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Sob as ruas de Paris

Maristela Rodrigues25 Sheila Katiane Staudt26

Inicio este relato ressaltando que a amizade oportuniza o conhecimento. Eu, Maristela, conheço a Sheila há muitos anos, antes mesmo da primeira edição da Feira das Cidades, que ocorreu em 2011. Fomos vizinhas na praia de Rainha do Mar e construímos uma amizade muito bonita.

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Sheila foi para França em 2017, a fim de fazer seu pós-doutorado em Estudos Literários na Université Sorbonne Nouvelle Paris 3 e me convidou para visitá-la. Como sou uma viajante entusiasta, não pude recusar e fiquei com ela e sua família no final do ano de 2017 e início de 2018, em Maisons-Alfort, cidade metropolitana de Paris.

Tive a oportunidade de conhecer muitos pontos turísticos da linda cidade Luz e, dentre os maravilhosos lugares, descobrimos locais inusitados no subsolo de Paris – locais que começaram a interessar a pesquisadora Sheila na condição de moradora e não apenas viajante27 .

Escrever a quatro mãos após ter visitado os mesmos lugares é um desafio instigante pois refazemos a viagem, os percursos, retornando,

25 Formada em Direito pela PUC-RS, servidora pública do Poder Judiciário do RS e colaboradora entusiasta do Programa de Extensão “Olhares sobre as cidades: experiências de viagem”, participa, desde 2011, como palestrante-viajante das Feiras das Cidades. 26 Pós-doutora pela Université Sorbonne Nouvelle Paris 3, professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do RS – IFRS campus Canoas e coordenadora do Programa de Extensão “Olhares sobre as cidades: experiências de viagem” desde 2011. 27 Referência ao texto de Cecília Meireles Roma no qual a escritora diferencia esses dois sujeitos turista X viajante. 94 Que falta faz uma viagem

através da memória, por espaços e tempos que serão perpetuados por meio da escrita.

Esgotos parisienses ou Musée des égouts de Paris (por Sheila)

Após ter visitado Paris em 2007, 2012 e retornado em 2017 para ali permanecer por um ano para meus estudos de pós-doutorado na Université Sorbonne Nouvelle Paris 3, refleti sobre a vida subterrânea que borbulhava abaixo dos monumentos tão majestosos e da arquitetura característica da capital francesa. Para ir à Sorbonne, eu pegava o RER28 três vezes na semana, pois aluguei um apartamento em Maisons-Alfort, cidade metropolitana a 3 km da capital. Por mais que visse muitas pessoas pelas ruas, havia um trânsito intenso nas estações de metrô, além dos turistas e viajantes, havia os trabalhadores metroviários, os comerciantes em suas lojas29, os artistas que espalhavam suas melodias dentro e fora dos trens, os refugiados árabes sobrevivendo pelos bancos naquelas profundezas, enfim, tanto abaixo quanto acima da cidade, a chama30 permanecia acesa pelas artérias escondidas daquele grande queijo suíço feito de canais e galerias sob as largas e encantadoras ruas-avenidas de Paris.

Ao comentar essa sensação de onipresença de vida pulsando no subsolo da capital francesa com minha orientadora Mme Jacqueline Penjon, ela de imediato me aconselhou a realizar uma visita aos esgotos de Paris. Apesar de ser a minha terceira vez na cidade nunca havia ouvido falar em uma visita aos égouts de Paris. Mas um direcionamento tão assertivo com vistas a entender a construção subterrânea da cidade me motivou e somente realizei o passeio com a chegada da Maristela no final de 2017 para passar o réveillon conosco, como tantos outros réveillons passados juntas no litoral gaúcho desde 2009.

