Manual de Comportamento Animal

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Marcos Fer raz

Marcos Rochedo Fer r az

Manual de

Compor tamento Animal Marcos Rochedo Ferraz Professor Adjunto do Departamento de Farmacologia e Psicobiologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Coordenador da disciplina de Etologia do Curso de Ciências Biológicas da UERJ. Professor do Núcleo de Disciplina em Ciências Biológicas da Universidade Gama Filho (UGF), RJ. Doutor em Ciências pela UERJ. Mestre em Biologia pela UERJ. Bacharel em Ciências Biológicas pela UERJ.

A presente obra não pretende esgotar o tema, mas se propõe a ser um manual completo e simplificado sobre o assunto. O objetivo é preencher a necessidade de um texto em língua portuguesa para as aulas dessa disciplina ministrada nos cursos de Ciências Biológicas em universidades de todo o País. Esperamos que esta abordagem simples e dinâmica torne acessível o estudo científico do comportamento animal e incentive o aprofundamento deste assunto, simplesmente fascinante.

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Sobre o autor

O

Manual de Comportamento Animal tem como objetivo explicitar o conceito de etologia aos leitores, a partir da análise dos “hábitos” dos animais em uma perspectiva biológica, evolucionista, usando os métodos científico e comparativo como ferramentas de estudo. Abordando conceitos elementares, este livro inclui um breve histórico, as primeiras questões e a teoria do gene egoísta; descreve alguns dos diferentes padrões individuais e de comportamento; e apresenta um ensaio sobre o comportamento humano, com base na etologia.

Outros títulos de interesse Angústia e Existência na Contemporaneidade Jurema Barros Dantas Autismo e Morte – Série Distúrbios do Desenvolvimento Letícia Amorin / Francisco B. Assumpção Jr. (Org.)

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Bizu de Biologia – 2.700 Questões para Concursos Leonardo da Silva Vidal / Marco Pinheiro Gonçalves / Mildred Ferreira Medeiros / Tatiana Amorim Muniz de Alencar Dependência, Compulsão e Impulsividade Analice Gigliotti / Angela Guimarães Drogas – Guia para Pais e Professores Gustavo Henrique Teixeira Diretrizes Gerais para o Tratamento da Dependência Química ABEAD (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas) Interlúdios em Veneza – Os Diálogos Quase Impossíveis entre Freud e Thomas Mann Abram Eksterman Investigando Psicanaliticamente as Psicoses Décio Tenembaum

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Transtornos Comportamentais na Infância e Adolescência Gustavo Henrique Teixeira O Reizinho da Casa – Entendendo o Mundo das Crianças Opositivas, Desafiadoras e Desobedientes Gustavo Henrique Teixeira Saiba mais sobre estes e outros títulos em nosso site: www.rubio.com.br

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MANUAL DE COMPORTAMENTO ANIMAL

MARCOS ROCHEDO FERRAZ Professor Adjunto do Departamento de Farmacologia e Psicobiologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Coordenador da disciplina de Etologia do Curso de Ciências Biológicas da UERJ. Professor do Núcleo de Disciplina em Ciências Biológicas da Universidade Gama Filho (UGF), RJ. Doutor em Ciências pela UERJ. Mestre em Biologia pela UERJ. Bacharel em Ciências Biológicas pela UERJ.

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Manual de Comportamento Animal Copyright © 2011 Editora Rubio Ltda. ISBN 978-85-7771-060-7 Todos os direitos reservados. É expressamente proibida a reprodução desta obra, no todo ou em partes, sem a autorização por escrito da Editora. Produção e Capa Equipe Rubio Editoração Eletrônica Cristiana Ribas Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Ferraz, Marcos Rochedo Manual do comportamento animal / Marcos Rochedo Ferraz. -- Rio de Janeiro : Editora Rubio, 2011. Bibliografia ISBN 978-85-7771-060-7 1. Animais - Comportamento I. Título.

10-11484

CDD-599.74428 Índices para catálogo sistemático: 1. Animais : Comportamento : Zoologia 599.74428

Editora Rubio Ltda. Av. Franklin Roosevelt, 194 s/l 204 – Castelo 20021-120 – Rio de Janeiro – RJ Telefax: 55 (21) 2262-3779 • 2262-1783 E-mail: rubio@rubio.com.br www.rubio.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil

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Colaboradora

MARCIA MARTINS DIAS FERRAZ Doutora em Ciências pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Mestre em Biologia pela UERJ. Bacharel em Ciências Biológicas pela UERJ.

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Dedico esta obra Ă minha filha Isabela e Ă minha esposa Marcia, que formam comigo o que denominamos lar.

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Agradecimentos

Agradeço sinceramente a todos os estudantes do curso de Ciências Biológicas da UERJ que passaram pela disciplina de etologia, pelas discussões extremamente produtivas que realizamos, pelas dúvidas colocadas, pelos questionamentos, pelas críticas muitas vezes ácidas e, sobretudo, pelo clima extremamente cordial e afetivo que sempre existiu em nosso meio. Cada turma deixou sua marca na história da etologia da UERJ e no meu coração. Em algumas delas, a discussão quase emperrava na eterna polêmica criacionismo versus evolucionismo. Em outras, a discussão acerca da teoria do gene egoísta e da seleção natural consumiu boa parte do tempo. Foi por conta desses momentos fecundos, criativos e prazerosos que me propus a escrever este livro. Sou grato também à minha família. À minha esposa Marcia, pelo apoio, pela valorosa colaboração em dois capítulos e pela revisão crítica deste livro; e à minha filha Isabela, que me permitiu escrever o livro ao mesmo tempo em que brincávamos juntos de desenhar e pintar. Sem o apoio familiar, eu não teria conseguido.

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Introdução

A palavra etologia, de origem grega, significa “estudo da conduta”. Estudar o comportamento dos animais é sempre intrigante e prazeroso. Primeiro, porque desperta nossa curiosidade. Segundo, porque conhecer o comportamento animal pode agregar ganho econômico à agricultura e à pecuária. Por último, não podemos esquecer que, apesar de sermos animais racionais, vemos muito do nosso comportamento em outros animais. O presente livro não pretende esgotar o tema da etologia, mas se propõe a ser um manual simplificado do assunto. Foi escrito pela necessidade de um texto em português para as aulas de etologia ministradas na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), para o curso de Ciências Biológicas. Meu primeiro contato com a etologia foi no Congresso da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em Belo Horizonte, em 1985, quando conheci o professor César Ades. Desde então, enquanto aluno de Ciências Biológicas, acompanhei a criação da Sociedade Brasileira de Psicobiologia (SBP), posteriormente Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNC), e paralelamente a criação da Sociedade Brasileira de Etologia. Quando retornei do Congresso, procurei por algum pesquisador que trabalhasse na área de etologia e, curiosamente, encontrei no então Departamento de Ciências Fisiológicas o professor Ricardo Santos, que estudava os efeitos da privação de sono REM sobre o comportamento. Ao terminar a graduação e me inserir no programa de pós-graduação em biologia, na UERJ, fui contratado como professor visitante na UERJ. Na ocasião, jun-

