Terapia ocupacional – Metodologia e prática

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Autoras

Claudia Pedral Sampaio de Sena Terapeuta ocupacional. Psicoterapeuta ocupacional. Diretora e terapeuta ocupacional do Centro Ocupacional Psicopedagógico, em Salvador, Bahia. Atua no atendimento a crianças e adultos. Especialista em Psicomotricidade pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Graduada em Terapia Ocupacional pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). Ministra cursos sobre Análise de Atividade.

Patrícia Moreira Bastos Terapeuta ocupacional. Psicoterapeuta ocupacional. Terapeuta ocupacional no Hospital Especializado Mário Leal, da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia. Pós-Graduada em Políticas de Saúde e Epidemiologia Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista em Saúde Pública pela Faculdade São Camilo de Administração Hospitalar – São Paulo, SP. Graduada em Terapia Ocupacional pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP).

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Terapia Ocupacional – Metodologia e Prática – 2a Edição Copyright © 2013 Editora Rubio Ltda. ISBN 978-85-64956-26-1 Todos os direitos reservados. É expressamente proibida a reprodução desta obra, no todo ou em parte, sem autorização por escrito da Editora. Produção e Capa Equipe Rubio Editoração Eletrônica Edel

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ P397t Pedral, Claudia, 1964 Terapia ocupacional – Metodologia e prática/Claudia Pedral Sampaio de Sena, Patrícia Moreira Bastos. – 2.ed. – Rio de Janeiro: Rubio, 2013. Inclui bibliografia e índice ISBN 978-85-64956-26-1 1. Terapia ocupacional. 2. Saúde. I. Bastos, Patrícia. I. Título. 12-6179 28.08.12

CDD: 615.8515 CDU: 615.851.3 05.09.12

038537

Editora Rubio Ltda. Av. Franklin Roosevelt, 194 sl. 204 – Castelo 20021-120 – Rio de Janeiro – RJ Telefax: 55(21) 2262-3779 • 2262-1783 E-mail: rubio@rubio.com.br www.rubio.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil

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Colaboradora

Cíntia Neri dos Santos Terapeuta ocupacional. Graduada em Terapia Ocupacional pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP).

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Agradecimentos

1 Tudo tem a sua ocasião própria, e há tempo para todo propósito debaixo do céu. 2 Há tempo de nascer, e tempo de morrer; tempo de plantar, e tempo de arrancar o que se plantou; 3 Tempo de matar, e tempo de curar; tempo de derribar, e tempo de edificar; 4 Tempo de chorar, e tempo de rir; tempo de prantear, e tempo de dançar; 5 Tempo de espalhar pedras, e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar, e tempo de abster-se de abraçar; 6 Tempo de buscar, e tempo de perder; tempo de guardar, e tempo de deitar fora; 7 Tempo de rasgar, e tempo de coser; tempo de estar calado, e tempo de falar; 8 Tempo de amar, e tempo de odiar; tempo de guerra, e tempo de paz. Eclesiastes, Capítulo 3

Agradecemos a Deus pela oportunidade de estarmos nos seus planos para nosso desenvolvimento pessoal e por ser possível mostrar e compartilhar nossos saberes relativos à essência da atividade humana com aqueles que buscam o equilíbrio no conhecimento da cura, acreditando que o homem em atividade é um ser em pleno raciocínio de fazer e reciclar a vida. As Autoras

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Como Ler Este Livro

Ao Leitor: A leitura é um recurso terapêutico? Como devemos ler um livro sem correr o risco de ter que admitir que é o autor quem acaba pensando por nós e que nosso papel é de meros reprodutores do processo mental alheio? Podemos acreditar que, durante o processo de leitura, é o autor quem nos induz a pensar, e viver, assim, sob um incessante conflito de pensamentos e ideias que não nos pertencem. E o que acontece quando finalmente essas ideias e esses pensamentos finalizam? Há quem diga que quem lê muito pode perder a capacidade de construir seus próprios pensamentos. É muito difícil aceitar que a leitura possa ser prejudicial à nossa capacidade de pensar. Mas quando, ou em que dimensão, a leitura influi no desenvolvimento de nossas potencialidades cognitivas? A leitura não é um fim, mas um começo para tudo, para um novo modo de pensar. Conhecemos a criação do outro para criar a nossa própria arte, o nosso próprio ato. Assim como em tudo o que fazemos precisamos de uma intenção como fator motivacional de um fazer, também necessitamos associar o desejo a qualquer ato. Fazer por fazer não tem sentido; e ler pelo simples fato de ler não atribui sentido algum à nossa atividade, somente acumulando dados em nossa mente, com os quais nada conseguimos transformar. Atividade é vida! Ler é alimento, é refeição. Ler um livro significa transformar as ideias nele contidas em algo que aprimore nosso interior. Como diz

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Rubem Alves: “Pensamentos de outros – provocações a que você pense seus próprios pensamentos.” O objetivo deste livro é levar o leitor a construir seus próprios e novos pensamentos; é dar trabalho para pensar e ser terapeuta ocupacional em toda a sua dimensão. Patrícia Moreira Bastos Terapeuta ocupacional

