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PERGUNTAS

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NA CABECEIRA

NA CABECEIRA

Básica

Texto Bruno Ribeiro

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Imagem Vandir Dorta Jr.

Os hebreus não enxergavam o ser humano dividido entre corpo e alma, mas como um ser integral

CORPO E ALMA

Pouco antes de morrer, Sócrates fez um provocativo discurso sobre o status da alma, descrito por Platão na obra Fédon. Segundo a obra, Xantipa, esposa de Sócrates, o filho deles e um grupo de amigos estavam angustiados com a situação. Mas o humor de Sócrates era “uma mistura incomum de prazer e dor”, pois ele parecia feliz e sem medo. E por qual razão? Sócrates explica que o verdadeiro filósofo deve estar preparado para a morte, visto que ela consiste na separação entre o corpo e a alma.

Para Sócrates, o corpo era uma prisão em que sua alma estava confinada. Segundo ele, corpo e alma seriam de substâncias radicalmente opostas entre si, pertencentes a duas realidades distintas e completamente diferentes. Sendo assim, a mente humana seria compelida a investigar a verdade por meio do corpo, mas reconhecendo que não conseguiria acessar o conhecimento daquilo que é mais elevado, pois isso estaria restrito à alma. Portanto, caberia ao filósofo o exercício de entender a essência das coisas por meio da reflexão, enquanto a alma não se separasse definitivamente do corpo.

Essa perspectiva socrática teve influência em todo o Ocidente. Por exemplo, a sociedade valoriza mais o trabalho intelectual (alma), como o ensino e o jornalismo, do que o trabalho físico (corpo), como a jardinagem e a limpeza. Além disso, há no imaginário coletivo a tentativa de controlar de forma radical qualquer apetite, uma vez que impulsos como esse são vistos como irracionais e prejudiciais. Por fim, o cuidado do “mundo interior” é entendido como mais importante do que o cuidado com o corpo.

Contudo, a perspectiva socrática é o oposto da integralidade apresentada pela Bíblia. Na narrativa bíblica, o mundo físico não é algo mau que deva ser rejeitado, mas algo para ser desfrutado. Não é uma manifestação do mal, embora tenha sido contaminado por ele, e sim um reflexo da glória de Deus (Sl 19).

O corpo, por sua vez, também é bom (Gn 1) e não deve ser entendido como a prisão da alma (ver a seção Texto e contexto, p. 20-23). Ele, junto com o fôlego de vida, forma a “alma vivente” (Gn 2:7). Portanto, os seres humanos são um organismo indivisível entre carne e espírito, de tal modo que a alma/fôlego de vida não pode sobreviver à parte do corpo (Ec 12:7).

Por fim, a fé cristã sustenta duas crenças centrais que apontam para essa integralidade do ser humano e para a grande dignidade do corpo: a encarnação e a ressurreição corpórea de Cristo, o que garante a ressurreição final dos justos (Ap 1:18).

Fontes: Fédon (Edipro, 2016), de Platão; Uma Breve Introdução à Filosofi a (Martins Fontes, 2011), de Thomas Nagel; Judas e o Evangelho de Jesus (Loyola, 2008), de N. T. Wright; Imortalidade ou Ressurreição? (Unaspress, 2007), de Samuele Bacchiocchi; Immortality of the Soul or Resurrection of the Dead? (Wipf & Stock Publishers, 2000), de Oscar Cullmann.

Curiosa

Texto Julie Grüdtner ESCOLHA AS CALORIAS CERTAS

Um estudo realizado com 327 adolescentes de 14 a 19 anos de Teresina (PI) mostrou que 25% da dieta deles eram baseados em alimentos ultraprocessados. Em outras palavras, era como se, a cada quatro refeições, uma delas fosse composta apenas de batata frita afogada no queijo cheddar, nachos, refrigerante e algum doce grudento. Se considerarmos que um jovem nessa faixa etária consome 2.300 calorias por dia, então 575 delas seriam desperdiçadas em gorduras ruins, realçadores de sabor e outros elementos químicos que diminuem as taxas de colesterol bom e aumentam os níveis de triglicerídeos no sangue. Na prática, além de ganhar peso e alterar vários indicadores da própria saúde, esse grupo pesquisado corre o risco de desenvolver, em médio e longo prazos, várias doenças crônicas e evitáveis, além de morrer precocemente. Os ultraprocessados são produtos que perderam água e outros nutrientes, a fim de serem fabricados de forma rápida, em escala industrial e de modo a durar mais. Ou seja, não são alimentos de “verdade”. Em casa, eles costumam sair do congelador ou geladeira diretamente para o microondas a fim de depois estacionarem na mesa. É um tipo de alimentação prática, que se encaixa bem no ritmo da vida moderna, mas que traz consigo todas as desvantagens de um hábito não saudável. Portanto, não se deixe levar por embalagens coloridas e sabores “irresistíveis”. Afinal, a receita para esse sabor realçado é o abuso de sal, açúcar e gordura, ingredientes que se tornam vilões da dieta, quando consumidos sem equilíbrio. Sendo assim, prefira alimentos frescos e pouco processados.

