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TEXTO E CONTEXTO: A pandemia atual é um castigo de Deus? P. 20
Out-Dez 2020 – Ano 13 no 56
Exemplar: 9,50 – Assinatura: 30,20
ENTENDA. EXPERIMENTE. MUDE
FÁBRICA DE DÚVIDAS A produção da ignorância interessa a poucos, mas prejudica todos. Saiba por quê P. 10
ARTIGO: FÉ E CONHECIMENTO ACADÊMICO COMBINAM? P. 16
IMAGINE O MUNDO SEM O MÉTODO CIENTÍFICO P. 26
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LIÇÃO DE VIDA: O MÉDICO QUE FOI DESLIGADO E RELIGADO P. 30
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Da redação
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Editor Wendel Lima
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OPINIÃO DE QUEM SEGUE E CURTE A REVISTA
DOIS LIVROS, UM AUTOR
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SÉRIES, LIVROS, NÚMEROS E FRASES PARA REFLETIR
8 ENTENDA
COMO SE PRODUZ UMA VACINA
24 PERGUNTAS
IMUNIDADE, CONCEITO DE VERDADE, MUDANÇAS CLIMÁTICAS E CLOROQUINA
32
APRENDA
A IDENTIFICAR FAKE NEWS
BIÓL DO M GAL
1
33 NA CABECEIRA
A NARRATIVA DA CRIAÇÃO É FUNDAMENTAL PARA TODO O ANTIGO TESTAMENTO
34 GUIA DE PROFISSÕES A ÁREA DE FARMÁCIA GANHA IMPORTÂNCIA EM MEIO À POLITIZAÇÃO DE REMÉDIOS
16 ARTIGO
CONHEÇA QUATRO VISÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE CIÊNCIA E FÉ
Foto: Daniel Oliveira
ATÉ O FIM de setembro, mais de 7 mil pessoas haviam assinado a “Declaração Cristã Sobre a Ciência para Tempos de Pandemia”. O documento publicado no site da BioLogos, uma organização que procura promover o diálogo entre ciência e fé, tem a assinatura de cientistas e religiosos de destaque, como o geneticista Francis Collins, líder do Projeto Genoma, e o teólogo N. T. Wright, professor da Universidade de Oxford. Em resumo, a declaração é um apelo para que os cristãos não assumam uma postura cética nem minimizadora em relação à pandemia, que não acreditem em teorias conspiratórias nem rejeitem evidências científicas claras, ainda que o debate sobre as causas e soluções da crise atual esteja marcado pela polarização social e politização da ciência. O documento ainda pede que as pessoas usem máscara, tomem a futura vacina contra a Covid-19, não compartilhem notícias falsas, trabalhem pela justiça e orem pelo fim desse drama global. Apesar de séculos de convivência entre ciência e religião no Ocidente e da contribuição inicial do cristianismo para o desenvolvimento do método científico moderno, na prática, esses dois campos do conhecimento ainda não foram totalmente integrados. Para que essa integração ocorra é preciso enxergar a questão a partir de lentes que possibilitem essa conciliação. E isso exige também certo nível de sofisticação no pensamento, o que é um grande desafio para um país como o nosso, com graves problemas na área do ensino da ciência e que tem como opções mais visíveis no mercado da fé tipos de religiosidade que não prezam muito pela reflexão. É por essas razões que interrompemos a temática deste ano sobre missão, para pautar um conteúdo que ajude você a entender esse novo mundo que a pandemia trouxe à tona. Vamos falar basicamente sobre dois fenômenos atuais bem interligados: a produção da ignorância/negação da ciência e a desinformação. Penso que como rede educacional adventista estamos num lugar privilegiado para tratar desse tema. Afinal, o adventismo é uma tradição religiosa que sempre procurou integrar ciência e fé. E esse exercício foi obrigatório para uma igreja que decidiu investir em educação, inclusive universitária, e em hospitais, clínicas de saúde e fábricas de alimentos. Isso não significa que esteja claro na cabeça de todos os adventistas como funciona essa integração nem que os discursos e as práticas institucionais estejam isentos de incoerências quanto a esse tópico. Porém, há um histórico favorável para o diálogo entre ciência e fé, e a teologia do movimento também favorece essa integração. Concluo com uma comparação bem didática utilizada por Ellen White no livro Educação (CPB, 2001, p. 128-134). Nesse trecho, a cofundadora da Igreja Adventista escreveu que a natureza, objeto de estudo da ciência, e a Bíblia, objeto de estudo da religião judaicocristã, são dois “livros” que têm o mesmo Autor. Portanto, quando corretamente compreendidos, ambos os “livros” se complementam e revelam o que precisamos saber sobre o funcionamento do mundo bem como a respeito do caráter e propósitos do Criador.
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GLOBOSFERA
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... O MUNDO SEM O MÉTODO CIENTÍFICO
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26 IMAGINE BIÓLOGA EXPLICA A PROPOSTA DO MUSEU CRIACIONISTA DE GALÁPAGOS
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CAPA
SAIBA QUEM GANHA E QUEM PERDE COM A PRODUÇÃO DA DÚVIDA
Ilustração da capa: Gabriel Nadai
CASA PUBLICADORA BRASILEIRA
ÃO É ODO O
Editora da Igreja Adventista do Sétimo Dia Rodovia Estadual SP 127 – km 106 Caixa Postal 34 – 18270-970 – Tatuí, SP Fone (15) 3205-8800 – Fax (15) 3205-8900 Site: www.cpb.com.br / E-mail: sac@cpb.com.br
SÕES
GANHA À DIOS
ÕES TRE
Revista trimestral – ISSN 2238-7900 Out-Dez 2020 Ano 13, no 56
Serviço de Atendimento ao Cliente Ligue grátis: 0800-9790606 Segunda a quinta, das 8h às 20h Sexta, das 8h às 15h45 Domingo, das 8h30 às 14h
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TEXTO E CONTEXTO
PANDEMIA, JUÍZOS DIVINOS E PRAGAS DO EGITO
28 MUDE SEU MUNDO VOLUNTÁRIOS FACILITAM O ACESSO À SAÚDE NO INTERIOR DO PARÁ
Editor: Wendel Lima Editores Associados: André Vasconcelos e Márcio Tonetti Projeto Gráfico: Éfeso Granieri e Marcos Santos Designers Gráficos: Renan Martin e Fábio Fernandes Diretor-Geral: José Carlos de Lima Diretor Financeiro: Uilson Garcia Redator-Chefe: Marcos De Benedicto Gerente de Produção: Reisner Martins Gerente de Vendas: João Vicente Pereyra Chefe de Arte: Marcelo de Souza Conselho consultivo: Alexander Dutra, Almir Augusto de Oliveira, Eder Fernandes Leal, Edgard Luz, Henilson Erthal de Albuquerque, Ivan Góes, Luiz Carlos Penteado Jr., Nádia Teixeira, Raquel de Oliveira Xavier Ricarte, Rérison Vasques, Rubens Paulo Silva, Samuel Bruno do Nascimento, Thiago Basílio e Vanderson Amaro da Costa Assinatura: R$ 30,20 Avulso: R$ 9,50 www.conexao20.com.br
30 LIÇÃO DE VIDA
O MÉDICO QUE FOI DESLIGADO E SOBREVIVEU À COVID-19
9117/41960 Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sejam impressos, eletrônicos, fotográficos ou sonoros, entre outros, sem prévia autorização por escrito da editora.
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Informação Conectado & Opinião Globosfera Ao ponto Entenda
Edição de julho-setembro INFLUENCIADORES SOCIAIS (P. 10-15) Acho maravilhoso pensar no que podemos fazer para ajudar o outro, pois todo mundo acaba ganhando com isso. É muito bom contribuir com as pessoas ao nosso redor e ver que elas se tornaram influenciadoras também, formando assim uma grande corrente do bem. Daniela Campos Rodrigues São Paulo (SP)
IMAGINE UM MUNDO SEM RELIGIÃO (P. 26-27) A meu ver, um mundo sem religião não seria um lugar de paz, porque as pessoas não saberiam de onde vieram nem por que estão aqui. O ser humano também não teria uma base ética e moral. Todos viveriam do jeito que bem entendem, cometendo insanidades, pois racionalizariam que a vida é uma só e precisa ser aproveitada. Por isso, creio que não funcionaria bem. Prefiro acreditar que há um Deus que nos criou, nos ama, morreu por nós e que está à espera de um reencontro. Acredito também que a vida tem que ser vivida com base na Palavra de Deus, uma vez que isso nos torna pessoas melhores e abençoa os que estão ao nosso redor. Em resumo, uma religião com base na Bíblia é necessária. Amanda Ayumi Amemiya São Paulo (SP)
SUA DOAÇÃO FAZ A DIFERENÇA (P. 28-29) Esse artigo me fez pensar no texto de Mateus 22:39: “Ame o seu próximo como você ama a si mesmo.” Quando começou a pandemia, eu me perguntava: Por quê? Porém, quando pensei que tinha a resposta, Deus me fez entender que a pergunta certa era: Para quê? Creio que é para que nos aproximemos Dele e nos importemos mais com o próximo. A situação não está fácil para ninguém, muito menos para quem não tem o básico, mas o 4 |
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pouco de quem tem muito, ajuda muito a quem tem pouco.
Luan Marchetti Coelho São Paulo (SP)
Edição de abril-junho MÃOS À OBRA (P. 20-24) Apreciei muito a perspectiva dada para a história de José. Foram apresentadas algumas palavras-chave da narrativa, como “casa”, “mão” e “tudo”. José transitou por algumas casas: a dele, a de Potifar, a casa da prisão e, por fim, se tornou administrador da casa de faraó. Gostei do desfecho do texto: embora José tivesse sofrido com a injutiça, o abuso e a ingratidão, ele não enxergou aquelas circunstâncias como um destino inevitável. Ele deu seu melhor em todas as situações, e o Eterno foi com ele. Por isso, acredito que confiança em Deus tem que ser acompanhada de ação. Jonatas Tavares Santana Goiânia (GO)
ENTENDA AS TENDÊNCIAS DA EDUCAÇÃO (P. 8-9) Acho importante a discussão e a análise desse assunto. Mais importante ainda é ouvir de forma significativa docentes e discentes na formulação de novas metodologias educacionais.
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PONTO DE PARTIDA A revista é excelente. Ela conseguiu abordar um tema essencial para os jovens (voluntariado) de maneira clara, com linguagem simples, histórias e exemplos pessoais. Tudo isso nos ajuda muito a discutir esse tema com os alunos. Michael Figueira São Paulo (SP)
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P e O d u G b q e n a C L q
C G B a lí fa c c fa e c
Ao ponto
Texto Thiago Basílio Ilustração Kaleb
MUSEU EM GALÁPAGOS DESDE CRIANÇA, Maura Eduarda Lopes Brandão sempre gostou de ciências. Consumidora de revistas de divulgação científica e documentários, hoje ela produz, em parceria com o namorado, um podcast sobre ciência (veja a p. 6). Mas o que era simples preferência na infância se tornou profissão e carreira acadêmica. Após ter se graduado em Biologia no Unasp, campus São Paulo, ela foi lecionar nos colégios adventistas de Campo Grande (MS) e, depois, em Santos (SP). Na reta final do seu doutorado em Ciência na USP, Maura, de 33 anos, foi convidada para coordenar um projeto ousado: o Origins Museum of Nature, no Equador. E foi de Galápagos, arquipélago importante para a formulação da teoria evolucionista de Charles Darwin, que ela conversou com a gente.
Por que você foi escolhida para esse desafio? O fato de eu ser bióloga foi decisivo, porque se trata de um museu de ciências, em Galápagos, um lugar simbólico para a biologia. Algo que também pesou foi meu envolvimento com o criacionismo. Participei por vários anos do núcleo da Sociedade Criacionista Brasileira em Londrina (PR), cidade em que cresci. Como foi a mudança para Galápagos? Bem grande, pois não é fácil se adaptar a uma nova cultura e língua. Além disso, tem o fato de Galápagos ficar a centenas de quilômetros do continente. Ou seja: muitas facilidades do continente não existem aqui. Isso também faz com que tudo seja o dobro ou o
triplo do preço. E nesse ínterim veio a pandemia. Ficamos literalmente ilhados, com o aeroporto fechado por meses, sem ninguém poder sair daqui nem entrar aqui. Por causa de muita coisa ter fugido do nosso planejamento, tem sido mais difícil do que eu imaginava, mas tento me concentrar no trabalho, pois Deus tem tudo sob controle. Muita gente romantiza a vida num paraíso como esse, mas todos temos dias bons e ruins. Tenho consciência de que sou privilegiada por estar aqui, mas todos os dias oro para que Deus me confirme que fui escolhida por Ele para essa tarefa. Qual é seu trabalho no museu? Sou a coordenadora. Na prática, responsável por organizar a visitação, manter o museu funcionando e zelar pela manutenção
de todo o prédio. Também, agora, durante a pandemia, estamos trabalhando bastante para divulgar a instituição por meio da participação em eventos on-line. Somando as lives até agora, já falei para mais de 21 mil pessoas. Ainda estamos nos organizando para reabrir com segurança, mas depois que essa crise passar, temos o objetivo de receber aqui gente interessada em fazer pesquisa na perspectiva da cosmovisão criacionista. Também queremos realizar projetos de extensão em parceria com o colégio adventista daqui e universidades. Aos poucos, pretendemos mostrar que é possível fazer ciência de qualidade sendo criacionista e cristão. Como é ter um museu criacionista num lugar que é simbólico para a teoria evolucionista?