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Prefácio – 1a edição

Ser convidada a escrever o prefácio de um livro sobre Terapia Ocupacional, na condição de pós-formada, representa um momento mágico na minha vida, pois me reporta a dimensões sobre as quais ainda não tive tempo de pensar. Independentemente da honra e da grande emoção em participar da construção desta obra e da satisfação de estar junto de colegas por quem tenho profundo respeito e admiração, esta experiência me proporcionou mais confiança e credibilidade numa profissão que lida com a atividade humana. Minhas inquietações sobre como atuar em Terapia Ocupacional diminuí­ ram. Perceber o que realmente significa a análise de atividades e entender como aplicá-la, o que é e como se estabelece a relação terapeuta versus paciente versus atividade – enfim, entender o que é importante e necessário para o paciente durante a intervenção – foram questões que habitaram minha mente nos anos de graduação na faculdade. O livro trata dos procedimentos inerentes ao terapeuta ocupacional em atuação, na medida em que orienta cada passo desse profissional diante do seu objeto de estudo – o fazer humano – e daquele que, por uma disfuncionalidade, compartilha um mesmo espaço. Porém, tudo se inicia sempre com uma história, e com a Terapia Ocupacional não poderia ser diferente! A história da Terapia Ocupacional está relacionada à evolução do próprio homem. Estuda a transformação do fazer humano, o uso da atividade como meio de mudança e/ou adequação ao cotidiano e, por fim, atua como recurso terapêutico, foco daquilo com que estaremos convivendo neste livro. A origem da Terapia Ocupacional se registra a partir de ideias em que a liberdade do homem precisava ser considerada. A “quebra de grilhões” repre-

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sentou a primeira oportunidade de o homem fazer para ser: surge a ocupação como tratamento, porém sem seu conteúdo ativo de transformação. A metodologia utilizada era a realização de programas que enfatizavam atividades da vida diária (AVD) consideradas normais, em ambiente alegre, que proporcionassem uma vida saudável para os indivíduos considerados doentes e desordenados. Posteriormente, o homem passa a experimentar a ocupação como a capacidade de produzir; pensa-se em direção ao contexto social, cuja participação visa à organização de comportamentos e estilos de vida. O século XX nos permite observar um novo avanço para a Terapia Ocupacional. Ao homem é proporcionada a chance de reabilitação em sua função ocupacional, apreendendo uma nova forma de ser ativo, que possibilita a sua recuperação e sua reintegração à sociedade. A ocupação terapêutica passa, então, a representar um meio ativo para manter corpo e mente em equilíbrio, permitindo ao homem tornar-se novamente responsável por seus atos. A partir desse momento, a Terapia Ocupacional se torna mais autônoma e se desvincula da Medicina. Passa a buscar sua especificidade e novos campos de atuação. O homem adquire uma nova concepção de ser ativo, autor e ator de sua própria história – portanto, torna-se um ser ocupacional e criativo. Os primeiros cursos de Terapia Ocupacional surgiram em São Paulo e na Bahia na década de 1960. De lá para cá, muitos foram os fatos que influenciaram e marcaram os caminhos da profissão, os quais refletem até hoje na sua prática. Muitas têm sido as produções científicas, que nos enriquecem com sua fundamentação teórica. Contudo, em se tratando de metodologia e prática, nós nos relacionaremos com aspectos que ainda não foram muito divulgados, embora sejam do conhecimento de todos os profissionais. Este livro vem nos orientar exatamente sobre os caminhos que precisamos trilhar para melhor lidar com o universo de elementos que existem na Terapia Ocupacional. São elementos que, na relação de terapeuta versus atividade versus paciente, promovem procedimentos inerentes ao terapeuta ocupacional: a análise de atividades. Cíntia Neri Terapeuta ocupacional

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Prefácio – 2a edição

Ao receber o convite para prefaciar a 2a edição deste livro, escrito por duas autoras baianas, foi não só emocionante, mas também uma grande satisfação. Em virtude de as autoras estarem tão distantes da minha região, no Nordeste, fico a me perguntar por que, de repente, um terapeuta ocupacional aqui do Sul, entre tantos outros? Abro meu e-mail e lá encontro o convite, não sabendo como aceitar, mas ciente de como me debruçar sobre livros e livros, uma reavaliação crítica de uma prática. Terapia Ocupacional – Metodologia e Prática, que já li em sua 1a edição, é obra de duas profissionais pesquisadoras, desbravadoras no contexto da profissão e na busca incansável de compartilhar que o fazer humano nos dá, um retorno para o renascer da consciência, das possibilidades, das texturas, das cores, de materiais e ferramentas, das formas, do seu uso e das inúmeras formas para mudar sentimentos e comportamentos e, mais ainda, da chance de ser. A história da Terapia Ocupacional descrita no contexto da política e da sociedade científica de nossa profissão não foi poupada neste livro, quando traz o reflexo de um trabalho técnico diário, das autoras, na execução e realização das possibilidades terapêuticas ocupacionais, desenvolvidas por uma ação eminentemente generalista, que leva a pensar em direção às possibilidades de expressão, dos recursos terapêuticos, da aplicação da análise de atividades. Enfim, as autoras mostram sua preocupação em compartilhar suas experiências com seus colegas profissionais por meio da metodologia e da prática associada. Devido ao fato de não existir teoria sem prática ou Terapia Ocupacional sem a aplicação de atividades, a presente obra nos incentiva a considerar uma grande lacuna, a de reservar ao terapeuta ocupacional um momento para repensar em sua prática, a construção do cotidiano não só de si mesmo, assim