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to com o professor Ricardo e meu grande amigo Waisenhowerk Vieira de Melo, hoje professor-assistente do Departamento de Ensino de Ciências da UERJ, criamos a disciplina de psicobiologia. O tempo passou e a disciplina de psicobiologia se converteu em etologia. Da psicobiologia para etologia, modificamos o enfoque da disciplina e esta passou a flertar menos com a psicologia experimental e mais com a ecologia comportamental, com excelente aceitação pelo corpo discente. Durante esse processo de criação e afirmação da disciplina, amadurecemos a ideia de escrever este livro. Temos utilizado diferentes textos durante as aulas, e a discussão é sempre muito rica. Este livro, portanto, é o resultado da organização destes textos, que abordam conceitos elementares de etologia, incluindo um breve histórico, as primeiras questões e a teoria do gene egoísta; descrevem alguns dos diferentes padrões individuais de comportamento; e apresentam um ensaio sobre o comportamento humano, com base na etologia. Espero que esta abordagem simples e dinâmica propicie um acesso rápido ao estudo científico do comportamento animal e incentive o estudo mais aprofundado deste assunto, que é simplesmente fascinante. Marcos Rochedo Ferraz

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Abreviaturas

ACTH

hormônio adrenocorticotrófico – adenocorticotropic hormone

ADH

hormônio antidiurético – antidiuretic hormone

BH

hormônio cerebral – brain hormone

BNC

células neurossecretoras cerebrais – brain neurosecretory cells

CH

hormônio da chamada

CR

reflexo condicionado – conditioned reflex

CRH

hormônio liberador da corticotrofina – corticotropin releasing hormone

CS

estímulo condicionado – conditioned stimulus

CVS

ciclo vigília/sono

DNA

ácido desoxirribonucleico – deoxyribonucleic acid

ECA

enzima conversora da angiotensina

EEF

estratégias evolutivamente fixas

EEG

eletroencefalograma

EH

hormônio da eclosão – eclosion hormone

EMG

eletromiograma

EOG

eletro-oculograma

FSH

hormônio estimulante do folículo – follicle stimulating hormone

GABA

ácido gama-aminobutírico – gama-aminobutyric acid

GH

hormônio do crescimento – growth hormone

GnRH

hormônio liberador de gonadotrofinas – gonadotropin releasing hormone

IRM

mecanismo liberador da inibição

JH

hormônio da juventude – juvenile hormone

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LH

hormônio luteinizante – luteinizing hormone

MBC

machos bons cantadores (teleogryllus)

MH

hormônio da muda – molting hormone

mRNA

ácido ribonucleico mensageiro – messenger ribonucleic acid

MS

machos satélites (teleogryllus)

OCP

otimização de curto prazo

OH

hormônio da oviposição – oviposition hormone

OLP

otimização de longo prazo

PAS

pressão arterial sistêmica

PIC

padrão individual de comportamento

PMA

padrão modal de ação

PTH

paratormônio

REM

movimento rápido dos olhos – rapid eye movement

RER

retículo endoplasmático rugoso

SNAS

sistema nervoso autônomo simpático

SNAP

sistema nervoso autônomo parassimpático

SNC

sistema nervoso central

SNR

sono não REM

SWS

sono de ondas lentas – slow waves sleep

T3

tri-iodotironina

T4

tiroxina

TFO

teoria do forrageamento ótimo

TRH

hormônio liberador de tireotrofina – tireotropin releasing hormone

TSH

hormônio estimulante da tireoide – tireoid stimulant hormone

UR

reflexo não condicionado – unconditioned reflex

US

estímulo não condicionado – unconditioned stimulus

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Sumário

Capítulo 1 Etologia como Ciência do Comportamento ............................................................ 1 Capítulo 2 Conceitos Fundamentais em Etologia .................................................................. 11 Capítulo 3 O Papel do Aprendizado no Comportamento ........................................................ 31 Capítulo 4 Padrões Modais de Comportamento .................................................................... 49 Capítulo 5 Genes e Comportamento...................................................................................... 61 Capítulo 6 Comportamento e Adaptação ............................................................................... 77 Capítulo 7 Hormônios e Comportamento .............................................................................. 93 Capítulo 8 Defesa do Território ........................................................................................... 113 Capítulo 9 Comportamento Ingestivo e de Forrageamento ................................................. 121

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Capítulo 10 Comportamento Antipredatório .......................................................................... 131 Capítulo 11 Comportamento Social ...................................................................................... 139 Capítulo 12 Comportamento Reprodutivo ............................................................................. 149 Capítulo 13 Ciclo Vigília/Sono – os Estados da Consciência ................................................ 159 Capítulo 14 Etologia Humana – Análise do Comportamento Humano em Perspectiva Etológica................................................................................... 185 Índice Remissivo ............................................................................................... 209

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Etologia como Ciência do Comportamento Capítulo 1

INTRODUÇÃO Afinal, o que significa etologia? Esse termo surgiu em meados do século XVIII em artigos publicados na Academia Francesa de Ciências. Contudo, na ocasião, o termo descrevia o que hoje chamamos de ecologia. O seu significado atual foi introduzido em 1950 pelo holandês Nikolaas Tinbergen (Niko Tinbergen, 1907-1988): etologia é a ciência que estuda o comportamento animal. Em outras palavras, é o estudo científico do comportamento animal. A origem dessa palavra vem do grego ethos (costume, hábito) e logos (estudo). Portanto, a etologia estuda “os hábitos” dos animais em uma perspectiva biológica, evolucionária, usando o método científico em geral e o comparativo em particular como ferramentas de estudo. John Dennis Carthy (1969) definiu comportamento como sendo tudo aquilo que percebemos das reações de um animal ao ambiente que o cerca, e que geralmente envolve movimento. É claro que esta definição limita comportamento animal à nossa capacidade de percebê-lo. Del-Claro (2004) vai um pouco além e define “estudar o comportamento” como sendo avaliar e mensurar todo o ato executado por um animal, perceptível ou não, ao universo sensorial humano. Sendo assim, para se estudar o comportamento de um animal é necessário dispor de tecnologias que auxiliem a visualização de atos imperceptíveis a “olho nu”. Esse estudo inicia-se com a observação de posturas, movimentos e outros aspectos de um animal, de uma determinada espécie, ou de uma população de animais. A humanidade observa o comportamento dos animais desde épocas remotas. Caçadores e pesca-

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dores do passado utilizaram o conhecimento acerca dos hábitos de suas possíveis presas para otimizar as tarefas. Para o pescador era importante saber que o salmão não morde a isca durante a desova, ao passo que o caçador devia aprender que roedores tendem a fugir para o escuro durante a captura e os pássaros fogem em direção à luz. Evidentemente, aquele que aprendeu primeiro esses aspectos do comportamento animal obteve vantagens na caça e na pesca. Além disso, nossos antepassados precisaram conhecer os hábitos dos seus prováveis predadores para se defenderem da melhor maneira. Além da importância do aspecto econômico ou de subsistência, o estudo do comportamento dos animais nos desperta sentimentos de curiosidade, admiração e encantamento. Pinturas rupestres com cerca de 10.000 anos revelam que nossos antepassados se interessavam por lagartos, peixes, aves, entre outros animais, talvez por simples curiosidade. Até porque, muito do nosso comportamento dito humano é comparável à conduta dos outros animais. Del-Claro (2004) sugere que a etologia pode ser definida como “um exercício da curiosidade humana na tentativa de compreensão da sua própria natureza animal”. Todavia, entre a época primitiva, em que a necessidade de sobrevivência gerava os primeiros “observadores do comportamento animal”, e o período histórico em que a etologia surgiu e se consolidou como ciência do comportamento, muitas contribuições foram realizadas por estudiosos de diferentes campos do conhecimento. Nesse processo histórico, alguns eventos merecem atenção especial, pois contribuíram em muito para o desenvolvimento da etologia.