Nossa intenção é apresentar uma outra explicação para a origem da vida, diferente do paradigma atual evolucionista. Por isso, a entrada no museu é gratuita, a fim de incentivar que os visitantes conheçam nossa visão e saiam daqui incomodados e intrigados, questionando-se se existe apenas uma explicação possível para o surgimento e diversificação das espécies. Nosso museu foi pensado para mostrar às pessoas que toda a exuberância de Galápagos não poderia ter vindo simplesmente de processos aleatórios e desorganizados. Desde a inauguração do espaço, no fim de fevereiro, funcionamos poucos dias, mas, pela reação dos visitantes, acho que estamos alcançando esses objetivos. out-dez
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Texto Wendel Lima Imagens Adobe Stock
PARA ASSISTIR
c e e d p q m e
Tudo disponível nas plataformas feliz7play.com e 7cast.com
TV Origens (Novo Tempo, 8a temporada) – dois programas dessa temporada são convergentes com o tema desta edição da revista: “Os fundamentos da ciência” e “A procura da verdade”. Documentário A Origem (59 min., 2019, dublado) – apresenta uma explicação criacionista para a origem da vida na Terra, com base em evidências científicas, lógica e filosofia.
Earth is a Battlefield (6 episódios, 6 min.) – o autor e apresentador Scott Christiansen confronta a observação do mundo natural com a leitura da Bíblia. Podcast Origens Podcast – apresentado pela bióloga Maura Eduarda Lopes Brandão (veja p. 5) e pelo engenheiro biotecnológico Vinícius Kümpel, discute ciência a partir de uma perspectiva criacionista.
M C O e
Curta-metragem A Criação (26 min., 2013, legendado) – releitura da semana bíblica da criação, com belas imagens naturais e trilha sonora orquestrada. Séries Animal Encounters (13 episódios, 23 min., 2019, legendado) – três amigas de países distintos viajam pela África do Sul e Costa Rica, a fim de ter um contato próximo com animais selvagens e conhecer melhor seu habitat.
Adobestock
Aventura em Galápagos (2 episódios, 32 min., 2020) – três adolescentes, bons alunos em Biologia, exploram as famosas ilhas equatorianas visitadas por Charles Darwin, sob a supervisão de um renomado paleontólogo.
N p a
PARA LER
Crer Faz Bem (CPB, 2015, 232 p.), de Julián Melgosa
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p e A q in p c A u
Inteligência Espiritual (CPB, 2008, 166 p.), de Maria do Carmo Rabello
A Descoberta (CPB, 2013, 160 p.), de Michelson Borges
PARA PENSAR Desinformação é uma informação comprovadamente falsa, criada e divulgada para obter vantagens econômicas ou para enganar deliberadamente e prejudicar o interesse público. (...) Envolve uma série de elementos que vão além da falsidade, como conteúdo manipulado, impreciso, superficial, inconclusivo e sem espaço para o contraditório.”
Arquivo pessoal
PARA SABER
400
resultados de pesquisas (230 artigos acadêmicos e 170 capítulos de livros), em média, foram publicados diariamente pelos cientistas brasileiros em 2018.
Adobestock
O que aconteceu com a The Lancet gera desconfiança e perda de credibilidade na ciência, e vai ser muito difícil de restaurar. Acontece. Cientista erra. E erra mais quando faz as coisas com pressa, de maneira incompleta e se atropelando durante uma pandemia, numa ânsia de chegar à informação correta, mas também de publicar. (...) A publicação no meio acadêmico virou um fim em si mesma.”
Karl Withakay | Wikipedia
Magali Cunha, jornalista e doutora em Ciências da Comunicação, em entrevista à equipe do podcast Entenda. O sucesso das fake news no contexto religioso foi o tema do episódio de 1o de abril do podcast da Revista Adventista.
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Natalia Pasternak, doutora em microbiologia pela USP e presidente do Instituto Questão de Ciência (IQC), em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, no dia 29 de junho.
No Princípio (CPB, 2018, 319 p.), de Bryan W. Ball
O Brasil está entre os 15 países do mundo que mais produzem conhecimento científico. Porém, uma pequena parte desses estudos chega até a imprensa e, como consequência, à população. Resultado: de modo geral, os brasileiros não conhecem nem valorizam a ciência produzida no país. Veja alguns números:
A Lógica da Fé (CPB, 2014, 198 p.), de Nancy Vyhmeister e Humberto M. Rasi (orgs.)
10%
desses estudos teriam potencial de divulgação na mídia. Com um volume de 40 novas pesquisas por dia, seria possível até mesmo pautar todo um jornal somente com esses estudos. Porém, existe um gap entre cientistas e jornalistas.
90%
dos brasileiros entrevistados não se lembraram do nome de um cientista brasileiro nem de uma instituição do setor. Fontes: agência Bori (abori.com.br), plataformas Web of Science e Sucupira e pesquisa Percepção Pública da C&T no Brasil (2019), disponível em cgee.org.br.
Redescobrindo Galápagos (Unaspress, 2018, 304 p.), de Edgard Luz, Sócrates Quispe e Francislê Neri de Souza (e-book gratuito)
Faith, Reason, & Earth History (Andrews, 2017, 604 p.), de Leonard Brand e Arthur Chadwick out-dez
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Entenda
Texto Guilherme Cavalcante Ilustração © Sylfida | Adobe Stock
COMO SE PRODUZ CERTAMENTE VOCÊ e o mundo inteiro desejam apenas uma coisa nesta reta final de 2020: uma vacina contra a Covid-19. Em conversas informais e nas mídias sociais, muitas teorias conspiratórias circularam nos últimos meses com uma explicação para o fato de não termos ainda um imunizante. E muito se especula também sobre a eficácia e a viabilidade de distribuição de uma vacina para todo o planeta. Neste infográfico, você vai entender como se produz um imunizante e em que pé estávamos do desenvolvimento de uma vacina contra o novo coronavírus até a produção deste texto, no fim de setembro.
A vacina tem por objetivo prover imunidade ativa contra uma doença, mas sem causar efeitos adversos à saúde dos humanos. Entenda o processo complexo e rigoroso para a elaboração de um imunizante.
FASE PRÉ-CLÍNICA
Os primeiros testes ocorrem em culturas celulares criadas no laboratório e em animais. A intenção é avaliar se a vacina é segura e em que dose consegue produzir imunidade. A maior parte das candidatas à vacina não consegue sequer chegar a essa fase.
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APROVAÇÃO
Se a vacina se provou segura e eficiente, então ela segue para ser regulamentada pelos órgãos competentes, que fornecem uma licença para sua produção em massa. Vale lembrar que as fases anteriores da produção também foram fiscalizadas pelos órgãos de regulamentação. Porém, num contexto de emergência de saúde pública, uma vacina pode ser distribuída sem licença, pulando assim etapas desse processo padrão.
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CONTROLE DE QUALIDADE E DISTRIBUIÇÃO
Os órgãos regulamentadores também checam o material fabricado. Após a autorização, a vacina é, enfim, distribuída para ser aplicada à população. Acabou? Ainda não! Cabe aos agentes de saúde de cada país, estado e cidade determinar estratégias de vacinação para garantir um processo de imunização que seja seguro, eficiente e abrangente. Isso inclui o transporte dos imunizantes na temperatura certa até os lugares de mais difícil acesso.
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Fontes: Takeda Vaccines (bit.ly/takedavaccines); Profolus (bit.ly/profolusvaccine); International Federation of Pharmaceutical Manufacturers & Associations (bit.ly/ifpmavaccine); The College of Physicians of Philadelphia (bit.ly/cppvaccines); artigo de James M. Robinson – “Vaccine Production: Main Steps and Considerations” (bit.ly/papervaccines).
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UMA VACINA FASE EXPLORATÓRIA
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Os principais componentes das amostras do vírus ou bactéria são identificados, sintetizados, isolados e purificados em laboratório. A ideia é cultivar os patógenos numa cultura celular. Tudo isso para garantir que o vírus ou a bactéria sejam capazes de “crescer” e causar problemas. A partir daí é traçada uma estratégia para a confecção da vacina, que pode envolver o uso do patógeno “enfraquecido”, as proteínas de um vírus inativado ou apenas um gene específico do patógeno, que é recombinado com outras substâncias. O objetivo é fazer com que o corpo humano identifique o vírus e combata a doença com eficácia.
FASE DE DESENVOLVIMENTO CLÍNICO (1, 2 e 3)
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Nessa fase, pela primeira vez, os testes ocorrem em humanos. A intenção é avaliar se o corpo produz resposta imune e se há efeitos colaterais sérios para o organismo. Essa etapa é dividida em três fases: (1) teste em até 100 voluntários; (2) aplicação em até mil pessoas, na primeira amostra considerada populacional; e (3) teste em até dezenas de milhares de pessoas num país ou em vários ao mesmo tempo. Essa fase é a que mais demanda tempo e atenção. Por isso, há necessidade de se conseguir autorização de orgãos de saúde, de acompanhar os vacinados por algum período e de publicar os resultados em revistas acadêmicas, a fim de que sejam avaliados pela comunidade científica.
FABRICAÇÃO EM MASSA
Com o OK em mãos, o fabricante começa a produção em massa da vacina. Apesar de parecer mais rápida, essa etapa exige todo um processo de adequação da estrutura das empresas e/ou institutos responsáveis, maior disponibilidade de insumos para a vacina e de equipamentos laboratoriais. Tudo isso com um controle de qualidade rigoroso, que inclui o etiquetamento e empacotamento das vacinas.
A corrida para a elaboração de uma vacina para a Covid-19 está acirrada e tem envolvido diferentes países, organizações e pesquisadores. A boa notícia é que, nessa corrida, todo mundo ganha. Veja abaixo as vacinas que estão mais perto de serem licenciadas para a população e como o Brasil está envolvido nesse processo:
FASE PRÉ-CLÍNICA (Primeiros testes em não humanos)
Esse é o estágio de 93 vacinas, inclusive de uma que está sendo desenvolvida na Unicamp.
FASE 1 (A vacina é segura? Se sim, qual dose é a mais indicada?)
Vinte e quatro vacinas estão nessa fase. Institutos de pesquisa e empresas de biotecnologia da Coreia do Sul, Japão, Itália, Índia, entre outros países, estão nessa etapa.
FASE 2 (A vacina gera resposta imune?)
Quatorze vacinas desenvolvidas por países como Israel, Alemanha, Estados Unidos, Cuba, Rússia e Índia estão nessa fase.
FASE 3 (A vacina pode proteger de uma infecção?)
Onze vacinas estão nessa etapa, o que coloca China, Estados Unidos, Reino Unido, Rússia, Alemanha e Austrália em vantagem na corrida. Das nove, as três primeiras tiveram o Brasil como um dos países incluídos na testagem.
APROVAÇÃO TEMPORÁRIA
VACINA APLICADA
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CORRIDA CONTRA O TEMPO
Enfim, a vacina é aplicada em massa, a fim de imunizar a população. Como você pôde ler, o procedimento não é rápido nem simples. Contudo, com tecnologias mais modernas, investimento massivo e entidades e pesquisadores do mundo todo procurando desenvolver uma vacina contra a Covid-19, estima-se que um processo que poderia demorar dez anos esteja concluído até julho de 2021. Seria um recorde. Vamos ficar na torcida!
Cinco vacinas obtiveram aprovação limitada para sua aplicação à população, apesar de críticas da comunidade científica e do receio de especialistas sobre a segurança desses imunizantes. Fontes: G1 (bit.ly/g1vacina); UOL (bit.ly/UOLvacina); Instituto Butantan (saopaulo.sp.gov.br/coronavirus/ vacina); New York Times (bit.ly/covid19vaccinerace); Reuters (bit.ly/reutersvaccine); ZeroHora (bit.ly/zhvacina); The Conversation (bit.ly/tcvaccine); Folha de São Paulo (bit.ly/folhavacina); e revista Veja (bit.ly/vejavacina).
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Interpretação Capa & Reflexão Artigo
Texto Thamires Mattos Ilustração Gabriel Nadai
Texto e contexto Perguntas Imagine
A DÚVIDA COMO
PRODUTO O discurso de negação da ciência está ligado a um fenômeno mais amplo: a produção da ignorância. Saiba quem ganha e quem perde com isso
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“É PRECISO OUVIR os dois lados.” Essa frase é uma das mais repetidas por críticos do jornalismo e, até mesmo, por profissionais da área. Você provavelmente já a tenha escutado em alguma discussão acalorada sobre política na frente da televisão. Contudo, não dá para negar que essa expectativa faz sentido. Espera-se, por exemplo, que numa reportagem sobre a reabertura gradual do comércio durante a pandemia, o jornalista dê voz para os governantes e os comerciantes. Nesse sentido, no bom jornalismo, “os opostos se atraem”, pois oferecem uma imagem mais plural e completa dos fatos. Porém, e quando não existem dois lados ou, então, quando o segundo lado é uma mentira? Na primeira vez em que me deparei com uma situação assim, ainda não era jornalista. Eu estava no ensino médio – época em que adquirimos certa liberdade intelectual e entramos em contato com novas ideias. Certa vez, a caminho do colégio, meu pai, que gosta muito de ouvir rádio, escutava a entrevista de um suposto cientista que era questionado pelos repórteres sobre sua teoria que refutava o caráter negativo das mudanças climáticas. Para aquele entrevistado, os seres humanos haviam sido destinados a poluir o planeta, mas sem colherem grandes consequências por isso. Ele também disse que a maior parte da “culpa” pelo aquecimento global não era nossa, mas de processos naturais inevitáveis. O mais surpreendente é que nenhuma refutação foi feita pelos jornalistas, que acharam a ideia interessante. “É um jeito diferente de enxergar o mundo; vai na contramão das outras pesquisas”, disse um dos entrevistadores. O problema é que andar na contramão pode causar acidentes fatais. Anos mais tarde, já graduada em Jornalismo e pesquisando em nível de mestrado na área das mudanças climáticas, deparei-me novamente com o mesmo “cientista”. Dessa vez, suas ideias não eram reproduzidas por uma rádio, e sim por uma amiga. Ela havia lido uma entrevista recentemente publicada daquele teórico “da contramão”. Foi aí que eu a questionei, apresentando diversos argumentos: “Você não vê as mudanças acontecendo?” Ela disse que iria pensar sobre o assunto, mas nunca voltou a falar sobre o tema. Na hora, lembrei-me daquele mesmo questionamento que havia feito a caminho do colégio: Como pessoas comuns, inteligentes, capazes e com acesso à informação são tão ignorantes a respeito de questões científicas?
