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Nápoles/ Napoli: mito e metáfora, hipótese de uma possível viagem/ mito e metafora, ipotesi di un viaggio possibile Lucia Vitiello

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Altos e baixos

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Nápoles/ Napoli: mito e metáfora, hipótese de uma possível viagem/ mito e metafora, ipotesi di un viaggio possibile

Lucia Vitiello48

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O conhecimento de uma paisagem, seja ela natural ou cultural, é plenamente percebido quando fazemos uma viagem. Sair do contexto inicia um processo de elaboração mais ou menos consciente que transforma as emoções em inteligência, em um pensamento que processa a experiência e a converte em uma matéria mais ou menos poética. O resultado desse processo é a configuração de uma estrutura narrativa.

A narração da viagem representa sua substância mais nutritiva, capaz de atuar de forma evocativa na mente e no coração de qualquer pessoa, além do tempo e do espaço. A história desta experiência, de forma literária, burocrática, científica, geográfica ou outra, permite capitalizar os elementos narrados, atribuindo-lhes uma força sugestiva. Desta forma, o território se enriquece de significado e se torna mais poderoso.

Nos locais que atravessamos inserimos, através das palavras, os nossos pensamentos, que se corporificam nas árvores, nas costas, nas ruas ou nos vislumbres, transformando esses espaços numa criatura que partilha a nossa alma. O ato de narrar transfigura o espaço e o tempo em matéria viva, em imaginação no sentido etimológico do termo, ou seja,

48 Professora leitora de italiano na UFRGS, funcionária do Consolato Generale di Italia em Porto Alegre e colaboradora do Programa de Extensão “Olhares sobre as cidades: experiências de viagem”. E-mail: luciavitiello1@hotmail.it 152 Que falta faz uma viagem

em “imagem em ação”. E é precisamente a ação destas imagens, tornadas vivas pela nossa consideração, que nos permite dar resultados por vezes desconhecidos e inesperados ao nosso pensamento, permitindo-nos desenvolver novas ideias que nos mudam e que modificam o nosso olhar sobre o mundo, muitas vezes transformador até mesmo nosso destino.

Nenhuma jornada é neutra. Nenhuma jornada nos deixa iguais. Cada viagem é a descoberta de um destino possível e fascinante que pode nos afetar, se apenas permitirmos que ele nos fale.

Nós viajamos por muitos motivos: negócios, fuga, tédio, estudo. A vida nos oferece inúmeros pretextos nesse sentido. Mas mesmo quando não temos condições ou oportunidades para viajar, a narração, a literatura vêm em nosso auxílio, dando-nos um impulso imaginativo capaz de nos transformar e fazer vibrar nossas vidas.

Partindo dessas premissas, tenho o prazer de sugerir um possível destino para uma viagem. O território que vos proponho combina, de forma quase indistinguível, elementos naturais e culturais. Estou falando de Nápoles, minha cidade natal. Um complexo emaranhado de pedras, gestos, sonhos, natureza e sangue. A paisagem física e a paisagem mental estão inextrincavelmente entrelaçadas, criando um sistema complexo e cheio de sugestões, em que as palavras desempenham a mesma função que o “novelo de Ariadne” no mito de Teseu como um guia para percorrer o labirinto.

Nápoles foi a cidade que construiu meu olhar sobre o mundo. O principal conhecimento que esta cidade me deu foi o do papel das palavras na magia dos lugares. Se o vento da narrativa não atravessa os espaços de nossa experiência, eles se tornam desertos. A história sagrou um espaço, consagra-o ao diferenciá-lo do profano, indiferenciado, privado de significado.

