Angústia e Existência na Contemporaneidade

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Outros títulos de interesse

Roberto Novaes de Sá Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Professor-Associado da Universidade Federal Fluminense (UFF) vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia na área de concentração Estudos da Subjetividade.

Drogas – Guia para Pais e Professores Gustavo Henrique Teixeira Diretrizes Gerais para o Tratamento da Dependência Química ABEAD (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas)

Angústia e Existência Angústia e Existência na Contemporaneidade

Jurema Barros Dantas Doutora em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Mestre em Estudos da Subjetividade pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialista e Professora em Psicologia Clínica Fenomenológico-Existencial pelo Instituto de Psicologia Fenomenológico-Existencial do Rio de Janeiro (IFEN), Professora da Universidade Veiga de Almeida (UVA) e Professora e Pesquisadora do Centro de Estudos de Pessoal do Exército e Forte Duque de Caxias.

Dependência, Compulsão e Impulsividade Analice Gigliotti / Angela Guimarães

Jurema Barros Dantas

Sobre a autora

“Em uma época em que somos conclamados ora à eficácia compulsiva no caminho do sucesso e da felicidade, ora ao conformismo depressivo diante de um mundo cada vez mais hostil e competitivo, o tipo de reflexão proposta neste livro é de extrema relevância. A autora não propõe explicações científicas ou, muito menos, soluções para a angústia; leva-nos, antes, ao estranhamento crítico e à suspensão dos valores e discursos cotidianos sobre a angústia e a existência. Mostra-nos que a patologização médica ou psicológica da angústia, ao acenar com promessas de bem-estar rápido e fácil, cobra muito mais do que os honorários dos profissionais e o valor monetário dos fármacos. O preço maior da cura é abrir mão daquilo que é mais essencial à existência: o pensamento e a liberdade.”

na Contemporaneidade

Interlúdios em Veneza – Os Diálogos Quase Impossíveis entre Freud e Thomas Mann Abram Eksterman Investigando Psicanaliticamente as Psicoses Décio Tenembaum Manual de Comportamento Animal Marcos Rochedo Ferraz

Jurema Barros Dantas

Série Distúrbios do Desenvolvimento – Autismo e Morte Letícia Amorin / Francisco B. Assumpção Jr. (Org.) Transtornos Comportamentais na Infância e Adolescência Gustavo Henrique Teixeira O Reizinho da Casa – Entendendo o Mundo das Crianças Opositivas, Desafiadoras e Desobedientes Gustavo Henrique Teixeira Saiba mais sobre estes e outros títulos em nosso site: www.rubio.com.br

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Doutora em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Mestre na área de Estudos da Subjetividade pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialista e Professora em Psicologia Clínica Fenomenológico-Existencial pelo Instituto de Psicologia Fenomenológico-Existencial do Rio de Janeiro (IFEN), Professora da Universidade Veiga de Almeida, Professora e Pesquisadora do Centro de Estudos de Pessoal do Exército e Forte Duque de Caxias.

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Angústia e Existência na Contemporaneidade Copyright © 2011 Editora Rubio Ltda. ISBN 978-85-7771-071-3 Todos os direitos reservados. É expressamente proibida a reprodução desta obra, no todo ou em partes, sem a autorização por escrito da Editora. Produção e Capa Equipe Rubio Editoração Eletrônica Redb Style Produções Gráficas e Editorial Ltda.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Dantas, Jurema Barros Angústia e existência na contemporaneidade / Jurema Barros Dantas. -- Rio de Janeiro : Editora Rubio, 2011. Bibliografia. ISBN 978-85-7771-071-3 1. Angústia - Filosofia 2. Fenomenologia existencial 3. Heidegger, Martin, 1889-1976 - Crítica e interpretação 4. Psicoterapia I. Título. 10-08137

CDD CDD-111 Índices para catálogo sistemático: 1. Heidegger : Angústia : Filosofia 111

Editora Rubio Ltda. Av. Franklin Roosevelt, 194 s/l 204 – Castelo 20021-120 – Rio de Janeiro – RJ Telefax: 55 (21) 2262-3779 • 2262-1783 E-mail: rubio@rubio.com.br www.rubio.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil

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À todos aqueles que conseguem perceber no fenômeno da angústia uma possibilidade de singularização da existência