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como também do indivíduo que esteja sob a intervenção ou no contexto do processo terapêutico-ocupacional. A obra nos faz refletir que a múltipla e vasta possibilidade do pensar crítico-científico dos recursos terapêuticos e das atividades de que fazemos uso pode resultar no tratamento e na recuperação da funcionalidade ocupacional do indivíduo que apresenta disfunções física, mental, social ou familiar, que comprometem a qualidade do seu cotidiano. O fazer humano, conforme descrevo nesta observação, reporta-me a quanto temos que nos aprofundar nessa análise a partir da relação entre o contexto do qual o indivíduo portador de alguma deficiência faz parte e o seu entendimento e sua interação com seu princípio de ser humano ativo. No entanto, é essa relação que permitirá uma nova possibilidade de reconstrução de sua vida, uma nova forma de ser, mesmo aliada ao estigma dos preconceitos e rótulos, para construir uma nova trajetória de vida. Na minha prática profissional, percebo que não é fácil encontrar o caminho do despertar, livre de mitos, espontâneo e autêntico, inspirando-me nos grandes exemplos de mestres filósofos. É importante conviver com o fato de que precisamos ouvir muitas melodias diferentes, pois é assim que as grandes traduções passam a expressar uma harmonia existencial, essencial; todos aqueles que buscam e/ou já buscaram a sabedoria têm em comum o fato de que aprenderam a ouvi-la em seu próprio coração, atentos à harmonia subjacente enquanto cada um percorria seu próprio caminho. O fazer humano, em uma visão metodológica e prática, segundo as autoras, parece nos garantir que a atividade humana, em uma intervenção terapêutica, tem começo, meio e fim. Nesse sentido, avaliar, analisar, aplicar e obter um objeto concreto representa um processo verdadeiramente de transformação do cotidiano funcional. Os terapeutas ocupacionais, que na base de sua formação não têm muito claro que sua profissão pode facilitar mudanças no rumo de uma história de sonhos e realidades, agora podem tomar conhecimento de que é possível reenquadrar um indivíduo, por exemplo, no mercado de trabalho, a partir da sua própria ação transformadora em seu cotidiano. Tudo é uma questão de método e aplicação adequada de conhecimentos. O uso da ocupação como forma de tratamento caracteriza a essência da Terapia Ocupacional, sendo necessário utilizar metodologia, técnicas e procedimentos específicos para cada abordagem ou pensar terapêuticos. É interessante estar sempre atento ao fato de que terapia é uma relação especial entre duas pessoas, na qual uma busca ajuda para lidar com as dificuldades que a limitam, e a outra tem um acervo de conhecimentos e saberes que podem levar ao desenvolvimento de novas capacidades, ao que chamamos de crescimento, ou ainda para se fazer melhor o que já se fazia bem, um aprimoramento. Nesse sentido, as autoras nos convidam a conhecer uma nova esfera, um novo contexto de aplicação metodológica da intervenção terapêutica ocupacional. Nesta edição, estaremos vivenciando dois novos temas: o quebra-cabeça como recurso terapêutico e sua análise para aplicação e a possibilidade psicoterapêutica inerente à Terapia Ocupacional – a Psicoterapia Ocupacional.

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Devo confessar que sempre leio os prefácios, os quais em geral são escritos por alguém que dedica uma admiração sem reservas ao autor do livro ou aos que são prolixos demais, exibindo conhecimento pernóstico ao assunto do livro. Creio que prefaciar uma obra é, sobretudo, uma honra, um privilégio, uma responsabilidade, pois significa que o autor confiou em que aquilo que o prefaciador escreveu decerto ajudará a enriquecer a publicação. É um privilégio porque, pelo menos em tese, o prefaciador terá lido a obra antes de qualquer outro mortal. É também uma enorme tarefa em nosso cotidiano. Aperfeiçoamos, negamos ou recusamos e compreendemos coisas, pessoas e situações. E acreditamos em uma realidade na qual haja intencionalidade, vontade e liberdade e na qual se torne possível ser, fazer e ser. Lourival Jaime Vieira Filho Terapeuta ocupacional Especialista em Psicomotricidade e Geriatria/Gerontologia

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Sumário

Capítulo 1

Coisas que Gostaríamos de Saber Sobre o Mito da “Atividade Humana” e não Tivemos a Oportunidade de... (Faça sua escolha), 1

Capítulo 2

Teoria de Rui Chamone, 17

Capítulo 3

Análise de Atividades – Como Compreender uma Incrível Trama, 31

Capítulo 4

A Importância do Pensar Teórico, 41

Capítulo 5

Relações do Pensar Teórico da Análise de Atividades, 71

Capítulo 6

Aplicação da Análise de Atividades, 101

Capítulo 7

Objeto Concreto, 151

Capítulo 8

Praxiterapia – Um Capítulo à Parte, 187

Capítulo 9

Uma Abordagem Sobre Atividades da Vida Diária, 215

Capítulo 10 Terapia Ocupacional – Uma Possibilidade de Psicoterapia?, 239 Capítulo 11 Quebra-Cabeça – Uma Análise de Atividades Intrincadas, 269 Capítulo 12 Análises Prontas de Materiais e Ferramentas, 307 Capítulo 13 Glossário, 327 Índice Remissivo, 339

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Capítulo 2

Teoria de Rui Chamone

Influências da Teoria de Chamone Para iniciarmos a construção desse processo de aprendizagem será necessário seguirmos, passo a passo, a construção de uma teoria que teve origem no Brasil, mais precisamente em Belo Horizonte. Essa teoria, conceituada, fundamen­tada e que estabelece linguagem própria, foi desenvolvida pelo professor Rui Chamone Jorge, mineiro, formado em Terapia Ocupacional pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1969. Com uma carreira voltada para os estudos e aprofundamentos na área, Chamone lançou seu primeiro livro em 1981, Chance para uma Esquizofrênica, dando margem para outras publicações que hoje norteiam esse trabalho. Em 1988, fundou o Grupo de Estudos em Terapia Ocupacional (GES.TO), com o objetivo de divulgar pesquisas e publicar textos ligados à profissão. Ao falecer, em 1995, Chamone deixou como legado a continuidade de seus estudos, consolidados até aqui com a visão mais natural do sujeito e de sua evolução no mundo por meio do fazer humano. Em vista de tudo isso, é importante trazermos a definição do professor para o conceito padrão para saúde mental. Chamone dedicou a essa área boa parte de sua vida, embora seus estudos estivessem voltados à compreensão do objeto e à especificidade da Terapia Ocupacional. Em estudo escrito por ele em 1990, encontramos a seguinte definição: Método de prevenção, tratamento, cura e reabilitação que aproxima o ajudador do ajudado através de ocupações livres e criativas, salientando que ele não pode ser compreendido sem se considerar as coisas que implica: material, ferramenta,

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objetos concretos como problemas em si. Sendo, assim, método crítico-laborativo das relações humanas, portanto método psicoterápico.1

