiências, facilitando a comunicação entre as pessoas e favorecendo as relações interpessoais e o convívio social. Nas situações de luto, através da relação pessoa-ocupação-terapeuta, o profissional abre um espaço para expressão do luto e promove ações que podem potencializar a ação humana, buscando a promoção de fazeres satisfatórios. Tem a função de favorecer o bem-estar das pessoas no desenvolvimento de suas ocupações, na (re)significação do que foi perdido e na elaboração da(s) demanda(s) que estão interferindo no desenvolvimento, na realização e na participação das ocupações. Nestas condições, a intervenção em Terapia Ocupacional consiste, primariamente, em compreender o processo de determinação de como as repercussões vivenciadas, a partir da perda e do luto, estão interferindo no desenvolvimento e na satisfação das inúmeras ocupações realizadas diariamente. Além de promover experiências ocupacionais em que as pessoas podem agir sobre seu próprio meio, abrindo uma possibilidade destas se ocuparem, podendo expressar o que sentem, suas preferências e suas perspectivas ocupacionais. Um momento para expor, avaliar e refletir sobre o que sentem em relação ao que perderam ou o que podem perder com o adoecimento, o processo de hospitalização e a possibilidade da morte.
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De Carlo Kudo
TERAPIA OCUPACIONAL EM CONTEXTOS HOSPITALARES E CUIDADOS PALIATIVOS Os campos de conhecimentos e de atuação da Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos são bastante amplos, diversificados e crescentes. Este livro tem como objetivo fundamental compartilhar experiências assistenciais e trabalhos científicos que têm sido produzidos sobre a especialidade profissional de Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares e suas áreas de atuação, particularmente em Cuidados Paliativos. Traz uma grande contribuição para a consolidação das práticas baseadas em evidências na área da saúde e consequente melhoria da qualidade da assistência prestada aos clientes, seus familiares e cuidadores. Escrito por profissionais brasileiros e internacionais que atuam nos mais diversos contextos, serviços e programas hospitalares e junto a diferentes populações, distribuídos em 15 capítulos, com 27 diferentes abordagens sobre temas fundamentais para os profissionais das áreas que tenham interesse por Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos.
ISBN: 978-85-5795-003-0
9 788557 95003 0
Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos
ORGANIZADORAS
MARYSIA MARA RODRIGUES DO PRADO DE CARLO AIDE MITIE KUDO
Terapia Ocupacional em Contextos Hospitalares e Cuidados Paliativos