Ano 3 - Edição 7 - Primavera de 2016 www.entrementes.com.br
CONECTANDO IDEIAS ARTE - CIÊNCIA - ESOTERISMO - FILOSOFIA
EDIÇÃO DE PRIMAVERA
DITINHO JOANA - IMORTALIZANDO SONHOS NA MADEIRA Escultor de São Bento de Sapucaí que dá vida às suas obras de arte
EDSON SOUZA - CORAÇÃO DE CANTOR
O Músico abre o coração e conta a trajetória do seu violão caçador.
ENTREVISTA COM RICARDO LÍSIAS
Teresa Bendini entrevista o autor do livro “Divórcio”.
JORGE XERXES - BATIZADO PELA LITERATURA
“Um escritor batizado por dois de seus contos…quantos possuem este privilégio, de ser batizado pela própria Literatura?”
Editorial As flores e os espinhos, juntos nos faz lembrar que a vida é dual, cheia de altos e baixos, dores e prazeres, alegrias e tristezas. Esse paradoxo que nos persegue a todo instante, revela que a única saída é a síntese definitiva. É a busca por sair dessa roda de dores coletivas, impregnadas em nosso DNA. É a busca por sair dessa roda de Sansara. É a busca por revolução, no sentido mais intrínseco, íntimo e pleno. Hoje, a palavra revolução está maculada, equivocada, desgastada pelas bocas malditas nos meios sociais, degenerou-se, entropiou-se, estropiou-se. Ao pronunciar Revolução, cai-se para a esquerda, direita, centro e se é pisoteado como um verme. Mas a Revolução é muito mais do que está sendo programada nas mentes sem noção... é a busca incessante de mudanças e transformações internas, porque enquanto humanos, temos o ideal de vencer os próprios limites. E só então, transformar o mundo. Do micro para o macro cosmos. A primavera nos traz energia suficiente para esse árduo trabalho de superar a nossa humanidade. Confira os contos, poesias, artigos, entrevistas, críticas e comentários dos nossos colunistas e colaboradores. A matéria completa sobre Ditinho Joana, o escultor que dá imortalidade às arvores. A trajetória do músico Edson Souza buscando a sua “Revolução Psicológica”; Uma entrevista muito interessante com o escritor Ricardo Lísias. O escritor Jorge Xerxes conta como se dá sua criação literária. Léo Mandi e seu livro Minhoca de Chocolate. Uma viagem através da voz de Rubi e muito mais. São flores e espinhos que nos penetram com seu perfume e sua dor, só para provar que somos humanos demais. Boa leitura a todos! Elizabeth de Souza
Expediente Ano 3 - Edição 7 - Primavera de 2016 Jornalista responsável: Elizabeth de Souza MTB 0079356/SP Revisão: George P. Furlan Diagramação: Filipe Oliveira Capa: Ditinho Joana
Sumário ENTRE CULTURA
3- Êxito na literatura da periferia paulistana - Por Escobar Franelas 14 - A fase dourada de Armanda Alves - Por Luisa Fresta
ENTRE AUTORES 4 - Jorge Xerxes – Batizado pela Literatura - Por Dalto Fidencio 30 - Entreversosproseando com LÉO MANDI - Por George de P. Furlan
ENTRE CLÁSSICOS DO CINEMA 6 - Sindicato de Ladrões - Por Germano Xavier
ENTREVISTA 8 - Entrevista com Ricardo Lísias - Por Teresa Cristina Bendini
ENTRE MÚSICOS 10 - Abrindo o coração de cantor! - Por Dalto Fidencio
ENTRE VERSOS E PROSAS 7 - Eu não vou me calar - Por Joana D’Arc 18 - Ditadura nunca mais! - Por Joka Faria 23- Ai de nós trabalhadores que ousamos pensar! - Por Joka Faria 27- O problema - Por Germano Xavier 34- Dançar - Por Ronie Von Rosa Martins 35 – Sonho olímpico - Por Marcelo Pirajá Sguassabia
ENTRE OVINIS
16 - O que é Ufologia - Por Mauro Baère e Eduardo Oliveira
POESIAS X POETAS 19 - Domingos dos Santos 20 - Ricola de Paula 21 - Teresa Bendini - Elizabeth de Souza - Sanjo Muchanga - Rosa Kapila - Domingos dos Santos 22 - Joka Faria - Elizabeth de Souza - Domingos dos Santos - Dalto Fidencio - Poli Fernandes - Wilson Gorj Mariana Soares e George de Franco da Rocha
ENTRE VIRTUOSES 24 - Ditinho Joana - Imortalizando sonhos na madeira -PorDaltoFidencio
ENTRE SONS 28 - Genuíno Rock Progressivo Tupiniquim - Por Paola Domingues
ENTRE TESES E ANTÍTESES 32 - Reflexões sobre a perfeição - Parte 2 - Por Rafael Arrais
ENTRE TRILHAS E VIAGENS 36- Rubi - A Pedra que desconhecia - Por Elizabeth de Souza
CANTO DA CULTURA 38- Os músicos e bandas no Canto da Cultura - Por Elizabeth de Souza
ENTRE CULTURA
ÊXITO NA LITERATURA DA PERIFERIA PAULISTANA Por Escobar Franelas
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produção literária passa por mudanças profundas. Novas tecnologias, a busca pela renovação da linguagem, o boom dos saraus, a horizontalidade nas relações sociais, tudo isso fez com que nos últimos 15 anos surgisse um fenômeno inédito: os “marginais”, movimento independente surgido nas periferias, provocando o deslocamento dos holofotes do mundo editorial do centro para as bordas. Pouco ou nada devendo à geração mimeógrafo – que na década de 1970 eclodiu como os primeiros “marginais” na literatura brasileira – a nova turma não discu“Amparo Literário: debates mensais sobre literatura na Cidade Tiradentes” te isso. Estão todos ocupados em reescrever a própria história, criar novas formas de ça foi a aprovação em 21 de junho de 2016 do Projeto atuação política e social, empreender percursos ar- de Lei 624/2015, de Fomento Cultural das Periferias, tísticos e culturais e retroalimentar a autoestima dos pela Câmara Municipal de São Paulo. A força simbóliexcluídos, lição aprendida e apreendida com o movi- ca vem do fato da lei ter sido escrita a várias mãos por grupos organizados, mesmo alguns que sequer estão mento hip-hop, seu antecessor mais direto. Os extremos geográficos de São Paulo sempre tive- formalmente constituídos, mas são representativos ram sua ebulição artística. O diferencial é que hoje os em suas expressões. coletivos assumem cada vez mais a responsabilidade Desde as primeiras movimentações na zona sul – de visibilizar a própria produção. Prova dessa mudan- com Ferréz e Sérgio Vaz (que acaba de lançar “Flores de Alvenaria”, seu 8º livro) – tanto Sampa quanto a Grande São Paulo apontaram trajetórias: surgiram nomes como Sacolinha, Rodrigo Ciríaco, Akira Yamasaki (desde a década de 70 na militância), Érica Peçanha, Ni Brisant, Elizandra Souza e Alessandro Buzo. E coletivos como Cooperifa (zona sul), Sarau da Brasa (zona norte), Casa Amarela (zona leste), Associação Literatura no Brasil (Suzano) e Perifatividade (Heliópolis), são alguns, entre centenas de espaços (há ainda aqueles sem endereço fixo, como o Movimento Aliança da Praça, em S. Miguel, o Sarau da Galeria, em Suzano e os Poetas Ambulantes), que têm levado a literatura a dialogar com outras artes e a sustentabilidade, a cidadania e a articulação em redes. O panteão – todos enfatizam – é bem maior e inclusivo, podendo representar em qualquer antologia que “Carlos Moreira, poeta de Rondônia, participando de retrate o momento literário deste período. sarau na Casa Amarela, em SP”
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ENTRE AUTORES
JORGE XERXES – BATIZADO PELA LITERATURA Por Dalto Fidencio
“Batizado pela Literatura” E o portal Entrementes segue com o importante projeto de falar um pouco sobre os poetas e escritores desta tão rica região que é capitaneada pela São José dos Campos de Cassiano Ricardo, o Vale do Paraíba. Desta vez falaremos sobre o poeta e contista Jorge Xerxes, heterônimo do engenheiro Alessandro Teixeira Neto… que apesar de exercer uma profissão totalmente analítica e imersa nas Ciências Exatas, possui uma alma absolutamente sensível e poética, que achou na Literatura a forma de trazer ao mundo sua faceta artística. Jorge, que é colunista no Entrementes, nos recebeu em seu aprazível apartamento, onde bastam poucos segundos de observação para ter-se a certeza que ali habita uma pessoa ligada às artes, devido à decoração que respira cultura. E as artes plásticas que ali repousam acabaram por dar as mãos às belíssimas músicas que ele deixou de fundo enquanto nos recebia, e Beatles, Stones e outros gênios nos fizeram companhia enquanto ali estivemos.
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Vale salientar que a maioria dos quadros, ali, foi feito pelo próprio Jorge, ao longo de sua vida. Ele é sem dúvida um artista de vários nortes! Ainda no Colegial, o jovem Alessandro, que demonstrava muita facilidade para Exatas, se decidiu por cursar Engenharia quando fosse fazer faculdade. Mesmo tendo escolhido a profissão correta, na qual ele se identificava, ele posteriormente sentiu falta de entender o ser humano, de onde viemos e para onde iremos, e isso fez com que ele mergulhasse no mundo da literatura. Seu autor favorito é Jung, mas ele tem um grande leque de autores que costuma ler. Uma rápida olhada em sua biblioteca particular nos mostra a riqueza da mesma, com títulos de Saint-Exupèry, Blavatsky, Kardec, Hesse, Machado de Assis, Stevenson… só para citar alguns. E a paixão pelos livros acabou fazendo com que Alessandro fizesse nascer Jorge Xerxes, seu Eu escritor, liberto do mundo analítico e ansioso para enriquecer o mundo com Poesia e Contos da mais alta estirpe. Até seu pseudônimo veio emprestado de dois de seus personagens, ambos tirados de contos de seu livro
“Trama e Urdidura”. Em um deles, temos um professor chamado Xerxes, e em outro, um ébrio chamado Jorge. Esses contos foram escritos em dueto com um amigo de longa data de nosso autor, André Fenili. Um escritor batizado por dois de seus contos… quantos possuem este privilégio, de ser batizado pela própria Literatura? E assim nascia o poeta/contista Jorge Xerxes, que tem como madrinha, ninguém menos que a Literatura! Ele já nos brindou com quatro livros, que sempre seguem a temática de trazer contos e poemas em suas páginas. São eles: “As Cinquenta Primeiras Criaturas” de 2010, livro que traz personagens que podemos visitar mais de uma vez, pois eles aparecem em mais de um conto, e os poemas são bastante peculiares, nos transportando a vários sentimentos. É um livro não-linear, deveras interessante. E em 2011 veio “Para Pescar a Lua”, um livro que manteve a temática “contos & poemas”, mas que difere do primogênito, pois este é mais conceitual, sem jamais ser menos sensível e profundo em seus versos e prosas. Chegou 2012 e Jorge nos brindou com “Tramas e Urdiduras”, livro este que traz os contos que batizaram o autor, como já foi dito, e muito mais! Seus poemas repletos de sensibilidade e seus contos viscerais e sui generis são um prato cheio para quem quer passar momentos de mãos dadas à boa Literatura. E finalmente, em 2015 veio “Jornada Rumo ao Sol”. Para falar deste livro, me permito ecoar
as próprias palavras de Xerxes: “A inspiração; para a elevação de ideias. O que realmente nutre a alma do homem. Fragmentos: imagens, lembranças, sonhos e outras sensações estéticas. Aquilo que denominamos poesia por pura impossibilidade de capturá-lo por inteiro. Isso, estes nossos fragmentos, os blocos elementares que compõem o sujeito, são os veículos propostos neste livro. Para que você empreenda, montado no sutil, no etéreo, a sua própria Jornada Rumo ao Sol.”. Profundamente poético… basta abrir suas páginas para nos travestirmos de Ícaro e começar a bater nossas próprias asas, sem nos preocuparmos se o sol irá derreter a cera pelas quais as penas são unidas! Outro detalhe a ser lembrado é que Jorge Xerxes cria todas as capas de seus livros… se mostrando um artista completo quando o assunto são os tomos. Os livros físicos são os favoritos de nosso autor, mas ele também publica em um Blog, chamado “Palavras Órfãs de Poesia”, que inclusive é o nome de um poema que está no livro mais recente. Lá o leitor pode acessar todo o material publicado nos livros, e ainda mais contos e poemas ainda não publicados no papel. Por lá também se pode encomendar os livros de Xerxes, com ótimos preços. E assim terminou nossa vista a este talentoso escritor, que nos mostrou um pouco de sua sensibilidade, e nos despedimos daquele que foi batizado pela Literatura! Conectando ideias, conectando a Sexta Arte!
