Revista Entrementes Edição de Inverno

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Ano 4 - Edição 10 - Inverno de 2017 www.entrementes.com.br

CONECTANDO IDEIAS ARTE - CIÊNCIA - ESOTERISMO - FILOSOFIA

EDIÇÃO DE INVERNO ZECO RODRIGUES

O Talento e maestria na ponta do lápis

COSTA SENNA

Retrato de um artista sempre jovem

HENRI TOULOUSE- LAUTREC

O Pintor dos Cabarés, que retratou o Moulin Rouge como ninguém.

ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS

Uma análise de uma das obras mais importantes da Literatura infantil

THE WALKING DEAD (HQ)

Aspectos sociais e históricos do mundo dos mortos-vivos


Editorial Edição Inverno de 2017 Apresento-lhes a nova edição da Revista Entrementes. O frio começa a bater na nossa porta e nada como uma revista nova para ler nesse inverno. Vamos esquentar a estação com muita leitura das obras dos colunistas e colaboradores do Portal Entrementes. Nessa edição, destacamos uma matéria especial de Dalto Fidencio, sobre o desenhista, ilustrador e caricaturista Zeco Rodrigues que nos revela sua arte. Outra matéria interessante é sobre Costa Senna, onde Escobar Franelas faz um retrato desse cordelista brasileiro. Um estudo sobre o Poeta Paulo Leminski e uma análise sobre o livro “Alice no País das Maravilhas”. Artigos interessantes sobre o Grande Mestre da Pintura Tolouse Lautrec, a HQ The Walking Dead e a Banda Desbocados. Um passeio pela Lapa, cidade do Paraná. E ainda o caderno de poesia no meio da revista e a prosa sempre presente. Agradecendo sempre os colunistas e colaboradores do site - Sem eles não teríamos uma edição tão rica e um conteúdo tão especial. E agradecimento especial a Zeco Rodrigues pela arte da capa e nossas caricaturas. Conectando ideias, conectando Revista Entrementes - Edição de Inverno. Boa leitura a todos! Elizabeth de Souza

Sumário

ENTRE VERSOS E PROSAS 7- O segredo - Por Milton T. Mendonça 23 - Ladrão prevenido vale por dois - Por Marcelo Pirajá Sguassábia 28 - Arturo Rezende e os óculos - Por Ronie Von Rosa Martins 33 - A poesia não é refugio para nos acovardar - Por Joka Faria 34 - A Canoa de Antônio - Por Teresa Bendini

POESIAS 19 - Aos poetas e poetisas do Entrementes - Por Domingos dos Santos 20 - Fecha-duras - Por Elizabeth de Souza / Vou partir - Por Elizabeth de Souza / Poesia do coração - Por Joana D’Arc / Qualquer embarcação para longe - Por Germano Xavier 21 - Pensamento - Por Nunes Rios / Felicidade - Por Alexsander Prates / Consciência - Por Joana D’Arc / Pergunte a uma criança Por Jorge Xerxes 22 - Poema intraduzível - Por Luisa Fresta / O ladrão - Por Pedro Renato Paiva / Bulas de coisa nenhuma - Por Ricola de Paula / Vento sul - Por Domingos dos Santos

ENTRE FILOSOFIA 3 - Meu nome é Legião - Por Ronie Von Martins

ENTRE AUTORES 4-CostaSenna–Retratodeumartistasemprejovem–PorEscobarFranelas

ENTRE SONS 8-OsexcêntricoscausosdeSãoJosédosCampos-PorPaolaDomingues

ENTRE CULTURA 10 - The Walking Dead - Por Rodolfo Salvador

ENTRE TELAS DE PINTURA 12 - O Pintor dos Cabarés - Por Reddie Silva

ENTRE CULTURA 16 - As pílulas poéticas de Paulo Leminski - Por Germano Xavier

ENTRE VIRTUOSES

Expediente São José dos Campos, SP - (12) 98843-3067 Ano 4 - Edição 10 - Inverno de 2017 Editor e Jornalista responsável: Elizabeth de Souza MTB 0079356/SP Diagramação: Filipe Oliveira Capa: Arte de Zeco Rodrigues

24 - Zeco Rodrigues - Por Dalto Fidencio

ENTRE LIVROS E AUTORES 30 - Alice no País das Maravilhas - Por Gustavo Souza Silva

ENTRE TRILHAS E VIAGENS 35 - Caminhando pela Lapa, Paraná - Ana Maria Alcides

CANTO DA CULTURA 37 - A mestra FILOSOFIA no Canto da Cultura - Por Elizabeth de Souza


ENTRE FILOSOFIA

MEU NOME É LEGIÃO Por Ronie Von Martins

The Birth of Pegasus - Edward Burne Jones

Em nosso pacto de União, combinamos todos de pelo menos na hora da morte estarmos juntos. Levantamos todos no mesmo instante, as mazelas da anterioridade ainda fermentando suas significações precárias em nossos cérebros e sentidos. O tempo. Sabemos, todos, que nossa fragmentação mesmo que dolorida é necessária... mais que necessária, é exigida. E mesmo que saibamos da desconstrução que se opera em nosso eu, nos olhamos nos espelho. Reflexos vários. Cada um vê seu próprio rosto. Próprio? Rosto? Na dúvida de “tão vasta questão existencial” vestimos nossas outras peles; ele beija a mulher, é o bom marido, o outro corre pro trabalho, dedicado, exato, já aquele blasfema contra o mundo. Este, cínico, prefere simplesmente continuar, e de vez em quando sorrir envenenado para o cotidiano. Ligado está a sua corrente, “elástico” que estica lhe prometendo espaços ainda não alcançados mas que num único puxão o resume ao que é continuamente... Abrimos os olhos. Todos. E nos permitimos invadir pelo imediatismo mundo da imagem. Todas as ideias-imagens se resumem a um apelo de consumo.

E já nos vemos, sonâmbulos, zumbis dessa pretensa pós-modernidade. Este é seduzido pelo carro, o outro pelo livro, este outro pela mulher, linda, maravilhosa, artificial e provocante que lhe sorri eternamente no comercial... Mas devemos correr. Todos devemos correr. O tempo é uma concessão humilhante, e devemos nele, em detrimento do espírito, do corpo e do prazer, produzir o sentido para nossa existência. Produzir!!!!! Produzir nosso outro corpo, nosso novo prazer, representar nosso espírito. Verdades? Nossos conceitos, engendrar nosso pasto diário... a ruminação nossa de cada dia... Mas às vezes paramos. Traumaticamente. O fluxo normal da contemporaneidade não nos permite muita reflexão, é na ação que se desenvolve o combustível contemporâneo. Mesmo assim paramos... Paramos quando percebemos que apesar dessa imensa fragmentação de eus a que somos obrigados, ainda continuamos suscetíveis e manipuláveis a um único discurso. Percepção. E nos abraçamos todos, todos os eus de nós mesmo. A multiplural criatura humana. Todos cansados, nos esgueiramos pelas frinchas do tempo, e nos vamos constituindo em um. Se isso ainda fosse possível... Frankenstein pós-moderno... Deitamos então, um após outro, corpo sobre corpo, alma sobre alma. Conceito sobre conceito, e nos vamos reconstruindo, erigindo, à margem da fera que nos oprime, pela última vez o que, (talvez) fôssemos. E neste limbo, espaço efêmero onde o eu se encontra com seu próprio eu, nos permitamos à memória da lágrima, secas estão todas as reservas reais de água em nossos corpos-desertos... Talvez um sorriso cínico, e unidos definitivamente cancelamos a Produção. Neste instante nos permitimos a retenção, mesmo que fugaz da mais-valia. Resposta ousada e temerária ao grande Discurso. E se alguém nos perguntasse, segundos antes da última reconstituição do ser, quem éramos? Cínicos, ainda, diríamos: Meu nome é legião, porque somos muitos...

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ENTRE AUTORES

COSTA SENNA – RETRATO DE UM ARTISTA SEMPRE JOVEM Por Escobar Franelas

As primeiras citações que ouvi sobre Costa Senna são dos tempos em que eu trabalhava na redação do jornal Bem-Feito, em Itaquera, no começo da década de 1990. À época, pipocavam notícias sobre o cordelista cearense que aportara há pouco tempo na Paulicéia e já contagiava a todos com seu talento multifacetado, o sensível jogo de palavras, a presença marcante no palco, a parceria megaprodutiva com Cacá Lopes e a paixão que demonstrava por Raul Seixas, Paulo Freire, Lampião e Patativa do Assaré, entre outras. Passa o tempo e uma noite, durante um show de Edvaldo Lopes (o primeiro nome artístico de Cacá) na Funarte, ali no bairro Santa Cecília, enfim sou apresentado a Costa Senna, que naquela noite faria uma participação especial. Explicar resumidamente aqui as impressões que ele produziu neste primeiro encontro é muito difícil. Falante, arguto e direto, o Poeta (como o chamo desde o primeiro aperto de mão), provocou uma avalanche de sensações aqui. Senna era (ainda é) uma figura imantada e avassaladora. É escritor, ator, compositor, cantor e apresentador, onde um personagem sobrepõe o outro, sem que se perca as qualidades definidoras de todos esses talentos. Os anos correm, Senna incorpora alguns

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hábitos da cultura zen que, contudo, se anelam ao vulcão que impulsiona seu cérebro fértil, seus passos inquietos e suas mãos céleres, tornando-o mais e mais encantatório no panteão dos grandes cordelistas brasileiros. Em nossa amizade, logo descobrimos algumas paixões em comum e ele, sabedor de minha profunda empatia com a língua portuguesa, me convida a ler, revisar e comentar um livro de cordel que escrevera há pouco e que está em vias de lançar. Talvez ele não saiba, mas o prefácio que me encomenda naquele momento para o “Meu Milhão de Amigos” (1998), foi a primeira apresentação que fiz de uma obra literária; custou-me noites insones e mais de uma dezena de rascunhos lançados no lixo, até que uns rabiscos chegam mais próximos do que pretendia entregar a ele. Insinuo a ele que jogue fora o que escrevi, caso não o agrade ou esteja descontextualizado de sua obra. O texto, contudo, sobrevive e hoje ilustra as páginas 3 a 6 de seu belo livro. Algum tempo depois, durante uma conversa informal, ele comenta vagamente sobre uma história longa que escrevera, uma prosa fictícia. De pronto, deixo claro o meu interesse em ler, uma vez que até agora só conhecia seus en-


saios sobre Raul Seixas e seus cordéis. Senna disfarça, tergiversa, mas acaba me entregando “O Lobisomem da Avenida São João”, um calhamaço enorme, com uma trama envolvente e um final surpreendente. Paralelamente, vou acompanhando suas apresentações. Lembro-me de uma noite muito especial na cantina Pepinagallo, no bairro do Bixiga, quando desconfio - ele surpreendeu a plateia com uma performance visceral, dominado por um torpor único, emendando um poema atrás de outro, ouriçando a todos os presentes com sua rica gestualidade. Dionísio visitava a Bela Vista naquela noite de 1997, 98…. Voltemos ao lobisomem: creio que ele mesmo não estava muito convencido deste texto espetacular que tinha escrito e estava às mãos, mas me apaixonei tanto pela obra que acabo convencendo ele a deixar que eu dê uma revisada no texto. Senna dá seu ok e de lambuja, me solicita que prefacie novamente um trabalho seu. Como nesse tempo eu trabalhava numa produtora de vídeo à tarde, passamos então muitas manhãs discutindo aspectos do livro e digitando a obra. Parto demorado que deixou-me maravilhado. Foi neste período de convivência diária que observei o profissionalismo do artista. Ele podia dormir pouco ou nada, mas nunca se atrasava. Às vezes saía de um evento no meio da madrugada, mas às 8 da matina já estava em meu portão. O processo todo demorou uns 4, 5 meses... Ainda assim, ele demorou mais de dez anos para lançá-lo. “O Lobisomem da Avenida São João” é daqueles livros que fantasio levar às telas. O enredo é um emaranhado fantástico sobre um galante cidadão que traz uma maldição: é um lobisomem. E essa condição faz com que viva várias situações controversas e surpreendentes, para ele e quem aparece em seu caminho. Surpreende neste texto de Senna a trama tecida entre o real e o imaginário, cujo desfecho é inusitado. Conhecer e conviver com Costa Senna, é uma grande fortuna, lição cultural e humana que tenho levado em minhas experiências. Abordado pela sorte extrema, pude contemplar o Poeta em seus vórtices criativos, momentos de nirvana