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AGRADECIMENTOS

À minha família, pelo apoio e pela confiança constantes que tornaram este livro possível. Ao professor Roberto Novaes de Sá, pela amizade que permitiu meu encanto pela filosofia, pela orientação dedicada e pela leitura valiosa destas páginas. À professora Teresa Cristina Carreteiro, pela orientação deste trabalho ainda nos bancos escolares da Universidade Federal Fluminense. À professora Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo, pela presença constante na minha trajetória docente e pela confiança no meu trabalho. À professora Márcia Oliveira Moraes, que sempre esteve presente nas minhas conquistas acadêmicas e, com seu exemplo, se tornou um incentivo determinante para meu ingresso na docência. À Universidade Federal Fluminense, que como uma instituição renomada no Rio de Janeiro acolheu o meu interesse de estudo e proporcionou todas as condições de realização do meu mestrado em Psicologia na área de Estudos da Subjetividade. À Ana Maria, que com seu jeito todo especial me alegra e me ajuda de maneira incondicional. Ao Marlon, pelo carinho e o amor que me tornam uma pessoa melhor e, principalmente, por querer compartilhar dos meus sonhos. À minha filha que torna minha vida cada dia melhor. Aos meus amigos que, direta ou indiretamente, também fazem parte deste livro com suas palavras de incentivos e eterna confiança em meu trabalho. À Editora Rubio, que sempre confiou na credibilidade deste livro.

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PREFÁCIO

Em 1947, Heidegger recebeu uma carta do psiquiatra suíço Medard Boss, solicitando auxílio intelectual para a compreensão de seu pensamento filosófico. Deste primeiro contato resultou uma longa amizade e uma colaboração prestimosa do filósofo para com as iniciativas de elaboração de uma análise existencial clínica, realizadas por Boss. Anos após aquele primeiro contato, Heidegger revelou a Boss que sua carta despertara nele a expectativa de que a colaboração intelectual com um médico poderia levar seu pensamento filosófico para além dos círculos acadêmicos, se estendendo a pessoas em busca de auxílio para seus sofrimentos existenciais. A evocação desta amizade e ligação intelectual não deve ser vista, portanto, como uma mera curiosidade biográfica. Testemunha, antes, que a motivação essencial de seus esforços filosóficos, assim como o de qualquer pathos filosófico autêntico, nunca se pode reduzir apenas ao plano intelectual. O interesse e o empenho pessoais de Heidegger no desenvolvimento de uma análise existencial clínica expressa de modo fático a indissociabilidade entre sua ontologia e sua analítica da existência tal como ele as articulou em Ser e Tempo. Sua chamada “questão do ser” nunca é um mero “problema filosófico”, no sentido acadêmico, mas uma questão existencial concreta. É importante lembrar, no entanto, que, guardadas as proporções, na clínica corremos um risco semelhante àquele ao qual o pensamento de Heidegger sucumbiu em seu envolvimento político: a recaída em uma interpretação metafísica. Assim como a prática política facilmente nos convida a alguma reificação histórica do sentido do ser e da existência autêntica do ser-aí, a análise existencial clínica também pode nos seduzir com promessas de algum saber positivo sobre a existência saudável e os meios de alcançá-la. Certamente este perigo não deve invalidar ou desencorajar essa ligação, pelo menos, não no caso da clínica. Isto seria como “jogar a criança fora com a água do banho”, para usar uma significativa expressão popular. Apesar de nossas com-

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preensíveis necessidades de identidades profissionais e suas organizações corporativas, temos que admitir que muitas vezes há mais clínica em uma aula de filosofia do que nos consultórios, assim como, outras vezes, há mais insight filosófico em uma sessão psicoterápica do que nas salas de aula. O presente ensaio da psicóloga Jurema Dantas trabalha nesta interface da filosofia com a psicoterapia. Sua reflexão sobre a angústia na época contemporânea não se reduz a mera investigação histórica sobre os sentidos da angústia. A autora busca uma articulação entre a ontologia da existência do chamado primeiro Heidegger e a história do sentido do ser, elaborada pelo segundo Heidegger, particularmente com suas reflexões sobre a técnica moderna. Não é seu objetivo principal a realização de uma exegese conceitual rigorosa, mas sim a contextualização da analítica da cotidianidade mediana a partir do horizonte histórico contemporâneo. Trata-se, portanto, da tentativa de fazer uma fenomenologia da nossa cotidianidade historicamente situada, sem perder de vista que o sucesso de uma tal fenomenologia implica sempre um deslocamento existencial de quem a faz, seja na posição de autor do texto ou de leitor, daí a face clínica do trabalho. A apropriação crítica de nosso horizonte histórico deve ser uma tarefa contínua do pensamento e, tal como a apropriação de nossa disposição afetiva, está sempre atrasada em relação ao ser-aí, pois, em seu esforço apropriativo, já altera a disposição em que nos encontramos. A reflexão sobre a contemporaneidade nunca atinge uma transparência total, pois é parte da própria dinâmica de realização histórica do ser-aí contemporâneo. Somando-se a isto, o fato de que a fenomenologia não se faz por acumulação de resultados positivos, mas que seu valor reside na atitude, sempre renovada, de retorno à experiência, devemos ler o presente trabalho não como um diagnóstico imparcial do modo de ser contemporâneo, antes como um esforço de apropriação de nossa existência historicamente situada, cujo resultado deve ser medido menos pelo que tem de objetivamente correto e mais pelo quanto questiona nossa liberdade possível perante as supostas certezas da cotidianidade mediana e impessoal.

