Revista entrementes x1

Page 1

Ano 3

revista

| ENTREMENTES | X1 www.entrementes.com.br

Revista Entrementes é um ato de arte As Peripécias do Nosso Poeta-Atleta na São Silvestre 2017 Momentos Épicos do Entrementes na CCXP 2017 A crítica de STAR WARS - OS ÚLTIMOS JEDI Entrevista com o contista Diego Lops TOP 5 | Melhores Filmes do Ano A Trilha no Morro dos Remédios em Paraibuna


Editorial Apresento-lhes a nova edição da Revista Entrementes, agora em um novo formato: a X A Revista Entrementes, antes trimestral, onde cada uma delas carregava a beleza das estações: Primavera, Verão, Outono e Inverno - agora será anual, como um Almanaque. Serão selecionadas algumas obras escritas durante todo o ano, de todos os colunistas e colaboradores. Então, publicaremos no almanaque, que será realizado anualmente no mês de dezembro. Além das obras dos autores, ainda vão compor o Almanaque as matérias e entrevistas realizadas pelo Portal Entrementes. Excepcionalmente, essa primeira edição, a X1, estamos publicando nesse mês de Janeiro de 2018, por conta das mudanças. Mas todas as obras da mesma são aquelas escritas no ano de 2017, assim como as matérias e entrevista. Agradecendo sempre todos os colunistas e colaboradores do site - sem eles não teríamos uma Revista tão bela e um conteúdo tão especial. Apreciem com todo o gosto as peripécias do nosso Poeta-Atleta na São Silvestre; Os momentos épicos na CCXP 2017; A entrevista com o contista Diego Lops; Os comentários dos filmes de 2017 e a crítica do filme mais esperado: Os últimos Jedi; Os caminhos e trilhas pelo Vale do Paraíba e o sonho de chegar a Marte; A visão de Foucault sobre o corpo; A poesia marcante dos nossos queridos poetas assim como os contos, as crônicas e os comentários dos nossos escritores. Espero que gostem do novo formato e ao ler, ajudem a divulgar esse trabalho realizado por pessoas que merecem. Afinal, a Arte, a Ciência, a Filosofia e o Místico, são conhecimentos que norteiam nossas vidas humanas e divinas. 2017 - O ano de Saturno! Conectando ideias, conectando Revista Entrementes X1 Boa leitura a todos! Elizabeth de Souza EXPEDIENTE: Ano 3 - Edição X1 Editor e Jornalista responsável: Elizabeth de Souza MTB 0079356/SP Diagramação: Filipe Oliveira Capa: NASA/JPL-Caltech Revisão: Quênia Lalita


Sumário 04 |

ENTREMENTES – UM ATO DE ARTE Joka Faria

06 | SÃO SILVESTRE 2017 Dalto Fidencio

28 |

STAR WARS - OS ÚLTIMOS JEDI Dalto Fidencio

40 | ENTREVISTA COM DIEGO LOPS Teresa Bendini

5 - MELHORES FILMES DO 16 | ENTREMENTES NA CCXP 2017 52 | TOP ANO Dalto Fidencio

Lilith Anansi

LITERATURA

Crônica: Afinal, podemos ser deuses! - Milton T. Mendonça ......................................10 Carta para a pessoa amada - Escobar Franelas ..............................................................15 A arte de Ricola e as falhas magnéticas - Joka Faria .........................................................20 A minha história em 3D - Jorge Xerxes ............................................................................22 Anjos acham difícil manter a guarda - Marcelo Pirajá Sguassábia ..........................24 Escrever mundos - Ronie Von Rosa Martins ....................................................................26 A cidade anda vazia de Quixotes? - Joka Faria ...............................................................38 Decl(amar) - Alexandre Lúcio Fernandes .........................................................................43 Leituras - Germano Xavier ...................................................................................................48 O Despertador Humano - Marcelo Pirajá Sguassábia ................................................56

SOCIEDADE

Deus é brasileiro! E os Deuses, são gregos? Elizabeth de Souza ...................................12 Venezuela - O socialismo do século XXI - Joka Faria .............................................................60

GEEK

A História do Cosplay - Alexsander Prates ......................................................................35 HQ “Maus” - Gustavo Souza Silva ...................................................................................44

POESIAS..................................................................................................................................31 CAMINHOS E TRILHAS

Minha Sagrada Serra da Mantiqueira - Elizabeth de Souza ......................................36 Morro dos Remédios - Nunes Rios ......................................................................................50

UFOLOGIA

Revelando Marte, descobriremos nossa origem - Renato Mota ...............................58

FILOSOFIA

Corpo e Sexo - Vinícius Siqueira ..........................................................................................62 Signo - Solfidone .......................................................................................................................63


ENTREMENTES – UM ATO DE ARTE Joka Faria

O desafio que quase me tira o sono, são meus clichês em todas as maneiras de escrever. E para rompê-los, só a leitura, a conversa e o sofrido esforço para se libertar de minhas alienações. E nada como a Revista Entrementes em qualquer de suas edições. Arte é duro oficio. Sim, oficio, apesar de não vivermos dela. É uma opção quase impossível. Minha arte não é artesanal e nem mercadológica, não que eu não queira, ela simplesmente não é. Para conseguir leitores é um esforço quase inumano. Estou fadado ao desaparecimento. Mas tudo bem, você leitor também irá desaparecer, enquanto personalidades, mesmo sendo eterno. Que revista! Já li algumas matérias. Perco-me como sempre, neste ISSU. Labirinto tecnológico – em PDF já não bastava? Algumas fontes difíceis de entender, mas superamos. A qualidade das contribuições são maravilhosas. O Entrementes é um ato de arte que mais vejo durar, na insípida cena brasileira de nossas inúmeras dificuldades de um espaço no mundo. Minha camisa e meu cérebro sua para entender estes tais pensadores da educação. Ainda sou um fiasco, como professor. Mas hei de vencer! Só me resta o amor, a humanidade e a comunidade. Entender teorias educacionais e práticas burocráticas é um desafio. Paulo Freire, gosto muito, mas não é cocada não. Entre ler Paulo e Fernando Pessoa, fico com Pessoa. Este tal de Mikhail Bakhtin é um desafio. Preparei uma apostila do curso que fiz e acabei não lendo. Mergulhei na literatura, na poesia,

04 | ENTREMENTES | Arte

no Facebook com seus poetas e na Revista Entrementes. Eu não sei tocar e cantar nas Ruas do Rio de Janeiro, nem dar aula de história em Ubatuba e nem produzir mel. Só sei produzir clichês e viver com minha renite. Fiz duas séries de poemas no Face. Nem uma escola me chamou, caminhei, li, reli. Escrevi, meditei e termino saudando a Edição de Inverno. Aquela última seção que Elizabeth de Souza tem na revista é um bálsamo. Cara, encontrar-se para falar de arte, filosofia. O último lance assim, foi numa banca de revista, perto do teatrão. Povo, acorda, precisamos nos ver, seja nas praças ou em qualquer canto. Numa praia de Ubatuba, então. Ou em Tremembé à beira do Rio Paraíba. Nas ruas não, em salões. Somos pós modernos, eternos... Opa! Usei algo do poeta Moraes em saudações aos poetas. A Banda do Folclore Desbocado é a juventude de hoje. Faço parte daquele movimento das praças... Ai, viva a Afonso Pena! A Revista está atual, internacional, ultra dimensional. Está Domingos Fabio, Solfidone, O desconhecido. Que tal uma homenagem ao poeta desconhecido? O Moraes Barbosa iria gostar. Arte, vida. Fico com um poema visceral de Maria Giulia Pinheiro, citado por Marco Antônio Machado, para fechar este texto clichê, alma e solidão. Poetas não vivam sós, somos a alma, ciranda e canção. O Domingos Santos saúda os poetas na parte de poesia. Mas tudo é poesia. Desbocados cansados dos clichês da política. A arte é um grito e uma canção de esperança e um grito de luta! Semana de arte


moderna, lesbos, safo, Byron, revolução francesa. Incineremos nossos medos – abriremos o portal do banhado, comeremos bolinho caipira em cima da pedra do baú.

Arte | ENTREMENTES | 05


CORRIDA DE SÃO SILVESTRE 2017 Dalto Fidencio Ano chegando ao final… é dia de correr pelas ruas da Terra da Garoa, é dia da Corrida Internacional de São Silvestre! Para este poeta-atleta que vos escreve, era uma edição especial, pois esta era minha décima participação na mais importante corrida de rua da América Latina! Este ano a organização resolveu decretar guerra aos corredores que participam sem inscrição, os popularmente chamados de “corredores pipoca”. Informações pipocavam (com o perdão do trocadilho infame) sobre o assunto, já vários dias antes da prova, informando que uma operação anti-pipoca seria montada. Dois mil staffs estariam espalhados pela Paulista

06 | ENTREMENTES | ESPORTE

e imediações para tentar triar quem tentasse chegar na Avenida Paulista, e só deixariam passar os com número no peito. Bem, isso realmente ocorreu, pelo menos a tentativa disso, mas é claro que é uma utopia tentar proibir uma pessoa de correr numa via pública, tendo ou não ela feito inscrição para tal. Voltaremos a este assunto em breve. Cheguei à Paulista pouco depois das 7h da manhã e me dirigi aos guarda-volumes, que ficavam em uma rua atrás do MASP. Nesta parte não há o que reclamar da organização: havia vários staffs pelo caminho indicando onde ficavam os ônibus que fariam vez de guarda-volumes, com isso não tive nenhuma dificuldade


em achá-los, e rapidamente já estava voltando para a Paulista... a dúvida era se seria igualmente fácil pegar meus pertences quando do final da prova. Louvável a tentativa da organização de separar os atletas por desempenho, criando vários setores coloridos de acordo com os números do peito, como é comum em maratonas, mas infelizmente os atletas não respeitam isso, e no setor Azul, reservado aos corredores amadores mais rápidos, se viam vários atletas dos setores Amarelo, Vermelho e até do Cinza, destinados aos mais lentos, e isso se manteve até o momento da largada. Eu matava hora passeando pelos setores, quando, às 8h em ponto, a chuva veio nos visitar... São Pedro queria dar um alô para São Silvestre! Eu falei lá acima em Terra da Garoa? Bem, mude para Terra da Chuva mesmo... e ela até que veio moderada no início, mas depois de uns 20 minutos, aumentou muito de intensidade. Como estava perto, corri me abrigar debaixo das árvores do Parque Trianon, já que o MASP, logo em frente, parecia já lotado. E o céu chorou, lavando tudo de ruim que pode ter acontecido em 2017, até cerca de 10 minutos para a largada, que seria às 9h. Me dirigi rapidamente para o meu setor, e esperei ansioso o início iminente de minha décima São Silvestre. Ah, antes da prova propriamente em si, preciso citar duas coisas sobre o sistema de som. Um: o bom gosto do DJ, que colocou pra tocar muito rock nacional, me deixando agradavelmente surpreso (talvez fosse uma compensação pelas atrações da Festa da Virada, que aconteceria horas depois...), e dois: a insistência em falar que a prova era só pra os inscritos, que pipocas não eram bem-vindos, e que estavam proibidos de usar os postos de hidratação ao longo do percurso, pois se o fizessem “poderia acabar a água para os inscritos”... menos, organizadores, menos. Em uma década correndo a SS, sempre

vi água sobrando e nunca faltando, e os pipocas sempre estiveram presentes. Essa é uma opinião bastante pessoal, mas não acho que elitizar uma prova que tem em sua beleza o fato de ser tão popular seja o melhor caminho. A organização alega que no ano passado foram 10 mil pipocas, e que isso encarece os custos da prova, elevando os preços da ins-

ESPORTE | ENTREMENTES | 07


crição... eu por minha vez acho que, se ao invés de se cobrar 170 reais (!) na inscrição, fosse cobrado metade disso, o número de pipocas diminuiria muito, pois iriam preferir fazer a inscrição. Enfim... falemos de corrida: finalmente foi dada a largada! A elite, claro, larga bem na frente de nós, pobres mortais, então falemos deles. Os cadeirantes largaram antes, às 8h20, e em seguida as mulheres, às 8h40. E a queniana Flomena Cheyech logo assumiu a liderança, mostrando às adversárias que esta prova dificilmente escaparia de seus pés. Pouco depois era a hora dos homens largarem... favoritíssimos eram os quenianos e etíopes, mas esperávamos por uma grande surpresa e que uma vitória tupiniquim acontecesse desta vez, pois a última vitória brasileira datava do distante 2010, com Marílson Gomes. Nós, seres humanos normais, só queríamos fazer uma boa prova e terminar sem nenhuma lesão… objetivos bastante distintos. A largada foi uma pouco mais à frente este ano, ainda na Paulista, claro, mas na altura da Rua Augusta e não antes do MASP, como nos anos anteriores. Saindo da Paulista, pegamos a Avenida Dr. Arnaldo e a Rua Maj. Natanael, passando

08 | ENTREMENTES | ESPORTE

pela Rua Des. Paulo Passalaqua e atingindo a Avenida Pacaembu e sua longa reta. Foi pouco depois dali que, no Km 5, enquanto a briga entre os atletas de elite estava acirrada, que o asfalto molhado contribuiu para uma queda ao solo dos atletas Edwin Rotich, do Quênia, e o brasileiro Wellington “Cipó” Bezerra. Felizmente ambos se levantaram e seguiram na prova, com o queniano inclusive assumindo a liderança pouco depois. O tempo ajudava, os termômetros marcavam apenas 20º, e íamos seguindo nossa aventura, passando pelo Viaduto Gal. Olímpio Silveira, as Avenidas Dr. Abrahão Ribeiro, Norma Giannotti e Rudge. e pelo Viaduto Orlando Murgel. Na elite masculina, na altura do Km 8, seis atletas africanos disputavam a liderança, enquanto que na prova feminina, a queniana Flomena Cheyech não tomava conhecimento das adversárias. E nós, amadores, (inclusive vários pipocas) íamos deixando para trás uma das minhas partes favoritas do percurso, que começa na Avenida Rio Branco, passa pelas ícônicas Avenidas Ipiranga e São João, não podendo deixar de citar o Largo do Arouche e a Praça da República. Vale elogiar o grande número de copinhos de água nos 6 postos de hidratação da prova, onde era possível pegar a água sem muito “engarrafamento” entre os atletas. Lá pelo Km 13, já se sabia que só uma lesão tiraria a vitória de Flomena Cheyech, que já estava cerca de 200 metros à frente da segunda colocada, e ainda por cima ia abrindo cada vez mais. E assim a queniana, que havia terminado em segundo no ano passado, se tornou a grande campeã da São Silvestre 2017! Fez uma prova perfeita, liderando de ponta a ponta, e fechando em 50min18s. Sintayehu Hailemichael, da Etiópia, foi a segunda colocada com o tempo de 50m55s, e em terceiro, ficou a sua compa-


triota Birhane Dibaba, com 50m77s. Entre os homens, já na temida subida da Brigadeiro, Dawitt Admasu, etíope naturalizado barenita, liderava com mais de 100 metros de distância para o segundo colocado, o etíope Belay Bezabh. Já na segunda metade da subida, Bezabh acelerou o passo, diminuindo um pouco a distância para o líder, e abrindo do terceiro colocado, o queniano Edwin Rotich (o mesmo da queda com o brasileiro, lá no início). Fim da Brigadeiro, curva para a direita na Paulista, e Admasu partiu para os metros finais rumo à glória. E assim Dawitt Admasu, nascido na Etiópia mas competindo pelo Bahrein, que havia sido vice-campeão em 2016, venceu a São Silvestre pela segunda vez (a outra havia sido em 2014), com autoridade, completando a prova em 44min15s. O etíope Belay Bezabh ficou com o segundo lugar, seguido pelo queniano Edwin Rotich, que tentava o tricampeonato da SS. E, muito tempo depois, nós chegávamos finalmente no início da Brigadeiro... era hora de enfrentar o famoso e temido “morro acima”, para completarmos nossa última missão do ano. Com algumas lesões ao longo do ano, meu treino para essa SS foi muito comprometido, e senti isso na Brigadeiro… eu que gosto de subidas e costumo apertar meu ritmo por ali, tive que me contentar apenas em não baixar o mesmo. Em detalhe muito curioso foi que, já na parte final da Brigadeiro, uns rapazes no meio da pista avisavam ter cerveja grátis (?!) logo adiante, no lado direito... e não é que era verdade? Alguns bem-humorados distribuíam copos de cerveja ao corredor que quisesse se “reidratar” de forma pouco ortodoxa e politicamente incorreta. Se alguém aí está se perguntando se peguei ou não, a resposta é negativa, pois não sou apreciador da bebida. Finalmente atingimos a Paulista e depois foi só apertar o ritmo para os metros finais, com-

pletando os 15 Km da minha décima Corrida Internacional de São Silvestre! Depois foi pegar a merecida medalha (belíssima, para variar) e seguir para os guarda-volumes, onde rapidamente peguei meus pertences, sem problema algum. Ponto para a organização neste quesito também. E assim terminou minha participação na mais esperada corrida de rua do ano, onde a organização não conseguiu o intuito de barrar a participação dos não-inscritos, mas promete ainda mais rigor para o ano que vem. Quem viver... ou melhor, quem correr, verá! Em tempo, já no metrô, saindo da Paulista, conversei com um rapaz chamado Natan Pinheiro, que tinha vindo da longínqua Aguanil, pequeno município de Minas Gerais, e havia feito sua primeira participação na SS. Ele tinha pressa para voltar logo para sua cidade (6h de carro), pois ainda iria trabalhar no começo da noite! São atletas assim, que amam o esporte e fazem qualquer sacrifício por ele, que representam o verdadeiro espírito da Corrida Internacional de São Silvestre.