várias vezes. Lembro, por exemplo, de certa manhã um pouco fria, onde estávamos sentados na sala de casa, tomando goles homéricos de café e digitando um trabalho. Ele encanou com uma frase que a seu ver estava mal elaborada, deixando a sua composição com um ritmo manco. Eu, em minha devoção simplória, estava achando tudo muito bom, maravilhótimo, e ele inquieto, repetindo baixinho diversas possibilidades de arrumação para o verso de arremate. Até que, alterando a ordem de duas ou três linhas anteriores, surge uma nova rima e então, após mais de meia hora lutando contra uma única palavra, ele enfeixa um novo terceto e fecha a poesia na qual estivera laborando tanto tempo. Após estes encontros, ocorridos principalmente entre 1997 e 1999, passamos muitos anos nos encontrando de forma mais pontual, ele viajando cada vez mais por esse brasilzão-de-meu-deus, eu na minha aldeia, Sampa, da qual pouco saio. Sua parceria com Cacá Lopes, que vinha de longa data, e com o qual ele desenvolvia vários projetos principalmente dentro de escolas, orientava-se cada vez mais para o ativismo pedagógico. Vieram assim textos sintomáticos como “Como Nascem os Provérbios”, “4 Temas Sociais”, “Pelo Amor da Natureza”, “O Doido” e “Raul Seixas Entre Deus e o Diabo”, onde o predomínio é o da consciência cidadã, a preocupação com o social e o cuidado com o humano que vive em cada um de nós. O distanciamento começa a me preocupar. Certa vez encontrei-o na estação Palmeiras-Barra Funda

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do metrô e ele me presenteou com um CD novo. Fico sem graça, nem comento que não sabia que ele tinha lançado trabalhos inéditos. No início do século 21, o nosso ponto de encontro mais regular passa a ser a internet e com o avanço das redes sociais, entabulamos diálogos interessantes e compartilhamos agendas. Passamos a acompanhar melhor (mesmo que fisicamente de longe) os trabalhos um do outro. Percebo que Senna continua agregando graça e qualidade ao seu trabalho. Ele aprofunda as relações humanas e artísticas com cabeças do naipe de Marco Haurélio e Júbilo Jacobino. Organiza o sarau Bodega do Brasil, faz shows, escreve com afinco, dedica-se ao estudo do violão, passa a cantar, não para de trazer à luz livros (inclusive literatura infantil) e CDs inéditos, amplifica a amizade com a rapaziada do hip-hop. Em 2011 viajo com o Poeta até Ilhabela, no litoral norte de São Paulo, para um único show dele numa escola. Ele, tal qual uma Xerazade moderna, vai costurando um conto, um poema, um causo, enrodilhando um enredo em outro, num ritmo peculiar de encantamento e sedução. A plateia ávida, absorvida de tal forma pelo anfitrião, aceita a loquacidade do autor/ator e deixa-se comover pelo frenesi contínuo. O evento termina e não dou conta de tanta gente

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que disputa seus livros, cordéis e CD. O carismático artista seduzira a plateia. Fica latente a devoção e o carinho pelo seu trabalho. O fruto mais recorrente de seu ativismo, porém, vem nas expressões que ouço sempre nos saraus, cantorias e shows que frequento, onde há sempre um elogio, menções efusivas pelo prazer de sua companhia, vontade de empreender projetos em parceria com o Poeta. Um querer conviver mais e mais com a personalidade generosa de Costa Senna. Aquilo que Cazuza chamava de “inveja criativa” - vontade de imitar o gesto novo ou a criação genial - para nós, admiradores dele, tem a ver com seu talento sempre à procura da lavra nova a ser explorada, sua postura ética, o discurso coerente e a coesão de suas ideias. Poder saudá-lo à porta das seis décadas de vida densa e rica, vendo-o cada vez mais produtivo, mais ardiloso, mais menino, é o presente que ele me oferece, quando deveria ser o contrário. Tim-tim, Poeta! Um brinde ao seu talento: humano e artístico. O livro Costa Senna – 60 Vezes Eu (do qual este texto faz parte), pode ser encomendado em (11) 3255-1568 / 98805-9171 com o autor. Mais detalhes em: http://jornalcentroemfoco.com.br/wp/arquivos/1906 Imagens: Jubilo Jacobino, Sueli Kimura e do facebook CS


ENTRE VERSOS E PROSAS

O SEGREDO Por Milton T. Mendonça

Romeo and Juliet - Henri Pierre Picou

A madrugada estava fria, nuvens baixas encobriam o pequeno vilarejo, não se enxergava nada além de alguns passos. Madalena caminhava encostada à parede com medo de ser vista por algum retardatário, o adiantado das horas a constrangia. Precisava se mudar - pensou exasperada - não aguentava mais aquele lugar onde o passatempo predileto era a vida alheia. Mudar-se para a cidade grande, essa era a única maneira, só assim poderia dar vazão ao seu desejo secreto. Aquela noite fora maravilhosa - sorriu ao se lembrar. Correu abaixada, atravessou o descampado passando a ponte e parou na esquina antes de virar. Perscrutou a noite e não viu ninguém, tirou o xairel da cabeça que pegara na estrebaria, à porta da cidade e escondeu, entrando silenciosamente em sua residência. O cachorro amarelo pulou em seu peito a assustando, quase a fazendo gritar. Afastou-o olhando para dentro atenta, todos dormiam, o silêncio era tranquilizador. Esgueirou-se para o quarto fechando a porta atrás de si, estava exausta. O suor escorria pela face rubra, descendo pelo pescoço e desaparecendo em seus seios fartos. Tirou a roupa e se deitou sobre a colcha de retalhos. O sono a levou pelas mãos adormecendo sua consciência. Acordou sobressaltada com o sol queimando sua pele. Levantou-se apressada, se vestiu para o trabalho doméstico e correu para o fogão ouvindo o burburinho da casa que se agitava para mais um dia. Serviu o desjejum em silêncio, ansiosa para que

a deixassem sozinha. Aos poucos foram saindo em busca de seus afazeres e ela pode respirar sossegada. O dia passou monótono a deixando inquieta e mal-humorada. Finalmente a tarde findou e o sol se pôs, fazendo cair a cortina de sombras que lhe permitiria atravessar incógnita a aldeia curiosa. O jantar foi servido na hora de costume a deixando livre. Correu para o quarto e se preparou para a transformação. Vestiu-se com roupas leves, pintou o rosto com a maquiagem encomendada ao sacristão, oferecendo pelo seu sigilo alguns beijos pagos em reserva e esperou ansiosa seus irmãos irem dormir. Assim que a porta se fechou, antes mesmo de ouvir as camas rangerem sob o peso dos homens cansados, saiu furtivamente pelos fundos, desceu a estrada e desapareceu dentro da noite escura. Chegara ao destino sem ser vista. De longe percebeu a luz do candeeiro iluminando a cabana dos caçadores usada somente na temporada, largada no resto do ano, ao sabor da intempérie. Correra ansiosa pelo caminho, subindo a encosta chegando próxima a casa. Parara resfolegando e, séria, prestara atenção às vozes que saiam do interior. Alguém ameaçava de morte uma mulher, que aos soluços pedia clemência. Aos poucos, o sorriso se abriu em seu bonito rosto, permitindo ver a imensa alegria que tomava conta de seu semblante. Acelerou os passos, subiu os degraus da pequena escada, alcançou a porta e entrou na sala, onde um casal em trajes sumários ensaiava Shakespeare.

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ENTRE SONS

OS EXCÊNTRICOS CAUSOS DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS Por Paola Domingues

Se você leitor, é um morador de raízes interioranas, da cidade de São José dos Campos, por acaso já deve ter se deparado com algumas “lendas vivas”, ou pelo menos ouvido falar de um tal “minotauro corpo-seco pé de bode” que frequentava as noites de forró nas casas de “show” da cidade. Ou ainda, conheça alguém que trabalhe ou trabalhou na Embraer; talvez tenha feito algumas compras no Shopping Colinas ou pelo menos, tenha passado pela Av. Nelson D’ávila. São José é realmente uma cidade incrível! Espelho de metrópole, cultura miscigenada do interior. É nesse ciclo social que encontramos dois jovens músicos que, em 2013, ainda de forma muito despretensiosa, compilaram algumas ideias do que viria a ser a Banda do Folclore Joseense Desbocado, reunindo um amontoado de fatos bizarros e verídicos das mais

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diversas épocas e que já fazem parte do conjunto histórico-cultural de São José dos Campos. Bruno Ishisaki, Mestre em processos criativos formado em 2014 e atualmente doutorando em música pela Unicamp. Marco Ântonio Machado (Boi), Doutor em música pela Unicamp em 2016, Docente e Coordenador Pedagógico na FavColesp. Esses foram os primeiros integrantes a idealizar o que seria então a proposta dos Joseense. Inspirados na postura de Arrigo Barnabé, em poesias diversas e músicos compositores de diferentes épocas da história – inclusive atuais, a Banda Carlos (piada interna dos integrantes) contextualiza episódios pessoais, figuras sociais e do meio cultural joseense, aborda temas contemporâneos, lendas urbanas e lendas vivas do município com um toque de sarcasmo e bom-humor.


Em 2014, a Banda do Folclore Joseense Desbocado deu início efetivamente, incluindo o baixista Gustavo Neves e o baterista na época, Fred. Gustavo está no último ano do curso de bacharelado em música na FavColesp e é professor de música pela Fundação Cultural de Paraibuna. Todos os membros partem de uma ideologia que bem define Belchior: “Sons, palavras, são navalhas e eu não posso cantar como convém sem querer ferir ninguém”, não esquecendo que o projeto concede espaço à liberdade de expressão de cada integrante, nas composições e arranjos musicais. As ideias vêm geralmente dos “cabeças” da banda: Bruno e Boi, que normalmente entregam a música pronta para os demais executar: Gustavo e Rodrigo Kusayama. Rodrigo entrou para a banda recentemente, é bacharel em música pela FASC, Baterista profissional, professor de música e produtor. Já conhecia o trabalho da BFJD desde a formação e acompanhava de perto o processo musical muitas vezes participando de algumas apresentações. Todos os integrantes podem expor suas opiniões para o enriquecimento das composições, a única regra do grupo é que se o compositor não quiser tocar mais sua música, ela sai automaticamente do repertório. Falando sobre as músicas, uma das composições que foi criada por três dos integrantes é a “Expressiva né”, que inicia com voz e composição do baixista Gustavo Neves e expõe a figura joseense como um cidadão incapaz de expressar-se devidamente e observar suas limitações. A música conta com as colaborações de Bruno Ishisaki e Boi. Arranjos com solo de clarinete e flauta são percebidos durante a canção, o que também é uma característica da banda em incluir diversos instrumentos musicais. Esse conceito de concatenar ideias também é o que move outra de suas canções, a “Saci Fundamental”, que tive a oportunidade de conhecer na última de suas apresentações em São José dos Campos e que, inclusive já conta com a contribuição do baterista Kusayama. Nesta música, a linguagem é a protagonista do tema, críticas aos platonistas e opiniões diversas são incorporadas ao texto em andamentos razoavelmente complexos. A “Cidade de São José” composta por Bruno, foi uma das primeiras composições criadas logo no início da banda. O tema aborda uma crítica ao comportamento dos cidadãos joseenses e seu obcecado desejo