A Terapia Ocupacional, nesse ponto, surge como um método, um caminho para atingir um objetivo, suficientemente bom em si e com uma abordagem técnica. O mecanismo de identificação do cliente em relação aos materiais e às ferramentas reproduz o problema em si, por meio de um senso críticolaborativo, tendo como consequência a possibilidade do confrontar-se com ele mesmo, a partir da tomada de consciência e da transformação de si e do mundo, o que vem a ser a realização do objeto concreto. Nesses termos, admitimos que toda atividade humana é simbólica, dotada de significações e singularidades. Entretanto, é importante falar das diferenciações entre os objetos construídos no setting terapêutico e dos objetos de arte. Podemos dar como exemplo o pensamento de alguns estudiosos de arte que afirmam que, na arte, se busca o universal. Hebert Read (1981),2 em seus estudos sobre a arte, é enfático. Juntamente com vários autores, afirma reconhecer arte como função de educação ou como “a ciência do conhecimento sensível”. Autores e teóricos como Hegel também falam da arte como representação da verdade. Os estudos de Chamone buscaram a compreensão da utilidade de materiais e ferramentas que apresentavam um histórico cultural artístico e o entendimento sobre a arte e a função do trabalho. De acordo com esses estudos e pesquisas, na visão de teóricos como Karl Marx (apud Vazquez, 1977),3 encontramos a seguinte afirmativa sobre a importância do trabalho: O processo do trabalho é: [...] atividade deliberada [...] para a adaptação das substâncias naturais aos desejos humanos; é a condição geral necessária para que se efetue um intercâmbio entre homem e natureza; é a condição permanente imposta pela natureza à vida humana e, por conseguinte, independe das formas da vida social, ou melhor, é comum a todas as formas sociais.3

A partir dessa perspectiva, Chamone afirma, respaldado em seus estudos sobre as artes e sobre o trabalho, as funções e perspectivas na atividade humana que a Terapia Ocupacional utiliza como atividades livres e criativas que visam ao particular, ao singular, sem ser dado a críticas ou juízos. Com base nisso, ele apresenta um quadro explicativo em sua publicação, Museu Didático de Imagens Livres e Criativas, no qual podemos visualizar bem essa comparação. Apesar de usar materiais brutos e ferramentas, sua utilidade e seus objetivos estão equidistantes em seus significados, artísticos e terapêuticos (Tabela 2.1). O objetivo do professor Chamone é estabelecer um conteúdo científico e especificar a atividade como mobilizadora e transformadora do sujeito, sendo

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Teoria de Rui Chamone

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Tabela 2.1  Estudo comparativo entre atividades artísticas e terapêuticas Significados artísticos

Significados terapêuticos

São expressivos

São expressivos

Impulso criador selecionado

Impulso orientado pela intuição. Dirigido à sensibilidade

Apelos intelectuais e técnicos

Busca da verdade pessoal

Objetivo: exposições públicas

Objetivo: sigilo das circunstâncias geradoras do objeto

Buscam a universalidade humana

Buscam os apelos da universalidade humana

Insight público

Construção pessoal

Não se destinam a interpretações psicológicas

Configuram conflitos pessoais

Há maior contato do artista com a obra

O objetivo sai da imediaticidade e é levado à consciência como um conceito para quem o fez

Presta-se a interpretações psicológicas

Fonte: adaptada de Chamone, 1977.4

assim um recurso terapêutico idôneo e viável na sua utilização, com possibilidade de leitura própria e eficaz. Para tanto, Chamone criou uma série de pressupostos que acompanham e enriquecem seu pensamento. Antes de tudo, buscou na Filosofia e na Sociologia o entendimento do conceito de atividade para o homem e para o mundo. A seguir, encontramos todo esse trajeto e, posteriormente, o desmembramento de cada item referente à sua teoria.

Atividade do Ponto de Vista de Chamone A atividade é um dos conceitos mais discutidos por Chamone, que, em suas obras, afirma ser o verdadeiro recurso terapêutico da Terapia Ocupacional. No início deste livro, foram esclarecidas dúvidas acerca da utilização da atividade como recurso da Terapia Ocupacional. Buscou-se entender a atividade puramente como ação, desmistificando décadas de conceitos e viabilizando um olhar diferenciado para essa situação, o que não é uma coisa tão fácil. Entretanto, esse é o primeiro passo para compreender como a ação humana, que modificou e modifica o sujeito até os dias de hoje, garante que o futuro desse mundo não é, ainda, claro à luz da ciência. No entanto, diferentemente do que aprendemos, tudo que nos cerca é fruto unicamente de nossa força de transformação, de nossas entranhas, sinalizado pelas nossas necessidades e viabilizado pelas nossas mãos. Isso mesmo, pelas nossas mãos, pois elas são nossas maiores ferramentas e responsáveis por todas essas mudanças. De acordo com Fischer (1983),5 “a mão é o órgão essencial da cultura, o iniciador da humanização”. Por isso, Kielhofner (apud Ferrari, 1991),6 em sua teoria da ocupação humana, admite o homem como de natureza ocupacional, como um sistema aberto no qual todo seu

