Ano 4 - Edição 8 - Verão de 2017 www.entrementes.com.br
CONECTANDO IDEIAS ARTE - CIÊNCIA - ESOTERISMO - FILOSOFIA
EDIÇÃO DE VERÃO O SENHOR SÃO SILVESTRE!
Ele corre a São Silvestre há 40 anos.
EDUARDO MARINHO O Pensador das ruas
FERNANDO SELMER
Talhando poesia nos tecidos.
CARAVAGGIO
Pintura em carne e sangue
BI...CHARADA 2
O mais novo livro da escritora e poeta Teresa Cristina Bendini
COMIC CON EXPERIENCE 2016 O maior evento de cultura pop do continente!
Editorial Edição de Verão 2017 Apresento-lhes a nova edição da Revista Entrementes. Um novo ano, novos desejos, novas perspectivas. O sol escaldante a queimar a nossa pele, nos dá a sensação que o Planeta está em fogo. O fogo, elemento que regenera toda a natureza e também regenera nossas células, nosso corpo, nossa alma em construção. Nessa edição da Revista Entrementes colocamos uma matéria especial sobre a Corrida de São Silvestre, que acontece anualmente no Brasil e acompanhamos todos os anos. Vamos contar sobre o Dutra, corredor que está completando 40 anos de SS. Dalto Fidencio também nos conta como foi participar da Comic Con Experience 2016, o maior evento de cultura pop do continente! Outra matéria interessante é sobre Eduardo Marinho, o filósofo das ruas que une ideias e suas práticas diárias. Um exemplo de vida simples e complexa ao mesmo tempo. Vamos contar sobre o trabalho do Artista Fernando Selmer, o novo livro de Teresa Bendini e mais os textos e poemas dos colunistas do Portal Entrementes, em suas variadas matizes. E falando em matizes, um artigo sobre o Grande Mestre da Pintura, Caravaggio. Conectando ideias, conectando Revista Entrementes - Edição de Verão. Boa leitura a todos! Elizabeth de Souza
Sumário
ENTRE ARTE E EDUCAÇÃO 3 - A deseducação da escola brasileira - Por Joka Faria
ENTRE TELAS DE PINTURA 4 - Caravaggio: Pintura em carne e sangue - Por Alex Sandro Carrari
ENTRE LIVROS E AUTORES 7 - Bi...Charada 2 de Teresa Cristina Bendini - Por Elizabeth de Souza
ENTRE VIRTUOSES 8 - O Senhor São Silvestre! - Por Dalto Fidencio
ENTRE VERSOS E PROSA 12-Quemdiria?ou,Recado-de-amorparaofilho-PorEscobarFranelas 13 - Dissolver ao vento - Por Jorge Xerxes 26 - Como é que é a sua letra mesmo? - Por Marcelo Pirajá Sguassábia 27 - Um homem sem vida. - Por Ronie Von Rosa Martins
ENTRE TESES E ANTÍTESES 14 - Resistir pela água: por uma literatura viva - Por Germano Xavier
ENTRE FILOSOFIA 16 - Eduardo Marinho - O Pensador das Ruas - Por Elizabeth de Souza
POESIAS X POETAS 17 - E Assim Foi... Por Alexsander Prates 18 - [gORj] / Histórias de Natal - Por Luisa Fresta / (George Furlan) / Amor que nunca morre - Por Joana D’Arc 19 - Manifesto Terras sem males - Por Joka Faria / Homens do mar - Por Domingos dos Santos / Manhã de dois olhos Por Jorge Xerxes / Na segunda feira! - Por Elizabeth de Souza 20 - O sol que invade o teu quarto - Por Jorge Xerxes / Crônica caiçara - Por Domingos dos Santos / Máquina de fazer poesias - Por Domingos dos Santos / A morte do Poeta - Por Dalto Fidencio
ENTRE OVNIS 21 - Viagem no Tempo - Por Renato Mota
ENTRE CULTURA 22 - COMIC CON EXPERIENCE 2016 - Por Dalto Fidencio
Expediente
ENTRE AUTORES
Ano 3 - Edição 8 - Verão de 2017 Jornalista responsável: Elizabeth de Souza MTB 0079356/SP Diagramação: Filipe Oliveira Capa: Baco - Michelangelo Merisi da Caravaggio (1571-1610)
30 - Caminhada nos Campos de São José - dos Campos - Por Joka Faria
28 - Fernando Selmer - Talhando Poesia nos tecidos - Por Elizabeth de Souza e Dalto Fidencio
ENTRE TRILHAS E VIAGENS CANTO DA CULTURA 31 - Manifesto Idaísta - Por Elizabeth de Souza
ENTRE ARTE E EDUCAÇÃO
A DESEDUCAÇÃO DA ESCOLA BRASILEIRA Por Joka Faria
Educação que não liberta o ser humano é só uma forma de criação de mão de obra barata com conhecimentos técnicos e sem reflexão.
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erá que ainda estamos mortos ? Qual é a estética, arte e politica deste século vinte e um - Somos passado com ações inspiradas no século dezenove e vinte?
Afinal quem somos? Repetições de vanguardas, meras vanguardas!