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A DESINFORMAÇÃO ESTRATÉGICA Essa mesma pergunta foi feita por Robert Proctor na década de 1990. O pesquisador de história da ciência na Universidade de Stanford (EUA) se deparou com um documento escrito em 1969 pela companhia de tabaco Brown & Williamson, mas que só havia se tornado público dez anos depois. O material apresentava as táticas das empresas de cigarro para combater as “forças antitabagistas” daquele tempo. Na época, o consumo de cigarros era extremamente comum: de acordo com o Departamento de Saúde dos Estados Unidos, a maior parte dos homens (53%) e cerca de um terço das mulheres eram fumantes regulares em 1964. Isso correspondia a 40% da população geral do país. Esse mau hábito cruzava barreiras socioeconômicas, raciais, étnicas e de gênero. O ano de 1964 também se destacou por ter sido a data para a publicação do primeiro relatório oficial do governo norte-americano sobre os prejuízos do fumo. Embora declarações sobre o perigo do tabagismo já houvessem sido feitas, o relatório daquele ano pavimentou o caminho para mudanças na legislação e ampliou a compreensão pública a respeito da “epidemia de tabaco”. No entanto, o documento secreto da Brown & Williamson mostra que a indústria do tabaco fez de tudo para impedir restrições ao uso do produto. Um de seus trechos revela que, em vez de negar os malefícios do tabaco – estratégia que seria contestada pelo próprio governo dos Estados Unidos –, a empresa empregaria outra arma: a confusão. “Dúvida é nosso produto, já que é o melhor jeito de competir com os ‘fatos’ que estão na mente do grande público. Com ela, também estabelecemos controvérsia”, explicava uma das estratégias. Proctor então percebeu que a ignorância quanto aos malefícios do tabaco havia sido “plantada” pelas corporações. A dúvida constante sobre a ligação entre câncer e fumo fazia com que muitos escolhessem o “lado” mais confortável: continuar fumando. O pesquisador descobriu também que a indústria do tabaco gastou bilhões de dólares a fim de silenciar os resultados de estudos científicos e disseminar dúvida. As investigações do historiador da ciência levaram à criação de uma palavra para o estudo da propagação deliberada da ignorância: agnotologia. O linguista Iain Boal, criador do neologismo, em parceria com Proctor, buscou a inspiração em palavras gregas. “Agnosis” significa ignorância ou “não saber”, e “logoi” se refere à ciência do ser, como a existência, a realidade e nossas relações com esses conceitos. Ao contrário da epistemologia, que estuda o conhecimento, a agnotologia investiga a ignorância. Em entrevista ao site da BBC, em 6 de janeiro de 2016, Robert Proctor explicou que “estava explorando como indústrias 12 |
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poderosas podiam promover ignorância a fim de vender suas mercadorias”, já que “ignorância é poder”. Para o historiador da ciência, esse desconhecimento não se trata apenas daquilo que não sabemos ainda, mas de “uma jogada política, uma criação deliberada por agentes poderosos que ‘não querem que você saiba’”. Luciana Reusing, mestra em Ciência, Tecnologia e Sociedade pelo Instituto Federal do Paraná (IFPR), é uma pesquisadora brasileira do ramo. Ela reforça que os processos de dúvida e de controvérsia social sobre determinados assuntos “levam muitos indivíduos, independentemente de suas condições sociais ou níveis de escolaridade, a negar determinadas realidades”. Portanto, estamos todos sujeitos ao “não saber”, pois a ignorância é democrática. A CIÊNCIA É DINÂMICA Uma segunda questão com a qual o professor Proctor se deparou foi: Por que os cientistas, via de regra, não se preocupam com o que as pessoas comuns sabem ou não sabem? Esse questionamento também é levantado por Elson Nunes, cardiologista e terapeuta intensivo. No início da pandemia de Covid-19, ele atendeu diversos pacientes na UTI do Hospital Adventista de São Paulo (HASP) e conta que muitos familiares se mostraram confusos em relação à “ciência” por trás da nova doença.
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“Somos ensinados que a ciência é algo fixo e que as descobertas duram para sempre. Na prática, não é assim. Novos estudos são feitos, e coisas que achávamos que funcionavam são refutadas”, explica o médico. Foi o que aconteceu com o uso de tratamentos experimentais em pacientes acometidos pelo novo coronavírus. Nunes trabalhou como plantonista na UTI do HASP em março, abril e maio. Nesse período, medicamentos como hidroxicloroquina e ivermectina não estavam na “boca do povo”, porque ainda não haviam sido politizados. Mesmo assim, os questionamentos eram muitos. “O profissional da saúde não pode agir como superior ao paciente. As pessoas estão numa posição vulnerável e, por isso, precisamos oferecer a elas todo o apoio que pudermos”, complementa. Contudo, Elson Nunes observa que essa postura não é, de modo geral, reforçada na formação dos profissionais de saúde, principalmente dos médicos. Além disso, muitos profissionais estacionam no conhecimento científico que receberam na faculdade, não se atualizando suficientemente após a graduação. Para Nunes, a falta de aprofundamento no método científico faz com que alguns profissionais da área da saúde adotem certas bandeiras pseudocientíficas, como a do movimento antivacinista. E, de acordo com o doutor Proctor, ignorar intencionalmente novas informações é um tipo de agnotologia.
O PÚBLICO ESTÁ ENTENDENDO? Por causa da pandemia, a ciência se tornou a pauta da vez no jornalismo, e vários termos científicos passaram a fazer parte do nosso vocabulário. No entanto, para Larissa dos Reis, que é bióloga, advogada e professora de Direito Ambiental no Unasp, campus Hortolândia e Engenheiro Coelho, por mais que a mídia tradicional fale sobre o assunto, ainda falta para a imprensa maior qualificação e didática para explicar o que acontece em laboratórios e consultórios. “Em geral, as pessoas que não estão inseridas num contexto acadêmico não sabem interpretar pesquisas e dados. Isso é refletido na mídia. Além de interpretar a ciência como uma verdade absoluta, muitas notícias são montadas apenas com as partes que interessam de certo estudo. E com um pedaço daqui e outro dali, sem contexto, a matéria acaba virando um Frankenstein”, comenta a pesquisadora, mestra em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (SP). Luciana Reusing concorda com Larissa sobre a necessidade de melhor formação dos jornalistas e de educação da população como um todo. Acrescenta ainda que os brasileiros precisam aprender que valorizar o conhecimento científico tem que ver com fazer uso de uma ferramenta útil para a própria sobrevivência. A jornalista Sabine Righetti vai além e diz que precisamos entender como a ciência é feita. E Righetti tem trabalhado para ajudar a reverter esse quadro. Doutora em Política Científica e Tecnológica e pesquisadora do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp, ela é uma das fundadoras e coordenadoras da Agência Bori, uma entidade que faz a ponte entre cientistas e jornalistas brasileiros. “É necessário saber o que é o método científico e como a ciência evolui. Hoje se sabe muito mais sobre o novo coronavírus do que se sabia em março, e muitas informações mudaram. Isso não significa que as informações estavam erradas; significa apenas que a ciência caminhou na interpretação do novo vírus”, explica. Sabine comenta que o país tem um dos piores níveis de educação científica do mundo, de acordo com dados do Programa de Avaliação de Alunos Internacionais da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (Pisa-OCDE). Além disso, o censo da Educação Básica do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) aponta que só uma em cada dez escolas possui laboratórios de ciências. No entanto, a falta de educação científica dos jornalistas e do público não é o único desafio da cobertura que a imprensa tem feito da pandemia. A falta de dados confiáveis e organizados é mais um obstáculo para gerar informação de qualidade. Sabine acredita que “a mídia está cumprindo seu papel de informar”, mas reforça que os jornalistas estão tendo que lidar com a sobrecarga de out-dez
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trabalho e com a grande disseminação de notícias falsas, corrente de desinformação que é muitas vezes reforçada e/ou iniciada pelos nossos próprios governantes. “O problema é que os jornalistas no Brasil estão tendo que se desdobrar para dar conta dessa cobertura. Imagine que foi preciso criar um consórcio inédito de veículos para captar dados sobre a Covid-19 por estados e fazer o cálculo nacional, porque o governo federal parou de divulgar essa informação. Em países democráticos, os dados nacionais de Covid-19 são divulgados diariamente por um porta-voz, que é amplamente questionado pela imprensa. Isso não tem acontecido no Brasil”, alerta. Assim como oficiais do estado devem se posicionar a fim de ser questionados, a ciência também é passível de arguição. Para Luciana Reusing, só assim novas pesquisas e soluções surgirão. Além disso, ao apenas aceitarmos o discurso científico sem propor perguntas, aceitamos o discurso de que a pesquisa não é influenciada por aspectos políticos, raciais, de gênero e classe social. “A ciência por si só não é neutra”, reforça a professora do IFPR. IGNORÂNCIA SELETIVA Além da ignorância “produzida”, o próprio “fazer científico” traz problemáticas importantes. Numa palestra realizada em março de 2015 na Universidade de Edimburgo (Escócia), Janet Kourany, que é filósofa e professora da Universidade de Notre Dame (EUA), explicou que tudo numa pesquisa – desde a formação da equipe até a metodologia – é passível de certo nível de “ignorância”. Quando escolhemos a metodologia A em vez da B ou o referencial teórico X no lugar de Y, nunca saberemos o que aconteceria num estudo feito com a opção que foi preterida. O ponto é que isso é normal na ciência pois, se tais decisões pela “ignorância” não fossem tomadas, nenhum conhecimento seria produzido. Ficaríamos sempre divagando sobre as muitas possibilidades de pesquisa. Mesmo assim, nem toda ignorância é necessária. A filósofa Kourany traz o exemplo de recortes de gênero. O pressuposto de cientistas homens era que a reprodução das plantas era majoritariamente um trabalho feito pelos órgãos masculinos. Esse conhecimento foi tido como “fixo” por algum tempo. No entanto, quando mulheres começaram a pesquisar o mesmo assunto, perceberam que os sistemas reprodutores femininos tinham a mesma importância nesse processo. De fato, todos nós, inclusive os cientistas, somos moldados por nossas experiências. E, por isso, o ideal é que o fazer científico reúna pesquisadores homens e mulheres, bem como pessoas de várias classes sociais e etnias. 14 |
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No livro Science and the Production of Ignorance (The MIT Press, 2020), Kourany e Martin Carrier, que também é filósofo, sugerem que o fazer científico produz ignorância de quatro maneiras:
Definição do problema de pesquisa. Toda pesquisa científica precisa de um problema a ser resolvido. Se esta reportagem fosse uma pesquisa, seu problema seria: “O que é agnotologia, como a percebemos e o que fazer para combatê-la?” Porém, se o questionamento fosse formulado de maneira diferente, como “o que é agnotologia e qual é sua relação com teorias da conspiração?”, você estaria lendo um texto com outras fontes e direcionamento.
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Escolha do referencial teórico. Trabalhos científicos não partem do nada, porque costumam tomar como base as pesquisas anteriores, ainda que seja para aperfeiçoá-las ou criticá-las. Isso ocorre porque, como já mencionado, o pesquisador precisa escolher “um caminho”, o que inclui assumir certos pressupostos e uma metodologia coerente com seu referencial teórico. No entanto, se cientistas do mundo inteiro seguirem apenas “o mesmo caminho”, teremos somente um modo de pensar as soluções. Por isso, quanto mais pesquisas com bases teóricas diferentes forem produzidas, maiores são as chances de encontrarmos soluções mais rápidas e melhores.
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Opção metodológica. Metodologias são modos diferentes de produzir conhecimento. Para dar um exemplo simples, lembre-se de como você aprendeu tabuada. Algumas pessoas aprendem com música, outras utilizam material dourado (aquelas peças de madeira), e os “espertos” usam o lápis com a “cola” impressa nele. Há ainda quem prefira a famosa “decoreba”, e existem aqueles que optam por fazer contas com os dedos para sempre. No entanto, quem utiliza metodologias parecidas com a do “lápis de tabuada” só consegue resultados temporários, porque não pode usar esse recurso nas provas. Já quem faz as contas com os dedos demora bem mais, mas pode recorrer a isso em qualquer situação. A escolha de uma metodologia, portanto, tem muito que ver com o problema de pesquisa e o referencial teórico utilizado. E quando essas escolhas não estão bem amarradas, o resultado da pesquisa fica comprometido.
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Consenso da comunidade científica. Em geral, não há igualdade de gênero, etnia e classe social em equipes de pesquisa, pois esses times de cientistas refletem, via de regra, as desigualdades que existem naquela sociedade. Janet Kourany e Martin Carrier explicam que a profissionalização da ciência também contribuiu para essa falta de diversidade das equipes, bem como para o descarte de outros tipos de conhecimentos valiosos no processo. Quando a medicina foi “institucionalizada”, por exemplo, foram ignorados muitos conhecimentos sobre ervas, plantas e métodos de parto que eram passados oralmente por curandeiras e parteiras de vilas. Outro exemplo é a exclusão da contribuição de viajantes, mercadores, soldados, missionários e até espiões para a construção da antropologia, a ciência que estuda as culturas.