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ENTRE CLÁSSICOS DO CINEMA
SINDICATO DE LADRÕES Por Germano Xavier
Globo de Ouro 1955 (EUA) Melhor filme - drama, melhor diretor, melhor ator drama (Marlon Brando) e melhor fotografia - preto e branco. Prêmio Bodil 1955 (Dinamarca) - Melhor filme americano. Festival de Veneza 1954 (Itália) - Ganhou o Leão de Prata e o prêmio dos críticos de cinema italianos. Festival de Veneza 1955 (Itália) - Recebeu o Prêmio OCIC. ELENCO Marlon Brando - Karl Malden - Lee J. Cobb - Rod Steiger - Eva Marie Saint- Pat Henning - Leif Erickson - James Westerfield - Tony Galento - Tami Mauriello - John F. Hamilton - John Heldabrand - Rudy Bond - Don Blackman - Arthur Keegan - Abe Simon - Martin Balsam - Pat Hingle - Anne Hegira - Fred Gwynne - Thomas Handley
Sinopse: Terry Malloy (Marlon Brando) é um ex-boxeador que costumava ser grande, mas que se tornou pequeno ao entrar para a gangue exploradora de Johnny Friendly (Lee J. Cobb). Quando um trabalhador inocente morre, Terry sente-se culpado e começa a tentar consertar suas ações passadas lutando diretamente contra o sindicato, sofrendo também as conseqüências. Durante a luta, acaba por se apaixonar pela irmã do falecido, a jovem e inocente Edie Doyle (Eva Marie Saint).
Sindicato de Ladrões - On the Waterfront - Eua - 108 min. Direção: Elia Kazan - Gêneros: Drama, Policial, Romance - Diretor de fotografia: Boris Kaufman - Roteiro: Budd Schulberg - Música Original: Leonard Bernstein - Fotografia: Boris Kaufman - Edição: Gene Milford - Direção de Arte: Richard Day - Lançamento: 22 de Junho de 1954 PRÊMIOS: Oscar 1955 (EUA) - Venceu na categoria de melhor filme, diretor, ator (Marlon Brando), atriz coadjuvante (Eva Marie Saint), direção de arte - preto e branco, fotografia - preto e branco, edição e roteiro. Indicado nas categorias de melhor ator coadjuvante (Karl Malden, Lee J. Cobb e Rod Steiger) e melhor trilha sonora. BAFTA 1955 (Reino Unido) Melhor ator estrangeiro (Marlon Brando).
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Comentário Em tempos de massivas delações “premiadas”, traições dantescas e falcatruas homéricas que atordoam a todos, nada melhor que poder assistir a um filme que trata com assombrosa maestria da perfídia. SINDICATO DE LADRÕES (1954), dirigido por Elia Kazan, é uma película que não pode deixar de ser vista. Num jogo de empurra-empurra criminoso, o protagonista Terry Malloy resolve se vingar de um influente mafioso das docas de sua cidade utilizando-se da palavra-verdade em um julgamento. A coragem de Malloy faz eclodir uma voz-viva no interior dos silêncios e dos medos dos trabalhadores locais, acostumados aos mandos e desmandos de um esquema corrupto e injusto de trabalho liderado pelo supracitado gângster. Mais um com o Marlon Brando para a minha contabilidade. Simplesmente imperdível. Recomendo a todos os mortais!
ENTRE VERSOS E PROSA
EU NÃO VOU ME CALAR Por Joana D’Arc
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o dia 10 de Setembro é o dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. No Brasil, a campanha começou com o Centro de Valorização da Vida (CVV),que tem serviço voluntariado disponível 24 horas por dia. O suicídio é um problema de saúde pública, e teve aumento de suas vítimas. Pelos números oficiais, são 32 Brasileiros mortos por dia, taxa superior as vítimas de AIDS e da maioria dos tipos de Câncer. Você sabia, que a cada 45 minutos 1 Brasileiro morre vítima de suicídio? E que a cada 40 segundos, uma pessoa se mata no mundo. Totalizando quase 1 milhão de pessoas todos os anos. Estima-se que de 10 a 20 milhões de pessoas tentam o suicídio por ano. Então, porque ninguém fala sobre este tema? Alguns
não falam por medo e outros por acreditar que é frescura. Mas não é, sofri muito e hoje sei o que me levou a tudo isso. Eu me sentia só, esquecida, ignorada. Mas na verdade, eu me isolei, me aprisionei na solidão, por não conseguir explicar de onde vinha tanta tristeza. Muito são levados ao suicídio pelas cobranças sociais, culpa, remorso, ansiedade, medo, fracasso, humilhação, no meu caso foi a depressão. O suicídio é um gesto de autodestruição, um enorme desejo de dar fim a sua própria vida. Vocês não imaginam como é se olhar no espelho e não conseguir se vê. Eu queria morrer, desaparecer, matar a minha dor... Muitos dizem que fui covarde, mas onde eles estavam quando precisei? Hoje estou aqui dando meu depoimento, para provar que somos capazes de nós livrar desse sofrimento. Com o apoio de familiares, fiz tratamento psicológico, terapia em grupo e também tive ajuda do CVV.
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ENTREVISTA
ENTREVISTA COM RICARDO LÍSIAS Por Teresa Cristina Bendini
RICARDO LÍSIAS, 41, é escritor, autor de cinco romances e dois volumes de contos, traduzidos para vários idiomas. Ganhou os prêmios Portugal Telecom de Literatura Brasileira (3º lugar, por “Duas Praças”, em 2006) e o de melhor romancista da Associação Paulista de Críticos de Arte (“O Céu dos Suicidas”, 2012). É um dos editores da revista “Peixe-elétrico” e foi selecionado pela revista “Granta” como um dos 20 melhores jovens escritores brasileiros. “Tive o prazer de participar de um Clube de Leitura organizado pelo SESC unidade de Taubaté e monitorado pelo autor em questão. Ricardo Lísias nos presenteou com sua erudição, um cardápio literário fantástico que incluía Lygia Fagundes Telles, Guimarães Rosa, Albert Camus , J. M.Coetze, e Káfka. Foi nessa ocasião que eu o entrevistei. A entrevista segue abaixo. 1 - Sua visão acerca da nova literatura é fundamental. Esclarecedora. Totalmente conectada com o momento. Aliás a literatura produzida em seus livros tem componentes bem vanguardistas, por ser ousada e fazer parceria com outras linguagens, como a performance e a dramaturgia. Qual Literatura está sendo produzida no mundo hoje? Podemos dizer que a produção literária segue uma tendência? RL - A produção é muito ampla. Acho que uma das principais características é a análise dos efeitos que os fenômenos históricos causam nas pessoas que não se ligam diretamente a eles. As obras de Roberto Bolaño e J M Coetzee, por exemplo, além de grande parte do trabalho de Philip Roth e Herta Muller, entre muitos outros, estão nesse terreno. Esse tipo de literatura parece também refletir certa “ressaca de história” ou, mais claramente, uma “doença da história”, mal de que nosso tempo parece padecer. 2 -Sobre Arte Contemporânea. A Bienal está acontecendo desde o dia seis desse mês quando foi inaugurada apenas para convidados com a parceria da dança contemporânea. Aos
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dançarinos caberia entrelaçar uma coluna que atravessa os três andares do pavilhão da Bienal. Também tiveram que entoar um som semelhante a um mantra. Você teria alguma coisa a dizer sobre isso? No que a Arte Contemporânea poderia contribuir para a criação literária? Ela é elitista? RL - Os gêneros artísticos parecem estar em forte conexão. Enrique Villa-Matas acabou de publicar um belo livro sobre isso: Não existe lógica em Kassel. Nuno Ramos é outro exemplo de artista que conecta, a meu ver com extrema felicidade, vários gêneros artísticos, com todos se enriquecendo entre si. Não vejo, continuando, como a arte possa ser elitista. A arte simplesmente lá está. O ambiente que a cerca, porém, no geral é. 3 - Dá pra vislumbrar uma literatura mais interativa, mais compromissada com o corporal? Na Bienal de 1994 o artista Tunga transformou um poema de Edgard Allan Poe numa instalação. Ele trouxe cinco SINOS para sua sala da Bienal. Eles pesavam sete toneladas e foi preciso muito esforço para que fossem colocados
em seu lugar. Seu livro Inquérito Policial: Família Tobias lançado nesse ano fez isso. Propôs uma cumplicidade com o leitor, mas de uma forma mais ousada. Gostaria que falasse sobre o livro em questão e sobre seus novos projetos. RL - Em 2015 tive um problema com a justiça, quando parte de um conjunto de ebooks que eu estava fazendo, com extensão na internet, foi recortada da trama e enviada para o Ministério Público Federal e denunciada como falsificação de documento. Houve uma investigação que não notou que se tratava de um texto de ficção e assim foi aberto um inquérito contra mim. A confusão foi incrível e mostrou certas fragilidades do nosso meio jurídico. O que pude notar é que qualquer denúncia é vista como uma culpa em potencial. Na verdade as pessoas são culpadas até prova contrária. Fui depor e o inquérito, depois de muita confusão, foi arquivado. Resolvi então fazer um livro-objeto sob a forma de um inquérito para tratar artisticamente a questão. Para mim foi inclusive uma maneira de responder à situação absurda. Sobre novos projetos, posso dizer que meu novo romance, A vista particular, será lançado em algumas poucas semanas. 4 - Você escreveu pra crianças. (Sai da frente, Vaca brava em 2001 e Greve contra Guerra em 2015) Como foi essa experiência?
RL - Escrevi esses livros por encomenda há 10 anos. Foi uma experiência bacana, sobretudo por conta do trabalho com a linguagem. É algo muito exigente. Acho que hoje em dia já não tenho fôlego para escrever para esse público. 5 - Acha que a arte deve ser engajada? Fora TEMER refrão que os que não apoiam o golpe costumam gritar em manifestações, faz a gente pensar na palavra UTOPIA do Thomas Morus. Termo que completa 500 anos esse ano. Também penso no livro UTOPIA DESARMADA do Jorge Castanheda que fala das esquerdas no mundo após a queda do muro de Berlin. Então fico pensando que deveríamos “armar” a Utopia. Criar um exército prá ela. Num formato não bélico mas usando as várias artes de forma mais agressiva. O que acha dessa ideia? RL - Acho que muitas vezes é possível instrumentalizar a arte e utilizá-la para fins políticos. No entanto, isso fica por conta do público, não do artista: ele é um produtor que não tem o controle total do que produz. Eu mesmo já me surpreendi (muito positivamente) com alguns sentidos que leitores deram para o meu trabalho. Seria ótimo se o público começasse a dar sentidos utópicos para algumas obras. Talvez isso inclusive fizesse a importância social da arte se intensificar de novo.