HISTÓRIA DA ETOLOGIA Na Grécia pré-aristotélica, filósofos e observadores do comportamento animal admitiam dois tipos de criação: os humanos e os deuses que representavam a criação racional, e as criaturas do mundo animal que representavam a criação irracional. Na Antiguidade, Aristóteles (384-322 a.C.) merece destaque, pois foi o primeiro homem, de quem se tem notícia, a escrever um tratado sistemático de psicologia, intitulado De Ânima, ou seja, “A respeito da alma”. Aristóteles pregava a existência de diversos níveis de matéria e forma, sendo o nível mais alto a forma e o mais baixo, a matéria. Na concepção aristotélica, o homem fazia parte do mundo natural, em oposição à religião. Foi de

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5 Capítulo 1 | Etologia como Ciência do Comportamento

A psicologia comparada minimiza a perspectiva evolucionária, ao utilizar, por exemplo, estudos experimentais de laboratório, com enfoque no aprendizado associativo e atenção especial para a estatística. É a escola norte-americana clássica. De início, a etologia clássica foi muito criticada por desprezar a estatística e focalizar os padrões estereotipados de comportamento. Atualmente, a etologia sintetizou as duas tendências, de modo que os limites descritos anteriormente já não fazem mais sentido e a etologia pode ser definida como “o estudo científico do comportamento animal” (Niko Tinbergen, 1969); ou ainda, conforme descrito no Dicionário Etológico de Heymer (1982): “Etologia – biologia da conduta. Estudo objetivo do comportamento animal e do homem sob um ponto de vista biológico, com ênfase na conduta específica, sua adaptação e evolução.” Tabela 1.1 Características da etologia clássica e da psicologia animal Característica

Etologia clássica

Psicologia animal

Localização geográfica

Europa

América do Norte

Treinamento

Zoologia

Psicologia

Objetos de estudo

Pássaros, peixes e insetos

Mamíferos e ratos de laboratório

Ênfase

Instinto e evolução do comportamento

Aprendizado e desenvolvimento de teorias

Fonte: adaptada de Dewsbury, 1978.

No final da década de 1980, com o surgimento da disciplina psicobiologia, houve uma tentativa de unificação entre a psicologia experimental e a etologia. No Brasil, ocorreu a fundação da Sociedade Brasileira de Psicobiologia e muitas universidades introduziram a nova disciplina nos currículos dos cursos de biologia, veterinária e psicologia. O desenvolvimento das neurociências, sobretudo a partir da década de 1990 (que o então presidente dos EUA George Bush designou como a década do cérebro), possibilitou um conhecimento maior acerca das bases neurobiológicas do comportamento. Surge a ciência neurobiologia, com enfoque nos mecanismos neurofisiológicos e neuroquímicos do comportamento, em detrimento do enfoque evolucionário. Para agregar a nova disciplina, o termo psicobiologia foi substituído por neurociências (a Sociedade Brasileira de Psicobiologia passou a ser denominada Sociedade

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Figura 2.1 Modelo psico-hidráulico de Lorenz Fonte: adaptada de Lorenz, 1950.

Estímulo supernormal Estímulo supernormal é um key stimulus exagerado, que evoca uma resposta também exacerbada no animal. Tinbergen (1951) demonstrou que gaivotas ao nidificar no solo, normalmente em grupo, costumam recolher seus ovos, quando estes saem do ninho, rebocando-os entre as patas com o bico “de marcha a ré”. Quando um ovo de avestruz é oferecido junto ao ovo original da gaivota, esta prefere recolhê-lo em vez de seu próprio ovo. É um exemplo natural de “olho grande”. Os humanos preferem ovos de chocolate a ovos de aves, porque têm mais glicídios e lipídios, portanto mais saborosos. Sendo assim, todos os animais – o que obviamente nos inclui – respondem melhor quando o estímulo ambiental é exagerado. Por exemplo, quando conversamos com uma pessoa, nossa atenção costuma fixar-se nos olhos e, sobretudo, nos lábios de nosso interlocutor. Portanto, vamos considerar os lábios (e também os olhos) como key stimulus que despertam em nós a atenção para com o outro. Conscientes ou não, algumas mulheres (e homens também) costumam reforçar o estímulo visual, tornando-o um poderoso estímulo supernormal, simplesmente passando batom nos lábios. Atualmente, o uso de silicone para modelar e, frequentemente, aumentar seios e glúteos também funciona como poderoso estímulo supernormal para despertar nos homens a atração sexual. Com isso, supõe-se que, na

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a latência de acertos em vários testes comportamentais (labirintos, experimentos de contornos, testes de esquiva, entre outros) pode servir para fins comparativos. Observa-se que quanto maior o grau de desenvolvimento do sistema nervoso central, maior a capacidade de aprendizagem e menor a latência de acertos em uma tarefa específica. Por exemplo, em testes em que os animais deveriam aprender a pressionar um botão A e não um botão B para ganhar uma recompensa ou evitar uma punição, observou-se que primatas aprendem mais rapidamente do que cães; cães mais rapidamente do que gatos e ratos; e ratos mais rapidamente do que esquilos. Podemos avaliar também a predisposição para aprender. Hebb (1958) avaliou o conceito de triangularidade em crianças de dois anos, chimpanzés e ratos. Alguns animais reconhecem objetos geométricos, tais como triângulos. Outros distinguem apenas cores. O conceito de triangularidade na filogênese pode ser estudado através de diferentes tipos de triângulos (Figura 3.2). Ratos e camundongos reconheceram apenas o triângulo A. Chimpanzés reconheceram o A e o B. Apenas as crianças de dois anos de idade foram capazes de perceber o triângulo C.