28 RER ou Réseau Express Régional - é o trem que atravessa a fronteira da capital parisiense e vai aos “banlieues” (subúrbios), região metropolitana de Paris, bem como cidades mais afastadas. 29 Nas estações Châtelet-Les Halles e Musée du Louvre, há inclusive academia, cinema e um shopping no subsolo com Starbucks, Louis Vitton, Mc Donald’s, etc. fator que aumenta a permanência de pessoas sob as ruas parisienses. 30 Referência a Italo Calvino Seis propostas para o próximo milênio. Que falta faz uma viagem 95

Se já havia ratos nas ruas da cidade, imagina nos esgotos? O valor da entrada era de apenas 2 euros. A entrada fica a 800m da torre Eiffel, no início da Pont d’Alma, na beira do rio Seine (rio Sena). O cheiro era muito forte e havia bonecos de pelúcia de ratos pelos cantos. Seguimos uma guia que explicava como foram pensadas as estruturas para comportar as cheias do rio. Segundo eles, atualmente não teria como ter uma cheia de grandes proporções devido ao moderno equipamento de contenção das águas da chuva no Seine. Entretanto, choveu muito durante o período que lá fiquei, e muitos transtornos ocorreram devido à “monte de la Seine” (cheia do Sena).

Passado e futuro se misturavam naquela explicação acerca das formas de desentupir os túneis dos esgotos, nos quais muitos objetos foram recolhidos ao longo dos anos como espadas, joias, roupas, moedas de ouro e de prata de muitos países, etc. alguns deles expostos aos visitantes. Uma imensa bola de ferro passava para limpar e desobstruir os canais de escoamento dos esgotos, evitando assim bloqueios nos túneis.

Foto 1: Espadas encontradas nos esgotos parisienses entre outros objetos. Foto 2: Grande bola utilizada no desentupimento dos esgotos. Fonte: Sheila Staudt

Em 1850, a insalubridade da capital francesa demandava por cuidados nas redes de resíduos e saneamento urbano. Com as benfeitorias arquitetônicas projetadas pelo prefeito Barão Haussmann, o engenheiro Eugène Belgrand criou um programa de abastecimento de água e uma vasta rede de esgoto para comportar o crescimento de Paris. As vias subterrâneas expandiram-se para Gennevilliers nas margens agrícolas da capital com 650

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km de extensão em 1878, ano da morte de Belgrand. Atualmente, a rede percorre mais de 2.100 km subterrâneos, com um volume de 8 milhões de m3, abertos para 26.000 bueiros.

Os esgotos estão a 7 metros da superfície da cidade e as linhas de metrô são mais profundas e ficam a 36 metros. Obviamente, se houver do rio Seine, a água escoa pelos esgotos e, por conseguinte, algumas linhas de metrô podem ficar comprometidas. São camadas subterrâneas de vidas em movimento em galerias que escoam lágrimas, chuva, dejetos dos seres humanos que não têm ideia de tudo o que se passa sob seus pés... Catacumbas ou Les Catacombes de Paris (por Maristela)

Lugar muito interessante despertou minha curiosidade. Tive que convencer a Sheila, que não fazia a mínima questão de conhecer este lugar tão assustador e diferente, a encarar tal aventura. Talvez por se encontrar no subsolo da cidade, o convite começou a aguçar o interesse já despertado desde sua chegada à capital francesa.

Não sabia de todos os detalhes, mas fiquei muito entusiasmada em visitar um ossário, que é dos mais famosos do mundo e o maior, com mais de 6 milhões de corpos. Sheila e eu ficamos na fila em três oportunidades diferentes, e quando estávamos perto de entrar, a quantidade de pessoas daquele dia, que se limitava a 200, era atingido, todos que ainda estavam à espera teriam que retornar em outro dia. Persistimos e conseguimos finalmente visitar o lugar. Chegar bem cedo é uma dica preciosa para conseguir visitar as catacumbas31 .

A história da construção desse local é a seguinte, na antiguidade, as Igrejas possuíam seus próprios cemitérios e na cidade de Paris havia muitos. Diante do volume de pessoas enterradas nesses cemitérios, em decorrência da elevada taxa de mortalidade na época em razão da peste bubônica, tifo, tuberculose e varíola, os parisienses passaram a ficar doentes, em face da matéria orgânica que lá se decompunha, pois as residências eram muito próximas desses locais. Assim, em 1780, o cemitério “des Saints-Innocents” foi fechado e, em 1785, o Governo deter-

31 Vídeo sobre as catacumbas: <https://www.youtube.com/watch?v=Ux7SPPr-xeM> Que falta faz uma viagem 97

minou que os cemitérios deveriam ficar na periferia da cidade. Os restos mortais existentes nos cemitérios no centro de Paris foram removidos e colocados em túneis abandonados de pedreiras. Essas pedreiras possuem aproximadamente 400 km de extensão, mas menos de 2 Km são visitados. Os túneis das pedreiras eram utilizados para a extração de calcário, que seria utilizado na construção de monumentos da cidade, tais como a Catedral de Notre-Dame, outras igrejas e o próprio Museu do Louvre. Nem todas as galerias são passíveis de visitação, inclusive trancadas com grades.

