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TEXTO E CONTEXTO: A cativante história de uma viúva pobre e estrangeira P. 20
Jul-Set 2021 – Ano 14 no 59
Exemplar: 9,99 – Assinatura: 31,80
ENTENDA. EXPERIMENTE. MUDE
CIDADANIA DIGITAL Os desafios de conviver numa sociedade mediada pela tecnologia P. 10
ARTIGO: O IMPACTO DO BULLYING NAS VÍTIMAS E NOS AGRESSORES P. 16
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LIÇÃO DE VIDA: MULHER, NEGRA E LÍDER INTERNACIONAL P. 30
IMAGINE SE O MUNDO NÃO TIVESSE SE URBANIZADO P. 26
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Da redação
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Editor Wendel Lima
4 CONECTADO
POLARIZAÇÃO PERIGOSA
OPINIÃO DE QUEM SEGUE E CURTE A REVISTA
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GLOBOSFERA
SÉRIES, LIVROS, NÚMEROS E FRASES PARA REFLETIR
8 ENTENDA
O QUE É JUSTIÇA RESTAURATIVA
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24 PERGUNTAS
SHALOM, SOCIABILIDADE, RACISMO, DIVERSIDADE E ALTERIDADE
32 APRENDA
A SE COMUNICAR SEM VIOLÊNCIA
PES UM MEN
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33 NA CABECEIRA
A FAMÍLIA QUE SUPEROU UMA TRAGÉDIA POR ESCOLHER PERDOAR O ASSASSINO
34 GUIA DE PROFISSÕES A PROFISSÃO QUE MODIFICA ESPAÇOS E PROJETA CONSTRUÇÕES
16 REPORTAGEM
SAIBA COMO O BULLYING AFETA SUAS VÍTIMAS
Foto: Daniel Oliveira
ELA ESTÁ NOS memes, nas discussões acaloradas de grupos de WhatsApp da família, na corrente de desinformação que circula nas bolhas das mídias sociais, pautando a imprensa e desafiando as pesquisas acadêmicas. Na política brasileira, ela começou a ficar mais evidente nas eleições presidenciais de 2014, foi decisiva em 2018 e não dá sinais de que vai arrefecer no pleito de 2022. Como meu título já revelou, estou falando da polarização. Contudo, não me refiro a esse fenômeno como algo necessariamente natural às democracias, mas como uma estratégia e um processo acionados especialmente por líderes populistas que tentam colorir seus discursos com elementos religiosos. Isso tem tornado cada vez mais claro que não dá mais para, se é que já foi possível, pensar em política e analisar a sociedade sem falar de religião, e vice-versa. Um material que nos ajuda a fazer esse exercício de reflexão é o artigo esclarecedor dos cientistas políticos Jennifer McCoy, da Universidade do Estado da Geórgia (EUA), e Murat Somer, da Universidade Koç, em Istambul (Turquia), publicado na versão em português do Journal of Democracy de maio (plataformademocratica.org). Esses pesquisadores argumentam que a relação entre polarização e democracia é ambivalente. É positiva quando provoca certo grau de rompimento das regras para promover maior justiça social ou inclusão, mas se torna negativa quando foge do controle, ativando um ciclo vicioso que leva à erosão do sistema democrático. Alguns especialistas acreditam que o mundo esteja vivendo uma terceira onda de autoritarismo, iniciada nos anos 2000/2010 e precedida pelas ondas das décadas de 1930/1940 e 1960/1970. Esse fenômeno atingiu países das Américas e assedia boa parte da Europa. No contexto atual, a polarização funciona como estratégia de líderes populistas, que já eram ou podem se tornar autoritários. Eles exploram os descontentamentos populares, valendo-se do discurso “nós contra eles”, culpando supostos inimigos e alimentando desconfianças. Tudo isso faz com que a democracia seja minada por dentro, aos poucos, sem a necessidade de um golpe, por exemplo. O ponto é: na medida em que esse discurso vai se radicalizando, os grupos que se opõem ao governo passam a ser vistos como uma ameaça existencial e um perigo para o país. E, para conter esse “mal maior”, o passo que se segue é o apoio à violação de normas democráticas. Portanto, a “lógica” da narrativa populista é mexer com as emoções da sua base eleitoral, apoiar-se em meias-verdades e eleger vilões reais ou fictícios como bodes expiatórios. E qual é a solução? McCoy e Somer admitem que é mais fácil falar do que fazer isso, mas apontam alguns passos, a partir de uns poucos exemplos positivos de superação da polarização. Isso passa pelo reconhecimento das demandas legítimas de descontentamento que geraram a polarização, pela postura dos grupos de oposição, pelo impacto da polarização no funcionamento das instituições, pela renovação dos partidos políticos, por uma cooperação suprapartidária e por criar uma narrativa que mobilize as pessoas a abraçar uma agenda de interesse coletivo de longo prazo, um projeto de país. Lembre-se disso quando for às urnas, mas também ao se deparar nesta edição com os conceitos e histórias sobre racismo, alteridade, violência, cidadania digital, justiça restaurativa, urbanização, vulnerabilidade social, perdão e shalom. Boa leitura!
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... SE O MUNDO NÃO TIVESSE SE URBANIZADO
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PESQUISADORA FALA SOBRE UM PROGRAMA DE SAÚDE MENTAL PARA A JUVENTUDE
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CAPA
A IMPORTÂNCIA DA CIDADANIA DIGITAL
Capa: Renan Martin
CASA PUBLICADORA BRASILEIRA
Editora da Igreja Adventista do Sétimo Dia
OU UMA HER O
Casa Publicadora Brasileira Rodovia SP 127, km 106 Caixa Postal 34, CEP 18270-970, Tatuí, SP Fone: (15) 3205-8800 / WhatsApp: (15) 98100-5073 Site: cpb.com.br
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Revista trimestral – ISSN 2238-7900 Jul-Set 2021 Ano 14, no 59
Serviço de Atendimento ao Cliente Segunda a quinta, das 8h às 20h / sexta, das 8h às 15h45 / domingo, das 8h30 às 14h Contato: (15) 3205-8888 Ligação grátis para pedidos: 0800 979-0606 E-mails: sac@cpb.com.br / conexao20@cpb.com.br
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TEXTO E CONTEXTO
UMA HISTÓRIA BÍBLICA SOBRE VULNERABILIDADE SOCIAL
28 MUDE SEU MUNDO
CONHEÇA QUATRO PROJETOS DA ADRA BRASIL QUE ACOLHEM REFUGIADOS
Editor: Wendel Lima Editores Associados: André Vasconcelos e Márcio Tonetti Projeto Gráfico: Éfeso Granieri e Marcos Santos Designer Gráfico: Renan Martin Diretor-Geral: José Carlos de Lima Diretor Financeiro: Uilson Garcia Redator-Chefe: Marcos De Benedicto Gerente de Produção: Reisner Martins Gerente de Vendas: João Vicente Pereyra Chefe de Arte: Marcelo de Souza Conselho Consultivo: Ágatha Lemos, Alexander Dutra, Doris Lima, Eder Fernandes Leal, Edgard Luz, Henilson Erthal de Albuquerque, Ivan Góes, Luiz Carlos Penteado Jr., Raquel de Oliveira Xavier Ricarte, Rérison Vasques, Rubens Paulo Silva, Samuel Bruno do Nascimento e Vanderson Amaro da Costa Assinatura: R$ 31,80 Avulso: R$ 9,99 www.conexao20.com.br 9116/43325 Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios, sejam impressos, eletrônicos, fotográficos ou sonoros, entre outros, sem prévia autorização por escrito da editora.
30 LIÇÃO DE VIDA
A TRAJETÓRIA DA PRIMEIRA LÍDER MUNDIAL ADVENTISTA NEGRA
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Informação Conectado & Opinião Ao ponto
Globosfera Entenda
EDITORIAL Parabéns pelo editorial da última edição! Imagino que a maioria das pessoas, quando recebe uma revista, folheia a edição toda, a fim de começar a ler a parte de que mais gostou. Porém, eu costumo ler o editorial antes de folhear a revista, pois esse texto introdutório sempre me dá pistas sobre qual é a temática da revista e me indica por onde devo começar minha leitura. Sou bibliotecário, e é desse modo que oriento os alunos a pesquisar uma leitura que seja interessante para eles. E, sempre que necessário, faço sugestões aos alunos. A Conexão 2.0 é a minha revista favorita! Arnaldo Nascimento Rio Branco (AC)
GLOBOSFERA Li todos os tópicos da seção Globosfera e vi muitas dicas interessantes de filmes, leitura e do que ouvir. Descobri até o projeto “Ouvido amigo”, o qual vou indicar para meus alunos. Porém, eu me decepcionei com a parte “Para pensar”. Temos tantos psicólogos nas universidades adventistas que poderiam falar (e já falam) sobre depressão e maturidade emocional, por que temos que buscar gente de fora? Vamos valorizar os que estão dentro e professam a mesma fé! Estou indignado! Jessé B. Silva Lavras (MG)
Olá Jessé, obrigado pelo comentário. Desde 2012, nossa revista deixou de atender apenas os jovens da igreja para dialogar com os alunos da rede educacional adventista. Esse público, como você deve saber, em sua maioria é formado por não adventistas. Diante disso, optamos por uma linha editorial que fosse menos “igrejeira”, mas que dialogasse intencionalmente com a cultura e a sociedade atual, sem, contudo, perder sua identidade adventista. Por isso, temos procurado destacar frases, opiniões e conceitos de vários especialistas, desde que isso não entre em conflito com os pilares da nossa tradição religiosa. Certamente temos alunos, professores e pesquisadores adventistas que dizem e fazem muitas coisas interessantes, e eles também têm tido voz e vez na seção 4 |
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Globosfera e em outras partes da revista. Porém, nem sempre encontraremos um profissional adventista especialista em determinado tema. ARTE É TUDO Sou professora de arte e, por isso, a primeira coisa que reparo numa revista é sua estética, apresentação. Gosto de analisar como as imagens se relacionam com o texto, se há equilíbrio nessa relação e o que fala mais alto. No contexto de aulas remotas, o acervo da revista Conexão 2.0 no formato on-line (conexao.cpb.com.br/ arquivos) é uma das ferramentas que tenho utilizado para exemplificar os conceitos das minhas aulas. Maria das Dores Batista dos Santos São Paulo (SP)
DOENÇAS SILENCIOSAS Li o artigo, mas como diagnosticar essas doenças silenciosas se estamos vivendo tudo isso? Perdi pais de amigos e parentes para a Covid-19. Todo mundo aqui em casa já foi contaminado, somente eu que ainda não. E isso porque não saio de casa, não voltei para as aulas presenciais. Mas continuo estudando muito, pois quero prestar vestibular para Medicina. Quando li os sinais de alerta apontados pelo artigo, vi que tenho quase todos esses sintomas. Li também o box “Como manter a saúde mental”. Esses tópicos são importantes, mas impraticáveis, porque continuamos isolados. Na teoria, tudo é lindo e verdadeiro; porém, na prática, a situação que enfrentamos não é nada fácil! Valéria Cristina Porciúnculo Brasília (DF)
Valéria, assim como você, lamentamos toda a tragédia trazida por esta pandemia e almejamos dias melhores. O artigo foi escrito por alguém que tem experiência com adolescentes e que tem atendido várias pessoas nessa faixa etária neste contexto de crise sanitária. Cada cidade e família tem vivido ciclos específicos da pandemia; porém, entendemos que as dicas oferecidas na matéria são aplicáveis para a maioria dos casos. É verdade que não temos solução fácil e rápida, infelizmente, mas já é alguma coisa oferecer orientação sobre autocuidado. Cuide-se!
MÍDIAS SOCIAIS Achei o texto distante da realidade do adolescente, além de pessimista. As redes sociais que o texto faz referência (sem mencionar seus nomes) não são as que usamos. A vida não é chata, e não se pode generalizar que nós, adolescentes, vivemos o tempo todo no celular ou no computador. O texto fala sobre padrões de mídias sociais, mas não é claro quanto ao tipo de padrão. Padrões de beleza? Hoje o mundo aceita de tudo. Indução ao consumismo? Impossível! Não temos cartão de crédito nem idade para isso. Relacionamento? De que jeito, se estamos numa pandemia? Só para deixar claro: tem muito adolescente que vive bem sem usar a tecnologia. Carlos Alberto de Souza Florianópolis (SC)
Carlos, realmente a dependência digital não é um problema que afeta todos os adolescentes, mas muito deles, assim como pessoas de todas as idades. Além disso, pesquisas têm mostrado que a utilização abusiva de mídias sociais impacta na saúde mental e física de seus usuários. E isso parece estar relacionado com a lógica de funcionamento dessas plataformas e com o modelo de negócio delas. É verdade também que, com o advento de novos estudos, vamos entender melhor os efeitos positivos e negativos da atual revolução tecnológica. Mas, até lá, vale a pena ir sinalizando o caminho que estamos trilhando. QUANDO A DOR SILENCIA O CANTO Parabéns pelo perfil da Rafaela Pinho! Amo ouvir as músicas dela, mas não conhecia sua história de superação. A gente costuma ouvir uma música, pensar na letra, mas não sabe o que está por trás daquela composição. Quero conhecer mais histórias como essa, pois elas nos ajudam a ver que nossos “ídolos” são de carne e osso. Como nós, eles também têm sentimentos. Jussara Cândido São Paulo (SP)
O c d a e E p E h o o (i d r e a q n e 1 a
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Ao ponto
Texto Mariana Venturi Ilustração Kaleb
RESILIÊNCIA SE APRENDE KÁTIA REINERT curte correr, fazer maratona e explorar a natureza, mas sua paixão mesmo é ajudar os jovens a viver de maneira mais positiva. Enfermeira, com doutorado em saúde mental e pública pela prestigiada Universidade Johns Hopkins (EUA), ela também é diretora associada do departamento de Saúde da sede mundial da Igreja Adventista. Entre outras atribuições, essa brasileira coordena um programa internacional de saúde mental para a juventude (youthaliveportal.org). Confira nossa conversa.
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O programa Youth Alive compara a resiliência de alunos dos colégios adventistas com a de estudantes em geral nos Estados Unidos. O que essas pesquisas têm mostrado? Essas pesquisas começaram há duas décadas, com o objetivo de investigar a ocorrência do uso de drogas (incluindo álcool e cigarro) e do comportamento sexual de risco dos alunos. A intenção era prevenir o problema. Entre as descobertas, foi identificado que o índice de uso de drogas na rede educacional adventista era de 20%, cerca de apenas 1/3 da média nacional norteamericana (60%). Que fatores explicam essa diferença? Os fatores de resiliência mais importantes para esses jovens são o relacionamento familiar, seguido pela influência da escola e da igreja. Em nossos estudos, o colégio adventista é identificado como um fator
de proteção muito grande. Primeiro, porque nele o jovem costuma encontrar um mentor adulto com senso de propósito e missão, algo que às vezes pode lhe faltar em casa. Segundo, o colégio é uma comunidade que favorece a formação de amizades saudáveis. Em terceiro lugar, ali eles encontram atividades extracurriculares, como a prática de esportes, atividades musicais e a participação em projetos de voluntariado. Tudo isso acaba protegendo os alunos dos comportamentos de risco. Por fim, e não menos importante, é o incentivo que o estudante tem para se relacionar com Deus. Os estudos mostram que, quando o jovem valoriza a fé, frequenta cultos, tem seus momentos de devoção pessoal e pratica a religião, ele se torna menos vulnerável. O que estudos têm revelado sobre a saúde mental da juventude?