Fontes: Agência Bori (abori.com.br); o artigo “Associação entre o consumo de alimentos ultraprocessados e parâmetros lipídicos em adolescentes”, de Laurineide Rocha Lima e outros, em Ciência & Saúde Coletiva, v. 25, nº 10, outubro de 2020, p. 4055-4064; e Alicia Kowaltowski, professora de bioquímica na USP, em sua coluna no Nexo Jornal, em 23 de setembro de 2020.

RELIGIÃO À MESA

Os hábitos alimentares de um povo não resultam apenas do instinto de sobrevivência nem da necessidade humana por alimento. A herança cultural, o que inclui a religião, também pesa muito na escolha do cardápio. Nesse sentido, as tradições apresentam algumas restrições e recomendações quanto à dieta de seus adeptos. É verdade que o nível de adesão a essas orientações vai variar bastante; porém, de modo geral, as três maiores religiões do mundo prescrevem o seguinte:

Hinduísmo A dieta hinduísta tem por base, predominantemente, o princípio da não violência ou o fundamento ahimsa. Para os hindus, o vegetarianismo é a melhor forma de promover a saúde e minimizar o sofrimento dos seres vivos. No entanto, não há expressa proibição de consumo de carne, exceto a bovina, por ser de animal considerado sagrado nessa tradição. Atualmente, a adesão ao vegetarianismo entre os hindus está diminuindo – fato que parece ter relação com certa “ocidentalização” da Índia e que tem se refletido no aumento de algumas doenças. O hinduísmo também possui complexas regras sobre a prática do jejum, que variam conforme a divindade venerada.

Islamismo Na cultura islâmica, o halal e haram representam as permissões e as proibições impostas aos seus adeptos. Tais determinações, fundamentadas no Alcorão, incluem diversas regras alimentares. Na dieta islâmica, anfíbios, répteis, animais carnívoros, aves de rapina e noturnas, porcos e seus derivados são considerados alimentos proibidos. Além disso, sobre as carnes permitidas, é necessário que os animais sejam abatidos de acordo com os preceitos islâmicos. Também há ressalva quanto ao consumo de bebidas alcoólicas. Entre os alimentos permitidos, destacam-se: leite de vaca, ovelha, camela ou de cabra, peixes em geral, mel, vegetais, hortaliças, frutas frescas, legumes e grãos.

Cristianismo Para os cristãos, os hábitos alimentares variam conforme a tradição a que se pertence. A Igreja Católica, por exemplo, recomenda o uso moderado de qualquer alimento, inclusive de bebidas alcoólicas. Exceção apenas para a proibição de consumo de carne vermelha na quarta-feira de Cinzas e na sexta-feira que precede a Páscoa. A Igreja Internacional da Graça de Deus proíbe, tão somente, o uso de bebidas alcoólicas. Já os adventistas, não fazem uso de bebidas intoxicantes nem de alimentos considerados imundos pela Bíblia (Lv 11), como a carne de porco e os frutos do mar. Além disso, há um incentivo para se evitar carne de qualquer espécie e se consumir alimentos mais naturais possíveis. Para os adventistas, o corpo humano é templo do Espírito Santo (1Co 6:19) e a adoção de um estilo de vida simples e saudável é fundamental para a promoção da saúde e da espiritualidade (3Jo 2).