pela estabilidade financeira e status. A composição ainda explora pontos de referência da cidade como o Shopping Colinas e a mundialmente conhecida, Embraer, o que facilmente chama atenção daqueles que habitam a região. Eu como ouvinte e espectadora, observo a banda como um grupo de artistas que estão prontos para expor seus pensamentos e compartilhar suas recordações, permeados pela cultura interiorana e o sentimento de Polo Industrial da cidade de São José. Ao mesmo tempo, confesso que as melodias exercem a função de surpreender o tempo todo entre progressões e cadências que “fogem” do habitual “quatroporquatro” de todo dia. Como artistas, os quatro integrantes cumprem seu papel de expor seus conhecimentos, cumprem a certo modo com o dever social e atribuem divertimento a seus ouvintes. Acredito que a busca pela compreensão da mensagem, vem desse sentimento de dúvida e o despertar da curiosidade que a música produz. No entanto, não alcancei de fato essas conclusões logo de primeira. A proposta da banda nos insere num ambiente que é preciso pensar. A cada vez que eu tentava refletir sobre todos esses elementos, novos ângulos eu observava, outras dúvidas surgiam e basicamente, esses fatos me levaram a pensar que não era somente um grupo de músicos que querem “fazer um som”, mas uma mensagem que está permeada nessas palavras e que podemos interpretar de várias maneiras. Apesar do atual cenário musical estar praticamente paralisado devido à crise no país, a banda acredita que estamos vivendo uma época de grandes descobertas musicalmente falando. Com a tecnologia e internet a disposição, pulverizar a proposta e sua mensagem tornou-se um objetivo razoavelmente fácil, o que aproxima mais admiradores que compartilham da mesma ideia e acompanham seu trabalho. Depois de um ano bastante movimentado com um segundo trabalho que todos fazem parte, o Coletivo Tempo-Câmara, os integrantes da Banda do Folclore Joseense Desbocado, se programam para, em breve iniciar novas composições e continuar o andamento desse trabalho que exibe muita criatividade e respeito à música. Para conhecer mais sobre a banda, acesse: https://soundcloud.com/bandadofolclorejoseensedesbocado/

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ENTRE CULTURA

THE WALKING DEAD Por Rodolfo Salvador

The Walking Dead: aspectos sociais e históricos do mundo dos mortos-vivos

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inalmente falarei sobre o aclamado quadrinho “The Walking Dead”. Levei tempo para escrever sobre ele porque gostaria como tenho feitos nos demais textos, relacioná-lo com algo de caráter social e histórico me embasando em algo filosófico, pois bem, esse dia chegou.

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Quando em 1968 o diretor George Romero lançou o filme “A noite dos mortos-vivos” ele lançou uma obra de terror que tinha como objetivo criticar alguns aspectos da sociedade norte americana, as cenas violentas protagonizadas pelos zumbis eram um reflexo em um espelho distorcido da própria sociedade americana, bestializada e banalizada pelo conforto do neoliberalismo. Pessoas dispostas a comerem umas as outras por um carro do ano, uma TV nova, um novo emprego, etc. Naquela época o EUA estavam vivendo internamente o ápice do seu “american way of life” e sua sociedade se encontrava alienada pelos confortos e “benefícios” do próspero neoliberalismo globalizado que espalhava pelos rincões do mundo bombas e balas. O século virou e os EUA teve sua economia fragilizada e novamente os zumbis voltaram a cena, dessa vez, pelo menos primeiramente no mundo das HQs. Mas dessa vez o contexto norte americano era bem diferente. Ao contrário dos anos 60, agora os vilões do quadrinho “The Walking Dead” não estavam mortos, muito pelo contrário, estavam vivos e dispostos a matar, qualquer outro ser vivo. Robert Kirkman autor do quadrinho, conseguiu de forma surpreendente fazer com que num mundo infestado por mortos-vivos, os ainda vivos fossem as piores criaturas. Tal mudança de perspectiva se encaixa muito bem no panorama social e histórico dos EUA, toda a turbulência passada por eles no início desse século transformou o povo americano num povo refratário e mais uma vez bestializado. Todo o conforto e exuberância do ainda existente mais enfraquecido “american way of life” foi tragicamente abalado. Indo além, enganados pela velha história do inimigo externo (utilizado desde o império romano para manter a sociedade coesa) foi responsável por mandar milhares de jovens em sua maioria de origem pobre, para os mais longínquos cantos do mundo para combater os terroristas islâmicos. Esses voltaram fisico e psicologicamente mutilados, para os que não foram, a perplexidade de descobrirem que a economia mais


forte do mundo era tão suscetível a crises novamente (tal qual 1929) e ao mesmo tempo via aumentar no mundo um sentimento de antiamericanismo, rendeu internamente um amplo debate em torno dos motivos de tal guerra. Logo “The Walking Dead” é contundente justamente por pegar essa sociedade traumatizada pelo novo século e lançá-la num mundo devastado e hostil, onde para sobreviver os personagens devem acima de tudo se defenderem dos vivos. É nesse panorama que surgem “governadores”, líderes, e uma gama enorme de personalidades que para protegerem a vida de seus grupos (o que inclui um pequeno vestígio da vida pré apocalipse) fazem de tudo, matam, saqueiam, sequestram, torturam, tudo em nome do bem coletivo. Logo, os sobreviventes estabelecem uma forma social de organização onde todos os pecados passados são (para alguns personagens já que o grupo principal é até certo ponto o bastião da moralidade) reproduzidos em pequenas escalas cotidianas visando a própria sobrevivência. Em suma, “The Walking Dead” é uma ótima HQ, devido a seu conteúdo político, social e filosófico implícito e outro fato que chama a atenção é a frieza com que Kirkman trata seus personagens, matando-os a qualquer momento, mostrando de forma bem realis-

ta o quanto a vida humana não vale nada, não importa se você é um bom pai, filho, esposa, médico, professor, etc., ao entrar no mundo dos mortos-vivos qualquer pessoa está sujeita a ser roubada por um grupo de sobreviventes, ou ser comido. Como acontece em certo ponto da história quando o grupo principal liderado pelo policial Rick encontra um bando de canibais que explica sua opção pela carne humana, dizendo que antes do fim do mundo eles nunca tinham caçado e agora nesse novo mundo caçar era, além de difícil, pois os animais fogem fácil, perigoso devido aos zumbis. Logo, caçar humanos é mais fácil, basta enganá-los com a promessa de segurança. Outros aspectos que chamam a atenção para o quadrinho além de seu excelente roteiro é a arte. Tony Moore, que desenhou o primeiro arco de histórias faz um trabalho magnífico contando com Cliff Rathburn para inserir os tons de cinza. Após esse primeiro arco Tony Moore foi substituído pelo desenhista Charlie Adlard, que em minha opinião tem uma arte inferior a de Tony, mesmo assim é um ótimo desenhista. “The Walking Dead” pode ser considerado o melhor quadrinho dos últimos anos, o drama apresentado na revista faz o leitor se questionar moralmente em cada página, em cada diálogo e em cada situação.

The Walking Dead #16111


ENTRE TELAS DE PINTURA

O PINTOR DOS CABARÉS Por Reddie Silva

Henri Marie Raymond de Toulouse-Lautrec Monfa Albi, 24 de Novembro de 1864 Saint-André-du-Bois, 9 de Setembro de 1901

Filho da nobreza, Lautrec era descendente de uma família de linhagem aristocrática e nasceu em 1864, em um hotel familiar de Albi, no sul da França. Sua infância foi sofrida, pois era portador de uma doença genética, desconhecida em sua época, que lhe causava má formação nos ossos e impedia o crescimento. Suas pernas atrofiadas e disformes dificultavam-lhe

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a locomoção e, devido à má formação dos ossos, não ultrapassou a altura de 1.52m. Quando menino frequentou o prestigioso Liceu Fontanes, conquistou um prêmio em latim e grego e despertou para o desenho fazendo, às margens de seus cadernos, frisos e croquis de pastéis e aquarelas. Toulouse praticava esportes, mas aos catorze anos, após tropeçar em um banquinho, quebrou a perna esquerda (fêmur) e, apesar de procurar tratamento em diversas termas, nenhuma terapia deu resultado. Para aumentar ainda mais o seu infortúnio, quebrou também a perna direita e nunca pode se restabelecer. Aos dezesseis anos, foi estudar pintura com Léon-Joseph-Florentin Bonnat, defensor das normas acadêmicas e contrário aos impressionistas, um professor rígido que não o agradava. Toulouse-Lautrec ingressa-se então no estúdio de Fernand Cormon, onde conhece Van Gogh e Émile Bernard e, apesar do apoio do novo mestre ele preferia estar entre exposições e salões para admirar os trabalhos dos impressionistas, especialmente Edgar Dégas, que influenciou bastante suas pinturas. Sentia que a estética acadêmica restringia sua criação, acreditava na arte em movimento e dizia não pertencer a nenhuma escola. Contudo, quando os críticos começaram a classificar os pintores foi enquadrado no time dos pós-impressionistas. A França estava passando por tempos muito bons,


de paz, prosperidade e ostentação. Devido às consequências da revolução social e industrial, novas invenções tornavam a vida mais fácil em todos os níveis sociais, e a cena cultural estava em efervescência, era o Belle Époque. A cidade fervilhava com uma geração de artistas dispostos a mudarem o mundo. Henri montou um estúdio particular em meados da década de 1880, se juntou à turma de pintores que frequentavam os cabarés de Montmatre, curtiam a vida boêmia e eram conhecidos como impressionistas. Porém, diferente dos impressionistas, não se interessava pelas paisagens e dedicou-se aos interiores e retratos, gênero a que conferiu incomum aprofundamento psicológico com grande economia de meios. Lautrec começou a beber demasiadamente e suas noites eram dedicadas aos bares e cabarés, principalmente ao Moulin Rouge e ao Cabarets des Décadents, um lugar escandaloso... Ele adorava as dançarinas, cantoras e prostitutas que eram motivos de inspiração para seus quadros que se tornariam clássicos. Fascinado por elas, permanecia horas brincando com as mãos da mulheres e acariciando-as... Segundo relatos, as mulheres também gostavam muito

dele. Nessa aventura desvairada contraiu sífilis, doença que na época não havia cura, e sofreu as consequências durante toda a vida. Enfraquecido pela doença, corroído pela sífilis, mergulhado na bebedeira constante e entre doses de absinto, começou a apresentar sinais de sua fraqueza mental sendo visto perambulando com um guarda-chuva azul e um cachorro de cerâmica debaixo do braço. Entregou-se totalmente ao alcoolismo e seus modos irônicos não disfarçavam o sofrimento decorrente da deformidade. Após grave colapso nervoso é internado em uma clínica psiquiátrica onde permaneceu durante alguns meses. Saindo do sanatório, Lautrec retoma seu trabalho intensamente. Conta-se que, tendo sido proibido de beber, ele desenvolve um dispositivo em sua bengala que usa para guardar a bebida com a ponta encaixada usada como tampa, não permitindo assim que as pessoas percebam. Em 9 de setembro de 1901, morre em consequência de um derrame na casa de sua mãe, com apenas 36 anos. Apesar da excepcional popularidade de seus cartazes publicitários e das numerosas litografias, o reconhecimento da importância estética de sua obra chegou tardiamente.