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LUZ NO FIM DO TÚNEL Embora a produção da ciência seja marcada pelos conflitos de interesse econômicos e políticos e passível de um nível de ignorância, ela tende a seguir padrões muito mais rigorosos de avaliação do que os “achismos” do senso comum. “Há uma falta de confiança nas instituições – nas igrejas, governos, ciência, entre outras, o que leva algumas pessoas a negar a veracidade de coisas que realmente funcionam”, reflete a professora Larissa Reis. Por sua vez, o médico Elson Nunes vê uma relação profunda entre desconfiança nas instituições, falta de comunicação da parte da comunidade científica e crença na ciência como algo fixo. Para ele, algumas pessoas relativizam tanto a ciência que passam a considerar suas experiências pessoais como verdades “absolutas” – status que não pode ser atribuído nem mesmo ao próprio conhecimento científico. “É como no caso do novo coronavírus”, comenta o médico. “A taxa de mortalidade para idosos com mais de 80 anos é cerca de 12%. Na prática, isso significa que, a cada 100 pessoas infec-
tadas nessa faixa etária, 88 sobreviverão. Isso independe de tratamento ou vacina. Aí, alguém sobrevive e diz que foi curado por um medicamento sem eficácia comprovada. Veja bem: na verdade, essa pessoa sobreviveria de todo jeito”, explica o cardiologista. O exemplo citado por Nunes ilustra bem a argumentação de muitos defensores do movimento antivacina, que utiliza casos isolados de efeitos colaterais para apoiar o discurso de que os imunizantes não devem ser aplicados na população em geral. A questão é que os efeitos colaterais acontecem, mas são “muito raros” na maior parte das vacinas, de acordo com o médico. Por fim, vale a pena concluir destacando que, em alguns casos, uma postura cética em relação ao conhecimento científico ou à produção deliberada da ignorância tem implicações que vão muito além da escolha individual. Quando isso ocorre, “vira uma questão jurídica”, como explica Larissa. “Uma pessoa que não segue as recomendações de distanciamento social, higiene e uso de máscaras durante a pandemia de Covid-19 pode deixar outras pessoas doentes. Portanto, ela fere a liberdade individual desses cidadãos”, realça a advogada e professora de Direito. Isso, portanto, não é “liberdade de expressão”, e sim um risco à saúde pública e ao bemestar de todos. Como, então, podemos ver a luz no fim do túnel em meio a um cenário tão
escuro? Para Luciana Reusing, o segredo está em tornar a ciência mais acessível. “Isso pode ser solucionado por meio de políticas científicas criadas pelo Estado; por meio também da desmistificação da carreira de pesquisador e cientista; pela maior inserção da ciência nos currículos escolares, a fim de incentivar jovens a abraçar a pesquisa como ferramenta de transformação social; da criação de espaços populares para conhecer a ciência; e, por fim, pelas organizações jornalísticas especializadas”, sugere a pesquisadora. As sugestões de Luciana são convergentes com o discurso de quem cunhou o termo agnotologia. Em entrevista ao pesquisador Peter Galison, também no livro Science and the Production of Ignorance, Robert Proctor lembra que, embora a humanidade sempre esteja no escuro em relação a algo que desconhece ou que ainda não compreende, é importante que a luz da “lanterna” científica seja apontada para algum lugar, pois assim pelo menos teremos iluminado um pequeno trecho do caminho. Melhor ainda é se mais lanternas forem acesas.
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Texto Adriani Milli Imagens © Kristi Linton; © pixel | Adobe Stock
fé inteli Conheça quatro visões sobre a relação entre ciência e religião e saiba como integrar esses dois campos do conhecimento 16 |
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A RELAÇÃO ENTRE ciência e religião não é facilmente articulada no mundo de hoje. Isso não significa que elas sejam áreas incompatíveis ou distantes, mas que os grupos que negam a possibilidade dessa articulação partem de pressupostos diferentes daqueles que entendem ser necessário fazer essa integração. Não é dif ícil imaginar a figura de um cientista cético em relação à fé nem a caricatura de um religioso alienado dos conhecimentos científicos. No entanto, embora esses clichês representem em alguma medida
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a realidade, felizmente eles não são os únicos retratos da relação entre fé e ciência. No contexto adventista, por exemplo, o fato de a igreja manter uma rede de escolas ao redor do mundo e ter desenvolvido uma filosofia educacional colabora para que os adventistas tenham um posicionamento mais equilibrado quanto ao diálogo entre ciência e religião. Contudo, antes de visualizarmos caminhos para essa integração é importante observar, de
maneira mais ampla, diferentes pressupostos que envolvem esse debate. Para tanto, vamos adaptar uma tipologia do relacionamento entre ciência e religião preparada pelo f ísico norte-americano Ian Barbour (1923-2013), em seu influente livro Quando a Ciência Encontra a Religião: Inimigas, Estranhas ou Parceiras (Cultrix, 2000). Não vou me deter na discussão que ele elabora, mas nas categorias que apresenta. out-dez
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CONFLITO Nessa obra, Barbour sugere quatro tipos de relacionamento entre ciência e religião: (1) conflito; (2) independência; (3) diálogo; e (4) integração. Vale notar que essas categorias estão numa ordem crescente de aproximação. Na verdade, o primeiro tipo (conflito) não prevê um relacionamento entre as duas áreas em questão, uma vez que elas são vistas como antagônicas. Note que aqui não há apenas uma negação de uma possível integração, mas uma postura ativa, hostil e militante de separação entre ciência e religião. É com base nessa postura que foram construídas caricaturas já bem exploradas em produções ficcionais da mídia. É o caso daquele cientista que ridiculariza a fé como sinal de ignorância e ingenuidade de um grupo de crentes alienados da realidade, ou de líderes religiosos que desprezam o trabalho científico porque o associam a uma agenda política tendenciosa ou com especulações que ameaçam uma espiritualidade que deve se pautar pela simplicidade da fé. Círculos acadêmicos que adotam essa compreensão de conflito veem a religião como algo irracional. Portanto, a fé, nessa concepção, é anti-intelectual. Há aqui uma completa dissociação entre a crença e a prática religiosa com o estudo e a pesquisa acadêmica. Mais do que isso, a fé é vista como um entrave para a emancipação proporcionada pelo conhecimento. Logo, para se produzir boa ciência deve-se abandonar o obscurantismo da fé. Por outro lado, a postura dos religiosos que se opõem à ciência costuma ser motivada por uma visão estreita do ambiente acadêmico, por entenderem que as universidades são dominadas por uma agenda ideológica ateísta, que é conduzida por gente arrogante e descrente. Seguindo esse raciocínio, muitos desse grupo acreditam que Deus trabalha apenas na simplicidade do senso comum, enquanto as forças do mal se valem do aparato técnico-científico. Se aplicarmos essa perspectiva de conflito entre ciência e religião à linguagem adventista de grande conflito envolvendo o bem e o mal, haverá uma demarcação clara entre os dois exércitos da batalha. A religião sempre estará do lado de Deus, ao passo que a ciência sempre estará do lado do mal. Nesse sentido, é preciso ser anti-intelectual para ser religioso, ou descrente para ser um acadêmico.
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Contudo, essa noção de conflito entre ciência e religião é muito frágil, porque existem pessoas religiosas que são intelectuais, e outras que são anti-intelectuais. Há cientistas religiosos, e outros ateus. Além disso, o conceito adventista de grande conflito é muito mais abrangente e complexo do que uma mera separação entre ciência e religião. Em realidade, a batalha cósmica entre o bem e o mal permeia tanto a esfera da ciência quanto o âmbito da fé. Em outras palavras, não temos um quadro simplista de boa religião e má ciência, mas a possibilidade de boa religião e má religião, boa ciência e má ciência. INDEPENDÊNCIA O segundo tipo de relacionamento sugerido por Ian Barbour oferece uma perspectiva um pouco mais positiva entre ciência e religião. Nesse tipo, não há conflito entre as duas partes. Como o próprio nome da categoria indica, a possibilidade de conflito é evitada por conta da configuração de independência entre esses campos do conhecimento. Se por um lado essa postura representa um avanço por fugir do antagonismo, por outro, não apresenta na prática nenhum relacionamento entre fé e ciência. Um ponto positivo dessa visão é que o religioso que a adota não tem uma impressão negativa da ciência, desde que ela não entre no terreno da fé. De forma similar, o cientista não rejeita ou diminui o papel da fé, na medida em que ela não tenha contato com a discussão acadêmica. O pressuposto fundamental do paradigma de independência é de que os campos da fé e da ciência sejam legítimos e significativos, mas dizem respeito a diferentes domínios da vida humana. E que uma confusão desses domínios geraria distorções em ambos os lados. Portanto, eles devem permanecer separados. De acordo com essa compreensão, enquanto a ciência lida com a realidade da vida, a fé trata do seu significado. Ao passo que a academia trabalha com fatos, a fé se situa no domínio pessoal e interior. Assim, ela não tem nada que ver com o estudo acadêmico e a ciência. Nesse paradigma, você pode ter sua crença, mas não deve empregá-la para fazer ciência ou ensinar. Igualmente, você pode desenvolver seu estudo acadêmico, mas ele não tem relação com sua fé.
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DIÁLOGO Por sua vez, o terceiro tipo de relacionamento entre a fé e a ciência prevê certa aproximação entre elas. Na postura de diálogo é reconhecida, finalmente, uma relação entre esses dois domínios. De acordo com essa visão, ciência e religião não são apenas campos de reflexão legítimos e significativos, mas também relevantes para o enriquecimento mútuo. Portanto, não há aqui uma separação rígida ou estanque entre o estudo da realidade (ciência) e o sentido da vida (fé). Como existem pontos de contato entre essas áreas, é possível haver um diálogo entre elas. Isso significa que o estudo científico da realidade pode enriquecer a percepção do sentido da vida, assim como a reflexão da fé tem o potencial de enobrecer a compreensão técnica da realidade. INTEGRAÇÃO Enquanto a postura de diálogo representa uma interação positiva entre a ciência e a religião, o quarto tipo (integração) de relacionamento entre elas constitui o nível mais profundo de convivência desses dois campos de reflexão, que vai além da ideia de que eles têm pontos de contato. O pressuposto fundamental dessa categoria é que exista uma relação orgânica entre ciência e religião. A despeito das diferenças entre os domínios, há o reconhecimento de que existem significativas oportunidades de integração. Esse paradigma é obviamente audacioso, porque a visão dominante atualmente é que ciência e religião estão em “gavetas” diferentes da vida e que por isso o relacionamento entre elas pode variar, no máximo, do nível de conflito, passando pelo de independência e chegando até o de diálogo. A ousadia dessa postura se reflete, por exemplo, no provocativo título do livro The Outrageous Idea of Christian Scholarship (“A Ideia Escandalosa/Chocante do Trabalho Acadêmico Cristão”, numa tradução livre). A obra, publicada em 1998 pela editora da Universidade de Oxford, foi escrita pelo historiador norte-americano George Marsden. A visão proposta por esse livro não tem a intenção de realizar uma mistura confusa entre ciência e fé, em que o resultado seria o abandono da metodologia científica ou que
a religião passasse a ser indevidamente medida e limitada pelas réguas da cientificidade. De fato, a Bíblia não deve ser confundida anacronicamente com um livro de ciências. Todavia, os conceitos bíblicos acerca da realidade criada fornecem as lentes por meio das quais enxergamos e interpretamos os dados e informações oferecidos pela prática científica. ADORAÇÃO E SERVIÇO Essa afirmação revela que a base bíblica para a integração entre fé e ciência se encontra na doutrina cristã da criação. Nessa linha, os objetos de estudo da ciência podem ser definidos, em grande medida, como algum aspecto da criação divina, a começar pela mente humana que trabalha para produzir a reflexão acadêmica. Olhando dessa perspectiva, os diferentes elementos da natureza, bem como as realidades organizadas, transformadas ou desenvolvidas pelas capacidades humanas apontariam para Deus como criador do mundo e da humanidade. Desse modo, a prática científica se tornaria uma atitude de fé, tendo em vista que o estudo da criação se constituiria numa forma responsável de mordomia, em que a compreensão e o cuidado inteligente da criação teriam como objetivo honrar o Criador, enobrecer o mundo e a vida humana, bem como servir ao próximo. Precisamos entender também que a doutrina cristã da criação inclui a compreensão da doutrina do pecado, que pressupõe a presença e os efeitos do mal na vida humana e na realidade natural ao nosso redor. Isso torna a integração entre a fé e a ciência ainda mais significativa, uma vez que essa integração busca restaurar os propósitos originais de Deus para com Sua criação. De fato, essa reflexão teológica da fé levanta questões como: Qual é o elemento da criação divina que eu exploro na minha área de atuação científica? Quais são os ideais de Deus para ele? Por outro lado, como esse elemento da criação é afetado pela realidade do mal ou do pecado? Como minha prática científica e profissional pode ser um instrumento de cuidado da criação, de modo a promover, na medida do possível, a restauração dos propósitos de Deus para o mundo criado e a vida humana? Na filosofia educacional adventista, a verdadeira educação é entendida como uma forma de redenção, definida pela restauração das capacidades físicas, mentais e espirituais do ser humano, à luz dos ideais de Deus em Sua criação. Seguindo essa perspectiva ampla de educação, a integração entre fé e ciência pode ser entendida como uma responsabilidade humana para com Deus e o mundo, que tem como objetivo ajudar outros a adorar o Criador e servir ao próximo (que também é parte da criação divina).
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Texto André Vasconcelos Ilustração Vandir Dorta Jr.
AS PRAGAS E A PANDEMIA “Faraó não vai ouvir vocês; e Eu porei a mão sobre o Egito e farei sair os Meus exércitos, o Meu povo, os filhos de Israel, da terra do Egito, com grandes manifestações de juízo” (Êx 7:4, NAA).