A área em que se encontra a cidade de Nápoles é uma baía cujo território apresenta uma intensa presença vulcânica. Um majestoso vulcão ativo, o Vesúvio, e uma grande área de crateras e lagos vulcânicos, o Campi Flegrei, cercam a cidade. O Vesúvio não é majestoso apenas porque é grande; é majestoso porque é o verdadeiro governante do território, ali exerce a sua majestade de forma indiscutível. Confere, com

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imparcialidade suprema, fertilidade, fontes de água saudável e erupções e terremotos espetaculares. Essa fusão de natureza exuberante e perigo iminente produz uma experiência preliminar de perplexidade que nos obriga a abandonar nossas certezas, experimentando imediatamente a verdade real de nossa condição de criaturas frágeis e limitadas. O poder telúrico nos redimensiona e nos devolve nossa verdadeira medida em relação às forças que atuam na Natureza. A experiência dessa consciência, no entanto, não se dá com brutalidade e imediatismo. A sensação que se percebe na paisagem é a de um lugar sereno, reconfortante, solene, que não manifesta o seu perigo potencial. A cultura da cidade de Nápoles nos transmite, em seu mito original, que remonta a três mil anos atrás, esta extraordinária situação ambiental através de uma metáfora que se tornou a substância poética da cidade: o mito da sereia Partenope.

A cidade nasceu, segundo a tradição, em um local frequentado por sereias. A sereia é um ser mitológico que tem, entre as suas conotações dominantes, a de atrair marinheiros com o seu encanto incrível e canções persuasivas mas, ao mesmo tempo, representa o risco de naufrágio e morte. Exatamente como o território vulcânico, que atrai pela sua fertilidade e pela graça da sua paisagem, mas põe em perigo pelos seus riscos. Vida e morte, encanto e perigo. Essa dinâmica entre forças antagônicas e complementares ressoa em todos os aspectos da cultura napolitana. De natureza para cultura, forças contrastantes se confrontam e se alimentam gerando um pensamento original e único.

A sereia, guardiã da nossa ideia de cidade, confere um tipo de conhecimento que nos assusta tremendamente, ferindo mortalmente as nossas crenças e certezas. Muitos marinheiros temiam as sereias exatamente por isso. Até Ulysses, na Odisséia, se sente tentado a ouvi-las, mas as teme. Para isso, ele é amarrado ao mastro de seu navio e manda sua tripulação tapar os ouvidos com cera e prosseguir com a navegação para não sucumbir à tentação de mergulhar no mar e chegar àquelas costas de onde vem uma canção tão irresistível. Mas, em contrapartida, devemos ser gratos às sereias. Ai de nós, se nos permitirmos nossas tímidas e tranquilizadoras teorias sobre o significado de nossa existência: nos

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veríamos incapazes de compreender como funciona a realidade. Beleza e perigo, conhecimento e risco são aspectos inseparáveis de todas as nossas explorações. Nápoles encarna e transmite ao mundo essa verdade inevitável por meio do mito que a representa há três milênios. O maravilhoso canto da sereia é um perigo, mas o silêncio das sereias, como Kafka lembra em uma de suas famosas histórias, é um desastre certo.

No imaginário coletivo, as descrições de Nápoles nunca conheceram meias medidas. Passamos da exaltação hiperbólica à mais amarga difamação, do esplendor de sua nobreza à escuridão de sua miséria, da vitalidade exuberante e alegre ao medo sombrio dos perigos possíveis. Esse contraste se explica pela incapacidade, que muitos possuem, de aceitar a complexidade que tudo permeia.

Nápoles, talvez, seja a cidade que encarna a necessidade de nos libertarmos de explicações simples e tranquilizadoras, cuidando, ao invés, de nos lembrar da necessidade de manter uma relação honesta e respeitosa com toda a extraordinária vastidão e poder do mundo em que estamos imersos. As sereias não foram imaginadas para impedir nossas viagens, mas para nos fornecer ferramentas e estímulos para entender seu significado e valor. Elas continuarão a nos ensinar a natureza comum da vida e da morte, da luz e da sombra; como é importante ter uma relação correta com o mundo, sem preconceitos ideológicos. Viva a paisagem e os lugares que a compõem desfrutando, sem julgá-la, como faz com o pôr do sol ou com o vento. Prossiga aproveitando a oportunidade para olhar a complexidade do mundo sem medo, mas enriquecendo-o com a nossa imaginação. A mesma imaginação de que fala William Butler Yeats: “nos sonhos começam as responsabilidades”. Talvez esta seja nossa verdadeira, grande e única responsabilidade. (Italiano)

La conoscenza di un paesaggio, naturale o culturale che sia, si realizza pienamente nel momento in cui facciamo un viaggio. Lasciare il proprio contesto avvia un processo di elaborazione più o meno consapevole che trasforma le emozioni in intelligenza, in un pensiero che elabora l’esperienza e la converte in una materia più o meno poetica. L’esito di questo processo è la configurazione di una struttura narrativa.