Esses túneis se localizam a 20 metros abaixo da superfície, então para acessar as catacumbas tivemos que descer 131 degraus. Isto significa que fica abaixo dos esgotos e até mesmo do Rio Sena.

Tais túneis foram construídos ainda no período romano, para outras finalidades. Diz-se que os membros da Resistência Francesa usaram ativamente o sistema de túneis subterrâneos durante a II Guerra Mundial.

Inicialmente, os ossos dos cadáveres foram jogados nas catacumbas de qualquer jeito. Posteriormente, as montanhas de ossos e crânios foram enfileiradas, fixados por cimento, formando esculturas, tendo vários poetas consagrados escrito versos no percurso que visitamos, o que concede às catacumbas a reflexão sobre a fragilidade humana, a efemeridade da vida. Além dos poemas, há placas indicando a origem dos ossos, de qual Cemitério haviam sido removidos.

Poema constante na placa da foto traduzido: Eles eram o que nós somos. Poeira, brinquedo do vento. Frágil como os homens, fraco como o nada.

Logo no início do trajeto há vários ossos expostos separadamente em um balcão de vidro com a descrição das doenças que tinham acometido aquelas pessoas. Também há referência acerca da história da construção e formação das catacumbas.

No teto das galerias, tem uma linha preta que é óleo queimado, a qual indicava para os mineiros da pedreira o caminho a ser seguido para a saída, haja vista a característica labiríntica do local.

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Les Catacombes. Foto: Maristela Rodrigues

Restos mortais de vários cemitérios foram para lá removidos: as primeiras ossadas transferidas saíram do cemitério Saint-Nicolas-des-Champs em 1786 e do Saints-Innocents.Ao entrar nas Catacumbas, há uma frase emblemática:

“ARRETE: C’EST ICI L’EMPIRE DE LA MORTE” (Pare, aqui é o império da morte.)

A cada nova escultura que passávamos, olhávamos com atenção as ossadas, curiosas para saber qual a razão da morte daqueles corpos.

Minha impressão foi de lugar misterioso, parecendo com um filme de terror, num primeiro momento. Mas depois, percebe-se que há vida, onde pessoas trabalham, mesmo diante de tanta morte.

Visitando um lugar assim, percebemos o quanto nossa vida é passageira e o quanto precisamos dar valor às coisas mais simples, ao conhecimento, às viagens, aos amigos e amores.

Comprova o quanto somos todos iguais, ricos, pobres, brancos, negros, homens, mulheres; que os ossos lá encontrados foram de pessoas, quem sabe um parente distante, que viveram, tiveram sentimentos, aprendizados e desafios.

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Esse lugar me lembrou muito outro ossário que visitei em Portugal, A Capela dos Ossos, em Évora32 . Cripta sob a Igreja Notre-Dame (por Sheila e Maristela)

A famosa igreja no coração da Île de la Cité – locus de nascimento de Lutèce – o primeiro nome dado pelos romanos a Paris, em homenagem à Nossa Senhora ou La Notre-Dame, esconde dentro, fora e abaixo de si ricos tesouros históricos e arquitetônicos. A imponente catedral encanta a todos e, em especial, aos domingos, às 9h da manhã, há a missa gregoriana, na qual íamos frequentemente ao longo desse ano morando na França. O canto gregoriano, todo em latim, intensificado pela acústica maravilhosa da catedral parece nos transportar através do tempo à Idade Média e conectar-nos com uma força poderosa que parece transcender alma e espírito, devolvendo uma paz indescritível.

Abaixo do templo religioso encontra-se a cripta, a qual revela resquícios arqueológicos das civilizações que por ali passaram, bem como a história da construção da suntuosa igreja católica com uma arquitetura singular que carrega um misto de diferentes épocas e estilos em sua estrutura, fato que fez o escritor Victor Hugo eternizar o monumento nas páginas de um romance – Notre-Dame de Paris – a fim de atrair os franceses para visitarem o lugar que ficara abandonado e sem reformas por anos.