Muita coisa. Por exemplo, que os relacionamentos têm um peso muito grande para o bem-estar mental dos adolescentes, ainda mais nessa fase de isolamento social por causa da pandemia. Para se ter ideia, levantamentos do CDC, o Ministério da Saúde dos Estados Unidos, indicam que 70% dos jovens do país reportaram sintomas de depressão ou uso mais frequente de álcool e outras substâncias tóxicas nesse período de confinamento. Imagino que o uso abusivo de mídias sociais também tenha um impacto negativo na saúde mental. Sim. Tem faltado conexões verdadeiras e limites quanto ao uso de mídias sociais e jogos on-line. Esses fatores somados a outros têm aumentado o número de pessoas com depressão e que se suicidam. É preciso que os adolescentes cuidem uns dos outros, porque eles tendem a
se viciar mais rapidamente e a demorar mais para reconhecer os riscos das suas escolhas. O que um adolescente pode fazer para desenvolver resiliência? Pode começar cultivando uma boa saúde física, o que inclui dormir cedo e em quantidade suficiente, praticar esportes e exercício físico, além de se alimentar bem. Outro hábito importante é planejar o dia, a fim de não gastar muito tempo só com uma coisa, por exemplo, mídias sociais. Deve investir também nas amizades que valem a pena, que fortalecem sua autoestima. Por isso, é importante reconhecer os relacionamentos abusivos e romper com eles, seja uma amizade ou namoro. Finalmente, é importante experimentar e compartilhar o amor de Deus. Ele morreu por nós, e nada muda isso. Não é o que os outros pensam a nosso respeito que determina nossa identidade, mas o quanto Deus nos valoriza. jul-set
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Texto Wendel Lima Imagens Adobe Stock
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PARA ASSISTIR TV Concerto de Ideias (2017/2018, 50 episódios, 25 min.): Programa de entrevistas com acadêmicos produzido por duas temporadas no Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp) para a TV Novo Tempo. Discute assuntos como racismo, diálogo inter-religioso, tecnologia e saúde mental e física (ntplay.com). Podcasts NT Ecologia (2020, 38 episódios, 6 min.): Produção da rádio Novo Tempo que trata de sustentabilidade e dá dicas de educação ambiental (ntplay.com).
Catalisadores (2020/2021, 58 episódios, 25 min.): Podcast que traz dicas, conceitos e conversas sobre missão, igreja e cultura. Minidocumentários Contramão (2018, 11 min.): Conheça a história do Luan Henrique Ribeiro, um jovem que nasceu e cresceu na periferia de Curitiba (PR) mas que, graças à sua dedicação aos estudos e as bolsas de filantropia da educação adventista, hoje cursa o programa de PhD em Teologia na Universidade Harvard (EUA) (feliz7play.com).
Hospital Adventista do Pênfigo (2019, 25 min.): Entrelaçada com a história dessa unidade hospitalar está o desenvolvimento do tratamento para uma doença autoimune que fazia muitas vítimas no Brasil: o fogo selvagem (feliz7play.com).
Curtas-metragens Rico Ele Tinha (Quase) Tudo (2020, 29 min): Curta-metragem sobre um traficante violento e impulsivo, em plena ascensão no mundo do crime, que tem sua vida mudada depois de conhecer um missionário cristão que o visita atrás das grades. Uma produção premiada no São Paulo Film Festival de 2020 e inspirada numa história real, que trata de perdão, amor, ódio e redenção. Oportunidade para refletir sobre problemas sociais e desafios espirituais (feliz7play.com).
O Silêncio de Lara (2015, 26 min.): Conta o drama de uma adolescente de 14 anos que é molestada desde a infância e que resolve acabar com o segredo que a angustiava (feliz7play.com). Filmes Videocamp: Plataforma que disponibiliza gratuitamente filmes e documentários com potencial de gerar impacto social. Você encontra ali produções que abordam temas como cultura, direitos humanos, economia, educação, política, religião e meio ambiente (videocamp.com).
PARA LER
Amores Que Matam (CPB, 2005, 206 p.), de Miguel Ángel Nuñez 6 |
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Mundo Virtual (CPB, 2016, 240 p.), de Vanderlei Dorneles (org.)
Evangelho em Ação (CPB, 2019, 112 p.), de Nathan Brown
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“Acho que é fundamental discutir a questão do letramento midiático, principalmente com as pessoas que têm menos conhecimento sobre como funcionam as plataformas digitais. Mas também é preciso discutir a questão da desinformação com os jovens nos espaços de educação, pois eles são multiplicadores e acabam por influenciar e auxiliar a própria família e os amigos a entender que o que circula nas mídias sociais representa uma cacofonia de vozes, informação que não necessariamente foi apurada e verificada.” Raquel da Cunha Recuero, jornalista, doutora em Comunicação e pesquisadora da Universidade Federal de Pelotas (RS), sobre o estudo “Desinformação, Mídia Social e Covid-19 no Brasil” (bit.ly/3padM4u), realizado ao longo de dez meses e divulgado em 17 de maio.
Os Dez Mandamentos (CPB, 2006, 95 p.), de Loron Wade (bit. ly/3vCnNcU)
Soldado Desarmado (CPB, 2016, 174 p.), de Frances M. Doss
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dos modelos encontrados em 13 mil peças publicitárias publicadas na revista Veja ao longo de 30 anos (1987-2017) eram de pessoas brancas. Em contrapartida, 56,2% da população brasileira se declaram pardos ou pretos.
71%
dos jovens brasileiros entrevistados pela agência publicitária McCann estavam dispostos a pagar mais por um produto de uma marca que estivesse alinhada com seus valores, como igualdade, representatividade e sustentabilidade.
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Laura Gonçales Sant’Ana, ex-aluna do Colégio Adventista de Maringá (PR), em entrevista ao Portal Adventista, sobre sua aprovação em sete universidades norte-americanas, três canadenses e duas portuguesas. Laura também passou em primeiro lugar na seleção para Pedagogia na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Ela se comunica em Libras, fala inglês, alemão, está aprendendo francês sozinha e costuma ler dezenas de livros todos os anos. Apesar de ter conseguido algumas bolsas de estudo generosas no exterior, Laura entendeu que o melhor para ela e sua família no momento era escolher a UEM.
88%
43%
dos jovens brasileiros de 15 a 29 anos disseram que cogitaram desistir dos estudos por dificuldades financeiras ou de acesso ao ensino remoto. Em junho de 2020, esse índice era de 28%.
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“As pessoas costumam desmerecer o curso de Pedagogia, dizendo-me que é um ‘desperdício’ eu querer ser uma pedagoga por causa da cultura de desvalorização do professor. Mas meu pai e minha mãe trabalharam em universidade, então eu tive a oportunidade de crescer nesse meio, com professores sensacionais, amigos dos meus pais que me deram muito apoio e sempre disseram que o mundo precisa de professores e educadores que não só gostem de crianças, mas se interessem pela educação e pela transformação que ela pode trazer. Isso me motivou e me ajudou a manter o interesse e a prosseguir no meu sonho.”
Arquivo pessoal
PARA SABER
Arquivo pessoal
e ).
PARA PENSAR
Fontes: “Diversidade Racial e de Gênero na Publicidade Brasileira das Últimas Três Décadas (1987-2017)”, pesquisa do Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ação Afirmativa (Geema) do IESP-UERJ, disponível na plataforma Nexo Políticas Públicas (bit.ly/3glURiO); “Truth About Generation Z”, realizada pela McCann com 2,5 mil jovens de 26 países (truthaboutgenz.mccannworldgroup.com), divulgada no jornal Meio & Mensagem em 20 de abril de 2021; e o segundo relatório nacional da pesquisa “Juventudes e a Pandemia do Coronavírus” (maio/2021), realizado pelo Conjuve (atlasdasjuventudes.com.br).
Sociabilidade e Comunicação (Unaspress, 2016, 268 p.), de Tales Tomaz (org.), disponível em bit.ly/2SNFqIs
Cristo e Cultura: Uma Introdução Crítica (Fonte Editorial, 2019, 156 p.), de Allan Novaes JUL-SET
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Entenda
Texto Guilherme Cavalcante Design Fábio Fernandes Icones Adobe Stock
Fontes: Reportagens da BBC de 4/11/2011 (bbc. in/3tdu2SB), de 3/3/2016 (bbc.in/3aY95Vf) e de 3/8/2020 (bbc.in/3eTfKkK); jornal The New Nation de 23/3/2021 (bit.ly/2Rm0Fjy); jornal The Sun de 3/8/2020 (bit.ly/2RmuZuE); The Forgiveness Project de 28/10/2020 (bit.ly/3nGndrB); palestra de Jacob Dunne na conferência TEDx em 5/12/2016 (bit.ly/3xHsO5w); resolução do Conselho Nacional de Justiça de 31/5/2016 (bit.ly/cnjjr); artigo da revista Pesquisa Fapesp de julho de 2013 (bit.ly/3h3LcQh); site Consultor Jurídico de 31/1/2016 (bit.ly/conjursistema); relatório do Ministério da Justiça da Nova Zelândia de setembro de 2016 (bit.ly/restorativenz); entrevistas com Marcelo Salmaso, juiz de direito, e Markus Henrique Tavares, advogado; e o oitavo episódio do podcast “Praia dos Ossos”, da Rádio Novelo (bit.ly/3tgV6jP).
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Modelo alternativo e de restauração
EM 31 DE julho de 2011, o paramédico James Hodgkinson saía do estádio Trent Bridge, na cidade de Nottingham, Reino Unido, acompanhado de seu pai, seu irmão e três amigos após assistir a uma partida de críquete, esporte popular naquele país, quando foi abordado por um grupo de adolescentes que zombava do seu boné. Após uma pequena discussão, James foi atingido por um soco, bateu a cabeça de maneira violenta no chão e nove dias depois veio a falecer. Jacob Dunne, com então 19 anos, foi o ofensor. Dez anos mais tarde, Jacob graduou-se em Criminologia com o apoio da família de James, aquele a quem havia matado. Como isso foi possível? A resposta está nos efeitos da justiça restaurativa, uma abordagem relativamente recente no cenário jurídico, que enfatiza a restauração da relação entre as partes afetadas por um crime, em vez de um sistema punitivo que pouco envolve a vítima na reparação. Após ficar um ano preso, Jacob recebeu um convite inusitado do oficial de justiça: sentar-se frente a frente com os pais de James e outras pessoas afetadas pelo seu ato para uma conversa franca, o chamado processo circular. O resultado desse processo mudou sua vida e a forma como se relaciona com a sociedade. A seguir, você vai entender qual é o objetivo da justiça restaurativa, seus benefícios e por que ela tem sido cada vez mais adotada ao redor do mundo.
Modelo tradicional e punitivo
O que é justiça restaurativa
No modelo tradicional de justiça, conforme conhecemos, aquele que praticou um crime é visto como um elemento “estranho” à sociedade e maléfico, que precisa ser punido e afastado do convívio social, a fim de que a sociedade tenha a “ordem” restaurada. Esse modelo parte da visão de que a sociedade é um conjunto de indivíduos que estabelecem relações entre si apenas de forma voluntária. O foco do processo judicial se encontra completamente no réu, em localizá-lo, acusá-lo e puni-lo por sua ofensa.
Por outro lado, a justiça restaurativa entende que o modo do ser humano agir no mundo é multidimensional e relacional. Nessa lógica, uma ofensa ou crime não é o resultado de um “elemento” estranho à máquina social e que, portanto, deve ser eliminado, mas sim, em grande medida, o resultado de desajustes na própria estrutura social.
O objetivo principal da justiça restaurativa é promover uma cultura de paz, reforçando a ideia de corresponsabilidade na sociedade. A ênfase está mais na restauração das relações sociais do que na culpa. Sendo assim, a justiça só pode ser alcançada quando a vítima, toda a comunidade afetada pelo crime (amigos, familiares, escola, órgãos públicos, sociedade) e o ofensor participam ativamente do processo de reparação.
A fa c in p p d a tr s fo re o te p
EM ALTA
A justiça restaurativa começou a ganhar destaque a partir da década de 1970 nos Estados Unidos, Austrália e Nova Zelândia, embora seus fundamentos sejam identificados em culturas milenares. Sua proposta oferece uma visão de sociedade, ser humano e justiça completamente distinta do modelo retributivo/punitivo que acabou se consagrando na modernidade e no Ocidente. Com o passar do tempo, a justiça restaurativa tem conquistado mais adeptos nas áreas jurídica e sociológica, os quais têm desenvolvido metodologias e práticas próprias.
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A vítima ou os familiares dela, bem como a comunidade indiretamente afetada pelo ofensor, pouco participam do processo de reparação. Apesar de a “rigidez” do modelo tradicional trazer certa sensação de que a justiça foi feita e a ordem foi restaurada, na prática, o modelo punitivo não tem entregado o que promete.
REGULAMENTAÇÃO E PILARES
As taxas de reincidência de delitos criminais no Brasil, a depender do entendimento do que é reincidência, variam entre 24% e 35%, e a reintegração social do preso é uma política pública quase inexistente por aqui. Resultado: sem diálogo entre vítima/familiares, agressor e sociedade, dificilmente ocorre a conscientização de todas as partes sobre as causas e implicações do delito, bem como sobre qual é o melhor caminho para a reparação e a não reincidência. As vítimas e familiares pedem por justiça (leia-se vingança, “estar quites com a sociedade”), enquanto o ofensor é encarcerado num sistema prisional desumano, que faz ele se sentir vítima da sociedade e com “crédito” para revidar futuramente.
Para tanto, o chamado “processo circular” é uma das técnicas mais utilizadas para facilitar o diálogo e o autoconhecimento nesse encontro entre as partes, o qual é realizado por mediadores do poder judiciário e voluntários da sociedade. A intenção é que o ofensor perceba o quanto sua ação afeta a comunidade e vice-versa.
No Brasil, a prática da justiça restaurativa é regulamentada pela resolução número 225/2016 do Conselho Nacional de Justiça. Ela é orientada pelos seguintes princípios: (1) corresponsabilidade; (2) reparação de danos; (3) atendimento das necessidades dos envolvidos (vítima, autor, sociedade); (4) informalidade (ambiente seguro e espontâneo para todos); (5) voluntariedade (todos os envolvidos devem participar de livre e espontânea vontade, sem qualquer coação por parte da justiça); (6) imparcialidade (todos devem ser tratados de forma justa, sem julgamento prévio); (7) participação e empoderamento (todos podem participar e têm a mesma voz, não há hierarquia nos círculos); (8) consensualidade; (9) confidencialidade (nada do que for falado nos círculos pode ser usado no processo judicial); e (10) celeridade e urbanidade (o caráter comunitário do processo deve ser reconhecido em todos os momentos).