ESPORTE | ENTREMENTES | 09


CRÔNICA: AFINAL, PODEMOS SER DEUSES! Milton T. Mendonça

Virara rotina acordar no meio da madrugada e ficar me torturando. Insistia em colocar minha vida numa perspectiva sombria, desenrolando todos os erros que cometera, revivendo tudo com um prazer mórbido, meio masoquista. Isto me deixava cansado o dia todo. Minhas tarefas diárias ficavam inacabadas, e muitas vezes, quando terminava, ficava insatisfeito com a qualidade do serviço, tendo que recomeçar no dia seguinte, levando o dobro do tempo para realizar um trabalho que normalmente terminaria rapidamente. Algumas noites atrás resolvi que faria diferente. Como um relógio, despertei exatamente no mesmo horário e minha memória automaticamente já me levava para o inicio do filme pastelão, quando de um pulo levantei-me e comecei a saltar em frente ao espelho de corpo inteiro que tenho próximo a cama. Olhei-me nos olhos e sorri, tanto pelo ridículo da situação como por sentir que não estava mais naquele estado de espírito peculiar que me levava ao tormento ao qual tentava escapar. Depois de poucos segundos, voltei a deitar-me e uma pequena confusão formou-se em meu pensamento, como se a agulha do braço da radiola tivesse pulado algumas trilhas no velho disco de vinil que é minha cabeça atualmente. Fiquei deitado tentando não pensar em nada,

10 | ENTREMENTES | LITERATURA

apenas observando o quarto com seus móveis feitos de sombra a espera do amanhecer. Estava lúcido e relaxado. Senti uma emoção quente invadir meu peito e uma sensação boa derramou-se pelo corpo todo trazendo segurança e a convicção de que tudo estava certo, tudo estava bem. Adormeci. Acordei com o sol queimando minha pele. Peguei o celular e verifiquei as horas. Estava atrasado. Levantei-me com o corpo descansado e um bom humor que há muito tempo não sentia. Conforme o dia foi passando e meu bom ânimo se mantinha ileso, achei que devia tentar entender o que acontecera, porque não é toda hora que consigo sair das armadilhas que as emoções costumam me pregar, e minha intuição dizia que topara com algo poderoso e não devia deixar se perder na indiferença. Enquanto pincelava a tela que estava pintando, da minha nova convidada, que deixara de lado desde que o tormento começara, meu cérebro, quase de maneira autônoma, analisava todo o evento à procura do insight que me levara à solução do problema. Lembrava-me apenas que me levantara como que empurrado por uma mão invisível e, sem pensar, começara a pular. A solução acontecera num átimo, inconsciente e, não po-


dendo repeti-lo, me deixava perplexo e empanava aquele momento de grande poder que sentia. Lembro-me que a palavra “livre arbítrio” ficou flutuando no meu pensamento como um pequeno ponto de luz, enquanto ficava tateando no escuro, tentando unir a lembrança do acontecimento com a emoção que sentira ao executar aquele malabarismo ridículo. Estava forçando a lógica. O raciocínio, como um soldado, marchava rígido, mecânico, abrindo caminho por entre as informações, cego, com um único objetivo: solucionar o problema. Minha cabeça estava começando a doer quando senti a mesma sensação que sentira naquela noite. Do fundo do pensamento, por detrás daquela força metálica que forçava passagem, uma suave brisa atravessou o raciocínio e, como uma onda, alcançou minha consciência, iluminando-a. Percebi num estalo que não era a lógica que me traria a resposta. E sim, minha alma. A palavra “livre arbítrio” cresceu me deixando incapaz de pensar em outra coisa. Descansei os pincéis no cavalete e saí para minha caminhada diária, precisava andar, toda aquela informação me deixava agitado. Antes, porém, corri ao dicionário e procurei a definição que melhor me ajudasse compreende-la, não queria partir de premissas confusas. Encontrei a definição – arbítrio: dependente só da vontade – (filosofia) Arbítrio: a faculdade de determinação. Livre: da vontade humana. Caminhei pelo centro da cidade, absorto com o problema, subi a Rua Quinze de Novembro e continuei andando. Determinação, pensei. Vontade livre. Realmente estava determinado a acabar com aquele sofrimento e minha vontade de encontrar uma solução tinha me feito tremer por dentro, na tarde do dia anterior ao acontecimento. Senti uma força rara em mim naquele momento. Deixei a mente trabalhar essa descoberta e lembranças de outros momentos transformadores surgiram

espontâneas. Percebi que todas as vezes que tomei uma decisão que mudou o rumo da minha vida, sempre fora antecedida por um momento de grande tensão. Não fora uma decisão baseada no orgulho, ou simplesmente uma decisão que podia ser delegada, por não representar risco ou importância. Foram momentos em que minha alma também estava presente, momentos que conseguira unir o coração e a mente. A alma e o raciocínio. A lógica e a emoção. Fiquei eufórico ao descobrir o fenômeno. Senti-me um alquimista com poder para transformar o mundo. Era como se, de repente, descobrira uma força que não sabia que possuía e que a partir da descoberta nada me seria impossível. Voltei para casa quase correndo. Precisava ficar sozinho para pensar. Nunca me sentira tão satisfeito quanto naquele momento. Aprendera a usar uma ferramenta, que ao usá-la inconscientemente como sempre fizera, estava perdendo quase a totalidade de seus benefícios. Era como se usasse a bengala de um cego. Agora, sentia que podia enxergar depois de nascer com os olhos vendados. Nunca me esquecerei da sensação. Já faz algumas semanas que isso acontecera e ainda continuo perplexo. O efeito dessa descoberta ainda não foi totalmente compreendido, mas muita atitude humana que antes considerava apenas literatura, hoje sei que é fruto desse poder maravilhoso. De Gandhi, com sua não violência a Picasso com sua arte audaciosa, além de todas outras atitudes que fizeram do mundo o que ele é hoje, fora apenas o exercício desse dom maravilhoso. Nem sempre foi usado corretamente, é verdade, o mal, infelizmente, também faz parte do ser humano, mas esse dom existe, e é uma parte importante da natureza humana. E sua compreensão é fundamental para podermos usá-lo não só em benefício próprio, mas para beneficiar o próximo, que em última análise é nossa principal responsabilidade.

LITERATURA | ENTREMENTES | 11


DEUS É BRASILEIRO! E OS DEUSES, SÃO GREGOS? Elizabeth de Souza Graças a Deus os brasileiros são pacíficos... ou passivos? Graças a Deus os jovens desse país são simpáticos... ou apáticos? Graças a Deus as crianças nesse país são felizes... ou sofrem o indizível? Afinal somos os filhos de Deus, portanto buscamos a paz e a liberdade sobre a Terra. Uma paz meio que hipócrita, mas tudo bem, afinal mesmo vivendo uma guerra civil, ninguém vê nada. Liberdade? Sim, claro! Uma liberdade meio que suspensa por cordões invisíveis, por isso todos afirmam que eles não existem, só na imaginação de gente desocupada. Num país protegido por Deus e a Natureza, mente vazia e desocupada é oficina do diabo.

12 | ENTREMENTES | SOCIEDADE


OS GREGOS SÃO REBELDES POR NATUREZA? Os jovens brasileiros só se manifestam contra alguma coisa quando é a “grobo” que está por trás instigando a pintá-los como caras rebeldes diante de situações que nem compreendem direito. É uma mania de aceitar as coisas do jeito que se apresentam sem questioná-las. Sempre foi tão fácil agir como brasileiros que gostam mais de estrangeiros do que dos iguais; que vibram muito mais com a música de fora (mesmo sem saber do que falam) só porque é de fora; ficam fascinados com as roupas dos gringos só porque não são do Brasil; são fiéis às futilidades das celebridades e adoram os filmes de Hollywood, só porque não são filmes nacionais. Gostam tudo que é lá, só porque não é daqui. As coisas acontecem nesse país de uma for-

ma totalmente contrária aos nossos anseios econômicos, políticos, sociais, intelectuais, artísticos, filosóficos e ideológicos. Tudo vai contra os nossos ideais, mas nós continuamos firmes e fortes nesse marasmo. Ficamos rindo felizes porque somos um povo pacífico e filhos de Deus. Aceitamos o roubo das nossas florestas e das ervas medicinais. Da nossa doçura e da rapadura, dos nossos mais diversos frutos. Dos nossos alimentos e alentos, da nossa personalidade verde e amarela. Do nosso céu e a bandeira cheia de estrelas, nossas verdes esperanças, nossos desejos azuis, nossa tecnologia amarela, nossa mansidão tão branquinha e a imensidão transparente. E ficamos à mercê das opiniões externas, como escravos que nunca se libertam de suas correntes: Uma escravidão voluntária! Ah, em contrapartida, brigamos nos campos de futebol, massacramos os pobres que não

SOCIEDADE | ENTREMENTES | 13


entregam a bolsa e/ou a vida. Brigamos entre nós numa luta vazia, assaltamos os próprios irmãos e amigos, matamos por banalidades, lutamos por insanidades, tais como libertar bandidos que usam a tecnologia para aprimorar o crime e nunca tiveram castigo. Cometemos deslizes sem fundamentos, mas aceitamos como cordeirinhos as opressões, as misérias, as violências sem motivos, as corrupções das autoridades sem consciência que só aproveitam da nossa eterna conivência. E os que se dizem opositores, só o são, enquanto não galgam os mesmos patamares. É só uma troca de figurinhas, num jogo mórbido onde ninguém fica condoído com injustiças, com a miséria dos outros, afinal somos um povo tranquilo, pacífico. E NOSSOS IDEAIS? É mais fácil abandonar o país, do que lutar pelas mudanças por aqui. É mais fácil trabalhar do outro lado do mundo e ganhar em euros do que lutar pelo real e imediato. É mais fácil um dólar furado, do que um filme nacional. Por que desvalorizamos tanto essa terra tão cheia de verde, amarelo, aves e papagaios que são vendidos ilegalmente? E o coração do brasileiro (dizem) que é tão bom, não tem misericórdia pelos seres vivos? Por que tem essa atitude tão antipatriótica? SERÁ QUE OS JOVENS GREGOS SÃO MAIS REBELDES? Será que Sócrates corrompia os jovens gregos naquela história distante embebida em disputas e cicutas? É de estranhar que isso tenha sido verdadeiro, afinal, Sócrates já era, no bom sentido, é claro, ou no sentido literal, porque permanece vivo na memória da humanidade. Não tem mais nenhum Sócrates em Atenas do século XXI,

14 | ENTREMENTES | SOCIEDADE

no entanto, aqueles jovens rebelam-se contra tudo, num gesto contundente. A Politécnica é o símbolo da rebelião moderna e Alexandros Grigoropoulos, com sua morte, em 2008 precipitou um movimento violento de jovens estudantes que não aceitam a ditadura, o sistema, o governo, o estado, o sistema econômico, enfim, tudo aquilo que vai contra seus ideais. E O MONTE OLIMPO? E OS DEUSES? A Grécia, o berço da democracia, a origem disso que chamamos “Liberdade”. Dentro desse inconsciente coletivo paira esse símbolo, esse ritual e nesse momento tão conturbado deixa passar por entre seus vãos lampejos de uma juventude transviada. Os filhos dos deuses estão sempre se manifestando, de um jeito ou de outro, e são capazes de mudar situações. Por que não aceitam as coisas do jeito que estão? Os gregos são rebeldes por natureza? Os movimentos anarquistas na Grécia, sempre existiram e foram se reunindo com mais força depois de 2008. Com a crise econômica na Grécia, onde o FMI impôs duras regras àquele país, os jovens continuaram com as manifestações e agora que vivem de verdade uma crise com a migração e outros fatores, esses mesmos anarquistas trabalham para ajudar o país a se levantar. Estariam sendo usados por alguma “grobo” da vida? Ou é a globalização e a crise mundial que já está mexendo no coração das pessoas?! Não podemos afirmar nada; nesse mundo de INCERTEZAS, só Deus sabe!!!

Para saber mais sobre isso: https://goo.gl/Ta3ZhA https://goo.gl/7qR1FP https://goo.gl/4mnfg5


CARTA PARA A PESSOA AMADA escobar franelas Amor, tudo bem? Embora saiba que não, que tudo está nublado, meu coração, depositado em esperanças, insiste que sim, que tudo esteja bem com você. O céu daí deve estar como o daqui, opaco, seco, cinza. Mas a gente vê cor até quando ela inexiste. Sinto muito por ter permitido que as coisas chegassem nesse ponto. Não queria, não queríamos... mas cochilamos demais, desdenhamos muito de coisas sérias, de gente que parecia apenas idiota útil e que depois se mostrou mais útil que idiota, pelo menos para fazer o serviço sujo deles, os opositores. Mas a gente insistia em acreditar que a história é plana e retilínea. E ela provou que não é uma coisa nem outra. A história, meu Amor, se alimenta de restos. Como os urubus. E sua fome é de ciclos, retornos, períodos fraturados, cismas, de tempos contidos. A história – agora sabemos – não perdoa inocentes, ela os violenta e os traga, como um canibal insaciável. E nós já estamos entredentes. Perdoe! Não queria que minhas palavras

soassem ácidas. Não gostaria mesmo de estar contaminado pela fuligem dos dias ruins, mas tenho que dizer que a vida agora parece não permitir mais as metáforas. Estamos de volta às cruezas, sem direito às figuras da linguagem. É tudo direto, olho no olho, dente no dente, como naquele testamento antigo, antes dos tempos revolucionários do amor. Aliás, meu Amor, observe que seu nome foi tão falado que banalizou. De tão comentado, de tão citado nas páginas, bocas e canções, seu nome agora é uma abstração que ninguém entende ou pratica. Amor, resista! E se for para morrer, para morrermos, que seja mirando dentro dos olhos do inimigo, para que quando partamos, fiquemos grudados em suas retinas e eles não possam dormir um dia sequer sem que se lembrem da gente. Me despeço agora pois a luta exige que se volte pras ruas. Fique com meu beijo quente. Teu Amor desde sempre, e ternamente. Seu,

LITERATURA | ENTREMENTES | 15


ENTREMENTES NA CCXP 2017 DALTO FIDENCIO

Dezembro é o mês da Comic Con Experience, e se tem CCXP, tem Entrementes na área! Presente em todos os anos do evento, a equipe Entrementes esteve lá e vai contar para vocês tudo sobre o domingo, quarto e último dia do evento deste ano. Novamente ela ocorreu na SP Expo, com seus gigantescos 115 km² repletos de atrações. As pessoas eram levadas para o local em vários ônibus gratuitos que saíam do metrô Jabaquara, como já se tornou tradicional. Um detalhe foi a mudança em relação ao tipo dos ônibus... saem os ônibus circulares e voltam os ônibus de viagem. Aumento do conforto mas um número menor de pessoas levadas de cada vez... A entrada do evento parecia mais bem organizada neste ano, e mesmo quem não havia optado por receber sua entrada/ credencial pelos Correios, conseguia pegá-