APRENDIZADO VERSUS INSTINTO VERSUS SOCIOBIOLOGIA Os etologistas clássicos tiveram muita dificuldade em aceitar que o aprendizado modula o instinto, assim como os psicólogos comportamentais (behavioristas) demoraram a compreender que os fatores genéticos influenciam no aprendizado. Os etologistas investigam a função, a evolução do comportamento e o contexto ecológico em que o comportamento é realizado. Para isto, realizam pesquisas em campo, utilizam approach comparativo e investigam os componentes “inatos” do comportamento, denomi-

Figura 3.2 Conceito de triangularidade. Ratos reconhecem apenas o triângulo A; chimpanzés reconhecem A e B. Crianças reconhecem os três tipos de triângulos

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Capítulo 5 | Genes e Comportamento

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Figura 5.1 Movimento de Paramecium sp. Tipo selvagem à esquerda e mutante Pawn à direita Fonte: Kung et al., 1975.

pode-se inferir que esta atua “escolhendo” aqueles genes que permanecerão na população; no caso, os que produzem o comportamento que melhor atrai as fêmeas. Por outro lado, atrair as fêmeas com um bom padrão de canto pode resultar em maior índice de predação. Logo, animais maus cantores devem prevalecer em um ambiente com elevado índice de predadores (Figura 5.2). Já no gênero Gryllus, os genes afetam a quantidade do comportamento de “cantar”. Há linhagens de bons cantores (que cantam com elevada frequência) e de maus cantores (que cantam com uma frequência menor). Existe também uma terceira linhagem dos machos satélites, que não cantam, mas que se posicionam entre a fonte de estímulo sonoro (ou seja, o macho cantor) e a fêmea. Estes machos satélites não se esforçam para atrair as fêmeas, mas obtêm um elevado índice reprodutivo. Portanto, genes para machos satélites têm maiores chances de replicação. No entanto, aqui mais uma vez a dança evolucionária ocorre. Se na nova geração houver um número maior de machos satélites, pode-se assumir que o número de machos cantando será menor e a probabilidade de um macho satélite encontrar uma fêmea será menor do que a do macho cantor. Sendo assim, na próxima geração deverá ocorrer um aumento na frequência de machos cantores, o que irá privilegiar os machos satélites (Figura 5.3). Para o estudo do papel de genes no comportamento é necessário, em primeiro lugar, controlar a influência do ambiente sobre o comportamento, o que inclui o ambiente materno interno durante o desenvolvimento ontogenético do animal. Por este motivo, pode-se empregar algumas téc-

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Figura 5.2 Relação entre gene, expressão do gene e padrão de canto em Teleogryllus sp. A seleção natural na forma de seleção sexual atua diretamente sobre os genes

Figura 5.3 Relação entre seleção natural, na forma de predação, e seleção sexual sobre machos bons cantores (MBC) e machos satélites (MS) em Gryllus sp.

nicas alternativas para isolar os fatores ambientais, como a troca de crias e o transplante de ovários. Na troca de crias, camundongos neonatos de linhagens distintas são trocados no nascimento. Como controle experimental, alguns camundongos de ambas as linhagens são criados pelas próprias mães após um curto período de separação. O objetivo deste procedimento é controlar a influência parental sobre o comportamento dos filhotes. Os resultados obtidos nesses experimentos revelaram que alguns padrões fenotípicos são claramente influenciados pelo contato parental. Animais de linhagens de camundongos muito agressivos, criados por padrastos mansos, apresentaram redução na sua agressividade, sem, no entanto, se tornarem mansos. Por outro lado, animais mansos, criados por pais muito agressivos, também exibiram agressividade intermediária. Temos um exemplo de papel conjunto entre os genes e o ambiente na produção de um padrão comportamental (Tabela 5.1).

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Linhagem Agressivos

Mansos

Padrastos

Comportamento

Agressivos

Muito Agressivo

Mansos

Pouco Agressivo

Agressivos

Pouco Agressivo

Mansos

Mansos

A troca de cria isola a influência do comportamento paterno no do filhote, mas não elimina a do ambiente materno no desenvolvimento da cria. Alguns circuitos neurais são ativados ou desativados em um período crítico e o ambiente interno da mãe pode ter influência definitiva no comportamento futuro do filhote. Para eliminar este fator, ou seja, o conjunto de influências pré-natais, o pesquisador pode realizar o transplante de ovários. Normalmente, quando se implanta o ovário de uma linhagem em outra ocorre rejeição. No entanto, a probabilidade de isso ocorrer é menor quando se utiliza um híbrido como receptor dos ovários, entre as duas linhagens em questão. Os resultados obtidos com essa metodologia em camundongos revelam que os fatores genéticos preponderam na determinação da atividade motora espontânea, em testes no open field, mas o ambiente materno predomina na determinação da massa corporal. Outra metodologia que pode ser empregada para avaliar o papel dos genes no comportamento é a produção de híbridos interespecíficos, ou seja, obtidos a partir do cruzamento entre animais de espécies diferentes, mas aparentadas. O etologista suíço Erik Zimen (1941-2003) e seu orientador alemão Wolf Herre desenvolveram um importante estudo sobre a origem das raças caninas, cruzando uma loba com um cachorro da raça poodle. O produto deste cruzamento foi denominado puwos (mistura de Königspudel e wolve) e publicado no artigo intitulado “Wolves and Königspudel – a behavior comparison”. A análise da morfologia e do comportamento dos puwos I (primeira geração) e dos puwos II (segunda geração, ou seja, obtidos pelo cruzamento entre dois puwos I) revelou que os cães são descendentes diretos dos lobos, podendo mesmo constituir uma única espécie, e que os animais obtidos apresentaram grande diversidade comportamental e morfológica, que por si só explica a enorme variedade de raças caninas. Os puwos I apresentaram comportamentos lupinos, caninos ou interme-

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Capítulo 5 | Genes e Comportamento

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Tabela 5.1 Troca de crias em linhagens de Mus musculus

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Comportamento e Adaptação Capítulo 6

INTRODUÇÃO A adaptação de um indivíduo a determinado ambiente pode ser definida pela sua capacidade de sobreviver o suficiente para deixar descendentes. Para sobreviver é preciso ser capaz de ingerir alimentos e evitar eventuais predadores e parasitas. Pode-se assumir que adaptação é o resultado da ação da seleção natural sobre um indivíduo. Portanto, na luta pela sobrevivência, quem se adaptada melhor a determinado ecossistema é o vencedor de um longo processo de seleção. Mas que fatores determinam o sucesso adaptativo de uma espécie, de uma população ou de um indivíduo? Os organismos vivos exibem “adaptações” morfológicas e fisiológicas que os tornam aptos a cumprir suas tarefas biológicas (sobreviver e procriar). No entanto, o comportamento é um fator crucial neste processo. As estratégias comportamentais que produzem adaptação e, portanto, contribuem na sobrevivência do maior número de indivíduos da prole devem seguir principalmente os seguintes preceitos: resistência às variações do ambiente, estratégias de alimentação (herbivorismo, predação ou saprofitismo), defesa contra predadores (fuga, enfrentamento ou camuflagem), competição intra- e interespecífica, associação intra- e interespecífica, e estratégias reprodutivas. É interessante observar que na maioria das culturas humanas o casamento de pais com seus próprios filhos, bem como de irmãos entre si, é rigorosamente condenado. Este artifício cultural está tão incorporado, que as pessoas ficam chocadas quando se deparam com notícias de algum in-

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cesto. Contudo, este comportamento foi e é fundamental para garantir a geração de descendentes saudáveis, uma vez que a maioria dos genes letais é recessiva. Esses genes são raros na população e como se expressam apenas em homozigose, a probabilidade do indivíduo ser homozigoto tendo sido fruto de casamento consanguíneo, ou seja, casamento entre pessoas com o genoma muito semelhante, é muito elevada. Pode-se citar outros comportamentos humanos que apresentam inconteste adaptação, como a vida em grupo, cuidados com a prole, entre outros. Porém, tudo indica que evitar voluntariamente o incesto é exclusivo dos seres humanos. Na maioria das espécies de mamíferos, os machos abandonam a família tão logo atinjam a idade reprodutiva. A dispersão dos machos funciona como mecanismo etológico para evitar a consaguinidade.