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O Moulin Rouge O cabaré mais famoso do planeta foi ponto de encontro de ricos e pobres dispostos a apreciar belas dançarinas e pagar por uma festinha particular. O nome, em francês, significa “moinho vermelho” devido a um grande moinho dessa cor, existente no terraço do edifício que é seu símbolo. Embora fosse visitado por gente decadente ou marginalizada, ostentava visual luxuoso e espalhou a fama pelo mundo. O cabaré foi construído em 1885 e transformado em salão de dança 15 anos depois. Tornou-se popular pelos shows de can-can, uma dança com adereços

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coloridos, muito rebolado e chutes para o alto. Era teatro, salão de concertos e de danças e as pessoas vinham de todos os lugares para ver as dançarinas e seus espetáculos suntuosos. A partir do século XX ficou mais glamouroso e passou a exercer fascínio sobre celebridades artísticas. Atualmente, é ponto turístico, possui teatro, sala de cinema e uma equipe que inclui 850 garçons e 60 dançarinas. O preço do ingresso gira em torno de US$ 100. Filmes: Moulin Rouge (1952); French Cancan (1956); Moulin Rouge - Amor em Vermelho (2001)


Sua obra artística Lautrec além das pinturas, produziu também cartazes promocionais dos cabarés e teatros, contribuiu para a revolução da publicidade do século XIX e revolucionou o design gráfico dos cartazes, definindo o estilo que seria conhecido como Art Nouveau. Dedicou-se também à litografia com a qual produziu mais de 300 obras. As linhas livres e onduladas transgridem as proporções anatômicas e as leis da perspectiva em favor da expressividade. A sugestão de movimento é feita através de cores intensas em combinações rítmicas. O uso de áreas grandes em uma só cor e contornos simples caracterizam seus cartazes. Situa as figuras de forma que as pernas não fiquem visíveis e isso eli-

mina a obviedade do movimento sendo apenas sugerido. Essa característica é interpretada como reação à condição física do próprio artista. Seus temas mais marcantes são a boemia do bairro parisiense proletário de Montmartre, seus moradores à margem da sociedade, as cenas de circo e de cabaré e o homem retratado em seu estado miserável, sem máscaras. De estilo próprio e forte, suas obras não podem ser encaixadas em nenhuma escola, pois traça seu próprio caminho, apesar da sua grande admiração pelos impressionistas Degas e Van Gogh. Suas obras são retratos fiéis de sua grande vivência e conhecimento da condição humana e exprimem individualidade num apurado sentido de observação.

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ENTRE CULTURA

PAULO LEMINSKI Por Germano Xavier

As pílulas poéticas de Paulo Leminski: entre o incenso da Ditadura e a música da Realidade “O homem cognoscente é simplesmente o guarda da realidade.” (W.Luijpen) Paulo Leminski, o Polaco, foi mais que um poeta contemporâneo, foi um artista da palavra-ação, com a incomum capacidade de encobrir – clareando-a, diga-se de passagem - a nefasta realidade prevista para além da ordem do dia com uma poesia do olhar diário, rápida tal qual um flash fotográfico, agregadora como se fosse uma última respiração, que não se esforçava em misturar toques concretistas a um lirismo de abraçar e aconchegar os mais gélidos corações. Mais que atuar como poeta de uma nação desequilibrada pela Ditadura Militar e todas as outras privações oriundas de tal período, Leminski mimeografou durante sua vida toda uma marca poética que se caracterizava pela erudição, mas também por um excêntrico coloquialismo.

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Curitibano, nascido em 24 de agosto de 1944, Leminski falece em 1989, aos 44 anos de idade. Morte de mais um corpo comum, mas antes a redenção de mais um poeta imortal para compor a “poesia una” do mundo, como diria Elias Canetti, Nobel de literatura premiado em 1981. É dentro da esfera de autoridade do Regime Ditatorial que Leminski invade o espectro da poética nacional, no ano de 1976, lançando seu primeiro compêndio de poemas, intitulado de QUARENTA CLICS em Curitiba, uma espécie de portfólio onde seus poemas brincavam de produzir e desconstruir sentidos ao lado de fotografias de Jack Pires. Antes disto, já havia burilado na prosa de ficção, com o experimental CATATAU. O incenso da poesia leminskiana, de ordenação clandestina e transitória, faria elevar em quem o lia ainda mais o afã pela bravura de ser quem se é, alimentando o recrudescimento perante os mandos de um determinado poder absoluto, direcionados a partir de um grupo seleto de pessoas. A literatura, observada aqui como um direito inalienável do ser humano, como preconizou Antonio Candido em um de seus Vários escritos, agiria impulsivamente, inicialmente à surdi-


na, para depois vingar em forma de incontestável potência num travar-se em batalha contra toda e qualquer artimanha governamental que levasse em conta a violação de regimentos e leis – e tudo feito de maneira abrupta e constante, como se sabe – que tinham como destinação maior o desrespeito às liberdades civis dos brasileiros. No Brasil, o movimento militar de 1964 determinou o fim de um período de liberdade política como nunca havia existido no país até então. As liberdades públicas foram gradativamente extirpadas e engolidas, estranguladas sem maiores explicações. A situação do povo brasileiro ficou ainda mais comprometida quando, no ano de 1968, foi decretado o Ato Institucional Nº 5. Depois de instaurado o AI-5, seguiu-se uma fase brutal de violência e repressão. Ao final de todos os embates, os 25 anos de Ditadura deixaram marcas profundas nas reminiscências históricas da nação tupiniquim. Em uma sociedade amedrontada pelos fantasmas do movimento militar iniciado em meados da década de 60 do século passado e que, ainda nos dias atuais, convive com camuflagens de tortura, de repressão, de intimidação e de terror, a literatura exigiu num endereçamento de si mesma para o lugar do outro ou vice-versa - o do ser-leitor, num fenômeno baseado em um sentimento de alteridade, mesmo que de maneira consideravelmente tímida nos primórdios -, um lugar de respeito para se efetuar impressões e processamentos vários de natureza combativa e/ou contrária ao controle social e político despótico empregado no país naqueles idos. Impedidos de falar, de expressar suas opiniões em ple-

nitude, muitos artistas, poetas, jornalistas, escritores e pensadores em geral, foram impelidos a criar estratégias para fazer vingar a alma de suas palavras e de suas inquietações. Se de um lado, Platão e Aristóteles fizeram questão de destacar que a mais irredutível marca da tirania é, obviamente, a ilegalidade ou o exercício do poder pelo desejo absoluto de uma pessoa ou de um grupo de pessoas, de outro lado muitos dos grandes personagens deste Brasil nebuloso preferiram acreditar no poder do verbo, do verso, da canção, do manifesto irônico e em tantos outros meios para debater as imposições deflagradas e notoriamente retirar espaço de tudo o que tivesse sido ocupado com o uso da força ou da fraude. E Leminski foi um destes. Imerso em todo este panorama, Paulo Leminski escolheu suas armas: o poema curto, o verso torto, a naturalidade obsessiva do haicai, o inteligível das construções simples, o escracho crítico e a piada sincera, o ditado sem normas, o hermetismo das singularidades das coisas plurais, a experimentação como objeto de vida, a ficção criativa ao extremo. Outras tantas, também. Concretista nos anos 60, inventor de equadores díspares nos anos 70, poeta musical nos anos 80, a verve leminskiana é a de um poeta vanguardista, de braços abertos à marginalidade estético-estilística da época, em que é ele próprio o verso sem definição plausível ou requerido, porém providencial. Polemicista e agitador do caos, do diferente, das rouquidões de tanto gritar por respeito às diferenças várias, Leminski pautou em suas distorções musicais e entonações poéticas todo um plano de consideração diante das diversas singularidades humanas. Foi e ainda é um poeta que conversa com todos ao mesmo

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tempo, do mais pobre ao mais rico, do menos letrado ao mais letrado. Como se sabe, Leminski não discutia com o destino, assinava o que pintasse em sua frente, parafraseando um de seus poemas mais conhecidos. Desta forma, seguiu um caminho que, se solitário, oportunizou a si um tempo necessário para lapidar sua voz poética aos extremos da perfeição. Mesmo sem levantar bandeira em ostentações comuns a muitos de sua mesma laia, o poeta estreitou a ligação entre a literatura e a vida como um dos nossos muitos direitos irrevogáveis. Ao fazer isto, num tratamento lento para com as coisas do amor mais real, aquele que brota do âmago dos seres, o poeta do bigode acenou burlar o estado natural das normalidades incontestes, fez vadiagem com o sentimento de que podemos sempre ser mais do que somos agora no presente, torceu o pescoço das palavras em prol de uma ruptura com o banal, orientando-nos a nos reorientar sempre que preciso fosse. Leminski, no supracitado processo, não nos orienta a um lugar possível. O lugar possível não existe nem faz-nos existir. Ao contrário, desorienta-nos porque não oferece um caminho facilitado para se chegar nem ao início e muito menos ao fim de algo ou alguma rota pré-estabelecida. O caminho leminskiano é o da verdade. Verdade enquanto inocência, verdade enquanto pureza. O poeta, sabedor das interferências do mundo em nossa humanidade, ofertou-nos a possibilidade da procura do sentido vital através de uma enorme avenida onde a poesia, instalada no cotidiano, é o ponto de partida para tudo. Ao se tomar como ponto de partida o sentimento de alteridade, aquele em que o outro se transfere a outra esfera de sentido, sendo-a em sua inteireza, já que participa de toda a problemática das construções, podemos fazer uma leitura de toda a literatura leminskiana

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como sendo ela a presença deste outro em cada pessoa transformada, em cada verso escrito e lido e vivido como se último suspiro, em cada rompimento advindo daí como numa necessidade bruta, como numa necessidade de reconhecimento e também de autoconhecimento. Paulo Leminski não fazia poesia à toa, ao léu, a seu bel-prazer. Sabia ele, perfeitamente, que o lugar da literatura na vida das pessoas é o mesmo lugar do sangue no corpo, o mesmo lugar do sonho na alma. Leminski parece compreender que, tal qual uma arma branca, o poema – ou a literatura em si - é uma lança afiada que perfura as estações do nada no humano, o fogo lento que faz e desfaz o que somos para nos tornar melhor a cada novo passo empregado em direção ao presente, que nada mais é que uma prévia do futuro. Concentrado em não se concentrar em absolutamente nada além de seu fazer artístico-literário, Leminski pariu desejos de juventude, formulou sentimentos de revolta, geriu sensações de liberdade, invocou percepções de transcendência, cobriu o mundo de impressões de verdade, que subsistem a partir e após a sua própria trajetória de vida, sinônimo de lealdade ao que tanto se amou ou se quis amar. REFERÊNCIAS

ABREU, Márcia. Cultura letrada: leitura e literatura. São Paulo: Editora Unesp, 2006. CANDIDO, Antonio. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2011. CANETTI, Elias. A consciência das palavras. São Paulo: Companhia de Bolso, 2011. JOUVE, Vincent. Por que estudar literatura? São Paulo: Parábola, 2012. JÚNIOR, João-Francisco Duarte. O que é realidade. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984. LEMINSKI, Paulo. Toda poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. WALTY, Ivete L. C.. O que é ficção. São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.


Aos poetas e poetisas do Entrementes Para que servem os poetas? Uns saem para tratar de compromissos importantes, mas depois esquecem da vida ao se distraírem no caminho com uma rima ou tema para poema. Tem quem leciona geografia e, quando se dá conta, já está espalhando borboletas pelos relevos e respectivas hidrografias. Há quem exerça ao mesmo tempo a arte da culinária, mexe a panela, acrescenta temperos, um pouco de páprica, uma pitada de métrica, põe espinafres entre as estrofes e a família fica siderada com toda aquela salada. Outros criam abelhas e, de vez em quando, levam e dão ferroadas no mundo. Por Domingos dos Santos

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Fecha-duras Quando penso em ti Transporto-me A tua porta Só então me lembro Que esqueci a chave E o segredo do cadeado Bato desesperada Mas não escutas O ritmo do meu coração Nem as palmas da minha mão... Por Elizabeth de Souza

Vou partir Num zás-traz eu vou zarpar num zepelim ou bombardino Enfim chegar em Zanzibar virar um bonzo ou então zumbi Atravessar o tal zodíaco junto com Zéfiro puxar cabelo da Berenice Bem que eu disse: a minha sina é um zanzar pelo espaço afora fazer amor com belo Zíngaro zombar feliz do deus guerreiro enfim sair Por Elizabeth de Souza

Qualquer embarcação para longe “Lo que antes me enseñó lo guardo! Es aire, incesante viento, agua y arena.” (Pablo Neruda) há motivos para amá-lo: olhá-lo, entre emissões do sol e agudas ondas de espuma branca, unge-me, carne e alma, o verbo mais raro. a dor, outra palavra para o amor, coisa azul-esverdeada e sem lugar, serve-se em regular as fases de maré que blindam nossas alvas vaidades. o mar, professor de movimentos, cobaia para o azul dos céus, capaz de qualquer patente, assevera em mim o coração caudaloso. suas águas de saudade, seus moinhos insolventes, seus ministérios de corais, suas radiais dobras no horizonte... o mar salgado, de úmidos seres, de onde evoluem as emboscadas, o mar que me agride quando o ouço, imperiosa música para cais. mar, herói de nossos cansaços, pessoa máxima das lágrimas, hiato das belezas em arremate: - em dito teu fim, o que nos sobra?