-las rapidamente, sem nenhum problema. Já a fila para entrar era enorme como costumeiro, mas isso é inevitável num evento de tamanhas proporções. Uma vez lá dentro, é muito difícil saber para onde olhar, para onde ir, tal a quantidade de atrações! Logo de cara se destacava o estande da HBO, com duas grandes atrações: Game of Thrones (a melhor série do mundo dispensa comentários) e a espetacular Westworld, que tem sua segunda temporada esperada com ansiedade. Mas falemos dos Auditórios: no Cinemark, às 11h30, tínhamos um painel sobre a DC Comics, enquanto ao mesmo tempo no Auditório Ultra tínhamos um painel sobre os 100 anos da lenda dos Quadrinhos, Jack Kirby. Também, no mesmo horário, tínhamos no Auditório Prime um Masterclass de Roteiro


com Lourenço Mutarelli. Na CCXP é sempre assim... são tantas atrações que você tem que escolher qual ver e qual perder, entre ótimas opões. Depois, às 12h30 no Auditório Cinemark, foi a hora de falar do Cartoon Network, enquanto no Ultra tínhamos um painel que emocionou os fãs de Tokusatsus... 50 anos de Ultraseven! Enquanto isso no Prime, às 13h rolou um Masterclass de Horror, com Ben Templesmith. Vamos deixar para voltar aos Auditórios depois e falemos dos diversos estandes e também da área de alimentação. Ela era gigantesca e com uma grande variedade de alimentos, para todos os gostos, e diferentemente do ano passado, sempre que precisamos, conseguimos uma mesa por lá rapidamente. Já sobre os estandes, só pra citar alguns: HBO, Netflix, Disney, Comix, Sony, Fox, Omelete... e tantos e tantos e tantos outros! Tinha até um Shen Long gigante, que acendia os olhos! Falemos dos Cosplayers: sem dúvida eles sem-

pre serão uma parte importante do evento, pois é inevitável não se divertir com a criatividade das pessoas que se desligam de sua personalidade diária para viver um personagem que adoram, por algumas horas. Os “amadores” é que fazem a festa, sem eles a CCXP não seria a mesma coisa, mas também devemos falar dos “profissionais”, cosplayers com indumentárias tão impressionantes que parecem ter saído de filmes, animações e games. Os vencedores este ano foram, nas respectivas categorias: Master Cosplay: Rafael Silva, com o personagem Death Knigth, de World of Warcraft Melhor Cosplay: Gabriel Braz, com o personagem Thanos, de Avengers Infinity War Melhor Figurino: Kayo Pantoja, com o personagem Varyan Wrynn, de World of Warcraft Melhor Inventividade: Barbara Duzzi, com a personagem Tyra, de Soul Calibur V Cosplayer Destaque: Adriana Büchele, com personagem Malévola, do filme homônimo.


O concurso de Cosplay ocorreu no Auditório Ultra, às 18h30, mas antes disso, este auditório tinha recebido ao longo do dia outras grandes atrações, como Metal Hero, Dublando Dragon Ball Super, Jornalismo em Quadrinhos com Dan Goldman, Image Comics e Gail Simone em foco. Das atrações que rolaram no Prime, destaco Cartoon Network – A hora dos Toontubers e também Rafael Grampá & Paul Pope – Histórias além dos Quadrinhos. E voltando ao principal dos Auditórios, o Cinemark, tivemos às 13h30 um painel da Warner Bros, onde foram confirmados os próximos lançamentos da empresa para os cinemas: Mulher-Maravilha 2, Aquaman, Flashpoint, Esquadrão Suicida 2, Liga da Justiça Sombria, Shazam!, Tropa dos Lanternas Verdes, Batgirl e The Batman. Nada foi falado sobre Homem de Aço 2 ou Liga da Justiça 2... A Warner falou também de duas grandes apostas do estúdio: Tomb Raider – A Origem e Jogador Número 1. Alicia Vikander, a protagonista do novo Tomb

Raider falou sobre suas cenas de ação e foi aplaudida de pé pelo público, o que a emocionou muito. Ela disse ser a primeira vez na vida em que se sentiu realmente uma estrela. Muito simpática, ela fez questão de tirar uma foto com os vários cosplays inspirados no filme. Para falar sobre o novo filme de Steven Spielberg, Jogador Número 1, subiram ao palco Tye Sheridan, o protagonista, e Simon Pegg. A trama do longa conta a história de Wade Watts, um jovem que tem uma vida dura e sem esperanças, mas que se sente completo quando está dentro do mundo virtual do game Oasis. Nota deste que vos escreve... o livro de Ernest Cline, que deu origem ao filme, é simplesmente uma obra-prima magnífica, um dos melhores que li na vida, e que é obrigatório a todo geek que se preze. Temos potencial aqui para um novo Matrix! Depois, às 16h ainda no Cinemark foi a vez da Maurício de Sousa Produções mostrar as suas novidades, divulgando o visual das crianças


no live-action de Turma da Mônica: Laços. As filmagens terminam em fevereiro e a estreia está prevista para o meio do ano que vem. Também foi anunciada a produção de uma minissérie animada do Astronauta, que terá 6 episódios. O Artists’ Alley, verdadeiro coração da CCXP estava lá, novamente em local nobre, no centro do evento. Se no ano passado foram 461 artistas em 336 mesas, este ano tivemos um upgrade para 489 artistas em 352 mesas! Desde a primeira CCXP esse número não para de crescer... impressionante! E o número de artistas mulheres já chega a 1/4 dos participantes... que chegue a metade muito em breve, é o nosso desejo! E finalmente o evento viu o carismático (tem muito ator ou atriz que não tem metade da fama deste cara e que tem muito a aprender com ele no quesito “como tratar os fãs”) Will Smith (tinha fã acampado na fila desde às 2h

da madrugada só para ver ele) e Joel Edgerton, que vieram à CCXP para divulgar seu novo filme, Bright, produção da Netflix. O ator chegou anônimo na área da Netflix, usando uma máscara de orc e quando a retirou em seguida, levou os fãs à loucura. Sempre simpático, ele foi ovacionado por uma multidão que gritava sem parar: “Will! Will! Will!”... pensei até que estávamos no Upside Down, procurando pelo amigo desaparecido de Mike, Justin, Lucas e Eleven... Foi sem dúvida um apagar das luzes épico! Pena não podermos pegar o Impala preto 1967 emprestado dos irmãos Winchester que estava exposto no evento, na hora de ir embora... seria mais rápido que pegar a fila dos ônibus de volta para o Jabaquara, com certeza. E assim a CCXP se despediu de toda a nação geek neste ano de 2017... já estamos esperando ansiosos pelo ano que vem, para vivermos novamente o épico!


A ARTE DE RICOLA E AS FALHAS MAGNÉTICAS Joka Faria Esses dias tenho incentivado outros escritores e poetas a enviarem algo sobre o Ricola. Na minha modesta opinião, POETA, em letras garrafais. Sempre presente com suas Bulas poemas. Figura ímpar na cena Cultural Valeparaibana, que conheci comentando as edições do LITTER. Frequentava às vezes, a mesa do Solfidone, no Shopping da Cidade. Com a internet, passei a conviver mais com sua poesia. A pessoa, o poeta e a obra são inquietantes. Ainda não li o livro, gostaria de escrever depois, mas não quero deixar o autor de Canoa de Ossos sem um escrito na semana do lançamento do mais recente livro “Sobretudo, Tarjas bulas caixas e outros poemas sobre mim”. Livro que leva o selo Entrementes, com Produção Editorial de Elizabeth de Souza e diagramação de Filipe Oliveira – site e revista que estão deixando um legado para as artes brasileiras, de modo independente de financiamento do poder público.

“Ricola é desses raros poetas de verdade, seus versos saem da cartola (que ele não usa) nas mais variadas espécies, todas elas animais.” - Jorge Xerxes

20 | ENTREMENTES | LITERATURA


Ricola vai além de nossa Serra da Mantiqueira, sua arte alcança o Brasil e o mundo de forma lúcida. Reflete o mundo contemporâneo com sua escrita semiótica, cheia de signos que nos desvendam labirintos. Gostaria e gosto de ver outras opiniões, mas talvez o frio, o calor e a preguiça de nossos colegas escritores não os deixam saudar a obra viva de um poeta do momento. Gosto da presença do Ricola, que, por acidente, encontro no mercado, padaria, São Xico. Em Monteiro Lobato nunca nos ensinou o caminho de alguma cachoeira mágica, onde se abrem portais. Comerciante e produtor de mel, Ricola que tem, como nome de batismo, Ricardo. Um dia fui levar uma cópia do mais recente CD de poetas do Vale. Porque não podemos dizer que encerramos um projeto de registro dos poetas declamando seus versos - é só uma pausa meio longa, mas uma pausa. Enfim, que a obra de Ricola abra espaço para outras, nestes dias bravos de crise política e econômica. O Brasil está em trabalho de parto, de onde algo novo está prestes a nascer. E fazemos este registro, né, mestre e escriba Dailor Varela?! Ricola enriquece a poesia brasileira, com sua obra física e metafísica. Que seja traduzido para o mundo para que seu cantar se espalhe por este planeta! Fiquei entusiasmado com o lançamento do seu livro com o cantar de Alê Freitas, compositor e músico de primeira linha na região. Que venha mais, muito mais, que desafie esta estagnação! Não podemos ficar em devaneios em redes sociais, vamos plantar arte no mundo! Que o espírito da floresta leve a obra de Ricola de Paula a todos os corações, encantando com sua poesia. Dias desses, um poema sobre as valetas da vargem, que conheço bem, pois chegava ao Rio Paraiba pela vargem.

Que artista plástico irá materializar seu poema Canoa de Ossos e agora soma-se a este da valeta. Ricola, alma Valeparaibana juntando-se a Cassiano Ricardo, Monteiro Lobato, retratando nosso imaginário. Somos caipiras, Valeparaibanos! Dia desses, a Elizabeth de Souza ficou sabendo sobre o local do desaguar do Rio do Peixe - que região mágica! No lançamento, estarei num canto de Caraguatatuba entre o mar e a montanha; e o coração, em Monteiro Lobato. O amor a esta nossa região está em meu coração e com nossas obras que se espalhe às novas gerações. Poetas, dancemos catira, forro pé de serra. Que a arte Valeparaibana se propague pelo Brasil. Que seus poemas alcancem a pauliceia, afinal Barata Cichetto está aí com sua rádio. Brasil de encantos, Vale do Paraíba de tropeiros, caminheiros. A arte nos dá o sentido da imortalidade. Nossos corpos se perdem, tornam-se pó, mas deixamos uma marca de amor ao próximo em nossas obras. Viva à poesia, canções e tarjas de Ricola.

LITERATURA | ENTREMENTES | 21


A MINHA HISTÓRIA EM 3D Jorge Xerxes Eu fui sendo levada pelo rio, arrastada pela força de suas águas, eu vi peixes, até que eu me acomodei num depósito aluvial, numa curva de rio, e lá eu fiquei confinada, entre outros sedimentos, porque a correnteza já não me levava. Não era isso que eu tinha nos meus planos. Mas isso foi antes, muito antes. E um dia ela quis fazer para você um poema, como um daqueles de Vinícius de Moraes ou de Chico Buarque, mas ela não era poeta. E aquelas suas poesias lhe pareciam muito estranhas, como vórtices, com um gargalo muito estreito, quase hermético, na sua capacidade de absorver silêncios, mesmo em meio a tantas palavras. Ela achava aquelas tuas poesias até bonitinhas, só que elas não lhe diziam nada. Mesmo assim, ela queria fazer um poema para você. O mundo dá voltas. O tempo passou e um dia eu fui recolhida. Fizeram então um bloco úmido de mim, in natura, como tantos outros

22 | ENTREMENTES | LITERATURA

blocos, dispostos numa prateleira. Era então essa a minha sina. Uma espécie de corpo amorfo, despido de qualquer significado senão minha própria matéria, sem um espírito a me animar. E não era isso que eu tinha nos meus planos. Olha cara, eu te amo, mas o plantio nesse terreno tem pouca chance de ser fértil, porque o meu coração já derramou lágrimas demais. E eu preciso de atenção, de segurança, de carinho; assim como aqueles que eu dispenso para com as plantas do meu jardim. E eu, sinceramente, não sei se você é capaz disso. Eu preciso que você me prove, mas as provas podem doer em você muito mais do que você é capaz de suportar. E será então, que valerá a pena para você? Ou você se perderá no caminho, assim como eu certa vez me perdi? Eu quero você caminhando ao meu lado, mas você precisará entender da minha dor, aceitar-me como sou e, ainda assim, achar isso bom. Olha


cara, eu te amo, mas seja o que Deus quiser. Era essa a poesia que ela queria escrever. Mas isso não era poesia. E ela não a escreveu. Eu sei disso porque um dia ela me tomou em suas mãos e me modelou carinhosamente, imbuindo-me de um espírito, de um significado enquanto me acariciava, definindo em mim curvas doces, superfícies suaves, com as suas mãos molhadas na água, para o acabamento final. Depois, com um palito de dentes, ela tatuou signos em ambos as superfícies abaloadas com a sua mão canhota. Estes signos que eu não sei dispor em palavras. Do que eu já pude descrever, dá pra você imaginar que eu não fui alfabetizada, mas eu posso senti-los, porque eles já fazem parte de mim. E, sem nenhum aviso, ela me tocou no fogo alto do forno, me deixando lá por mais de três horas! Depois pincelou a superfície cuidadosamente com verniz acrílico, revestindo-me de carinho, de esperança. Para que eu renas-

cesse da argila, na forma de um coração. Sempre que eu penso nisso, em vir a ser o que eu sempre quis, agradeço a ela por ter tido a ideia de acreditar na minha matéria simples, no barro, como meio de expressão mais sublime. E esta história eu escrevi para você, que cuida de mim com zelo, mesmo depois de tanto tempo. Olha cara, um dia o mundo vai acabar. Um asteroide gigante vai se chocar com a Terra e você sabe disso, só finge que não sabe. Isso já aconteceu antes, bem antes. Esse seu planetinha comparado ao céu, é como um grão de caulinita, de ilita, ou de vermiculita, sendo levado através do leito de um rio pelo poderoso fluxo hidrodinâmico, um único grão, como um dia eu fui. Mas enquanto isso não acontece, enquanto há vida, cuida de mim, que eu cuido de você. Isso ela não disse, não escreveu, sou eu que estou te dizendo.

LITERATURA | ENTREMENTES | 23


24 | ENTREMENTES | LITERATURA


ANJOS ACHAM DIFÍCIL MANTER A GUARDA Marcelo Pirajá Sguassabia Veja como são as coisas. Há cinquenta anos – e isso é um piscar de olhos nas cronologias serafínica e querubínica -, cada anjo dava conta de guardar dois, três, até mais viventes de carne e osso. A vida era calma e o perigo era pouco. Agora, se bobear é preciso um regimento dos nossos para pajear cada humano. E o déficit funcional se vê em todas as esferas celestes, entre os anjos da guarda municipal, estadual e federal. Quanto mais a humanidade inventa traquitanas e afazeres, mais perigo se corre e mais desavisados temos que ficar puxando da beira do precipício. Os malditos smartphones são os piores exemplos do que estou dizendo. Eles distraem a atenção de todos o tempo todo, nos deixando em sobressalto, sem saber a quem acudir primeiro e sem poder pregar olho para recuperar as forças. Crianças não fazem seus deveres, casais brigam sem motivo, velhinhos deixam de jogar damas para fazerem a alegria dos hackers nos sites de banco e lojas virtuais. É só cilada, uma atrás da outra. A mesma tecnologia que dá inteligência a celulares está produzindo gerações de acéfalos. E joga milhões de profissionais para as estatísticas dos economicamente inativos. O desemprego deixa as pessoas desorientadas pelas ruas, o que nos obriga a ficar virando seus pescoços para os dois lados a cada cruzamento que atravessam, para não aumentar ainda mais os já estúpidos índices de acidentes. A eleição do zen-budista Donald Trump, somada à incontestável sanidade mental daque-

le ditador norte-coreano, fez soar a trombeta de alerta máximo aqui nas nuvens. As chances de um tilt global e irreversível são todas e mais algumas, e não há previsão para publicação de edital para contratação de novos anjos da guarda. O último aconteceu lá pelos idos da revolução francesa e, embora sejamos eternos no cargo, a população aí embaixo é extraordinariamente maior que o nosso efetivo. Só para se ter uma ideia: em 1800, o mundo contava com 978 milhões pessoas, enquanto que hoje só na China são um bilhão e quatrocentos milhões. E o nosso exército angelical permanece com o quadro inalterado... Outro agravante é a expectativa de vida. Apesar de estarem correndo cada vez mais perigo, estranhamente vocês estão conseguindo viver muito mais. É um paradoxo, mas é verdade. A evolução da medicina e das tecnologias envolvidas nos sistemas de segurança viária talvez expliquem um pouco essa intrigante realidade. O fato é que, mais uma vez, sobra para nós. Além de cada um dos nossos se ocupar de mais gente, essa mesma gente não veste o paletó de madeira de jeito nenhum, e está vivendo o dobro de seus bisavós. Junte a isso as maternidades abarrotadas de recém-nascidos e chegamos a uma situação caótica, beirando o descontrole absoluto. De anjos da guarda estamos nos transformando naqueles caras que ficam girando pratinho no circo. Tire esse riso da cara, por favor. O assunto é sério, e você ri porque não é com você.