OTIMIZAÇÃO DE CURTO OU DE LONGO PRAZOS O papel do comportamento em conferir adaptação (no inglês: adaptiveness) está bem estabelecido. Contudo, para se conhecer o valor adaptativo de determinado comportamento, é necessário que se considere não apenas os benefícios, mas também os custos que esse comportamento acarreta. A teoria da otimização do comportamento considera que o produto final da seleção natural é a otimização do repertório comportamental dos animais, a fim de minimizar os custos e aumentar os benefícios; ou, pelo menos, obter o menor índice possível na relação custo/benefício. O termo otimização pode ser analisado sob dois aspectos, denominados otimização de curto prazo (OCP) e otimização de longo prazo (OLP). A OCP refere-se à otimização de determinado padrão individual de comportamento (PIC), independente dos demais. Por exemplo, quando determinado pássaro insetívoro “escolhe” trocar de árvore durante a coleta de insetos arborícolas, antes de retirar todo o alimento da primeira árvore, pode-se inferir que a relação custo (gasto energético de viagem entre duas árvores)/benefício (obtenção de alimento) é favorável. A OLP refere-se à otimização da totalidade de comportamentos, que confere ao indivíduo a capacidade de sobreviver e reproduzir-se. Sendo assim, um ótimo animal forrageador pode não sê-lo para evitar predadores e/ou parasitas como é um animal forrageador semiótimo. Admitindo-se que o ambiente em que vivem está repleto de predadores, o segundo pode deixar bem mais descendentes. Em outras palavras, o sentido da otimização comportamental

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que funciona como estímulo para inibir a função da glândula pineal. Nos meses frios, com um fotoperíodo menor, essa glândula fica desinibida e secreta a melatonina, o hormônio que atua inibindo a função testicular. Dessa maneira, ocorre diminuição da massa testicular (em determinadas aves) e redução da liberação de testosterona (em diversos animais) (Figura 7.1). O mesmo fenômeno de atrofia e hipertrofia testicular em função do período sazonal ocorre em alguns mamíferos de reprodução obviamente sazonal, tais como o touro (Bos taurus). Sendo assim, a escolha em um restaurante do prato “testículos de touro” deverá levar em conta o período do ano, ou o freguês poderá pagar caro por uma guloseima atrofiada. O papel da testosterona na organização cerebral do comportamento sexualmente dimórfico em ratos ficou bem estabelecido após um clássi-

Figura 7.1 Efeitos da época do ano (duração do fotoperíodo) sobre níveis plasmáticos hormonais, massa testicular e comportamentos de aves machos. O aumento do fotoperíodo, que ocorre no verão, inibe a síntese de melatonina pela glândula pineal e remove o tônus inibitório que esse hormônio exerce sobre as gônadas. Como consequência, as gônadas hipertrofiam-se, o que aumenta a produção de andrógenos que irão ativar o comportamento reprodutivo Fonte: adaptada de Gwynne & Dittami, 1990.

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109 Capítulo 7 | Hormônios e Comportamento

co experimento, em que machos foram castrados no primeiro dia de vida. Um grupo-controle recebeu reposição de testosterona antes de completar cinco dias de vida, ao passo que outro permaneceu íntegro. Aos três meses de idade (idade adulta em ratos), avaliou-se o comportamento sexual dos animais. Os castrados receberam administração de testosterona (sem o hormônio sexual, os animais não apresentam motivação sexual, nem conseguem ter ereções penianas). Ambos os controles (castrado e intacto) exibiram padrão de acasalamento masculino: montaram em fêmeas sexualmente receptivas, penetraram e ejacularam. Os animais castrados que não receberam testosterona até o quinto dia de vida não só não cobriram as fêmeas, como exibiram padrão de acasalamento feminino: exibiram lordose na presença de outro macho e permitiram ser cobertos. No mesmo experimento, algumas fêmeas receberam testosterona do primeiro dia de vida. Ao tornarem-se adultas exibiram padrão sexual masculino, cobrindo outras fêmeas e não permitindo serem cobertas por machos. Este estudo comprova o papel da testosterona sobre a organização cerebral do comportamento sexual masculino, uma vez que a ausência deste hormônio no período crítico (que é um período de tempo específico para cada espécie) leva a um padrão de comportamento sexual feminino.

Prolactina e comportamento parental A prolactina é o hormônio da lactação. No entanto, existe como hormônio muito antes do primeiro mamífero ter surgido neste planeta. Observa-se, por exemplo, este hormônio em répteis crocodilianos e em peixes. Um experimento clássico realizado em ratos revelou o papel da prolactina no comportamento parental: duas fêmeas tiveram a circulação sanguínea acoplada artificialmente via cânulas e tubos, de modo que o sangue da primeira foi bombeado para a circulação da segunda e vice-versa. Uma delas havia acabado de parir e estava aleitando seus filhotes. A outra, nulípara, foi utilizada como controle. Após a dupla transfusão, a fêmea nulípara (ou seja, que nunca havia entrado em gestação) não só entrou em lactação, como apresentou comportamento epimelético com relação aos filhotes da outra. A experiência evidenciou o papel da prolactina não apenas na lactação, mas, sobretudo, na indução dos padrões modais de comportamento parental. A mesma prolactina foi hipoteticamente relacionada com o comportamento da cadela “Catita”. Em fevereiro de 1999, no município de Campos,

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Comportamento Antipredatório Capítulo 10

INTRODUÇÃO Os predadores são morfofisiologicamente moldados para a caça, pois apresentam especializações de estrutura, forma (morfofisiológicas) e de comportamento muito elaboradas e especializadas para a predação. Assim, escapar desses animais especialistas na caça e, portanto, otimizados para a predação, as presas, também apresentam adaptações, tanto estruturais quanto etológicas, que fazem do “jogo da vida” uma disputa muito interessante. Observa-se, portanto, uma dança evolucionária: presas otimizadas em evitar a predação versus predadores otimizados em garanti-la. O resultado final consiste na coevolução presa versus predador. Apenas os melhores de cada categoria deixam seus genes para as futuras gerações. As estratégias empregadas para evitar a predação dependem do repertório comportamental do indivíduo. Animais que vivem em grupos podem empregar a defesa social, quando possível, e também padrões de defesa individual se necessário (Tabela 10.1). Os mecanismos de antipredação podem ser classificados em primários, secundários e mecanismos de defesa em grupo. Os primários operam na presença ou não do predador e funcionam reduzindo a probabilidade de um encontro entre este e a presa. Em outras palavras, esses mecanismos evitam a localização da presa. O comportamento antipredatório mais comum é a fuga. Uma vez que o predador é localizado, os animais tentam fugir voando, correndo, rastejando, nadando, pulando, entre outros. Os diferentes padrões antipredação podem ser classificados em quatro categorias:

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1. 2. 3. 4.