Poesia do coração Querida estrela sozinha, que vive de amor pela poesia. Ilumina minha alma, estamos unidos. Pois poesias são lágrimas que brotam do coração. Por Joana D’Arc

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a manta de tuas cores areais, saúdam em mim por armas, suores, que lançado em teus braços infindos, podemos ser de tudo de tão mínimos e amantes (mesmo que) em vis instantes. Por Germano Xavier


Pensamento Se a vida é dura Plante rosas Mesmo em terras secas Por que a natureza é forte Mais forte que a pouca sorte. Por Nunes Rios

Consciência Correndo para lugar nenhum, tentei beijar o infinito. Poderia tentar, mas estou apenas sonhando. Pois o amor é um estado de consciência. Por Joana D’Arc

Felicidade Elas se confrontam... Cada uma no sentido de fatos inversos A felicidade Enquanto uma à carrega nas mãos A outra não tem o que carregar. A que tem... Se delicia Afaga como à um gato dengoso Com carinhos... Cafunés E toda sorte de chamegos. A que não tem... Uma vez já à teve Como uma flor... Meiga e delicada Que só necessitava de cuidados Mas que foi esquecida... Secou... E morreu. A que tem... Sorri ao sol Contempla a lua Sente o que não sentia à anos Devido à escolhas por sua busca. A que não tem... Hoje amarga a solidão Um oco... Que predominou em seus sentidos Tudo que vê é triste... Tudo que ouve são lamentos Tudo que come não tem gosto... Tudo que toca é áspero. A que tem... Faz do seu talento um prazer Por horas à fio... Dedicada Transfere aos seus trabalhos Toda a magnitude de um sorriso. A que não tem... Nada faz Apenas sonha que um dia à teve nas mãos E a deixou morrer. Como morre os sentimentos. Sendo assim... A bendita felicidade Trás à você... Grandes benefícios Mas sua falta Melhor não comentar. Por Alexsander Prates

Pergunte a uma criança Por que o céu é azul? Por que não podemos olhar diretamente para o sol? Por que a mata é verde? Por que o meu Deus é melhor que o seu? (ou por que não existe Deus?) Por que não gostamos das lagartas, quando elas devoram as folhas, mas amamos as borboletas? Por que nós somos mais inteligentes que os outros animais? Por que a água mata a sede? Por que os dentes caem para depois nascerem novos, e mais fortes? Por que as vacas são sagradas na Índia, se elas não falam? E o que será que elas ruminam em silêncio? Por que o barquinho de papel não afunda? Por que, num giro completo, voltamos sempre ao mesmo lugar? Se chove, por que as gotas caem do céu? E se não chover? Ficarão lá para sempre as nuvens? De onde vêm os bebês? Para onde vão as aves migratórias? Por que o palhaço nos faz rir, se depois do espetáculo ele parece triste? Existe mesmo alguém do outro lado da TV? Por que as formigas carregam gravetos? Por que vemos as estrelas à noite? E quando a gente dorme, por que os olhos se fecham? Por que sonhamos, se é tudo mentirinha? Por que existe uma resposta certa para cada coisa? Por Jorge Xerxes

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Poema intraduzível A espera compraz-se no sofrimento o tempo grávido não tem pressa é assim mesmo o vento que a semente arremessa Todos os homens passam pela porta do esquecimento no fim não são senão poeira negra, vulcânica, arremessada ao rio imenso do descuido Sobram apenas momentos de paz, de entrega, de esperança desenharam-se mundos de beleza e cor cantaram-se histórias e adormecemos ao som do outro Abandonámos as certezas e partimos rumo ao inútil desespero do desconhecido o olhar vidrou-se até se apagar e renascer em mim Outra vez, outra história meses de serena inquietação os iões são partidos em estilhaços as nuvens são pedaços de suspiros murmúrios apenas Todos os portos aeroportos são telas de anónimos amores voam lado a lado vidas que se cruzam e se perdem e se refazem num cenário em constante mutação.

Bulas de coisa nenhuma Saudade Encavala as sombras Nas quebras do vento Ferra Dura Maldita angústia Aquece Dora Veloz, traspassa A insana penumbra Espreguiçar O gozo, o êxtase O santo gostinho A tão sonhada Parada em “Cruz” Nas paralelas. Os escolhidos Que cessem a dança das cabeças Que cessem o acesso a falsa salvação Os peixes não estavam na arca Árido Estive na cava, recolhendo Areia doce que findou na ampulheta Por Ricola de Paula

Por Luisa Fresta

O ladrāo As vezes Faço loucuras Para roubar... Um sorriso Seu! Por Pedro Renato Paiva

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Vento sul Tantas coisas para fazer e eu, aqui, sentado a escrever e espalhar palavras ao vento que, um tanto mais forte, vira tormenta, se inadequadas, viram tormento. Por Domingos dos Santos


ENTRE VERSOS E PROSAS

LADRÃO PREVENIDO VALE POR DOIS Por Marcelo Pirajá Sguassábia

Se você pensa que quem arrisca a vida é bombeiro, PM da favela da Rocinha ou dublê do Chuck Norris é porque nunca foi ladrão na vida. Nossa categoria deveria ter direito a adicional de insalubridade, tamanhos os riscos a que nos expomos. Em nossa estafante labuta, os verdadeiros roubados somos nós, profissionais da contravenção. Estamos o tempo todo a um passo do Instituto Médico Legal, e por ameaças muito mais letais do que a ação da polícia. Não estou nem aí se deixo ou apago minhas digitais no local do crime. Uso luvas (aliás, duas em cada mão, para a eventualidade de uma delas arrebentar) com a intenção de me precaver de verminoses, dermatites, eczemas, micoses, sarnas, gripes e até mesmo lepra, dependendo do naipe do assaltado que sou obrigado a encarar para ganhar o pão de cada dia. O mesmo vale para o capuz. Tudo quanto é meliante veste para não ser reconhecido pelas vítimas ou pelas câmeras de segurança, mas para mim isso é o que menos importa. Uso para evitar vírus, especialmente do início do outono até o fim do inverno. E, mesmo no verão, só visto capuz de lã. Vai que a temperatura muda de repente, né? Nunca se sabe, esse nosso clima é cada vez mais louco e a meteorologia não acerta uma. Quando o assalto é na rua e levo o otário até o caixa eletrônico para sacar o dinheiro da conta, me embrulha o estômago olhar para o visor do equipamento. Aquelas marcas de dedos no vidro, todo engordurado pelo manuseio de milhares de clientes… fico imaginando a orgia de microorganismos que é aquilo, uma explosiva arma química de efeito devastador. O sujeito que sem querer coloca a mão na boca após ter feito o saque leva, junto com o dinheiro, umas duzentas doenças pra casa. E se no visor é assim, quase vomito ao pensar no horror que deve ser o leitor de biometria. A camada de gordura ali justifica uma lipoaspiração ao final do expediente. Arghh!!! Mas a pior parte vem quando o assaltado entrega a grana pra gente. Nada é mais sujo do que

papel-moeda, mesmo não sendo de caixa 2 e nem tendo passado pela cueca de ninguém em Brasília. Eu diria que não há diferença entre manusear uma nota de real e dar um mergulho no Tietê. Sinceramente, não há dinheiro que pague o nojo das bactérias. Comigo o negócio é sem contato manual, por isso já obrigo a vítima a colocar o dim-dim dentro de um ziploc para afastar qualquer possibilidade de contaminação. Se o assaltado reage e sou obrigado a mandar o dito cujo conhecer Nossa Senhora, eu não descuido: trago sempre na minha maleta de trabalho um traje completo de escafandrista, para evitar ser atingido por gotículas de sangue na hora de estourar os miolos do infeliz. Vai que eu morro infectado. Além do mais, mancha de sangue na roupa dá o que fazer pra tirar.

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ENTRE VIRTUOSES

ZECO RODRIGUES Por Dalto Fidencio

Conectando ideias... conectando a arte das caricaturas! O Entrementes mais uma vez se encontrou com o grande caricaturista Zeco Rodrigues, com quem já havíamos feito uma entrevista em 2010, quando cobrimos a “9ª Art - Histórias em Quadrinhos do Vale do Paraíba”, que ocorreu em São José dos Campos. Com o talento sempre em evolução, os traços de Zeco hoje são ainda mais impressionantes do que naquela época, não devendo em absolutamente nada para os mais renomados caricaturistas do país. Nos anos 80, formou-se em Desenho Publicitário na Escola Panamericana de Arte, e depois veio a estudar Belas Artes na UFRJ. Já nos anos 90, fez o curso de Especialização em Direção de Arte na Escola Superior de Propaganda e Marketing. Sua trajetória profissional passa por

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inúmeras agências de publicidade de São José dos Campos, e depois, já como ilustrador free-lancer, começou a trabalhar com caricaturas em 2008... atividade que logo passou a amar e não largou mais. Acompanhe agora o bate-papo que fizemos com ele. “É um grande prazer voltar a falar com o Entrementes! Bem, minha arte hoje é principalmente a caricatura...já faz um tempo que tenho me dedicado quase que apenas a isso, e procuro cada vez mais aprimorar meu trabalho”. Zeco começou a desenhar ainda na escola, como ele mesmo diz “usando aquele esquema de quadricular”, e logo percebeu que levava muito jeito para a coisa e nunca mais largou o lápis. “A caricatura em si eu comecei a me dedicar de uns 9, 10 anos para cá... foi aí que procurei seguir este caminho. Sempre trabalhei com ilustração, ainda faço ilustrações para revistas, para alguns clientes corporativos, etc... mas realmente meu maior foco é mesmo o mundo das caricaturas.” - eles nos diz, com um típico sorriso no rosto que apenas as pessoas que trabalham com o que mais gostam possuem. Zeco criou um site em que as pessoas podem não apenas admirar seus trabalhos, mas também contratar seus serviços e levar para casa uma caricatura de um dos mais talentosos artistas do ramo. São várias categorias, em que o nível de detalhamento das caricaturas difere, e consequentemente, o preço cobrado por elas também é diferente. Temos: “Lapis”, “Tela”, “Colorida Chique”, “Colorida Plus” e mais detalhada de todas, a impressionante “Colorida Hiper”. É de cair o queixo passear por essa categoria, onde podemos admirar imagens de Chico Anísio, Keith Richards, Gilberto Gil, Adoniran Barbosa, Chico Buarque, Caetano Veloso, entre outros, além de caricaturas de clientes. Temos também amostras de caricaturas de grupos de pessoas, que é outra especialidade de Zeco. Outra categoria é a das camisetas... sim, você pode encomendar tanto uma camiseta com a sua própria caricatura quanto com a imagem de alguma pessoa famosa como as que citei acima. “Eu procurei dar nomes engraçados, Colo-


rida Chique, Colorida Plus, etc... pois a caricatura é uma gozação, então isso já pode começar pelo nome. Dependendo do tempo que eu levo pra fazer o trabalho, dependendo do nível de detalhe, eu cobro um valor diferente. Cada uma das categorias tem um valor diferente, pois isso depende do nível de detalhe”. Zeco nos conta que pode entregar a arte para o cliente tanto na forma digital quanto já no papel, ou mesmo pintada numa camiseta, e completa: “posso fazer a caricatura pra pessoa no papel mesmo, em preto & branco, mas digital é legal pois a pessoa pode imprimir aonde quiser, em camiseta, em banner, mandar fazer um presente, colocar como avatar em redes sociais, e por aí vai.”. Usando uma camiseta com uma fantástica caricatura de Frida Kahlo, Zeco nos fala um pouquinho mais de suas camisetas: “Eu tenho algumas caricaturas que fiz de alguns músicos...eu gosto muito de música, de rock, de MPB e agora estou fazendo um trabalho com sambistas... as pessoas podem entrar em contato comigo pelo site e pedir sua camiseta. Sempre tem alguma novidade por lá, visite e não vai se arrepender. Você pode enviar uma foto e eu elaboro a caricatura numa camiseta, isso dá um excelente presente para dar pra quem você ama. Pode ser de seu filho, mãe, sogra, até de seu cachorrinho. Com certeza a pessoa vai gostar.”. Perguntado se é comum as pes-

soas pedirem artes de seus animais de estimação, Zeco nos responde que sim, pois estamos numa onda muito grande de pets, e as pessoas gostam muito de seus animais. E que é uma grande satisfação fazer uma caricatura da pessoa com um animalzinho de estimação. Zeco tem algumas personalidades favoritas para trazer para o mundo das caricaturas, como Keith Richards, dos Rolling Stones, além de Mick Jagger também - “gosto muito dos Stones, e o Keith é muito caricato por natureza, ele já é uma caricatura viva.” - e cita também Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil: “eu gosto de ir fundo no traço, captar aquela expressão no canto do olho, no canto da boca, faz toda a diferença no trabalho final, então sou muito detalhista.”.