Muitos ofensores cometem o crime sem perceber a real extensão dos seus atos, exatamente por se sentirem isolados e renegados por certa comunidade. Da mesma forma, as partes ofendidas podem compreender o que se passava na mente do ofensor e o que o levou a praticar o ato criminoso. Nesse exercício, tanto o ofensor pode se perceber como parte do tecido social quanto a comunidade pode reconhecê-lo como resultado de desajustes sociais. Portanto, a justiça restaurativa é mais do que um método de resolução de conflitos, é uma proposta de reorganização social.
NO BRASIL
Em comparação com Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia, a justiça restaurativa ainda engatinha em nosso país. A própria regulamentação do CNJ tem apenas cinco anos de existência. No Estado de São Paulo, os projetos pioneiros surgiram em 2005, numa parceria com a Vara da Infância e da Juventude. O primeiro núcleo de justiça restaurativa paulista foi organizado na cidade de Tatuí, em 2013. Ao todo, existem cinco unidades desse tipo no estado. jul-set
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Interpretação Capa & Reflexão Reportagem
Texto Thiago Basílio Ilustração Paulo Vieira
Texto e contexto Perguntas Imagine
PROBLEMAS
EM REDE
O ambiente virtual está cercado de pegadinhas, embaraços e arbitrariedades, mas nossa vida depende cada vez mais dele. Por isso, precisamos falar sobre cidadania digital
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EM 2019, TIVE a oportunidade de realizar um sonho antigo: conhecer a África do Sul. Durante 20 dias de férias visitei as cidades mais importantes da terra do Mandela, desbravando as paisagens, história e natureza selvagem desse lugar inesquecível. Porém, antes da viagem, naturalmente tive que me preparar. Como decidi fazer tudo por conta, pesquisei bastante todos os detalhes. Lembro que, no início desse processo, uns oito meses antes do embarque, conversei pelo WhatsApp com uma amiga, falando sobre as férias, e citei que estava só aguardando aparecer alguma promoção de passagem aérea para eu comprar a minha. Depois disso, dei uma olhada na timeline do Facebook e, em poucos segundos, surgiu um post patrocinado de uma agência de viagem on-line que dizia em destaque: “Passagens promocionais para Johanesburgo.” Confesso que, por um instante, fiquei petrificado de agonia e perplexidade. Não sou fã de conspiracionismos, mas várias distopias vieram à minha mente naquele momento. Acho que foi a primeira vez que me confrontei de forma tão clara com a realidade de que nossa vida tem sido cada vez mais mediada por ferramentas digitais. Essa evolução tecnológica proporcionou muitos avanços para a humanidade, mas também nos colocou diante de novos desafios éticos e questões problemáticas. Demandas que, muitas vezes, nos pegam de surpresa, envolvendo-nos em situações constrangedoras e até criminosas.
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Mas parece que isso é papo para aquele “tiozão do zap” que não tem nenhum filtro ou pudor na web, né? Engano retumbante. Os chamados “nativos digitais”, a galera com menos de 25 anos, Thiago: O que a internet, esse universo digital, que já nasceu com o mundo imerso na internet, representa para sua vida hoje? parece ter domínio quase inato dessas ferramentas. Talvez por isso achem que entendem os códigos da cidadania digital. Não necessariamente. Joel: Então, na minha opinião, a internet tem A realidade mostra outra verdade. Veja só: na papel fundamental, ainda mais com essa questão do “novo normal”, que a gente tem pesquisa TIC Kids On-line Brasil 2019, realizada aprendido desde o ano passado. Aqui na com usuários de 9 a 17 anos, 76% dos entrevisminha escola tivemos que aprender a lidar tados afirmaram que sabiam mais sobre internet com a plataforma E-class e com as aulas do que seus pais, e 71% deles acreditavam que on-line. Então, ao meu ver, a internet tem conheciam muito mais sobre como usar a rede sido de suma importância. Infelizmente, do que a geração anterior. às vezes, ela é mal-usada, mas é algo que Porém, olha só a pegadinha. O mesmo estemos de aprender a lidar. tudo constatou que 30% dos jovens não souberam verificar a veracidade de uma informação. “Esse dado é relevante, pois prova que o nativo Yasmin: Por vezes, a internet é mal usada, digital precisa de orientação, da mediação de como o Joel falou, e ela acaba atrapalhando professores”, pondera Sassaki. Ele defende que nossa rotina. Sim, a internet é um bom meio, mas também atrapalha muito. as discussões na escola sobre a cidadania digital devem ser um debate contínuo e não apenas o foco de uma palestra ou projeto eventual. Layla: Pra mim, a internet antes da É isso que prevê a Base Nacional Comum pandemia já era fundamental, pois qualquer Curricular (BNCC) do ensino médio. “As comcoisa está lá. Pra você fazer marketing, petências gerais que se inter-relacionam com a pra você alcançar mais pessoas, ter um BNCC são: conhecimento, autogestão, pensanegócio, tudo agora é digital. Tanto que tem mento científico, crítico e criativo, repertório empresas que não possuem lugar fixo, é cultural, comunicação, cultura digital, argumentudo home office. Se não tivesse internet tação, autoconhecimento e autocuidado, empatia agora, a situação estaria bem complicada. e cooperação, além de responsabilidade e cidadania”, enumera Sassaki, que é mestre em Educação. Ok. Mas o cenário atual é o de que temos ainda um grande caminho para adequação e ajustes na educação formal, a fim de que o currículo QUESTÃO DE CIDADANIA escolar contemple a cidadania nas redes. Enquanto isso, o que A ignorância é talvez a raiz dos nossos maiores problemas so- podemos atentar para tornar o ambiente digital mais civiciais. No caso do ambiente on-line, a falta de educação digital pode lizado, justo e seguro para todos? A solução passa sempre ser a responsável pelo agravamento de muitos comportamentos por acesso à informação de qualidade. e situações que hoje enfrentamos na rede. Essa lacuna formativa pode ser responsável pela dificuldade de os usuários entenderem REPUTAÇÃO seu papel como cidadão digital na web. Tal consciência se inicia por Reputação é um ativo que você está sempre construindo. meio de um ensino formal, capaz de encarar essa realidade atual E é nessa fase da vida, por volta dos 15 anos, que sua imagem como tema urgente. Mas, afinal, o que é de fato cidadania digital? passa a ser construída de forma mais sólida e consistente. Para Claudio Sassaki, mestre em Educação pela Universidade Nesse momento, é de suma importância entender que seus de Stanford (EUA) e cofundador de uma plataforma educacional, posicionamentos e opiniões expostos de maneira pública, “a cidadania digital é um conjunto de normas, códigos de conduta, principalmente nas mídias sociais, contribuem para formar que devemos seguir para utilizarmos a internet com responsa- a percepção que as pessoas têm de você. Aqui entra em cena bilidade, consciência, ética e segurança. Como cidadãos digitais, um conceito que muitos especialistas acreditam ser o xis da temos direitos – privacidade, segurança dos dados, respeito à questão: a percepção que as pessoas têm sobre você pode autoria das criações divulgadas – e, também, deveres”. Ou seja, valer mais que a própria realidade. funciona quase como uma constituição que baliza o que é ou não “Poxa, mas pera aí... então é só eu tentar construir uma boa adequado para o espaço digital. imagem nas redes, tomando cuidado com o que posto, curto 12 |
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Thiago: Você se preocupa com sua reputação?
Yasmin: Eu me preocupo, né? É óbvio. Minha mãe diz que eu tenho que ser muito sucinta, sem querer chamar atenção. Aí, hoje eu tô dando um tempo de rede social. Mas acho que todo mundo se preocupa com a própria imagem.
Joel: No meu caso, me preocupo bastante. Até pelo fato de estar no terceiro ano, tô indo pra faculdade e penso em cursar Teologia, quero ser pastor. Vejo, por exemplo, o Instagram de alguns pastores que sigo e observo o que eles postam. Tento não chamar tanta atenção, como a Yasmin. Sou mais quietinho. Acho que é uma preocupação não só como pessoa, mas também como cristão. Tudo isso conta muito hoje em dia.
Layla: Reputação pra mim sempre foi uma coisa muito trabalhada desde a infância, pelo fato de meu pai ser pastor. Eu me preocupo principalmente com o ponto que o Joel trouxe de “ser cristão”. Pra mim, as redes sociais são basicamente uma vitrine em que a gente expõe nossa vida pra todo mundo que quer ver, e a gente vê a de todo mundo também. Não sou nenhuma influencer, não tenho grande alcance, então pra que ficar entrando em temas polêmicos, criar discussões, discórdia, sabe? Rede social é apenas pra “oi, estou aqui”, mas quem te conhece de verdade, não precisa da rede social.
Aurea Regina de Sá, jornalista especializada em media trainer: É muito valioso que vocês tenham consciência disso agora, ainda mais por causa da força das mídias sociais. É importante saber que a exposição de nossas ações e palavras podem gerar algum tipo de arrependimento no futuro. Mas não é difícil fazer essa gestão. Na verdade, nem chamaria de “gestão da reputação”. Chamaria de gestão do #comportamento. A reputação vai ser uma consequência, o resultado desse comportamento.
Felipe Lemos, jornalista, mestre em Comunicação pela Universidade Católica de Brasília e gerente de comunicação da sede adventista sul-americana: Muito importante sua colocação, Aurea. Vale lembrar também que a reputação é um processo de construção da imagem ao longo de um tempo. É um processo que exige coerência. Por exemplo, se você diz que gosta de conversar, dialogar, mas frequentemente é flagrado falando mal dos outros sem base, então tem alguma coisa errada. Essa incoerência é que costuma abalar as #reputações.
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e compartilho, que minha imagem já está bem posicionada?” Não é bem assim. Na atualidade, é difícil separar a vida “real” da “virtual”. “Não basta só dizer coisas positivas acerca de si mesmo. É importante ser, de fato, uma pessoa coerente”, pondera o jornalista Felipe Lemos. Nesse contexto, tem também o outro lado. Do mesmo jeito que você pode construir sua boa reputação, você também pode destruir a reputação alheia, disseminando mentiras, potencializando problemas, desconsiderando outras percepções, enfim, agindo de maneira injusta e covarde. O ponto é que tudo isso é muito difícil de reverter. “Se colocar no lugar do outro, e aí entra a prática da empatia, é também uma ação interessante para que a palavra que pode ser dita ou um comentário danoso que pode ser redigido não se concretize. Dessa forma, fica fácil gerenciar o comportamento, se você está se percebendo e constantemente refletindo sobre seus atos e palavras”, alerta Aurea. Em resumo, esteja sempre atento ao seu comportamento, tanto no ambiente digital quanto no “analógico”, pois ele pode determinar, por exemplo, a abertura ou o fechamento de portas ao longo da vida. Então, pare sempre e reflita naquela sabedoria comunicada por um meme há alguns meses: “Quer postar? Posta. É de bom-tom?”. Bem, talvez não seja. SEGURANÇA DE DADOS O exemplo pessoal que dei no início desta reportagem, sobre a oferta de passagem para a África do Sul que recebi, foi apenas uma das diversas situações em que fui “perseguido” pelos algoritmos, aquelas fórmulas matemáticas que, a partir da mina de ouro que são nossas pegadas digitais, montam um perfil de quem somos e o que queremos. A ética em torno da captação e uso dos dados é hoje uma grande preocupação. Entre os principais problemas está o risco de nossas informações pessoais serem vendidas para empresas do mundo inteiro e o baixo nível de proteção de nossas contas nas mídias sociais, aplicativos financeiros e plataformas diversas. O que está em jogo é a exposição de nossa privacidade, prejuízos financeiros e arranhões em nossa imagem pública. jul-set
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Thiago: Você toma cuidado com a privacidade dos seus dados?
Yasmin: Vou contar uma experiência que tive. Em 2018, eu criei um perfil no Instagram. Aí simplesmente hackearam minha conta, pegaram todos os meus dados e começaram a me subornar. Só que eu não falei nada pra ninguém, até porque eu nem tinha tanta coisa assim naquela época. Serviu de alerta! Faz um tempinho que estou sem Instagram, Twitter, sem TikTok, sem isso tudinho aí.
Joel: Ao meu ver, ainda tenho a percepção de que é melhor prevenir do que remediar. Sempre que aparece aquela questão de salvar senha, eu não aceito. Fui aconselhado a não fazer isso. Tanto eu quanto meus pais, que antes faziam isso mais do que eu. Uma hora ou outra infelizmente vai acontecer. Mas, ao meu ver, o máximo que conseguirmos evitar já representa alguma segurança.
Layla: Vou te dizer que eu sou completamente leiga. Eu lembro quando começou esse bafafá com o Mark Zuckerberg [CEO do Facebook], então pensei: “Caramba! Complicada a situação, hein!?” Mas, assim... eu sei que os algoritmos usam esses dados pra vender mais. Aí, às vezes, quando eu vou aceitar os termos, eu penso: “eles não vão colocar nada contra os direitos humanos, né?!” Estou vivendo perigosamente (risos).
Rodolfo Avelino, mestre em TV Digital pela Unesp, consultor em segurança da informação e professor do Insper: Pois é, Layla! Hoje, os dados pessoais são a matéria-prima das grandes corporações. E, quando falo “grandes corporações”, quero dizer as plataformas americanas, como #Facebook e #Google. No caso do Facebook, por exemplo, quase 98% do faturamento da empresa estão relacionados à forma como tratam nossos dados pessoais, fornecendo informações para empresas direcionarem seu marketing digital para os usuários.
Como sabemos, a internet é um ambiente experimental. Ou seja, ainda estamos descobrindo muitas situações e potenciais problemas trazidos por essa sociedade em rede. É por isso que, diante do aumento de casos de violação, falta de critério e ausência de regulamentação sobre os limites das empresas na utilização dessas informações, foi criada, em 2018, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Essa lei estabelece os direitos e deveres de forma clara, tanto para o usuário quanto para as organizações que captam e armazenam nossas informações. “Essa lei permite que a gente tenha algum controle sobre nossos dados que estão nas mãos de uma empresa, seja porque fornecemos essas informações por meio de preenchimento de um formulário ou de uma pesquisa. É seu direito questionar, perguntar quais dados a instituição têm sobre você. Em alguns casos, você também pode pedir que suas informações que estão na base de dados da companhia sejam retiradas ou apagadas”, explica Rodolfo. Vale lembrar que as empresas têm até agosto deste ano para se adequarem plenamente às diretrizes estabelecidas. E, pelo jeito, os brasileiros estão realmente atentos a essa pauta, já que a pesquisa global de Fraude e Identidade 2019 da Experian revelou que 84% dos brazucas consideram a segurança dos dados o aspecto mais importante na experiência on-line, acima 14 |
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dos 74% da média global. Portanto, muito cuidado com as senhas (trocando-as com frequência, não anotando, e utilizando diferentes caracteres na composição), atenção com os sites nos quais você registra algum dado e, claro, no caso de alguma violação, reclame por seus direitos garantidos na lei. CULTURA DO CANCELAMENTO O que torna possível que anônimos cancelem até mesmo famosos é o respaldo de um segmento social que tem a mesma opinião. “Isso gera na pessoa que cancelou ou que começou esse cancelamento uma massagem no ego, um senso de pertencimento, de validação”, complementa Karin. Essa validação, somada ao “distanciamento” geográfico, fazem com que esses canceladores deem ordens como se fossem monarcas que, ainda que distantes do campo de batalha, autorizem o massacre de seus adversários. É interessante observar que esse comportamento foi potencializado pelo fortalecimento do “mundo digital”. No passado, quando alguém era flagrado fazendo algo inadequado ou condenável, o rechaço podia ocorrer, mas era algo mais pontual e de menor proporções. Contudo, com a popularização da rede, o fenômeno ganhou uma dimensão exponencial
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e sem precedentes, que não se limita à web. “Não existe mais on-line e off-line, tudo é coexistente, mixado, junto e misturado. Ou seja, um cancelamento que começa num movimento dentro das mídias sociais, obviamente vai reverberar para fora delas”, salienta a professora Karla. Claro que é muito injusto, cruel e até covarde destruir a reputação das pessoas por meio do cancelamento digital. O convívio nas redes pede uma ética baseada na compreensão, colaboração e no direito de defesa e espaço para o contraditório, sem deixar também que temas relevantes, sensíveis e condutas condenáveis passem despercebidos ou sejam convenientemente disfarçados. São diversas as questões que se relacionam com a construção de uma cidadania digital, com uma formação que realmente crie um ambiente mais seguro, generoso e socialmente justo para todos os usuários da web. Layla acredita que “tudo tem por base a educação”; Joel observa que “se você não quer que uma pessoa faça algo de errado, então não faça pra ela também”; já Yasmin aposta que, “acima de tudo, as pessoas têm que ter respeito e empatia”. Concordo com a opinião deles e acrescento um último pedido direcionado aos “robôs” das mídias sociais e sites de busca: por favor, que ao colocar ponto final nesta reportagem, eu não seja bombardeado por todos os lados com ofertas de materiais sobre etiqueta na internet. Obrigado pela compreensão!