Comportamentos que evitam a localização. Comportamentos que evitam o ataque. Comportamentos que evitam a captura. Comportamentos que evitam o abate.

Tabela 10.1 Padrões de comportamento antipredação Padrões antipredação individuais

Padrões antipredação em grupo

Fuga

Creche social

Ocultação

Alarme

Mudanças de cor

Confusão

Cores de advertência (aposemáticas)

Dissuasão (sttoting)

Polimorfismo

Diluição

Autotomia

Enfrentamento cooperativo

Defesa química

Dissimulação

Enfrentamento

Mecanismos de defesa primários O primeiro desses mecanismos é a camuflagem, que depende de adaptações morfológicas e padrões comportamentais específicos, pois de nada valeria o animal ser parecido com uma folha se ele ficasse pulando de galho em galho. As adaptações morfológicas incluem coloração críptica ou padrões multicoloridos, dependendo do ambiente em que a presa se situa. As zebras exibem um padrão bicolor que dificulta a visualização a longas ou médias distâncias. Animais com essas adaptações exibem padrões de comportamento que otimizam a camuflagem. Animais marinhos, tais como cnidários e larvas de diversos grupos, apresentam transparência, ocultando-se em meio aquático. Diferentes animais aquáticos possuem um padrão de coloração countershading, ou seja, mais escuro no dorso e mais claro no ventre. Dessa maneira, minimizam a sombra produzida pela incidência de luz de cima e, quando vistos por baixo, o padrão claro do ventre confunde com a luminosidade. Pode-se citar, ainda, a capacidade de mudança de cor de muitos animais, a fim de otimizar a camuflagem. O camaleão é o exemplo mais conhecido, embora o “mestre na mudança de cor” seja, inegavelmente, a siba ou sépia (Sepia officinalis), cefalópode semelhante à lula. Segundo William Holmes (1940), a sépia muda de cor com uma velocidade incrível, de modo a ficar praticamente invisível com relação ao seu substrato. O pesquisador afirma

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Tabela 10.2 Padrões de defesa antipredação nos animais

Ocultação ou dissimulação

Uso de tocas ou abrigos

Mimetismo por formato ou por alteração seletiva na cor

Advertência de outras presas

Observação periódica

Orientação com relação ao vento

Andar em manadas

135 Capítulo 10 | Comportamento Antipredatório

final do abdome uma secreção volátil que contém quinonas e peróxido de hidrogênio. Diversos cefalópodes liberam uma secreção de cor escura, que funciona para reduzir a visibilidade do predador e facilitar o escape.

Alarmes intra e interespecíficos; por exemplo, em pássaros, os sons de alarme são puros, sem descontinuidade aguda (Marler, 1999)

Advertência aos predadores

Presas com sabor aversivo, com determinado padrão de coloração

Mimetismo batesiano; por exemplo, falsa-coral

Ruídos ou posturas agressivas intimidatórias

Emissão de substâncias químicas repelentes

Fuga

Fuga propriamente dita, em alta velocidade

Congelamento: distrai o predador, reduzindo a fúria do ataque

Distração; por exemplo, lagartixa

Resistência ativa

Ataque de resistência com batidas, arranhões, chutes, coices ou mordidas

Uso de chifres, espinhos ou pele tóxica

Os mecanismos que evitam a captura e o abate também podem envolver o desvio da atenção do predador. Para desestimulá-lo, muitos animais exibem displays de intimidação a fim de parecerem maiores do que realmente são. A cabeça, por ser a região anterior e referenciar a direção de fuga, além de acomodar o encéfalo, é, em geral, a região atacada pelos predadores. Alguns animais ao serem atacados, como certas serpentes, enrolam-se para escondê-la e protegê-la. Há outros com adaptações morfológicas que simulam falsas cabeças, como peixes e insetos. Normalmente, o predador tenta capturar a presa, ou abatê-la, pela cabeça e, neste caso, esta tem uma chance de fugir. Essas alterações morfológicas estão sempre associadas a comportamentos que aumentam a eficiência do “engodo”. Por exemplo, os peixes

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que apresentam um “falso olho” na parte posterior do corpo costumam nadar para a frente e para trás, o que dificulta a diferenciação entre a parte anterior e a posterior. Existe uma espécie de borboleta que apresenta apêndices na parte posterior das asas que lembram antenas. Esta movimenta as asas de tal maneira que parece o movimento de antenas. Outro padrão comportamental que opera a fim de evitar a captura é a exibição dos displays deimáticos, com a súbita exposição de coloração chamativa, normalmente oculta, que pode assustar o predador. A autotomia é um padrão que envolve adaptações fisiológicas de modo a produzir a perda de parte do corpo, preservando o indivíduo. É o caso de muitos lagartos, que perdem parte da cauda ou, ainda, a holotúria, um Echinodermata que eviscera e preserva sua vida, enquanto o predador se distrai ao comer as vísceras do animal.

Mecanismos de defesa em grupo A vida em grupo facilita bastante tanto a defesa antipredação, em que pese o desgaste produzido pelo estresse social (ver Capítulo 11, Comportamento social), como a tarefa da vigilância. Muitos herbívoros vivem em manadas mistas, formadas por gnus, zebras, girafas, gazelas, entre outros. O grito de alarme muitas vezes é específico para cada tipo de predador. Normalmente, membros de um grupo empregam os dois tipos de defesa primária e secundária, incluindo o enfrentamento. Além disso, observa-se o efeito diluição, que reduz a probabilidade de cada indivíduo ser o escolhido pelo predador. Isso pode explicar o fato de um cardume de peixes rapidamente se espalhar diante de um predador. O grande número de indivíduos se movimentando ao mesmo tempo impede que o predador escolha um para perseguir, no meio de tanta confusão que acaba o confundindo. Por exemplo, pinguins quando predados por leões-marinhos ou, sobretudo, por leopardos-marinhos, mergulham no mar em grupo, e em consequência, a eficiência de predação pode chegar até zero. Por outro lado, a vida em grupo produz o selfish herd, que é a redução da probabilidade de um animal ser predado quando situado no centro da colônia. Quanto maior a posição na escala hierárquica do grupo, maior é a probabilidade de sobrevivência, visto que os animais dominantes escolhem os locais mais centrais para colocar seus ovos (aves) ou mesmo para descanso (insetos). Portanto, a posição social ocupada dentro do grupo é

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Figura 13.1 Sinais fisiológicos característicos de cada uma das fases do ciclo vigília/sono de humanos EMG: eletromiograma; EEG: eletroencefalograma; EOG: eletro-oculograma. Fonte: adaptado de Hobson & Pace-Schott, 2002.