LITERATURA | ENTREMENTES | 25


ESCREVER MUNDOS Ronie Von Rosa Martins Podia ser um sonho. Gostaria que fosse. Ou podia ser aquele momento antes da morte. Esse ele não gostaria. Não que a vida fosse aquela coisa toda. Mas era. A vida. Tudo o que tinha. Pois de resto não tinha mais nada. Ou achava. Sempre se tem alguma coisa. Pra barganhar, pra vender, pra penhorar. Pra emprestar? Livros. Tinha muitos. E poeira e ácaro. E só. Na verdade, a palavra só... não era ideal. Pois era tudo. Os livros. Pra ele, mais até que a vida. Que não tinha. Ali onde se respira, come, procria, conversa, dorme. Não era esse o mundo. Dele. Era outro, com certeza. Criado. Inventado. Perigoso mundo onde as letras e a imaginação brincavam de inventar vida. Não essa, ou aquela que estamos acostumados. Mas outra. Intensa. A vida possível. Possível sim. Pois a que aí está é impossível. Ele pensava. Impossível. Pois restringia, cérebro e corpo e sentimentos a uma rotina, a um esquema de sobrevivência que fazia a criatura viva, o vivente,

26 | ENTREMENTES | LITERATURA

definhar em potência, força e vontade. A vida possível enfiava um dedo na barriga do tempo e o enroscava de acordo com sua vontade de potência. O tempo era parceiro das personagens, da intensidade de suas vidas. E qualquer impossível era agora possível. Mergulhar no buraco do coelho com a Alice, navegar no Pequod atrás do grande cachalote branco, passar oitenta dias em um balão ao redor do mundo. Roubar dos ricos e distribuir aos pobres. Robin Hood seria comunista? Socialista? Pois é. Mas agora estava em perigo. Sentia. Seria o fim? Definitivo? O coração estava apertado. Ou estaria dormindo? Um sonho? Era sempre assim. Todos os dias. Nunca sabia se ia acabar, ou acordaria num sobressalto. Morrer é uma coisa muito injusta, ele pensava. Mas não acordava. Preso. Estava preso. O corpo não obedecia. Só o cérebro funcionava. A morte seria aquilo? Pensar sobre a vida eternamente sem poder participar mais


dela? Seria isso? Ou melhor... Estaria no inferno? Não sentia dor. Apenas o coração apertado. Pesado. Angústia de não poder interferir em mais nada. Tentou gritar. Mas não havia voz. Apenas uma sucessão de letras. Tentou de novo... e novamente aquela mesma sucessão de letras... a a a a agggg hhhhh!!! Seus olhos esbugalharam-se. Enormes. Brilhantes. Ele não era Ele. Pensou. Ele era o outro. O outro dele. Forçou a cabeça ferozmente para a frente. Ploft! Lá estava. Fora. Dentro. Então era isso... Ele era uma palavra. Escrita. Na página. Do outro lado. “Vivo”. E morto. O outro. Ou o Ele. Real. Seriam um só. Ou seria apenas personagem dele? Como saberia? O corpo de carne constituído permanecia estático. Cabeça largada, olhos fechados. Boca aberta. Braços abandonados ao longo do corpo. Morto? Nessa vida? Morto? Não havia mais nada além da linha sobre o espaço branco da folha. Então era isso. Interrompi-

do. Morto também. Ambos. Criador e criatura. Mas lembrava de suas palavras anteriores. Vida possível. Mas afinal, de quem seriam as palavras, as frases. Dele ou dele? Quem era personagem de quem? Vida possível. Vida possível. Ele então que era a palavra Ele. Dentro do seu mundo possível, com dentes, e garras, e pernas, e braços, agora constituído, rasgando dimensões literárias, fantasiosas, fictícias, se pôs concreto sobre a folha. Minúsculo, invisível em sua significância real. Mas ali estava. Poeira, molécula... coisa qualquer... e mergulhou. Boca adentro da morte que esperava. Afogar-se. Desesperar-se com outra vida. Com outra possibilidade. Cabelos arrepiando, elétricos. Olhos que pareciam ter voltado de funduras nunca antes visitadas. Um salto da cadeira. Uma mão na caneta. Uma lágrima no olho. Uma palavra no papel... logo mais uma... e em seguida um mundo que se criava...

LITERATURA | ENTREMENTES | 27


STAR WARS – OS ÚLTIMOS JEDI Dalto Fidencio

STAR WARS – OS ÚLTIMOS JEDI (Star Wars – The Last Jedi) De Rian Johnson, 152 min Star Wars – Os Últimos Jedi Ficção Científica/Aventura Direção: Rian Johnson Roteiro: Rian Johnson Elenco: Carrie Fisher, Mark Hamill, Daisy Ridley, Adam Driver, Oscar Isaac, John Boyega, Domhnall Gleeson, Andy Serkis, Kelly Marie Tran, Billie Lourd, Gwendoline Christie, Benicio Del Toro, Laura Dern, Anthony Daniels, Lupita Nyong’o, Veronica Ngo, Justin Theroux.

28 | ENTREMENTES | CINEMA

As letras subindo em scroll, marca registradíssima da saga, marca o princípio de um filme surpreendente, ousado, divertido, emocionante, espetacular e, curiosamente... controverso. “Star Wars – Os Últimos Jedi” é tudo isso e mais um pouco! O Episódio VIII veio, sem dúvida nenhuma, para ser um capítulo marcante na saga Star Wars. Heróis e vilões às vezes se confundem, não temos aqui a ideia convencional do bem e do mal como opostos inequívocos, a película mistura os conceitos em uma parte significativa dos personagens, o que faz a narrativa do filme fugir do convencional ao qual estamos acostumados. Rian Johnson, que escreveu e dirigiu este novo filme, ousou seguir um ritmo diferente do que J. J. Abrams usou no Episódio VII, entregando um filme de identidade própria, mas o fato de trilhar o próprio caminho não o impossibilitou de evocar as emoções e sentimentos da trilogia original. Apesar das críticas de alguns fãs mais xiitas, “Star Wars – Os Últimos Jedi” em momento algum nega a franquia a que faz parte. Os novos personagens são explorados mais a fundo, com uma jornada bem definida, e o interessante é que não é guiada por um único herói. Temos Rey (vivida por Daisy Ridley), abraçando seu destino e buscando aprender os caminhos para se tornar uma Jedi, os guerreiros da Resistência, Poe (Oscar Isaac) que desta vez ganha mais tempo de tela, tendo seu personagem mais desenvolvido, deixando de ser apenas um ás de X-Wing para se tornar mais humano. Finn (John Boyega) e a novata Rose (Kelly Marie Tran) mostram boa química na tela, além de protagonizar cenas marcantes, uma delas numa cidade em um


planeta distante, que mostrou uma muito bem-vinda crítica social. O filme alterna o foco entre os personagens, fazendo uma montagem que lembrou muito o amado Episódio V, “O Império Contra-Ataca”. Daisy Ridley entrega novamente uma Rey carismática, forte, quase uma força da natureza. Sua atuação é excelente e expressiva, tanto em cenas de ação quanto nas dramáticas, como quando ela fica sabendo sua verdadeira origem. The Force is strong with this one! Claro que não podemos deixar de citar Adam Driver e seu Kylo Ren/Ben Solo, melhor desenvolvido desta vez. É o único vilão que realmente é explorado na trama e Driver mostra que sua escolha para o papel foi acertada, demonstrando todo o conflito e dualidade que seu personagem possui. E suas cenas espelhadas com Rey são inspiradas, fortalecendo a trama. Eles se mostram ligados não apenas pela Força, mas de forma emocional, como não tínhamos visto em nenhum filme da série até então. A Capitã Phasma (vivida por Gwendoline Christie) novamente é pouco utilizada, o que é uma pena. Mas creio que ela vai acabar se tornando o Boba Fett desta nova trilogia... outro vilão que mesmo aparecendo pouco, acabou se tornando cult entre os fãs. O General Hux (Domhnall Gleeson) é quase irrelevante, usado apenas como alívio cômico, assim como os irresistíveis Porgs, personagens fofos criados apenas para render milhões em produtos licenciados. Mas aqui se tomou o cuidado de usá-los apenas na medida certa, com isso não os tornando irritantes como os Gungans ou os Ewoks. O Líder Supremo Snoke desta vez aparece em “carne e osso” (se é que podemos dizer isso de qualquer personagem vivido por Andy Serkis), e se mostra poderoso e assustador. Toda a sequência entre ele, Kylo Ren e Rey é simplesmente de tirar o fôlego e já entrou para a história do

Cinema. Outra personagem nova é a Vice-Almirante Holdo, uma das líderes da Rebelião, vivida com destaque por Laura Dern. É dela uma das cenas mais emotivas do longa, em que ela contracena com Carrie Fisher. E quanto aos personagens antigos... ah, os filhos de Anakin roubam todas as cenas em que aparecem! A General Leia Organa (nossa eterna princesa Carrie Fisher), em sua última atuação, entrega um trabalho visceral, forte e terno ao mesmo tempo. É emocionante vê-la em cena, e triste, muito triste, saber que ela partiu para uma galáxia muito, muito distante. Sua participação é de grande destaque na trama, e tem uma das cenas mais emocionantes da película, de grande reviravolta, e de fazer esculpir um grande sorriso no rosto. Atuação inspiradíssima. Já Mark Hamill entrega um Luke Skywalker jamais visto, e aí está uma das razões para o “controverso” na primeira linha desta crítica. Alguns fãs não gostaram nada de ver um Luke muito diferente da trilogia original. Sim, ele realmente está diferente, nosso velho conhecido reaparece mais sábio e menos impetuoso, o que é mais do que natural, pois já faz muito tempo que ele deixou de ser o jovem sonhador de Tatooine. Este é o melhor Luke de toda a saga, ao mesmo tempo sombrio, desesperançado e divertido. Suas cenas vão de engraçadas a mais do que emocionantes, e é dele uma das sequências mais fantásticas do filme, já perto de seu crepúsculo. Aos que não gostaram deste Luke (e entre eles está o próprio Mark Hamill), a melhor resposta é uma das falas dele para Rey: “O que queria que eu fizesse? Pensou que eu ia pegar um sabre de luz e sair pela Galáxia enfrentando toda a Primeira Ordem?” Sobre os dróides, R2-D2 e C3PO são meros coadjuvantes para a nova estrela da família, BB-8, que mesmo em menor intensidade em relação ao filme anterior, tem grandes momentos. Não posso deixar de citar a participação peque-

CINEMA | ENTREMENTES | 29


na, mas de certa forma emocionante de Billie Lourd, a filha de Carrie Fisher, que vive a Tenente Connix, o tempo todo com o penteado que a personagem de sua mãe usava na antiga trilogia. Linda homenagem. A Fotografia, obra de Steve Yedlin, é soberba em seus tons sombrios, enriquecendo a experiência com jogos de luz inspirados durante toda a trama. A Trilha Sonora de John Williams dispensa comentários... ela é portentosa desde a primeira nota. Desta vez utilizando alguns temas novos, obviamente misturados com as músicas antigas, o mestre entregou um trabalho ainda superior ao do Episódio VII. A Montagem, de Bob Ducsay, como já citei antes, é muito competente e lembra as viradas de “O Império Contra-Ataca”, assim como as guinadas do ótimo roteiro de Rian Johnson, que apresenta cenas surpreendentes com sua câmera acelerada e tomadas incríveis, cortando entre vários planos para ilustrar a interação de Rey com a Força, ou mostrando sequências que remetem à Primeira (as trincheiras rebeldes em Crait) e a Segunda Guerra Mundial (os bombardeiros logo no início da trama). Johnson se mostra muito corajoso em seu texto e Direção, ele ousou renovar verdadeiramente a saga, não se limitando a mostrar a Luz contra Lado Negro, Rebelião contra Primeira Ordem/ Império. Ele preferiu não seguir nenhum con-

30 | ENTREMENTES | CINEMA

ceito previamente estabelecido, o filme tem reviravoltas surpreendentes, dando nó na cabeça do espectador, revelando fatos esperados, mas criando outros questionamentos, deixando as definições finais para um outro momento. Este é o episódio da imprevisibilidade, das guinadas chocantes que nos fazem perder o fôlego. O Design de Produção, de Rick Heinrichs, é soberbo e magistral. Os planetas mostrados, seja a incrível ilha onde vive Luke, o planeta Crait (voltarei a falar dele), ou mesmo o planeta da cidade-cassino, só para citar alguns, mostram a ambição da produção. O Figurino, de Michael Kaplan, bem... este é um Star Wars, então ele só poderia ser marcante. Falemos da batalha de Crait: de uma beleza poética, rara de se ver na tela grande, as cenas no planeta de sal esculpem uma pura obra de arte. A cortina vermelha subindo enquanto os speeders avançavam constroem uma metáfora sublime para todo o sangue derramado na guerra. Só esta sequência exuberante já vale o ingresso, de tão magnífica. “Star Wars – O Último Jedi” é mais do que digno de figurar entre os melhores episódios da saga, é uma obra impactante, que vai ecoar nos confins da galáxia, por muito tempo. May the Force be with you!


VISÃO POÉTICA Nasci sem nenhuma visão Nunca pude vislumbrar a luz Ou ver o rosto de meus pais Mas de cego não me chames, não! Não tenhas pena de minha cruz Não se padeças com meus ais Pois vejo poemas em toda parte Poemas gotejando dos céus Poemas esculpidos pelos ventos Poemas nascendo da pura arte Sutis, como que formados por véus Versos felizes, não de lamentos Poemas me dão as mãos, são o meu guia Diante do raso e do profundo Eu vejo poemas em profusão Por isso não preciso enxergar o dia Pois sou poeta e vislumbro o mundo Nas batidas de cada coração Dalto Fidencio


UMA VIDA PULSANTE! Elizabeth de Souza Leio As entrelinhas do romance etéreo Entre os seres que se multiplicam Nos vãos E nos cantos Das bocas dos deuses A cada respiração Uma nova geração Tormentos e ais se propagam no vento Que rodopia feliz Em passear por aí E daí? 86.400 SEGUNDOS Lilith Anansi Nem só da noite vive o homem Nem do sossego Nem da solidão Quando os primeiros raios de uma suposta luz divina Invadem cômodos, invadem sonhos com seus despertadores desesperados Renascem culpas e cobranças e contas a pagar expectativas, esperanças demais ruas e estabelecimentos e ruídos Oxigênio, gente demais Às vezes, caso não estejam atentos Aquele belo céu azul devora Sem pena Nem aço Às vezes, é um pouco difícil de sobreviver.