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desenvolvimento objetiva levá-lo ao complexo sistema da ocupação, como realizador de si mesmo. De acordo com o Novo Dicionário Aurélio (2000), atividade é: “qualidade de ativo; substantivo empregado como sinônimo de ocupação/trabalho; mantém o sentido original de qualidade de ativo; aquilo que se opõe a passivo”.7 As ocupações são vistas como uma maneira ativa de o sujeito intervir no mundo, de estar ativamente consigo e com os outros, o que torna possível, no uso de atividades livres e criativas, a consciência de si pela obra, que é o outro – ele próprio, adquirido pela atividade reflexionante do pensamento. Todavia, como podemos identificar que as atividades são terapêuticas? Chamone responde a isso de maneira simples. Além de deixar claro o caráter transformador da atividade, esclarece que todo processo terapêutico é iniciado, vivenciado e finalizado em uma sessão terapêutica ocupacional, o que significa dizer que, em um setting terapêutico ocupacional, dentro de um processo triádico, materiais e ferramentas para expressão e formação dos conceitos de sua realidade individual devem estar sempre à disposição dos pacientes. Para efeito didático, encontramos classificações diversificadas de atividades nas áreas de atuação, conhecidas com as mais variadas nomenclaturas. Contudo, todas essas atividades só são de fato realizadas com o auxílio de ferramentas e materiais próprios ao manuseio e objetivo de cada uma. Atividades da vida diária (AVD): toda e qualquer atividade que objetiva a higiene pessoal, a autoestima e o autocuidado. Atividades da vida prática (AVP): toda e qualquer atividade com finalidade prático-ocupacional, em termos de afazeres do lar e trabalhos práticos do dia a dia. Atividades motoras: relacionadas aos aspectos motores, como equilíbrio, coordenação manual, coordenação visuomanual etc. Atividades cognitivas: destinadas ao estímulo da área do aprendizado ou intelectiva, para apropriação de conceitos básicos. Atividades plásticas/expressivas: voltadas aos aspectos artísticos, para o processo de expressão e criatividade. Atividades profissionais: apresentam caráter econômico e de inserção social. Atividades estimulantes: envolvem aspectos motivadores e relaxantes, intervindo nas áreas de autoestima e de mais-valia. Atividades de lazer: objetivam qualidade de vida e de autocuidados. Atividades praxiterápicas/criativas: frequentemente mal-interpretadas ou distorcidas, pois apresentam aparente conteúdo artesanal. Basicamente, apresentam conteúdo utilitário. Todas as atividades anteriormente relacionadas/classificadas devem ser usadas em escala de atividades livres ou dirigidas, sempre seguindo o princípio transformador e reflexionante do encontro consigo mesmo. Chamone

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registrou essas atividades no seu Gráfico do Mecanismo de Cura da Terapia Ocupacional ou vetor D, refletindo a consciência de si mesmo = falar. A seguir (Figura 2.1), procuramos explicar o que o autor considerou como vetor e o que ele procurou equacionar como forma de esclarecimento sobre o Mecanismo de Cura da Terapia Ocupacional, fazendo uma relação entre o eixo Horizontal de Habilidades (AB) e o eixo Vertical de Possibilidades (AC), resultando no vetor D, que representa a consciência de que algo existe para ser, então, tratado.

C

D

6

5 4 3 2 1

A

B 0

1

2

3

4

5

6

Figura 2.1  Gráfico do mecanismo de cura da Terapia Ocupacional Fonte: adaptada de Read, 1981.2

Ao ultrapassar os limites físicos das atividades concretas, o sujeito, por pensar e por ser dotado de consciência, é capaz de criar, para si e para o mundo, pelas vias mentais. Dotado de consciência, coloca-se, de maneira geral e em particular, frente ao seu fazer, plasmado, materializado, em um contexto complexo de objetos/produtos e ações/atitudes, para si e para contemplar-se nessa representação de si mesmo. Precisamente por ser dotado de consciência, o sujeito estabelece, com o mundo exterior, relações objetivas que o levam a transformar e modificá-lo. Por conseguinte, o sujeito imprime a marca de sua personalidade nos objetos concretos, reconhecendo-se pela capacidade reflexionante do espírito. Nesse sentido, as atividades livres e criativas são profundamente racionais. Apesar de direcionadas, antes, à sensibilidade, oferecem ao sujeito oportunidades para se integrar interior/exteriormente e expor à contemplação a consciência que possui, pois o pensamento precisa se confrontar concretamente com a razão e a verdade. A especificidade da atividade criativa existe não só pela existência concreta do objeto, mas também em razão de se dirigir antes à sensibilidade do que ao

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seu aspecto motor e visuomanual. Paralelamente, facilitavam-se a aquisição e a apropriação de seu esquema e imagem corporal. Em tratamento há 11 anos, a paciente apresenta um quadro evolutivo significativo em vista do seu diagnóstico de síndrome. Após o término da primeira etapa, o tratamento passou a focar o desenvolvimento dos aspectos da apropriação, a instalação da sua imagem e o seu esquema corporal. Apresentaremos a seguir esse processo, que se encontra em andamento, com o quadro de evolução significativo do ponto de vista de todo o processo evolutivo global. Montamos um pequeno resumo do processo vivido por ela em dois anos, que lhe proporcionou a aquisição do controle gráfico e a apropriação do esquema e da noção de imagem corporal.

Março de 2001 Após a aquisição e apropriação de áreas básicas do desenvolvimento, o terapeuta apresentou a L.C. materiais de madeira, entre eles um quebra-cabeça do corpo humano, que possibilitou a aquisição do conceito do esquema corporal (Figura 7.3). Contudo, a paciente não apresentava noção espacial adequada para montagem, o que reflete um objeto concreto do seu aspecto em desenvolvimento. Ao mesmo tempo, foram utilizados outros quebra-cabeças para estímulo da área espacial, na montagem dos quais L.C. apresentou algumas defasa-

Figura 7.3  Início do processo de formação do esquema corporal com quebra-cabeça

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gens. O material foi oferecido à criança para exploração em diversas sessões até ser dominado por ela refletindo a transformação do aprendizado.

Julho de 2001 Após o trabalho de montagem, que levou quatro meses, a paciente já conseguia realizar a organização do esquema corporal, embora, de modo ainda pouco satisfatório. Na atividade de colagem, recebeu as partes cortadas para montagem do esquema corporal (Figura 7.4). Verifica-se sua atenção ao processo de encaixe das partes entregues, no que demonstra ainda como objeto concreto um esquema próprio à sua compreensão, sem definição adequada.