Thiago: E o que falar sobre a cultura do cancelamento?
Joel: Realmente essa cultura de cancelamento veio pra estragar. Infelizmente, hoje em dia você não pode falar um “a” que praticamente já é cancelado. Então a gente tem que tomar muito cuidado com isso. Não é que eu vivi algo assim na pele, mas vi de perto como isso funciona. E sei o quanto é ruim você ser mal compreendido por algo que realmente não fez.
Layla: Bem, eu nunca tive um caso assim próximo que nem o Joel, mas já segui uma influenciadora que foi cancelada. Acho que essa cultura do cancelamento está sendo usada de forma errada, pois, às vezes, as pessoas interpretam de forma equivocada o que foi dito, pegam coisas que a pessoa falou em 2013 ou 2015, em outro contexto. Aí o pessoal fala: “É nisso que a pessoa acredita!” Acabam julgando com base num passado de muito tempo atrás.
Yasmin: Outro caso também é de um reality show a que assisti. Muitas pessoas saíram do programa com altíssimas rejeições por causa de certas ações que tiveram lá dentro. Duas participantes, por exemplo, foram alvo de mutirões e mutirões pra saírem com 100% de rejeição. O namorado de uma delas aqui fora estava falando que não era para as pessoas fazerem isso, pois a participante não é o que estavam pensando. Na minha opinião, realmente não tinha motivo pra elas serem canceladas daquela forma.
Karla Caldas Ehrenberg, jornalista, doutora em Comunicação pela Umesp e professora do Unasp: Vi que todo mundo conhece uma história sobre cancelamento, né? Isso acontece atualmente, pois a estrutura de pulverização, de capilarização da rede impulsiona esse potencial do cancelamento. Uma pessoa começa a ser #cancelada num âmbito menor e, de repente, ela “boom”, já é cancelada por um país inteiro, por um mundo inteiro.
Manual
Karin Knoener, psicóloga, especialista em Terapia Cognitiva e mestranda em Desenvolvimento Humano e Psicologia Escolar pela USP: E essa conduta, Karla, utiliza a internet exatamente porque os usuários estão escondidos atrás de um computador, de uma tela. Por isso, não ficamos sujeitos ao contato físico, de encarar a pessoa e dizer o que a gente pensa. Isso faz com que tenhamos um #empoderamento ainda maior para opinar. Nesse sentido, acredito que, quanto mais liberdade de expressão a gente tem, menos, talvez, estejamos sabendo utilizá-la.
Como diminuir, monitorar ou até mesmo deletar suas pegadas digitais? Como validar identidades on-line? Quais são os serviços mais seguros e como continuar aprendendo e aplicando princípios de segurança da informação? O Guia de Privacidade Para Adolescentes, uma cartilha digital do Instituto Vero é muito útil para tempos de maior exposição pessoal e ameaça à privacidade dos usuários. Disponível em institutovero.org.
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Artigo
Texto Ariany Nascimento e Thamires Mattos Design Fábio Fernandes
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Entenda o que é esse tipo de violência e como ele afeta vítimas, agressores e espectadores
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HÁ QUEM COSTUME dizer que, se uma criança está “apaixonadinha” por outra, tratará o objeto de sua afeição com uma dose de maldade: “Ela/ele só é ‘ruim’ porque está na dele/dela.” Apelidos, implicância constante, fofoca “pelas costas” e menções em mídias sociais são alguns desses comportamentos atribuídos a uma suposta paixão pura mas imatura. No entanto, há quem seja submetido a tais experiências devido a outro tipo de paixão alheia: o bullying. A palavra vem da língua inglesa: é um substantivo derivado de bully, palavra que significa “opressor/ valentão”. Assim, de acordo com o dicionário Oxford, bullying é “o comportamento de uma pessoa que magoa ou assusta alguém menor ou menos poderoso, muitas vezes forçando essa pessoa a fazer algo que ela não quer”. A história da advogada Laryssa Emanuelle é marcada por esse tipo de violência. Eloquente, ela pontua seus pensamentos em detalhes, pintando uma cena viva para quem a escuta. Mas nem sempre foi assim. Quem conheceu a adolescente Laryssa não poderia dizer que ela argumentaria na corte, diante de juízes. “Eu era gaga”, revela. Um parêntese apenas. De acordo com o Instituto Brasileiro de Fluência, a gagueira é caracterizada como um transtorno de fluência da fala. Ela acontece porque o cérebro não consegue marcar o fim de uma sílaba/som e continuar a palavra ou frase. Por isso, quem é gago “trava” num fonema específico até que o cérebro faça seu trabalho corretamente. O tratamento para esse transtorno prevê acompanhamento fonoaudiológico e psicológico. Afinal, existem casos em que o estado mental da pessoa é o fator mais importante para melhora ou piora da gagueira. Em relação à Laryssa, as ocorrências do transtorno começaram em 2011. Coincidentemente, esse foi seu primeiro ano do ensino médio. No início, pouca coisa foi afetada pela dificuldade na fluência. “Apesar de tímida, sempre fui uma pessoa falante e comunicativa. Isso não mudou com o começo da gagueira. Ninguém se importava ou comentava sobre isso, então, eu também não me importava”, enfatiza a advogada. Contudo, durante o segundo ano da doença e do ensino médio, seu mundo virou de cabeça para baixo. Ela foi humilhada publicamente por um colega durante a aula de matemática, tornando-se alvo de chacotas em relação à gagueira. “O bullying que sofri em 2012 me mudou completamente. Comecei a ter medo de falar até mesmo com pessoas próximas a mim. Passei a acreditar que todos tinham o mesmo
pensamento daquela pessoa que havia cometido bullying contra mim, mas que nunca tinham me falado nada por não terem coragem”, lembra. Laryssa ficou apavorada: não sabia mais em quem confiar e como fazer amigos. “Eu via a imagem da pessoa que me humilhou no rosto de todos esses possíveis amigos”, lamenta. O reflexo de seu opressor também estava presente em seus crushes. Além disso, ela não se achava digna do interesse romântico de ninguém. Para evitar decepções, fugia de todas as oportunidades apresentadas. “Eu não dava papo e abertura para ninguém”, expõe. A humilhação sentida repercutiu tanto em sua vida que quase afetou o sonho de cursar Direito. “Quase desisti da faculdade porque imaginei que nenhum juiz ou juíza levaria a sério uma advogada gaga”, admite. Hoje, ela estuda para cursar um mestrado na sua área de formação. BULLYING EM DADOS Infelizmente, o caso de Laryssa não é isolado. Segundo dados da Unesco, um a cada três adolescentes (de 11 a 17 anos) no mundo sofre bullying. Os dados, de 2018, sugerem que ninguém está ileso, mas que jovens com renda menor são alvo mais “fácil” para quem é “apaixonado” por humilhar outras pessoas. No Brasil, o cenário segue o padrão mundial: somente em 2015, 31,6% dos adolescentes relataram sofrer bullying. A pesquisa foi realizada pela organização não governamental Know Violence in Childhood. Os números brasileiros são altos, mas o cenário chega a ser pior em outros países. Samoa, arquipélago da Oceania, lidera o ranking com 74% de adolescentes vítimas de bullying. O Peru, nosso vizinho, é o triste campeão das Américas, totalizando 47% de jovens que sofrem com o problema. As estatísticas não mentem. O bullying é um fenômeno cada vez mais evidente nos colégios. E, por isso, cada vez mais abordado nas salas de aula e na mídia. No entanto, se o tema é tão discutido, por que ainda há bullying, principalmente no ambiente escolar? A resposta talvez passe pela compreensão de que a escola é mais do que um local em que se aprende matemática e língua portuguesa. “É por meio da escola que a criança inicia trocas com seus iguais para além do campo familiar. É lá que a criança ou adolescente exercita noções de empatia, cooperação e cumprimento jul-set
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constata a psicóloga Marina Brum. Assim, o bullying é simplesmente um espelho dos problemas que se encontram na sociedade. QUEM SOU EU NA FILA DO BULLYING? No aspecto social, cada ser humano tem seu papel. E, como o bullying faz parte desse universo, todos desempenham alguma parte nesse tipo de violência. De acordo com a professora Marilena Ristum, o bullying pode ser definido a partir de três aspectos: (1) é uma ação que causa dano a alguém ou a um conjunto de pessoas; (2) é feito entre pares; e (3) é repetitivo. No bullying, há quem pratica a violência, quem a recebe e quem a presencia. Nesse trio, todos são afetados pelo ato. Contudo, o praticante do bullying é o primeiro a receber menções em palestras de prevenção desse problema. Há uma razão para isso. Ana Karina Checchia explica que o indivíduo que comete o bullying é visto como causa da violência; porém, o ato do bullying não é causa, mas efeito. “Ele está reproduzindo uma ação. Isso não sai da cabeça dele”, complementa. “Nesse processo de tanta opressão e discriminação, um dos efeitos é que as pessoas reagem. E uma das formas de reagir é reproduzindo a violência.” Na “fila” do bullying, o segundo a ser afetado é o receptor da violência. Essa categoria compreende quem é estatisticamente mais prejudicado. Em 2018, foi publicado um estudo no Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry que levantou dados sobre adolescentes em 48 países. Os resultados revelaram que o risco de suicídio pode triplicar entre aqueles que sofrem bullying. “Os reflexos causados por esse tipo de violência são devastadores e, em alguns casos, irreversíveis para a vítima”, reflete a psicóloga Marina Brum. Entre esses reflexos estão baixa autoestima, ansiedade e depressão. Quem assiste a atos de bullying também é impactado. “Na plateia há quem aplauda, quem condene e quem vai denunciar o problema”, diz a professora Marilena Ristum. Os que aplaudem reforçam o ato que testemunham e, portanto, fortalecem a violência na sociedade como um todo. Em contrapartida, quem condena o ato e o denuncia faz parte da solução. No entanto, no meio dessa plateia, há quem fique escondido. A professora Ristum os chama de passivos. “Eles não vão para um lado nem para o outro por receio de serem as próximas vítimas, ou simplesmente pelo fato de serem aquele tipo de pessoa
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de regras sociais, para mais tarde formar-se como cidadão”, explica Marina Brum, psicóloga clínica e escolar. A escola é o primeiro espaço de sociabilização que o ser humano tem fora da família e, atualmente, é o lugar em que alguém na idade escolar tende a passar a maior parte de seu tempo. Se a escola é mais do que um local de ensino, por sua vez, o aluno é mais do que um estudante, é um ser humano. “A escola é uma instituição de formação integral. Quando o aluno adentra os muros escolares, ele não deixa de ser uma pessoa para ser só estudante”, enfatiza Marilena Ristum, professora aposentada do programa de pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pós-doutora especializada em bullying escolar. Ao entender que o colégio é um meio social e o aluno é um ser humano, percebe-se a escola como um microcosmo da sociedade; uma pequena sociedade dentro de uma sociedade maior. A psicologia escolar entende o bullying como uma reprodução daquilo que vem acontecendo no meio social mais amplo. Portanto, o bullying é um termo recente, que foi criado para descrever um tipo de violência praticado em ambientes escolares, mas a origem desse comportamento é mais antiga e está longe das salas de aula. É por essa razão que pesquisadoras como Marilena Ristum e Ana Karina Checchia, psicóloga e professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), consideram o termo bullying uma nomenclatura reducionista. “O aluno é porta-voz daquilo que acontece nas relações sociais. O que temos de discriminação, intolerância, ódio, opressão, humilhação e preconceito na nossa sociedade é reproduzido no cotidiano escolar”, explica Ana Karina. De acordo com os dados de 2020 do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que reúne estatísticas de criminalidade no país, houve um crescimento de 7% nos crimes cometidos no Brasil. “Nossa realidade hoje é infelizmente de uma sociedade agressiva, preconceituosa e excludente”,
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que se omite em tudo”, afirma. Essa omissão vem de medos e submissões da esfera social. Se engana quem pensa que passivos em situações de bullying não influenciam em nada. “A passividade contribui para o bullying na escola. Pode não contribuir tanto quanto aqueles que aplaudem, mas é um tipo de contribuição”, atesta a pesquisadora.
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esgotado em salas de aula e palestras para pais e alunos”, defende Karine Silva, professora há oito anos e pós-graduada em Psicopedagogia clínica pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). Nas palavras da educadora e pesquisadora Marilena Ristum, o ser humano não nasce com o gene do bullying. Pode-se dizer o mesmo sobre a sociedade como um todo. Ninguém nasce com o “MAS É SÓ BRINCADEIRA” gene da violência, do preconceito ou da opressão. Na psicologia, um termo é usado com frequência “A esperança está em ações coletivas de combater a por causa de sua importância para a convivência em violência por meio da humanização do ser humano sociedade: limites. Cada ser humano tem os seus, e nas relações escolares, nas relações sociais”, aponta eles devem ser respeitados assim como os limites dos Ana Karina. Faz parte do agir nas rupturas a humaoutros também. São os limites emocionais e físicos nização da sociedade. que sinalizam até onde vai a linha Há esperança para as Laryssas de imaginária daquilo que é aceitável ou hoje e de amanhã que, mesmo com não para cada pessoa. É devido a isso dificuldades na fala, encontrarão suQuem sofre que Marilena Ristum diz que nem porte dos seus pares para obterem tudo que um observador de fora vê uma vida sem preconceito e opresbullying é que como bullying é bullying. “Quem são. Para a pesquisadora Ana Karina, sofre bullying é quem pode dizer se essa esperança é mais que plausível pode dizer se, aquilo, para ele, é uma violência ou pois, assim como “é possínão”, define a professora. vel achar planta no meio para ele, aquilo A diferença entre brincadeira e do concreto, é possípreconceito, humilhação e opressão vel haver ruptura do é uma violência está nos limites de cada ser humano. bullying”. ou não “A gente precisa do limite. Ele é libertador. Esse limite pode ser explicitado nas relações respeitosas”, explica Ana Karina Checchia. Ela acredita que é no respeito aos limites que encontramos a solução para o bullying e a violência fora dos muros escolares. Ana Karina faz referência à alteridade, uma expressão pouco utilizada no dia a dia, mas cujo conceito é muito importante. “Quando você se coloca no lugar do outro, você percebe quando machuca, quando faz mal, quando faz a pessoa ficar angustiada por aquilo. Esse limite é ultrapassado quando há sofrimento”, afirma. E quanto à criança e ao adolescente que praticam o bullying com frequência? A resposta é mais simples do que se imagina. “Assim como é possível reproduzir a violência com mecanismos excludentes, é possível romper com esses mecanismos excludentes. É na possibilidade da ruptura que nós agimos”, reflete Ana Karina. Profissionais da educação já perceberam isso e reconhecem a importância de agir nas rupturas. “Os educadores precisam estar atentos e orientar os alunos por meio do diálogo. É um assunto a ser
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Texto e contexto
Texto André Vasconcelos Ilustração Vandir Dorta Jr.