DEEPLY INSIDE YOUR EYES Jorge Xerxes estamos frente a frente estamos frente a frente frente a frente aos olhos castanhos dela frente a frente aos olhos castanhos dele esses olhos me trazem paz esses olhos que me dão força dentro deles eu observo a lua dentro deles eu vejo o sol, as estrelas, a beleza da noite o céu azul, brisa, pássaros, luz um jardim florido posso sentir o perfume a canção, posso ouvi-la perfeitamente isso me ilumina e eu me vejo refletido nos teus olhos e eu me vejo dentro dos olhos teus sou eu quem mora sou eu que vivo nessa paz desse amor estamos frente a frente frente a frente aos olhos castanhos dela esses olhos me trazem paz dentro deles eu observo a lua as estrelas, a beleza da noite um jardim florido posso sentir o perfume e eu me vejo refletido nos teus olhos sou eu quem mora nessa paz estamos frente a frente frente a frente aos olhos castanhos dele esses olhos que me dão força dentro deles eu vejo o sol, o céu azul, brisa, pássaros, luz a canção, posso ouvi-la perfeitamente isso me ilumina e eu me vejo dentro dos olhos teus sou eu que vivo desse amor


UM HUMILDE PINTOR DE PAREDES Domingos dos Santos No bairro mais colorido na rua mais alegre na casa que mais parece que saiu do reino de Renoir, mora o pintor Vicente que veio migrante do sertão de Minas com a missão de colorir o Brasil. Tarefa que, até o presente momento, metade ele já cumpriu. SONO Ernesto Moamba Tu já dormiste mais que o suficiente. Tu dormes como se fosse um defunto Alastrado com martelo e ancinhos. Tu dormes, dormes mais que a matekenha, Que de noite provoca-te comichão. Levanta-te! Pois a noite esta fugindo E o sol vai roendo Seu corpo de alcatrão. SOPHIA Domingos dos Santos Eu vinha, ela ia; eu sorria, ela, fria; eu sofria, ela, Sophia.

TRIPULANTES Sanjo Muchanga Sempre estivemos em návios Apesar de vivermos sombrios Sempre nos demos tão bem Apesar das brigas do além Na verdade somos dois tripulantes Neste návio desviado do leste Encizado de lamentos e tormentos Enraicidos em nossos sentimentos Somos a pressa de sermos amantes Remedios de sermos precipiantes Das autopsias poeticas em chamas Somos a chegada do destino inventado O mergulho tacido mal organizado Nos portos encalhados das almas. VIVA NOVAMENTE Joana D’Arc Nos seus olhos vi o mais belo céu, e do dia para a noite, aprendi a transformar a dor em amor. E por sua causa, aprendi a viver... HORA DE POESIA Domingos dos Santos Meu amor perguntou: – Que horas são, meu amor? Eu olhei o girassol, espiei o canteiro das onze-horas e confirmei na sombra do meridião, era hora de eu ir, mas menti: – Não tenho relógio, perdão.


ASAS DE PAPEL Lilith Anansi (Poema dedicado à Francesca Woodman) Ela me encarou de volta Pintada em preto e branco Acariciada por espelhos e flores raras – Não pude deixar de carregá-la em meus braços Era como se ela fosse minha mãe Talvez se parecesse com a filha que jamais terei Poderia ser minha amante (algo que não me bastaria) Ela conseguiu adentrar minha pele, ela observou meus pensamentos Foi tanto desejo e carência e beleza! Que surpresa! Não esperava encontrá-la, não mais! Ela surgiu feito fada, fantasia, fantasma e não me deixaria descansar em paz Assim, me apaixonei pela menina cansada Estou cansada também, devo entender sua dor (e seu ardor) Por um espaço pequeno, porém precioso Daquela terra molhada pela água e pelo suor Abraça-me mais uma vez, pequena Francesca Deixe-me chamá-la de amiga! Seja sempre minha inspiração, pequena Francesca Não penso que exista um espírito mais magnificente que o seu, para acompanhar-me por entre cada uma das pedras igualmente alucinadas por seu sombrio encanto.

AS TRAVESSIAS Gilberto Silos Ouvi do próprio Heráclito Em uma vida passada, Que no Universo tudo flui: Nada é permanente, a não ser a mudança. Percebi já naqueles remotos tempos Que a vida é feita de travessias, E se relutarmos em fazê-las, Ficaremos à margem de nós mesmos. Travessia é um ponto de inflexão, Um movimento de transformação, De enfrentamento de incertezas, De viagens ao desconhecido. Vidas profícuas são feitas de travessias, Que conduzem ao “ser Mais”, ao “mais Ser”. Moisés atravessou o inóspito deserto, Conduzindo seu povo à Terra Prometida. Mil tormentos sofreu Ulisses, Antes de, renascido, voltar a Ítaca, Aos braços da amada Penélope. Dante, guiado por Virgílio – a razão, Atravessou o Inferno e o Purgatório, E, pelas mãos de Beatriz – a intuição, Alcançou o Paraíso, redimido dos pecados. Travessia é encontrar a verdade em si mesmo, Removendo sombras do próprio coração, É aceitar o novo, não temer a dor , Queimar navios, não voltar atrás.

VIDAS DESIGUAIS Domingos dos Santos Igualdade, por que seu nome tem que ser escrito com letras de sangue na história de meu país?


A HISTÓRIA DO COSPLAY Alexsander Prates Muita gente adora fazer mas poucos conhecem sobre o assunto...

Os cosplays nasceram nos EUA por volta de 1940 com o estouro dos HQs e, os primeiros cosplays de mangá e anime que se tem registro são posteriores à década de 70, sendo a prática levada apenas na década de 80 para o Japão. Os primeiros cosplays eram de personagens inventados pelos fãs de HQs e revistas de ficção para ir a convenções de quadrinhos ou encontrar os amigos em festas do gênero. A palavra cosplay deriva de costume ( traje) e play ( brincar, agir) e tem o significado de brincar de se vestir ou brincar de se fantasiar. O cosplay veio para o Brasil junto com os primeiros eventos de anime no fim de 1990 com a fama do anime Cavaleiros do Zodíaco. Este tipo de caracterização hoje em dia pode ser visto provindo de todos os ramos de mídia

e não só revistas em quadrinhos ou animes. O intuito inicial era de se fazer seu personagem favorito, o que hoje em dia já não é uma verdade porque muitas pessoas escolhem personagens específicos para apenas chamar atenção ou ganhar em concursos e disputas. Apesar de ser para a diversão, muitos cosplayers e shows absurdos, como Heroes of Cosplay, fazem uma imagem de disputa o tempo todo, por prêmios e principalmente atenção. A ideia de que você tem que fazer todo o cosplay sozinho e sem ajuda alguma é simplesmente boba. Ninguém tem a obrigação de saber fazer tudo. Existem muitos profissionais competentes no Brasil que oferecem cosplays a um preço justo. Existem também os que cobram absurdos, mas basta não comprar com eles. Na maioria das vezes são os mais mal feitos. A maior competição brasileira é o WCS que é um torneio mundial com sua final situada no Japão.

GEEK | ENTREMENTES | 35


MINHA SAGRADA SERRA DA MANTIQUEIRA Elizabeth de Souza A Serra da Mantiqueira é uma das mais belas que eu conheço... já trilhei por suas reentrâncias, ouvi os seus cantos e lamentos, senti o seu frio noturno, assim como a luz do luar do seu cume, tão silencioso. Já vaguei por suas estradinhas escondidas e me banhei nas cachoeiras que ninguém conhecia. Percorri seus caminhos no seco e na chuva e dormi no seu

36 | ENTREMENTES | CAMINHOS E TRILHAS

colo quente. Saciei minha sede nas suas fontes cristalinas. Essa Serra, mística visão dos deuses adormecidos no verde à distância. Nos profundos abismos vistos de cima é possível sair em voo, com a imaginação. Sobrevoar os abismos, esse é o sonho dos lúcidos e dos loucos. Com uma mochila nas costas, apenas o neces-


É refrescante descansar nos seus braços… É divino banhar nas suas lágrimas… É sereno estar entre seus elementos e elementais.

sário, percorri seus mistérios, acompanhada pelos sons da Natureza. Perdi as contas de quantas vezes bailei por essas montanhas esverdeadas, quantas pontes cruzei, quantos passos dei, quantas comidas feitas no seu chão, quantas barracas ajudei a montar (nunca soube montar uma), quantas cachoeiras cantaram pra eu dormir. Enfim, essa é a Serra dos meus sonhos e da minha realidade, porque a enxergo de longe, mesmo hoje que não desbravo mais suas entranhas. Serra da Mantiqueira – “Mantiqueira” é um termo de origem tupi que significa Montanha

que chora ou Serra que chora dado pelos indígenas que habitavam a região. Tudo isso, com certeza, por conta da enorme quantidade de cachoeiras, cascatas e muita água que desce pelas encostas. O Vale do Paraíba tem muitos rios pequenos, que são afluentes do Rio Paraíba. O Rio Paraíba do Sul corta os três estados e deságua no Atlântico. Água, muita água nessa Serra Sagrada. Serra da Mantiqueira em São Paulo, em Minas Gerais e no Rio de Janeiro. Já tive o privilégio de pisar no chão da Serra nesses três estados do sudeste brasileiro.

CAMINHOS E TRILHAS | ENTREMENTES | 37


A CIDADE ANDA VAZIA DE QUIXOTES? Joka Faria Dedicado a Lauro Flessat, produtor e pensador. Gostaria de uma prosa de como fazer rapadura, participar do ato. Um dia sonhei que fazia doces para vender na beira do Rio Buquira. Quem sabe, Cora Coralina ou Ricola de Paula tenham algum poema sobre como fazer doces. Uma tia lá em Paraisópolis, MG, fazia doces e vendia nas carroças quando vinha para a cidade. E esta infância perdida – eu ia junto, entregar os doces de tia Inez. Não saber fazer poemas é um imenso desafio. Hoje um amigo me chamou de bom cronista. Quando publicarei um livro para me inscrever no Jabuti? Fico com a infância em pés de Jabuticaba. É noite, silêncio me medusa – congela-me a olhar para o passado na Praça Afonso Pena, São José dos Campos. Para que tantos revolucionários virtuais, se a cidade anda vazia de Quixotes? Estamos calados e silenciados de atos patrióticos. Nossa pátria e nossa vida não pode, esta só em conquistar dinheiro. Silenciamos a cidade sem Quixotes. As velhas ideologias de esquerda estão mortas? E as liberais? Quiçá o novo se faça, se estivermos juntos ao Sol de inverno na Praça. Em redes sociais nossos cantares estão abafados pela eterna vaidade. Solidariedade não é uma palavra desgastada. As ruas estão cheias de dor, amor, sofrimento e medo. Mas a vida esta nas ruas e não nesta caverna virtual.

38 | ENTREMENTES | LITERATURA

Quem sabe chego a um poema que seja a real experimentação de fazer uma rapadura. Não o fazer imaginário, mas real. Curitiba ainda é uma ilusão. Quero conhecer a Curitiba de Elizabeth de Souza, nos cantos de cultura que Santos Chagas me falou. Só existe o que experimentamos e Murilo Mendes dizia que só existe o que é imaginado. Quero a Curitiba vivida. Onde São José dos Campos se esconde? E na loja de Lauro Flessat, a Mid Max ouve-se jazz, muita música boa e lá estão velhos discos à venda e a boa prosa. Mostrando que nenhuma mídia supera outra. Gosto de ler no Kindle como em livros impressos. A cidade está aí, tenhamos o olhar de Siddharta Gautama. Sejamos nosso Buda e revisitemos Herman Hesse. A boa prosa está em livros e nas ruas das cidades em chamas. Sedentas de revolução que não seja pelo sangue e guerra, mas pelo amor ao próximo dito por Jesus, o Cristo e cantado em música por Jorge Mautner. Que o Acarajé da praça Afonso Pena nos una e nos faça sentir o sabor da pátria. A vida está nas ruas. A internet não é uma trincheira, é um instrumento de comunicação. Nas ruas acontecem as mudanças necessárias. Caetano Veloso “Minha pátria é minha língua”. Nossa cidade é nossa alma. Cadê uma canção de Santos Chagas, um poema de Ricola de Paula que cante a Mantiqueira? Saúdo o novo livro de Ricola, que suas palavras encantem nossos corações.


São poucas, as almas sedentas de saber. Para uma boa prosa, as portas estão escancaradas. Se quiser entrar pela janela ou tirar umas telhas, fique à vontade. - Almas, navegam em tempestades, cansados estamos das tecnologias que nos mantém sós. - Gostaríamos de fazer uma rapadura, criar uma fervura e fazer nascer algo dentro do coração. - Como é triste a solidão na imensa multidão, o músico toca para si mesmo. E algumas moedas ali aparecem.

- Meia noite, alma cansada... Destino incerto... Na tarde frustrada... Falta-nos o calor, não da lareira, mas o calor humano. - A urbanidade em consumo, insumo de solidão não somos, vidas vazias de alma em meio a urbanidade. - Sol na manhã, mercado, caldo de cana, acarajé. Rua Sete de Setembro… Canções em duas praças.

LITERATURA | ENTREMENTES | 39


ENTREVISTA COM O CONTISTA DIEGO LOPS Teresa Bendini

“Diego Lops nasceu em Porto Alegre, onde estudou Jornalismo e Letras. É contista, cronista, revisor, tradutor, mau poeta, dicionarista amador, colecionador de frases, como se não bastasse, namora uma bibliotecária que também é escritora. A autora, Camila Serrador”. Essa é a definição contida em seu livro “Pessoas Partidas” acerca do seu ofício literário. A obra, que se trata de um livro de contos, ganhou o III Prêmio UFES (universidade Federal do Espírito Santo). Seus contos são ambientados em cenários como Porto Alegre, Canadá, Argentina e EUA, entre outros. O homem que perdeu o coração, um ve-

40 | ENTREMENTES | ENTREVISTA

lório inusitado; o suicida que acha um jeito diferente de morrer - são algumas das histórias que me fazem recomendar o livro. Histórias leves, irônicas, ásperas e às vezes violentas, retratando com sutileza a existência surreal do ser humano. Estive com Diego em Campos do Jordão, durante a II Jornada Literária. Por e-mail ele me concedeu essa entrevista.


Fale um pouco da sua escrita literária e também da sua opção literária? Por que os CONTOS? Sempre fui fascinado por contos. Minha prática de escrita desde pequeno e também os exercícios em oficinas literárias sempre me conduziram ao conto, de modo que foi natural que meu primeiro livro, o Pessoas Partida, fosse um livro de contos. Em quais contistas se inspirou? Quais seus Contos preferidos, aqueles que considera geniais? Poderia comentar alguns deles, para que o leitor da Revista sinta vontade de lê-los? É sempre difícil falar em inspirações, pois mesmo os escritores que mais admiro podem não aparecer nos meus próprios contos. Mas há algumas características de alguns autores que coloco como meta, mesmo que jamais as alcance. Poderia citar a honestidade crua de Bukowski, a perfeição estética de Tchekhov, a sutileza e a fina ironia de Machado de Assis, a concisão e o insólito de Kafka, o humor sofisticado de Woody Allen. São como uma cenoura pendurada na frente de um burro. Todos eles têm contos geniais, então seria injusto apontar apenas um conto desses autores, todos são um bom começo. Alguns dizem que o Romance realiza a COROAÇÃO do escritor, escrever um Romance é sinônimo de estar pronto. De se consagrar como escritor... Você concorda? Não poderia discordar mais. O romance, por sua natureza e extensão, tolera falhas que jamais seriam admitidas pelo conto. Pela sua forma breve, o conto precisa dar o seu recado em poucas páginas – até mesmo em poucas linhas –, os elementos dramáticos devem ser enxutos, a ação concentrada, as frases mili-

metradas, o ritmo cronometrado. Enquanto um romance seria uma maratona de resistência, permitindo pausas, cãibras e sprints ao longo do caminho, escrever um conto é tentar correr uma corrida de 100 metros com obstáculos tendo uma corrente amarrada ao pescoço. Alguns dos maiores escritores do planeta são grandes contistas, como Milan Kundera, Italo Calvino e Alice Munro. Apesar de tudo isso, os livros de contos, por alguma razão obscura, seguem sendo preteridos por editores, desprezados pela crítica, escanteados de premiações literárias e, o pior de tudo, ignorados pelo público leitor. No Conto ”Se der, eu volto”, a Gabriela é narrada como sendo uma revolucionária, bem engajada e entusiasta das causas sociais. Os personagens de um Conto podem nascer de pessoas reais? Claro. Tudo o que acontece à sua volta pode servir de inspiração ao escritor. Muitos têm uma resistência quanto a esse pensamento, acreditando que admitir que fatos ou pessoas reais sejam usados como fonte para a ficção é uma prova de falta de poder criativo, ou coisa que o valha. Erico Verissimo revelou que muitos dos personagens da saga O Tempo e o Vento foram baseados em parentes ou conhecidos, e não há nada de mal nisso. Mas também ocorre de uma inspiração da vida real não se traduzir com fidelidade na ficção. Nos meus contos, a caracterização de uma personagem pode ser mais metafórica do que literal. A Gabriela, do conto Se der, eu volto, por exemplo, não representa necessariamente alguém com cabelo pintado de verde, mas alguém que revoluciona o mundo interno do protagonista. Em relação a sua entrada no meio literário, como isso ocorreu? Acha que Concursos Literários devem ser incentivados