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La narrazione del viaggio rappresenta la sua sostanza più nutriente in grado di agire evocativamente sulla mente e sul cuore di chiunque, al di là del tempo e dello spazio. Il racconto di questa esperienza, in forma letteraria, burocratica, scientifica, geografica o altro, permette di capitalizzare gli elementi narrati caricandoli di una forza suggestiva. In questo modo il territorio si arricchisce di significato e diventa più potente.

Nei luoghi attraversati si vanno ad innestare, attraverso le parole, i nostri pensieri, che si incarnano negli alberi, nelle coste, nelle strade o negli scorci, trasformando quegli spazi in una creatura che condivide la nostra anima. L’atto del narrare trasfigura lo spazio e il tempo in materia viva, in immaginazione nel senso etimologico del termine, cioè in “immagine in azione”. Ed è proprio l’azione di queste immagini, rese vive dalla nostra considerazione, che permette di dare esiti talvolta sconosciuti ed imprevisti ai nostri pensieri, permettendoci di sviluppare idee nuove che ci cambiano e che modificano il nostro sguardo sul mondo trasformando, spesso, anche il nostro destino.

Nessun viaggio è neutro. Nessun viaggio ci lascia uguali. Ogni viaggio è scoperta di un destino possibile e affascinante che può riguardarci se solo gli permettiamo di parlarci.

Ci si mette in viaggio per tanti motivi: affari, fuga, noia, studio. La vita ci offre innumerevoli pretesti in questo senso. Ma anche quando non abbiamo le condizioni o le opportunità per viaggiare, ecco che la narrazione, la letteratura, ci viene in aiuto fornendoci un impulso immaginativo in grado di trasformarci e far vibrare le nostre vite. Partendo da queste premesse mi fa piacere suggerire una destinazione possibile per un viaggio. Il territorio che vi propongo unisce, in modo ormai quasi indistinguibile, elementi naturali e culturali. Sto parlando di Napoli, la mia città. Un complesso intrico di pietre, gesti, sogni, natura e sangue. Paesaggio fisico e paesaggio mentale vi si intrecciano inestricabilmente creando un sistema complesso ricco di suggestioni, in cui le parole svolgono la stessa funzione del “gomitolo di Arianna” del mito di Teseo come guida per percorrere il Labirinto.

Napoli è stata la città che ha costruito il mio sguardo sul mondo. La principale conoscenza che questa città mi ha fornito è stata quella del

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ruolo delle parole nella magia dei luoghi. Se il vento della narrazione non attraversa gli spazi del nostro vissuto, ecco che essi diventano deserto. Il racconto rende sacro uno spazio, lo consacra differenziandolo da quello profano, indifferenziato, privo di significato.

L’area in cui si situa la città di Napoli è una baia il cui territorio ha un’intensa presenza vulcanica. Un maestoso vulcano attivo, il Vesuvio, ed una vasta area di crateri e laghi vulcanici, i Campi Flegrei, circondano la città. Il Vesuvio non è maestoso solo perché è grande; è maestoso perché è il vero sovrano del territorio, vi esercita la sua maestà in modo indiscutibile. Elargisce, con suprema imparzialità, fertilità, sorgenti d’acqua salubre ed eruzioni spettacolari e terremoti. Questa fusione di natura rigogliosa e di pericolo incombente, produce una preliminare esperienza di sconcerto che ci costringe ad abbandonare le nostre certezze, sperimentando subito la reale verità della nostra condizione di creature fragili e limitate. La potenza tellurica ci ridimensiona e ci restituisce la nostra vera misura rispetto alle forze che operano nella Natura. L’esperienza di questa consapevolezza, però, non si svolge con brutalità e immediatezza,. La sensazione che si coglie nel paesaggio è quella di un luogo sereno, rassicurante, solenne, che non manifesta il suo potenziale pericolo. La cultura della città di Napoli ci trasmette, nel suo mito originario, risalente a tremila anni fa, questa straordinaria situazione ambientale attraverso una metafora che è diventata la sostanza poetica della città: il mito della sirena Partenope.