A entrada da cripta fica no pátio em frente à catedral e tem o comprimento de 118m e 29m de largura (2.200m² de superfície). Entre os anos de 1965 e 1972, foram feitas escavações e encontrados restos de uma civilização antiga. Apenas em 1974 foi preparada para e aberta ao público em 1980. Acima destes restos de construções e objetos antigos, havia um orfanato da época do Renascimento, de nome “Hospice des Enfants-Trouvés”, além de uma capela.

32 Temos a oportunidade de saber mais um pouco sobre as catacumbas pelo site oficial: https://www. catacombes.paris.fr/catacumbas-de-paris E para obtermos uma visão diferente daquele local misterioso, ainda temos os seguintes livros e filmes: - Filme: As Above so Below (Assim na Terra como no Inferno), de John Erick Dowdle (2014) - Livro: O Pêndulo de Foucault, de Humberto Eco - Livro: Os Miseráveis, de Victor Hugo - Livro: O labirinto de ossos, de Rick Riordan, da coleção “The 39 clues” 100 Que falta faz uma viagem

Em 1772, um grande incêndio devastou o mais antigo hospital parisiense Hôtel-Dieu e destruiu a capela Sainte-Agnès, com exceção do subsolo. Infelizmente, em 2019, outro incêndio no telhado da catedral, provocado por reformas e restaurações fechou por tempo indeterminado as visitas na Notre-Dame, levando consigo a flecha de madeira que guardava signos sagrados da Igreja Católica.

Construída em 1980 na parte subterrânea do Átrio da catedral de Notre-Dame de Paris, a crypta33 compõe um acervo (museu), com vistas a preservar o material lá encontrado, no qual podemos ver moedas antigas de ouro e cobre, restos das construções romanas. Segundo informações na internet, a cripta não chegou a ser atingida com o incêndio da Catedral, ocorrido em abril de 2019.

Descobrir a história do Velho Mundo pelas escavações que remontam ao século I a.C. escondidas na base da catedral é como adentrar segredos escondidos, tesouros do nosso próprio passado que, uma vez descobertos, aguçam ainda mais nossa capacidade de observação acerca das origens dos povos e da evolução humana ao longo dos séculos. La Pyramide Inverseé no Museu do Louvre

Abaixo da famosa pirâmide de vidro, com aproximadamente 21 metros de altura (há divergências na internet), há uma “pirâmide invertida”, construída sob o Pátio de Napoleão. A pirâmide que mais chama a atenção de quem visita o Museu é sem dúvida a Pirâmide de vidro, mas ainda se pode perceber no seu entorno mais três pirâmides de vidro menores, no subsolo a pirâmide invertida e na sua base, uma pequena pirâmide de pedra. A pirâmide invertida tem apenas 84 losangos e 28 triângulos, em comparação à existente na superfície, que possui 603 losangos e 70 triângulos de vidro. Inaugurada em 1993, projeto do arquiteto I.M. Pei. Em que pese ficar na parte externa, a pirâmide de vidro é uma miniatura da grande pirâmide de Keops (iguais proporções e ângulos em escalas reduzidas). Tendo como entrada principal a grande pirâmide de vidro, acessamos o museu pelo Shopping Center Carrousel, visua-

33 Para mais informações, veja o site: https://www.crypte.paris.fr/fr/la-crypte/la-crypte/plus-de-2000-ans-d-histoire

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lizamos a pirâmide invertida e iniciamos a vista ao Louvre pela parte egípcia de cuja riqueza cultural sou cada dia mais maravilhada.

A função arquitetônica da pirâmide invertida é uma claraboia/janela, em um centro comercial subterrâneo, em frente ao museu.

Diante de tantas belezas no Museu do Louvre, a pirâmide invertida, num primeiro olhar, não foi o que mais me chamou a atenção, em que pese a suntuosidade da construção. Mas analisando com mais cuidado e lendo sobre toda a parte arquitetônica, percebo que uma pequena pedra sustenta, aparentemente, uma grande estrutura de vidro invertida e, acima da superfície, mais uma estrutura, ainda maior, nos mostrando a ausência de obviedade, ou seja, o óbvio seria o grande sustentar o pequeno, e não o contrário.