ENTREVISTA | ENTREMENTES | 41


e de que forma? Publiquei meu primeiro livro por meio de um concurso nacional de originais promovido pela Universidade Federal do Espírito Santo, que o Pessoas Partidas venceu na categoria Melhor Livro de Contos. Nesses tempos em que o valor de uma obra literária é medido unicamente pelo seu potencial de vendas, concursos independentes e sem fins comerciais como esse são fundamentais para dar espaço a novos e promissores escritores.  Sobre o LIVRO: “Pessoas Partidas”. O que poderia nos falar dele? Sabemos que a ARTE, no Brasil, vem sendo atacada por grupos um tanto fascistas. Teria alguma coisa a falar sobre isso? O livro Pessoas Partidas é composto por 21 contos cujo tema comum seria o momento em que pessoas comuns são colocadas em situações-limite, das quais não podem sair indiferentes. O conto “Pessoas partidas” não sintetiza o livro, mas nomeá-lo com esse título me pareceu adequado, pois os contos englobam esse “partir” em vários sentidos, tanto o de afastamento geográfico quanto o do fragmentar psíquico e até mesmo o da quebra literalmente física. Sobre o momento atual da arte no Brasil, só posso dizer que os ataques estão bem de acordo com o desinvestimento cultural dos últimos anos. É bastante lamentável. Sobre as regras de pontuação na sua prática literária. Saramago e Valter Hugo Mãe são autores que brincam um pouco com essa rigidez imposta pelas vírgulas e ponto final. O que você acha disso? O leitor é que deve fazer essa demarcação? Claro que o recurso da linguagem escrita coloca à disposição do escritor uma miríade de possibilidades, e isso é maravilhoso. A explo-

42 | ENTREMENTES | ENTREVISTA

ração dessas alternativas é o que dá ao escritor seu estilo próprio. Pessoalmente, porém, prefiro não embarcar no vagão da rebeldia gramatical. Colocar a forma como primordial na obra me parece um encolhimento criativo, não o contrário. Saramago e Raduan Nassar são bons escritores, mas suas escolhas pela falta de pontuação e marcação de diálogos e por parágrafos de 20 páginas sem ponto final às vezes podem aparecer puro exibicionismo; uma escrita de pura forma corre o risco de se tornar estéril. Lobo Antunes, quase um antagonista literário de Saramago em Portugal, também é um experimentador da linguagem, mas em um nível muito mais profundo, com a forma a serviço dos sentidos e da estética. Você submete seus textos a uma revisão ortográfica, antes de enviá-los para editoras ou concursos? Revisão é fundamental, faz parte do acabamento da obra. Apesar de eu ser revisor profissional, não confio em mim para a revisão dos meus textos, pois a leitura fica “viciada” e posso deixar passar algumas coisas. Entregar o texto a um olhar “estrangeiro” é necessário para enxergar melhor o próprio texto, tanto a grafia e a sintaxe como o sentido dele. Também é um exercício de humildade se submeter ao crivo de um leitor atento e questionador, que te faz mostrar que nada é sagrado no teu texto. Onde encontramos o Livro Pessoas Partidas? O livro pode ser comprado pelo site da Edufes (http://edufes.ufes.br/items/show/385) e nas livrarias Bamboletras (Porto Alegre) e Machado de Assis (Araraquara). Hoje ele também pode ser baixado online pelo repositório da UFES https://goo.gl/mz85Lt


DECL(AMAR) Alexandre Lúcio Fernandes Amar é verbo que se declama no silêncio, rimas vertidas em gestos entumecidos com o zelo de corações emaranhados pelo sabor da paixão. Arredio é o encontro, quando a estrutura se insinua por trás de um sorriso engrandecido e apaixonado. Sentimento é insistente, reclama e se faz vívido, brilho que se derrama reticente pelos cantos mais íntimos da alma. O clamor de um coração, quando se ergue, ecoa sutil pela boca. A palavra renasce nas arestas, refastela-se pelo colo febril do peito; lavra deduções e se faz segredos. Porque o verbo ama sem precedentes ou explicações. Cada palavra é tanto, com o intento de ser manto, reluzente em significados, um abraço acariciado, não raso. Ela esconde o melhor em entrelinhas, em cortinas de letras que unidas formam o palco, o desajuste de um coração repleto de significâncias. Palavra cuspida e [mal]dita, [trans]fere, nos aprisiona e desajusta.

Mas a palavra que acena seu mantra, transcende em sentir, em uma beleza que figura o belo desejo de ser, cerceando a dor do dissabor. Palavra certa é a incerta, que mal sabe de si, mas encontra o seio para se aninhar. É enlevo que desconhece, mas ganha nome ao ser provida com certos olhares. Palavra ganha nome no coração de quem é, de quem chama, de quem ama e canta [o amor]. A fala se esconde, escapole por dentro e se insere, ascende e reascende a chama que ilumina esperanças e amores. Declamar é padecer na sinfonia melodiosa que embala o peito; sintonia que conecta distâncias e traduz afetos; concretiza os desejos mais efêmeros. O corpo respira, sofre e suspira as rimas enternecidas com o encanto tão eloquente que o amor pincela. Intenso é o desejo, o mote que esquadrinha um mural de partituras, um ritual que se principia no coração, resiste e reside, transformando o corpo; amando sem descansos; valsando sob o efeito de cálidas rimas. A amor se faz além das palavras que, belas, se equacionam pelas margens da alma. Declamar é reafirmar o que o coração entoa; é confirmar definitivamente o que no peito ecoa.

LITERATURA | ENTREMENTES | 43


HQ “MAUS” Gustavo Souza Silva “Sem dúvida, os judeus são uma raça, mas não são humanos!” - Adolf Hitler Quando se fala de histórias em quadrinhos, logo se lembra da Marvel, DC e afins. Sendo um pouco genérico, talvez se possa imaginar até que é algo voltado aos adolescentes, um pensamento que entendo, mesmo. Mas além das clássicas histórias de super heróis, vilões e acontecimentos fantásticos, os quadrinhos também são usados como veículo para narrativas um tanto adultas – Milo Monara¹ que o diga. Estes geralmente são chamados de Graphic Novels, histórias muito mais sérias e muitas vezes escrita numa linguagem que uma criança não entenderia, como por exemplo, Maus, uma narrativa forte onde os personagens são animais, algo que até chega a ser engraçado, mas o contexto é muito, muito real. Após esta pequena introdução, deixe-me apresentar a você o enredo. Maus é a incrível história real de Vladek, pai de Artie – autor e personagem da obra. Nesta obra, Artie, um escritor resolve escrever uma história em quadrinhos sobre a vida de seu pai – um judeu sobrevivente do holocausto nazista. Então começa a visitá-lo com certa freqüência, mesmo que seu pai seja um tanto irritante, a fim de entrevistá-lo sobre sua vida. E nisto, a narrativa vai se intercalando, ora mostra o presente, com o filho entrevistando o pai, ora conta a história da vida de Vladek, desde sua juventude até sua sobrevivência nos campos de Auschwitz – onde ocorrem as cenas mais duras do livro. Ah, mas há um porém nesta história: os judeus são representados por ratos, os alemães são gatos, os poloneses são porcos etc. Confesso mal saber como começar esta rese-

44 | ENTREMENTES | GEEK


nha, Maus é uma história muito complexa e fiel ao período da Segunda Guerra, afinal, a base de seu roteiro foi o relato real do pai do Art Spiegelman. É algo que se um adolescente que está começando a estudar a Segunda Guerra ler, talvez entenda algo, mas é preciso mais. Não por causa de sua linguagem, que é até fácil de se ler, mas por todos os elementos de sua narrativa – que faz desta, uma graphic novel genial. Indo mais a fundo e sendo um pouco poético, eu diria que é preciso certa sensibilidade para lidar com a trajetória de Vladek, que possuiu tantos altos e baixos em sua vida – desde sua juventude, quando encontrara o amor, até sua luta para não se tornar mais uma vítima dos nazistas. Antes de falar sobre a tal luta de Vladek, sobre como ele sobrevivera por tanto tempo num período em que ser judeu era perigoso demais, é necessário falar sobre seu primeiro amor, a Anja. Afinal, o sentimento que ele nutria por ela foi como uma chama que o manteve firme para sobreviver àquele tempo que os colocava em perigo constante. Não pretendo dizer tudo aqui, estragando sua leitura, mas devo denotar o fato de que eles se conheceram ainda jovens

– pouco tempo antes da guerra. E o amor deles foi forte, forte o bastante para fazer com que fugissem juntos, com que sobrevivessem juntos... e este sentimento manteve-se forte até nos campos de concentração, onde escondidos eles escreviam um para o outro – mesmo com o risco de serem pegos. Bom, voltando à jornada pré-campo de concentração de Vladek – já denotado o sentimento que o impulsionou, é importante notar as pequenas etapas dos nazistas em sua dominação racial em cima dos judeus. Antes de virem os campos de concentração e os fornos, eles apenas limitavam os judeus, tomavam seus lares, fábricas, pertences, até deixá-los acuados como ratos – fazendo jus à metáfora usada pelo autor. E o fato do Vladek ser rico antes da guerra apenas denota que pra eles não havia diferença entre os judeus, pobres ou ricos, para Hitler eles eram apenas animais. E ver a família de Vladek perder seus pertences um a um, apenas demonstra como os direitos judeus foram sendo tirados pouco a pouco, até que fossem rebaixados a lixo nos campos de concentração. E em meio a isto tudo nós vemos como o Vladek usou sua inteligência e habilidades para

GEEK | ENTREMENTES | 45


dar alimento e abrigo para ele e sua mulher – após todos serem expulsos de seus lares. E enquanto sobreviviam, vários judeus ao redor continuavam sendo mortos, incluindo amigos e familiares. E assim se passa metade da história de Maus, com o Vladek contando sobre como sobrevivera e fugira por tanto tempo antes de ser levado aos campos de concentração junto com Anja. E esta fuga/luta já é algo duro de se ver, como disse cima, ele vê amigos e familiares morrerem, se vê sendo obrigado a se esconder dos soldados alemães para não ser pego como prisioneiro ou até mesmo morto pelo simples fato de ser um judeu. Enquanto isso, nós vamos conhecendo cada vez mais o que aquele Vladek jovem se tornou no futuro – quase como uma caricatura da figura judia. E que fuga é essa, devo ressaltar, que fuga... esta primeira parte é a mais cheia de detalhes da história, pois o Vladek usa de muitas estratégias e encontra muitas ,pessoas durante sua jornada, talvez por isso do título da parte I, Meu Pai Sangra História. Já a segunda parte é mais simples, porém, muito pior.

46 | ENTREMENTES | GEEK

Se na primeira parte desta história, nós vemos como Vladek e Anja evitaram por tanto tempo os alemães e as prisões, enfrentando a fome e o medo a todo o momento, algo que já era duro, a segunda parte apenas agrava a situação dos judeus – e do casal protagonista. Pois após vermos eles tanto sofrerem, em algum momento acabamos dando de cara com a tão temida Auschwitz, seguida do título da segunda parte: E aqui meus problemas começam. Nisto, até teria como pensar se tem como piorar a situação, e lhe digo que tem, pois o famoso campo de concentração é palco de uma narrativa duríssima do dia-a-dia dos judeus, que além de trabalhar duro, eram abatidos sem perdão e nem razão, além dos maus tratos constantes que sofriam, além da fome e do cansaço. E neste local nós vemos como o Vladek conseguiu não ir para os fornos durante o ano em que esteve lá, mas durante boa parte de sua estadia, ele o menciona com certa freqüência, mostrando apenas a chaminé de onde subia a fumaça dos fornos – e às vezes até demonstrando em números os Judeus que morriam. E isto enquanto ele sobrevivia como podia,


trabalhando e ajudando quem podia em alguns momentos – e sem nunca se esquecer de Anja, que estava num campo de concentração ao lado. Algo que é mostrado em mapas, que apenas mostra como a narrativa do holocausto feita pelo Artie Spiegelman é, além de artística, fiel e crua, eu diria. Em nenhum momento ele tenta nos forçar àquela situação, fazendo da fome, trabalho duro e das pessoas que simplesmente “desapareceriam” se tornar algo comum – mesmo que doesse ver aquela chaminé, como se fosse um monstro distante sempre os encarando. Um monstro que em certo momento põe a face à mostra, num momento em que o Vladek explica ao filho como que os fornos funcionavam. E devo denotar, esta parte é uma das mais difíceis de ler da obra, pois detalha cada etapa pela qual os judeus passavam naquela sessão. Sem poupar os detalhes mais tenebrosos – como os atos desesperados, os que eram queimados vivos etc. E por ser um relato real, as cenas de Auschwitz são algo cruel, escrever aqui talvez não faça você imaginar o quanto, apenas lendo para perceber a história crua com o qual o autor lida – e demonstra isto em uns quadros também, quando se coloca como personagem tentando escrever a história, enquanto sob ele há vários corpos de judeus empilhados. E creio que o Artie deve ter mesmo se sentido assim enquanto ouvia as gravações do pai lhe falando sobre todas as histórias horríveis do holocausto. Se esta obra já lhe soa densa e complexa, calma, pois ela não se trata apenas de um retrato cru da guerra e do holocausto, mas também das marcas que o holocausto deixara em alguns sobreviventes – como Vladek. Enquanto jovem, nós vemos um Vladek cheio de personalidade, garra e força para lutar. Um Vladek que deixa de comer pra conseguir enviar cartas à Anja, mas quando velho, preso num casamento infeliz e sempre se lembrando da fa-

lecida mulher, ele se torna irritante e cheio de manias – algo que ele herdara dos campos de concentração. Em alguns momentos o filho até se irrita com ele, gritando com o pai, que consegue encher a paciência dele. Além de que, há uma cena em que Vladek se mostra ainda mais humano, quando é denotado o racismo dele com relação aos negros, por exemplo. Algo que mencionei para mostrar que embora ele tenha sido um puta personagem, enquanto sobrevivia, ele se tornara alguém cheio de problemas em sua personalidade – assim como Anja, que sofria com o passado – algo que você saberá mais com a leitura da obra. Após os trechos anteriores, nota-se a dureza de Maus. Uma história sobre o holocausto que não tenta ser dramática a todo o momento, que com um tom leve, faz o relato mais fiel à Auschwitz que podemos encontrar numa mídia como esta – o que deve ter sido um desafio para o autor. Aliás, a história não termina na fuga do campo de concentração, ela consegue ser cruel até mesmo quando os alemães tinham que se mudar dos campos por causa da guerra – assim como na série Band of Brothers, onde é mostrado num episódio os soldados americanos encontrando um campo de concentração que foi queimado e abandonado – matando vários judeus e os deixando abandonados e com fome. Aliás, espero que esta resenha não espante você, afinal, esta ainda é uma obra belíssima, cruel e real, mas belíssima. Vencedora do famoso Prêmio Pulitzer e indicado para o prêmio do National Book Critics Circle. Claro, lhe recomendo fortemente o Maus, por motivos que já disse e repeti muitas vezes durante esta resenha. E indo além, recomendo até uma releitura se possível, afinal, nós sempre temos olhos mais aguçados quando revisitamos alguma obra – e Maus tem muito a nos contar, muito.