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PANDEMIA DE COVID-19, incêndio na Austrália, nuvens de gafanhotos na América do Sul, terremoto no México, enchentes no Sudeste do Brasil, ciclone bomba em Santa Catarina, tempestade de areia no Caribe, explosão no porto de Beirute, milhares de mortos, hospitais lotados, famílias enlutadas, crise econômica e política em vários países, protestos nos Estados Unidos e por aí vai… Esses eventos que estão marcando 2020 parecem até as pragas do Egito, não é mesmo? A semelhança é tanta que alguns teólogos têm afirmado que as catástrofes deste ano são juízos de Deus. O batista John Piper, por exemplo, em sua recente obra Coronavírus e Cristo (Fiel, 2020), afirmou que a Covid-19 “é a chamada estrondosa de Deus para nos arrependermos e realinharmos nossa vida” (p. 71). Mais adiante, na mesma página, ele acrescentou que “todos os desastres naturais – sejam inundações, fomes, gafanhotos, tsunamis ou doenças – são convocações dolorosas e misericordiosas de Deus para nos arrependermos”. Piper vê todas as catástrofes naturais como ações soberanas de Deus para advertir o mundo e aproximá-lo de Si. De fato, Deus usou pragas e a força da natureza ao longo da história bíblica como um instrumento de punição e advertência (Nm 12:10, 11; Dt 28:20-28; Jl 1:1-4; Tg 5:17; etc.), a fim de que as pessoas se arrependessem de seus pecados e retornassem para Ele (ver Ap 3:19). Mas seria possível estabelecer semelhanças entre as pragas do Egito e as catástrofes que marcaram este ano? Vamos analisar o texto bíblico e buscar algumas respostas. AS PRAGAS DO EGITO Penso que todo mundo já ouviu falar das dez pragas do Egito. Presentes no cinema, na literatura e no imaginário judaico-cristão, elas se tornaram parte do folclore ocidental. Muitos as consideram um mito ou mesmo uma sucessão de catástrofes naturais ocasionada por alterações ambientais nas águas do rio Nilo. Porém, as Escrituras não hesitam em afirmar o caráter histórico dessas pragas. Na Bíblia, esses flagelos são chamados de “sinais” e “maravilhas” de Deus (Êx 7:3). Tanto a palavra “sinais” (ver 8:23; 10:1, 2) quanto o termo “maravilhas” (ver 7:9; 11:9, 10) enfatizam a origem sobrenatural das pragas, que foram o meio pelo qual Deus advertiu os egípcios e os puniu por oprimirem os hebreus (Êx 3:9). O teólogo Nahum Sarna, no livro Exodus (The JPS Torah Commentary, 1991), na página 38, observou que essa narrativa segue um padrão literário sofisticado. Ele divide as primeiras nove pragas em grupos de três: (1) sangue, rãs e piolhos; (2) moscas, pestes e úlceras; e (3) chuva de pedras, gafanhotos e trevas. Essa divisão estrutural se baseia em vários paralelismos. As duas primeiras pragas em cada série, por exemplo, são precedidas por um anúncio (7:14-18; 8:1-4, 20-23; 9:1-5, 13-19; 10:1-5), enquanto a terceira não (8:16, 17; 9:8-11; 10:21-23). Na primeira praga de cada ciclo Moisés se encontrou com faraó pela manhã (7:15; 8:20; 9:13), ao passo que na segunda de cada grupo o patriarca foi orientado a “ir até Faraó” (8:1; 9:1; 10:1), conforme o texto original. Outro detalhe curioso é que Arão foi o agente escolhido por Deus para executar os juízos no primeiro ciclo de pragas (7:19; 8:5, 16), enquanto Moisés foi o agente eleito no terceiro (9:13; 10:1, 21).
A décima praga rompe o ritmo da narrativa e conduz o relato ao clímax: a morte dos primogênitos do Egito e a instituição da Páscoa. Nessa praga há um interlúdio entre o anúncio e a execução do juízo (Êx 12:1-28), o que não ocorre nas demais. Essa quebra é de natureza litúrgica, e sua intenção é prescrever a celebração da Páscoa, que deveria ser recordada todos os anos. Essa estrutura simétrica sugere a perfeição e a intencionalidade do juízo de Deus. Nenhum desses eventos poderia ser considerado uma catástrofe natural e aleatória. Tudo foi planejado e orquestrado pelo Senhor. Nesse sentido, vemos que as pragas do Egito não devem ser um parâmetro para as catástrofes comuns. Os elementos sobrenaturais das dez pragas, como transformar água em sangue e matar os primogênitos de toda uma nação, bem como a sincronia entre elas e o discurso profético, tornam esse evento singular. É importante destacar que os juízos de Deus registrados nas Escrituras, na maioria das vezes, eram precedidos por uma mensagem de advertência profética (ver Nm 16:20-35; 2Sm 24:10-17), o que não aconteceu nas catástrofes naturais deste ano. Se as pessoas não foram advertidas do juízo iminente, essas catástrofes não podem ser entendidas no mesmo sentido das pragas do Êxodo. Nem toda catástrofe natural, que muitas vezes é causada pela ganância do ser humano e a poluição do meio ambiente, tem esse objetivo. Precisamos entender que, neste mundo marcado pelo mal, não são necessários motivos justificáveis para ocorrerem tragédias. Além disso, como evidenciado pelos capítulos 1 e 2 do livro de Jó, as catástrofes também podem ter origem satânica. As dez pragas do Egito, por outro lado, serviram como um chamado divino para que os inimigos do povo de Deus se arrependessem dos pecados deles. Cada praga era um apelo progressivo para que os egípcios temessem a “palavra do SENHOR” (Êx 9:20). Eles tiveram a opção de escapar das pragas; nós não. Além disso, as pragas seguiram a dinâmica que posteriormente se observou nas guerras travadas por Israel, na qual a própria mensagem de juízo era um convite ao arrependimento: “No momento em que Eu falar a respeito de uma nação ou de um reino para o arrancar, derrubar e destruir, se essa nação se converter da maldade contra a qual Eu falei, também Eu mudarei de ideia a respeito do mal que pensava fazer-lhe” (Jr 18:7, 8; ver Jn 3–4). A DUREZA DE FARAÓ Outro elemento a ser considerado no relato das pragas do Egito é a soberania de Deus. Algumas passagens parecem sugerir que Deus determinou o destino dos egípcios ao endurecer o coração de faraó (ver Êx 4:21). Mas será que Deus limitou o livre-arbítrio do rei endurecendo o coração dele? Antes de responder a essa pergunta, precisamos refletir sobre o significado da expressão “endurecer o coração”. Essa fórmula se repete várias vezes ao longo da narrativa, funcionando como um leitmotiv ligado a faraó. O termo leitmotiv (tema ou motivo condutor) é usado em produções audiovisuais para descrever pequenas trilhas musicais que caracterizam um personagem. Um dos exemplos cinematográficos mais famosos é a “Marcha Imperial” do filme Star Wars, de George Lucas. No caso de produções out-dez
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literárias, ocorre o mesmo fenômeno, com a diferença de que a O profeta Ezequiel nos dá uma pista. Ele comparou o faraó de fórmula repetida é composta por um texto e não por uma música. sua época a um “crocodilo” no meio do rio (Ez 29:3; 32:2). O deComo em toda produção artística, seja musical ou literária, talhe curioso é que o termo hebraico traduzido para o português a principal lição das repetições se encontra nas variações. O como “crocodilo” é tannim, uma variação do vocábulo tannin. Essa livro do Êxodo menciona 20 vezes a expressão “endurecer o relação intertextual entre o monstro marinho e a figura de faraó coração”, com algumas modificações. Dez vezes a responsabi- sugere uma mudança intencional em Êxodo 7:9 a 12. lidade é atribuída a Deus (Êx 4:21; 7:3; 9:12; 10:1, 20, 27; 11:10; Se a serpente na mão de Moisés simbolizava faraó, Moisés 14:4, 8, 17) e outras dez ao próprio faraó (7:13, 14, 22; 8:15, 19, representava Deus (Êx 7:1; ver 4:15, 16). O rei egípcio estava 32; 9:7, 34, 35; 13:15). Isso já seria suficiente para considerar literalmente nas mãos do Senhor! Metonimicamente, podemos arbitrária a ideia de que a resistência do rei tivesse sido uma afirmar que todo o Egito, representado por seu líder, estava nas mãos do Deus de Israel. Talvez seja por essa razão que, no mesmo imposição soberana e unilateral de Deus. Aliás, foi faraó quem endureceu o próprio coração vo- contexto, o Senhor afirmou que estenderia a “mão sobre o Egito” luntariamente nas cinco primeiras pragas; só depois Deus (7:4, 5; ver 3:20). interveio. Nahum Sarna, na página 23 de seu comentário Faraó teve várias oportunidades para se submeter a Deus, mas de Êxodo, observa que “essa é a maneira bíblica de afirmar preferiu desprezar as ofertas divinas e não considerar “seu coração” que a intransigência do rei se tornou habitual e irreversível”. (7:23, ARA). Foi por isso que o Senhor decidiu enviar pragas sobre O Senhor “endureceu” um coração que já era de pedra. Em o “coração” do rei e o povo egípcio (9:14). O desejo de Deus era outras palavras, Deus permitiu que faraó consolidasse a dureza que eles reconhecessem Sua autoridade soberana. e a teimosia do coração dele. O Senhor poderia ter transformado o coração de pedra de faraó A atitude divina não tinha nada que ver com determinis- em um de carne (ver Ez 36:26), caso o rei tivesse se arrependido. mo nem predestinação; o Senhor apenas permitiu que faraó Contudo, faraó preferiu enfrentar as mãos poderosas de Deus seguisse o próprio caminho. Esse fato se torna mais evidente (Êx 3:19; 13:3) e todas as “manifestações de juízo” (7:4), isto é, as quando comparamos a declaração de que Deus endureceria pragas que devastaram seu reino (10:7). “o coração dos egípcios”, em Êxodo 14:17, com passagens que mencionam a presença de egípcios entre os israelitas (ver MORAL DA HISTÓRIA Êx 12:38; Lv 24:10; Nm 11:4). Nem sempre é fácil entender a lógica do juízo divino. Porém, Se Deus tivesse endurecido o coração de todos os egípcios, como vimos até aqui, as pragas tinham acima de tudo um propócomo alguns deles mudaram de ideia e decidiram viver com o sito redentivo. Por um lado, os egípcios deveriam reconhecer seu povo de Israel? A resposta óbvia é que eles tinham liberdade pecado ao oprimir Israel (1:11-14). Por outro, deveriam encarar os para escolher o próprio destino, assim como o rei do Egito. “sinais” e as “maravilhas” de Deus como oportunidades de salvação. As pragas do Egito podem nos ensinar algumas lições sobre Deus nunca impediu nem impedirá que alguém se converta o período turbulento que estamos vivendo. Em primeiro lugar, do mal e se una a Seu povo. O texto deixa claro que o Senhor não determinou que embora seja verdade que Deus possa usar elementos naturais alguns egípcios morressem e que outros vivessem, assim para advertir os seres humanos, isso não parece se aplicar a toda como Ele não determina quem deve viver ou e qualquer tragédia natural. Os juízos de Deus, na morrer numa tragédia. É verdade que nem um maioria das vezes, são precedidos por avisos propassarinho cai do céu sem que Deus permita Deus permite féticos e possuem caráter redentivo. Em segundo lugar, o relato bíblico das pragas nos e que Ele sabe quantos fios de cabelo temos na que o mal e a cabeça (Mt 10:29, 30). Porém, é preciso conmostra que Deus não determina individualmente siderar que permitir a morte não é o mesmo morte existam quem vai sofrer Seus juízos e quem será preservado que determiná-la. Em Sua soberania, o Senhor temporariamente deles. Apesar de o Senhor fazer uma clara distinpermite a existência do mal e da morte por um para que o bem e ção entre Seu povo e os inimigos dele (Êx 11:7; ver propósito maior e redentivo, a fim de que o Ml 3:13-18), cabe a cada ser humano decidir de bem e a vida prevaleçam para sempre no final. a vida prevaleçam que lado estará no conflito entre o bem e o mal. Outra consideração importante quanto ao para sempre Em terceiro lugar, a narrativa das pragas nos livre-arbítrio de faraó é que, embora tivesse ensina que somos livres para escolher como no final liberdade para endurecer o próprio coração, o reagiremos às crises. Podemos endurecer nosso rei não tinha controle sobre as consequências de coração, como faraó, ou nos aproximar de Deus sua escolha. Essa realidade é ilustrada pelo cajado transformado e nos unir a Seu povo, como alguns egípcios. Afinal, esse era o em “serpente” em Êxodo 7:9 a 12. A palavra hebraica usada desejo do Eterno: “O SENHOR ferirá os egípcios; Ele os ferirá, para “serpente” nesse trecho é tannin e não nachash, como no mas depois os curará. Eles se converterão ao SENHOR, e Ele lhes capítulo 4:3. Por que o autor faria essa mudança, consideran- atenderá as orações e os curará. […] O SENHOR dos Exércitos do o fato de que o termo tannin se refere mais a um monstro os abençoará, dizendo: ‘Bendito seja o Egito, Meu povo!’” (Is 19:22, 25). marinho (ver Gn 1:21; Is 27:1) do que a uma serpente? 22 |
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7:14-25 As águas se tornam sangue
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8:16-19 Piolhos
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8:1-15 Rãs
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8:20-32 Moscas
9:1-7 Peste nos animais
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9:13-35 Chuva de pedras
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10:21-29 Trevas
10:1-20 Gafanhotos
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10a 11:1-10; 12: 29-36 Morte dos primogênitos
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Básica
Texto Bruno Ribeiro Imagem ©Krakenimages.com | Adobe Stock
A realidade não é mais a dona da verdade
A NEGAÇÃO DA REALIDADE Na filosofia, a definição clássica de verdade afirma que ela é uma espécie de “correspondência” entre a crença (o que a gente acredita) e a realidade (como as coisas efetivamente são). A partir desse conceito, nossas crenças só podem ser classificadas como verdadeiras ou falsas. Não há meio-termo. Para exemplificar, seria ilusório sustentar que a neve é branca se ela realmente não fosse branca, pois então nossa crença não corresponderia à realidade. Nesse caso, a culpa por não “captar” a realidade corretamente não seria do mundo, mas nossa. Esse conceito de verdade é o que tem, com larga vantagem, o maior índice de aceitação (45%) entre os mais de 3,2 mil filósofos dos Estados Unidos, Europa e Austrália entrevistados em 2009 pela The PhilPapers Surveys, uma plataforma especializada na área. Porém, essa definição de verdade encontra muita resistência na sociedade de hoje. Na conceituação clássica, o mundo existe e tem as características que tem independentemente das nossas crenças sobre ele. Mas não é assim na visão contemporânea: a opinião pessoal engoliu tudo, até a verdade. A realidade não é mais a dona da verdade. É por isso que a gente escuta ou diz as seguintes frases: “cada um tem sua verdade” ou “o que é verdade para você pode não ser verdade para mim”. O ponto aqui é destacar que a rejeição do conceito clássico de verdade contribui diretamente para validar os discursos de negação da ciência que têm ganhado força no contexto das mídias sociais. É nessa inversão total de valores que encontramos a raiz teórica do negacionismo: enquanto no conceito clássico a realidade é que “manda” nas nossas crenças, hoje nós é que somos os “senhores da verdade”, de modo que o mundo “passa a ser” como a gente acredita (ou quer) que ele seja. Nessa linha de raciocínio, não há uma realidade “acima” de nós, a partir da qual a gente deve verificar nossas crenças. O problema dessa postura, seja de negação de uma verdade revelada (Bíblia) ou de uma verdade descoberta e validada até aqui pelo consenso científico, é que ficamos presos ao mundo interior das nossas crenças. Ou, na melhor das hipóteses, ficamos restritos às bolhas virtuais que acreditam como nós e que tornam mais crível nossa ilusão. Fontes: livro Metafísica (1011b26-27), de Aristóteles; artigos “Objetividade”, de Peter van Inwagen (criticanarede.com/ met_objectividade.html); e “Verdade”, de Desidério Murcho (estadodaarte.estadao.com.br/verdade); e pesquisa da The PhilPapers Surveys (https://goo.gl/fZVHx5).