Fontes: Declarações da Igreja (CPB, 2012), p. 67 e 271; A Ciência do Bom Viver (CPB, 2009), p. 335; Alcorão: 2:172, 173; 5:3, 90; 6:118, 121, entre outros (Islam International Publications, 1988); What Is Hinduism? (Himalayan Academy, 2007), p. 343-349; Vegetarian and Plant-Based Diets in Health and Disease Prevention (Academic Press, 2017), p. 107-116, de François Mariotti (ed.); artigo acadêmico “Nutritional profi le of Indian vegetarian diets – the Indian Migration Study”, em Nutrition Journal 13, 55 (2014), de K. Shridhar, P.K. Dhillon, L. Bowen et al; “Religião e Comida: Como as Práticas Alimentares no Contexto Religioso Auxiliam na Construção do Homem”, dissertação de mestrado em Ciências da Religião (PUC-SP, 2014), de Patrícia Rodrigues de Sousa; discurso do papa João Paulo II, em 22 de novembro de 1978 (vatican.va); e site ongrace.com.

DO HÁLITO AOS HÁBITOS

Hálito É o nome que se dá ao odor que sai da nossa boca quando expiramos o ar. E, no caso de aproximadamente 40% da população mundial, esse cheiro nem sempre é dos mais agradáveis! Tecnicamente chamado de halitose, o bafo não é considerado uma doença em si, mas pode sinalizar que há alguma coisa errada no organismo, seja na boca ou no estômago. O mau hálito é causado também pela ingestão de alguns tipos de alimentos ou quando passamos algum tempo em

Jejum Seja total ou parcial, é uma prática presente em muitas religiões, especialmente no islamismo e no judaísmo. Mas, além do seu significado religioso, o jejum tem sido praticado hoje também por razões de saúde. Embora seja preciso ter cuidado com algumas dicas milagrosas propagadas na internet, há estudos científicos que mostram que seus benefícios para o organismo não se limitam à perda de peso. Aliás, cerca de 2,5 mil anos atrás, já havia quem receitasse o jejum, a exemplo de

Hipócrates Considerado o pai da medicina no Ocidente, o filósofo e médico grego foi um visionário que descobriu maneiras de cuidar da saúde que seriam comprovadas muito tempo depois pela ciência moderna. De lá para cá, a medicina deu um salto, obviamente, mas alguns segredos hipocráticos continuam válidos, como caminhar, fazer do alimento um remédio e evitar os excessos, até do que é bom. O método de Hipócrates era observar os pacientes e comparar seus

Hábitos Dizem respeito ao que é praticado repetidamente. Já no singular, também pode significar uma vestimenta religiosa. É verdade, como diz o ditado, que “o hábito não faz o monge” (embora o escritor José de Alencar tenha defendido o contrário). Mas os “hábitos” no plural, sim. Eles revelam nossos valores e podem definir, inclusive, nosso hálito. Então, porque não adotar boas práticas que foram prescritas por Deus muito antes de Hipócrates? Quem sabe, o jejum de algumas coisas possa ajudar você a substituir maus hábitos por atitudes mais saudáveis.

Fontes: “Mau hálito: entenda quais são as principais causas do problema”, portal UOL (bit.ly/3dpASOz); “Mau hálito atinge 40% da população mundial; saiba como tratar”, blog do Ministério da Saúde (bit.ly/2H5UT0g); dicionário Houaiss; “O juramento deHipócrates que todos deveriam fazer”, revista Seleções (bit.ly/2FL9vlz); “O hábito faz o monge: história”, jornal Correio Braziliense (bit.ly/2Tfmu1S).

... o Brasil sem o REDEMOCRATIZAÇÃO, 1988. Nesse ano, o Brasil ganhou uma nova constituição. Outra conquista foi o Sistema Único de Saúde (SUS). A ideia de um sistema de saúde público e gratuito foi discutida na 8a Conferência Nacional de Saúde, em 1986, logo após o fim de 21 anos de ditadura militar, com SUS participação de especialistas e da sociedade. O resultado desse debate foi tão positivo que inspirou os artigos 196 a 200 da nova constituição, consolidando a noção de que o acesso ao atendimento de saúde é um dever do Estado e direito do cidadão.

O SUS é considerado atualmente o maior sistema universal de saúde pública, oferecendo desde atendimento básico até procedimentos complexos, como transplante de órgãos. Com a pandemia do novo coronavírus, o SUS passou a ser mais utilizado e, com isso, a confiança nele aumentou significativamente: de 45 para 56 pontos, segundo o Índice de Confiança Social do Ibope Inteligência, medido entre julho de 2019 e setembro de 2020. Mas, afinal, como seria o Brasil sem o SUS?