GEEK | ENTREMENTES | 47


LEITURAS Germano Xavier Para começo de conversa, é preciso salientar que o poeta Gregório de Matos tinha absurda e considerável ciência acerca do que produzia. É necessário uma boa dose de vivência para que um determinado escrito consiga elevar-se como obra e conquistar outras dimensões de significação e representatividade. Ele, o “Boca de Brasa”, é um retrato fiel da ideia de que a vida imita a arte, ou o inverso. Gregório viveu, comeu e bebeu do seu tempo. Para Alfredo Bosi¹, o bardo “é mais do que uma figura e um autor porque retrata, sob muitos aspectos, e tipifica, em quase toda a sua obra, o meio e o tempo”. E quando voltamos o nosso olhar à retratação da figura feminil em sua obra, cuja autoria é ainda bastante polemizada, não acontece de modo discrepante. Analisando os poemas propostos para o devido estudo (“RETIRA-SE DESDENHOSA DO POETA PARA UM SOLDADO DE CUPIDO A TEMPO, QUE ELLE FAZIA O MESMO COM ANNICA” e “EPITAFIO À MESMA BELLEZA

48 | ENTREMENTES | LITERATURA

SEPULTADA”), percebe-se claramente um posicionamento ideológico baseado em extremismos. De um lado, a visão essencialmente preconceituosa da mulher negra – diante da questão, Gregório não titubeia, e escreve com a inicial maiúscula o termo “mulata”. A destinação e a evidência de um racismo é por demais escancarado. O poema tem como enredo, se assim pode-se aferir, um troca-troca envolvendo duas mulheres e dois homens. As mulheres, aqui, são negras e vêem-se traduzidas à míseras mercadorias ou produtos de negociação. O poema primeiro se desenvolve, do início ao fim, numa atmosfera densa, marcada por uma tensão que envolve os paradigmas do “ter”, do “poder” e, mormente, da eternidade das relações humanas. Comparado ao segundo poema, este apresenta-se totalmente encaminhado sobre um território ameno, livre de aturdimentos e tensões, fluido e mais contemplativo, uma vez que o seu destinatário é uma mulher de pele alva, portanto digna dos mais


altos congraçamentos. O poema expõe uma linguagem mais coloquial, chegando a beirar a vulgaridade, aproximando-se de um erotismo encadeado por expressões e jogos de palavras por demais singulares. Para corroborar da ideia de aproximação do que é popular através do uso de uma linguagem diferenciada, Bosi² vai dizer que “não menos interessante é o estudo da contribuição de Gregório de Matos para a aproximação entre a linguagem literária e a linguagem popular, pela maneira como introduziu em suas composições não só palavras até então proibidas ou vedadas ou mal aceitas como expressões de uso comum”. Dedicado à Dona Ângela, a comparação elogiosa concebe à personagem um caráter de gigantismo e de inesgotável estima. D. Ângela, mesmo morta, é possuidora de uma beleza quase inefável. Aqui, a dualidade temática “vida X morte” faz-se demasiado presente. Eis, pois, poemas comprimidos em antagonismos, dum poeta-marco do Barroco, que pou-

co soube fingir a inverosimilhança das relações, das coisas e do mundo de/em seu tempo. Já no poema árcade “VI”, de Cláudio Manoel da Costa, o homem consegue, após consideráveis embates, encontrar-se. E é a natureza, o ambiente bucólico, o fator que ilumina o ser. Nela, sendo-a e estando inteiramente entregue a ela, o homem encontra a necessária paz e a vida harmoniosa, pautada numa lida ponderada, racional, sem aflições. Já no poema barroco “AO BRAÇO DO MESMO MENINO JESUS QUANDO APPARECEO”, o humano confunde-se com a própria parte e o próprio todo conflituoso. O linguajar, o modo como a palavra e a imagem são confeccionadas transforma-se em mais um entrave para a compreensão, impedindo o suave transcorrer da leitura por parte do leitor. E assim vamos... 1- P. 86/ 2- P.87 BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo. Cultrix, 1970 – 44ª ed., 2007.

LITERATURA | ENTREMENTES | 49


MORRO DOS REMÉDIOS Nunes Rios Morro dos Remédios, pedra dos remédios, trilha dos remédios. No bairro Espírito Santo em Paraibuna encontra-se esta maravilha escondida de nós, joseenses. Bairro tipicamente rural e com presença forte de religiosidade na qual a pedra é usada para o rito de reza de praticantes do catolicismo. Valeu pelos sete km de trilha perfazendo num total de quatorze km. Se partir da Olaria aí a kilometragem é maior. Tentaremos, da próxima vez, subir de carro pelo bairro do Porto, um caminho melhor com menos buracos e dificuldades, por este caminho dá até para ir de carro. Porém o que vale é a trilha a pé mesmo e trilha que é trilha tem que ter sol forte, chuvas, barro, lama, nevoeiro, inclinação e muito cansaço. Trilha que se preze tem que ter dificuldades, tem que ser nervosa, tem que cansar as pernas, tem que ter suador danado, mosquitos, tem que testar os limites físicos do corpo. Tem

50 | ENTREMENTES | CAMINHOS ETRILHAS

que exigir pensamento positivo, tem que exigir determinação. Muitas das vezes achamos que não vamos conseguir chegar ao final da trilha, que vamos parar na metade do caminho, porém aí é a hora, o momento de superação, de superar limites. Foi assim na pedra da Macela, foi assim no morro Santo Antônio, foi assim na Pedra do Baú, será assim na Pedra do Remédio, pensei comigo. Três horas de subida, três horas de descida. Isto para ir tranquilo junto com o percurso de carro pode contar quatro horas. Leve lanche, comida, frutas o que você gosta e o que te satisfaça, porém não coma demais porque isto deixará seu corpo pesado e isto irá atrapalhar você. Leve o que comer porque você não encontrará onde comprar, por ser um bairro rural, poucos comércios e o que tem estará fechado. Somente um bar encontramos perto da olaria e que só tinha pinga. Na estrada que vai para a Capeli-


nha deixamos nosso carro no começo da inclinação da subida. Não seria sábio avançar mais porque havia buracos maiores que a roda do carro. Eram muitos buracos, muitos buracos mesmo. Íamos deixar o carro na estrada, porém as últimas notícias de pessoas que põem fogo no carro de trilheiros e montanhistas nos deixou cautelosos. Não se sabe quem comete este crime. Se são fazendeiros que não gostam de trilheiros e montanhistas ou se são pseudos guias de montanha que não gostam de concorrentes e pretendem com isto fazer alguma reserva de mercado para si. Ou se são vândalos e pessoas maldosas. Carros ateados fogo, furtados e danificados são sinais de que não somos bem vindos ao local. Pedimos para dois irmãos gêmeos para colocarmos o carro no seu sítio que ficava logo de frente para a estrada, o que foi aceito de bom grado. No caminho, subida e descida que não acaba mais, desprezando duas estradas a direita e uma esquerda; aí sim é subir os últimos morros e chegarmos a Capelinha. Entretanto, não foi fácil chegar a este ponto, pois nos perdemos e pegamos uma outra estrada que chegaria a um platô no qual dá para ver a represa toda, numa visão maravilhosa. Porém este não era o objetivo, pegamos uma estrada depois da reserva da votorantim, reserva esta de plantação de eucaliptos, plantação muito grande, muito grande mesmo. Caminhando pela estrada que as laterais são cercadas pela reserva logo, logo vemos uma família de saguis que pulavam de galho em galho e olhavam para nós, pareciam assustados principalmente os filhotes que estavam agarrados nas costas de seus pais. São muito lindos estes primatas, este foi um dos pontos altos da trilha. Na volta encontrei com um trabalhador rural da região, que disse que era perigoso depararmos com alguma onça, o mesmo estava sem camisa, com facão na cintura e botas sete léguas. Eu achei meio mito

e não me preocupei com isto, não dei ouvidos, pois no máximo que encontraria era uma jaguatirica que se não fosse acuada não nos atacaria. _ Agora fala a verdade, se encontrássemos tal onça, a parda? Que benção seria! Aí sim a aventura estaria completa com estória de onça e tudo e algumas mentirinhas para tornar épica a trilha no mais radical das hard adventures vividas por mim. Ainda na estrada errada – a estrada do platô lembra? Encontramos um trilheiro de moto que mora na cidade, chamado de Anísio, que por coincidência tínhamos amigos em comum. Anísio é professor de educação física da rede municipal de Paraibuna, incentivador de esportes, nos convidou para uma corrida de maratona da qual ele era o organizador e que aconteceria na Trilha dos Remédios numa data próxima, ele disse que subiu várias vezes de bike na estrada, no entanto devido a uma hérnia de disco agora só sobe de moto. De fato encontramos muitos trilheiros no local, eu mesmo quase fui atropelado por um. O mesmo nos orientou sobre o caminho correto e nos deu uma carona de moto até a bifurcação da trilha certa, ora levando um ora levando outro. No último quilômetro e meio muita vegetação e a estrada bem úmida, barro e abrigos na estrada, isto é, pequenas coberturas feitas de eucalipto e bambu armados com cipó. Esses abrigos, com certeza deveriam ser para trabalhadores rurais da reserva para se abrigar de chuvas fortes e torrenciais. É bom lembrar que tem também opção da trilha do platô que não finalizamos devido a falta de tempo e que merece uma segunda aventura. Pedra do Remédio, esta trilha vale por cada minuto que passamos nela, por isto indicamos às pessoas.

CAMINHOS ETRILHAS | ENTREMENTES | 51


TOP 5 | MELHORES FILMES DE 2017 Lilith Anansi

Se tem uma coisa da qual todo ser humano gosta, é a arte de assistir filmes. Pois assistir filmes não se limita a estourar pipoca, abrir a página do Netflix e acompanhar a debandada audiovisual que invade globos oculares e canais auditivos. Cinema sempre foi e sempre será muito mais do que isso, pois cada um de nós possui a autonomia de nossos universos particulares, que irá definir a validade de histórias que vemos, ouvimos e sentimos. Às vezes, o gênero nem importa – só precisamos de uma parábola mirabolante desenrolando-se diante de nossos olhos, nos teletransportando para outra dimensão por algumas horas. Afinal, não é essa a graça do cinema: classificar o que é bom ou ruim, pessoalmente falando? Isso mesmo, a classificação de qualquer produto é pessoal. Até os mais badalados críticos de cinema estão, invariavelmente, exprimindo opiniões. Pode ser que os mesmos tenham um jeito mais elegante de fazer observações, confeccionem análises rebuscadas sobre determinados aspectos do enredo, comentem detalhes técnicos invisíveis ao olho nu do espectador menos

52 | ENTREMENTES | CINEMA

experiente – ainda assim, continuam sendo meros pontos de vista a respeito da obra-de-arte de outrem. Mas cá pra nós, um bom filme é aquele que te comove de uma forma complicada de explicar… Talvez você sinta arrepios na nuca? Quem sabe, reflita sobre temas nunca antes alcançados pela sua mente? Quiçá se emociona com algo singelo ou lúdico que te surpreende a ponto de mudar sua visão de mundo? Ou é uma mistura de todas as perguntas anteriores. Então, não é à toa que a cinematografia é considerada uma ciência espetacular: o que é maravilhoso alcança multidões, alcança imensidões, alcança outras galáxias! E depois desse longo blablablá obsessivo compulsivo cinéfilo, chegou a hora de me apresentar: oi! Meu nome é Lilith, bem-vindo ao meu primeiro post do ENTREMENTES. Permita-me recomendar os cinco melhores filmes que tive o prazer de assistir em 2017 e, me arrisco a dizer, mudaram a minha vida de alguma maneira… Vai que as estrelas estão se alinhando para que você de fato siga uma das minhas recomendações, sentindo uma mudança na sua vida também?


5. A SÍNDROME DE BERLIM (BERLIN SYNDROME, DIR. CATE SHORTLAND)

4. OKJA (OKJA, DIR. JOON-HO BONG)

Certos filmes são feitos com o intuito de nos advertir sobre os perigos do que há ao nosso redor, sendo que até a casual e divertida ingenuidade de nossos atos potencializa riscos de nos inserirmos em circunstâncias catastróficas. Situações que, inicialmente, aparentam ser inofensivas, podem ser o extremo o oposto, nos envolvendo em cenários caóticos e assustadores. Tal fenômeno costuma ocorrer quando estamos cegados por entusiasmo e/ou sede de mudança, realizando um sonho, explorando o desconhecido, deslumbrados com as novidades e possibilidades infinitas de um lugar exótico, por exemplo. A Síndrome de Berlim entra para a lista não-oficial de “filmes-alerta” e uma imperdível dissecação de relacionamentos interpessoais entre desconhecidos e sobre a mania inocente que impulsiona tanta gente a confiar em estranhos. Existem dezenas de longas que abordam a pavorosa temática do sequestro; em sua maioria, baseados em fatos reais, fator que costuma ser um adicional agoniante ao contexto. No caso desta película adaptada de uma ficção escrita pela australiana Melanie Joosten, a ausência de conexão com acontecimentos verídicos não deixa de prender o espectador à história que se desenvolve de modo sedutor, sorrateiro e cru, muitas vezes nos obrigando a quase sentir na pele o que cada personagem vivencia, fazendo d’ A Síndrome de Berlim um thriller impressionante.

A não ser que você venha vivendo numa caverna platônica nos últimos anos, não precisa que eu te informe sobre o BOOM da Netflix na vida moderna: ela está em todo lugar. E dentro de um longo catálogo de filmes e séries que a plataforma nos oferece, encontramos os “Originais Netflix”, que estão sendo feitos numa velocidade absurda e, em sua maioria, são de ótima qualidade. Okja é uma dessas produções magníficas trazidas até nós recentemente, e merece ser vista por crianças, adultos e velhinhos. Não assisti muitos filmes dirigidos por Bong até o momento. Antes de Okja , me encantei única e exclusivamente por Expresso do Amanhã (Snowpiercer, 2013), adaptação de uma graphic novel francesa, lindamente executada pelo cineasta sul-coreano; mas já posso ser ousada e dizer que, baseando-me neste curto histórico, tenho boas expectativas quanto à experiências futuras de filmes com os quais este homem se envolva direta ou indiretamente, pois tanto Expresso do Amanhã quanto Okja me fizeram levitar! Como não dar credibilidade à um conto que tem como foco este animal fictício adorável que nos emociona, nos faz sorrir e chorar e querer protegê-lo da crueldade sem limites de uma sociedade egoísta e gananciosa? Trata-se de uma obra sobre amizade verdadeira, a defesa de seres que não podem fazê-lo sozinhos, o amor incondicional pela natureza – politizado porém sensível, alarmante porém questionador, tudo em um só pacote.

CINEMA | ENTREMENTES | 53


3. GRAVE (RAW, DIR. JULIA DUCOURNAU)

2. MÃE! (MOTHER!, DIR. DARREN ARONOFSKY)

Ocasionalmente, nos deparamos com surpresas cinematográficas tão bacanas! E eu, pra ser bem sincera, nem sou tão difícil de agradar quando o assunto é entretenimento, já que procuro manter minha mente aberta ao me sentar para assistir algo. No entanto, tem sido tempos difíceis, até mesmo pra mim, que não sou exigente. É por isso que Grave, dirigido pela francesa Julia Ducournau, foi uma descoberta tão agradável em 2017. Há alguns meses, eu cliquei o botão “play” de Raw despretensiosamente, ignorante sobre o enredo, sem conhecer os atores, nunca tendo ouvido falar da roteirista relativamente desconhecida, que traz o total de cinco filmes em seu currículo e, na minha opinião, vai longe. Vale considerar que, nos dias de hoje, uma ideia original é praticamente banhada a ouro. Numa era em que os remakes estão em alta e a maioria das pessoas não parece se importar com um suspense bem feito, apenas com o famoso e decadente “jump-scare”, é revigorante quando alguém traz à mesa uma ideia antiga, com uma abordagem fresca. A pegada de Grave é simultaneamente realista e fantasiosa. Para quem gosta do gênero de horror, é um prato cheio: sangrento na medida certa, com momentos desconfortáveis de acompanhar, de modo que você acaba se colocando no lugar daqueles indivíduos, se perguntando o que faria se fosse eles. Ah, e o desfecho vai te deixar de boca aberta, palavra de escoteiro!