Curiosa
Texto Julie Grüdtner
VOCÊ NÃO É UMA MÁQUINA “Nosso corpo é uma máquina perfeita.“ Adoramos usar essa expressão para nos referir à funcionalidade previsível do organismo humano. Porém, quando falamos sobre o sistema imunológico, é melhor evitar metáforas. Máquinas podem ser aprimoradas e equipadas com novos sistemas externos, tendo assim capacidade de executar funções além das que foram inicialmente projetadas para desempenhar. Contudo, nosso corpo não funciona assim. Temos limites. Um estudo realizado em 2006 na Alemanha e atualizado agora em 2020 mostra que é exatamente por não respeitar os limites do corpo que o sistema imunológico de boa parte das pessoas opera abaixo da sua capacidade máxima. Isso ocorre porque no estilo de vida ocidental moderno, o ato de comer foi substituído por simplesmente encher o bucho. O verbo “dormir” foi trocado por “desmaiar” (de cansaço) ou por “varar” a noite diante de uma tela. Não mais tomamos
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água. Agora, só matamos a sede. É evidente que esses maus hábitos têm um alto custo, e a conta uma hora chega. Com o modus operandi do corpo desequilibrado, seu sistema imunológico enfraquece; e você fica suscetível a qualquer tipo de doença, além de morrer mais cedo. Muito direta? Sim, e é de propósito. Esse é um tópico que você não pode mais deixar de lado. Se estar com a imunidade em dia já era importante em circunstâncias normais, imagine numa pandemia!
Por isso, a primeira coisa que você precisa fazer é cuidar com o efeito de autossabotagem dos seus maus hábitos. Durma cedo e o suficiente, adote uma alimentação equilibrada, mantenha-se hidratado, pegue sol e faça pelo menos uma boa caminhada cinco vezes por semana. É demais? Na real, isso ainda é o mínimo, mas já é um bom começo para viver mais e melhor. Fonte: pesquisa “How does the immune system work?”, do Instituto de Qualidade e Eficiência em Assistência à Saúde de Colônia, na Alemanha (IQWiG), atualizado em 23 de abril de 2020 e disponível em https://bit.ly/39G2nS8.
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Ponto de vista
Tudo ligado
Texto Alex Machado Imagem © Orlando Florin Rosu | Adobe Stock
Texto Márcio Tonetti
DA CLOROQUINA À VACINA Cloroquina
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MUDANÇAS CLIMÁTICAS Assunto cada vez mais presente nos noticiários, a emergente crise climática é um dos principais desafios da humanidade neste século. Por causa do impacto destruidor das atividades dos seres humanos sobre a natureza, Paul Crutzen, cientista que ganhou o Nobel de Química (1995), popularizou o conceito de antropoceno, ou seja, de que a Revolução Industrial inaugurou uma nova era geológica. Para o químico holandês, nos últimos 250 anos, a humanidade tem sido a principal responsável pela degradação ambiental e o vetor de ações catalisadoras de uma provável catástrofe ecológica. Nesse contexto, grupos diversos têm levantado a bandeira da responsabilidade socioambiental, inclusive religiosos. Porém, na visão deles, seria o ser humano o único responsável pela degradação do ecossistema? A resposta vai variar conforme as crenças e tradições desses grupos.
Sim
De acordo com a doutrina espírita, o planeta sofre porque o ser humano abusa da liberdade que lhe é concedida. A solução seria incentivar o desapego aos bens materiais e o desenvolvimento de ações solidárias. Como a maior parte das religiões de matriz africana, o candomblé também admite a responsabilidade exclusiva do ser humano na degradação da natureza e realça a importância da conscientização ambiental. No budismo, por sua vez, a premissa de que o Universo todo funciona de modo integrado leva seus praticantes a entender que a solução para a crise ecológica passa pela reintegração do ser humano com o meio ambiente.
Não
A Igreja Católica reconhece os efeitos nocivos do pecado sem negar a responsabilidade do ser humano no uso dos recursos naturais. Um dos documentos católicos mais significativos e atuais sobre o tema é a carta encíclica Laudato Si’ (2015), do papa Francisco. Por sua vez, a Igreja Adventista do Sétimo Dia atribui a crise climática e demais problemas ambientais aos efeitos do pecado e à ação humana. Ellen White, cofundadora da denominação, entendia, assim como o apóstolo Paulo (Rm 8:22, 23), que a natureza havia sido afetada pela entrada do mal no planeta (Gn 3:17). Desde então, a degeneração natural da Terra, somada à ganância do ser humano, tem resultado num crescente desequilíbrio ecológico. Embora creiam na intervenção sobrenatural e final de Deus para a recriação do planeta (Is 65:17; 66:22; Ap 21:1), os adventistas ressaltam que preservar a natureza é uma responsabilidade dada por Deus ao ser humano desde o início da história da vida na Terra (Gn 1:26, 28; 2:15). Fontes: artigo “Geology of Mankind”, de Paul Crutzen, em 3 de janeiro de 2002, na revista Nature (nature. com); O Livro dos Espíritos (FEB, 2013), p. 328, de Allan Kardec; livros Educação, (CPB, 2014), p. 26, de Ellen G. White e Declarações da Igreja (CPB, 2012), p. 55; artigo “Cuidar do meio ambiente: um assunto divino e nosso também”, na revista Diálogo Universitário, v. 28, no 1, 2016, p. 20-23, de John Wesley Taylor V (dialogue.adventist.org); e encíclica papal Laudato Si’ (vatican.va); artigos acadêmicos “Educação Ambiental e Candomblé: afro-religiosidade como consciência ambiental”, de Felipe Rodrigues Martins, em Paralellus, v. 6, no 12, p. 265-278, 2015 (unicap.br/ojs/index.php); “Budismo: movimento religioso de respeito à natureza”, de Rafaela Charbaje e outros, em Sinapse Múltipla, v. 2, no 1 (periodicos.pucminas.br/index.php).
Utilizada há mais de 70 anos no tratamento da malária e de algumas doenças autoimunes, esse medicamento gerou acaloradas discussões nos Estados Unidos e no Brasil durante a pandemia atual. Mas não é de hoje que a cloroquina é objeto de polêmica. Já no período pós-guerra surgiram discussões sobre seus efeitos colaterais, e os testes realizados em seres humanos foram criticados pela falta de
Ética
Vem do grego ethos, que significa “modo de ser”, “caráter”, “costume”. Enquanto substantivo feminino, esse termo remete à área da filosofia que estuda o comportamento humano. E, como adjetivo, define aquele que age em conformidade com os princípios morais e valores de um grupo social. Infelizmente, nossa sociedade tem sido marcada por desvios éticos até mesmo no contexto
Científico
É o que se diz do conhecimento produzido sistemática e racionalmente, ou seja, utilizando métodos testados e validados pela comunidade científica. Isso significa que, ao mesmo tempo que fazer ciência exige ética, também demanda técnica. Aspectos que, sem dúvida, também precisam ser levados em conta no processo de produção de uma
Vacina
Substância produzida em laboratório a partir de vírus ou bactérias com o objetivo de imunizar a população. Há mais de 200 anos, os imunizantes têm sido a esperança da humanidade diante das epidemias. E, quando produzidos com o rigor científico necessário, têm se mostrado muito eficazes. O mesmo não pode ser dito da cloroquina para tratamento da Covid-19. Considerando o que as pesquisas têm mostrado, evite usá-la como automedicação e não se envolva em discussões que ferem a ética e ignoram a validade do método científico. Fontes: André Cândido da Silva, pesquisador da Fiocruz, em “A origem da cloroquina: uma história acidentada”, site Café História (bit.ly/3hJf69x); “Cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19”, site da Fiocruz (bit.ly/2WXzdsj); dicionário Houaiss; “Ética: a área da filosofia que estuda o comportamento humano”, portal UOL (bit.ly/3jN9dK0); “A história das vacinas: uma técnica milenar”, em Revista da Vacina, Centro Cultural do Ministério da Saúde (bit. ly/2CVexuh e bit.ly/2EjWY7v); “Vacina”, site do médico Dráuzio Varella (bit.ly/3g6CtcH); Agência Bori; e “Lupa na Ciência: Entenda a importância do estudo brasileiro que comprovou ineficácia da hidroxicloroquina para casos leves e moderados de Covid-19”, site da agência Lupa (bit.ly/330e1ps). out-dez
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Texto Jessica Manfrim Design Fábio Fernandes
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... o mundo sem o método meio-dia, a estaca projetava uma sombra de aproximadamente 7 graus. Essa diferença da sombra entre as duas cidades significava que a superfície da Terra não era plana, mas curva. Usando uma regra de três, ele calculou a circunferência da Terra: 40 mil quilômetros. Quase cravou os 40.075 quilômetros que posteriormente foram mais precisamente verificados. Vale a pena resgatar isso, pois experimentos como esse são realizados há
muito tempo e estão na base do que conhecemos hoje como método científico. E, numa época de negação da ciência, disseminação de fake news e de teorias conspiratórias, como o terraplanismo, saber separar o joio do trigo é fundamental. Afinal, o método científico foi desenvolvido para proporcionar o máximo de confiabilidade possível à produção de novos conhecimentos. Porém, a pergunta que fica é: Como seria o mundo se ele não existisse?
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EGITO, 3o SÉCULO a.C. Eratóstenes, matemático, geógrafo e diretor da Biblioteca de Alexandria, descobriu, num papiro do famoso acervo, que no dia 21 de junho, ao meio-dia, na cidade de Siena (atual Assuã), que fica a 800 km de distância de Alexandria, o Sol podia ser visto refletido no fundo de um poço profundo. E, se alguém fincasse uma estaca na cidade, ela não teria sombra. Foi o que Eratóstenes fez em Alexandria no dia 21 de junho, descobrindo que, ao
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SUPERSTIÇÃO E ENTRAVE NA INOVAÇÃO
O filósofo grego Aristóteles (4o século a.C.) se dedicou também a observar o mundo físico. Ao estabelecer seu método de premissas (fatos ou princípios que servem de base à conclusão de um raciocínio), ele criava as bases do método científico. Infelizmente, muitos de seus escritos, assim como estudos sobre botânica, medicina, arquitetura, geografia e filosofia se perderam com a destruição da Biblioteca de Alexandria. Parte dos escritos desse filósofo grego seria redescoberta pela Europa cristã somente no século 13. Nesse ínterim, durante boa parte da Idade Média, os europeus cristãos ficaram presos à superstição e não avançaram na produção de um conhecimento mais empírico. Em contrapartida, os árabes, que haviam preservado as pesquisas de Aristóteles e de outros gregos e romanos, desenvolveram uma medicina extremamente avançada para a época, realizando até cirurgias de catarata e tratando de doenças contagiosas como a lepra. A redescoberta de Aristóteles no Ocidente, entre outros eventos, proporcionou uma revolução cultural, conhecida como Renascimento (séculos 14 a 16). Nomes como Francis Bacon (15611626) e Galileu Galilei (1564-1642), René Descartes (1596-1650) e Auguste Comte (1798-1857) dariam grande contribuição nos séculos seguintes. Galileu estabeleceria a experimentação sistemática (testar hipóteses e confirmá-las por experimentos), Descartes sistematizaria os fundamentos do método científico moderno, e Comte adaptaria esse método às ciências humanas.
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EBATE DESQUALIFICADO D E SILENCIAMENTO DO CONTRADITÓRIO
O filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860) escreveu um curioso livro: A Arte de Ter Razão – Como Vencer um Debate Sem Precisar Ter Razão em 38 Estratagemas. Nessa obra, ele revela os esquemas da argumentação maliciosa, falsa e extremamente persuasiva. Alguns deles são bem familiares em tempos de polarização: generalizar; argumentar de modo confuso; irritar o interlocutor; distorcer os argumentos do oponente; desqualificar o adversário conferindo a ele algum rótulo negativo e citar alguma autoridade no assunto, a fim de “lacrar” o debate. Todas essas práticas, mais fundamentadas em opiniões do que em argumentos e evidências científicas, tornam superficial o debate público. Em alguns casos, como ocorreu no tempo de Galileu Galilei, se os dados contestam os discursos assumidos por lideranças autoritárias, pode haver uma tentativa de silenciar as vozes contraditórias. Para Galileu, divulgar as evidências empíricas de que a Terra girava em torno do Sol, com base na teoria heliocêntrica de Nicolau Copérnico, custou ao pesquisador italiano ser julgado pelo tribunal da inquisição. Partindo de uma interpretação equivocada da Bíblia e abusando de seu poder, o Vaticano condenou o livro em que Galileu explicava sua descoberta, sob a acusação de heresia. Resultado: o astrônomo teve que renegar sua descoberta e ainda passar o restante da vida em prisão domiciliar. Somente séculos depois, em 31 de outubro de 1992, o papa João Paulo II reconheceu o engano na condenação de Galileu.