ATENDIMENTO LIMITADO As críticas mais recorrentes ao SUS são a falta de recursos financeiros e de profissionais, além da má gestão, que costuma resultar em filas intermináveis para atendimento e realização de exames. Os recursos financeiros do SUS vêm de impostos, e há anos o sistema é subfinanciado. Em 2018, o Estado gastou 5,2 mil reais por pessoa em saúde, isso é 1/3 do que países com bons sistemas de saúde pública investem, como é o caso do National Health System (NHS) do Reino Unido, que serviu de inspiração para o SUS. O ponto é que a população do Brasil (210 milhões) é três vezes maior que a britânica (66 milhões). Portanto, comparativamente, o SUS faz milagres com o que recebe.

Apesar das dificuldades financeiras, nosso sistema de saúde tem como objetivo atender os mais vulneráveis social e financeiramente. Sem ele, o Brasil cairia num sistema privado de saúde, como já existiu. Antes do SUS, somente algumas profissões tinham assistência com os recursos particulares de arrecadação; depois, somente pessoas com carteira de trabalho assinada tinham direito ao atendimento médico, o que excluía, por exemplo, os trabalhadores rurais e informais. Para esses que ficavam de fora da cobertura, a solução era pagar pelo atendimento ou recorrer às entidades filantrópicas, como as Santas Casas de Misericórdia. Um sistema exclusivamente privado de saúde excluiria os mais necessitados, não cobriria todo o país e, sem regulamentação, não ofereceria consultas e exames mais baratos. POPULAÇÃO MAIS ENDIVIDADA O drama da pandemia nos Estados Unidos também mostrou a importância de um SUS que funcione bem. Lá não existe um sistema público e gratuito de atendimento. As opções são contratar um plano de saúde individual (que é caro), conseguir um emprego que ofereça o plano de saúde (156 milhões de pessoas estão nessa condição), pagar tudo do próprio bolso (o que pode levar à falência) ou ter a sorte de passar pela restritiva seleção do Medicare (pessoas com mais de 65 anos) ou do Medicaid (pessoas de baixa renda), os dois programas assistenciais do governo.

A questão é que nenhum plano cobre todas as despesas, nem os do governo. Além disso, as empresas privadas cobram pelos remédios e por uma franquia (que aumentou 162% desde 2012, pois não há regulamentação). O hospital pode rejeitar o atendimento se o paciente não tiver plano (realidade de 30 milhões dos americanos ou 10% da população). No contexto da pandemia, em que o diagnóstico e um tratamento da Covid-19, sem agravamento do caso, poderiam custar 30 mil reais, milhões de desempregados ficaram ainda mais vulneráveis. Entre 2013 e 2016, 66,5% dos pedidos de falência nos Estados Unidos estavam relacionados com dívidas de saúde, o que representava 530 mil famílias. Na Índia, país em que 70% dos gastos com saúde são pagos pelos pacientes, a dívida com despesas médicas é responsável por jogar 7% da população para baixo da linha de pobreza. MENOR CONTROLE DAS DOENÇAS O modo como o SUS está organizado faz com que o sistema cubra todo o território nacional, atendendo atualmente mais de 100 milhões de brasileiros. É verdade que o tamanho desse sistema faz da sua eficácia um grande desafio; mas, por outro lado, pelo fato de ser integrado, o SUS tem a possibilidade de gerenciar melhor informações que ajudam na prevenção e controle de doenças, inclusive de epidemias, como a dengue, zika e chikungunya.

Outra vantagem é que os agentes de saúde e de controle epidemiológico podem fazer um trabalho de base dentro do próprio bairro, conhecendo e sendo conhecidos pela comunidade local. Além disso, o SUS também tem sob sua responsabilidade o financiamento de pesquisas sobre epidemias (por vezes em parceria com universidades), que ajudam o governo a avaliar o risco de surtos. E, por sua vez, o Programa Nacional de Imunização oferece gratuitamente todas as vacinas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

Em resumo, a criação do SUS desempenha papel fundamental para aumentar a expectativa de vida e diminuir a mortalidade infantil no Brasil. Na pandemia, ele também fez toda a diferença. O SUS possibilitou que a campanha de vacinação contra a gripe fosse adiantada, que a parceria com o setor privado fosse acionada para o fornecimento de mais leitos de UTI e que os protocolos de atendimento nas unidades básicas de saúde fossem reorganizados. Sem falar no teste da Covid-19 disponibilizado gratuitamente. Esse teste custa entre 2 e 5 mil reais nos Estados Unidos.