rentes padrões, denominados ritmos ou ondas: Alfa – com frequência de 8 a 14 Hertz (Hz, ou seja ciclos/segundo), com uma média de 10Hz, registradas nos dois terços posteriores do cérebro, quando o indivíduo encontra-se em repouso psicossensorial, acordado e com os olhos fechados. Quando o indivíduo abre os olhos ocorre a “reação de parada” e essas ondas são interrompidas; Beta – apresentam uma atividade mais rápida, de 15 a 18Hz, e menos ampla, registradas na região frontal do cérebro; Teta – com atividade bem mais lenta que as demais, de 4 a 7Hz, relativamente mais ampla, observada nas regiões temporais; Delta – ritmos lentos ao extremo, inferiores a 4Hz e de amplitude variável, mas geralmente ampla. Podem ser detectadas em alguns estados patológicos no período de vigília. No estado de vigília, em geral, observam-se dois tipos de ondas no EEG: alfa e beta. As ondas betas são de baixa amplitude e elevada frequência, o que caracteriza elevada atividade elétrica cortical; as ondas alfa, ao contrário, apresentam amplitude maior e frequência menor, o que significa menor atividade elétrica cortical. Um indivíduo, de qualquer espécie, que esteja extremamente em alerta e atento a determinado estímulo, apresentará ondas do tipo beta. Em humanos, por exemplo, estas ondas estarão presentes no EEG de uma pessoa que se encontra resolvendo um problema de matemática. Quando, ao contrário, o sujeito fica dispersivo, desatento, ele irá apresentar ondas do tipo alfa no EEG. A musculatura esquelética e o sistema nervoso autônomo apresentam tônus proporcional à demanda. O globo ocular movimenta-se na procura a estímulos ambientais e em resposta a eles. Portanto, nesta fase, o indivíduo apresenta grande interação com o meio ambiente, sendo bastante receptivo aos estímulos ambientais. As características de cada fase do CVS estão apresentadas na Tabela 13.1.

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Capítulo 13 | Ciclo Vigília/Sono – os Estados da Consciência

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171 Capítulo 13 | Ciclo Vigília/Sono – os Estados da Consciência

indivíduo do sono, na fase REM é significativamente maior que na fase não REM. No estágio 4 do sono não REM, esse limiar também está elevado, enquanto no cochilo, estágio 1, é comparativamente bastante reduzido. Além disso, indivíduos despertados na fase REM mostram-se mais adaptados ao ambiente, porque respondem mais prontamente quando um estímulo ou uma tarefa lhe são apresentados. Na fase não REM, ao contrário, despertam não adaptados. No sono não REM observa-se uma progressiva redução na pressão arterial sanguínea, na frequência respiratória, enquanto o sistema digestório encontra-se em franca atividade. Na fase REM o indivíduo apresenta respiração, pressão arterial e frequência cardíaca extremamente irregulares. Alguns estudos sugerem que nesta fase o indivíduo portador de cardiopatia apresentaria maior risco de vida. Em resumo, no sono não REM os organismos apresentam um córtex motor inibido em um corpo móvel, ao passo que no sono REM o indivíduo apresenta um córtex cerebral hiperativo em um corpo atônico. Por fim, os sonhos são fenômenos característicos da fase REM do sono. Tabela 13.2 Características das fases dow ciclo vigília/sono Fase

Nome

Ondas no EEG

Efeitos da Privação Seletiva

Características

Vigília

Vigília

αβ

Sono não REM Estágio 1

Cochilo

α

Sem privação seletiva

Baixo limiar para despertar

Sono não REM Estágio 2

Sono inequívoco

Comp κ

Sem privação seletiva

Baixo limiar para despertar

Sono não REM Estágio 3

Sono de transição

Comp κδ

Inibe o sono Delta

Duração muito curta

Sono não REM Estágio 4

Sono delta, Sono profundo

δ

Sono paradoxal

αβ

Sono REM

Esta fase aumenta na insônia

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Ideias suicidas Distúrbios comportamentais Eleva a excitabilidade do SNC Eleva o apetite por comida Eleva o apetite sexual Eleva a agressividade Eleva a irritabilidade Reduz o limiar para convulsões Reduz a consolidação da memória

Ocorrência de parassonias Sonhos nublados (25%) Alto limiar para despertar

Alto limiar para despertar

Sonhos vívidos, coloridos, bizarros, de cunho erótico Ereção do clitóris e do pênis Polução noturna Despertar adaptado Respiração irregular Pressão arterial e frequência cardíaca irregulares

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A FILOGÊNESE DO SONO O sono REM já foi identificado e quantificado em muitas espécies de mamíferos, além dos seres humanos. Felinos, macacos e ratos foram os primeiros mamíferos a serem estudados. Siegel e cols. (1995) viram a partir de registros da atividade neuronal na formação reticular a presença de certas características associadas ao estado de sono REM em mamíferos monotremados, como o ornitorrinco e a equidia. Este achado comprova a hipótese de que todos os mamíferos apresentam os dois estados de sono. Aserinsky demonstrou, em 1999, que o tempo total de sono REM tem uma correlação positiva com o tempo total de sono (sono REM + sono não REM), e que este último, por sua vez, tem uma correlação negativa com o tamanho corporal. Ou seja, a duração do sono REM varia de acordo com o tamanho do animal de modo inversamente proporcional. Animais maiores apresentam uma duração de sono REM menor quando comparados a animais menores. As aves exibem um estado similar, apesar da duração média dos episódios (menos de dez segundos) e a porcentagem total de tempo gasto em sono paradoxal (5% do tempo de sono total comparado com 15% a 30% nos mamíferos) ser menor quando comparadas ao sono paradoxal de mamíferos. Estudos realizados em pombos e em galinhas demonstraram a presença de sono REM, sem perda total de tônus em músculos posturais. Não há registro da presença de sono REM ou um estado similar em peixes e em anfíbios, apesar de um estado similar ao sono não REM ter sido observado nesses animais. Em répteis existem dados controversos. Há relatos de sono REM em camaleões, mas não em quelônios.

A ONTOGÊNESE DO SONO Na nossa espécie, observam-se alterações na organização temporal do sono durante o desenvolvimento ontogenético. Em neonatos, em geral, aproximadamente 50% do tempo é despendido em sono, sendo que o sono REM ocupa esse mesmo índice do sono total. Em adultos, o tempo total de sono é de oito horas, sendo que a porcentagem de sono REM cai para 19% do sono total (Figura 13.2). Em idosos, a porcentagem de sono REM cai um pouco mais, junto com a duração de sono total. Nestes, nota-se ainda uma modificação na arquitetura do sono. É comum o idoso apresentar “pacotes” de sono durante o dia, em geral à tarde, depois do almoço. Assim passa a ter

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PAPEL FISIOLÓGICO DO SONO REM Várias hipóteses têm sido propostas para explicar a importância do sono, como: conservação da energia metabólica; capacitação intelectual, termorregulação e armazenamento de memória; embora nenhuma consiga definir ou integrar todas as informações disponíveis sobre o sono. Sua importância fisiológica é, contudo, evidenciada pela persistência ao longo da evolução de mamíferos e aves e pelo enfraquecimento funcional, e até a morte, que ocorrem após períodos de privação de sono em algumas espécies. Estudos recentes revelaram o papel do sono no processamento da memória. Esses estudos têm sido especificamente direcionados ao papel do sono na codificação, consolidação e reconsolidação da memória e plasticidade cerebral, confirmando a hipótese de que o sono contribui de maneira importante para o processo de memória e plasticidade cerebral. O aumento da atividade elétrica, do consumo de oxigênio e de glicose e do metabolismo cerebral durante a fase REM sugeria um papel ativo, ao contrário do papel de descanso antes atribuído ao sono. Diversos pesquisadores demonstraram que há um aumento da síntese de proteínas durante o sono REM, mas seu papel fisiológico permaneceu desconhecido até que uma pesquisa com estudantes de Medicina em uma universidade nos EUA

173 Capítulo 13 | Ciclo Vigília/Sono – os Estados da Consciência

menos sono durante a noite e, consequentemente, na madrugada. Muitas vezes há queixa de insônia, quando na verdade a falta de sono é consequência do indivíduo já ter dormido à tarde.