A

B Figura 7.4  (A e B) Processo de formação do esquema corporal utilizando a colagem (A) e o desenho (B)

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Objeto Concreto

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Agosto de 2001 a Março de 2002 Durante os oito meses seguintes, foi indicado o recurso da pintura, assim como o uso de ferramentas como lápis de cera e lápis de cor, além de material xerografado em papel A3, com representação de figuras humanas ou personagens de histórias infantis. Essa atividade facilitou a motivação e interação com as partes do corpo humano, a organização do esquema corporal, assim como a noção da compleição do conceito de imagem, por meio da identificação e do convívio com personagens. Também foram realizados trabalhos com música, cujas letras falavam de partes do corpo humano, tanto de cunho infantil como de temas atuais. L.C. participava de modo satisfatório, realizando coreografias de acordo com a música, em frente ao espelho, refletindo um plasma de conceitos já adequados que era utilizado em uma ação lúdica e de prazer para estabelecimento e fortalecimento de seus próprios conceitos.

Setembro de 2002 No período seguinte, retornamos às atividades de colagem, que duraram quatro sessões, e a menina recebeu em quatro tarefas diferentes uma prancha com seis partes do corpo humano em forma de figuras geométricas e um modelo para orientar-se. L.C. pintou as partes do corpo de forma igual à do modelo para referência posterior. Após a pintura, recortou as partes coloridas, o que a auxiliou posteriormente na identificação do esquema e na montagem da figura. Finalizada a atividade, obteve um produto positivo (Figura 7.5), o que demonstra no objeto concreto habilidades e possibilidades de uma efetiva evolução.

Novembro de 2002 Fechando o processo para domínio de esquema corporal e noção de imagem, a paciente demonstrava firmeza na aquisição do conceito, apresentando o plasma de uma figura humana completa e com suas partes básicas: cabeça, corpo e membros, sendo definida de maneira satisfatória e adequada (Fi­ gura 7.6).

Caso 2 J.P., de 24 anos de idade, se graduou recentemente. Seguindo sugestão de sua psiquiatra, procurou terapia com abordagem cognitivo-comportamental para tratar do seu quadro de depressão associado a síndrome do pânico. Faz uso de medicação psiquiátrica e apresenta histórico de maus-tratos no âmbito familiar na infância e na pré-adolescência. No primeiro atendimento, queixou-se do grande esforço que precisava fazer para levantar-se e sair de casa.

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NOME:____________________________ DATA:____________ RECORTE E COLAGEM

A

B

C

Figura 7.5  (A a C) Processo de colagem em quatro tarefas: modelo do corpo humano em figuras geométricas (A), pintura idêntica ao modelo (B) e produto da montagem da figura (C)

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Objeto Concreto

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A

B Figura 7.6  (A e B) Início da apropriação do conceito do esquema corporal (A) e ao final do tratamento (B).

Ao ordenar e configurar uma atividade expressiva e livre, passou a refletir, a partir do material plástico (tinta guache), forte tendência a uma busca de si mesma (Figura 7.7).

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Figura 7.7  Em busca do eu

A representação de sua atividade demonstrava um conflito entre dois “eus”, como ela mesma falava: “O ‘eu’ que todos veem (maior), falso e infantil, que faz coisas de que não gosta; e o ‘eu’ verdadeiro (menor), que sofre, que não sabe o que deve fazer, e que parece morto (encoberto).” J.P. percebia estar sem identidade clara e tentava reconhecê-la de alguma maneira, desde que conseguisse aceitar as possíveis mudanças em seu modo de ver a vida e estar no mundo – pânico em ter que deixar de ser criança e tornar-se mulher, dar lugar à sua feminilidade e sua sexualidade. J.P. sempre desenhava nos atendimentos, como se quisesse que sua atividade fosse uma mediadora na sua interação com o terapeuta, entre o mundo que ela fantasia e a realidade. J.P. se refere à vontade de morrer, mas reconhece que existe nela algo mais forte e que não o permite. Durante a sua representação (Figura 7.8), à medida que desenvolvia a relação entre as suas formas, verbalizou três situações: não queria ter que se preocupar com dinheiro; não queria ter que fazer amizades ou conhecer pessoas e não queria ter que comer por compulsão (o que sempre acontecia após as crises de pânico). Ao terminar seu desenho, J.P. passou a comentá-lo a partir dos três elementos que mais lhe chamaram a atenção: 1. “A cachoeira de águas verdes, que vêm de cima para baixo, caem e passam”. 2. “O coração vermelho (no centro)”. 3. “O céu com estrelas”.

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Objeto Concreto

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Figura 7.8  O mundo das ideias

Segundo J.P., o céu é o mundo, e as estrelas, suas ideias, que em forma de gotas passam pelo coração e seguem até a cachoeira, acumulando-se embaixo como água represada. Sentia que as “estrelas-ideias” gotejam a vida do dia a dia e que o seu brilho no céu reflete uma luz. Deu como título ao desenho “O mundo das ideias”, mas não soube relacionar o curso de suas ideias, seus sentimentos e suas emoções em alguma forma de organização. Reconheceu que precisava saber usar suas ideias de modo que elas pudessem fluir com maior facilidade, ou seja, em vez de uma represa, um rio. No atendimento seguinte, J.P. relatou uma vivência de pânico, ao mesmo tempo que se queixava de muito sono durante o dia (ao contrário da baixa qualidade de sono à noite), tendo comentado que a sensação é muito desagradável, o que a faz sentir-se envergonhada por estar exposta ao público. Ao novo desenho, identifica-se com os movimentos circulares, que vão do centro para fora, até um determinado limite, a partir do qual o exterior do círculo passa a receber novos movimentos, retos, “que se prendem”, e os identifica imediatamente como “prisões” (Figura 7.9). J.P. comenta que o centro do movimento circular que ela desenhou poderia ser a sua vontade, e o lado externo, o limite, a “falta de espaço”, a possível dificuldade de fazer contato, de inter-relacionar-se, enfim, reconhecer-se. Alguns meses depois, J.P. começou (com muito esforço) a frequentar um curso de pós-graduação (necessário como investimento e qualificação profissional). Teve sua medicação modificada em razão de sua desmotivação. Comenta, durante seu processo de representação da atividade, que gostaria de ampliar seu círculo de relacionamentos, mas que existe uma grande distância