Os números do SUS mostram um sistema robusto, que deve ser melhorado, mas não extinto. Afinal, bem ou mal, ele atende 80% da população brasileira ou 168 milhões de pessoas por meio de 41 mil equipes do Programa Saúde da Família, 264 mil equipes de saúde comunitária e milhares de unidades do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). Além disso, realiza 90% dos transplantes no Brasil, o que faz dele o maior programa público dessa natureza no mundo.

Desde 1988, o atendimento de saúde tem sido entendido como parte do pacto social no Brasil, ou seja, um direito dos cidadãos, diferentemente dos Estados Unidos, em que o acesso à saúde é regido pela lei do livre mercado. Para Hagop Kantarjian, médico e chefe do departamento de leucemia da Universidade do Texas (EUA), matar financeiramente o paciente é igualmente uma forma de desrespeitar o juramento de Hipócrates, o código de ética que os médicos se comprometem a cumprir. Portanto, entender o funcionamento do SUS é fundamental não somente para valorizá-lo num contexto de tanta desigualdade como o brasileiro, mas também para aperfeiçoá-lo por meio dos mecanismos disponíveis ao cidadão, como o voto.

Fontes: “O que é, de onde veio e para onde vai o SUS”, dossiê de Estêvão Bertoni e outros, no Nexo Jornal, em 28/04/2020 (nexojornal.com.br); “Sem SUS, sem saída, sem vida”, artigo de Paula Moura para a revista Piauí, em 29/08/2020 (piaui. folha.uol.com.br); “O lado oculto das contas de hospital”, artigo de Cristiane Segatto para a revista Época, em 21/05/2014 (epoca.globo.com). “O Brasil é único com ‘SUS’ entre países com mais de 200 milhões de habitantes”, no jornal Folha de São Paulo, em 19/10/2019 (folha. uol.com.br); “Coronavírus prova porque o SUS e a pesquisa universitária realmente importam”, artigo de Yuri Ferreira, no site Hypeness, em março de 2020 (hypeness. com.br); “SUS completa 30 anos: a importância durante a pandemia e os desafi os no futuro”, artigo de Anna Satie para a TV CNN Brasil, em 19/09/2020 (cnnbrasil.com.br). jan-mar 2021 | 27

Mude seu mundo Texto Evelyn Apolinário e Thiago Basílio Ilustração Gabriel Nadai Lição de vida Aprenda Na cabeceira Guia de profissões

MUDANÇA SEM SAIR DE CASA A história da família que perdeu quase 50 quilos por incentivo de videoaulas de educação física

NINGUÉM PREVIU 2020 nem as limitações que a pandemia traria. Fomos confinados em nossos lares como forma de prevenção ao contágio do coronavírus, que até o fim do ano passado havia ceifado 1,8 milhão de vidas ao redor do mundo. E, com a nova dinâmica em casa, as famílias tiveram que adaptar sua rotina e seus recursos, conciliando, sob o mesmo teto, as atividades e necessidades de cada um. Um grupo especialmente afetado foi o dos estudantes, que, como sabemos, ficaram impossibilitados de frequentar aulas presenciais, tendo que aprender somente de forma remota, pela internet. As escolas também tiveram que mudar metodologias e formas avaliativas, usando boa dose de criatividade para oferecer aulas relevantes e atraentes.

Foi o caso da professora Juliana Martins de Lima, que leciona educação

física no Colégio Adventista de Tatuí (SP). Como todos nós, ela se deparou com uma realidade cheia de novidades e interrogações. Desafiada a ministrar aulas e exercícios à distância, Juliana improvisou materiais e usou o espaço que tinha disponível em casa, sempre pensando em como aquela tarefa poderia ser executada pelos alunos na casa deles.

Porém, cada estudante tem sua realidade, tanto de horário quanto de espaço, o que pode dificultar a prática de atividades físicas num ambiente fechado. Mesmo assim, a professora conseguiu encontrar uma forma de fazer a diferença na vida de alunos e pais num momento tão delicado para todos.