A pirâmide invertida no subsolo do Musée du Louvre. Foto: Maristela Rodrigues

O que a estrutura nos ostenta é que a pequena pedra “sustentaria” a imensa pirâmide invertida, frágil, de vidro. Na realidade, a pequena pirâmide não sustenta a de vidro acima dela, mas me instigou a refletir sobre tamanha estrutura.

Segundo o arquitetoIeohMing Pei, que é adepto da medicina chinesa, a qual usa maquetes de pirâmides para vários tratamentos de saúde, essa linda obra de arte teve o intuito de que os visitantes entrassem no Museu com a mente aberta e plena de vibrações positivas, recebendo através desse monumento forças energéticas diretamente do universo (cósmico), juntamente com as forças telúricas (terrestre), garantindo à pessoa uma abertura na consciência, habilitado ao descobrimento de

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novos conhecimentos e novas experiências, idealmente importantes para se aprender viver no presente com inteligência e sabedoria.

Segundo o escritor Dan Brown, autor do Livro o Código Da Vinci (romance fictício), a pirâmide invertida é percebida como um cálice, um símbolo feminino, enquanto que a pirâmide de pedra abaixo é interpretada como uma lâmina, um símbolo masculino: toda a estrutura poderia, assim, expressar a união dos sexos, o in e o iang. Além disso, a protagonista de Brown conclui que a pirâmide de pedra pequena é realmente apenas o vértice de uma pirâmide maior (possivelmente o mesmo tamanho que a pirâmide invertida acima), embutida no chão, como uma câmara secreta.

Outra interpretação sobre o significado da pirâmide invertida foi feita por Raphael Aurillac, no livroLe guide du Paris maçonnique. O autor declara que o Louvre costumava ser um templo maçônico e que as várias pirâmides de vidro construídas nas décadas mais recentes incluem o simbolismo da maçonaria, cujo significado Rosa Cruz V.I.T.R.I.O.L. (Visita Interiorem Terrae Rectificandoque / Invenies Occultum Lapidem, «Visite o interior da terra... e você vai encontrar a pedra secreta»). (No filme As Above so Below (Assim na Terra como no Inferno), de John Erick Dowdle (2014), mencionado nas catacumbas, há referência ao V.I.T.R.I.O.L.) Caves do Louvre

Quando se viaja a Paris, sabe-se que lá existem os champagnes e os vinhos mais conhecidos, famosos e caros do mundo e, viajantes que somos, Sheila e eu queríamos degustar o que estivesse a nosso alcance, apenas para exercício dos sentidos...

Na época de Luiz XV, o Louvre era utilizado como Palácio do Rei e, com medo de invasões, o rei não queria que seus vinhos mais raros ficassem dentro do Palácio, por isso mandou construir as caves a uma distância de mais ou menos 300 metros e em torno de 5 metros de profundidade, a fim de proteger seus vinhos mais valiosos. Através de túneis subterrâneos, havia um acesso secreto e subterrâneo do Palácio às caves.

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Les Caves du Louvre. Foto: Maristela Rodrigues

Nas caves, há salas sensoriais, para que o viajante sinta os aromas dos vinhos. Localiza-se no primeiro distrito de Paris, perto do famoso museu. No século XVIII surgiram as adegas do Louvre, as quais foram criadas por Trudon, sommelier de Luís XV, no porão de sua mansão (hotel particulier), a qual se localiza na 52 rue de l’Arbre Sec, 1er arrondissement (próximo ao Forum des Halles e ao Museu do Louvre). Essas adegas por muito tempo abrigaram a reserva de vinhos finos servidos ao rei e sua corte.

Em pesquisa, tive o conhecimento que Luís XV sempre presenteava sua amante, a famosa Madame Pompadour, com o vinho Tokaji Aszú34 , vinho ícone húngaro, cuja descrição em latim era “Vinum Regum, Rex Vinorum”, (“vinho dos reis, rei dos vinhos”), o qual provavelmente era armazenado na cave.

Ao chegar ao museu, tínhamos várias opções de visitação, com variados preços, mas como queríamos aproveitar para conhecer o lugar e não tínhamos agendado com antecedência, fizemos a visitação simples, autoguiada.