Figura 13.2 Ontogênese do sono na espécie humana

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Etologia Humana – Análise do Comportamento Humano em Perspectiva Etológica Capítulo 14 Marcos Rochedo Ferraz Marcia Martins Dias Ferraz

INTRODUÇÃO Iniciamos este livro discutindo os motivos pelos quais estudamos cientificamente o comportamento animal. Uma das várias justificativas é que, ao conhecer outros animais, podemos entender um pouco mais sobre o nosso próprio comportamento. A psicologia, a sociologia, a antropologia e a filosofia vêm investindo grandes esforços nessa área. Nesse sentido, a etologia também se destaca, e sua grande contribuição é poder analisar o comportamento do homem em uma perspectiva biológica e, portanto, evolutiva. A grande dificuldade que se apresenta nesses estudos, com base na etologia, é o conceito “fomos feitos à imagem e semelhança de Deus”. Independentemente de se levar ou não em consideração esta ideia preconcebida, entendemos que somos produto do mesmo processo evolutivo que originou os demais animais. Deste modo, por herança genética, dispomos de muitos programas neurais de comportamento de nossos ancestrais primatas, que por sua vez os adquiriram de nossos ancestrais mamíferos, os quais os herdaram de nossos ancestrais répteis mamaliformes, e estes, por sua vez, de nossos ancestrais tetrápodes. Portanto, apesar de todo o nosso desenvolvimento cerebral, que nos permite pensar, imaginar, criar, ainda exibimos muitos padrões individuais de comportamento, que são muitas vezes puro instinto. O zoólogo Desmond Morris, no livro O Macaco Nu, fez uma análise bastante interessante do comportamento humano. Ao contrário de outros autores, Morris propõe que deve-se entender o comportamento humano

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com base nas populações vencedoras da competição intraespecífica, ou seja, em vez de analisar o comportamento dito primitivo de uma tribo distante, ele propõe que se estude o comportamento do homem ocidental.

A ORIGEM DO PRIMATA ANCESTRAL Richard Dawkins propõe que a evolução segue um caminho sem retorno: uma vez iniciada a evolução de determinada estrutura ou comportamento, não há como voltar atrás. Como exemplo, o autor cita que os olhos evoluíram a partir de estruturas rudimentares e que, de início, percebiam apenas a diferença entre claro e escuro. Por meio de mutações genéticas, que são aleatórias, alguns indivíduos apresentavam pequenas melhorias no sistema visual, que por ação da seleção natural, foram passadas e reproduzidas aos descendentes na população. E assim sucessivamente, até que após milhares de pequenas modificações, surge uma estrutura complexa, como o olho humano. Fenômeno semelhante produziu o cérebro humano. Segundo Morris, durante o processo evolutivo um grupo de primatas desenvolveu por etapas um aumento progressivo no córtex cerebral e, mais do que isto, na complexidade de conexões neurais. O novo cérebro permitiu ao nosso ancestral uma intensa capacidade de processamento de informações e de organização, de modo que foi capaz de competir com outros animais muito mais dotados fisicamente. Mas por que motivo este primata continuou desenvolvendo o seu cérebro? Desmond Morris sugere que nosso ancestral deixou de coletar frutas e comer folhas, como os demais primatas, quando descobriu o prazer de comer carne. Chimpanzés, com quem partilhamos 99,4% de nosso DNA, também apreciam carne. Eles caçam cooperativamente outros macacos menores. Mas nosso ancestral queria mais. Queria competir com tigres-dentesde-sabre (Smilodon populator), com o grande lobo do pleistoceno (Canus dirus) e com demais carnívoros por presas grandes, como mastodontes, megatérios e bois almiscarados. Como nosso ancestral não possuía garras e dentaduras poderosas, musculatura desenvolvida para correr, acabou utilizando o seu cérebro como arma. Valendo-se uma inteligência até então não vista no planeta, construiu armas, dominou o fogo e desenvolveu novas estratégias de caça cooperativa. É claro que o bipedalismo – com todas as modificações advindas desta postura – foi importante, porque permitiu que nosso ancestral pegasse em armas para ataque e defesa.

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207 Capítulo 14 | Etologia Humana – Análise do Comportamento Humano em Perspectiva Etológica

Finalmente, parafraseando Richard Dawkins, o fato de sermos munidos com um repertório de programas comportamentais geneticamente determinados, que nos torna egoístas competidores atrás de parceiros sexuais, para que possamos replicar nossos genes, não significa que não podemos nos rebelar contra estes programas instintivos inconscientes. Já nos rebelamos contra nossos genes a partir do momento em que adotamos estratégias de contracepção e separamos definitivamente sexo e reprodução. É verdade que, muitas vezes, nos traímos por pequenos descuidos, que chamamos jocosamente de “lapso freudiano”, e os genes são replicados contra a nossa vontade racional. Portanto, se por um lado nosso ancestral primata precisou ser egoísta, competitivo, agressivo e impiedoso para evitar predadores e vencer a batalha da vida, contra seus concorrentes de outros clãs ou de outras espécies que ocupavam nichos semelhantes (e nós herdamos todos estes programas genéticos de comportamento), por outro podemos hoje em dia exibir comportamentos diametralmente opostos. Isso desde que, é claro, tenhamos o controle racional de nosso comportamento, que sejamos capazes da autocrítica, para avaliar, reavaliar e controlar nossos impulsos instintivos, incluindo a vaidade; e que tenhamos como meta sermos cada vez menos egoístas e mais justos. Eis o grande desafio da humanidade. Para cumprir este enorme desafio é fundamental que conheçamos nossos instintos, ou seja, conheçamos os programas de comportamento que compartilhamos com outros primatas, outros mamíferos, outros Chordata, entre tantos animais. Neste sentido, o estudo da etologia deveria ser uma prioridade.

REFERÊNCIAS Ades C. Etologia de animais e de homens. São Paulo: EDICON/EDUSP; 1989. Dawkins R. Deus, um delírio. São Paulo: Cia das Letras; 2006. Dawkins R. O gene egoísta. São Paulo: Itatiaia; 2001. Gikovate F. A liberdade possível. São Paulo: MG Editores; 2000. Goodenough J, McGuire B. Wallace R. Perspectives on animal behavior. New York: John Wiley and Sons Inc; 1993. Kaplan HS. A nova terapia do sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1977. Máster WH, Johnson VE. A conduta sexual humana. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 1981. Morris D. O macaco nu: um estudo do animal humano. São Paulo: Record; 2001.

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