Religião e sociedade Lições da história bíblica de uma mulher pobre, viúva e estrangeira
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VULNERABILIDADE E MARGINALIZAÇÃO O contexto socioeconômico de Rute não era nada favorável, considerando o fato de ela ser viúva, pobre, estrangeira e não ter filhos. Sem homens no lar, a viúva estava exposta à fome e à exploração. Portanto, restava-lhe apenas uma função marginal na sociedade. Com frequência, viúvas, órfãos, estrangeiros e pobres se tornavam vítimas nas mãos de homens perversos e poderosos. O livro de Jó, por exemplo, nos revela qual era o tratamento que pessoas nessa condição costumavam receber no Antigo Oriente Próximo: “Há os que removem os marcos de divisa, roubam os rebanhos e os apascentam. Levam o jumento que pertence ao órfão, e, como penhor, ficam com o boi da viúva. Desviam do caminho os necessitados, e os pobres da terra todos têm de se esconder” (24:2-4). Esse tipo de opressão feria a dignidade dessas “O seu povo é o pessoas, pois as excluía socialmente e espoliava meu povo, e o DISTOPIA SOCIAL seus bens: “Passam a noite nus por falta de roupa Rute, a personagem principal da trama, é seu Deus é o meu e não têm cobertas contra o frio. São encharcados apresentada num contexto repleto de desgraças. pelas chuvas das montanhas e, por falta de abrigo, A narrativa bíblica começa afirmando que, por Deus” (Rt 1:16) abraçam-se às rochas. […] Os pobres andam nus, causa da seca e da fome na terra de Judá, a família sem roupa, e, famintos, carregam os feixes. Entre de Elimeleque, esposo de Noemi, deixou a cidade de Belém os muros desses perversos espremem o azeite; pisam as uvas no e se mudou para Moabe. E foi ali que Malom e Quiliom, os lagar, enquanto padecem sede” (Jó 24:7-11). filhos de Elimeleque e Noemi, se casaram com duas jovens No caso de Rute, a situação era ainda mais grave, pode acreditar! moabitas: Rute e Orfa (Rt 1:1-4). Como se não bastasse ser uma representante de praticamente todas A primeira fatalidade registrada no livro é a morte de Elime- as categorias sociais marginalizadas da época, Rute era uma jovem leque, o que aparentemente ocorreu quando Malom e Quiliom moabita que havia decidido viver em Israel. ainda eram solteiros (v. 3, 4). Na sequência do relato, os jovens Nesse contexto, ser estrangeira era algo ruim, mas ser moabita hebreus também morrem. A fragilidade deles é sugerida sutil- era ainda pior. Por quê? A resposta é que havia uma hostilidade mente pelos nomes Malom e Quiliom, que podem significar histórica entre os dois povos. No período da saída do Egito, quan“enfermidade” e “extermínio”, respectivamente. Assim, o narra- do Israel ainda peregrinava no deserto, os moabitas contrataram o dor introduz a aterradora realidade de Noemi, Rute e Orfa, que profeta Balaão para amaldiçoar o povo de Deus (ver Nm 22:6). E foi ficaram desamparadas e em estado de completa vulnerabilidade. por conselho de Balaão que os israelitas foram induzidos à adoração Após essa tragédia, que só não foi mais grega porque as mu- do deus Baal-Peor enquanto estavam em Sitim (25:1-3; 31:16). Por lheres da família ainda estavam vivas, Noemi decidiu retornar causa dessa atitude dos moabitas, o Pentateuco prescreveu que eles, a Judá, sua terra natal, porque “ouviu que o SENHOR havia se assim como os amonitas, estariam proibidos de entrar na assembleia lembrado do seu povo, dando-lhe alimento” (v. 6). Viúva e sem de Deus, a congregação de Israel (Dt 23:3; Lm 1:10). filhos, ela orientou as noras a retornar à “casa de sua mãe” (v. 8). São por essas e outras razões que a decisão de Rute de acompaEssa instrução é no mínimo curiosa, considerando o fato de nhar Noemi, aceitar o Deus de Israel e se tornar parte desse novo que na Bíblia o mais comum seria dizer “casa de seu pai”. A expres- povo foi extremamente corajosa. Isso desafiava todas as barreiras são “casa de sua mãe” ou “casa de minha mãe” é usada somente e convenções socioculturais daquele tempo e, aparentemente, até outras três vezes nas Escrituras (Gn 24:28; Ct 3:4; 8:2), e em todas mesmo o pacto de Deus com a nação eleita. essas ocorrências parece haver uma ligação com a temática do Mas será que o Deus de Israel rejeitaria uma viúva estrangeira casamento. É provável que Noemi estivesse sugerindo às noras que estava disposta a se tornar parte do povo da aliança? que voltassem à casa materna para encontrar outro marido, algo que ela diria explicitamente no verso seguinte (Rt 1:9). UTOPIA SOCIAL Orfa e Rute protestaram contra o pedido. Ambas choraram Os moabitas estavam proibidos de entrar na congregação em voz alta, mas Orfa acabou cedendo ao conselho da sogra. de Israel, mas não um pecador arrependido e convertido. O esCom um beijo e tristeza no coração, despediu-se dela. Por outro trangeiro que se achegava a Deus mudava de religião e de pátria, lado, Rute se apegou a Noemi e lhe disse: “Não insista para que tornava-se um verdadeiro israelita (ver Mt 15:21-28; Rm 1:25-29). eu a deixe nem me obrigue a não segui-la! Porque aonde quer Isaías 56:6 a 8 nos diz que o Senhor prometeu levar para Seu santo que você for, irei eu; e onde quer que pousar, ali pousarei eu. monte os estrangeiros que abraçassem a aliança Dele. E foi exataO seu povo é o meu povo, e o seu Deus é o meu Deus. Onde mente isso que Rute fez quando disse para Noemi: “O seu povo é quer que você morrer, morrerei eu e aí serei sepultada. Que o o meu povo, e o seu Deus é o meu Deus” (Rt 1:16). Rute usou a fórmula que é empregada nas Escrituras para se SENHOR me castigue, se outra coisa que não seja a morte me referir ao pacto de Deus com Israel (ver Êx 6:7; Jr 31:33; Ez 37:27). separar de você” (v. 16, 17). A maioria das pessoas gosta de assistir a séries e filmes que tenham suspense, aventura e romance, elementos que costumam prender nossa atenção. Talvez seja por isso que muitos considerem o livro de Rute uma das obras bíblicas mais bonitas e cativantes. O episódio central dessa narrativa ocorre durante a colheita da cevada e do trigo em Israel, e sua heroína é uma estrangeira da terra de Moabe que adere à religião de sua sogra, Noemi, e se torna parte da sociedade israelita e da aliança de Deus com Seu povo. Curto e simpático, o relato de Rute nos ensina muitas lições, e algumas delas têm que ver com o papel da religião na sociedade. Como Deus espera que Seu povo trate as pessoas em situação de vulnerabilidade e marginalização? Seria essa uma pauta relevante para a tradição judaico-cristã? O que a história de Rute nos ensina sobre proteção social e inclusão?
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A jovem moabita foi retratada pelo narrador como alguém que havia aceitado os termos da aliança de Deus com o Seu povo, e esse fato é reconhecido por Boaz, outro personagem importante da narrativa: “Bem me contaram tudo quanto fizeste a tua sogra, depois da morte de teu marido, e como deixaste a teu pai, e a tua mãe, e a terra onde nasceste e vieste para um povo que dantes não conhecias. O SENHOR retribua o teu feito, e seja cumprida a tua recompensa do SENHOR, Deus de Israel, sob cujas asas vieste buscar refúgio” (Rt 2:11, 12, ARA). A ideia de encontrar refúgio sob as asas de Deus evoca a imagem da águia que protege seus filhotes, um recurso usado em Êxodo 19:4 e Deuteronômio 32:11 para se referir ao cuidado que Deus teve com o povo de Israel ao guiá-lo pelo deserto. Rute encontrou refúgio no Senhor da mesma forma que os israelitas, que peregrinaram como estrangeiros até chegar à Terra Prometida. Tudo isso nos ensina que as portas do povo de Deus sempre estiveram abertas para receber as pessoas dispostas a abraçar a aliança e a viver sob seus mandamentos. O convite gracioso do Senhor não reconhece castas, etnias nem categorias socioculturais. Todos os que abraçam a aliança são bem-vindos! O pano de fundo da narrativa acentua essa verdade ao relacionar a experiência de Rute com a celebração do Pentecostes, que também é chamado de Festa das Semanas. Quando Rute chegou a Israel, era a época da colheita (Rt 2:23), período que se iniciava com a ceifa da cevada, logo após a Páscoa, e se estendia até o fim da ceifa do trigo. O término da colheita era comemorado no Pentecostes, que ocorria sete semanas após a apresentação do primeiro molho de cereais na Festa das Primícias (Lv 23:9-25). O mais curioso é que o Pentecostes não era apenas uma festividade agrícola, mas uma celebração da entrega da lei no monte Sinai. Além de dizer que Israel foi levado “sobre asas de águia”, Êxodo 19 nos informa que Deus pronunciou os Dez Mandamentos no terceiro dia do terceiro mês (Êx 19:1, 16). Isso quer dizer que o Senhor entregou a lei para Seu povo no Pentecostes, exatamente sete semanas após a Páscoa (a Festa das Primícias fazia parte da celebração da Páscoa). Portanto, o paradigma histórico da celebração do Pentecostes é a entrega da lei e o estabelecimento do pacto de Deus com Israel. Quando Rute pronunciou a fórmula da aliança, era como se ela estivesse repetindo a experiência dos israelitas no sopé do monte Sinai, onde todo o povo respondeu unânime: “Faremos tudo o que o SENHOR ordenou” (Êx 19:8, NVI). Na sociedade hebraica, a aliança funcionava como um tipo de contrato social que preservava os direitos não apenas dos israelitas, mas também dos estrangeiros e de outras classes vulneráveis. Embora esse tipo de organização social não se enquadre nos moldes modernos do chamado contratualismo (conjunto de teorias políticas sobre a fundação do Estado), é inegável que a aliança desempenhou um importante papel na preservação dos direitos básicos dos israelitas e estrangeiros. PROTEÇÃO E INCLUSÃO Já estabelecida em Israel, Rute foi ao campo de Boaz para colher as espigas que eram deixadas ali depois da ceifa. Essa 22 |
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prática havia sido prescrita no Pentateuco para que o pobre, a viúva e o estrangeiro pudessem garantir seu alimento sem ter que recorrer à mendicância; a dignidade era um direito e não um favor. É interessante notar que essa lei foi dada na mesma passagem que estabelece a observância do Pentecostes (Lv 23:22; ver Dt 24:17-22). Além de ser beneficiada pelo estatuto bíblico que garantia a segurança alimentar dos mais pobres, Rute também foi amparada pela lei do levirato (ver Dt 25:5-10). De acordo com esse mandamento, o resgatador, isto é, o parente mais próximo, tinha o dever legal de suscitar a descendência de um familiar que havia falecido sem deixar filhos. Era dever do resgatador se casar com a viúva de seu parente, e então o filho dessa união matrimonial seria considerado um legítimo herdeiro do falecido. O resgatador ainda tinha o dever de, entre outras coisas, resgatar seus familiares da escravidão (Lv 25:47-54) e as propriedades deles em caso de dívida (v. 25). Essas eram algumas das formas de preservar o nome das famílias, seu patrimônio e o território das tribos de Israel (ver Rt 4:5-12). O relato nos diz que Boaz era um dos resgatadores da família de Elimeleque (Rt 2:1; 3:9) e que, ao ser confrontado com essa realidade, o piedoso homem rapidamente se dispôs a cumprir seu dever. Boaz comprou todas as propriedades da família de Elimeleque, casou-se com Rute e lhe deu um filho. E Obede, filho de Boaz e Rute, foi pai de Jessé, avô de Davi e um dos ancestrais de Jesus Cristo (4:9-13; Mt 1:1-17). A RELIGIÃO PURA E SEM MÁCULA Deus não apenas aceitou Rute e cuidou das necessidades dela; Ele a elevou a uma posição exaltada na casa de Israel, uma vez que a pobre viúva moabita se tornou uma das matriarcas da dinastia davídica (ver Rt 4:11). O Senhor honrou o compromisso daquela jovem com a Sua aliança e a disposição dela para servi-Lo. De maneira muito bela, Boaz reconheceu essas virtudes de Rute quando a chamou de “mulher virtuosa”, do hebraico ’eshet chayil (3:11). Isso porque, na poesia de Provérbios 31, uma das características da “mulher virtuosa” é o “temor do SENHOR” (v. 30). No texto original, Boaz também é chamado de “homem poderoso/virtuoso”, do hebraico ’ish gibbor chayil (Rt 2:1). No entanto, o fato mais surpreendente dessa história é que ele também era filho de uma estrangeira. E sua mãe não era qualquer estrangeira; era Raabe, a ex-prostituta cananita que tinha escondido dois espias de Israel na cidade de Jericó (ver Rt 4:20; Mt 1:5). Como tudo no livro de Rute, a família de Boaz é um símbolo da graça transformadora e inclusiva de Deus. Afinal, se a mãe de Boaz era uma ex-prostituta cananita, seu pai, Salmom, era sobrinho de Eliseba, a esposa do grande sumo sacerdote Arão (ver Êx 6:23; Rt 4:20; 1Cr 2:10, 11). Nesse caso, membros do sacerdócio e estrangeiros foram unidos pela aliança e a fé no Deus de Israel. Assim, com beleza e emoção, a história de Rute nos ensina muitas lições sobre o papel da religião na transformação espiritual e social de indivíduos e comunidades. O equilíbrio entre esses dois fatores é fundamental para o vigor da fé, pois piedade e compromisso social são faces da mesma moeda. Como diz uma citação clássica das Escrituras: “A religião pura e sem mácula para com o nosso Deus e Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas aflições e guardar-se incontaminado do mundo” (Tg 1:27).