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E Zeco dá uma dica muito interessante aos iniciantes: “vou até dar um toque para quem quer fazer caricatura e está começando... é sempre legal você desenhar e depois inverter a imagem. Pode ser no computador ou mesmo num espelho...aí você vai perceber erros que normalmente não notaria. Sabe aquele lance do hemisfério direito e esquerdo do cérebro? De usarmos só um deles nas atividades artísticas? Então, quando você inverte a imagem, você nota coisas que te deixam até surpreso por não ter percebido antes.”. Dica importantíssima dada por um mestre no assunto! O artista nos fala também de alguns nomes que ele ainda não

desenhou, mas que gostaria de fazer, como das escritoras Clarice Lispector e Cora Coralina... e também de um grupo ainda não explorado por ele, os cineastas, como Quentin Tarantino. Ele explica que a caricatura é uma arte em constante mutação, pois mesmo uma pessoa que ele já tenha retratado antes dá uma caricatura totalmente diferente depois. A pessoa muda, a aparência muda...basta um pequeno hiato de 1 ou 2 anos da mesma pessoa para ser possível fazer uma nova caricatura dela totalmente distinta da anterior. Ele nos diz também que o seu estado de espírito também influencia no resultado final da arte, e além disso, a própria técnica do artista pode melhorar ou até mesmo piorar, se ele ficar parado no tempo e não se dedicar. Voltando ao assunto dos diferentes níveis de detalhamento da arte de Zeco, e ele nos fala se gosta de fazer mais as superdetalhadas que parecem até uma pintura da pessoa ou uma simples, feita mais rapidamente apenas no lápis: “Eu gosto muito de trabalhar com lápis sabe, eu acho bem legal, evoluir cada vez mais com ele... mas eu também gosto daquela coisa de trabalhar cores, pois na cor você consegue atingir um nível de realismo que no lápis seria impossível. Então se poderia dizer que eu gosto de todos os tipos de caricatura que faço, não tenho uma preferência por uma ou outra.”. As mais pedidas são as realistas, mas obviamente elas dão muito mais trabalho e consequentemente o artista cobra mais por elas. Mas ele nos fala que é até melhor fazer uma caricatura mais simples pois o trabalho é finalizado de forma muito mais rápida.


“A Colorida Hiper normalmente demora muito tempo e com isso às vezes as pessoas não têm tempo/ dinheiro para bancar. Você vai ficar quase uma semana fazendo uma arte, então você tem que cobrar o referente a este tempo todo de trabalho. Uma a lápis eu posso fazer uma bem detalhada em 2 horas... ao vivo faço uma em apenas 5 minutos se for preciso, mas uma caricatura com um bom nível de detalhes eu levo cerca de 2 horas. Agora uma Colorida Hiper eu levo até 4 dias. E se tiver mais pessoas, se for desenhar um grupo, leva mais tempo ainda. Muitas pessoas não entendem isso, pedem pra colocar mais uma pessoa junto e cobrar o mesmo preço, mas isso não seria justo com o artista. Quanto mais pessoas, mais elementos na arte, se você vai fazer um cenário atrás da pessoa, já é mais tempo de trabalho, se vai colocar ela tocando um instrumento musical por exemplo, já é mais trabalho também.”. Perguntado se é um artista apegado apenas à técnica “old school”, de desenhar com lápis e papel ou se também gosta das técnicas modernas dos desenhos digitais feitos no computador. Zeco nos fala que é sim adepto das “modernidades”, e que até está à procura de um equipamento da Apple para este fim. Ele até possui uma mesa digitalizadora, mas ele quer um equipamento mais moderno, em que se desenha como se estivesse fazendo na própria tela. “Esse equipamento que desejo tem uma sensibilidade incrível, é muito real, as possibilidades são muito grandes pra você conseguir um resultado mais rápido, com mais realismo também, Então pode-se dizer que eu gosto muito dessa parte da tecnologia também.”. Outro projeto deveras interessante de Zeco é a sua Kombicatura... que ele explica para nós: “Então, a Kombicatura é um sonho que atrasou, eu tive uns probleminhas sabe, eu fiz o motor da Kombi, fiz os freios, a suspensão, a parte elétrica... aí já estava prontinha para sair, então eu parei numa subida e não puxei o freio de mão até o final, a Kombi escapuliu, desceu de ré, atravessou uma avenida movimentadíssima e bateu, estourando a traseira numa parede. A Kombi tornou-se uma caricatura! Mas agora já está consertada e em breve estará circulando pelas ruas.”. Explicando melhor, a Kombicatura é uma Kombi toda trabalhada na arte do Zeco e irá circular pelas ruas do Vale do Paraíba e adjacências. Zeco fará camisetas pintadas na hora, irá desenhar pessoas no papel também, terá produtos prontos para vender,

como camisetas, posters, banners, entre outras coisas... será uma loja ambulante. Zeco Rodrigues também é arte em movimento! Zeco também participa de eventos organizados por empresas. como convenções, confraternizações, SIPATs (semana interna de prevenção de acidentes de trabalho), etc... ele faz caricaturas das pessoas de forma rápida, de cerca de 5 minutos, e como levam pouco tempo, ele pode fazer de várias pessoas num só evento, o que diverte muito os presentes. O artista gosta muito também de fazer painéis, pois considera um desafio desenhar trabalhos grandes. Zeco fez alguns painéis para o SESC de São José dos Campos e um inclusive ainda encontra-se exposto por lá, um trabalho sobre os Jogos Olímpicos que consiste num painel de 25 metros por 1m50 de altura. E assim terminou nossa conversa com este grande nome das caricaturas, um artista da mais alta estirpe que muito orgulha o Vale do Paraíba. A caricatura pode em primeira mão ser vista como algo simples, mas não se engane, ela é complexa e requer muito talento e dedicação, e com toda a certeza Zeco Rodrigues possui essas qualidades. Conectando ideias, na ponta do lápis!

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ENTRE VERSOS E PROSAS

ARTURO REZENDE E OS ÓCULOS Por Ronie Von Martins

A

o acordar precisava de um nome. Uma designação. Um rótulo. Precisava ser identificado. Identidade. Buscou alucinado a carteira no bolso da calça, atirada despojadamente aos pés da cama. A cama era assim. Ela deturpava o ambiente em que se encontrava. Oferecia ao corpo consolo e abandono, prazer e descanso. Era então que o corpo, satisfeito com a promessa se despojava das armaduras sociais. Dos panos rituais que definiam condições e classes. Nu o corpo afundava na cama...para acordar sobressaltado, apavorado. Pois já não era mais o tempo da cama. Era o tempo dos calçados. Dos passos rápidos e angustiantes. Era o tempo do movimento intenso... Ou nem tanto. Mas era o tempo do movimento. Dos

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discursos que copulavam, digladiavam. Dos discursos que morriam. Arturo Rezende. Tinha se reencontrado. Agora voltara definitivamente do mundo insinuante e sedutor da cama. Sereia, ninfa do mar. Ao chuveiro pensava na vida. “Como se um funcionário público tivesse muito o que pensar”. Mas pensava, por incrível que pareça além do funcionário público, além do chuveiro e além de sua condição. Pensava sim. E muito. Só que os pensamentos de Arturo escorriam todos pelo ralo do banheiro. E depois que secava o corpo e vestia sua roupa de trabalho, e colocava os óculos, e apanhava a pasta, e tomava o café, sempre o mesmo café - meia xícara e duas


bolachas salgadas - já não havia pensamento que resistisse ao árido corpo que ali se constituía. Quem de perto pudesse observar melhor, perceberia que até aquele pequeno ar prazeroso que o lábio inferior de Arturo sempre fazia ao sair do banho, breve sensação de alívio e frescura; como se fosse puxado por mãos contrafeitas ao prazer dos outros, esticava-se em uma boca hermeticamente fechada e árida. Soldados os lábios. As sobrancelhas enrugavam-se levemente e algumas rugas ainda não percebidas encrespavam a testa de Arturo. Arturo outro homem não o mesmo antes. Ao chegar ao trabalho largaria seu casaco no encosto de sua cadeira de rodinhas e se poria a analisar avidamente os números. Revisaria quantas vezes fosse necessário qualquer coisa que não precisasse, de revisão. Faria apontamentos, relatórios que ninguém leria. Mas faria aquilo tudo com prazer. Pois poucos tinham. Perigosamente solteiro aos quarenta e dois anos, já havia acumulado um número de manias incapaz de permitir uma vida tranquila com qualquer mulher normal. Por isso namorava Malva. Malva não era normal. Dona do armazém na rua onde Arturo morava, não era muito bem vista pela vizinhança. Nada honesta, diziam que inclusive superfaturava a mercadoria. Errava sempre ao seu favor nos cálculos dos ranchos e ainda por cima ostentava um decote tão imenso que quase obrigava os fregueses a - constrangidos - olharem para os lados ou para cima, para desviarem os olhos daquelas duas enormes obscenidades que se debruçavam sobre a caixa registradora. Foi isso que chamou a atenção de Arturo. Com um pacote de bolachas salgadas na mão, dirigia-se ao caixa quando deparou com aquilo. Metáfora da luxuria. Sexo e dinheiro. Corrupção e economia. Ele não precisou pagar as bolachas. Ganhou a mulher sobre a caixa registradora. Mas só a mulher. A caixa permanecia distante. Ele continuava pagando tudo. Malva não ajudava em nada. E ainda cobrava. Cobrava mais amor, mais carinho, mais dinheiro para passearem, para viajarem. Queria presentes. Queria um carro novo. Arturo começava a achar que não fizera bom negócio. Mas a vida é ridiculamente irônica, estranha e essas coisas todas que dizemos quando não entende-

mos nada. Arturo cansou. Acordou um dia e decidiu que estava cansado. Quase conseguiu, mas quando colocou os óculos tudo voltou ao normal. Pensava até em dizer à Malva que não queria mais os seus seios enormes e sua fome destruidora. Mas desistiu. Depois dos óculos seus lábios estavam selados para diálogos mundanos. Mas precisava das bolachas. De manhã. Quinze para as oito. Entrou no armazém da Malva. Silêncio incomum apanhou o pacote de bolacha e dirigiu-se ao caixa. Estancou. O assaltante como na tela do cinema, projetado nas lentes de seus óculos. Menor de idade. Arma muito poderosa, magro e fraco. Com a arma. Poderoso e alucinado. “O dinheiro, o dinheiro!” Os olhos de Malva não denotavam medo, mas um ódio avassalador se pudesse trituraria o assaltante. Os seios fartos arfavam, o coração acelerado. “Calma ai meu senhor...” O meu senhor se endereçava a Arturo que em pé suava. Não consegui falar nada, dizer ou fazer nada. Os olhos de Malva ordenavam que agisse que saltasse sobre o meliante, que o agarrasse, que salvasse a caixa registradora. Impositivo era o olhar. O corpo de Arturo não mexia. Posição tão incômoda para ele e para o assaltante. “Vai pra lá cara, encosta no balcão!” E Arturo não conseguia. Petrificado juntamente com suas bolachas, permanecia em pé, estátua pública, a alguns passos do assaltante. “Já falei p...” no exato momento em que o delinquente virava-se para agredir verbalmente Arturo, de sobre o balcão Malva saltou. Seios balouçantes, dentes trincados em fúria doentia, braços abertos, unhas escancaradas. Um estampido surdo. Seco. E mulher e assaltante estatelaram-se no chão. Inertes. Ela com um enorme buraco de bala no pescoço. Muito sangue pelo chão. O assaltante. Magro e fraco. Morrera ao bater com a nunca no chão. Mortos. Os dois. Arturo permaneceu quieto por alguns segundos. Tirou a carteira do bolso, arrancou a carteira de identidade e jogou-as sobre os cadáveres, tirou o casaco e largou no chão. Ao sair do armazém estava apenas de cuecas e de óculos. Não olhou para trás. E antes de deixar o lugar e adentrar pelo meio de centenas de pessoas que se aglomeravam para ver a cena, apanhou os óculos do rosto e o lançou para cima. O objeto fez algumas piruetas e desmanchou-se na calçada.