DESINFORMAÇÃO E DESAFIO DE CHECAGEM
O método científico moderno tem algumas características muito interessantes, que o diferenciam, por exemplo, do senso comum: (1) parte de um conhecimento anterior aceito como verdadeiro pela comunidade científica (Eratóstenes tomou como base uma informação encontrada na Biblioteca de Alexandria); (2) deve ser reprodutível (Eratóstenes replicou a experiência em Alexandria); (3) ter a possibilidade de ser refutado (no caso, o experimento em Alexandria se mostrou correto); (4) acrescentar informação nova ao conhecimento inicial (Eratóstenes descobriu a circunferência da Terra); e (5) ser julgado por pares (no caso da circunferência da Terra, a medição feita por equipamentos modernos validou a medida de Eratóstenes). Sem seguir essas etapas, as informações oferecidas ficam na esfera do argumento de autoridade, da manipulação e persuasão, do carisma ou da força de governos, instituições e pessoas. Tudo isso contribui para o aumento da desinformação, da superstição, da intolerância às opiniões, da rejeição aos novos dados e da fragmentação e polarização social. O que ocorre hoje é que, além de servir de microfone para qualquer opinião (des)qualificada, as mídias sociais funcionam numa lógica (algorítmica) que tende a nos conduzir para conteúdos dos quais gostamos e que reforçam nosso ponto de vista, limitando-nos assim a uma “bolha” virtual.
Negação da ciência, desinformação e produção da ignorância sempre causam impactos negativos na sociedade e geram lucro e poder para poucos. Isso interfere em eleições, políticas de saúde pública, na produção do conhecimento e na confiança da população em relação às universidades e à grande imprensa. Por isso, nunca foi tão necessário buscar informação verdadeira. Schopenhauer escreveu que, se o ser humano fosse honesto consigo mesmo e com os outros, não teria como objetivo de um debate vencer o adversário, mas descobrir a verdade, não se importando em que lado ela estivesse.
Fontes: livros História Universal da Destruição dos Livros: Das Tábuas Sumérias à Guerra do Iraque (Ediouro, 2004), de Fernando Báez; Astronomia e Astrofísica, de W. J. Maciel (ed.) (IAG/USP, 1991), p. 37, 38; A Grande Mudança: Reconectando o Mundo, de Thomas Edison ao Google, de Nicholas Carr (Landscape, 2008); e A Arte de Ter Razão: Exposta em 38 Estratagemas, de Arthur Schopenhauer (WMF Martins Fontes, 2009); artigos acadêmicos “Aproximações à medicina monástica em Portugal na Idade Média”, de Dulce dos Santos, História, v. 31, no 1, jan./jun. 2012 (bit.ly/30uuzEB) e “Breve reflexão sobre a importância do método científico”, artigo de Marília Vizzotto e outros, Psicólogo inFormação, no 20, jan./dez. 2016 (bit.ly/3kdZfSj); e artigos jornalísticos “Duas estacas e uma cabeça para medir a circunferência da Terra”, de Luiz Barco e “Galileu Galilei: o pai da ciência moderna” (super.abril.com.br). out-dez
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Ação Mude seu mundo
Texto Thiago Basílio Fotos Antônia Benayon e Rebeca Mota
Lição de vida Aprenda Na cabeceira Guia de profissões
Saúde acessível Voluntários oferecem atendimento multidisciplinar e ensinam hábitos saudáveis para comunidades vulneráveis do Pará
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A PAUTA SOBRE saúde está em alta. No ano em que enfrentamos a mais trágica pandemia dos últimos 100 anos, cuidar do corpo passou a ser, mais do que nunca, uma prioridade. Mas infelizmente vivemos no sétimo país mais desigual do planeta, segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU (2019), em que 10% dos mais ricos concentram 42% da renda do país. Essa realidade impõe para boa parte da população limitações no acesso ao atendimento médico básico. Aqui no Brasil, temos o privilégio de possuir um sistema universal de saúde que é gratuito (claro que bancado com nossos impostos) e que se mostrou mais necessário do que nunca no contexto da pandemia. Porém, esse mesmo SUS é ineficiente e precário em vários contextos, seja por falta de recursos ou pela má gestão deles. Resultado: a população mais afetada por esse descaso é também a mais vulnerável. Em algumas localidades, essas mazelas ficam ainda mais evidentes. É o caso de comunidades na região Norte do país. A dificuldade logística de transporte, a limitação de recursos e também a indiferença do poder público tornam o cuidado com o bem-estar quase que inacessível para alguns. Foi em resposta a esse cenário de desigualdades e carências que surgiu o projeto +Saúde na cidade de Ananindeua (PA). A iniciativa reúne voluntários na promoção de um estilo de vida saudável para os que mais precisam. O projeto começou tímido em 2016, impulsionado por uma igreja adventista da cidade; porém, aos poucos, foi crescendo e agregando mais voluntários, apoiadores e organizações, como o Colégio Adventista da Cidade Nova V, também localizado no município. REMÉDIOS GRATUITOS A principal bandeira do +Saúde é a prevenção. E ela é incentivada por meio da adoção de oito práticas saudáveis: consumo de água, alimentação saudável, luz solar, exercícios físicos, ar puro, descanso, equilíbrio e confiança em Deus. O que chama a atenção nessa abordagem é que esses “remédios naturais” são de baixo custo (alguns deles gratuitos) e acessíveis para muita gente. O que falta, contudo, na maioria das vezes, é orientação e acompanhamento. Por isso, o projeto oferece suporte multiprofissional para quem deseja mudar seu estilo de vida. Ao todo, mais de mil pessoas foram beneficiadas com as ações voluntárias de profissionais. “Lembro-me de uma pessoa, no interior de Tomé-Açu (PA), que estava muito magra, fraca e anêmica. Contudo, poucos meses depois, tivemos a notícia de que ela estava muito bem e agradecida pela ajuda”, conta Cleia Pojo, uma das coordenadoras do projeto. Por sua vez, Conceição Soares é uma das médicas que faz parte da iniciativa. “Tenho absoluta certeza de
que sou tão somente um instrumento para cuidar das pessoas e também amar todos aqueles que me procuram. O voluntariado me dá a possibilidade real e prática de colocar meus talentos a serviço do semelhante”, salienta Conceição. ATENDIMENTO MULTIPROFISSIONAL A equipe com 35 voluntários se organiza mensalmente em “caravana” rumo a diferentes localidades da região, oferecendo um amplo e diverso atendimento gratuito, o que inclui palestras de orientação, acompanhamento psicológico, tratamento odontológico, exames, consultas com médicos e nutricionistas, atendimento de fisioterapeutas e assistentes sociais, além de fornecimento gratuito de medicamentos, Números que quando necessário. fazem diferença Dependendo do caso, alguns atenEm 2019, o projeto dimentos podem ser oferecidos de +Saúde ofereceu o modo permanente, como é o caso seguinte: das psicoterapias. “No processo de depressão que enfrentei e na fase mais 660 consultas com crítica da doença, a ajuda psicológica clínico geral, foi fundamental no meu tratamento. pediatra e Sempre fui muito bem atendida e nutricionista acolhida pela equipe. Só tenho gratidão a todos!”, conta Luena Massih 574 Marques, uma das pessoas que reexames de sangue, cebeu acompanhamento psicológico fezes e urina do projeto. 400 “Sinto-me motivada em realizar testes de glicemia um trabalho pelo bem das pessoas atendidas e em cumprimento do de335 ver cristão, conforme os ensinamenaplicações de flúor tos de Jesus de fazer o bem aos outros como queria que a mim o fizessem”, 182 explica Josiane Maciel, psicóloga voatendimentos com luntária do +Saúde. Apesar das limifisioterapeutas e psicólogos tações impostas pela pandemia da Covid-19, que obrigou a suspensão das atividades por alguns meses neste ano, o projeto foi retomado, seguindo as recomendações sanitárias e determinações das autoridades. Ajuda bem-vinda para aqueles que precisam, como nunca, de orientação e atendimento médico. Para a dona de casa Ana Keila Marinho, a iniciativa ajuda a manter a saúde dela e de sua família em dia, enquanto que para o dentista voluntário Christian Fernandes Dutra, a participação dele é uma extensão da missão de Cristo e um gesto de solidariedade para com as necessidades dos outros. Perspectivas complementares de um propósito comum: a manutenção do bem-estar f ísico, mental e espiritual para a promoção de vida e saúde. out-dez
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Lição de vida
Texto Alessandra Guimarães Foto AscomHAB
"VOU SER DESLIGADO" Médico sobrevive a 11 dias de entubação por causa da Covid-19 e conta como é ter uma oportunidade para recomeçar NA QUARTA-FEIRA, 26 de fevereiro de 2020, quase perto do almoço, o Ministério da Saúde confirmava o primeiro caso positivo de Covid-19 no Brasil. Essa notícia era só o começo das dores de um país. Um mês depois, já havia quase 3 mil casos, 77 mortes e o isolamento social estava sendo decretado em diversas cidades. Não foi difícil entender: estávamos em guerra contra um vírus quase desconhecido. Ficar em casa, quando possível, era a melhor coisa a fazer. O número elevado de colegas de profissão que haviam sido vitimados pelo novo coronavírus assustava Marcello Niek, médico especialista em diagnóstico por imagem no Hospital Adventista de Belém, cidade em que nasceu. Aos 43 anos, atendendo pacientes da Covid-19, ele e a esposa, Ingrid – também médica na instituição –, tomavam todos os cuidados para não se contaminarem com o vírus. Porém, na segunda-feira, 11 de maio, dias após completar 20 anos de casamento, o médico apresentou dificuldades para respirar e um cansaço extremo durante o plantão. Havia dez dias que uma tosse seca acompanhava a rotina de Niek; contudo, os dois testes e as duas tomografias às quais ele havia se submetido nesse período não tinham acusado nada. No entanto, aquele novo sintoma indicava que a saúde do médico não estava bem. Por causa da insistência da esposa, naquele mesmo dia, Marcello realizou nova tomografia, a qual apontou uma pequena lesão no pulmão. “A equipe médica e eu optamos pela internação imediata, pois tínhamos receio de que o quadro piorasse e não houvesse leito disponível”, confessa. No dia seguinte, ao fazer o terceiro teste da Covid-19, o resultado deu positivo. A partir desse momento, Marcello trocou de posição: o médico se tornou paciente. “O PIOR MOMENTO PRA MIM” Niek tinha previsão de alta para domingo, seis dias após sua internação. Porém, de maneira repentina, seu 30 |
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quadro de saúde começou a se deteriorar. Com a piora, ele foi transferido para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Ali, alguns exames revelaram que seu pulmão estava praticamente tomado pelo vírus. “Foi então que chegou o pior momento para mim, quando a equipe discutiu meu caso e decidiu que o caminho seria a entubação”, afirma. Diferentemente da maior parte dos pacientes, Marcello conhecia em detalhes os riscos que corria. O procedimento é inevitável para enfermos com Covid-19 que estão com capacidade respiratória extremamente comprometida. Em resumo, um tubo é inserido pela traqueia da pessoa, já em estado de coma induzido. Após a entubação, a respiração do paciente ocorre por meio de um respirador mecânico. Infelizmente, morrem dois de cada três pacientes entubados por Covid-19, segundo levantamento do projeto UTIs Brasileiras (utisbrasileiras.com.br), comandado pela Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib) e pela Epimed, ferramenta de análise de dados e desempenho hospitalar. “EM PAZ COM DEUS E OS HOMENS” Do momento da internação até minutos antes da entubação, o médico relata que dialogou profundamente com Deus e a Ingrid. E num arranjo tático, tomando todos os cuidados preconizados pelas regras hospitalares, usando cadeira de rodas e balão de oxigênio, conseguiu ver e trocar algumas palavras com os filhos. “Tudo isso não era uma despedida, mas uma oportunidade de estar junto de novo com as pessoas que mais amo e refletir sobre tudo que já havíamos vivido”, explica. Niek comenta que não tinha medo de morrer, mas estava temeroso quanto ao futuro desconhecido. “Seria uma carga grande pra minha esposa criar sozinha três filhos”, revela. Como no texto do apóstolo Paulo aos cristãos da cidade de Filipos (Fp 4:7), Marcello Niek experimentou a paz que excede toda a compreensão
“RECOMEÇO PRA MIM É SUPERAÇÃO” Após o oitavo dia em coma, a “chave” começou a virar. “Deus colocou Sua mão sobre mim, e eu parei de piorar”, relata. Pelo fato de ele apresentar bons resultados progressivos, a equipe que cuidava do médico concluiu que era o momento de “despertar” Niek. Depois de duas semanas “ENQUANTO A CIÊNCIA AGIA, sem consciência plena, ele abriu os olhos e A FÉ ESTAVA ATIVA” Durante os cinco primeiros dias de co- interagiu de novo com o mundo ao redor. “A surpresa por estar vivo é uma sensama, a situação dele se agravou bastante. Suas chances de voltar eram mínimas. ção que jamais vou esquecer.” Mesmo asO pulmão foi completamente tomado sim, por causa do efeito dos remédios, os pela doença, e a resposta inflamatória dois dias seguintes foram de delírio e condo organismo foi intensa. Para piorar, fusão mental. Nesse período, ele havia pernesse ínterim, a esposa também foi in- dido 17 quilos, boa parte deles de massa ternada por complicações da Covid-19. muscular, fenômeno conhecido como Ingrid ficou pouco tempo sarcopenia. O médico não no hospital, mas a situação tinha força para se mexer acentuou o drama para a fa- “A surpresa e mal conseguia falar, mas mília, principalmente para apontava com o dedo para os três filhos do casal. cima, dando glórias ao Eterpor estar Desde 2007, a profisno, toda vez que a esposa são levou Niek a conhecer vivo é uma comentava algo sobre sua diversas regiões do Brasil sensação que recuperação. e do exterior. Seja trabaNiek comenta também lhando como consultor de jamais vou que, assim que viu Ingrid ao gestão hospitalar ou diriginlado da sua cama, disse para do o Ministério da Saúde da esquecer.” ela: “Meu amor, eu te amo.” Igreja Adventista por alguns Porém, segundo ele, essas anos aqui na América do palavras significavam mais Sul, o médico paraense conquistou o que uma mera declaração afetiva, eram apreço de muita gente. “Ele é uma pes- uma afirmação sobre a vida. Era como soa que cativa. Um cristão, amigo, pai se ele tivesse dito: “Sobrevivi, estou aqui e irmão em Cristo, com quem é fácil se novamente e quero seguir junto com relacionar e se identificar”, conta Ever- você na construção da nossa história.” ton Padilha, médico, doutor pela USP e Após receber alta e voltar para casa, amigo de Niek. o médico enfrentou outra batalha: se Consequentemente, a história de recuperar das sequelas do tratamento. Niek se espalhou pelas mídias sociais, “Recomeço pra mim é superação. Dei tudo mobilizando milhares de pessoas a orar de mim na reabilitação, e Deus foi muito em favor dele. “Estou convicto de que a misericordioso”, afirma. Depois de um mês intercessão dessas milhares de pessoas intenso de monitoramento, exercícios físifoi a chave para Deus estender Sua mão cos, alimentação balanceada e oração, sursobre mim”, acredita Niek. preendentemente, Marcello Niek estava Em paralelo, médicos de diversas completamente recuperado. “Voltei até a regiões do Brasil e de outras partes do cozinhar, o que eu adoro fazer”, comemora. mundo se reuniram virtualmente para Para quem caminhou pelo vale da somdiscutir o caso do colega e colaborar com bra e da morte, as coisas mais simples da conhecimentos e experiências a respei- vida ganham outro sabor. Cada momento to de como lidar com a Covid-19. Fé e passou a ter um significado maior. “Comecei ciência caminharam juntas durante todo a olhar a vida como uma nova oportunidao tratamento de Marcello Niek. “Enquan- de, uma segunda chance que Deus me deu to a ciência agia, a fé estava ativa”, afirma. e que eu não vou desperdiçar”, garante. humana, e enviou a seguinte mensagem para os amigos e familiares: “Vou ser desligado, não sei se serei ligado novamente. Estou totalmente em paz com Deus e com os homens. Voltarei se Deus me permitir.” E, assim, entrou em coma induzido.