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Em uma época em que somos conclamados ora à eficácia compulsiva no caminho do sucesso e da felicidade, ora ao conformismo depressivo diante de um mundo cada vez mais hostil e competitivo, o tipo de reflexão proposta neste livro é de extrema relevância. A autora não propõe explicações científicas ou, muito menos, soluções para a angústia; leva-nos, antes, a um estranhamento crítico e a uma suspensão dos valores e discursos cotidianos sobre a angústia e a existência. Mostranos que a patologização médica ou psicológica da angústia, ao acenar com promessas de bem-estar rápido e fácil, cobra muito mais do que os honorários dos profissionais e o valor monetário dos fármacos. O preço maior da cura é abrir mão daquilo que é mais essencial à existência: o pensamento e a liberdade. Quando reduzimos o pensamento à capacidade de raciocínio lógico, ainda não pensamos; quando reduzimos a liberdade à realização voluntarista de desejos, ainda não somos livres. O pensamento e a liberdade não se realizam como projeto de expansão ilimitada do pretenso poder do homem. É na experiência da fragilidade e da finitude que a existência humana singulariza seus caminhos para a dimensão do mistério de onde provém sua essência. Se, como diz a autora, o território da angústia é aquele da ausência de qualquer território previamente constituído, não é sábio nos livrarmos apressadamente dela, abrindo mão da oportunidade de nos aproximarmos, ainda com lucidez, daquilo com que havemos inevitavelmente de nos defrontar enquanto mortais. Roberto Novaes de Sá Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Professor-Associado da Universidade Federal Fluminense (UFF) vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia na área de concentração Estudos da Subjetividade.

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SUMÁRIO

CAPÍTULO 1. O Pensamento de Martin Heidegger, 1 ▪ Percurso Filosófico, 1 ▪ A Ontologia Heideggeriana – uma Fenomenologia Hermenêutica, 4 ▪ As Estruturas Ontológicas do Dasein, 9 ▪ O Rompimento da Estrutura de Sentido – a Angústia, 22

CAPÍTULO 2. A Angústia na Contemporaneidade, 33 ▪ O Contemporâneo e o Espetáculo, 34 ▪ Espetáculo e Consumo, 38 ▪ O Mundo Globalizado dos Turistas e dos Vagabundos, 42

CAPÍTULO 3. Heidegger e o Contemporâneo, 47 ▪ A Época Moderna e o Seu Modo de Desvelamento de Sentido, 47 ▪ Angústia e Finitude na Contemporaneidade, 51 ▪ Angústia e Singularização, 56

CAPÍTULO 4. Considerações Finais, 63 Referências, 69

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INTRODUÇÃO

Esta velha angústia, Esta angústia que trago há séculos em mim, Transbordou da vasilha, Em lágrimas, em grandes imaginações, Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror, Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum. Transbordou. Mal sei como conduzir-me na vida Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma! Se ao menos endoidecesse deveras! Mas não: é este estar entre, Este quase, Este poder ser que..., Isto. (...) (Fernando Pessoa, Esta velha angústia)

Angústia. Esta palavra tão familiar parece evocar um mal-estar constitutivo do cenário contemporâneo. Entender o sentido da angústia, tendo como referência, inicialmente, a ontologia fundamental do filósofo alemão Martin Heidegger, e culminando em seu pronunciamento no contemporâneo, é a preocupação central deste livro. Associada, na grande maioria das vezes, a uma condição patológica, a angústia tende a ser considerada uma experiência que, a priori, se deve evitar. No entanto, não se pode deixar de pensar a angústia como um dos determinantes inerentes à nossa condição humana, direcionando-nos ao estatuto de seres livres, únicos e mortais. Ao se lançar mão do pensamento do filósofo alemão Martin Heidegger (1889-1976), compreende-se que a angústia faz parte da vida e, assim, será considerada uma possível desencadeadora de reflexão sobre a existência. Destituída de negatividade, a angústia passa aqui a ser concebida como uma valiosa experiência, que emerge quando tomamos consciência ou nos apropriamos da nossa condição humana: a angústia nos coloca diante do “nada” existencial.