ORIENTAÇÃO À DISTÂNCIA

Foi desse jeito que toda a família de Samuel Victor Almeida Oliveira, de 12 anos, um dos alunos de Juliana, conseguiu enxergar no período de isolamento social uma oportunidade de mexer o esqueleto, suar a camisa e cuidar melhor da saúde. O momento pedia mudanças de hábitos. Afinal, no início do ano letivo, quando as atividades ainda eram presenciais na escola, Samuel foi diagnosticado com obesidade grau 2.

É aí que entram as aulas de educação física on-line nessa história. “Eu precisava gravar videoaulas e decidi trabalhar com os oito remédios naturais recomendados pela educação adventista. Por isso, criei um canal no YouTube e passei a mandar o link dos vídeos para os alunos. Foi nesse contexto que o projeto com o Samuel começou”, lembra Juliana.

Em outubro, o IBGE divulgou a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), que revelou dados alarmantes: o sobrepeso atinge 96 milhões de adultos ou 60,3% da população brasileira. E, entre os adolescentes de 15 a 17 anos, o excesso de peso é a condição de 1,8 milhão ou 19,4% deles, enquanto a obesidade acomete 6,7% dos jovens nessa faixa etária.

É razoável imaginar que esses dados foram agravados na quarentena, pois o tempo de reclusão em casa favoreceu o descuido com a alimentação, desde a quantidade e o tipo de comida que se ingeria até a falta de disciplina quanto aos horários das refeições. Além disso, muita gente se sentiu FAÇA VOCÊ MESMO desmotivada ou impossibilitada de manter Na impossibilidade de ir para a acadeuma rotina de exercícios, seja frequentan- mia ou de frequentar aulas presenciais de do a academia ou espaços públicos, como educação física, a família Oliveira e a parques, praças e praias. professora Juliana demonstraram que é

Contudo, na contramão desse cenário, possível se exercitar em qualquer lugar Samuel tomou uma decisão importante: e a qualquer momento. Fazendo as “Eu queria mudar de vida, queria come- adaptações necessárias, praticamente çar a perder mais peso e ter uma rotina tudo pode se tornar equipamento de normal.” E isso foi possível porque ele treino. O que faz dessa mudança de vimelhorou sua alimentação e da algo viável para pessoas de seguiu as orientações da professora Juliana em relação aos Para saber mais todas as idades e condições financeiras. exercícios físicos. Porém, é importante con-

O interessante de tudo is- A história da tar com as orientações de so é que Alex e Aline, pais do família Oliveira um profissional, ainda que à Samuel, também toparam o de- foi contada distância, como a professora safio e aproveitaram o período também pela Juliana, além de tomar certos para, juntos, transformar de vez a realidade familiar. “Eu pesava 90 quilos, o Alex chegou aos 106 TV Tem, afiliada da Rede Globo no sudoeste paulista. Você cuidados, como fazer alongamentos antes e depois da série e prestar atenção aos limites do quilos e o Samuel tinha 80 qui- pode conferir a próprio corpo. E, com o tempo, los. Começamos a praticar mais reportagem por o prazer de ter mais vitalidade atividades físicas e mudamos ra- meio do e disposição acaba servindo de dicalmente nossa alimentação”, QR Code abaixo combustível para a manutendestaca Aline. ção do novo hábito. A mudança representou a TRANSFORMAÇÃO perda de 51 quilos para a fa-

A mudança na dieta envolveu mília Oliveira, entre outros beconsumir porções menores e nefícios. Samuel, por exemplo, optar por alimentos naturais Se quiser perdeu seis quilos, Alex, 24, e e integrais. Resultado: o apetite e saber também Aline, 21. “Quando eu soube o paladar da família foram se como adotar os dessa transformação, foi muito modificando. Os exercícios fí- oito remédios emocionante. Eu realmente vi sicos também surtiram efeito, melhorando a disposição deles e gerando perda de peso de monaturais, acesse no código abaixo a série preparada que, mesmo em meio à pandemia e à distância, pude fazer diferença na vida dessa família”, do saudável. pela rede comemora Juliana.