Achei o lugar bem escondido nas ruelas de Paris. Sem muita propaganda, comparando-se com os demais pontos turísticos, mas muito bem-organizado. Os visitantes são surpreendidos por um espaço sub-

34 Mais informações: https://www.wine.com.br/winepedia/curiosidades/tokaji-aszu/ 104 Que falta faz uma viagem

terrâneo cuidadosamente projetado com muita cortiça, madeira e aço, no qual a pessoa vai ser capaz de descobrir o mundo do vinho através dos cinco sentidos, quando se realiza a visita mais demorada.

Passamos pela sala denominada “Terroir”, permitindo que os amantes do vinho descubram e entendam os diferentes tipos de solo e como eles influenciam na bebida. Sentidos utilizados seriam a visão e olfato.

Na “Salle des Arômes”, podemos testar nossas qualidades olfativas, com atividades lúdicas.

No espaço “Le Chai” (Adega), aprende-se sobre a história da adega real e pode-se perceber os barris que guardam produtosde 15 diferentes variedades de uvas. Sentido utilizado visão.

Na visita mais demorada é possível adentrar nas demais salas denominadas de “laboratório” e “sala de engarrafamento”, nas quais acontecem as oficinas de vinificação e o engarrafamento, rotular e selar o vinho que produzirão na aludida oficina. Fica para a próxima viagem...

Por fim, após toda a imersão neste mar de conhecimentos, nós como enófilos ávidos, chegamos no momento de degustar um exemplar da diversidade de vinhos e espumantes existentes no local.

Em que pese nossa visita ter sido breve, adorei a parte sensorial, na qual podíamos sentir os aromas das rolhas, com traços de vinhos de vários tipos e solos. Metrôs parisienses (por Sheila)

Ah... como era bom pegar um trem (RER)35 ou o metrô e, muitas vezes, errar a direção e descer e trocar o lado da plataforma e ir, finalmente, para o destino desejado...

A primeira vez que vi ratos em Paris foi na linha do metrô, mais especificamente nos trilhos. Era uma família de ratos e as pessoas que esperavam o metrô, conectadas em seus celulares, não viam o que eu estava vendo. Apavorada, o meu medo era que os bichos subissem até a plataforma onde estávamos, tamanho alvoroço em que se encontravam.

35 A diferença entre o RER e o metrô era a distância percorrida e a saída da capital, fato que influenciava no preço da passagem. O RER cobria muitas cidades metropolitanas e ficava na superfície externa ao sair de Paris e adentrava o subsolo nas margens da capital e, por isso, era mais caro. O metrô era mais barato e cobria toda a capital e, algumas vezes, avançava duas ou três estações para fora dos seus limites. As linhas 2 e 6 possuem trechos na superfície e eu adorava pegá-las para ver a cidade de cima. Que falta faz uma viagem 105

Um senhor notou o meu pânico e me disse: “C’est normal ça! Demain ils vont disparaître.” (“Isso é normal! Amanhã eles desaparecerão”). Passados alguns dias desse episódio, comecei a notar que havia um pó branco em certas partes dos trilhos que deveria ser veneno para eliminar os bichanos.

Segundo uma reportagem mostrada naquele final de ano, havia dezenas de ratos perto da torre Eiffel e na praça do Châtelet. Confesso que, após tê-los visto nos trilhos, nem mesmo nos esgotos ou nas catacumbas eu vi ratos (apesar de senti-los o tempo todo pelas galerias subterrâneas das catacumbas). Na superfície, minha atenção era toda para a beleza dos prédios, dos monumentos e das praças e, talvez, por isso, não notei aqueles outros seres pelas ruas da capital.

As linhas dos metrôs parisienses datam de 1899, mas os projetos e as escavações começaram anos antes. O interessante é a sua distância do solo. As linhas ficam a 36 metros abaixo dos esgotos que estão a 7 metros da superfície. Em 2018, a capital francesa enfrentou mais uma cheia do rio Seine e algumas estações passam, literalmente, por dentro do rio – caso da Ilê de la Cité, a ilha em que fica o coração de Paris, onde está a Notre-Dame – e tais estações foram tomadas pelas águas, ficando interditadas. A Maristela queria passear de barco pelo Seine, mas a cheia não permitiu, pois as embarcações não passavam debaixo das inúmeras pontes da cidade devido à altura das águas. Esse é, realmente, um bom motivo para retornar a Paris...