La città nasce, secondo la tradizione, in un luogo frequentato dalle sirene. La sirena è un essere mitologico che ha , tra le sue connotazioni prevalenti, quella di attrarre i naviganti con il suo incredibile fascino e con suadenti canti ma, contemporaneamente, rappresenta il rischio di naufragio e di morte. Esattamente come il territorio vulcanico, che attrae con la sua fertilità e la grazia del suo paesaggio, ma mette in pericolo con i suoi rischi. Vita e morte, fascino e pericolo. Questa dinamica tra forze antagoniste e complementari risuona in ogni aspetto della cultura napoletana. Dalla natura alla cultura, forze contrastanti si affrontano e si alimentano generando un pensiero originale ed unico.

La sirena, che è custode della nostra idea di città, elargisce un tipo

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di conoscenza che spaventa tremendamente, ferendo a morte le nostre convinzioni e sicurezze. Molti naviganti temevano le sirene proprio per questo. Anche Ulisse, nell’Odissea, è tentato di ascoltarle, ma le teme. Per questo si fa legare all’albero maestro della sua nave e ordina al suo equipaggio di tapparsi le orecchie con la cera e procedere nella navigazione per non soccombere alla tentazione di tuffarsi in mare e raggiungere quelle coste da cui arriva un canto così irresistibile. Ma noi dobbiamo invece essere grati alle sirene. Guai se assecondassimo le nostre timide e rassicuranti teorie sul senso della nostra esistenza: ci ritroveremmo incapaci di capire come funziona la realtà. Bellezza e pericolo, conoscenza e rischio sono aspetti inseparabili di ogni nostra esplorazione. Napoli incarna e trasmette al mondo questa ineludibile verità attraverso il mito che la rappresenta da tre millenni. Il meraviglioso canto delle sirene è un pericolo, ma il silenzio delle sirene, come ricorda Kafka in un suo celebre racconto, è un sicuro disastro.

Nell’immaginario collettivo le descrizioni di Napoli non conoscono, da sempre, mezze misure. Si passa dall’esaltazione iperbolica alla denigrazione più accanita, dallo splendore della sua nobiltà all’oscurità della sua miseria, dalla vitalità esuberante e gioiosa alla cupa paura per possibili pericoli che si corrono. Questo contrasto si spiega con l’incapacità, che molti hanno, di accettare la complessità che permea ogni cosa.

Napoli, forse, è la città che incarna il bisogno di liberarsi dalle spiegazioni semplici e rassicuranti incaricandosi, invece, di ricordarci la necessità di intrattenere un rapporto onesto e rispettoso con tutta la straordinaria vastità e potenza del mondo in cui siamo immersi. Le sirene non sono state immaginate per impedire i nostri viaggi, ma per fornirci strumenti e stimoli per capirne il senso ed il valore. Esse continueranno ad insegnarci la natura comune di vita e morte, di luce ed ombra; quanto sia importante intrattenere con il mondo una relazione corretta e priva di ogni pregiudizio ideologico. Vivere il paesaggio e i luoghi che lo compongono godendone, senza giudicarlo, come si fa con i tramonti o con il vento. Procedere cogliendo l’opportunità di guardare la complessità del mondo senza paura, ma arricchendolo con la nostra immaginazione. La stessa immaginazione di cui parla William Butler

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Yeats: “in dreams begin responsibilities”. Forse è questa la nostra vera, grande ed unica responsabilità.

Eruzione del Vesuvio del 1944.

Camillo De Vito - Eruzione del Vesuvio del 26 ottobre 1813, vista da Napoli.

Referências

BACHELARD, Gaston. La poetica dello spazio. Editore Dedalo, 1975. KAFKA, Franz. Il silenzio delle sirene. Scritti e frammenti postumi 1917/1924. Editore Feltrinelli, 1994. YEATS, William Butler. L’opera poetica. Meridiani Mondadori, 2005.

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