Borgonha

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Borgonha



HUGO VINICIUS PEREIRA

Borgonha 1ª edição 2017


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

P436b

Pereira, Hugo Vinicius Silva. 1994 – Borgonha / Hugo Vinicius Silva Pereira. – Niterói-RJ : Clube de Autores, 2016. 207 páginas 1. Literatura Brasileira 2. Ficção – Romance 3. Hugo Vinicius Silva Pereira. I. Título. CDD B869.3

Índice para catálogo sistemático 1.Literatura Brasileira – ficção – romance CDD B869.3 © Todos os direitos reservados Hugo Vinicius Silva Pereira


Aos melhores amigos que se gabarão por estar nestas linhas, àquele amigo que nem leu, a uma ex-namorada importante e à força quase mágica que eles me deram.



´ sumario Capítulo I...............................................................................9 Capítulo II.............................................................................11 Capítulo III............................................................................16 Capítulo IV............................................................................22 Capítulo V.............................................................................25 Capítulo VI............................................................................29 Capítulo VII..........................................................................47 Capítulo VIII.........................................................................54 Capítulo IX............................................................................59 Capítulo X.............................................................................65 Capítulo XI............................................................................73 Capítulo XII..........................................................................78 Capítulo XIII........................................................................84 Capítulo XIV.........................................................................90 Capítulo XV..........................................................................95 Capítulo XVI.........................................................................103 Capítulo XVII.......................................................................110 Capítulo XVIII.....................................................................113 Capítulo XIX........................................................................120 Capítulo XX..........................................................................129 Capítulo XXI........................................................................136 Capítulo XXII.......................................................................145 Capítulo XXIII.....................................................................150 Capítulo XXIV.....................................................................156


Capítulo XXV.......................................................................160 Capítulo XXVI.....................................................................164 Capítulo XXVII....................................................................167 Capítulo XXVIII..................................................................172 Capítulo XXIX.....................................................................177 Capítulo XXX.......................................................................183 Capítulo XXXI.....................................................................189 Capítulo XXXII....................................................................196 Capítulo XXXIII..................................................................200


´ Capitulo

I

– Que rabo... – Disse Lucinho. – Onde já? – Cheguei a fechar a torneira da pia onde lavava os copos. – Ali! Ali! Pagando o Seu Bigode. Foi a primeira vez que a vi. De pé, apoiada no balcão do caixa. Ela tomava um cafezinho enquanto meu chefe, Seu Bigode, contava o troco. Lucinho estava certo: que rabo tinha aquela mulher! Uma bela bunda desenhada artisticamente nos contornos de uma saia divinamente justa. Que mulher! Fitei-a por mais alguns segundos enquanto meu roliço patrão se atrapalhava contando as moedas. Ela estava levemente impaciente, usava uma blusa social lilás com o número certo de botões abertos de modo que seu decote era provocador e sóbrio ao mesmo tempo. Visivelmente uma mulher de negócios. Não estou certo se seus cabelos eram


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castanhos ou loiros, mas ela os usava jogados todos para o lado esquerdo. Eram compridos, e deixavam o lado direito de seu pescoço completamente exposto. Senti-me um vampiro olhando para ela. O desejo que tive de beijar aquela pele foi quase sede mesmo, afinal de contas. Porra, como ela era gostosa! Sua saia era preta, e terminava pouco acima dos joelhos mais lisos que eu havia visto. Suas pernas eram grossas, mas não muito. Tampouco musculosas. De sua cintura até seus pés, suas pernas eram de um traçado único e sinuoso, sem marcas ou assimetrias. Pareciam ter sido desenhadas por Niemeyer. Finalmente ela recebeu seu troco das mãos do Seu Bigode e me deu o presente de ouvir sua voz pela primeira vez. Era doce, macia e, ao mesmo tempo, grave num grau que impunha respeito. Tive vontade de ouvir mais. O que ela disse, disse de um jeito que me soou quase erótico. Não sei como Seu Bigode conseguia prestar mais atenção no dinheiro do caixa do que nela. Não sei como alguém poderia achar qualquer coisa mais interessante do que ela. A imaginei gemendo. Era só mais uma mulher gostosa. Via tantas todos os dias entrando e saindo do Borgonha. Mesmo assim, não sei bem por que, as palavras dela ecoaram na minha cabeça, como se ela tivesse dito para mim. Como se soubesse todos os elogios que fiz a ela em silêncio. Como se notasse o efeito que me causou. O que ela disse, guardo até hoje, pois de alguma forma eu sabia que ela nunca diria para mim: – Muito obrigada.