A linha 8 do metrô também me levava para Maisons-Alfort, contudo era mais distante do meu apartamento se comparado ao RER que estava na frente do meu prédio. Em 2018, houve cinco meses de greves na França e, por esta razão, os transportes metroviários foram interrompidos ou sofriam atrasos, principalmente, o RER, que ia para a região metropolitana de Paris. Entretanto, a quantidade de opções de transporte urbano – ônibus, metrô, táxis, Uber, etc. – não me permitiu sentir o impacto dessas greves que remontam às greves estudantis de 1968 – como a história é cíclica, por vezes, ela torna a se repetir... Além das greves no transporte público, a ocupação das universidades pelos alunos, em 2018, iniciadas pelos discentes da Universidade Paris-Tolbiac e que se espalhou pela Sorbonne, Nanterre, etc. foi outro fato que interrompeu

106 Que falta faz uma viagem

as minhas aulas. As novas reformas de acesso ao Ensino Superior decretadas por Emmanuel Macron, as quais passariam a ter critérios para a admissão dos alunos a partir de 2021, fato nunca antes cogitado no país, desagradaram os estudantes. Tal situação me fez refletir acerca das vagas públicas quase inexistentes no Brasil e na grande diferença entre os “nossos” problemas e os “deles”. Cerca de 450 centros de Ensino sofreram bloqueios nos meses de greve e protestos dos estudantes franceses.

Enfim, deslocar-se em uma cidade que permite ao cidadão o direito de ir e vir livremente, com acesso a diferentes meios de transporte subterrâneos e de superfície é uma conquista ainda a ser travada por essas viajantes nascidas em Porto Alegre, a capital dos gaúchos. Quando olhamos para a linha férrea de superfície da empresa Trensurb, iniciada no ano de 1985, pensamos que este seja um dos começos para um transporte planejado e inclusivo de primeiro mundo na capital dos pampas36 ligando-a não apenas às cidades metropolitanas, mas às demais cidades e capitais do Brasil. Considerações finais

Durante a pandemia de COVID-19, que teve início aqui no Brasil no início do ano de 2020, ficamos cerceados do direito de ir e vir, ou seja, impedidos de viajar e conhecer novas culturas. Sheila e eu sentimos muita falta de conhecer novos lugares, apreciar outros sabores e utilizar os cinco sentidos a fim de ampliar os conhecimentos. Escrever esse relato, relembrar uma linda viagem que muito nos marcou, também foi uma forma de reduzir a sede por novos destinos, já que em face da preservação da saúde de todos, tivemos que evitar os passeios, aglomerações, confraternizações. Mas também descobrimos muitas outras formas de aprendizado através das plataformas virtuais (cursos de idiomas, culinária, astronomia, aulas de dança, etc.), o que aumentou ainda mais nossa vontade de, quando nossas vidas voltarem ao “novo normal”, possamos dar mais valor a essas descobertas.

“Seja sobre ou seja sob, Paris é demais!” (Que ce soit dessus ou dessous, Paris c’est super!)Referências

36 Referência à cidade de Porto Alegre.

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RAMUS, Cécile; SYLVESTRE, Dan. Au fil des lignes du métro37. IN: L’Itinérant. Édition bilangue Français-English. Ed. Com’Sol: Paris, 2018. Sites pesquisados: <https://www.atex.com.br/blog/design-e-arquitetura/laje-nervurada-mundo-piramide-louvre/> <https://reservando.parisinfo.com/il4-oferta_i272-visita-e-degustacao-de-vinhoscaves-du-louvre.aspx> <https://www.facebook.com/lescavesduparadis/photos> <https://www.gazetadopovo.com.br/viver-bem/turismo/novo-museu-de-paris-mostra-historia-vinho-frances/> <https://blog.panrotas.com.br/direto-de-paris/2015/06/12/a-verdade-sob-a-piramide-invertida-do-louvre/> <https://www.tricurioso.com/2019/10/25/7-coisas-que-voce-nao-sabia-sobre-as-catacumbas-de-paris/> <https://mundodocurioso.com.br/fatos-interessantes-sobre-catacumbas-paris/>

37 Livreto bilíngue francês-inglês vendido dentro do metrô pelos próprios criadores a 2 euros em 2018. 108 Que falta faz uma viagem

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