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“Aprendam a fazer o bem; busquem a justiça, repreendam o opressor; garantam o direito dos órfãos, defendam a causa das viúvas” (Is 1:17)
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Para saber mais
Juízes e Rute: Introdução e Comentário, Série Cultura Bíblica, de Arthur E. Cundall e Leon Morris (Vida Nova, 2006) Ruth and Esther, Word Biblical Commentary, de Fredric W. Bush (Word Incorporated, 2002), v. 9. jul-set
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Básica
Texto Paulo Cândido Imagem © bignai | Adobestock
Shalom é um conceito rico, multifacetado e difícil de ser traduzido. Tem que ver com a restauração da harmonia das relações
SHALOM A tradução mais simples e direta da expressão hebraica shalom é paz, mas não no sentido de ausência de conflito nem apenas como um estado de espírito. Refiro-me aqui à paz como restauração da harmonia das relações, um bem-estar pleno. Essa é uma das razões porque esse conceito bíblico começou a chamar mais a atenção de teólogos e missiólogos depois da Segunda Guerra Mundial. Shalom é uma daquelas ideias bíblicas ricas e multifacetadas, que apresentam várias implicações práticas. Como uma caixa mágica que guarda muito mais coisas do que seu volume permite, o termo tem sido usado em hebraico pela dificuldade de encontrar expressões equivalentes em outros idiomas. Então, o que é a paz da qual a Bíblia fala? Shalom tem que ver com: (1) se identificar e se comprometer incondicionalmente com o outro, principalmente com quem está numa condição de maior vulnerabilidade, marginalização e pode até ser visto como um inimigo; (2) o amor fraternal (ágape); (3) a restauração da harmonia na criação, transformando o ser humano e suas relações com Deus, consigo mesmo, com a sociedade e a natureza; (4) a busca ativa pela edificação mútua em comunidade, promoção de relações justas e a construção da paz; e (5) enxergar a humanidade de modo integral, considerando a espiritualidade como a base do bem-estar físico, emocional e social. Desde meados dos anos 1960, missiólogos têm se apropriado desse conceito para ampliar a perspectiva da missão cristã e reposicionar as igrejas locais como agentes transformadoras do contexto em que estão inseridas e onde testemunham. O objetivo é repensar a identidade missionária da igreja e ajudar a redirecionar o cristianismo ocidental de sua tendência muito individualista, espiritualizante e desconectada das questões entendidas como de interesse público. Na perspectiva missiológica, Deus é missionário, presente e ativo no mundo. Portanto, é no mundo que o cristão, reconciliado e em shalom com Deus, vive na prática da justiça, misericórdia e humildade (Mq 6:8). É no mundo que a igreja se une a Deus na restauração da criação e na promoção da harmonia e do bem-estar social, para que a vontade Dele seja feita “assim na Terra como no Céu” (Mt 6:10). Fontes: Verbete “Shalom”, de Paul Hiebert, em Evangelical Dictionary of World Missions (Baker, 2000), de A. Scott Moreau, Harold A. Netland e Charles Edward van Engen (eds.), p. 868, 869; livros O Que é Missão Integral? (Ultimato, 2009), de René Padilla; Missão Transformadora: Mudanças de Paradigma na Teologia de Missão (Sinodal, 2002), de David Bosch; e El Proyecto De Dios y Las Necesidades Humanas; Más Modelos de Ministerio Integral en America Latina (Kairos, 2000), de René Padilla e Tetsunao Yamamori (eds.).
Curiosa
Texto Julie Grüdtner
A FORÇA DOS LAÇOS FRACOS A famosa frase, típica do sertanejo sofrência, “tem gente que só valoriza quando perde”, nunca fez tanto sentido quanto de março de 2020 para cá. Não estou falando aqui da morte de alguém querido, mas de uma sensação geral de desconexão humana, que nos faz sentir saudade até mesmo de ver aquele “conhecido” que só encontramos no elevador. A crise sanitária atual abalou nossas relações interpessoais e nos fez perceber que precisamos mais dos outros do que imaginávamos. De acordo com a Teoria dos Laços Fracos 24 |
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(tradução livre de weak ties), do sociólogo norte-americano Mark Granovetter, relações superficiais têm papel crucial na manutenção da saúde coletiva. Desde o porteiro do seu condomínio até o colega que você costuma encontrar na cantina da escola, esses são seus laços sociais fracos, ou seja, pessoas com quem você não tem profunda ligação emocional, mas com quem estranhamente compartilha certa fraternidade. Andrew Guydish, doutorando em Psicologia na Universidade
da Califórnia (EUA), observou que os laços fracos geram em nós mais otimismo, principalmente no trabalho. Isso acontece porque o ser humano, apesar de geralmente experimentar maior satisfação nas relações familiares, precisa também se sentir parte de uma comunidade mais ampla. Entre junho de 2019 e junho de 2020, pesquisadores da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, verificaram que, durante a quarentena, as pessoas entrevistadas por eles haviam tido prevalência maior de emoções negativas, como tristeza, medo e
frustração, enquanto, paralelamente, as emoções positivas delas declinaram. Parece que estamos sentindo falta de gente! Isso porque nosso bem-estar depende da qualidade das nossas relações sociais, até mesmo das mais fracas. Fontes: Artigos acadêmicos “Covid-19 and Subjective Well-Being: Separating the Effects of Lockdowns from the Pandemic”, de R.S. Foa, S. Gilbert e M. Fabian, em bennettinstitute.cam.ac.uk; “The Strength of Weak Ties”, de Mark S. Granovetter, em American Journal of Sociology, v. 78, no 6, maio 1973, p. 1360-1380; e a reportagem “The Pandemic has Erased Entire Categories of Friendship”, de Amanda Mull, na revista The Atlantic (theatlantic.com), em 27 de janeiro de 2021.
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Ponto de vista
Tudo ligado
Texto Alex Machado Imagem © DisobeyArt | Adobe Stock
Texto Márcio Tonetti
DA DIVERSIDADE À ALTERIDADE Diversidade Do latim diversitas, é o que caracteriza o mosaico cultural. Mas essa multiplicidade não tem se refletido em muitos setores da nossa sociedade. Por essa razão, em 2002, a ONU instituiu o Dia Mundial da Diversidade Cultural para o Diálogo e o Desenvolvimento, um passo importante na luta contra o
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Preconceito Motivado por generalizações apressadas, visões distorcidas ou ignorância, ele se manifesta por meio de opiniões, ideias, sentimentos ou atitudes como as que foram identificadas em um estudo realizado em 2020 pelo Instituto Locomotiva para a Central Única das Favelas (Cufa). A pesquisa revelou que três em cada quatro mulheres, negros e pessoas das classes C, D e E, já foram alvo de preconceito e constrangimento em estabelecimentos comerciais. Sem dúvida, isso é um péssimo negócio para as empresas e um entrave para que o país atinja um nível mais elevado de
Casos recentes de assassinatos de cidadãos negros nos Estados Unidos e no Brasil geraram comoção e protestos, mas eles não são isolados. Segundo o Atlas da Violência 2020, o número de homicídios de pessoas negras aumentou 11,5% nos últimos dez anos em nosso país. Lamentavelmente, depois de tanto tempo do fim da escravidão, o fator raça continua a pesar em questões como preconceito, segregação e desigualdade social, deixando um rastro de crueldade e miséria. Curiosamente, grupos religiosos que hoje protagonizam importante papel na luta pela igualdade já tentaram justificar o racismo. Mas é possível legitimar o racismo por meio do discurso religioso? Confira.
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Por cerca de 130 anos, a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (mórmons) se opôs à ordenação de sacerdotes afrodescendentes e impediu a participação de negros em vários ritos no templo. Essa discriminação tinha como base a ideia de que a negritude da pele era resultado da maldição sinalizada sobre Caim (Gn 4:8-15). A cor da pele também foi a justificativa para a Igreja Católica legitimar a escravidão e o racismo em algumas bulas papais (Romanus Pontifex, Aeterni Regis, Inter Caetera). Um dos argumentos era que a pele escura tinha que ver com o significado do nome hebraico Cam (“quente”, “queimado”), um filho de Noé que foi amaldiçoado pelo pai (Gn 9:25). Por sua vez, Allan Kardec, pai do espiritismo moderno, declarou, no século 19, que negros eram espiritualmente inferiores.
Desenvolvimento Está associado com a noção de crescimento econômico, político e social, mas depende, em grande medida, da capacidade de inovação e inclusão. Aliás, uma pesquisa da Universidade Stanford, que analisou 1,2 milhão de teses de doutorado defendidas nos Estados Unidos (1977-2015), mostrou que as minorias tendem a ser mais inovadoras do que as maiorias, embora o grau de reconhecimento acadêmico dado a elas ainda seja muito desigual. Portanto, uma sociedade que exclui perde em todos os sentidos, além de negar o valor da
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De modo geral, hoje a maior parte das denominações cristãs fundamenta seu repúdio ao racismo na convicção de que a dignidade humana tem como base o fato de que fomos criados à imagem e semelhança de Deus. Denominações como as Igrejas Adventista do Sétimo Dia e a Metodista reconhecem também que o racismo é um problema estrutural e que afronta os princípios bíblicos de amor ao próximo e igualdade. Porém, a história das tradições religiosas costuma ser marcada por tensões e contradições entre discurso e prática. Por exemplo, Ellen White, cofundadora da Igreja Adventista, lamentou a maneira pela qual os adventistas no Sul dos Estados Unidos, de maioria negra, eram negligenciados por líderes brancos do Norte, no fim do século 19. Em tais casos, ela advertia que a religião da Bíblia não reconhece casta ou cor. Assim como Ellen White, outros líderes cristãos de sua época foram importantes para a luta antiescravagista, como Gerrit Smith, Henrietta Platt e Joseph Bates.
Alteridade Embora alguns confundam alteridade com empatia, esse é um conceito mais relacionado com a afirmação da diversidade humana e o reconhecimento das diferenças. É óbvio que, como humanidade, temos muito em comum, mas respeitar aquilo que nos distingue, isto é, a alteridade, é o caminho para vivermos livres dos preconceitos que impedem o desenvolvimento resultante da valorização da diversidade.
Fontes: Atlas da Violência 2020 (Ipea); site da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias (bit.ly/3vtOShV); artigo “A relação da Igreja Católica com o negro: de sua contribuição para a manutenção do racismo à valorização do povo negro pela pastoral afro-brasileira”, de José Cristiano Bento dos Santos, em Anais do VII SIPECS: Classes e Identidades, de 2018, p. 126-142 (bit.ly/3xLwItY), site do Vaticano (bit.ly/3gNnCHh); “Frenologia espiritualista e espírita – Perfectibilidade da raça negra”, de Allan Kardec, na revista Espírita de abril de 1862 (ipeak.net); site da Igreja Metodista no Brasil (bit.ly/332AsJr); “Pioneiros adventistas e seu protesto contra racismo sistêmico”, em Portal Adventista, em 6/7/2020 (bit.ly/2QICUSP); e os livros Declarações da Igreja (CPB, 2012), p. 174; Testemunhos Para a Igreja (CPB, 2005), v. 9, p. 205, 223.
Fontes: Dicionários Houaiss e Michaelis (michaelis. uol.com.br); “Pesquisa mostra que preocupação com diversidade gera lucro às empresas”, site da Agência Brasil (bit.ly/3dL2LRU); “O paradoxo diversidade-inovação”, site Pesquisa Fapesp (bit.ly/2PQpm7n); “Alteridade”, canal Brasil Escola (bit.ly/3sWFUJk). jul-set
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Texto Jessica Manfrim Ilustração Alexandre Gabriel
... se o mundo não tivesse se PLANETA TERRA, 2050. Essa é a data estimada pela ONU para que as cidades abriguem pelo menos 70% da população mundial. Em 2019, chegamos à marca de 55%. Porém, na América Latina, uma das regiões mais urbanizadas do mundo, esses índices são bem mais altos do que a média global. No Brasil, por exemplo, 85% da população vivem em áreas urbanas. Só que juntar esse mundo de gente em poucos lugares demanda cada vez mais infraestrutura. O problema não é novo, na verdade, mas tem se intensificado. Prova disso é que, no início do século 20, a fim de solucionar os problemas da migração do campo para a cidade, surgiu o que conhecemos hoje como urbanismo. A cidade é mais do que prédios, ruas e praças. É um espaço que não é produzido aleatoriamente, mas com base em interesses econômicos e políticos, a partir de relações locais e globais de desigualdade, de sociabilidade, de tensões e conflitos. Mas também é um lugar favorável para a criatividade, inovação e o encontro de diversas culturas. É difícil imaginar o mundo de hoje sem a urbanização, mas é possível pensar criticamente sobre os efeitos desse processo e como ele pode ser melhorado.
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SEGREGAÇÃO E MAIS EPIDEMIAS
Infelizmente, não é de hoje que as cidades são pensadas para a minoria abastada em vez de para a maioria pobre. Com 1 milhão de habitantes, a antiga cidade de Roma realizou muitas obras de infraestrutura, beneficiando mais os nobres, moradores de casas amplas, do que o povo que morava em prédios apertados de madeira e sem banheiros. Com a dissolução do Império Romano, no 5o século, houve uma ruralização do território antes dominado e o desmonte de aquedutos e outros monumentos para a construção dos feudos e dos castelos medievais. Sem estrutura para água e esgoto, com ruas estreitas e casas sem ventilação, logo a sujeira começou a ser jogada na rua, e as epidemias apareceram. Não foi sem razão que a peste negra (1347-1351) matou um terço da população da Europa. Se a falta de planejamento urbano pode ter resultados drásticos como esse, unido ao descompromisso social, ela gera segregação como efeito colateral. Foi o que aconteceu durante a reforma urbana no Rio de Janeiro, na primeira década do século 20. A população vulnerável e desalojada do centro da cidade e da beirada das praias subiu o morro, formando as favelas. Sem o processo de urbanização moderno, problemas como falta de moradia adequada e crises sanitárias seriam potencializadas ao máximo: conviveríamos muito mais com epidemias e doenças, com circulação comprometida de bens e pessoas, dificuldade de aprimoramento e desenvolvimento técnico e intelectual da população, escassez de bens e de alimentos, aumento da violência e concentração ainda maior da riqueza por poucos.
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As cidades são o lugar de habitação dos seres humanos há milhares de anos. Porém, as transformações pelas quais esses espaços estão passando nunca foram tão profundas e influentes para além dos limites urbanos como nos últimos dois séculos. De lá para cá, modelos ou tipos de cidades têm sido reproduzidos em vários momentos históricos e contextos geográficos e culturais: a cidade industrial, informacional, inteligente, sustentável, satélite, global, periférica, além das metrópoles e megacidades. Cidades são sistemas orgânicos que surgem, crescem, declinam e se renovam de acordo com situações e acontecimentos. Num momento em que o mundo ensaia sair de uma pandemia, novas demandas, tendências e hábitos poderão ter impacto na dinâmica dos centros urbanos. Desde a classe alta que pode se dar ao luxo de migrar para casas de campo ou de praia, até a classe média, que talvez pretenda continuar morando nas metrópoles, mas trabalhando mais perto de casa ou mesmo sem sair dela. Parece improvável imaginar um futuro que não seja urbano para a humanidade, mas a pergunta que nos cabe fazer é em que tipo de cidades queremos viver. Que tal imaginar espaços mais planejados, justos e sustentáveis?