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ENTRE LIVROS E AUTORES

ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS Por Gustavo Souza Silva

“Alice estava começando a se aborrecer de ficar sentada ao lado da sua irmã num recosto jardim, sem nada para fazer. Dava uma ou outra olhadela no livro que a irmã lia, mas implicava: – De que serve um livro sem figuras nem diálogos?”

Alice Liddell and sisters

Assim começa uma das mais importantes obras da literatura infantil – e uma das que mais repercutiu pela mídia em meio a varias adaptações, afinal, esta é também considerada uma das obras que mais foram traduzidas desde sua publicação oficial em 1866. Lançada oficialmente em 1865 pelo Lewis Carroll, em parceria com o ilustrador John Tanniel, Alice no País das Maravilhas é uma viagem fantástica para um mundo virado de cabeça para baixo, e para enfatizar toda a loucura que é este universo criado pelo Lewis, ele fez questão de mostrar esta aventura inteiramente sob o ponto de vista de uma menina de cinco anos de idade. Talvez eu esteja apenas gastando palavras, já que todos conhecem ao menos um pouco sobre esta história, então vamos ao estudo um pouco mais interessante sobre esta belíssima obra. À quem já leu esta obra – ou viu com atenção os vários filmes sobre, já notaram que esta é uma história que é fantástica tanto para crianças quanto para adultos, certo? Mesmo sendo uma aventura aparentemente ingênua de uma criança numa terra cheia

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de criaturas estranhas e situações inusitadas. A primeira vez que li o livro do Lewis eu notei isto, mas até então não sabia direito o porquê, acreditava eu que fosse pelo jogo de palavras que é constantemente usado durante a obra. Bom, este também é um dos motivos, mas há algo a mais.

Ilustração de John Tanniel

Alice no País das Maravilhas foi um divisor de águas na literatura inglesa, afinal, antes de Lewis escrever sua história, a maioria dos livros infantis seguia os preceitos da Inglaterra vitoriana, período que perdurava durante sua época. Os adultos possuíam uma seriedade aborrecida, as cidades eram cheias de fumaça e as crianças já tinham uma rotina, como os adultos, tirando-lhes aquela energia bagunceira e divertida que toda criança deve ter. E Lewis queria ver as crianças voltarem a ser crianças, assim fez em sua obra revolucionária uma puta crítica a toda a chatice da cultura vitoriana – perdão pela linguagem informal, não há palavra melhor forma de expressar isto do que “puta crítica”. O tal mundo de cabeça pra baixo que ronda a obra é uma sátira à cultura daquela época. Parafraseando Nicolau Sevcenko, o tradutor da última edição de Alice lançada no Brasil, “Lewis Carroll colocou de ponta-cabeça a própria cultura vitoriana, expondo o mal-estar, a impostura e a esterilidade de uma sociedade fechada e repressiva”. E que papel Alice tem nisto? Ela é a personalidade re-


Personagens do filme de Tim Burton

belde neste mundo onde parece que o riso está afastado. Aquela que indaga, enfrenta e fica abismada com tudo aquilo que vê. Afinal, ao se ver no meio daquele monte de “pessoas loucas”, a forma como Lewis via os adultos da época vitoriana, Alice se vê oprimida e um tanto confusa em meio àquelas personalidades estranhas e que fazem pouco sentido a ela. E está tudo lá, o coelho atrasado, a duquesa falastrona, a rainha opressora, a falsa-tartaruga entristecida, as cartas trabalhadoras etc, cada um compondo seu papel nesta grande sátira. – Mais cuidado com o que fala! - gritou a rainha, ficando toda vermelha de raiva. – Vou falar o que eu quiser! - respondeu Alice. – Cortem a cabeça dela! Cortem a cabeça dela! - pôs-se a rainha a berrar, com toda a força de seus pulmões. Mas ninguém se mexeu. – Quem é que liga para você? - disse Alice. – Vocês não passam de um pacote de cartas de baralho. Agora adentrando a visão infantil da obra, algo que mencionei vagamente acima, sobre o ponto de vista usado pelo autor – que foi também uma ferramenta pra mostrar como tal cultura vitoriana era, digamos, coisa de louco. Nós notamos durante a leitura do livro o quão longe consegue ir a mente infantil quando ela começa a confabular consigo mesma sobre tudo o que anda acontecendo a ela naquele dia. Usando como exemplo minhas sensações durante a leitura da obra, ver os pensamentos de Alice e perceber o quão absurdo e livre eles são me foi algo incrível, é como se eu conseguisse fugir por um momento deste mundo

cheio de responsabilidades e sentir-me como uma criança novamente, uma sensação que faz de tal narrativa algo incrivelmente divertido – e com forte capacidade de arrancar sorrisos de quem o lê. Afinal, como eu poderia não me deliciar com os diálogos de Alice durante sua aventura? Como quando ela indaga a si mesma por que todos ali querem mandar nela ou no diálogo dela com a Duquesa, uma nobre falastrona, onde se denota o pensamento vitoriano da personagem. Espero não estar sendo repetitivo, mas é este tom infantil que dá à narrativa uma fluidez que consegue prender desde uma criança até um adulto – e principalmente os adultos... – Pensando de novo? - perguntou a Duquesa. – Eu tenho o direito de pensar - respondeu Alice secamente, pois estava ficando aborrecida. – Exatamente o mesmo direito que têm os porcos de voar - disse a Duquesa. Confesso que antes de começar a escrever esta matéria, minha ideia era que fosse uma resenha desta obra que tanto amo. Mas com o passar das linhas o que seria uma resenha se tornou uma análise sobre o que é o dito país das maravilhas e tudo o que ocorre nele. Afinal, é uma obra muito complexa, não é à toa que é um dos livros mais traduzidos no mundo e que tenha ganhado dezenas de versões no cinema, teatro, jogos e canções. Sua primeira versão cinematográfica, aliás, foi durante os primórdios do cinema – cerca de 1910, quando tentaram reproduzir os eventos fantásticos da obra com o cinema ainda engatinhando. E a partir de então, com o aumento da tecnologia, o universo de Lewis Carroll foi se tornando cada vez mais

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Personagens do filme de Walt Disney 1951

belo, principalmente após a animação da Disney ser lançada em 1951, algo que popularizou ainda mais a obra. E pouco tempo depois ela até ganhou uma roupagem mais aterrorizante, como no filme Alice de 1980. Claro, há também as ultimas adaptações do Tim Burton, que deu à obra um caráter mais épico, mostrando uma visão diferente da obra – uma que particularmente não me aprecia. E como mencionei o filme de 1980, que possui um tom mais bizarro e menos fantástico, não posso deixar de falar sobre o jogo para computador, Alice McGee, que mostra Alice num sanatório após ter visitado o País das Maravilhas pela primeira vez. Isto apenas mostra o quão forte é esta história, que após mais de cem anos continua ganhando vida em outras visões e plataformas. E por fim, antes que este texto se alongue demais e talvez fique cansativo a você, leitor, adentramos nos últimos trechos desta análise de Alice, uma obra de uma riqueza imensa, com um conteúdo histórico excelente, mesmo que satírico, e o melhor: sem perder seu tom infantil e divertido. Além de que, aos entusiastas por leitura, Alice no País das Maravilhas é repleto de trocadilhos e jogos de palavra, principalmente na versão em inglês da história, onde podemos captar a louca aventura de Alice em sua louca linguagem original. Aventura que, claro, teve suma importância na literatura, pois as obras de Lewis Carroll influenciaram não só as histórias infantis, mas também autores como Louis Stevenson (O Médico e o Monstro), Oscar Wilde (O Retrato de Dorian Gray) e vários outros. Mas enfim, para concluir este texto, deixe-me ser um pouco contemplativo, por favor. Eu só tive a oportunidade de ler este livro após crescido, mas penso

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que seria fantástico se o tivesse lido quando criança. Quantas sensações, sorrisos a mais e risos sinceros não teria ao ver, como uma criança, a louca jornada pelo ponto de vista infantil de Alice – que é uma personagem fantástica. Que, durante toda a sua jornada pelo país das maravilhas, carrega uma inocência e rebeldia incríveis de se ver. Sinceramente, espero que tenha gostado desta análise tão breve para uma obra tão rica, pois esta foi feita com o coração. Agora, apenas aproveite seu dia, afinal, somos todos loucos aqui.

Ilustração de John Tanniel

– Mas eu não quero ir parar no meio de gente maluca - observou Alice. – Ah, mas não adianta nada você querer ou não - disse o gato. – Nós somos todos loucos aqui. Eu sou louco. Você é louca. – E como é que você sabe que eu sou louca? perguntou Alice. – Bem, deve ser - disse o gato. – ou então você não teria vindo parar aqui.


ENTRE VERSOS E PROSAS

A POESIA NÃO É REFUGIO PARA NOS ACOVARDAR Por Joka Faria

Manhã fria de inverno. E a poesia plena, sentido na vida. Já li poemas de Nydia Bonetti , um poema antológico da riqueza poética de Edu Planchez e de Paulo Mendes Campos. “Não sei muito dos modernos e tenho receio das cavernas de Platão” (Paulo Mendes Campos) O que o poeta Paulo nos diz com este poema? Um enigma para mim! Como é sobreviver sem poesia? Poetas contemporâneos entre os ruins e os bons abundam no facebook. Rica expressão da arte do fazer nesta rede social. Dia desses, arrisquei meus fragmentos de poesia para retratar a beleza do início do inverno em meio às chuvas. Mas não esqueço daqueles homens e mulheres que vivem nas ruas. Nem dos que se tornaram zumbis com o uso de drogas. Neste frio cortante. E vivemos numa sociedade que não sabe tratar seus doentes. E não é de hoje, Victor Hugo retrata as maldades do coração humano numa França cercada de conflito. E hoje vivemos neste Brasil cercado de dor e desamor a cada dia com um novo escândalo na política e na economia. E a poesia não é refúgio, a arte não é refúgio. E nem o esoterismo e as religiões devem ser refúgios, para nos fingir de cegos, surdos e mudos. Mas nós, miseráveis seres humanos não devemos calar. E diante de tudo, não sou ateu, tenho que cair de joelhos para pedir forças para o bom combate. Poetas sacerdotes, xamãs da era contemporânea. A arte esta aí desde que nos fizemos seres humanos. O universo é infinito e a poesia não cala em nosso coração. Não sei para você que me lê. Estes poetas aqui colocados me dizem muito em suas dores e amores, não me cansa suas poesias. Vivemos um rico momento da história, como todo momento histórico. Estamos em nossa época e nos cabe retratá-la. Acabei de assistir mais uma temporada de Sense 8 de Lily e Lana Wachowski, nada mais nada menos que os criadores de Matrix, “transexuais“ e apenas mulheres por opção. São estas duas grandes artistas de nosso tempo. Sinto-me no século dezenove e até na pré- história diante de combativos hackers. Só sei escrever e com meus intermináveis erros da língua de Camões. Temos é uma língua Brasileira sendo que o Tupi foi a principal língua até o século dezoito. Somos uma nação sempre em for-