Primeiro, um conselho: não assista mãe! se você está buscando uma forma de distração leve. Este filme, definitivamente, não foi feito apenas para nos distrair – traz, sim, várias de características em sua descrição, mas “leveza” não é uma delas. Tenho a impressão de que o novo trabalho de Aronofsky enganou muita gente este ano, pois seu trailer atraiu uma manada de desavisados que foram ao cinema esperando algum tipo de suspense moderno para matar algumas horas do fim de semana e acabou sendo atacado por um carro alegórico subversivo, surreal e, em vários momentos, violento na sala do cinema. A agressividade de mãe! é uma esfera mutante e crescente, apresentando trivialidades intrincadas em metáforas bem elaboradas que podem ou não ser claras no decorrer da narrativa. A construção da história inicia-se na calmaria de uma vida a dois, transformando-se em um furacão multifacetado num piscar de olhos. Senti meu coração bater forte enquanto as situações atingiam níveis perturbadores sem prévio aviso, e dependiam da minha vontade em entender e solucionar suas camadas – tarefa um tanto árdua, admito, mas que valeu a pena. Sem mais delongas, acredito que o diretor de Réquiem Para Um Sonho (Requiem For A Dream, 2000) e Cisne Negro (Black Swan,

54 | ENTREMENTES | CINEMA


2010), mais uma vez, homenageou a persistência, a sobrevivência agridoce e a dor aguda de SER que beiram a obsessão, nos desafiando a encarar uma miríade de questões profun-

das, cena por cena, ao cutucar feridas sociais, ambientais e espirituais num conto de fadas sombrio que vai além do que nossos olhos são capazes de enxergar.

1. A GHOST STORY (A GHOST STORY, DIR. DAVID LOWERY)

Quantas vezes ao dia você “julga um livro pela capa”? Mais cliché, impossível, eu sei, mas ecoa inúmeras atitudes reais, certo? Avistei o pôster de A Ghost Story enquanto passeava pela Grã Bretanha este ano e o mesmo me pareceu uma piada sem graça de Halloween; ao ler a sinopse fajuta (todas elas são fajutas diga-se de passagem, nem sei por que me deixei manipular), decidi que “nããão, não vou perder meu tempo”, e fui ver outro filme naquela tarde. O tempo passou, voltei de viagem, o longa-metragem de Lowery nunca estreou no Brasil e eis que, meses depois, trombei num link online do filme e quando dei por mim, havia acabado de presenciar uma obra de tirar o fôlego de tão intensa e delicada, repleta de dilemas silenciosos e musicalidade metafísica. Ainda preciso mencionar que me arrependi

profundamente por tê-lo julgado por conta da simplicidade de seu pôster? Sim, A Ghost Story é um filme deveras simples em diversos pontos: o ritmo lento da história, os diálogos mínimos e corriqueiros, a exatidão exaustiva dos frames. Por outro lado, a complexidade de sua fábula vai além da camada espessa e encardida do lençol branco que cobre o rosto de um morto nos contando sua história por telepatia. Adivinha! Acabei me dando conta de que viver é uma constante telepatia. Padecer é telepatia. Morrer é telepatia. Sentimentos são telepáticos, apesar da extensa lista de vocábulos para defini-los – mais do que isso, sentimentos são invisíveis, como imaginamos que fantasmas devem ser, caso eles existam. E quanto ao tempo... Será que ele existe?

CINEMA | ENTREMENTES | 55


O DESPERTADOR HUMANO Marcelo Pirajรก Sguassรกbia

56 | ENTREMENTES | LITERATURA


Junto com a Revolução Industrial – período de 1760 a algum momento entre 1820 e 1840 –, vieram os empregos. Para não perderem a hora, existia o despertador humano, um profissional responsável por acordar as pessoas para que comparecessem ao trabalho pontualmente. O primeiro relógio-despertador foi criado em 1847, mas só se popularizou décadas depois. Assim, era comum ver pessoas com bambus ou varetas batendo nas vidraças ou atirando pedrinhas nas janelas daqueles que as contratavam. ( fonte: universoretro.com.br)

Fico imaginando o que seria dessa cidade caso eu tivesse escolhido outra coisa para fazer na vida. Se bobear, você mesmo pode ter sido acordado por mim hoje. Não há quem não precise de meus préstimos. Muitos podem pensar que não faz nenhum sentido um arrumador de pinos de boliche, por exemplo, necessitar dos serviços de um despertador humano. Ele não tem que acordar cedo, pois geralmente trabalha à noite. Só que ele troca a noite pelo dia, e se não houver ninguém para acordá-lo mais ou menos ao pôr do sol, ele vai ser mandado embora. Mas existem outras consequências. Se um cara desses vai trabalhar com sono, demora para sair da pista e acaba ele mesmo servindo de pino de boliche. Concorda comigo? Se você parar para pensar, vai ver que tudo – ou quase – depende de mim. Supondo que aconteça um acidente e o arrumador de pinos acabe indo para o hospital. Ele não vai precisar de mim enquanto estiver internado, certo? Errado, pois o médico que trata dele vai, para estar pontualmente levando seus cuidados ao enfermo. Assim como a enfermeira, o motorista da ambulância e todo um leque de profissionais que botam o hospital para funcionar. Se o leiteiro não estiver de pé às 5 e meia da manhã, pronto para fazer suas entregas, vai deixar todo mundo sem café para ir ao trabalho (ainda que seja leite o que ele fornece).

E a sorte minha é que o ordenhador de vacas mora na zona rural. Se fosse na cidade, teria que acordá-lo também. E bem antes do leiteiro... Agora imagine você numa emergência, em que seja preciso ligar imediatamente para alguém. Pode esquecer se não houver telefonista acordada, para completar a ligação. Como elas trabalham em turnos, são vários grupos de mulheres que precisam ser despertadas em horários diferentes. Isso me força a ficar com minha vara de bambu pra baixo e pra cima o dia todo. E a pé, pois não há transporte que acomode satisfatoriamente o meu instrumento de trabalho. Confiança é tudo nessa profissão, e a responsabilidade de acordar tanta gente não admite erros nem desculpas. Basta meia hora de atraso em um dia qualquer e pronto, perco de uma vez o respeito dos clientes. Sem mim, o mundo para. Ninguém pode imaginar a vida com atrasos nos serviços de telefonista, leiteiro, arrumador de pinos de boliche e tantas outras ocupações desse mundo moderno. A menos que inventem um relógio que seja também despertador, o que me parece muito improvável. Porém, devo admitir que essa ameaça me roubaria o sono. Mas como não posso dormir mesmo... © Direitos Reservados Imagem: @FotografiasDaHistoria

LITERATURA | ENTREMENTES | 57


REVELANDO MARTE, DESCOBRIREMOS NOSSA ORIGEM Renato Mota

Quero aproveitar e falar de um assunto que fascina a todos que gostam de UFOLOGIA, que se interessam pelos mistérios e segredos do UNIVERSO, e o assunto do momento, que está sempre em destaque, é o PLANETA MARTE. Muito semelhante à TERRA, alguns referem-se ao planeta como nosso planeta irmão. Marte quer dizer ”O DEUS DA GUERRA”, e isso é bem interessante, porque como veremos nesse post, tem forte evidência de que o planeta foi atingido por duas bombas nucleares, e a pergunta que fica é: mas como isso é possível? Falaremos mais a seguir. MARTE tem pouco mais de metade do diâmetro da TERRA, sua temperatura oscila de 20°C a -130°C, não difere muito de nosso planeta, o problema que oscila muito assim, em mesmo local, podendo matar o ser humano por congelamento em poucas horas, sem uma roupa e equipamento adequado. Sua atmosfera é formada por dióxido de carbono, sua superfície rochosa é formada por dióxido de ferro, dando a ele o aspecto vermelho. Possui também duas luas conhecidas, que são:

FOBOS E DEIMOS, uma das teorias é que são asteroides que foram capturados pela força gravitacional do planeta. Marte está sendo explorado por oito espaçonaves atualmente: seis em órbita — Mars Odyssey, Mars Express, Mars Reconnaissance Orbiter,Mars Atmosphere and Volatile Evolution Missile – MAVEN, Mars Orbiter Mission e ExoMars Trace Gas Orbiter — e duas na superfície — Mars Exploration Rover Opportunity e Mars Science Laboratory Curiosity. Entre as espaçonaves desativadas que estão na superfície marciana estão a sonda Spirit e várias outras sondas e rovers, como a Phoenix, que completou sua missão em 2008. As observações feitas pela sonda Mars Reconnaissance Orbiter revelaram a possibilidade de que exista água corrente no planeta durante os meses mais quentes. A NASA já admite que não só existe água em forma de gelo abaixo do solo, mas também água em estado líquido, que já foi fotografada algumas vezes por essas sondas que exploram o planeta e foram amplamente divulgadas.

Comparação do tamanho dos planetas telúricos (da esquerda para a direita): Mercúrio, Vênus, Terra e Marte.

58 | ENTREMENTES | UFOLOGIA


MALDEK O interessante que, após MARTE, temos o cinturão de asteroides, que tudo indica, que ali realmente existia um outro planeta, chamado MALDEK, segundo livros antigos, pergaminhos de milhares de anos, e psicografias. Hoje em dia, a UFOLOGIA e a espiritualidade andam juntas, não tem como separar, para conseguirmos evoluir em nossos pensamentos, buscar as respostas que queremos não tem outro caminho. Eu, até pouco tempo atrás, não ligava para isso, achava que era muita ”fantasia” falar de povos como MALDEKS, povo do planeta KAPELA que são na verdade o povo egípcio, arcturianos e vários outros. Parecia muita ”viagem” como dizem os jovens, mas após muito ler, conhecer, conversando com pessoas que dominam o assunto, hoje claramente vejo que estive “cego” esse tempo todo, e quando comecei a conhecer essas histórias incríveis, fiquei fascinado, as lacunas que faltam são totalmente preenchidas.

Nossa história é muito mais que isso que conhecemos, qualquer raça chega num grau de evolução que as viagens espaciais são inevitáveis, como o contato com os seres, que tem o momento certo pra acontecer. Nosso UNIVERSO como conhecemos, nada mais é um dos milhões que existem, os chamados MULTIUNIVERSOS – o BIG BANG, nada mais foi a origem de um deles. NA TERRA ainda infelizmente as religiões atrapalham a evolução tecnológica, espiritual, politica, pelo simples motivo que o dinheiro é colocado acima de tudo, e Jesus não ensinou isso, ele pregou a simplicidade, humildade, mas as interpretações errôneas e propositalmente distorcidas e até mesmo alteradas, visando como disse, apenas lucro, dinheiro. Os governos manipulam seus povos, nos privam de conhecimento, mas pelo que tenho visto, graças a DEUS isso tem mudado. Não digo que não devemos ter uma religião, uma crença, devemos ter sim, porém uma na qual a espiritualidade é vista acima de tudo, onde aprende-se o sentido da vida, nossa origem, que respondam as perguntas essenciais como ”quem somos” , ”de onde viemos” ”pra onde vamos”. Essas respostas existem, e a cada dia aprendo mais e mais. Tanto que no próximo evento em setembro de 2017, falaremos pela primeira vez sobre TRANSIÇÃO PLANETÁRIA, falaremos de nossa origem, um pouquinho de conhecimento, como diz meu amigo Luís Marques Sanches, ”fazer trabalho formiguinha, mas que terá bons resultados”. Voltando ao planeta do povo MALDEK {que farei aqui ainda um post exclusivamente sobre eles}. Após uma guerra a milhares e milhares de anos, esse planeta foi destruído, e isso se confirma ao olhar o mapa dos planetas do sistema solar, nota-se claramente que a simetria ali existente sem dúvida ali deveria existir um planeta.

UFOLOGIA | ENTREMENTES | 59


VENEZUELA – O SOCIALISMO DO SÉCULO XXI Joka Faria

É comovente, este silêncio nas redes sociais. Sobre a questão da crise política e econômica na vizinha, Venezuela. Crise que começa a nos alcançar através da fronteira seca, tão bem retratada pelo jornalista Fernando Gabeira no seu programa na Globo News. E estamos atônitos diante de mais esta calamidade. Que joga a população venezuelana numa crise humanitária. Aqui fiz uma série de poemas numa tarde. Publicados para romper com meu silêncio sobre o tema. Para tentar o debate nas redes sociais. E agora este texto para o Entrementes. Lutar por mudanças e utopias não pode nos tornar cegos diante da dura realidade econômica e política do povo Venezuelano. Sei que a esquerda deve buscar novas pro-

60 | ENTREMENTES | SOCIEDADE

postas para este século. Mas manter um país numa enorme crise? Não nos cabe o silêncio. Nem a omissão. Nos cabe refletir, debater e, por fim, agir. Mesmo que o início seja a arte! Estamos no século XXI. E temos por dever com toda esta tecnologia e ciências. Com toda a história humana na filosofia, esoterismo... Buscar uma nova forma de agir, pensar e sentir. Mas a barbárie nos cerca em todos os cantos do planeta. Não nos cabe silêncio e omissão. Entretanto, sim, dentro de nossa capacidade, devemos buscar saídas – dentro de nós e fora de nós. O ser humano é uma construção social e pertence ao seu tempo histórico. Nos cabe ousar.


Silêncio! Enquanto um país inteiro está em crise humanitária. Nós somos a América?

Venezuela! Silêncio na margem esquerda do Rio! Venezuela! Alma, morte em busca de Utopias. Venezuela! Caminhos sem volta?! Silêncio é conivência. Venezuela! Aqui - alma estilhaçada de desamor.

Venezuela! Canções ao canto de morte de uma nação! Venezuela! Canção de Utopias perdidas em sangue. Venezuela! Triste silêncio dos que lutam por utopias. Venezuela! Silêncio covarde dos que almejam liberdade.

Venezuela! Silêncio dos que almejam utopias.

SOCIEDADE | ENTREMENTES | 61


CORPO E SEXO VINiCIUS SIQUEIRA “Deixa eu dançar pro meu corpo ficar Odara” Caetano Veloso, Odara, 1977. A configuração do corpo em Foucault passa por diversas etapas desde seus trabalhos arqueológicos, passando pelos trabalhos genealógicos (e o corpo passa a ser assujeitado pelas disciplinas), terminando na ética, no retorno ao cuidado de si. O que queremos entender é a forma de amar no corpo, como Foucault consegue colocar o corpo como espaço de sonho, de imprevisibilidade. Sendo assim, o corpo que se percebe no toque do outro, o corpo como não-lugar, como utopia, será buscado no texto A Utopia do Corpo, do autor. A sexualidade e o corpo Ao longo do século XIX, elabora-se a ideia de que existe algo além dos corpos, dos órgãos, das localizações somáticas e suas funções, das sensações e prazeres; algo a mais que possui suas propriedades intrínsecas e suas leias próprias, o “sexo”. Eduardo Cavalcanti de Medeiros[1] Em Foucault, a sexualidade está no corpo como forma de organização, de vigilância e, de certa forma, de modulação. É a partir do dispositivo de sexualidade que o corpo é preparado para sentir o que deve sentir, nos momentos e intensidades adequadas. O que deve ser dito e não dito sobre a sexualidade também é controlado a partir deste mesmo dispositivo. A primeiro momento, o corpo é um produto que, depois de ser fabricado, ele próprio dá condição de possibilidade para um íntimo. A intimidade do eu com o corpo parece ser possível depois da inscrição do poder.

62 | ENTREMENTES | FILOSOFIA

A Intimidade do não-lugar “O amor também, como o espelho e como a morte, acalma a utopia de seu corpo, ele a silencia, a acalma, ele a encerra como que dentro de uma caixa, ele a fecha e a sela”. Michel Foucault[2] Não é possível ter a imagem completa do corpo, a imagem inteira: o corpo só é visto por completo em frente a um espelho, uma imagem falsa, um reflexo. Não podemos ver nem sentir o corpo todo. É o toque, o beijo, o calor, que nos colocam em evidência a existência do corpo, dos lábios, das partes. O que um corpo se não a união de partes não necessariamente unidas. A biologia não é suficiente. O amor, então, é a forma do corpo fechar em si mesmo, é quando o corpo passa a existir para além do dispositivo da sexualidade. O sexo da sexualidade, então, não é o mesmo que o sexo do amor. O primeiro aprisiona, molda, impulsiona; o segundo é a imprevisibilidade de si, a existência em si. A única possibilidade de existência fora de qualquer espaço do outro, é, paradoxalmente, nas mãos do outro. O outro específico muda: o outro do amor não é o outro da disciplina, do dispositivo. O corpo, então, está no aqui, na hora do amor, no gesto do amor. É no amor que devemos depositar nossa confiança. Referências: https://goo.gl/EhqvJ6




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.