AUMENTO DA FAVELIZAÇÃO
Uma das consequências da segregação por infraestrutura é a favelização. Isso porque não existem mais terras baratas nos arredores das grandes cidades brasileiras. No centro, por sua vez, os terrenos e prédios desocupados costumam estar envolvidos em entraves burocráticos e especulação imobiliária. São Paulo, por exemplo, está entre as 20 cidades com o metro quadrado mais caro do mundo. Na capital paulista e em outras grandes cidades do globo tem ocorrido o que se chama de gentrificação, processo que torna uma região mais valorizada, expulsando seus antigos moradores para áreas mais distantes e desvalorizadas. Na década de 1990, um programa habitacional tinha a proposta de mudar ou pelo amenizar essa situação em São Paulo. Porém, o projeto Cingapura, uma iniciativa de urbanização de favelas, falhou na análise social. O programa foi inspirado num modelo de moradia popular do país asiático de mesmo nome que, além de prover moradia concentrada em prédios altos e bem localizados, previa a implementação de comércio e áreas de lazer. Na capital paulista, no entanto, o projeto Cingapura falhou em todos esses pontos. Resultado: a iniciativa não trouxe integração social e espacial. Uma sociedade fragmentada por grupos que não se misturam atrasa o processo de desenvolvimento social, econômico e político, pois a solução de problemas e a criação de tecnologias passam pelo diálogo e pela cooperação.
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Fontes: Livros O Que é Urbanismo, de A. J. Gonçalves Jr. e outros (Brasiliense, 2017); Planeta Favela, de Mike Davis (Boitempo, 2006); verbetes “Cidade” e “Roma” do Dicionário Temático do Ocidente Medieval, de Jacques Le Goff e Jean-Claude Schmitt (Edusc, 2006), p. 219-236 e 431-448; artigos acadêmicos “A influência das reformas urbanas parisienses no Rio de Janeiro dos anos 20”, de Adriana de Oliveira Tourinho, na Ars Historica, no 5 de 2009 (bit.ly/3oX3zIA); “Economia criativa e espaços públicos: sociedade civil ressignificando as cidades a partir de projetos culturais”, de Lucas Guimarães Pinto e outros na 17a Enanpur, São Paulo, 2017 (bit.ly/3i0ODrc); “Sociabilidade urbana de vizinhança: explorando as relações entre perfis espaciais e padrões sociais no bairro. O caso da Vila Tamandaré, Recife (PE)”, de Marta Roca Muñoza e Circe Maria Gama Monteiro na Revista de Morfologia Urbana, 2019, 7 (bit.ly/34rh0GU); “As reformas urbanas do início da República”, artigo de Elisângela Fernandes no site Nova Escola, em 1o/3/2013; “De Singapura a Cingapura: um conto de dois modelos habitacionais”, artigo de Luiz Eduardo Peixoto no site Caos Planejado, em 22/2/2017.
CRIATIVIDADE EM BAIXA E AUSÊNCIA DE INOVAÇÃO
Mas nem só de mazelas vivem as cidades. São nelas que se concentram o poder, o dinheiro e a criatividade das sociedades contemporâneas. Isso ocorre porque a proximidade geográfica e a possibilidade de encontro com o diferente facilitam a troca de ideias e informações. E isso representa ganho de produtividade principalmente entre os profissionais mais qualificados. A partir de problemas comuns, pessoas com experiências, perspectivas e conhecimentos distintos podem contribuir para a criação de soluções. Tem sido assim desde o Renascimento europeu, nos séculos 14 a 16, quando a circulação de produtos e ideias passou a se intensificar. Mas para que as cidades gerem mais bem-estar, criatividade e inovação, é preciso que o espaço urbano priorize as pessoas em vez dos carros. Dessa maneira, a cidade deixa de ser um espaço para apenas se atravessar, a fim de se tornar um lugar que proporciona encontros, identificação, solidariedade e lazer. É por isso que as cidades são por excelência um laboratório para a economia criativa, ou seja, para as atividades econômicas que encontram na criatividade e na inovação a base para gerar empregos e riqueza. Sem essas trocas e sem a convivência com o novo, faríamos sempre as mesmas coisas da mesma forma, atrasando as possibilidades de mudanças positivas para todos.
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Ação Mude seu mundo
Texto Silvia Tápia Fotos ADRA Brasil
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Lição de vida Aprenda Na cabeceira Guia de profissões
Mãos que acolhem Conheça quatro projetos da agência humanitária adventista que já ajudaram 60 mil refugiados no Brasil desde o ano passado NOS ÚLTIMOS ANOS, o mundo tem testemunhado uma das maiores crises migratórias desde a Segunda Guerra Mundial. Atualmente são 80 milhões de pessoas que tiveram que deixar sua casa, pátria e passado por causa de perseguição, guerra ou violência. Para sobreviverem, essas pessoas encararam viver num outro país, falando outra língua e sob outras condições. O Dia Mundial do Refugiado, lembrado desde o ano 2000 a cada 20 de junho, é uma oportunidade para homenagear a coragem, a resiliência e a força de cerca
de 1% da população global que está em deslocamento. Esse tipo de crise humanitária atinge de maneira mais aguda países como Síria, Afeganistão, Myanmar, Bangladesh e Venezuela. A ADRA (Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais) é uma das 900 instituições parceiras da ACNUR, braço da ONU voltado para os refugiados. E, no Brasil, a agência humanitária adventista tem feito a diferença na vida de 60 mil pessoas deslocadas, principalmente nos últimos dois anos. São quatro projetos da ADRA que respondem a essa demanda. Conheça essas iniciativas a seguir. RESPOSTA À EMERGÊNCIA A falta de moradia e o acesso ao mercado de trabalho são os principais desafios enfrentados pelas pessoas que pedem
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refúgio ao Brasil. No que se refere à reinserção profissional, essas pessoas costumam encontrar dificuldade para conseguir um emprego e, quando conseguem, precisam se submeter a receber baixos salários. Para vários desses refugiados falta qualificação profissional e muitos relatam demora na emissão de documentos. Por isso, as ações da ADRA têm sido pensadas em resposta a esse diagnóstico inicial. “Além de atender às emergências, também contamos com projetos contínuos de desenvolvimento humano. Parte desses projetos trabalham diretamente com refugiados. De janeiro de 2020 até maio de 2021, a ADRA atendeu 60.112 refugiados por meio de quatro projetos específicos”, informa Fábio Salles, diretor da agência no Brasil. Salles destaca que, se o Brasil acolher bem essas pessoas, o benefício não será apenas para elas. “Embora a pandemia da Covid-19 tenha criado grandes dificuldades
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para continuarmos nosso trabalho com os refugiados, nós seguimos avançando com o objetivo de oferecer mais qualidade de vida para essas pessoas que, em sua maioria, são muito trabalhadoras. Se forem auxiliadas da forma correta, elas podem trazer grandes benefícios ao Brasil”, projeta. VIDA MELHOR A venezuelana Esther Govia, que atualmente mora em Porto Alegre (RS), sentiu na pele a crise política, econômica e social que vive seu país. Com dificuldades para trabalhar, Esther, o marido e o filho cruzaram a fronteira da Venezuela com o Brasil em busca de uma nova vida. A família chegou aqui em novembro de 2019 e logo em seguida começou a sentir os efeitos da pandemia. “Ficou complicado arranjar um emprego. Não tinha quem cuidasse do meu filho. Apenas meu esposo trabalhava. A questão financeira estava difícil. Tínhamos apenas o básico, mas alguns alimentos e itens importantes começaram a faltar”, conta Esther. Quando a situação começou a piorar, a família dela conheceu o projeto Connect Brasil, promovido pela ADRA, que rendeu à Esther soluções para boa parte de seus problemas. O projeto, que ainda está em andamento, conta com a parceria da Organização Internacional para as Migrações (OIM) e a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento (USAID). A iniciativa envolve também empresas e inclui a oferta de cursos profissionalizantes e o apoio na elaboração de currículos.
“Quando conheci a ADRA, soube que a agência tinha dois projetos: um para empreendedorismo e o outro para ajudar a encontrar emprego”, complementa Esther, que escolheu o caminho do empreendedorismo. Foi então que ela começou suas aulas de culinária. A venezuelana confessa que não tinha habilidade para trabalhar na cozinha. Porém, por meio das técnicas que aprendeu no curso, desenvolveu o gosto pela profissão e adquiriu novas habilidades. “Com isso, montei minha empresa e aprendi a fazer bolos e doces. Esse curso teve um impacto muito grande na vida da minha família. No início ganhamos até mesmo os ingredientes. Eu não gastava nada e comecei a ver o lucro. Aquilo me incentivou muito e ajudou a suprir nossas necessidades”, comemora. Além da ajuda nas finanças da família, empreender rendeu também para a confeiteira outros dividendos. “Sou uma pessoa ativa, e isso foi uma bênção, uma satisfação de poder criar algo com minhas mãos. Me senti útil”, relata emocionada. Iniciado em agosto de 2020 no Rio Grande do Sul, o projeto Connect Brasil tem apoiado centenas de famílias. Até maio deste ano, a ADRA havia intermediado a contratação formal de mais de 600 imigrantes e contribuído para a formação de 60 microempreendedores individuais. OUTRAS INICIATIVAS Em Manaus (AM), o Centro de Apoio e Referência a Refugiados e Migrantes (CARE) funciona desde o ano passado, período em que atendeu 15 mil pessoas.
No local, são oferecidos serviços como escuta qualificada, encaminhamento para rede de serviços assistenciais, doações e apoio financeiro para casos de extrema vulnerabilidade, ajuda com a documentação, cursos de língua portuguesa e profissionalizantes. Por sua vez, o projeto ANA (Acciones Alimentares y No Alimentares), que é realizado em Roraima e no Amazonas, auxiliou 30 mil pessoas, entre imigrantes e refugiados, fornecendo vouchers para a compra de alimentos, kits de higiene, utensílios de cozinha e de utilidade doméstica. Por fim, a agência humanitária adventista trabalhou também em 2020, em todo o Brasil, com o projeto SWAN (sigla em inglês para Assentamento, Água, Saneamento e Higiene Para Refugiados e Migrantes). A iniciativa foi realizada em parceria com a USAID e socorreu 14 mil venezuelanos. Esse projeto tem como estratégia realocar os imigrantes e refugiados em todo o território nacional, oferecendo um apoio inicial de três meses, que inclui pagamento de aluguel, recarga de celular e doação de kits de higiene, cozinha e alimentação. Embora a ADRA conte com parcerias importantes, o que inclui dinheiro que vem do exterior, esses projetos precisam de doações mensais feitas por pessoas físicas e jurídicas do Brasil para atingir todos os seus objetivos. E, ainda que pequena, sua doação pode fazer a diferença. Para saber mais
No site adra.org.br você encontra informações sobre os projetos, o link para fazer doações e/ou para se cadastrar como voluntário
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Lição de vida
Texto Carolina Félix Ilustração Gabriel Nadai
Sentindo na pele Racismo, educação e fé na trajetória da primeira mulher negra a ser eleita vice-presidente mundial da Igreja Adventista, há 16 anos EM 2005, a Igreja Adventista do Sétimo Dia completava 142 anos de história e se reunia para sua 58a assembleia mundial. Milhares de adventistas estavam assentados num grande ginásio de esportes em St. Louis, no Missouri (EUA), acompanhando as decisões administrativas, mas, principalmente, os sermões e concertos musicais apresentados por pregadores e artistas do mundo todo. Mesmo apreciando a programação, a doutora Ella Simmons tinha sua mente voltada para outras questões. Havia recebido a notícia de que seria nomeada para ocupar uma das vagas da vice-presidência mundial da denominação. Meses antes, Ella e o esposo, Nord, um renomado educador, tinham planejado se mudarem para mais perto da família, a fim de curtir filhos e netos. Porém, Deus tinha outro plano para eles. No dia 3 de julho, data em que a primeira mulher e afrodescendente seria indicada para o topo da liderança da igreja, Nord preferiu ficar no hotel. Ele não queria se irritar com os possíveis comentários que viriam dos que eram contra a nomeação de sua esposa. Contudo, para a surpresa de ambos, os delegados foram unânimes em aprovar a indicação do nome dela. Após a contagem dos votos que elegeram Ella Simmons, o então presidente mundial da igreja, o pastor norueguês Jan Paulsen disse aos delegados da assembleia que ele já vinha sendo questionado sobre a necessidade de ter representatividade feminina na liderança mundial da denominação. “Não há lugar para as mulheres bem qualificadas e profissionalmente talentosas que temos na igreja?”, discursou ele na época, exemplificando o tipo de questionamento que ouvia. Entrevistada depois da assembleia, uma repórter adventista do oeste da África disse que, quando voltaram para seu país, as delegadas da Costa do Marfim comemoraram essa nomeação histórica. “Há esperança para nós”, celebraram elas. 30 |
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ENTREVISTA Agendar uma conversa com a vicepresidente não foi uma tarefa simples, mas a receptividade e atenção da doutora Simmons tornou o processo muito tranquilo. A entrevista foi remota, mas ela conseguiu tornar o bate-papo intimista. Rimos ao falar sobre o preparo técnico e estético para a entrevista. Iniciei a conversa revelando que saio da minha zona de conforto toda vez que tenho que usar meu inglês ainda limitado. Porém, com um sorriso, ela me acalmou: “Seu inglês está maravilhoso. Entendo você perfeitamente.” Mais segura, perguntei sobre o momento da votação que descrevi no início desse perfil. Acrescentei uma questão: se ela havia imaginado, 16 anos atrás, a importância do que estava acontecendo. A doutora Simmons me contou que duas semanas antes da assembleia, o pastor Paulsen havia ligado para ela, perguntando o que a educadora pensava sobre a possível nomeação. Minha entrevistada disse que “riu como Sara”, a personagem bíblica, esposa de Abraão, que era estéril, idosa e que via como impossível a promessa divina de que ela engravidaria. “Isso nunca vai acontecer nessa igreja”, desabafou Ella. No entanto, percebendo que Paulsen falava sério, a educadora respondeu: “O que Deus tiver para nós, meu marido e eu seguiremos.” Na condição de filha mais velha e única mulher entre seis irmãos, Ella foi preparada para ser a minoria nos espaços que pretendesse ocupar. Mais do que isso, ela foi preparada não apenas para assumir uma posição e atender a uma expectativa social, mas para ter voz ativa nas decisões que competem ao seu cargo, passo audacioso para as mulheres hoje, que ainda tendem a ser ignoradas ou vistas como inferiores. LEGADO Simmons tem doutorado em Educação pela Universidade de Louisville (EUA) e já exerceu importantes funções de gestão na rede educacional adventista e na administração pública. Seu currículo acadêmico e profissional não cabe nas duas páginas desta matéria, mas o conhecimento que ela mais valoriza veio de sua mãe, bisavó e de duas professoras da educação infantil. “Minha mãe foi minha heroína. Ela era muito profissional e sempre torceu por mim.