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Texto Márcio Tonetti Design Renan Martin
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OBSERVE A URL
A identificar fake news
Embora só isso não seja suficiente para identificar fake news, pode ajudar. Informações falsas costumam remeter para endereços eletrônicos (as chamadas URL’s) que não terminam em “.com”, “.net”, “.edu”, “.org” ou “.gov”. Mas é preciso ficar atento porque, às vezes, até mesmo URL’s de sites confiáveis podem ser sutilmente alteradas para garantir cliques.
NÃO É DE hoje que as pessoas espalham mentiras. Mas podemos dizer que as fake news ganharam força na última década como resultado da popularização das mídias sociais. Para os especialistas, as notícias falsas são apenas a ponta do iceberg do fenômeno da desinformação. Fenômeno que se tornou mais evidente a partir da guerra de narrativas que marcou a saída do Reino Unido da União Europeia, em 2016. De lá para cá, textos, imagens, áudios e vídeos com informações inverídicas ou imprecisas também têm atrapalhado processos eleito-
Tem grande chance de ser mentira. Geralmente, as fake news seduzem o leitor usando “iscas” como “Isso a imprensa tradicional não fala”, “Por favor repasse, é urgente!”, “A verdade sobre a farsa” ou “Por essa você não esperava”. A intenção é gerar revolta ou indignação, a fim de que mais gente compartilhe a desinformação. Por isso, não fique apenas na manchete. Aliás, comece digitando o título da notícia num buscador. Se for fake, é muito provável que algum veículo de checagem de informações já tenha desmascarado o boato.
rais em vários países. A ponto de o Congresso brasileiro instaurar até mesmo uma CPMI para apurar o financiamento da distribuição de fake news. Além disso, por exemplo, há alguns meses, o Facebook chegou a desarticular uma rede de produção de notícias falsas envolvendo pessoas ligadas ao governo do Brasil. Mas enquanto alguns têm promovido a desinformação de maneira intencional, há quem contribua com a disseminação de notícias falsas sem se dar conta disso. Para esse grupo, as dicas que compartilho a seguir podem ser muito úteis.
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SE O CONTEÚDO É ALARMISTA ...
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VEJA SE O AUTOR E A DATA SÃO IDENTIFICADOS
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CONSULTE OS SERVIÇOS DE CHECAGEM E OS BUSCADORES ON-LINE
Fontes: jornalista e pesquisadora Magali Cunha; “7 passos para identificar notícias falsas”, em BBC News Brasil (bit.ly/2OLmyVe); “Educação midiática: como identificar uma fake news?”, no site da revista Nova Escola (bit.ly/3eP4jc0); e o podcast de 1o de abril da Revista Adventista, “Por que as fake news fazem sucesso no mundo religioso” (bit.ly/2E6bIqG). out-dez
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Ligue o desconfiômetro para conteúdos que sequer apresentam o nome do autor e a data da publicação. Por não atentar para esse detalhe, muita gente compartilha informações antigas como se fossem atuais ou propaga conteúdos que foram tirados de contexto para atender a determinados interesses ideológicos. Foi o que aconteceu no primeiro semestre com um vídeo do médico Dráuzio Varela, divulgado de maneira descontextualizada por pessoas contrárias à quarentena de toda a população.
Nem sempre os conteúdos desinformativos são tão explícitos. Afinal, as fake news estão ficando cada vez mais elaboradas. Isso reforça a importância do senso crítico. Felizmente, podemos contar com a ajuda de sites especializados, como o da Agência Lupa (piaui.folha.uol.com.br/lupa), aosfatos.org, e-farsas.com e até mesmo com um que se dedica exclusivamente à checagem de informações do mundo religioso: o coletivobereia.com.br. Além desses serviços, podemos usar a internet para verificar se os fatos procedem, se determinada declaração não foi distorcida ou mesmo para checar se é real a imagem usada para chamar a atenção. Recursos como “busca reversa”, que permite fazer o upload de uma foto pelo computador ou celular para averiguar sua origem e autenticidade, evitam esse tipo de vacilo.
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Aprenda
Na cabeceira
Texto Glauber Araújo Design Renan Martin
O poder da palavra
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Trechos
“Como o próprio Deus fornecia luz no primeiro dia, o salmista fez uma declaração teológica de que a criação, em última análise, não está centralizada no Sol nem no ser humano, mas em Deus” (p. 117).
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“Os autores finais da Bíblia hebraica compreendiam a criação não como um tema entre outros, ou mesmo algo de menor importância. Para eles, a criação era o ponto de partida, porque tudo que os seres humanos podem pensar e dizer sobre Deus e Sua relação com o mundo e com a humanidade depende do fato de que Ele criou tudo isso” (p. 226).
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CRER NUMA SEMANA literal da criação, ocorrida há poucos milhares de anos, é ir na contramão da cultura moderna e se opor à narrativa evolucionista, tão repetida pela mídia e respaldada pelo consenso científico. Mas assumir essa postura não significa, necessariamente, ter uma visão ultrapassada e ilógica sobre a realidade. Ler de maneira literal os primeiros capítulos de Gênesis tem que ver com interpretar os fenômenos da natureza e fazer ciência de modo distinto do convencional. Não é se opor ao método científico, mas fazer ciência a partir de pressupostos diferentes, inspirados numa forma completamente singular de ver o Universo e sua origem. Essa cosmovisão é alimentada não apenas pelo relato da criação em Gênesis, mas por inúmeros textos bíblicos que confirmam a origem da vida por meio da ação poderosa de Deus, um Ser cujo modo de agir extrapola nossa capacidade cognitiva. Ele não somente atuou no início, criando todas as coisas, mas continua sustentando os átomos e as forças que interagem no Universo. É desse ponto de vista que parte a obra Ele Falou e Tudo se Fez: A Criação Divina no Antigo Testamento (CPB, 2020, 272 p.), livro lançado recentemente e organizado pelo teólogo alemão Gerald Klingbeil. Desfazendo a ideia de que os criacionistas teriam construído uma ilusão com base numa interpretação equivocada dos primeiros capítulos de Gênesis e limitada a esse trecho da Bíblia, a obra mostra que o tema da criação se encontra presente em quase todos os livros do Antigo Testamento. Para tanto, vários dos dez capítulos da obra são dedicados a demonstrar que a temática da criação está presente no Pentateuco, nos livros poéticos (Salmos, Jó, etc.) e proféticos (Amós, Oseias, Jeremias, etc.). Como fica evidente ao
longo da coletânea, a crença numa criação sobrenatural permeia toda a Bíblia, formando as lentes pelas quais os autores bíblicos enxergavam a realidade. Ao relatarem o que viram e ouviram, os escritores da Bíblia não estavam evidentemente preocupados se suas crenças seriam posteriormente adotadas pelo cristianismo e classificadas como crendices à luz do paradigma científico moderno. Na verdade, a compreensão bíblica sobre a criação foi esculpida para se opor aos mitos e superstições mantidos pelos povos do antigo Oriente Médio, os quais tinham uma visão distorcida do mundo, do ser humano e de Deus. Pelo modo de se expressar dos autores bíblicos, o que inclui as palavras originalmente escolhidas por eles, podemos constatar que os antigos profetas de Israel se opunham abertamente aos ensinamentos pagãos sobre a imortalidade da alma e supostos poderes mágicos latentes na natureza. O tempo pode ter passado, e a ciência moderna pode ter se desenvolvido, mas esses equívocos continuam presentes e apelativos em nossa cultura. Isso nos faz pensar que a última mensagem de Deus para a humanidade é muito relevante: “Temam a Deus e deem glória a Ele, pois é chegada a hora em que Ele vai julgar. E adorem Aquele que fez o céu, a terra, o mar e as fontes das águas” (Ap 14:7). out-dez
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Guia de profissões
Texto Mairon Hothon Ilustração © idambeer | Adobe Stock
Farmácia Num contexto de debates sobre a eficácia de medicamentos, farmacêuticos têm um papel importante na promoção da saúde pública
PERFIL PROFISSIONAL
O farmacêutico deve ter uma formação interdisciplinar e desenvolver boa comunicação interpessoal, já que vai ser a ponte entre médico e paciente, educando e acompanhando a população durante o tratamento. Também precisa ter senso de responsabilidade para administrar com ética substâncias que podem causar reações adversas no organismo humano. Por sua vez, se ele trabalha na área de pesquisa e desenvolvimento (P&D) de medicamentos, precisa ser bem detalhista e manter a própria motivação para projetos de longo prazo.
MATRIZ CURRICULAR
O bacharelado em Farmácia dura cinco anos e oferece ao estudante, entre outros tópicos, conhecimento em anatomia, biologia, bioquímica, farmacologia, patologia, toxologia e produção de medicamentos e cosméticos. Detalhe: mais de 90% das aulas são realizadas em laboratório. De forma geral, o curso se divide em três grandes áreas: cuidados em saúde, tecnologia e inovação em saúde e gestão da saúde. Ao fim da graduação, o aluno estará apto a pesquisar, preparar, registrar, distribuir e comercializar medicamentos, cosméticos e produtos de higiene pessoal.
ÁREA DE ATUAÇÃO
VOCÊ SABIA QUE até o 10o século a medicina e a farmácia eram uma área só e que o responsável pelo armazenamento e distribuição dos remédios era chamado de boticário? Hoje, podendo ser exercida em diferentes áreas, como a de alimentos, medicamentos, cosméticos, reagentes químicos, substâncias tóxicas, hospitalar e industrial, a atuação do egresso do curso de Farmácia tem grandes implicações para a saúde pública. O Unasp é a única instituição a oferecer esse curso no contexto da rede educacional adventista do Brasil. A primeira turma começou em 2019. Porém, a área de farmácia tem se mostrado promissora desde os anos 1980, quando ganhou força no debate público sobre questões ligadas aos antivirais testados como tratamento para a Aids. Saiba mais sobre essa carreira.
O mercado de trabalho desse profissional é muito abrangente. Depois de graduado e habilitado pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF), o farmacêutico generalista pode atuar em 135 diferentes áreas, como farmácias e drogarias, na indústria de medicamentos e cosméticos, em empresas de análises de alimentos, além de hospitais e laboratórios de análises clínicas. Na produção e vigilância de medicamentos, o farmacêutico atua tanto no cuidado da saúde humana quanto animal. O profissional também pode ingressar no serviço público e trabalhar em farmácias populares e na vigilância sanitária e de zoonoses, sem falar nos que optam pela carreira acadêmica.
SALÁRIO
O salário inicial de um farmacêutico costuma ser em torno de R$ 3.400,00, a depender também da região do país, da função que ocupa e dos benefícios que podem ser adicionados ao salário. Por sua vez, o auxiliar farmacêutico industrial pode começar ganhando R$ 4.500,00. Valor que costuma aumentar caso o profissional se especialize em alguma área.
ONDE ESTUDAR
Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp) Engenheiro Coelho (SP) Nota 4 no MEC (autorizado) R$ 999,00 Manhã, presencial, dez semestres unasp.br
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Fontes: Risia Cristina Coelho Lacerda, doutoranda em Engenharia de Alimentos pela Unicamp e coordenadora do curso de Farmácia do Unasp; sites do Conselho Federal de Farmácia (cff.org.br), Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (crfsp.org.br), querobolsa.com.br, guiadacarreira.com.br, educamaisbrasil.com.br e mundovestibular.com.br.
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A realização de descobrir seu propósito e a felicidade em fazer alguém feliz são o maior incentivo para os outros. Desfrute de sua realização e inspire o mundo!