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ENTRE MÚSICOS
ABRINDO O CORAÇÃO DE CANTOR! Por Dalto Fidencio
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ntrementes desta vez entrevistou um dos mais significativos cantores da região, ninguém menos que Edson Souza, conhecidíssimo pela sua Revolução Psicológica, que homenageava o imortal Raul Seixas. E Edson começa o bate-papo conosco com uma informação muito importante, a de que está de despedida do Movimento Raul Seixas. Ele nos explica o motivo de sua decisão: “Não vou mais fazer parte do Movimento Raul porque os ideais mudaram, os propósitos mudaram.”. dson nos conta que quando começou seu trabalho sobre Raul, nos saudosos anos 80, esse era um trabalho marginalizado, tanto que chegou a ser expulso de bares por estar tocando Raul. O astro estava fora da mídia, sem empresário. Fazer um trabalho baseado no Raul era coisa de rebelde naquela época (ainda antes da criação da Revolução Psicológica). “A gente fazia aquele trabalho por amor à música. É lógico que também queríamos um espaço, pra poder mostrar nossa capacidade, mas acima de tudo era um trabalho por amor.”. Edson chegava a pegar os vinis que tinha do Raul e levava nas rádios - aproveitando a amizade que tinha com alguns locu-
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tores - pois elas não tocavam mais músicas de Raul Seixas. “Foi uma época diferente, que era uma aventura e um prazer você tocar música do Raul, era uma rebeldia, uma coisa nova, uma coisa bonita. Era um trabalho de muita qualidade... e hoje não fazem mais assim.”. Edson sabiamente diz que agora não se busca um aprofundamento, uma filosofia, não se tem um conhecimento do genial cantor baiano. “O trabalho do Raul é profundo, tem certas músicas dele que se dez pessoas ouvirem, cada uma terá uma interpretação diferente, vai entender de um jeito. O problema é que às vezes se você não souber o que está falando, você pode desencaminhar as pessoas. Já vi muita gente se perder nas músicas do Raul por não entender o que ele estava falando.”. Edson nos diz que é verdade que Raul colocava a liberdade em suas músicas, mas também colocava a responsabilidade. Faça o que quiseres, mas estejas preparado para arcar com as consequências de suas ações. “As pessoas acabam se perdendo e entram numa loucura sem fim, o que não era o que Raul
queria.”. Edson nos lembra que Raul Seixas tem músicas compostas há 40 anos que ainda são atuais, e em seguida volta a falar sobre como andam as coisas hoje em dia: “Então, o movimento sobre o Raul hoje está muito diferente do que já foi feito. As coisas têm que ser feitas na veia. Se você é sambista, tem que ser sambista na veia, se você é roqueiro, tem que ser roqueiro na veia, é o que eu acho.”. Por falar em samba, foi nesse ritmo que Edson começou a mexer com música, pois ainda muito jovem ele foi integrante do grupo “Ki Sambão”, que existe até hoje. Ele revela amar samba, mas que não toca mais esse ritmo por não dominá-lo com perfeição, então por respeito a quem toca, prefere apenas admirar. “Estou me desligando desse movimento, pois ele perdeu sua essência. Vou guardar o Raul do jeito que eu gosto aqui no meu coração, não vou deixar de cantar Raul Seixas, lógico. Sempre que tiver oportunidade eu irei cantar, mas ficar divulgando, fazendo trabalho baseado no Raul, não mais. Agora vou me dedicar ao meu trabalho autoral, que o próprio Raul gostou muito, pois eu cantei para ele.”. Antes de nos aprofundarmos nesse encontro que ele teve com Raul Seixas, vale citar que Edson já abriu shows para grandes nomes da música brasileira, nos anos 90. “Eu tive a oportunidade e a felicidade de abrir shows de grandes artistas, por exemplo, conversei com Lô Borges, ele até pegou a bandeira da Revolução Psicológica e balançou.” Outro grande artista para quem abriu show foi Zé Ramalho: “O Zé Ramalho foi espetacular comigo, viu meu show, me elogiou, me chamou no palco para tirar foto com ele.”. Outros grandes nomes para quem Edson abriu shows foram Zé Geraldo e Pena Branca & Xavantinho, de quem ele também toca músicas em seus shows. Infelizmente, como ocorre com a grande maioria dos artistas que abrem shows, ele não foi remunerado por
esses trabalhos: “Muita gente pensa que fiquei rico, mas que nada... a maioria dos shows que eu abri, foram só para o currículo musical, eu não ganhei dinheiro abrindo para esses famosos. Mas não reclamo disso, eu fui elogiado pelo Zé Ramalho, pelo Lô Borges... isso não tem preço para mim.”. Então Edson nos fala como se deu o encontro com o grande Raul Seixas em pessoa: “eu era um grande fã do Raul na época, mas não tiete. Se o Raul só me cumprimentasse eu já acharia o máximo, mas ele me deu atenção, escutou minhas músicas, minhas ideias.”. Edson e banda faziam shows em homenagem ao Raul, e até então ele só conhecia o cantor pelas capas dos discos. Então o Universo conspirou pra que eles se encontrassem: um amigo de Edson ficou internado no mesmo quarto que Raul Seixas estava numa clínica de reabilitação, e ficou falando que em São José dos Campos tinha alguém que o homenageava, mostrou uma fita K7 de um show feito na cidade, Raul Seixas escutou, gostou e disse que queria conhecer o Edson. E assim foi marcado um dia para o então jovem cantor ir até a Vila Serena, clínica em Interlagos, São Paulo, que era o local onde Raul estava se tratando para se recuperar do alcoolismo. A capa do último disco de Raul Seixas, “Panela do Diabo”, foi feita com uma foto tirada diante de uma lareira da clínica. Ao chegar lá, Edson logo viu uma pessoa com um violão, que era do Raul, e várias pessoas esperando para vê-lo tocar. Ele disse, tímido, que não ousaria tocar violão perto do grande Raul Seixas. Mas acabou acontecendo, claro. Mas Edson preferiu cantar para Raul uma música própria, chamada “Canção da Paz”. Raul gostou tanto que chamou o jovem para conversar em particular perto da piscina, mandando os outros se afastarem. Conversaram sobre metafísica, e Edson falou dos shows que fazia em homenagem a ele, e que gostaria que ele estivesse lá um dia. Falou da Revolução Psicológica, chegando até a dar uma camiseta para o
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astro. Então Raul escreveu seu endereço num papel (que Edson guarda com carinho até hoje) e convidou o jovem para ir visitá-lo em sua casa dali duas semanas. Mas Edson não foi... acabou indo apenas um ano depois, onde foi recebido pela última esposa de Raul, Lena Coutinho, que o reconheceu como “o rapaz da camiseta”, o que prova como ela ficou marcada. Mas ele foi informado por ela que Raul não estava lá e que ela não sabia seu paradeiro. Dois ou três dias depois acharam Raul num Hospital, onde ele estava internado. E depois disso Edson não conseguiu mais falar com o astro, pois ele começou uma turnê com Marcelo Nova. Pouco depois a saúde de Raul se deteriorou e
o final todos sabem, pois já era 1989, o fatídico ano em que ele viria a falecer. Edson nos conta sobre o motivo de ter faltado ao segundo encontro com Raul Seixas: “Eu acho que perdi uma enorme oportunidade... mas eu não estava legal da cabeça na época. Eu estava numa crise amorosa, estava na sarjeta. Naquele primeiro encontro com o Raul, nem sei como consegui conversar com ele. Quem falou foi o meu coração, pois na minha cabeça aquele encontro breve iria acabar e eu voltaria pra minha realidade. Mas acho que foi muito legal sabe, o pouco tempo que passei com o Raul, o que tentei passar pra ele, tentei mostrar quem eu era... foi muito importante ele ter gostado do meu trabalho.”. Um fato curioso é que Raul chegou a citar Edson numa entrevista, mas errando seu nome. Foi numa entrevista para a revista Bliss, também em 1989. Ele disse que iria lançar um jovem que havia conhecido na Vila Serena, que era muito bom e se chamava... Arthur! Em dezembro passado ocorreu uma homenagem a Raul Seixas em Londres. E através do fã-clube do Raul, descobriram o trabalho de Edson. Então o locutor Celso Barbieri, da radio Rock Nation entrou em contato com Edson, que enviou algumas músicas para lá. “Foi muito legal, eu não imaginava que ele ia elogiar tanto, pois eram gravações caseiras.”. “Lucidez” e “Onde Você Estiver” foram algumas das músicas enviadas. “Eu fiquei muito feliz e surpreso, de minha música ter sido tocada numa rádio de Londres, e que ainda por cima, por ser online, pode ser ouvida no mundo todo. Além de feedbacks da capital mundial do rock, recebi comentários do Japão, México, Uruguai, Argentina, Canadá... e agora o próprio dono da rádio entrou em contato comigo e me disse que minhas músicas irão entrar na programação normal da rádio.”. Vale lembrar que no dia da homenagem a Raul, apenas outros dois cantores brasileiros tiveram suas músicas apresentadas... Tom Zé e Edson Souza! Isso é que eu chamo de estar em ótima companhia! Edson revela estar num clima novo, estudando, ensaiando, trabalhando apenas as músicas próprias, sem perder a essência de tudo que já sabe e que o inspira. Seu show agora se chamará “Edson Souza - Coração de Cantor”. E fora isso, ele está montando um livro, que se chamará “As Aventuras de Edson Souza, Coração de Cantor, e Seu Violão Caçador”. O livro mostrará os 30 anos de sua história musical e já está praticamente pronto. Edson nos diz que o objetivo maior de seu trabalho é cantar o amor que existe dentro dele. Que não é preciso fazer “panelas”, não é preciso competir, criticar os
outros para vencer na vida e ser feliz. Ele é contra passar rasteira, fazer politicagem... ele não é disso. “Eu tenho minhas falhas mas ultimamente eu acho que evoluí. Não me interessa magoar ninguém, xingar ninguém, eu estou em outro estágio. Meu trabalho sempre foi buscando uma revolução espiritual, um trabalho para evoluir. Eu quero que as pessoas se deem bem, quero que sejam felizes, procurem uma forma diferente de viver.”. Como não concordar com tão sábias palavras? Afinal a música existe para isso, para tornar o mundo melhor. No livro Edson contará também quantas vezes parou de tocar violão. Ele chegou a quebrar e atear fogo ao instrumento, dizendo que não queria mais nada com a música. Chegou a ficar uma década afastado. “Eu levei 30 anos para descobrir que tinha um coração de cantor.”. “Hoje eu quero projetar minhas músicas autorais, pois acho que estou resgatando um pouco de poesia, de pureza. Sabe, não tem aquele modismo, aquela coisa de música fabricada.” Sabiamente Edson aponta que hoje o mercado não se importa em divulgar a arte verdadeira, só se importando mesmo com a parte comercial. E concordo com ele... a verdadeira arte deve ser feita para emocionar, não para ser vendida. Deve ser uma consequência, não um objetivo. Edson trabalha bastante, ele dá aulas num projeto sócio educativo, já faz 6 anos que trabalha com adolescentes, e mais recentemente, também com idosos. Ele acha esse trabalho muito emocionante, pois é preciso ter o dom mesmo, pois os jovens não são fáceis. Ele trabalha a cabeça deles, desperta o interesse pela música, mostra como a vida deles pode ser mudada por ela, na forma de se comunicar com o mundo. Para Edson, violão não é para esquentar a cabeça, e sim para refrescar.
Shows ele hoje apenas faz em locais que combinem com sua personalidade, que tenham a sua cara. “Hoje sei que da música não largarei jamais. Posso até parar de dar aula, mas com a música não paro mais, pois quem nasceu para a música, não pode fugir dela. Quero mostrar para os jovens, através do meu livro, que não é para parar, é para lutar. Se você tem uma vontade, tem um dom... você tem que tentar pelo menos, não é para se entregar, é para descobrir seu caminho.”. A intenção é lançar o livro em 2017, quando a Revolução Psicológica estará fazendo 30 anos. Será um livro musical, onde Edson contará uma história e mostrará uma música, sempre intercalando. Edson está focando também no aperfeiçoamento de suas músicas. Ele quer que seu trabalho se mostre mais maduro, mais consciente. “Estou feliz e vou tentar vencer na música, mas sem ser escravo disso, sem sofrer por isso... quero apenas ser verdadeiro. Eu tenho uma poesia que fala sobre isso... evolução, caminhar, ser feliz... mesmo que te chamem de louco, não importa.”. Sobre a oportunidade de trabalhar com o ícone Raul Seixas, que foi perdida, ele conclui: “Eu deixei passar essa oportunidade, mas eu acredito que o mundo dá voltas e às vezes as coisas se repetem. Tem uma música do Raul que fala isso... que as coisas se repetem. Então pode não se repetir com ele, mas pode acontecer de outra maneira.”. E assim terminou nosso bate-papo com um artista da melhor estirpe, com uma alma poética, que abriu seu coração de cantor para todos nós. Toca... Edson! Conectando ideias, conectando música da melhor qualidade!
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ENTRE CULTURA
A FASE DOURADA DE ARMANDA ALVES Por Luisa Fresta
“A pintura ensinou a literatura a descrever”. Pamuk, Orhan “Funde-se com o ar quente da tarde um vago cheiro a café moído e a bolachas de canela. Uma pesada porta de madeira maciça se entreabre sobre uma sala despojada, onde, numa cadeira de verga, se acotovelam bonecas de trapos com saias de sarapilheira. Ao fundo do quintal, a terra ainda molhada pela rega recente larga um aroma forte e pegajoso enquanto uma galinha-do-mato esvoaça teimosamente junto ao muro. Alguns pés de jindungueiro carregados de vaidosos frutos vermelhões e um abacateiro que teima em crescer devagar, como vagarosas e suaves são também as sensações que emanam da obra de Armanda Alves.” Nada disto é real, entenda-se, posto que não é palpável nem visível, nem audível, apenas percetível e imaginado. Mas confesso que foi esta a primeira impressão, alheia a qualquer olhar mais racional, que me ficou da simples leitura destas telas; elas têm em comum com o café, a canela, a terra, a madeira, o cacau, a tijoleira, a múcua, a ginguba ou o entardecer teimoso dos trópicos, a cor térrea, vermelha e doirada dos tons da natureza, antes de ser verde, antes de receber a torrente purificadora da água, lá onde desertos e sóis escaldantes impõem cores e ritmo. Armanda é uma artista luso-angolana autodidata que vem amadurecendo técnicas diversas para ex-
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pressar aquilo que lhe é intrínseco. Ela pinta com o corpo mas também e sobretudo com o olhar e com a alma. Não se pode descer um olhar crítico sobre o seu trabalho sem entender que a própria arte é uma crítica implícita ao meio envolvente, uma forma de descrever o seu mundo e de nos contar as suas histórias que molda com as próprias mãos. Longe dos cânones da arte meramente figurativa sem no entanto se afirmar como uma resposta hostil aos classicismo, Armanda escolheu uma reduzida paleta de cores para nos trazer a energia da Terra, em toda a sua imensidão, uma história que nos fala de lavras e de trabalho árduo, de enormes pássaros de asas de vidro, de caracteres sonhados, de aglomerações de gente e de figuras geométricas, sobretudo formas arredondadas como o ventre de uma mulher grávida, gotas de chuva na vidraça ou fragmentos de luas. Dir-se-ia que tem inteiro domínio sobre a forma, embora não se submetendo a ela cegamente. Ocasionalmente se imiscuem no seu grafismo poéti-
co algumas estrofes a verde seco ou azul cinza, tons indefiníveis e fugazes, embora timidamente, sempre pedindo licença ao predomínio claro do oiro terra que confere o ritmo de fundo e harmoniza o conjunto, como um viola-baixo. A sua expressão pictórica tem sabor, traz o gosto das coisas triviais ao palato, confere graça e elegância até a um grão de poeira que por momentos se tenha desviado da rota dos ventos. Ela transcende a frieza das superfícies planas, e para citar alguém que me é próximo diria que a sua obra “dá vontade de comer”. Traz o etéreo para o real e oferece uma miríade de sensações díspares em cada tela. Cada obra sua é fonte de paz, um hino à génese do universo e da vida, uma gota de sangue ou uma folha convertida em pó. [Deixemos aos especialistas a árdua tarefa de situar a obra da artista entre os seus pares e de rotulá-la e uniformizá-la através das classificações usuais e expectáveis, entre a arte contemporânea e o abstracionismo]. A minha visão é transversal e intransmissível, posto que entendo que a arte, sendo embora um mercado, é sobretudo uma forma privilegiada de comunicar e de gerar emoções. A César o que é de César, aos críticos, especialistas, curadores e marchands o que lhes corresponde por direito e dever, ao público apenas um olhar descomprometido e aberto, deixar sol-
tar as amarras do conhecimento para apenas sentir e sorver cada gota de vida e de beleza. Por momentos surgem diante dos meus olhos algumas telas de Gustave Klimt; sim, os quadros podem falar entre si, e tenho a certeza de que algures, na
sua fase doirada, Klimt terá antecipado um diálogo animado com Armanda Alves. Sem pretender etiquetar a obra versátil desta pintora [em busca de um caminho ao longe, como quem busca um porto seguro] encontro também algumas semelhanças com o surrealismo de Miró, sobretudo pelas formas, mais esculpidas do que desenhadas, ou com a linguagem pós-impressionista de Gauguin, na ousadia das curvas e da luz e na opção pelos tons de terra. Desde 2008 até à data, Armanda Alves tem marcado presença regular em numerosas exposições em vários locais do globo, traçando uma trajetória que se prevê cada vez mais fulgurante e sulcando com firmeza os trilhos de uma estética em evolução. Nesse mês de setembro fez a sua exposição intitulada “Versatilidades” na Casa de Angola, em Lisboa. ———Paul Valéry afirmava que “Um pintor não devia pintar o que vê, mas o que será visto”. Creio que Armanda o conseguiu, na sobriedade da linguagem deliciosamente vulnerável e inteligível da emoção. Como uma taça de café com um travo a canela.