Minha bisavó também foi bem importante. “Em 2005, eu não imaginava a imporEu ficava com ela quando era pequena. tância que a discussão sobre o racismo teA bisa me ensinou tudo sobre a vida e as ria hoje. Era difícil prever isso. A sociedade pessoas. Ensinou-me a perceber o ambien- e o cristianismo falavam pouco sobre as te e ser eu mesma, além de como lavar, tensões raciais. Todo mundo queria abafar passar e cozinhar. Ela me ensinou a ser hu- o assunto para não criar conflito. Porém, milde e a lutar pelo que é certo. Essas foram eu acredito que Deus permite certas coisas mulheres fortes que estiveram comigo”, refor- acontecerem pra gente aprender”, compaça Simmons, sem deixar de recora. “É verdade que as pessoas nhecer que também se inspirou “Já sofri muita interpretam de forma distinta em figuras masculinas. Ella tem opressão os acontecimentos do mundo como propósito de vida inspirar por conta da e suas experiências pessoais, minha cor. Foi outras mulheres a assumir o chamuito a partir do modo como terrível, mas mado de Deus para elas. foram criadas”, admite. “Por Minha entrevistada disse Deus tem exemplo, eu já sofri muita que nunca experimentamos me ajudado opressão por conta da minha algo de forma neutra, pois ao longo do cor. Foi terrível, mas Deus tem sempre trazemos com a gente caminho” me ajudado ao longo do camitoda a nossa bagagem de conho”, exemplifica a educadora. nhecimento e experiências. Concordo. Pelo fato de ter sentido na pele a dor da Por isso, compartilhei parte da minha his- discriminação, a doutora Simmons foi uma tória com a doutora Simmons. Contei que das especialistas a fazer parte da comissão nasci num bairro periférico de Campinas que redigiu o mais recente documento da (SP) e que hoje, mãe solo e negra, busco Igreja Adventista sobre racismo e relações transmitir valores importantes para mi- humanas (bit.ly/3gBOWGz), votado em nhas filhas, a fim de que elas não temam setembro de 2020, na esteira dos protestos ocupar espaços nos quais não se sintam de movimentos como o Black Lives Matter. representadas, seja pela classe social, gêMas eu não posso terminar este perfil sem nero ou cor da pele delas. falar da importância da educação adventista, Foi nesse ponto da nossa conversa de porque é nesse ponto que minha história uma hora que temas como separação, também se cruza com a da entrevistada. discriminação e segregação vieram à tona. E, como já sabemos também, mas nem semAliás, essas questões têm sido abordadas pre vemos acontecer, a correção de injustiças com veemência pela educadora, não com históricas e a diminuição das desigualdades base apenas em conceitos e dados, mas passa pela educação. a partir de sua própria vivência. “Apenas Sem dúvida alguma, minha história seria eu vivi minha história”, contextualiza, ao outra se minha mãe não tivesse se esforçado evidenciar a força da experiência em ca- tanto para que seus quatro filhos estudassem sos de discriminação e racismo. Ela fa- no Colégio Adventista de Campinas (SP). lou sobre esses temas recentemente no A vida de Ella Simmons também não seria Adventist Virtual Global Campmeeting a mesma sem a educação, pois suas habili(campmeeting.com), realizado em maio. dades para a liderança foram moldadas no contexto de instituições de ensino. MUDANÇAS SOCIAIS Simmons sempre encarou a tarefa da Ella Simmons cresceu em Louisville, no educação como um ministério. Por isso, ela Kentucky, sul dos Estados Unidos, quando trabalhou para melhorar a oferta de ensino o movimento pelos direitos civis dos ne- cristão por onde passou, seja como gestora gros, liderado por Martin Luther King Jr. na Universidade La Sierra ou na Oakwood e Malcom X nas décadas de 1950 e 1960, (EUA), uma instituição que historicamentinha ganhado força. Simmons acredita te tem recebido alunos negros. Até aqui, que não podemos nos calar diante das Ella tem contado com o apoio de sua família injustiças, como o assassinato do afroame- e entendido que sua trajetória tem que ver ricano George Floyd pelo policial branco com luta por representatividade, mas, acima Derek Chauvin, em maio de 2020. de tudo, com a direção de Deus. jul-set
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Aprenda
Texto Ágatha Lemos Design Renan Martin
A se comunicar sem violência JÁ PAROU PARA pensar que conflitos foram iniciados ou evitados devido à qualidade da comunicação dos envolvidos? Separações, amizades, desavenças, ódio e amor, tudo passa pela interação com os outros. O problema é que a gente costuma não se dar conta disso. Por vezes, achamos que estamos sendo claros e gentis, quando, na verdade, não estamos. Mas é possível ser franco e respeitoso ao mesmo tempo, sem escorregar para o abuso verbal? Para saber se você se comunica bem ou se pode aprimorar essa habilidade, reunimos a seguir os princípios da chamada comunicação não violenta (CNV), que se mostra mais útil ainda em tempos de distanciamento social e polarização. Essa técnica é aplicável em várias situações, da resolução de conflitos familiares aos políticos, porque se fundamenta na escuta, no respeito, na empatia e na colaboração.
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OBSERVE SEM JULGAR
É difícil, mas é possível observar sem julgar automaticamente. Quando fazemos isso, suspendendo nossa avaliação inicial, demonstramos real atenção pela fala do outro. Porém, quando combinamos observação com avaliação, por mais gentil que seja, ainda assim parecerá que estamos criticando ou acusando. E isso faz com que o receptor da mensagem se arme. A linguagem nos denuncia, como, por exemplo, o uso do exagero. Uma coisa é dizer: “Tentei falar com você, mas você estava ocupado.” Outra coisa é dizer: “Tentei falar com você, mas você está sempre ocupado.”
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IDENTIFIQUE SEU SENTIMENTO
É uma grande habilidade expressar de modo adequado os próprios sentimentos. Por essa razão, é importante observar a relação entre as reações fisiológicas do seu corpo (dor no peito, frio na barriga, calor muito forte), que são as emoções, e a interpretação que você faz disso, que são os sentimentos (traição, medo, raiva). Tendo consciência disso, é importante verbalizar especificamente o que está sentindo, evitando assim palavras vagas ou genéricas. Expressar-se com clareza e tornar-se vulnerável costuma despertar a boa vontade de quem lhe ouve. Isso é eficaz, inclusive, na resolução de conflitos. Por exemplo, ao discutir com alguém que utiliza muito o celular sem lhe dar atenção, sua tentação é dizer: “Você não sai do celular. Parece que estou falando sozinho.” Quando a melhor alternativa seria dizer: “Mesmo quando estamos juntos, ainda me sinto sozinho. Gostaria de ter mais conexão com você.”
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TORNE CLARA SUA NECESSIDADE
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PEÇA EM VEZ DE CHANTAGEAR
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Quando nossos pedidos vêm embalados numa linguagem de exigência ou têm a intenção de manipular por meio da culpa e do medo, eles tendem a gerar resistência. A solução é substituir a linguagem que comunica falta de escolha por outra que ofereça a possibilidade de escolha. Quem escuta você precisa entender que seu pedido é motivado por uma necessidade real, mas que ele é livre para atendê-lo ou não, sem sofrer retaliação. Ao agir assim, você desperta empatia. E, quando a empatia é ativada num relacionamento, todos os envolvidos acabam sendo atendidos. Fontes: Livro Comunicação Não-Violenta: Técnicas Para Aprimorar Relacionamentos Pessoais e Profissionais (Ágora, 2010), de Marshall B. Rosenberg; “Neurociência e comunicação não-verbal”, diálogo entre Flavia Feitosa e Claudia Feitosa-Santana, divulgado no canal da Casa do Saber (youtube.com/casadosaber), em 22/11/2016.
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Por trás de cada sentimento sempre há um tipo de necessidade. Ocorre que, na maioria das vezes, nós esperamos que os outros adivinhem o que precisamos ou queremos. Perdemos tempo dando dicas e indiretas. O ideal é que, primeiramente, você indentifique sua necessidade e, então, sem medo, expresse isso para quem possa atendê-la. É verdade que expor honestamente as próprias necessidades implica assumir o risco de ser julgado; porém, quanto mais clara for sua comunicação, maior é a chance de receber compaixão de volta.
Na cabeceira
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Dupla libertação
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Trechos
“Por que não fui eu a vítima, que já estava no fim da carreira? Como pai, foi muito difícil aceitar de imediato a tragédia de Palau” (p. 85).
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“Com lágrimas no rosto, disse: ‘Justin, somos todos iguais aos olhos de Deus. Não somos melhores do que você. Todos precisamos da graça salvadora de Deus na nossa vida. Quero ver você no Céu um dia com meus pais e meu irmão’” (p. 109).
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Texto Rebbeca Ricarte Design Renan Martin
POR QUE PESSOAS boas sofrem? Certamente você já fez ou ouviu esse questionamento. Uma pergunta difícil de ser respondida, é verdade, pois muitas vezes o sofrimento não faz sentido. Tragédia no Paraíso (CPB, 2020, 110 páginas) relata uma história exatamente assim: impossível de ler sem fazer a si mesmo essa pergunta. O livro conta a biografia da família Paiva, brutalmente assassinada no arquipélago de Palau, na Micronésia, em 2003. Diferentemente de biografias tradicionais, a obra de Itamar de Paiva, pai de um dos protagonistas da história, começa pelo que parece ser o fim: a tragédia que matou seu filho, nora e um neto. Os personagens em questão são o pastor Ruimar, sua esposa, Margareth, o filho Larisson (11 anos e a única sobrevivente, Melissa (10 anos). A família missionária de brasileiros estava há pouco mais de um ano servindo em Palau, onde Ruimar pastoreava as igrejas adventistas do arquipélago. Poucos dias antes do Natal, eles foram dormir sem terem noção do que aconteceria. Sonolentos, no meio da madrugada, foram brutalmente golpeados e mortos por alguém drogado que tentava roubar a TV e o videocassete da família. Melissa, além de escapar com vida, foi a única testemunha ocular do crime. A garota foi amarrada e mantida em cativeiro pelo assassino por alguns dias, até que ele a jogasse à beira de uma estrada, achando que havia conseguido matar a menina por asfixia. Mas Melissa conseguiu rastejar de volta para a rota dos carros e foi socorrida por um casal que passava no local. Ela foi levada até a delegacia, onde denunciou o delito e ajudou a identificar o agressor, Justin Hiroshi, que foi preso e condenado à prisão perpétua. O caso se tornou rapidamente conhecido, repercutindo em várias partes do mundo. Itamar de Paiva, então presidente da Igreja Adventista do Sétimo Dia no Sudão, narra a comoção que o crime gerou. Ele conta com detalhes a saga que foi
cruzar o globo com três caixões a bordo, passando por quatro cerimônias fúnebres, uma delas envolvendo a realeza local, ministros e ampla cobertura da imprensa. A leitura nos faz entender o ideal missionário dessa família e a razão de serem tão amados. Contudo, a grande lição dessa história é o perdão. De maneira pública, na primeira cerimônia fúnebre, a família Paiva declarou que perdoava o assassino. E, ali mesmo, os parentes das vítimas e do agressor se abraçaram e choraram juntos. Posteriormente, os avós maternos e paternos de Melissa enviaram uma Bíblia e livros religiosos para o presídio em que Justin cumpre prisão perpétua. Durante 12 anos, ele refletiu no que lia, até que pediu perdão a Deus pelo que havia feito e decidiu seguir Jesus. Justin abraçou a fé adventista e foi batizado. Hoje, mesmo dentro do presídio onde deve permanecer até sua morte, ele organizou uma capela para adorar a Deus e ensinar a outros presos sobre o amor que liberta. Bem longe dali, a menina que perdeu toda a família no fim da infância reergueu-se com a ajuda dos avós paternos e cresceu nos Estados Unidos, onde graduouse em Enfermagem e se casou com um pastor. Porém, ela também precisava ter seu encontro libertador. E isso aconteceu no presídio de Palau, 15 anos depois da tragédia, cara a cara com o assassino de sua família. Após tragédia irreparável, por uma pequena fração de tempo, dentro e fora das grades, vítima e agressor tiveram o mesmo ponto de encontro: a libertação. JUL-SET
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Guia de profissões
Texto Theillyson Lima Ilustração © TeraVector | Adobe Stock
ARQUITETURA E URBANISMO A profissão que utiliza cálculos, criatividade e a análise socioambiental para modificar espaços e construir edificações
PERFIL PROFISSIONAL
Algumas competências necessárias para atuar nesse ramo são: domínio artístico, criatividade, consciência socioambiental, sensibilidade e interesse multidisciplinar. Responsabilidade, atenção aos detalhes e conhecimento das tendências de mercado são características relevantes também para se construir uma carreira de sucesso. Assim como ocorre em relação a inúmeras profissões hoje, arquitetos e urbanistas precisam desenvolver a habilidade de trabalhar em equipe, porque lidam com profissionais, tarefas e técnicas variadas.
MATRIZ CURRICULAR
É ampla e contempla muitos campos do conhecimento, como matemática, tecnologia, artes, história, sociologia e política. No núcleo mais específico, o aluno estuda disciplinas como arquitetura de interiores, desenho, história da arte, topografia, urbanismo e paisagismo. No Unasp, destaca-se a infraestrutura de ateliês para a prática de desenhos e projetos, além de laboratórios de informática, topografia, estruturas, materiais e uma maquetaria digital. Existe ainda a possibilidade de o aluno trabalhar em projetos reais de empresas do setor.
ONDE ESTUDAR Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp) Engenheiro Coelho (SP) R$ 1.127,00 Diurno e noturno, dez semestres unasp.br São Paulo (SP) R$ 892,05 (bacharelado) noturno, dez semestres unasp.br
ÁREAS DE ATUAÇÃO
A arquitetura é uma das profissões mais antigas da humanidade, mas sofreu adaptações, ao longo dos séculos, de acordo com as necessidades humanas, condições materiais e transformações das sociedades. No Brasil, a formação em Arquitetura passou a ser oferecida paralelamente à de Engenheira Civil, no começo do século 19. O cotidiano de um arquiteto envolve projetar, supervisionar e executar obras de edificações; trabalhar com reformas e restaurações, além de atuar no controle e planejamento do espaço como urbanista, paisagista e designer de interiores. No contexto acadêmico, Arquitetura e Urbanismo estão na área de ciências sociais aplicadas. O símbolo utilizado para representar a profissão é o compasso sobreposto a um esquadro, objetos que fazem parte da história dessa área e que representam retidão e precisão.
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É diversificada e inclui projetos de arquitetura, urbanismo, paisagismo, design de interiores, iluminação, acústica, restauração, acompanhamento e administração de obras, topografia, desenho de mobiliário, modelagem da informação da construção (BIM), visualização arquitetônica em 3D, design gráfico, além da área de docência e pesquisa acadêmica. Contudo, a maior parte dos profissionais trabalha como autônomos ou funcionários de uma empresa específica. Trata-se de uma área muito dinâmica, que exige criatividade e atualização constante.
REMUNERAÇÃO
A remuneração média mensal de um arquiteto no Brasil é R$ 4.823,00. E as regiões que melhor pagam são o Distrito Federal, Rio de Janeiro e Amazonas. Já as especialidades mais valorizadas são a de arquitetura urbanística e de edificações.
Fontes: Jussara Bauermann, mestra em Design pelo Centro Universitário Ritter dos Reis e coordenadora do curso de Arquitetura e Urbanismo do Unasp; sites guiadacarreira.com.br, querobolsa.com.br e catho.com.br.
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