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Para Heidegger (1989), somos lançados no mundo. O nosso ser-nomundo é um ser-lançado, sem escolha pessoal ou conhecimento prévio. Ao apropriar-se reflexivamente de sua liberdade, que o leva a reconhecer a si próprio como “fonte original de possibilidade”, o homem vivencia a experiência da angústia como a totalidade da experiência humana. Tal experiência pouco ou nada tem a ver com aqueles estados nos quais os homens são aterrorizados pelos perigos e asperezas da vida. Estas podem ser compreendidas como experiências de angústia transitórias e esporádicas, ao passo que a experiência ontológica da angústia refere-se à integralidade da existência, não estando associada a episódios sombrios que nela podem ou não ocorrer. A angústia abre-nos para o futuro e para a indistinta possibilidade de tudo. Essa abertura para uma existência mais singular que a angústia desvela tende a se restringir, de início e na maior parte das vezes, sob a fachada lisa e fria da impessoalidade. Tal fachada corrobora aquilo que consideramos ser uma marca do contemporâneo: o encobrimento da angústia. Encobrimento esse que se utiliza do ruído dominante das atividades ininterruptas e do embotamento proporcionado pelos mais diversos fármacos ou tranquilizantes. Há cada vez mais novos e poderosos psicofármacos à disposição de médicos e de pacientes, consumidores muitas vezes ávidos pelas novidades produzidas pela ciência. Circunscrita pelo discurso médico, que dela faz um sintoma, a angústia torna-se facilmente objeto de medicação. O encobrimento e a patologização da angústia apresentam-se como fenômenos recorrentes dos modos de ser e estar na contemporaneidade. Também é característica do contemporâneo uma tendência à objetificação dos entes que a angústia atinge, inclusive a existência humana, e que opera em cadeias de causa e efeito. As respostas imediatas que cauterizam o sofrimento; a velocidade com que somos impelidos a corresponder a papéis e demandas em nossas vidas; a objetificação das relações humanas; a cultura do consumo – cultura do “ter” que se sobrepõe à cultura do “ser”; a estetização do cotidiano; e a valorização do individualismo são fatores que ratificam o que denominamos encobrimento da angústia.

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Na tentativa de problematizar esse cenário, esta investigação sobre o tema da angústia parte de uma atitude fenomenológica-hermenêutica que, longe de procurar explicar os mecanismos neuroquímicos da angústia, pretende ressaltar uma compreensão dos sentidos do próprio fenômeno em questão. Até porque, considerando-se a questão da angústia uma questão existencial, esse sentido patológico torna-se insuficiente e impreciso. É respeitando a angústia como algo inerente ao ser humano que se pode seguir na via de pensamento tal como apresentada por Heidegger (1989), ou seja, prosseguir para além do objetivo terapêutico de alívio e de apaziguamento. Não sendo um sintoma, é do acolhimento dessa angústia e não de sua cura que trata este trabalho. Nada melhor para investigar a angústia do que pensá-la como “disposição afetiva”, como uma presença que possibilita uma reflexão sobre a existência. Reflexão que costumeiramente é minada no bojo dessa dinâmica contemporânea, na qual o afeto da angústia deixa de apresentar uma positividade – enquanto uma inquietude básica existencial – e passa a ser vivido como uma experiência de horror e medo de aniquilamento. A angústia deve ser interrogada no âmago do nosso contexto histórico, comungando com o fato de que ela não precisa ser tomada como um obstáculo à existência, mas sim como uma disposição privilegiada para a reflexão sobre nossa condição de indeterminação frente à vida. Uma compreensão positiva que a angústia pode nos proporcionar diante da condição da liberdade humana é que o homem poderá direcionar seus atos e sair do quietismo em que muitas vezes é lançado pela condição social contemporânea. A angústia, dolorosamente, nos lembra a dimensão trágica inerente ao existir humano. Não há vida sem risco e sem sofrimento. A angústia marca nossa impotência frente à determinação e delimitação de contornos específicos na existência humana. É a partir desse horizonte de sentido que a angústia deixa de ser algo que nos cabe curar para ser uma experiência que pode ser ressignificada ou traduzida em possibilidade de modos mais próprios e autênticos da existência. Pode ser, fundamentalmente, traduzida como um agente de mudança e transformação de nossas possibilidades existenciais.