O segredo foi adaptar os trei- educacional Atualmente, a família do nos com a rotina de cada um. adventista Samuel mantém sua rotina Por exemplo, Samuel se exer- saudável com alimentação citava com a mãe após as aulas equilibrada e está até fazendo on-line, no fim da manhã, e parte de um grupo de corrida depois os dois repetiam a série na pequena cidade de Torre com o pai, quando ele chegava de Pedra, onde eles moram em casa no fim da tarde. Outro no interior paulista. A famífator importante foram as dicas práticas lia também costuma incentivar outras e funcionais da professora Juliana. “Ela foi pessoas a adotar os oito remédios nafundamental nesse processo, pois os víde- turais ensinados há décadas pela Igreja os dela eram muito simples. A professora Adventista e sua rede educacional. Mais adaptava os exercícios pra gente fazer em do que vencer a balança, eles aprenderam casa, fosse usando garrafas pet e de leite, cai- a valorizar o que realmente importa, xotes, cordas ou o peso do próprio corpo”, como um tempo diário de qualidade explica a mãe. em família.

Maratonista anão corre para vencer preconceitos, NASCIDO PARA conquistar seus sonhos e ajudar o próximo SER GRANDE

AOS 29 ANOS, Matheus Freitas é uma daquelas pessoas que sabe bem o que quer. Anda seguro, com passos firmes e autoestima bem resolvida. Se sua altura não impressiona, outras qualidades o destacam em meio à multidão. Mas nem sempre foi assim. Ao nascer, ele deixou sua família surpresa. Tão pequenino... Matheus havia nascido com uma deficiência nos membros inferiores, e os médicos trataram de deixar seus familiares avisados: ele seria bem diferente de seus irmãos. Um anão.

Nanismo é o transtorno caracterizado por uma deficiência no crescimento, que resulta numa pessoa com baixa estatura, se comparada com a média da população da mesma idade e sexo. É uma condição física que, salvo raríssimas exceções, não muda em nada a capacidade intelectual dos portadores, que podem levar uma vida normal e com boa qualidade. Porém, a tal definição de “vida normal” e com “boa qualidade” ignora uma das principais dificuldades enfrentadas pelos anões: o preconceito.

BULLYING NA ESCOLA

Desde cedo, Matheus teve que lidar com o bullying e a implicância de seus colegas de escola e da sociedade em geral. Existe uma noção equivocada de que há algo de engraçado no cotidiano de um anão, fruto da discriminação social estrutural. Naturalmente, esse é um mundo moldado por e para pessoas de estatura convencional. Por isso, muitas vezes, os anões precisam de ajuda para realizar tarefas simples, como utilizar o transporte público, alcançar os produtos nas prateleiras do supermercado, e por aí vai. São pequenas grandes dificuldades do dia a dia que não precisavam ser ironizadas e transformadas em piada.

Na escola, Matheus sempre era o último a ser escolhido para os times no esporte e para os trabalhos em grupo. Por sinal, somente entrava porque os professores obrigavam

os colegas a incluí-lo. Diante da rejeição, o garoto mal sentia vontade de ir pra escola (e quem sentiria?). Para ele, parecia complicado demais entender sua deficiência física o suficiente para conciliá-la com a deficiência emocional daqueles que o olhavam torto. Por que a humanidade se esforça tanto para diminuir ainda mais aqueles que já são por natureza pequenos?

Foi em Deus e na sua mãe que Matheus encontrou forças para seguir em frente. Carinhosa, ela sempre o colocava para cima, mostrando os verdadeiros valores que deveriam nortear sua vida. O que as pessoas diziam sobre sua aparência e capacidade não equivalia ao que de fato ele era ou ao que poderia realizar. “Filho, o mundo pode dizer quem você deveria ser. Porém, Deus o fez para ser grande.” De fato, grandeza nem sempre tem que ver com estatura.

CORRENDO ATRÁS DOS SONHOS

Apesar de ter encontrado hostilidade no ambiente esportivo na escola, nem por isso Matheus desistiria dele. Ele podia muito bem ser o último a ser escolhido para o time, mas ainda assim estaria lá, jogando. Com o tempo, ele foi se envolvendo em outras modalidades e aprendendo mais sobre seu corpo e a cuidar da autoestima. Em 2002, Matheus se apaixonou à primeira vista pela corrida de rua e tomou para si um desafio que mudaria sua vida: seria um maratonista. O garoto estava naquela fase da vida em que começamos a rascunhar quem de fato seremos no futuro. Com o incentivo da mãe, escolheu sua carreira esportiva e pesquisou maneiras de viabilizá-la. Começou, então, a intensa rotina de treinos. Porém, em 24 de outubro de 2010, Matheus se deparou com a maior dificuldade de sua vida. Sua mãe, o alicerce emocional e maior fonte de inspiração, veio a falecer. O baque foi enorme. A saudade também. Por mais difícil que fosse, ele agora precisava seguir em frente. Seu sonho não se realizaria sozinho e, mais do que um desejo seu, esse era também o sonho de outros problemas. Ele procura levar a vida sua mãe. de boa, enxergando sua condição como