Para mais informações consultar as páginas da pintora: h t t p s : / / w w w. f a c e b o o k . c o m / a r m a n d a . a l v e s . pintora/?fref=ts https://www.instagram.com/armandalvespintora/
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ENTRE OVNIS
O QUE É UFOLOGIA? O QUE SÃO UFOS OU OVNIS? Por Mauro Baère e Eduardo Oliveira
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palavra UFO é formada pelas iniciais, em inglês, da expressão Unidentified Flying Object. Traduzida para o português, originou o termo OVNI, iniciais de Objeto Voador Não Identificado. As duas palavras são comumente utilizadas, tanto UFO quanto OVNI. Ufologia é, portanto, o estudo dos objetos voadores não identificados. Não é, por enquanto, considerada uma ciência, mas utiliza-se de várias ciências para suas pesquisas. Este interesse surgiu porque já há muitos e muitos anos o ser humano observa nos céus objetos que voam, mas que ele, observador, não consegue identificar sua origem ou propósito, mesmo após a análise mais criteriosa. Os estudos indicam que desde a época das cavernas (há 20.000, 30.000 anos), o homem comum já testemunhava a presença de discos, esferas, cilindros, pirâmides, entre outros formatos de UFOs... Tais avistamentos estão representados, juntamente com cenas do cotidiano, nas famosas pinturas rupestres. Na antiguidade “clássica” o fenômeno continuou presente. Alexandre, O Grande, por exemplo, e seus soldados, observaram, por volta do ano 332 A.C. , durante uma campanha militar, objetos que foram batizados de “escudos voadores”. Nas idades média e moderna, conforme está registrado em inúmeras pinturas e tapeçarias, os OVNIs também eram vistos com frequência. A Bíblia e livros sagrados de outras religiões também estão repletos de descrições que, sem precisar muito esforço, podem ser interpreta-
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das como avistamentos de OVNIs. Na India, o antiquíssimo livro sagrado Mahabharata, entre outros, fala das Vimanas, veículos voadores utilizados pelos “deuses”... Na época moderna, principalmente a partir da década de 1940 – 2ª Guerra Mundial e explosões atômicas ocorreu um boom de aparições, que continuam até os dias de hoje, isoladamente ou em forma de “ondas”, que são aparições numerosas, em certa época e em determinada região. Para ilustração, lembramos algumas ondas ufológicas que foram amplamente divulgadas: Washington em 1952, Bélgica em 1989/1990 e Sul de Minas Gerais em 1995/1996. O fenômeno OVNI é tão abrangente que, além dos milhares de anônimos que já os viram, existem dezenas de testemunhas famosas. Por curiosidade, citamos algumas: Chico Anísio, John Lennon, Jimmy Carter (ex-presidente norte-americano), Fernando Henrique Cardoso, Denise Frossard (Juíza aposentada e Deputada Federal), Sérgio Reis, Fábio Junior, Elba Ramalho, Carlos Vereza, Coronel Ozires Silva (ex-presidente da Embraer), Steven Spielberg, Raquel de Queiroz (escritora)... Se a lista das testemunhas famosas já é grande como será então a lista dos “mortais comuns”? Quantos já os viram e silenciaram-se, temendo ser alvo de chacotas? Quantos pilotos, civis e militares, preferiram nada relatar, para evitar relatórios e questionamentos intermináveis? Tenho certeza que você, amigo leitor, conhece alguém que já viu um OVNI. Mas talvez essa pessoa
nunca tenha lhe contado... Assim, mesmo levando-se em conta os enganos, tais como fenômenos atmosféricos e objetos voadores conhecidos, mas não identificados pelo observador, bem como as inúmeras fraudes, os registros de OVNIs “reais” já somam milhares...governos e forças armadas de alguns países já reconhecem a existência deste fenômeno, pois, além de civis, muitos militares, inclusive pilotos experientes, já os viram, perseguiram-nos ou foram perseguidos e até os fotografaram. O melhor exemplo de transparência é a França, com o magnífico Dossiê Cometa, um relatório elaborado por autoridades civis e militares, já disponível em português. Por tudo isso, concluímos que o fenômeno OVNI é real e muito antigo, tendo já o reconhecimento e a aceitação por uma parcela da humanidade. Mas então, tão antigos e tão numerosos, o que são estes misteriosos Objetos Voadores Não Identificados? Se pesquisar, o interessado no tema OVNI encontrará muitas teorias que tentam explicar este intrigante fenômeno. Vejamos as principais: 1-Viajantes do tempo: humanos do futuro voltando ao nosso tempo; 2- Intraterrenos: uma civilização antiga que vive no interior do planeta; 3- Segredo terrestre: tecnologias desenvolvidas por alguma super-potência; 4- Anjos, demônios, espíritos, etc. 5- Extraterrestres 6- Seres interdimensionais: habitantes de outras dimensões; 7- Manifestação psicossocial: histeria coletiva, alucinações; 8- Apenas erros de identificação de aeronaves, espaçonaves e fenômenos naturais; 9- Fraudes. Entre todas as teorias, a hipótese EXTRATERRESTRE (nº 5) é a mais aceita pelos estudiosos sérios. A 6ª hipótese (veículos e seres de outras dimensões ou universos) também vem ganhando adeptos... São vários os motivos da aceitação destas duas hipóteses por parte dos “ufólogos”, ou seja, pessoas que se dedicam com seriedade ao assunto. Tripulantes de aeronaves, controladores de voo, operadores de radares, bem como autoridades militares, chegaram à conclusão de que estes objetos possuem um controle inteligente, sejam tripulados ou não. Alguns OVNIs foram flagrados desenvolvendo velocidades incríveis, de 15.000 km/h ou até mais. Fazem também “curvas” de 90º (ângulo reto) ou ficam estacionários silenciosamente. Têm a capacidade de acompanhar aviões civis e militares, mantendo sempre a mesma distância. Já colocaram armas nucleares fora de operação,
numa clara demonstração de alta tecnologia e possível preocupação com a irresponsabilidade dos terráqueos. Inúmeras fotografias e filmagens, já periciadas, mostram que são objetos sólidos, metálicos, alguns inclusive com janelas. No mundo todo, muitas pessoas relataram ter tido contato com os tripulantes dessas possíveis naves, para onde foram levados após convite ou sequestro, mais conhecido como abdução nos meios ufológicos. O número de pessoas que já teve algum tipo de experiência ou contato pode chegar a milhares, segundo as pesquisas dos ufólogos. O medo da chacota, entretanto, novamente é motivo de silêncio... Embora as descrições dos UFOs indiquem uma natureza sólida e metálica, também já foram observadas características de pura “energia”, aparecendo e desaparecendo na frente do observador, ou entrando e saindo de “portais”. Considerando-se as características acima, bem como as dimensões do universo conhecido – somente nossa galáxia, a Via Láctea, possui mais de 100 bilhões de estrelas e um diâmetro aproximado de 100.000 anos-luz – a ideia de que civilizações mais antigas e mais desenvolvidas possam estar nos visitando não é nenhum absurdo... Trata-se então de uma possível e, para muitos, assustadora realidade. Quando, finalmente, ocorrer a confirmação oficial de que temos recebido visitas de fora da Terra – e acredito que não demorará – as bases de nossa sociedade serão abaladas em vários aspectos. Religiões, formas de governo, hábitos alimentares, fontes de energia, meios de comunicação e de transporte, relações sociais...qual aspecto de nossa sociedade não sofrerá mudanças? Difícil responder... Temendo estas inevitáveis transformações, muitos governantes e líderes religiosos insistem em ridicularizar ou menosprezar o assunto OVNI. É o famigerado acobertamento que, embora agonizante, permanece em funcionamento... Vivemos numa época, entretanto, na qual as informações são muito acessíveis e circulam rapidamente. Os OVNIs, por sua vez, continuam, cada vez mais, a voar nos céus da Terra. Seus tripulantes, de variadas aparências, indicando origens diversas, vêm mantendo contato com pessoas, honestas e equilibradas, que não teriam tempo ou motivo para se expor com histórias fantasiosas... Prevemos então que, muito em breve, queiramos ou não, gostemos ou não, o nosso mundo passará por grandes mudanças. Estaremos preparados? Grupo de Estudos Ufológicos “19 de Maio” geu19demaio.blogspot.com.br
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ENTRE VERSOS E PROSA
DITADURA NUNCA MAIS! Por Joka Faria
L
ivro: “Ditadura Nunca Mais” pesquisa e texto de Moacyr Pinto da Silva. Este livro me interessou bem mais que o debate que aconteceu e deu origem ao livro. É um grande trabalho de retrato desta cidade e do Brasil - merece ser lido debatido e até questionado. Para entender os dias de hoje precisamos rever nosso passado. A dura luta contra uma ditadura militar dos anos sessenta até os oitenta, com um trágico desacerto na educação deste país. Espero que o livro gere mais debates na Semana Cassiano Ricardo e nas escolas públicas e privadas da cidade. Mas esta música que venceu o Festival - o segundo festival Sabiá de Ouro, mostra o talento musical Vale Paraibano. Escrevo este artigo na esperança que músicos a resgatem e outras em DVD e CD e em apresentações. A letra é bem original até para nossa rica MPB. São José dos Campos mostra nesta música que ela vai bem além da cidade tecnológica. E muitas vezes as duas coisas se juntam como bem fazia o artista Solfidone funcionário do INPE. Levava os debates sobre filosofia e semiótica à Praça Afonso Pena nos anos oitenta, noventa e começo de 2000. Algo que deve ser resgatado na cidade. Enfim somos uma cidade que tem muito a mostrar ao mundo de
hoje, como a escritora Rita Elisa Seda que desponta na cena nacional com seu livro em parceria com Clóvis Carvalho Brito, “Raízes de Aninha” e muitos outros artistas na cidade e região. Na gestão de Elmano Veloso foram criadas as comissões de arte e na Fundação Cultural Cassiano Ricardo, em 1985. A Fundação é fruto do processo de redemocratização do país e sofreu um duro golpe em 1998 com a extinção das comissões de arte na famigerada Lei Jorlei. A cidade hoje conta com diversos coletivos e tem inúmeras casas de cultura espalhada pela cidade. Enfim este livro não deve encerrar o debate da historia da cidade e do Brasil e sim gerar outros frutos através de outros livros, documentários, curtas metragens e peças teatrais. É uma pena o Movimento Sindical não incentivar as práticas artísticas e culturais na cidade, gerando ações independentes do poder público. Cabe, através do empreendedorismo, criar espaços de arte e cultura, editoras, produtoras de cinema e vídeo, gerando um mercado de trabalho e que aprofunde a reflexão do fazer artístico. Enfim este livro é uma contribuição à reflexão e a valorização das atitudes democráticas e quero fazer outras reflexões sobre este livro. Afinal a democracia é uma construção constante na vida de uma nação. E está no nosso agir.