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Para a compreensão dessas possibilidades de transformação faz-se necessária a abertura a outros modos de pensar. Para tal, o pensamento de Heidegger, mais precisamente aquele expresso em sua obra Ser e Tempo (1989), mostra-se fundamental. As suas críticas à tradição metafísica, as suas reflexões acerca da existência e sua retomada da questão do ser contribuíram de maneira decisiva para o modo como se encontra tematizada neste trabalho a questão da angústia e da própria existência. Este filósofo contemporâneo tomou a questão do ser, realizando uma crítica importante à metafísica ocidental como uma tradição de pensamento que esqueceu o problema do ser. Ele compreende a metafísica como uma história do “esquecimento do ser”. E a atenção que dá a este problema o faz pôr também em questão temas fundamentais como a existência humana, a historicidade e temporalidade, a realidade e a verdade. Nessa investigação sobre o sentido do ser, Heidegger considera necessário realizar uma análise preparatória do modo de ser do homem, ou seja, uma análise da existência, já que este ente, que nós mesmos somos, é quem coloca a questão sobre o sentido do ser. Para compreender o pensamento de Heidegger sobre a angústia, é essencial nos centrarmos no que ele chama de abertura de sentido. Abertura esta que constitui a própria existência, pois o que caracteriza o ser do homem é, essencialmente, esta condição de estar e constituir-se em aberto. Aquilo que somos não está posto a priori; mantém-se em jogo no horizonte do tempo. Isto significa dizer que não há possibilidade de reduzir a existência ao âmbito da previsibilidade e do cálculo. Portanto, se não somos previamente caracterizados por nenhuma essência simplesmente dada, o próprio ao homem é exatamente esta condição de ser-lançado, um vir-a-ser, e a disposição ontológica da angústia é proveniente dessa situação inexorável de abertura. Neste sentido, a angústia está sempre presente, mesmo quando encoberta pelos dispositivos contemporâneos de nivelamento e despotencialização da dimensão trágica do existir. Enquanto tudo funciona segundo o previsto, como se a vida fosse perfeitamente controlável, nos sentimos seguros e tranquilos. No entanto, quando algo ocorre, rompendo a estrutura de sentidos familiar e segura que construímos, surge a angústia.

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A angústia é essa disposição fundamental que sinaliza nossa condição de abertura. Podemos dizer que, enquanto nos compreendemos, a partir da impessoalidade, como um ente cujo modo de ser é simplesmente dado, há a ilusão da completude e do controle. Mantemos a crença na possibilidade de previsibilidade sobre o devir. Ao nos darmos conta da nossa condição de existentes, ou seja, de que nossas “verdades” estão em constante mutação, de que aquilo que somos está continuamente em jogo no tempo, nos angustiamos. Angústia esta que, na maior parte das vezes, encobre-se inautenticamente na impessoalidade do cotidiano. A angústia se dá frente ao nada, perante a ruptura da estrutura de significados que nos diz quem somos e que nos dá, antes de tudo, a impressão de familiaridade e controle sobre os entes que nos circundam. Sem esse suposto sistema de referências, o que nos parecia familiar perde o seu sentido e somos confrontados com o que nos é próprio, com nossa liberdade e nossa singularidade; e não mais com uma compreensão a partir das determinações medianas e impessoais da existência. O território da angústia é, na verdade, a ausência de qualquer território previamente constituído e, desta maneira, ela assume o papel de provocadora da tematização de nossas possibilidades mais próprias de ser. Reconhecendo a existência humana como um poder-ser, um vir-a-ser, ou melhor, como essa própria condição de abertura, a angústia perde o caráter patológico de algo que deva ser abolido, para assumir um papel de sinalizador da nossa condição de estar sempre em jogo no tempo. Quanto à sua sistematização, este livro foi dividido em quatro capítulos. No primeiro, discorremos sobre os principais conceitos filosóficos desenvolvidos por Heidegger, necessários à compreensão que buscamos sobre a angústia. No segundo capítulo, apresentamos algumas das características mais preponderantes da contemporaneidade a fim de contextualizar a angústia nos atravessamentos históricos que a constituem. Isto nos leva ao terceiro capítulo, no qual, na busca de uma desconstrução da angústia tal como entendida pela ciência moderna, lançamos mão das reflexões feitas por Heidegger sobre a técnica moderna seguido pelo quarto capítulo, com as considerações finais. Nosso objetivo é mostrar como o fenômeno da angústia enquanto caráter patológico ganha espaço

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na contemporaneidade, à medida que avança um modo de pensar técnico e cientificista que parece atender perfeitamente às demandas da modernidade. Nesse último capítulo fazemos articulações dos conceitos heideggerianos com autores que problematizam o contemporâneo, em especial Zigmunt Bauman. Nossa intenção é convidar o leitor a pensar como a angústia se pronuncia ou se oculta de acordo com as afetações da contemporaneidade, dando abertura a subjetividades próprias do nosso tempo.

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