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Capítulo 11

Quebra-Cabeça – Uma Análise de Atividades Intrincadas

Introdução Os recursos usados pela Terapia Ocupacional são infindáveis, uma vez que, conforme já visto, a atividade é bastante significativa para a nossa profissão, o nosso objeto de especificidade. Assim como todos os recursos, o quebra-cabeça também deve passar pelo crivo da análise de atividades, ou seja, pelo entendimento de que os terapeutas ocupacionais têm em realizar, por meio do raciocínio clínico na Terapia Ocupacional, a análise de atividades. Para tanto, conhecer a história do quebra-cabeça é fundamental para nossa análise, como um caminho que nos mostra que todo processo traz progressão ou transformação de situações, sendo que aqui tratamos em específico da evolução de um material. Assim, para nossa melhor compreensão, vale mencionar que o quebra-cabeça ou puzzle tem origem na Europa por volta de 1760, com John Spilsbury, geógrafo inglês do século XVIII, fabricante de mapas que resolveu colá-los em madeira e cortá-los em pequenos pedaços; com a difusão dessa invenção, tornou-se um grande recurso educacional. Os puzzles ficaram conhecidos como jigsaws na Europa e nos Estados Unidos, por volta de 1900. Eram feitos com peças artesanais, em madeira, cortadas à mão uma a uma, sendo por isso de alto custo. Tem-se registro de que, em 1908, um quebra-cabeça de 500 peças chegou a custar cinco dólares, preço significativo para a época. Em 1929, já eram muito populares e difundidos entre os adultos, por sua complexidade, chegando em 1933 a um nível inimaginável de venda, com

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10 milhões de peças por semana. Tamanha originalidade deu espaço para um mercado competitivo entre os comerciantes da época. Em 1932, o papel-cartão foi introduzido, barateando e popularizando o material do quebra-cabeça, uma vez que o método anterior, que era artesanal, tomava muito tempo e encarecia o produto. Assim, durante a Segunda Guerra Mundial, com o declínio dos quebra-cabeças de madeira, o jogo se mostrou mais popular e com nova cara. Na década de 1960, já se apresentava com uma nova e alta qualidade, motivos diferentes e pinturas de artistas plásticos de sucesso.1 Durante todo esse tempo da história os jogos de quebra-cabeça – ou passatempo, segundo alguns pesquisadores – não eram considerados jogos por se apresentarem como diversões solitárias, sem necessidade de adversário. De certa forma, com fundamentação para tanto, sua proposta é realmente a decifração de problemas que são apresentados, por vezes, com uma ou mais soluções, dependendo, evidentemente, do tipo de quebra-cabeça. E assim a história nos trouxe um número interessante de quebra-cabeças ao mercado. Mesmo aqueles que se apresentam na Antiguidade ainda são utilizados ou recriados para o mundo atual, em virtude de sua complexidade e pelo constante apelo do material, seja pela descoberta de estratégias ou solução do problema.

Quebra-Cabeças: um Estudo de Objeto Para efeito didático, o estudo de objetos se faz necessário por meio de um processo de ordenação. Por isso começamos nossa classificação em tipos de quebra-cabeças, no sentido de apresentarmos e desmitificarmos até mesmo o material apenas como conjunto de peças que deverão ser unidas para a formação de uma imagem, pois, mais do que isso, o quebra-cabeça envolve sempre a necessidade da busca de estratégias para a construção de soluções ou para montagens de figuras-fundo, considerando sua variedade. A seguir, estão os diversos tipos de quebra-cabeças que existem desde a Antiguidade até os tempos atuais. Para tanto, a aplicação desse material, sua análise e avaliação de indicações para déficits cognitivos, memória, atenção, transtornos de comportamento, déficit de aprendizagem e deficiência mental deve passar por um crivo de conhecimento do material, bem como de suas singularidades e especificidades, e é o que se pretende fazer em nossa descrição, bem como em nossa análise de atividades.

Classificação Tipos de Quebra-Cabeças Pentaminó. Tangram.

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Torre de Hanói. Resta-um. Pentágono. Cilada. Quebra-cabeças chineses. Quebra-cabeças de encaixes. Quebra-cabeças de 2 a 13 mil peças. Para melhor entendermos como cada tipo de quebra-cabeça funciona e como se apresenta, consideramos as peças antigas e como são ainda utilizadas, assim como podem ser aproveitadas em nossas aplicações cotidianas ou sessões terapêuticas para uma grande variedade de clientes.

Pentaminó Os pentaminós pertencem à classe dos poliminós, assim como o conhecidíssimo dominó. O termo poliminó teria sido proposto por Solomon W. Golomb, matemático-chefe do Laboratório de Propulsão a Jato do Instituto de Tecnologia da Califórnia, no ano de 1954. A proposta do pentaminó é a seguinte: cada peça é formada por cinco peças em forma de quadrados, unidas de forma perpendicular. No total são 12 peças diferentes, relacionadas com as letras do alfabeto, as quais apresentam as formas e que permitem a criação de inúmeros problemas e suas soluções. Para melhor entendimento, costuma-se nomear as peças pelas letras do alfabeto com as quais elas se assemelham (Figura 11.1).

W

X

U

Z F

P

N

L

V T

I Y

Figura 11.1  Pentaminós

Os problemas se resumem à construção de formas geométricas com a utilização de algumas ou todas as peças do jogo. Um problema interessante é o de se selecionar uma das peças e reproduzi-la em escala maior utilizando as demais (não há necessidade de se utilizarem todas) (Figuras 11.2 e 11.3).