“Violeiro Embananado” Ai, ai , eu vou pegar minha viola, Concepcionoclapa no sertão: Eu vou por Vietnam na minha viola, Chacrinha e Apolo 11 em meu feijão. Ai, ai, eu ponho um tigre em meu roçado. Shel super, genial, na plantação: Vou dar LSD para meu gado, Psicodeliciar o meu rincão. Milho verde, ciclamato, cangaceiro, astronauta: Super – malô – carro de boi e avião. Sertanejo transviado, guerrilheiro embananado, Futebol, luta de classi- ficação. Transpatelizar meu coração. E pra findar meu sonho computado, Eu jogo a Bomba H no meu sertão! (Música de Paulinho e Banzé)
18 Foto de Lucas Lacaz Ruiz
Poesia é... Fonte de água entre as pedras do deserto, azeitona na empada, sorriso na urbe, desenho infantil que mostra o segredo do universo, uma pincelada colorida que muda a paisagem, retrato antigo de pessoa querida, raio de sol que entra janela adentro, criança no balanço ou pendurada de cabeça pra baixo no galho da goiabeira, palavra que evoca momentos felizes nas entrelinhas, o tempero que faltava na sopa de letrinhas. Por Domingos dos Santos
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Janelas secretas Por Ricola de Paula A flo Resta Sua geometria Secreta em janeiro suas cortinas são abertas. Misturam-se a pausa quente da chuva. escaravelho com chifres. Besouros borboletas Multicores. Emaranhados aos abraços que formam um só corpo. Enraizados. Prismas Atravessam forquilhas. Desnudando a luz do dia. Toras De Madeira. Trepadeiras. Hospedeiros Pacíficos. Resplandece a seiva gosma Brisa, saliva. São árvores quase mudas. Algumas Espécies raras.
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Fios grisalhos Cabelos Cipós Encara Colados Com quantos passos O topo ganharemos Sem chegadas Sem partidas dia ou noite Seguimos Aceitamos o presente da montanha. Água pura Desce da fonte Rasga rocha. Com o perfume do cravo limão mexerica. O suco da espera. O calor no vapor. O ponteiro sem horas. A temperatura. Os líquens cinzas e alaranjados. Por pedras, galhos e folhas assim colados. A natureza como auto-cura doa a todos. O magnifico Êxtase das cores. Os pássaros sabem os mapas do céu e da terra. Estou tão perto deles. Partilhamos a mesma comida e assobiamos Aquela velha cantiga.
O abraço! Por Elizabeth de Souza Acordei sentindo seu abraço tão fácil gratuito e incondicional. Você se foi tão cedo!!! Não deu tempo de embarcar naquela nave estacionada no pico do selado. Os corpos secos passeiam nas noites quentes e não se refrescam nas águas límpidas da Serra que chora. Poderíamos ter subido nos intervalos quando eles dormem tranquilos. Acordei com seu abraço tão fácil e senti seus braços fortes carregando-me pelas ruas dessa cidade sem alma. Éramos tão parceiros em tudo... Andávamos sem medo pela estreiteza das ruas vendo a lua azul e as fases mais brilhantes deitados na grama verde no esplanada. Éramos tão belos!!! Você se foi tão cedo... Agora sozinha sem o abraço que desperta a consciência durmo o sono letárgico dos moribundos.
Ao José Craveirinha e Mia Couto Por Sanjo Muchanga Hoje, antes do sol nascer frasielogiei o Mbique Pensando que o mundo tivesse lido um poema Que por outras razões sempre me fortaleceu E me entristeço quando já não sinto o seu ritmo. O poema de que falo, tinha o ritmo de siavuma A cada coisa que imaginava no futuro (hoje) Duma criança adulta e sem progressões sociais Que parece ter esquecido as torturas sofridas. Aquele poema, conserva vários ritmos ocultos Desde as saborosas tangerinas de Inhambane Ao ritmo do João Tavasse mineiro e escravo social Até aos dias de hoje que cantamos o xigubo. Lamento que estas frases não vos despertem As duvidas que a mim despertaram ao lê-las Razões são simples num país que ainda não existe Porque ainda não foi achada a nossa identidade.
Aquarius Por Teresa Bendini Foi no cinema que se ouviu Um brado retumbante Gritando “FORA TEMER”! Emocionou-se a plateia Com o HINO que tocava: “Nem teme, quem te adora, a própria morte.” E gritou: “FORA TEMER”! Porque “dentro” um tipo de morte se instalava. Feito golpe e faca. Feito senzala Ou pelourinho. Feito “corte” e CORTE. “Fora TEMER”! Gritou, indignada. A plateia e minha utopia desarmada. Já acabava de tocar o nosso hino, e brio. A Paulicéia... na plateia se assentava. Mas não a Sonia Braga que resistiu a especulação imobiliária. Lá “dentro” gritei de novo: Fora TEMER! A clava é forte! Alguém no escurinho do cinema se adiantou: “E o porrete”, porra! Claridade Por Rosa Maria Kapila A Lâmpada fiel a me iluminar, há dez anos não queimava Novenei pensando em mamãe E vejo um objeto sobre a lua. Imaginei meu pé em Plutão E minha gata mia na foto. Saltei na penúltima estação Vi uma banca com livros de Molière e fraldas no varal Prima Guadalupe me abraça Vértebras estalam Eu invento que o sensores de minha gata me seguem E dizem que gata tem bigode. Obra-prima Por Domingos dos Santos Tanta gente quer deixar uma marca no mundo: música, pintura, poesia, teatro, ciência, invenção... A obra-prima de vovó foi cultivar um jardim: cada árvore, uma história, cada flor, uma memória.
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A Morte Por Elizabeth de Souza A morte donzela torpe e endoidecida vem tranquila ou em ondas tumultuada/explosiva/sorrateira/esperta/calculada. Amiga de velhas vidas colecionadas Oferece suas mãos esquálidas quando junto a Caronte, atravessam o estige. Um laço esquecido? Presente no meio da vida qual um calo no pé, uma pedra no meio do caminho Um insulto a inteligência (H)umana. Caçadora espreitando a caça... Antes, com olhos de longo alcance pudesse vê-la, do lado esquerdo como já dizia o velho índio. Inesperada sabe-se de antemão que é uma meia certeza já que não se tem uma certeza e meia do elixir da longa vida aquele tesouro escondido no silêncio dos secretos laboratórios. E os seres vão seguindo – imortais ou imorais? até aquele dia fatídico do encontro real onde 2+2 torna-se 5 na matemática imprecisa e certeira. Mas qual o que (H) umanos não compreendem o óbvio Enfeitam o feito para distorcer o fato de que a morte vem/simplesmente vem/naturalmente vem Inútil render culto ao morto melhor seria, render culto à Morte. Transforma-me Por Poli Fernandes Aperte-me com força Com a força de quem luta Não está fácil sorrir Sorrir pra esta vida bruta
Urbana solidão Por Joka Faria Nas areias das praias Nas cachoeiras da MANTIQUEIRA O banhado no centro E a Urbana Solidão. A vida não é refrigerante E não é só para ganhar dinheiro. Nas areias das praias Nas cachoeiras da Mantiqueira Solitários na urbanidade. Por Mariana Soares e George de Franco da Rocha Quando tu me disseste O que não era dizível fiquei solto, absorto no calor do teu corpo invisível imaginação nesta vida doída e louvada ilusão ou imagem amada como a rosa (dos ventos) ou a realidade (dos fatos) chegou-me como um dilúvio em plena avenida principal, em meio aos brados e bandeiras pensei se tu te encaixarias nas histórias de antigos amores Perdas Por Dalto Fidencio Não chores pelos passos que se vão E pela dor do adeus desatinado, Finde seus soluços... cante uma canção! Deixe a poesia estar ao seu lado. Lágrimas jamais serão a solução Quebre o elo, liberta-te da corrente E saibas que nada perdeste... não! Pois só se perde o que nunca se teve realmente. Por Wilson Gorj da amizade entre borboletas e flores nasce a primavera.
ENTRE VERSOS E PROSA
AI DE NÓS TRABALHADORES QUE OUSAMOS PENSAR! Por Joka Faria
Rainer Maria Rilke: O torso arcaico de Apolo Não conhecemos... O torso arcaico de Apolo Não conhecemos sua cabeça inaudita Onde as pupilas amadureciam. Mas Seu torso brilha ainda como um candelabro No qual o seu olhar, sobre si mesmo voltado. Detém-se e brilha. Do contrário não poderia Seu mamilo cegar-te e nem à leve curva Dos rins poderia chegar um sorriso Até aquele centro, donde o sexo pendia. De outro modo erguer-se-ia esta pedra breve e mutilada Sob a queda translúcida dos ombros. E não tremeria assim, como pele selvagem. E nem explodiria para além de todas as fronteiras Tal como uma estrela. Pois nela não há lugar Que não te mire: precisas mudar de vida.
N
estes tempos de debate sobre gêneros e tudo o mais que ainda se faz tabu, uma exposição sobre a idealização da figura masculina me chamou a atenção. Pena escrever sobre algo que minhas retinas e meus sentidos só viram diante de um computador. Mas tudo sempre se faz recriação. Debate de uma obra com outra, como em artigo que há pouco li de Pasquale Cipro Neto, na Folha de São Paulo, com o titulo “A arte que poderia nos salvar”. Estamos em um momento em que se debatem as inimagináveis opções sexuais do ser humano. E qual o papel do gênero masculino? Embora nem seja tudo novo desde os anos setenta - a androginia esta ai ás vezes mais forte ou mais fraca. E o que é a beleza masculina? A beleza, liberdade e criatividade feminina não se discutem. Mas é o homem preso a falta de criatividade, sem poder soltar sua imaginação em relação à moda? Gerei muitos desconfortos quando ousadamente usava saia. E ai, parei, porque entrava em algo como performático e estranho. E como escritor e poeta preciso observar o mundo e não ser o personagem a ser observado. Por este e outros motivos e até por espaço no mercado de trabalho parei. Ai de nós trabalhadores que ousamos pensar. Mas pensar é algo para dias sem trabalho. O trabalho e horas dedicadas de esforço de ir e vir atrapalha refletir o mundo. A ociosidade é vital para
artistas e pensadores. Dias corridos não se fazem de reflexão. Que o diga Domênico de Masi em seu livro “O ócio criativo”. Imagina quantas citações faço para colocar uma ideia no papel. Então somos coletivos quando criamos. E o papel do gênero masculino e seu corpo nestes dias? Múltiplas identidades - acompanhei e acompanho a jornada do cartunista Laerte Coutinho em seu debate. Achei no começo que propunha algo menos radical, mas ele faz um debate. Tudo se transforma e se recria nestes dias. Mas a beleza masculina e feminina esta ai e sempre esteve desde que o homem descobriu a arte. E sem arte, cultura e educação não somos. Não existimos! Deixar pegadas pode ser necessário ao universo. A vida se faz livre para aqueles que desbravam o que o oraculo de Delfos dizia “Conhece-te a ti mesmo”. E quem se fará homem de verdade como procurava Diógenes com sua lanterna? Viver, mesmo num cotidiano interminável, é uma grande aventura. Em que porto atracar após estes mares bravios, neste eterno ir e vir e nunca tornar-se? Belo poema de Rilke, que originou esta exposição “Procura-se um muso”. E enfim este ensaio de tema que nunca se esgota só se soma a outras obras. Criar a que se destina?