mação. Devemos sempre avançar e construir uma nova maneira de economia. Desculpe o transtorno, eu iria falar de poesia? Mas no século vinte e um é tudo junto e misturado. Mas só o amor nos deve unir e não o ódio. Motivo por ter fechado uma pagina no facebook. Mas sem poesia e poetas, sem comida, não vivo. Que planeta queremos construir? Ou acabaremos numa hecatombe nuclear? Quero viver! Queremos viver! Nem sei se aprenderei a escrever roteiros, criar historias para refletir o mundo. Mas sei que quero ler Paulo Mendes Campos para decifrar seus enigmas. Vivemos da poesia, da arte de ontem e hoje, o amanhã é uma hipótese ainda não vivida. Temos uma infinita aventura no universo. Estamos navegando. Não tentemos decifrar poetas, eles são bardos, xamãs de nosso tempo. E estão próximos das línguas dos anjos. Deus está vivo dentro de mim e de você, no canto dos bem-te-vis e no casal de Tucanos no alto da torre da Igreja. Como decifrar o mito da caverna? Vida alma, luz e amor dentro de nossos corações. faço versos à beira do abismo vento a mais me leva vento ameno me sopra histórias vindas do precipício mormaço me traz de volta ___ao meu silêncio sem asas Por Nydia Bonetti Vento venoso caminho por um túnel colorido pelas solidas caricias da sorte de ter a verde alma dos que soletram os nomes das flores e dos pássaros meu solitário solfejo de flauta não é tão solitário assim, há rajadas de sinos vindo dos céus dos guerreiros que tocam, dançam, cantam, pintam, escrevem... Por Edu Planchêz

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ENTRE VERSOS E PROSA

A CANOA DE ANTÔNIO Por Teresa Bendini

Não é a canoa, Antônio. É só seu peso, seu fardo. E ontem sua neta foi embora as vinte e duas e dez. Estou te vendo segurando o caixão. Melancólico, condoído, preso em poça barrenta. Pare de segurá-lo desse jeito! O esquife não é um barco. Dessa vez, você não é o capitão. Tem uma fé enorme naufragando no seu peito. Doendo a dor do mundo inteiro. Sua canoa de pescador teimoso. Posso te ver daqui, segurando-a, como quem quer controlar o movimento. Conduzir. Estou aqui em meio a tantas pessoas atônitas, sem saber o que dizer. Falar o quê? Sua neta se foi aos sete anos, sua única neta. Aquela que você criou desde bebê. Que viu nascer. Ela ouvia suas histórias cheias de mentiras engraçadas sobre peixes, iaras, sacis e mães d’água. Morreu de leucemia, ontem, as vinte e duas horas e dez. Num domingo lento que não passava nunca. Que seja esquecido prá sempre. Será que vai ser? Morreu no mesmo dia em que nasceu. Num domingo de manhã, as 11. Sol estridente. Sua mãe não a quis. Entregou a filha aos avós e fugiu sabe lá prá onde. Não quis enfrentar a leucemia. Talvez tenha sido isso. Ela profetizou o mal. Só pode ter sido isso. Que mãe abandonaria uma filha? Uma menina meio índia, foi crescendo ali naquela mata de rio, de várzea, linda como as iaras, como as luas, que as águas poluídas do rio engoliam a noite. Ela previu que teria que enfrentar a doença da me-

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nina então fugiu antes que “esta” lhe pusesse louca. Antônio sabe o quanto isso dói. Todos ali sabem. Passaram por perdas, de um jeito ou de outro. Vivenciaram a dor. Domingos lentos que não acabam nunca. A tragédia comungou com eles. Bebeu a água, beijou a boca, tomou sopa à noite. E às 10 e 10, daquele domingo doido, entalado na noite, no peito, na garganta, sem dizer nada ela se foi. Olhos fundos, abertos ainda. De olheiras, acostumados. Todos permanecem na igreja velando, ruminando o gosto amargo da morte, sem engoli-la de fato. Suportando a angústia do não entendimento, da não aceitação, da incompreensão. Tem que ser assim? Esse FEL? Estava lá o Seu Antônio, o avô mais triste do mundo. Fé batida, esmagada. No chão da igreja. Alguém, mijou ali mesmo. Na frente de todos. Uma senhora com incontinência urinária. “Tem Alzheimer”, um menino disse. Não entendi nada. Era de enlouquecer mesmo. Ele, Antônio, forte, firme, segurando o esquife, a canoa, a embarcação que o levava para um naufrágio. O corpo leve da menina magra. Enquanto ele, teria que suportar a vida, sem a neta. Há tantos anos ele contava mentiras. Histórias fantásticas de pescador, mentiras de lambaris, de bagres, cobras d’água, mentiras de fazer tremer e rir, mentiras generosas, mentiras suportáveis.


ENTRE TRILHAS E VIAGENS

CAMINHANDO PELA LAPA - PARANÁ Por Ana Maria Alcides

Cidade do Estado do Paraná que teve origem ligada ao Tropeirismo, é umas das mais antigas do Paraná (1769). Distante da Capital Curitiba apenas 63 Km oferece ao visitante uma viagem no tempo e na história através de muitos registros da passagem dos tropeiros que aqui chegavam e aqui faziam a “invernada”, que era o tempo necessário para a recuperação do gado trazido de Viamão (RS) e que após esse período prosseguiam para Sorocaba (SP). Muitas cidades eram formadas por conta do tropeirismo, incluindo a Lapa.  Rua Ten. Henrique dos Santos, uma das principais ruas da cidade.

E pelas ruas da cidade o turista vai se encantando à cada esquina, conferindo lugares que guardam objetos que pertenciam aos bravos lutadores do Cerco da Lapa, por exemplo no Museu das Armas.

Portal da cidade - Monumento ao Tropeirismo (Obra de Poty Lazarotto)

As ruas de paralelepípedos, réplicas de luminárias antigas tendo toda fiação elétrica subterrânea no Centro Histórico deixam as construções em estilo colonial português muito mais encantadoras. Nestas mesmas casas, encontramos registros de um importante episódio que marcou a história política brasileira e ficou conhecido como o Cerco da Lapa quando a cidade se tornou um palco sangrento de batalhas durante a Revolução Federalista, que aconteceu em 1894 .

Uma das janelas do Museu das Armas, que também foi cadeia.

Depois de observar os detalhes do Museu das Armas, o passeio pela história continua através das casas que, ainda tem as marcas das balas usadas nos combates do Cerco. Mas tudo fica mais leve quando nos deparamos com belos templos da cidade, como o Santuário de São Benedito:

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Vermelha que também abriga o Museu do Tropeiro junto ao Museu da Congada:

Casa Vermelha - Artesanato, Museu do Tropeiro e Congada

Santuário de São Benedito e Igreja de Santo Antônio, padroeiro da cidade.

Descendo as ruas de paralelepípedos, não pode faltar a visita à Casa Lacerda, ao Pantheon dos Heróis, à Casa dos Cavalinhos que conta a história de um jovem apaixonado que não tinha recursos financeiros para ter autorização de se casar com sua amada. Mas teve um sonho lindo com dez cavalos alados e se inspirou nele para jogar na loteria, quando ganhou o primeiro prêmio, pode assim se casar. Por isso construiu a casa onde viveram felizes e podemos ver os cavalinhos colocados lado à lado na bela casa, que hoje é a Casa da Cultura: 

Como é bom poder levar uma recordação da cidade!! Então, não pode deixar de passar também na Casa

Uma boa pausa para um excelente almoço típico tropeiro num dos ótimos restaurantes da cidade onde provarão o feijão tropeiro, torresmo e muitas outras delícias que com toda a certeza serão um convite para um breve retorno à cidade. Mas não acaba aí seu passeio, pois para quem gosta de fazer uma trilha e ainda poder ter uma vista linda através de um mirante, poderá ir até o Parque da Gruta do Monge da Lapa. Um lugar lindo com trilha entre as pedras e paredes de rocha que o levarão ao local de peregrinação religiosa que atrai muitos fiéis. Conta-se que viveu ali por muito tempo o Monge João D’Agostinis, que era um estudioso das plantas, medicava e realizava profecias e cura para muitos males.


CANTO DA CULTURA

ERA UMA VEZ EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS Por Elizabeth de Souza

A Mestra FILOSOFIA no canto da cultura No início dos anos 90 não havia mais declamadores na Praça Afonso Pena, SJC. Continuamos com o varal poético e os encontros. As reuniões eram para os bate papos filosóficos todos os sábados, o dia todo. Ainda estava acesa aquela chama ardente no peito. Ainda estava vivo o gosto em torno do mesmo ideal. Afinal para os amantes da poesia, da arte, da ciência e da filosofia tudo é possível. E o laço de fraternidade, entre nós, mantinha-se apertado pelo calor das afinidades.

Kharistos e Edmar

Nessa época, fui morar em São Francisco Xavier, distrito de São José dos Campos, um verdadeiro paraíso na terra. Mas, todo final de semana estava na praça com os poetas. Éramos inseparáveis! Agora, novos personagens foram se juntando ao grupo: Stjepan Maurer, Alex Jacques, Fábio Kleber, Paulo Lopes

O Solfidone era o primeiro a chegar à praça todos os sábados, atraindo os filósofos a sua volta. O Kharistos, tinha uma sede de filosofar e sempre estava por lá. Apareceu o Edmar - O Edmar estudava arte, filosofia e estava se embrenhando pelos caminhos da ciência oculta. Ficávamos sentados trocando ideias mirabolantes acerca da vida, do ser e do mundo. O encontro era na Praça, onde pendurávamos os poemas no varal e depois íamos para algum lugar, tipo ver o por do sol no banhado ou passar à tarde numa lanchonete em frente à Praça Afonso Pena, onde ficávamos horas conversando e comendo batatas. Era um lugar confortável, com mesas e bancos de madeira, o Califórnia Chicken. E nesses momentos ficávamos também escrevendo juntos, alguns desenhando, em tardes muito especiais. “Se eu deixar de existir todos vocês também o deixarão. Vocês existem porque eu existo” (Stjepan) “Eu sou um ser, sem ser” (kharistos ) “Oh, Deus que é o pastor e diz que nada me faltarás, livrai dos laços e passarinheiros e da peste perniciosa, porque “senhor”, sou filho do homem que é filho de Deus” (Paulo Lopes)

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“Busco, o desapego das coisas vãs A ilusão é tão forte que me agarra pelo ventre e me gira no espaço deixando-me estonteante-mente fora de mim Quando volto não sei quem sou”. (Elizabeth)

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ANUNCIE NA REVISTA ENTREMENTES O Portal Entrementes é uma revista digital de conteúdo essencialmente cultural, conta com a colaboração de mais de 20 colunistas, escritores, poetas, críticos, músicos, artistas plásticos, ufólogos, etc que estão espalhados por várias partes do Brasil, assim como em Portugal e Moçambique. Além das postagens dos colunistas tem-se uma agenda onde são postados releases de vários eventos para divulgação e também são feitas matérias especiais sobre variados temas na região e em outras cidades ou estados, que são registrados através de vídeos, entrevistas e imagens. Agora no formato de revista impressa que é publicada trimestralmente (Março, Junho, Setembro, Dezembro).

O conteúdo da revista impressa é contribuição dos próprios colunistas junto com outras matérias interessantes feitas pela equipe do Entrementes. Para que o projeto continue levando conhecimento e cultura até as pessoas, precisamos da sua contribuição. Colaborando conosco, além de nos ajudar a divulgar conhecimentos, estará também divulgando sua empresa. Adote essa ideia e junte-se a nós... Agradeço a colaboração e a parceria! Elizabeth de Souza - Editora do Portal www.entrementes.com.br contato@entrementes.com.br (12) 98134-9857


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