Matheus conseguiu. Já se vão mais parte do propósito divino. Algo que Deus de 18 anos como maratonista. Dezoi- permitiu, a fim de que tanto ele quanto to também são os títulos de sua car- qualquer pessoa que o conhecesse pudesreira, além de 217 medalhas e mais de se aprender a lidar com as dificuldades da 300 corridas nacionais e internacionais vida. E, ao longo dos anos, ele tem usado disputadas com grandes atletas de elite seu exemplo para inspirar outras pessoas (e de estatura normal, um detalhe impor- a superar suas limitações. tante). Matheus já correu a São Silvestre, Foi com a mãe que Matheus aprendeu maratonas de 42 km, meia maratonas, a estender a mão ao próximo. E, inspirado entre tantas outras provas. E ele garante nela, o atleta criou o Instituto Matheus que, para ter grandes resultados, não tem Freitas (institutomatheusfreitas.com.br), outro jeito: é necessário suar a camiseta e organização sem fins lucrativos que realiza treinar duro. Força, disciplina e conheci- ações sociais voltadas para a capacitação mento não vêm do nada. pessoal e profissional, por meio de projetos

É claro que também existe preconceito educativos, esportivos e culturais em cono esporte. Na verdade, para haver pre- munidades carentes no Brasil e no exterior. conceito, basta haver pessoas. Contudo, Em outubro, por exemplo, para arrecaa partir do momento em que Matheus dar milhares de cestas básicas para famílias começou a de fato entender quem ele é atingidas pela crise econômica gerada pela e a missão que tem, tudo o mais ficou me- pandemia, ele organizou uma pedalada nor. Porque ao compreender tudo isso, ele solidária de 600 km pelo interior de São acabou ocupando seu lugar no mundo. Paulo, durante a qual ele passou por instiHoje, quanto mais as pess oas vêm tuições adventistas, como a editora pra cima dele com hostilidade CPB (foto). e deboche, mais força ele Apesar Só quem experimentou tem para superar seus limites e vencer. O atleta trabalha mentalmente de ser motivo de piada na escola, em a fome sabe a urgência e relevância de um projeto como esse. E a família com a máxima “o que casa, Matheus ouvia de Matheus já sentiu não mata, fortalece”. De todas as competições das quais já parda mãe que Deus o havia feito para isso na pele. Inclusive, é esse tipo de trabalho que dá ainda mais sentiticipou, uma em especial ser grande do à carreira inspiradora mexe muito com Matheus. que ele escolheu e pavimenta O dia em que superou quatro o legado que ele deixará. corredores de 1,70m de altura, que mui- Matheus tem uma vida normal. Seu tos disseram que ele não tinha capacidade 1,46 m de altura é um detalhe que ele usa a de vencer. Naquele dia, numa prova de 25 seu favor. Inclusive, sua bike aro 29 e quadro km na capital paulista, várias pessoas o 15.5 não tem nenhuma adaptação. Ainda aconselharam a evitar uma possível humi- assim, ele reconhece que faz parte da exlhação. Diante desse coitadismo, quando o periência humana fazer ajustes ao longo preconceito se mistura ao “cuidado” e tor- da vida para alcançar resultados melhores na o portador de deficiência uma vítima, no dia a dia. Porém, na visão dele, isso deve Matheus poderia muito bem ter desistido partir de cada pessoa. da corrida, mas ele fez (e faz) questão de Segundo o atleta, o que não falta na vida correr com pessoas de estatura normal. é gente “preocupada” conosco, querendo apontar quais são nossos limites. ContuINSPIRAR E AJUDAR do, quem deve avaliar quão reais são essas

Em nome de uma vida com qualidade, limitações somos nós mesmos. E somos desde criança, Matheus se condicionou a nós também os responsáveis por ensinar lidar com o nanismo da melhor maneira aos demais, por meio do exemplo, que topossível, sem deixar seu problema criar dos precisam ser aceitos do jeito que são.

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