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ENTRE VIRTUOSES
DITINHO JOANA - IMORTALIZANDO SONHOS NA MADEIRA Por Dalto Fidencio
“Sou uma árvore de madeira nobre, fui uma sementinha que ao cair na terra fui germinada e cresci, me tornei uma árvore grande de qualidade madeira nobre. Enfeitei as paisagens, apoiei pássaros, dei folhagem flores e sementes, ajudei a purificar o ar, fui admirada por muitos por causa da minha grandeza e qualidade. Mas ao passar de muitos anos perdi as forças, fiquei doente, cai no seio da mãe terra, à espera de virar pó. Mas tive a felicidade de um artista me encontrar e me levar até sua casa, transformando-me, dando nova vida. Hoje sou uma obra de arte, sendo decoração e admirada pela minha nobreza. Agradeço a Deus e ao artista pela minha vida de fazer parte da maravilhosa criação que Deus fez para todos nós.” Ditinho Joana
O
trabalho de um jornalista às vezes é árduo, mas às vezes também nem deve ser chamado de trabalho, é muito mais uma recompensa, um privilégio, que seu trabalho o leva a desfrutar. A visita que o Entrementes fez ao ateliê do famoso escultor Ditinho Joana é uma prova disso... os felizardos que adentram ao seu mágico mundo de esculturas passam a respirar um ar diferente, são tocados por uma aura positiva que é difícil de se explicar, é necessário passar pela experiência propriamente dita. Benedito da Silva Santos, ou simplesmente Ditinho Joana é mais que um escultor, é um artista na acepção
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da palavra, que dá vida às suas esculturas, mas falarei desta parte mais adiante. Ditinho está no universo das esculturas em madeiras nobres desde o ano de 1974, ou seja, já são mais de 4 décadas presenteando o mundo com sua arte única. Natural de São Bento do Sapucaí, Ditinho teve a inspiração para ser um escultor quando carpia a roça de seu pai, e acabou por encontrar uma raiz que lembrava a forma de um animal. Desde então abandonou a profissão de lavrador e passou a utilizar seu sublime talento para dar formas poéticas para até então tristes pedaços que madeira, que por suas mãos, se transformam, atingem uma nova vida numa nova di-
mensão e passam a ser admirados por todos. Ele utiliza apenas madeiras de lei como o jacarandá, a pereira e a taiúva, e delas ele utiliza apenas o cerne, que por sua rigidez, impede danos futuros à escultura. E é louvável frisar que ele utiliza apenas madeira de árvores que já morreram naturalmente. Suas obras já foram destaques em inúmeras exposições, tanto nacionais como internacionais, sempre conquistando a mesma admiração e despertando emoções em quem as visita. Ditinho tem como marca registrada em suas obras a representação do homem do campo, onde cada aspecto da vida rural se mostra presente, nos mínimos detalhes. Ao se observar suas obras mais de perto, quase se pode sentir o cheiro da terra, das árvores, o ar puro do campo. Visitar seu ateliê é visitar uma parte de nós mesmos ou de nossos antepassados, que nem lembrávamos existir. Tudo isso já seria suficiente para ele ser reconhecido como um grande artista, mas quando pedimos para Ditinho contar a história de uma de suas obras... aí o valor e a admiração por ela, por incrível que pareça, é mais do que duplicado! Como por exemplo, sua escul-
tura “Um Mutirão Consertando Uma Estrada de Terra num Caminhão Antigo”... ela não se encontra mais no ateliê por já ter sido vendida, mas Ditinho nos mostra uma foto da mesma e nos conta sua história. Não, caro leitor, ele não conta detalhes técnicos de como ela foi talhada ou que tipo de madeira usou... o artista incorpora sua veia teatral e simplesmente dá vida à escultura! Cada homem ali representado ganha um nome, uma ação, e inclusive uma voz própria. Ganhamos a narração fantástica de um pequeno conto, originado da obra em questão. É simplesmente poético! E Ditinho Joana faz isso com várias de suas obras, o que as torna ainda mais únicas. Quem visita seu website (www.atelieditinhojoana.com.br) pode ter uma amostra disto, pois ao lado das fotos das obras podemos ler as histórias (como “A Família do Seu Mané Fazendo Vinho”, entre outras), mas é incomparável ver o próprio artista contando os “causos” de suas obras, com sua interpretação tão peculiar. Outro símbolo de Ditinho Joana são as pequenas botas que ele gosta de esculpir... o sábio artista nos conta que elas representam a nossa caminhada na vida. Emo-
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cionante também é ver a primeira escultura da vida de Ditinho, de 1974, que representa um indígena e um padre. Ela foi trabalhada com uma foice e um formão feito com arame pelas próprias mãos do escultor. Ele de dia trabalhava na roça e à noite trabalhava na escultura sob a luz de uma lamparina que sua mãe segurava para ele. Ela está lá no ateliê, impávida e emocionante, representando não apenas a gênese, mas toda a carreira do artista. Bastante interessantes são também duas peças que ele deixou inacabadas, pois assim podemos acompanhar melhor o processo de como são feitas suas obras. E não se pode deixar de citar um oratório de 150 anos que ele possui, que pertenceu a sua bisavó. Sendo um homem bastante religioso, Ditinho Joana tem uma pitada de divino em cada uma de suas obras, disso não se tem dúvida. Mesmo tendo fama e reconhecimento até internacionais, já tendo dado entrevistas a importantes redes de televisão e revistas de circulação nacional, ele mantém sua aura humilde e simples, o que é admirável, pois não existe alguém realmente grande se a pessoa não tiver humildade. A simplicidade é irmã da grandiosidade,
como costumo dizer. Amantes das artes em geral, quando estiverem passando por São Bento do Sapucaí, aos pés da Serra da Mantiqueira, de forma alguma deixem de visitar o ateliê deste fantástico artista... vocês irão recarregar suas baterias com a energia única que circula pelo local, além de se maravilhar com esculturas magníficas. Ditinho Joana é com certeza um poeta, pois uma poesia não necessariamente pode apenas ser criada se utilizando caneta e papel... Ditinho nos prova que uma poesia pode também ser talhada na madeira, de que ela não precisa ser construída por palavras e versos, e pode sim também ser feita na forma de esculturas. Poesia é emoção, e cada obra de Ditinho Joana é repleta deste sentimento. Conectando emocionam!
ideias...
conectando
artes
que
Assista a Entrevista feita pelo Portal Entrementes, através do link: http://entrementes.com.br/2016/09/entrevistacom-ditinho-joana/
ENTRE VERSOS E PROSAS
O PROBLEMA Por Germano Xavier
continuação para o conto “A solução”, de Clarice Lispector
A
lmira, numa certa noite, inventou de fazer uma tereza com os únicos três lençóis de cama que possuía, depois de passar anos serrando surdinamente com uma faca o gradil da janelinha da cela e, num vulto, sumiu no mundo novamente. Não deixara nada como recordação. Na prisão, virara mito. Podia ser novata ou veterana no xadrez, mas o fantasma da “elefanta de circo” rondava as bocas em papeação constante, em quaisquer que fossem os corredores e em todos os pavilhões. O certo era que ninguém mais tinha ouvido falar em Almira. Algumas colegas de cela, mesmo passados dois anos ou mais da precipitada fuga, ainda empregavam lembranças da gorda, em suas cabeças vazias. E diziam em pensamento que ela agora devia estar comendo, comendo chocolates, comendo como sempre comeu, empanturrando-se de qualquer que fosse a coisa, enchendo-se de qualquer matéria e preenchendo aquela pança insaciável, aquele estômago insaciável. Almira ficou sendo procurada pela polícia por todos os cantos da cidade, até recompensas foram oferecidas a quem tivesse indícios do local onde ela pudesse estar. Mas, nada acontecera. Almira jamais fora encontrada. Depois de mais alguns anos, o caso foi arquivado e, posteriormente, dado como encerrado pelos investigadores. O mais curioso de tudo aconteceu faz bem pouco tempo, quando um crime chocou a pacata cidade onde o que de mais cruel tinha acontecido em toda sua curta história de emancipação fora justamente o estouvado ataque a garfos de Almira em Alice, no restaurante. Alice, que ficara afônica depois da garfada no pescoço que recebera de Almira em idos de antanho, havia saído de casa para comprar produtos alimentícios no armazém do bairro. Naquele dia, Alice não voltou para casa. Ficou no meio do caminho atrapalhando o tráfego inexistente, no justo momento em que estava fazendo o percurso de retorno. Os olhos esturricados dos passantes denunciavam a magnitude do caso. Falaram depois, quando o alvoroço se distendeu do imaginário da população, que a pobre moça morrera em plena rua com duas colheres enfiadas nos olhos. A polícia, na hora, chamou por alguma testemunha, porém ninguém se prontificou a dar algum tipo de depoimento. Exceto um menino marronzinho de seus doze ou treze anos de idade, que dissera estar descansando o corpo do sol graúdo, na calçada do bazar do velho Apolônio, enquanto arrumava sua caixinha de engraxate. Falou que vira uma mulher magra entrar pela casa de número ímpar da esquina. Os policiais pediram
mais informações, mas o menino não soube oferecê-las. O que podia dizer era já tudo e já gasto: uma mulher magra entrando na casa da esquina de número ímpar. Coincidência ou não, a casa em que Alice vivia era contígua à casa a que o menino se referia e que, por sua vez, era justamente a casa que fora de Almira, no tempo em que andavam juntas e iam para o escritório labutar no mister da datilografia. A polícia levou o caso a estudo, agiu secretamente e fuçou a vida da possível assassina com a preocupação de não invadir a privacidade da mulher. Era consenso, na corporação, só agir em definitivo caso provas cabais pudessem ser levadas adiante e, posteriormente, servirem na incriminação da moça suspeita. Nada descobriram. A moradora da casa de número ímpar, da esquina, era realmente magra, tinha praticamente a mesma altura da desaparecida Almira e gostava de ficar olhando para o aquário, quando a tarde ia caindo, no horizonte. Fora isso, nenhuma pista segura. Muitos associaram o fato a uma provável vingança de Almira, mas Almira não existia mais. A gorda e psicopata Almira era apenas uma das lendas urbanas daquela cidadezinha incrustada, onde o vento fazia a curva. Nas noites escurosas, um ou outro sempre levantava o causo da mulher que apagava a voz das pessoas, enfiando garfos em seus pescoços, mas nunca contavam o causo da mulher que cegava as pessoas, enfiando colheres de sopa dentro dos globos oculares. Diziam ser maldição alvissareira, coisa ficciosa demais. E, logicamente, as crianças morriam de medo quando ouviam. Por isso, de noite, dormiam encolhidamente intranquilas e enroladas em seus cobertores de sonhos, e também de pesadelos.
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ENTRE SONS
GENUÍNO ROCK PROGRESSIVO TUPINIQUIM Por Paola Domingues
T
ão conhecida por hastear a bandeira do Movimento Tropicalista, a banda Mutantes alavanca sucessos mundialmente famosos que ficaram conhecidos nas alvoroçadas participações dos Festivais e dos tumultos com a cadeia ditatorial militar do país exercida na época. Há 40 anos, a banda intensifica suas produções no rock progressivo, porém, pagam caro por isso: a despedida de Rita, a desistência da gravadora e um Arnaldo decrépito. A banda criada em 1966, composta por Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sergio Dias, começara bem e bem apresentada. Apadrinhados pelo maestro Rogério Duprat, os Mutantes subiram nos palcos dos movimentados Festivais de Música Brasileira de onde só surgiram eternas estrelas.
“Os Mutantes, em toda a sua trajetória, delineia profunda simpatia com o psicodélico, acompanhando os movimentos progressivos da época”. Há quem possa afirmar que o rock progressivo é realmente danoso às condições estáveis de sanidade mental. Prova disso são os trabalhos absurdamente executados por bandas como Pink Floyd, Yes, King Crimson e Genesis. Dessas experiências saíram os discos que estremecem os limites próprios de entendimento do
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ser humano, levando o admirador sair de sua órbita. Foi desse composto experimental totalmente promovido pelo ácido lisérgico (LSD) que os Mutantes executaram “O A e o Z” em ’73. O trabalho progressivo era “demais” para Rita, que já, desajustada em seu relacionamento com Arnaldo, se despede da banda. A gravadora também não simpatiza com a esta última produção e desiste dos Mutantes, passando a focar na trilha solo de Rita. Sem o lançamento do “O A e o Z”, o afastamento de Arnaldo por sua situação critica devido o uso excessivo de ácido, a saída do baterista Dinho e no ano seguinte, do baixista Liminha, os Mutantes começa a perder sua força. Após tentativas de reestruturação, os Mutantes chega ao mais trágico fim no ano de 1978, contando com apenas duzentas pessoas em sua última apresentação. Em 1992 a banda vira notícia novamente, por boatos que confirmavam a volta da formação original da banda. Na realidade, Sergio Dias convence a PolyGram de lançar o álbum de ’73 e o sucesso foi implacável: Os Mutantes foram conhecidos e reconhecidos como uma das maiores bandas de rock progressivo, por sua versatilidade, dinamismo e criatividade nas eras progressivas da época. O rock progressivo genuinamente Tupiniquim ganha expansões no hall mundial em 1999 após o tardio lançamento do álbum “Technicolor” que havia sido gravado na França há quase 20 anos. Os Mutantes conquistam seu lugar entre “Os 50 Discos
mais experimentais de todos os tempos”, ultrapassando Beatles e Pink Floyd. O A e o Z e o LSD As composições aprofundam no mais pesado do progressivo, com uma musicalidade fortemente marcadas pelo baixo e arranjos alucinados no Hammond. Músicas de duração entre seis a doze minutos, remendadas da mais pura conversação musical entre os instrumentos. Muito me faz lembrar trabalhos executados pela banda YES, Emerson Lake and Palmer e Uriah Heep, da mesma época. As mensagens são sempre intensas. Na faixa “Rolling Stones” por exemplo, uma homenagem ao editor da edição brasileira da revista “Rolling Stone”, que descreve como os integrantes sentiam suas mentes abertas ao conhecimento que a revista trazia para o país (o “s” de Stones foi publicado erroneamente, sendo o verdadeiro título o nome original da revista). A maioria das músicas abusam de instrumentos variados, como Mellotron, Violoncelo, Citara e Violão de 12 cordas, que buscam as variações sonoras, muitas vezes aproximando de ritmos regionais como no duelo de violões encontrado na música “Você sabe”, outras, em variações espaciais que ecoam dignas do experimentalismo encontrado em YES e Pink Floyd, como na faixa “Hey Joe”. A introdução da música “Ainda vou transar com você” é sem dúvida uma sacada prog. ao incrementar elementos da natureza como a chuva e a tempestade. A música, que possui uma sacada blues, traz uma letra divertida e romântica, cheia de simbologia. Uma das minhas preferidas deste álbum.