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Figura 11.2  Solução

Figura 11.3  Outra solução

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Tangram O tangram tem origem no Oriente, na China, e está ligado a um monge chinês que, após quebrar um espelho, percebe que as sete peças originadas poderiam ser remontadas de infinitas formas e dar origem a inúmeras figuras. Essa é a essência do tangram: um quadrado decomposto em 7 figuras geo­ métricas, sendo 5 triângulos, 1 quadrado e 1 paralelogramo, com as quais é possível montar um número quase infinito de figuras. Em chinês, o tangram é conhecido como Chi chiao tu, ou as sete peças inteligentes. Assim, o tangram (Figura 11.4) é um exemplo de quebra-cabeça que reúne uma série de soluções e possibilita uma exploração infindável da criatividade na formação de muitas peças diferentes, sejam animais, figuras geométricas ou pessoas, entre outras.

Figura 11.4  Tangram

Torre de Hanói De forma peculiar, a torre de Hanói (Figura 11.5) se apresenta como um problema com solução na lógica matemática, porque, de acordo com seu inventor, o matemático francês Édouard Lucas (apud Luiz et al.).2 A ideia é transferir-se os 8 discos que formam a torre para um dos 2 bastões vazios. Para tanto, deve-se movimentar um único disco por vez, e não se pode colocar um disco maior sobre um menor. Segundo cálculos matemáticos, o menor número de movimentos necessários para a solução do problema, com uma torre de 8 círculos, é de 255 movimentos!

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Figura 11.5  Torre de Hanói

Resta-um Trata-se de um interessante jogo, muito conhecido e realizado de forma solitária. Normalmente configurado em cruz, consiste em suprimir a peça do meio e mexer as peças de um lado para o outro, saltando-as até sobrar apenas uma no tabuleiro. Um jogo de treino estratégico e lógica matemática, divertido, que funciona como passatempo para muita gente. Hoje em dia, apresenta uma programação visual diversificada e criativa, tanto na forma dos tabuleiros como no material usado como pino ou como bolas de gude. Claro que, de acordo com a proposta de análise de atividades, o uso desse material, tão diversificado, tem que passar pelo crivo da indicação terapêutica quanto aos fatores comuns, em razão de questões já evidenciadas aqui (Figura 11.6).

Figura 11.6  Resta-um

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Quebra-Cabeça – Uma Análise de Atividades Intrincadas

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Os mais comuns apresentam uma figuração simples e mais conhecida: de plástico (Figura 11.7).

Figura 11.7  Resta-um de plástico Outros tipos, formas e modelos de resta-um também estão disponíveis (Figuras 11.8 e 11.9).

Figura 11.8  Resta-um de madeira

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SOBRE AS AUTORAS Claudia Pedral Sampaio de Sena Terapeuta ocupacional. Psicoterapeuta ocupacional.

Graduada em Terapia Ocupacional pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP). Ministra cursos sobre Análise de Atividade.

se à vida social em razão de problemas físicos, mentais ou emocionais. Terapia

Ocupacional – Metodologia e Prática, que chega à segunda edição, aborda amplamente esses procedimentos, inerentes ao profissional em atuação. Nesta edição, ampliada e revista, a obra apresenta um Glossário que elucida os termos de significado mais específico e aborda dois novos temas: o quebracabeça como recurso terapêutico; e a possibilidade psicoterapêutica inerente à Terapia Ocupacional – a Psicoterapia Ocupacional. Este livro traz uma nova metodologia para a aplicação teórica e prática de conhecimentos em Terapia Ocupacional, com base em estudos do renomado professor Rui Chamone e no desenvolvimento de um campo metodológico para

Patrícia Moreira Bastos

intervenção nas diversas áreas de atuação da Terapia Ocupacional.

Terapeuta ocupacional.

Pós-Graduada em Políticas de Saúde e Epidemiologia Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista em Saúde Pública pela Faculdade São Camilo de Administração Hospitalar – São Paulo, SP. Graduada em Terapia Ocupacional pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP).

■ Análise de atividades. ■ A importância do pensar teórico. ■ Relações do pensar teórico na análise de atividades. ■ Aplicação da análise de atividades. ■ Objeto concreto. ■ Praxiterapia. ■ Atividades da vida diária.

P r á t i c a

Terapeuta ocupacional no Hospital Especializado Mário Leal, da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia.

A obra aborda:

e

Psicoterapeuta ocupacional.

Terapia Ocupacional

Especialista em Psicomotricidade pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB).

para promover a autonomia de indivíduos que têm dificuldade de integrar-

M e t o d o l o g i a

Diretora e terapeuta ocupacional do Centro Ocupacional Psicopedagógico, em Salvador, BA. Atua no atendimento a crianças e adultos.

O

terapeuta ocupacional utiliza recursos terapêuticos e atividades diversas

■ Análises prontas de materiais e ferramentas.

2 a Edição

Terapia Ocupacional Metodologia

e

Prática

OUTROS TÍTULOS DE INTERESSE BIZU Comentado – Perguntas e Respostas Comentadas de Terapia Ocupacional, 2a ed. Andréa Fabíola C. T. Carvalho

Memória na Prática da Terapia Ocupacional e da Fonoaudiologia Andréa Fabíola C. T. Carvalho Elaine Rosa da Silva Peixoto

Neurociências: Diálogos e Interseções Vanderson Esperidião Antonio

Terapia Ocupacional

Claudia Pedral Patrícia Bastos

Área de interesse

2 a Edição

Reabilitação Motora no Acidente Vascular Encefálico: uma Abordagem das Neurociências Bruna Brandão Velasques Pedro Ribeiro

Claudia Pedral

|

Patrícia Bastos

Terapia Ocupacional – Uma Contribuição ao Paciente Diabético Regina Célia Toscano Costa

Terapia Ocupacional na Complexidade do Sujeito, 2a ed. Andréa Fabíola C. T. Carvalho Helena Maria N. Scatolini

9 788564 956261

CAPA – Terapia Ocupacional.indd 1

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