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´ Capitulo

II

Eu estava na cozinha, era uma da tarde e eu lavava os pratos. Estava ouvindo uma mesa redonda de futebol no rádio e, para ser sincero, assobiava uma música do Tim Maia. A cozinha do Borgonha sempre foi muito limpinha. Seu piso era de azulejos antigos, intercalados pretos e brancos, e todos os acabamentos, do chão ao teto, assim como as mesas, armários e cadeiras eram de madeira. Tudo próximo aos dois fogões industriais era mais escuro que o resto do local, graças à gordura diariamente espirrada para fora das porções de bolinhos de bacalhau e aipim sendo preparadas. As paredes, também azulejadas, eram de azulejos portugueses, aqueles bonitinhos com desenhos azuis que formam figuras. As pias originais, ainda de mármore branco, já muito escurecido, estavam cheias de água e espuma. Nunca soube lavar louça muito bem, na verdade, mas o menino da cozinha estava doente desde a semana anterior e eu estava trabalhando


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dobrado porque era o mais novo da casa. O Lucinho e o Vicente trabalhavam lá já fazia 16 anos, eles praticamente fundaram o Borgonha com o Seu Bigode; os outros três garçons tinham dez anos lá, foram contratados juntos na primeira expansão do restaurante. Eu estava meio puto lavando aquelas louças, mas não ia reclamar porque reclamar cansa, e eu já tinha trabalho o suficiente para me cansar por três vidas, por isso eu nunca reclamava de nada. – André, André! – Vicente mete a cara no vão entre a cozinha e o salão me chamando. – Que foi? Deu merda com algum cliente? – Que merda nada, rapaz! – O sotaque nordestino carregado que os anos no Rio não tiraram, era a marca dele – Aquela mulé de onti tá aí! – Que mulher, Vicente? – Eu perguntei para confirmar, mas sabia que era ela. – Aquela rabuda, homi, que tava de roxo! Confirmado, era ela! Mal me contive de ansiedade. – Vicente, quebra essa pra mim e fica um minutinho aqui na cozinha? Preciso olhar essa mulher de perto! – Vá lá, vá lá! Mas num se demore que eu tenho mesa pra atender! – Deixa comigo! Olhei-me no espelho do bar antes de ir para o salão, só para checar que não tinha nada estranho no meu rosto. Não tinha. Ela se sentou numa mesa próximo à entrada. Estava acompanhada 12


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de dois homens e entrou rindo. Eles, de blusas sociais brancas com as mangas arregaçadas e gravatas frouxas; ela, dessa vez, de calça e blusa, mantendo o estilo executivo do dia anterior. Não sei avaliar tecidos ou nuances maiores do que estas de estilo, mas de uma coisa eu sei, ela continuava gostosa. – Boa tarde. O que vão pedir? – Sou um profissional no fim das contas, mas não tirava os olhos dela. – Três chopps e o cardápio, por favor. Falou um dos homens que estava com ela. Não sei muito bem como ele era, aliás, mal prestei atenção ao pedido. Tudo que eu queria era que ela me olhasse. Ficou o tempo todo olhando o guardanapo. Não ousou olhar para cima. Nada que tenha me abalado. Não pude ainda olhar nos seus olhos, mas senti seu perfume. Ainda não havia chegado perto suficiente para senti-lo. Era forte, masculino, fantástico. E ela tomava chopp. Se foram pedidos três, certamente um era dela! Confesso que esperava um chá gelado ou um suco de laranja, qualquer coisa mais delicada que a caneca nevada do Borgonha, famosa no centro do Rio. Também peguei um detalhe muito importante: nada de aliança no dedo. Ela tomava chopp, usava perfume masculino, tinha fala firme e era solteira. Era um sonho, que eu nunca iria realizar, mas ia se desenhando na minha mente a cada segundo. Infelizmente, quando fui buscar as bebidas, Vicente me abordou. – Num sou de cozinha não, André! Venha cá que eu tenho que voltar pro meu serviço! – Desculpa, meu amigo, perdão. – Merda! – Leva três 13