“Andam dizendo que a vida não está com nada, Eu acho que não e digo tá, tá, tá de todo o meu coração: Legal..” “Venham vós ao nosso reino aqui no Brasil, Rock’n’roll, paz e amor aqui no Brasil”
O álbum “Fool Metal Jack” compõe o segundo trabalho da banda desde o retorno aos palcos. Como o “mercado não está pra peixe” aqui no Brasil, já que, infelizmente, a mídia detém espaço somente para os sucessos “monossilábicos” de “barábará” e “leklek”, os Mutantes trabalham com exclusivo foco internacional, com todo material produzido em inglês, desde o site de divulgação da banda às letras das composições do “Fool Metal jack”. Também, com apresentações por todo Estados Unidos, não poderia ser em outro formato. Atualmente, além do guitarrista/vocalista Sergio Dias, remanescente da formação original, estão na banda Esméria Bulgari (vocal), Vitor Trida (guitarra e vocal), Vinicius Junqueira (baixo), Amy Crawford (teclado e vocal) e Ani Cordero (bateria e vocal).
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ENTRE AUTORES
ENTREVERSOSPROSEANDO COM LÉO MANDI Por George de P. Furlan
emblemáticos – no sentido de salvação. “Queriam me matar no berço/ Queriam me sufocar com o terço/ Mas/ eu vazei pelo útero/ e pisei no pútrido” Léo Mandi é músico, oficineiro e poeta no que a vida exige; mineiro de Piranguçu, há mais de trinta anos mora em São José dos Campos. Começou a produzir poesia, como bom vivente, desde que veio ao mundo, mas só começou a registrá-la em sua mocidade. Como conta o poeta: “A rapaziada tinha uma ideia de montar uma banda... Fazer o próprio som. A gente começou a se reunir e ali eu comecei a fazer umas letras e mostrá-las pros camaradas”.
Após Há Pós
(MANDI, Léo. Minhoca de Chocolate, Miniatura, pg. 67, Netebook, 1° Edição, 2010, SJC-SP)
No mês de setembro estivemos entreversos-proseando na casa do poeta Léo Mandi, no Colonial, Zona Sul de São José dos Campos, ponto de cultura, de aprendizagem e de encontro da arte com HOMANVS. Observação. Dizem: Deus nos deu dois olhos, dois ouvidos, – além do par de narinas – e uma, só, boca, o que é sinal de que devemos observar mais, ouvir mais – respirar mais! – e falar menos. Aqui se encontra o que extraí do silêncio, da paz fértil, do poeta. Vê-se que a boa arte da observação, desde os tempos pueris, muito se prestou à sua poesia. Já no prefácio do seu livro Minhoca de Chocolate, rememora o Léo, seu mote: “O solo estava duro, “Jogue água”, disse meu cunhado. Colocava força nos braços para fincar a cavadeira na terra. Vi uma sopa de chocolate no chão. E na minha mente eu li a definição para terra que eu mexia: “Minhoca de chocolate””. Tal característica percebe-se (e como não seria), também, através de seus poemas, que são deveras prosódicos e imagéticos, pinturescos, antropofágicos, hora trágicos, hora
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Quando não havia mais jeito Quando não havia mais jeito nenhum Eu peguei meu rodo Rapei todas as nuvens E o céu ficou tão limpo Que eu Ando descalço nele Sinto a firmeza do piso azul E cada estrela É uma moita Onde eu deito para ver a terra
(MANDI, Léo. Minhoca de Chocolate, Piso Azul, pg. 28, Netebook, 1° Edição, 2010, SJC-SP)
A obra Minhoca de Chocolate, dedicada às flores, à Angela Tuti, artista plástica, e à sua filha Carolina Fernandes, congrega em si um apanhado de poemas produzidos entre os anos de 1997 a 2010, ou seja: 13 anos de poesias – mas não só de poesia como de intenso ativismo cultural. Mandi nos conta também do incentivo que lhe foi a participação nas oficinas de criações literárias da FFCR (Fundação Cultural Cassiano Ricardo), com a orientadora Escritora Rosa Kapila. Ressalta que o contato com a prosa, o conto e suas formas de narrativa, foi fundamental na construção da identidade estilísca dos poemas.
De madrugada Os pássaros caem na minha mesa Escrevo nos pássaros Só assim Posso aspirar ao voo com as mãos Encosto minhas palmas neles De pois que durmo os pássaros Ficam Em torno do meu colchão Com muitas penas tingidas de Palavras As letras ficam acesas para o olho Escuro De manhã a luz retorna ao quarto Acordo leio meus poemas pássaros e saio Voando (MANDI, Léo. Minhoca de Chocolate, Nuvens em asas, pg. 37. Netebook, 1° Edição, 2010, SJC-SP)
Veja a matéria em: entrementes.com.br/2016/09/ leo-mandi-sobre-o-seu-livro-minhoca-dechocolate
Balanço no peito Uma árvore Para amarrar uma corda E balançar você em mim Me atravessando pelo meio Você sai das minhas costas Volta e sai pela minha frente E ergue a cabeça na minha mente
(MANDI, Léo. Minhoca de Chocolate, Seivinha, pg. 20, Netebook, 1° Edição, 2010, SJC-SP)
Mas a música é fortemente presente no quotidiano de Mandi. Sobre sua trajetória musical, nos conta, em especial, de sua participação no Mapa Cultural Paulista e dos trabalhos em composição ao grupo teatral Entreatos, com Arlei Campos. Entrementes a construção do livro, Léo Mandi realizava o projeto Um traço um Fanzine, de difusão literária e intervenção poética, com seus parceiros: Fernando Selmer e Sergio Ponti, com os quais nutre a boa parceria. Atualmente o grupo segue com Drumonnd Punk e as Canções do Submarino Quântico, que traz um repertório autoral em diálogo com a poética drumonndiana.
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ENTRE TESES E ANTÍTESES
REFLEXÕES SOBRE A PERFEIÇÃO, PARTE 2 Por Rafael Arrais
Quando o imperfeito é perfeito O PARADOXO DA PERFEIÇÃO Espinosa nos será de valioso auxílio na definição mais aprofundada da perfeição: “Quem decidiu fazer alguma coisa e a concluiu, dirá que ela está perfeita, e não apenas ele, mas também qualquer um que soubesse o que o autor tinha em mente e qual era o objetivo de sua obra ou que acreditasse sabê-lo. Por exemplo, se alguém observa uma obra (que suponho estar inconclusa) e sabe que o objetivo de seu autor é o de edificar uma casa, dirá que a casa é imperfeita e, contrariamente, dirá que é perfeita se perceber que a obra atingiu o fim que seu autor havia decidido atribuir-lhe. Mas se alguém observa uma obra que não se parece com nada que tenha visto e, além disso, não está ciente da ideia do artífice, não saberá, certamente, se a obra é perfeita ou imperfeita. Este parece ter sido o significado original desses vocábulos. Mas, desde que os homens começaram a formar ideias universais e a inventar modelos de casas, edifícios, torres, etc., e a dar preferência a certos modelos em detrimento de outros, o que resultou foi que cada um chamou de perfeito aquilo que via estar de acordo com a idéia universal que tinha formado das coisas do mesmo gênero, e chamou de imperfeito aquilo que via estar menos de acordo com o modelo que tinha concebido, ainda que na opinião do artífice, a obra estivesse plenamente concluída. E não aprece haver outra razão para chamar, vulgarmente, de perfeitas ou imperfeitas também as coisas da natureza, isto é, as que não são feitas pela mão humana.” De acordo com Espinosa, somente as obras humanas podem ser – talvez – perfeitas, porque somente essas estarão algum dia concluídas... Observamos os quadros de Da Vinci ou as esculturas de Michelangelo e somos praticamente obrigados a admitir que ali não falta nenhuma pincelada, nenhuma lasca a ser lapidada. Essas obras são perfeitas não pela sua utilidade prática e/ou física, mas pela impressão que provocam na alma dos admiradores. Já as obras naturais estão em constante afloramento. Tudo vibra, tudo se movimenta e se influencia mutuamente, tudo evoluí – a matéria rumo a desordem, e a vida rumo a alguma espécie de perfeição... Foi o próprio Darwin que afirmou que o desenvolvimento das
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espécies tendia a perfeição, e disse mais: “Há grandeza nesta concepção de que a vida, com suas diferentes forças, foi alentada pelo Criador num curto número de formas ou numa só e que, enquanto este planeta foi girando segundo a constante lei da gravitação, desenvolveram-se e se estão desenvolvendo, a partir de um princípio tão singelo, infinidades de formas as mais belas e portentosas.” A natureza é, portanto, um eterno “vir a ser”... Uma obra inacabada, sendo esculpida e imaginada pelas leis naturais desde que algo surgiu da substância
primeira… A substância que não poderia ter criado a si mesma, e que por isso mesmo – como nos explica tão bem Espinosa em sua “Ética” – há de ter irradiado tudo o que há de si própria, como o pólen exalado pelas flores. Quando se pensa sobre o início do universo, os primeiros momentos após o Big Bang, e se percebe que se não fosse por uma assimetria entre a matéria e a anti-matéria, além de várias outras assimetrias e/ou “ajustes” mais ocultos, não existiriam estrelas, nem planetas, e muito menos vida biológica, chegamos à conclusão de que nossas utopias acerca da perfeição talvez tenham sido um pouco apressadas... Afinal, o que há de mais perfeito do que o vácuo, o vazio? Tudo ordenado. Nenhum som. Nenhum movimento brusco. Nenhum pensamento desordenado. Nenhuma luz... Apenas a perfeita escuridão do Gran-
de Nada. Em realidade, nada seria mais terrível e assombroso do que esta perfeição. Porém, por alguma razão, a substância primeira não irradiou a tudo de forma perfeita, absolutamente simétrica, ordenada... Assim como até hoje podemos perceber – através dos instrumentos que possibilitaram os experimentos da física quântica – que no seu estado mais fundamental a realidade é um baile frenético e caótico de partículas, nada nos diz que essa ideia de perfeição absoluta seja realmente perfeita! A perfeição é um conceito humano. Como tal, talvez possa ser aplicado as grandes obras de arte, as mais belas músicas e poesias, a mais sofisticada literatura... Mas, no campo natural, tal conceito torna-se um paradoxo. O paradoxo da perfeição: quando o imperfeito é perfeito, e vice-versa. Afinal, se Deus houvesse criado seres perfeitos, não seriam seres e sim máquinas, robôs programados para uma perfeição artificial... A perfeição da “benção divina”, e não da conquista própria, da edificação de nossa própria obra. O Cosmos é uma obra de arte, sim, não há dúvidas... Mas não é humana, é divina – e como tal, ainda está sendo edificada (ao menos dentro do tempo dos homens). Carl Sagan dizia que nós somos uma forma do Cosmos conhecer a si mesmo... Ao alcançarmos a consciência, chagamos ao estágio em que podemos caminhar com as próprias pernas, pensar por nós mesmos, e não mais apenas participar da criação como figurantes, mas como verdadeiros agentes criativos. Aqueles que conheceram pouco da ciência talvez tenham se afastado de um deus humanizado, incompatível com a imensidão cósmica. Da mesma forma, aqueles que conheceram pouco da religião talvez tenham sido ludibriados por um deus que opera por barganhas – prometendo o céu a alguns de seus escolhidos –, incompatível com a infinita diversidade da vida. Entretanto, aqueles que arriscaram olhar um pouco mais profundamente na noite de sua própria alma talvez tenham achado mais estrelas do que escuridão e vazio... Talvez tenham, como Espinosa, encontrado a evidência da substância primeira, aquela que não pode ter criado a si mesma. Aquela substância que, desde os primórdios do Cosmos, vêm tecendo uma bela teia imperfeita, mas que tende a perfeição... A seguir, a busca da perfeição na ciência – seria a matemática uma arte? *** Crédito da foto: Kenneth Libbrecht/Visuals Unlimited/Corbis (cristal de gelo – não absolutamente simétrico, ademais belo)
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ENTRE PROSAS E VERSOS
DANÇAR
Por Ronie Von Rosa Martins
E
então eu danço. O movimento é meu. Me movimento ali. No interstício do desejo, na indignação do músculo que não. Danço com o olho. Órbita alucinada. Olho de devorar. O movimento é meu. Do coração que salta. Do estômago que retorce. Das dores todas da barriga que em movimento demarca seu poder e território. Danço. Com todos os meus cabelos e pelos que se eriçam. Espinhos e espaços que se definem. E no ar salto e rodopio. Clássico. Com mil pernas da minha cabeça, com mil braços do meu cansaço. E dobro o corpo com firmeza, treino e audácia. Não o de carne de osso de pele. Mas o outro que crio, desenho, escrevo e desfaço. E então danço. Com todos os outros. Danço nesse impossível do músculo que se recusa. Danço nesse espaço de foto. Estático. Minha língua sim é dançarina. Dança meu medo e pavor. Dança os brancos que me invadem. Dança o meu não conseguir dizer-dizendo. Ordinária. Insi-
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nua-se pelas minhas dúvidas proclamando certezas. Tolas. Morderia a língua. Mas ela dança inevitável. E em movimentos pré-definidos, gestos-alfabéticos, vai resumindo, recortando e delimitando o que penso. E pensar é dançar para além da língua. Minha língua que é nossa. Mas os joelhos também. Companheiros. Dançam no ritmo do coração. Trepidam e ameaçam toda a estrutura. Em falso. Valso. E a música e o ritmo? Que toquem pois. Minhas tripas dançam. E me enforcam. Meu sangue dança e borbulha e meus olhos sorriem... ou se constrangem. Mas dançam. Meu pé desgraçado e rebelde. Bate e rebate o ritmo, o impossível do corpo. Criatura independente o pé. Autônomo nas questões de dança. Mas meu ouvido dança. Com o que vibra e lhe alcança. Até com o outro corpo que ali. Também dança .
ENTRE VERSOS E PROSA
SONHO OLÍMPICO Por Marcelo Pirajá Sguassábia
“O
melhor emprego do mundo: salva-vidas da Olimpíada tem visão privilegiada. Uma lei estadual que determina que todas as piscinas do Rio tenham um salva-vidas criou um posto incomum na história olímpica. Além de não ter muito o que fazer, o salva-vidas tem a melhor vista da competição.” (Folha de S. Paulo, 2 de agosto de 2016). O que ele mais desejava na vida era também o sonho de quase todo descendente de Adão: ter um emprego com garantia absoluta de não precisar trabalhar. E conseguiu. Só por alguns dias, mas conseguiu. Juntando os aquecimentos, os treinos, as etapas classificatórias e as provas propriamente ditas, eram horas e mais horas ao dia de proveitoso ócio ao abrigo do sol, deixando a mente fluir por onde bem entendesse e descartando definitivamente a possibilidade de precisar pular na água para livrar o Phelps e outros golfinhos humanos do afogamento. Foi fácil se acostumar ao dolce far niente e a não querer jamais outra coisa. Bebida, só pedir. Comida, idem. Aborrecimento, nenhum. Cansaço, nem pensar. Quem tinha que trabalhar duro e romper os limites da própria carcaça e dos adversários eram aqueles
infelizes ali, curtidos em cloro. Sobrava ócio até para meditação transcendental. As idas e vindas dos nadadores, de uma ponta a outra da piscina, funcionavam como um mantra quase hipnótico. Mas tinha que se policiar para não fechar os olhos, pois aí seria demais – alguém poderia acusá-lo de negligência no exercício da profissão. Como nenhuma água é tranquila para sempre, de uma hora para outra o nosso folgado guardião tombou para trás. Alguns membros do staff olímpico acharam que tinha, enfim, sido vencido pelo sono. Mas a coisa mudou de figura quando um espesso cordão de sangue vazou pela caixa craniana fraturada. Bala perdida. Morte instantânea em uma das provas de classificação mais disputadas – a dos 50 nado livre. Não era a competição final, mas estava sendo televisionada. O corre-corre chamou a atenção dos nadadores, que lançaram-se quase ao mesmo tempo fora d’água para tentar dar salvação ao salva-vidas, numa surreal e trágica inversão de papéis. Expectadores, juízes, repórteres, preparadores físicos – todos cercando a vítima feito baratas tontas, sem saber se acreditavam na versão carioca da bala perdida ou na versão terrorista da bala certeira .
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ENTRE TRILHAS E VIAGENS
RUBI - A PEDRA QUE DESCONHECIA Por Elizabeth de Souza
O
mundo gira e dentro desse círculo nunca chegamos ao pleno conhecimento das coisas, das descobertas alucinantes da vida diária, do assombro que nos cala o peito e revira a alma...hoje foi um dia assim... Comecei logo cedo ao sair com meus amigos para um daqueles passeios maravilhosos e inesquecíveis, onde as lembranças ficam impregnadas na memória de sensações. Fomos para Gonçalves, aquele recanto com excesso de oxigênio, tanto, tanto, que dá tontura...
Foto: Reinaldo Prado - Pedra do Forno Uma trilha para a Pedra do Forno. A subida escorregadia fez-me lembrar da descida e do meu joelho que reclama a cada freada. Os meus companheiros de aventura subiram, enquanto eu não cheguei na pedra, voltei do meio do caminho, segurando nos galhos das pequenas árvores, para não escorregar. O silêncio das araucárias, em seus verdes movimentos, ordenados no caos íris da minha ótica...meus óculos atrapalham a descida. Os caminhantes sobem e descem e no meio do caminho sou uma retardatária, ouvindo o silêncio das araucárias. São aquelas pessoas diferentes que gostam de sujar os pés de barro, de subir as montanhas, de ouvir o barulho das águas, dos que gostam de caminhar entre as pedras do caminho, só para contrariar Drummond. A pedra é o ponto de apoio, é o descanso, é onde se encosta para revitalizar e continuar a jornada. Sentei num banquinho de madeira e esperei a volta dos que se foram. O cenário tão belo parecia um sonho, desses que se misturam com a realidade e no final
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das contas nunca sabemos o que é de verdade. Pedra do Forno (1.970 m de altitude). A subida é íngreme, exige bastante preparo físico, mas possível. Na subida, passa por um bosque de araucárias, nascentes e riachos. A pedra tem vista para as pedras do Baú e Chanfrada, para a cidade de Gonçalves e, em dias claros, para Campos do Jordão. Leva mais ou menos 1 hora e meia para chegar ao topo da Pedra do Forno. Para quem chega ao topo a recompensa é um lindo visual de 360° de toda regio e também tem uma capela. Dizem que a pedra recebe esse nome por ter o formato de um forno à lenha. Depois a volta para casa com o desejo de retornar a Gonçalves, afinal não cheguei à Pedra do Forno, tenho que voltar. No caminho da volta meus amigos param nos lugares bonitos, para tomar café e comer pão de queijo...para colher flores imaginárias ao pé da serra, fotografá-las, torná-las perenes... comer ingá no pé...subir os mirantes... andar na linha do trem, só pra fazer de conta que está tudo certo ao ver a Santa no alto da montanha, na verdade não é uma santa, é uma senhora que auxilia a jornada dos que por ali passam. Na trilha da poesia, como sempre uma surpresa em cada canto e em cada verso. No mirante, diferente de todos, tem um mural com algumas informações pitorescas, mas o poema colado, cala todos os anseios: 
Foto: Reinaldo Prado - Poesia no Mirante Mas a poesia insiste em misturar-se aos andarilhos. Expande-se nesse ar oxigenado de mentes entorpeci-
das por belezas inexplicáveis. Por que somos tão estranhos? Foi então, que de repente, começo a ouvir o Rubi... Uma voz tão doce e tão profunda que não tem explicação...e uma letra tão bela que encanta o mundo. Fico sem entender a razão de não ter sido eu a escrever algo tão belo. Alguém pegou primeiro, no ar. Caiu em outras mãos, tão bela poesia. Compartilho com todos mais uma beleza no mundo... Uma pedra preciosa que não conhecia: Rubi Ai Vocal: Rubi Composição: Tata Fernandes / Kléber Albuquerque “Deu meu coração de ficar dolorido Arrasado num profundo pranto Deu meu coração de falar esperanto Na esperança de ser compreendido Deu meu coração equivocado Deu de desbotar o colorido Deu de sentir-se apagado Desiluminado Desacontecido Deu meu coração de ficar abatido De bater sem sentido Meu coração surrado Deu de arrancar o curativo Deu de cutucar o machucado
Pra curar de significado O escuro aço denso do silêncio No coração trespassado Ai Ai ai Ai” Gonçalves – A Pérola da Mantiqueira (www. goncalves.mg.gov.br/) “Gonçalves é um município brasileiro do estado de Minas Gerais, localizado na microrregião de Pouso Alegre. Gonçalves é atualmente um dos polos turísticos em forte desenvolvimento na Serra da Mantiqueira, fazendo parte do circuito turístico Serras Verdes do Sul de Minas. A localidade existe desde 1878, mas sua data oficial de fundação é a da emancipação política e administrativa, ocorrida em 1 de março de 1963. Até então, Gonçalves era distrito do município vizinho de Paraisópolis. Gonçalves limita-se com os municípios de Paraisópolis a oeste e norte, São Bento do Sapucaí a leste, Sapucaí-Mirim a sul e Camanducaia a sudoeste. Como na maioria dos municípios da Mantiqueira, seu relevo é fortemente acidentado, com poucas áreas planas. Montanhas altas, vales profundos, aflorações rochosas de grande porte e muitos córregos e ribeirões compõem a paisagem que tanto atrai turistas”. (Fonte - https://pt.wikipedia.org/wiki/Gonçalves_ (Minas_Gerais)
Deu de inventar palavra Pra curar de significado O escuro aço denso do silêncio De um coração trespassado “Eu te amo - disse. E o mundo despencou-lhe nas costas. Não havia de sofrer tanto. O mundo pesa sobre o amor. Leveza dá pena no espaço. E se teu amor por mais pedra não voar: liberta tuas costas do peso que não carregas. E se teu amor por mais pena não mergulhar: vai te banhar e olha-te no olhar que não te cega. Se teu amor te pesa mais que o mundo que carregas: degela-o e deixa-o beber os deltas.” Deu meu coração de ficar abatido De bater sem sentido Meu coração surrado Deu de arrancar o curativo Deu de cutucar o machucado Deu de inventar palavra
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CANTO DA CULTURA
Era uma vez em São José dos Campos Por Elizabeth de Souza
OS MÚSICOS E BANDAS NO CANTO DA CULTURA Em meio a todo esse turbilhão artístico e literário apareciam no canto da cultura, os músicos. E no Canto da Cultura, os músicos vinham dar uma canja. Além do Miran com seu violão, apareciam vários outros músicos e bandas da época. Não vou colocar aqui tudo o que estava acontecendo na cidade nessa época em termos musicais. Apenas citar os que frequentavam a Praça Afonso Pena, no Canto da Cultura. Citar os que apareciam ocasionalmente. Apresentar uma parcela bem pequena da cena musical alternativa. Falar de músicos que hoje são conhecidos na mídia. . O Cesar Pop que além de músico fazia performances Imagem extraída do Jornal Valeparaibano da épocao junto a outros artistas como Irael Luziano e Marcos Planta. Com seu grupo fazia apresentações na cidade. Marcus Flecha, nosso querido músico que deixou saudade, era muito atuante nessa época. Ele era dono de um bar muito frequentado na Praça do Sapo, onde músicos e poetas batiam cartão. Era o Habitat Café Concert.
Marcus Flexa – Imagem extraída do Jornal Satélite News - 1981
Músicos como Nando, Geraldinho, Zezé e Simões e muitos outros frequentavam o Canto da Cultura. Alguns grupos ativos na época, tais como “Rio Acima” do pessoal de Paraibuna, Paranga, de São Luis do Paraitinga, etc . O Grupo Imagem era de São José dos Campos e tocavam sempre no Canto da Cultura. O “Imagem” tinha como líder o Arimatéia, hoje, famoso Luthier na nossa região. No vocal, Edson Souza que depois formou outra banda, a Banda Revolução Psicológica. Logotipo da banda feito por Nill Silva
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Naquela época, Arimatéia e Edson Souza musicaram um poema meu intitulado “apocalipse”. Um rock interessante que tocaram na Praça Afonso Pena, durante um show. Por força de circunstâncias alheias as nossas débeis vontades humanas, foi essa a única vez que tocaram e cantaram esse rock, pois a gravação foi destruída... O poema sugere essa desintegração: Apocalipse Quebrar a imagem Que reflete no espelho? Ou o espelho Que reflete a imagem? Explosão orgânica Fetal e fatal Explosão orgásmica Banal e carnal Desejo supremo Da desintegração total. Eliza / Beth
BANDA REVOLUÇÃO PSICOLÓGICA Essa banda, com o Edson no vocal, foi o show nos anos 80...Ele, um admirador do Raul Seixas. Suas músicas traziam nas entrelinhas, características do Maluco Beleza...E uma preocupação profunda com a parte psicológica do ser humano. Com a parte mais profunda das nossas vidas e das nossas existências...Uma preocupação com o transcendental. O Edson transpirava a Revolução Psicológica...Sua banda fazia apresentações na Cidade das Palavras, na Praça Afonso Pena, no Canto da Cultura. E em todos os lugares onde houvesse ávidos por música, poesia e beleza transcendental.
Arte - Nill Silva
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ANUNCIE NA REVISTA ENTREMENTES O Portal Entrementes é uma revista digital de conteúdo essencialmente cultural, conta com a colaboração de mais de 20 colunistas, escritores, poetas, críticos, músicos, artistas plásticos, ufólogos, etc que estão espalhados por várias partes do Brasil, assim como em Portugal e Moçambique. Além das postagens dos colunistas tem-se uma agenda onde são postados releases de vários eventos para divulgação e também são feitas matérias especiais sobre variados temas na região e em outras cidades ou estados, que são registrados através de vídeos, entrevistas e imagens. Agora no formato de revista impressa que é publicada trimestralmente (Março, Junho, Setembro, Dezembro).
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