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chopps e o cardápio pra mesa sete lá. Estava eu de volta para a pia. Não sentia mais o cheiro de fritura e tempero da cozinha, apenas o perfume que ela deixou grudado no meu nariz. Cacete, eu preciso saber o nome dela! Fiquei o resto do tempo olhando a mesa sete pelo vão da parede. Entre pratos e copos sujos eu notei que ela tinha olhos escuros. Não sei bem, mas devem ser castanhos. Só pude perceber que não eram azuis ou verdes, o que a faria angelical. Não preciso que ela seja angelical. Na verdade, acho que nem quero. A vi sorrir e beber. Mesmo naquela imensa caneca bárbara ela bebia com graça. Seus amigos, entretanto, eram o oposto. Reparei melhor neles. Um era muito magro e barbudo, deveria ser próximo da minha idade, algo em torno dos trinta. Este até era educado, mas o outro era ridículo. Falava muito alto, gesticulava demais e dava pequenos arrotos enquanto falava. Estava com vergonha de vê-lo perto dela. Se uma coisa era boa naquele ser era que eu podia ouvir boa parte do que ele dizia. Descobri que ela era advogada quando ele se referiu à audiência de uma cliente dela, descobri que eles eram sócios num escritório na cidade e que o outro rapaz era novo na sociedade. Não que nada disso me interessasse muito. Tudo que eu queria era um nome que ele não deu. Por um momento eu a vi sair do restaurante e um dos que estavam com ela pediu a conta. Ela aparentemente tinha ido embora mais uma vez. Tinha me restado apenas esperar que ela voltasse no dia seguinte. Os dois homens ainda pediram um café, e o Seu Bigode pediu-me para assumir o caixa uns instantes, ele queria ir ao banheiro. Fui, despretensioso 14


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e com o pensamento fixo naquela mulher. Comecei a imaginar nomes. Cláudia. Ela tinha cara de Cláudia. Cíntia, talvez... Recebi umas três contas enquanto estava no caixa. Seu Bigode estava demorando muito no banheiro, acho que foi o destino. Quando organizava as notas da caixa registradora eu senti aquele perfume. Embora fizesse pouco tempo, poderia fazer dias e eu ainda o reconheceria. Ela estava bem na minha frente. Atrás do vidro que separava o caixa do resto do salão estava a figura mais poderosa que eu já havia visto. Eu olhei no fundo daqueles olhos e por um momento fui mais longe do que já havia ido antes. Eram castanhos, muito claros, como mel. Sua boca era carnuda e bem marcada em seu rosto. Ela tinha um olhar que me rendia, e eu queria desesperadamente me desculpar sem motivo algum. Como se não me sentisse digno de estar na presença dela. – A conta. – Ela disse – O troco é para você. – Não é dinheiro que eu quero de você, pensei – até logo. Eu não disse nada. Não consegui dizer nada. “Até logo”? Ela vai voltar? Espero que volte. Eu não consegui evitar e estava realmente excitado com o que acabara de acontecer. Fisicamente excitado. E nem foi nada! Que poder tinha aquela figura. O que havia nela eu não sabia, mas pesava minha respiração, como no alto de uma montanha. Eu me masturbei naquela noite. Clamei várias vezes por Cíntia, Vanessa, Cláudia...

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