Somos como as salas de aula, com tecnologia e ações ultrapassadas. A escola, mera forma de educar para a manutenção do sistema. Ainda sinto-me frustrado enquanto professor. A educação é só mais uma forma de adestramento às regras de mercado e sociais. Não liberta o homem. A absurda proibição de celulares em sala de aula demonstra isto. Um instrumento barato de alta tecnologia é simplesmente banido das salas. Seu uso é marginal, quando poderia ser assimilado na geração de conteúdos. O professor, aquele que só expõe não é professor. Escolas devem ter mudanças e não vemos isso no dia a dia, na realidade. Tem professores que só fazem crítica nos bastidores, sobre a Psicogênese da Língua escrita de Emília Ferreiro e Ana Teberosky. Eu ainda estou lendo e não tenho embasamento para uma critica. A arte nas escolas e no dia a dia pode mudar tudo. Nem as velhas vanguardas são assimiladas na educação. Imaginem os talentosos poetas facebookianos e sua poesia em sala? Poderíamos nos aprofundar, pesquisando e se aprofundando no funk carioca para entendê-lo e assim mostrar outras opções a essa nova geração. A indisciplina em salas de aula é fruto do desinteresse na apresentação do conteúdo. Geralmente professores penalizam alunos fazendo-os copiar textos da lousa. Inovar quando as coordenações de escolas só pensam em burocracia e numa pedagogia do grito, que mantêm a opressão e gera evasão escolar.
Escola deve ser lugar de prazer e não uma ditadura de modelos.
A arte pode mudar tudo isto, assim como envolver a comunidade com a escola. Escolas não deveriam permanecer fechadas em fins de semana e feriado. Escolas deveriam criar grupos de música, teatro, cinema e dança. Debater geração de renda. Chegar ao fundo dos problemas sociais que giram ao seu redor. A mera estrutura
burocrática de currículos que já não dizem muito, assim como a progressão continuada, que permite analfabetos chegando ao nono ano. É preciso rever quase tudo na educação brasileira e nada acontece. E professores se calam. Sindicatos da categoria nada dizem. E tudo sempre mantêm este perpétuo sistema de exclusão social. Não devemos debater escolas sem partidos e sim todas as correntes de pensamento da sociedade. Aula de religião que mostre e pesquise as indígenas, africanas, europeias e todas as correntes religiosas do mundo? Por que não debater as possibilidades e as teorias econômicas da história no intuito de buscar as novas correntes de pensamento? Para que só permanecer dentro da escola, se no bairro onde se localiza percebe-se as condições econômicas da população? Conhecer e desvendar o meio ambiente. Mas não querem, preferem manter trinta e cinco crianças e adolescentes dentro de salas insalubres. Ai a indisciplina e a contestação é natural, gerando a violência dentro do “presidio” opa, escola !
Não devemos desistir e sim debater a educação no Brasil dentro e fora das escolas.
Uma escola que não prepara pessoas para atividades domésticas e pequenas manutenções, tais como aprender a trocar um chuveiro; Preparar um alimento e outras coisas básicas e necessárias. A sala de aula está ultrapassada! Tenho uma simpatia pela arquitetura das escolas infantis, com espaços abertos, varandas. O lúdico da educação infantil deveria se manter até a universidade. O lúdico é uma característica humana, que a escola fundamental e media abafa. Temos saída e deve-se ousar e pensar de maneira própria.
A vida pode ser leve, livre e bela só depende de nós.
E nisto, as ousadas vanguardas artísticas já demonstraram no passado e devem permanecer até os dias de hoje. Mais arte nas escolas. É hora de renascermos! Celebremos o renascimento da poesia e do humanismo. Assim profetizou Allen Ginsberg.
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ENTRE TELAS DE PINTURA
CARAVAGGIO: PINTURA EM CARNE E SANGUE Por Alex Sandro Carrari
Judith decapitando Holofernes - Caravaggio
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e eu fosse classificar a pintura de Michelangelo Merisi da Caravaggio seria “pintura que tem corpo” ou “pintura de contato”. Caravaggio produziu a pintura fisicamente mais intensa da cristandade, segundo o crítico inglês Simon Schama, autor do livro O Poder da Arte. Com ele estou de pleno acordo. Além da intensidade de sua pintura, outro fato para se saber sobre este pintor é que ele matou uma pessoa. Sua postura pedante e turbulenta não poupava muita gente, inclusive artistas de seu tempo, de investidas, zombarias públicas e em várias ocasiões, violentas agressões, o que lhe valeu incontáveis estadias em calabouços e cadeias, bem dizer sua segunda casa. Um dos poucos que respeitava como pintor, talvez o único, fosse seu contemporâneo e também genial, Aniballe Carraci, e um pouco de respeito mantinha também por seu velho mestre Giuseppe Cesari conhecido como “Cavalier d’Arpino”. Entre 1592, quando chegou a Roma com apenas 21 anos e 1606, ano em que apressadamente foge da justiça, o cara transformou de forma definitiva a arte cristã como nenhum outro desde seu homônimo até então imbatível, Michelangelo Buonarroti. São desse período Jovem Mordido por um Lagarto (1595), Baco Doente (1593-4), Os Trapaceiros (1596), Os Músicos (1595-6), Cabeça de Medusa (1598-9), Santa Catarina de Alexandria (1598), A Vocação de São Mateus (1598-1601), O Martírio de São Mateus (1599-1600), A Crucificação de São Pedro (1600), A Conversão de
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Paulo (1601), Amor Vincit Omnia (1598-9), O Incrédulo Tomé (1602-3), Madona de Loreto (1604-5), A Morte da Virgem (1605-6). Enquanto que os pós-renascentistas ao encontrar alguma dificuldade em ralação a ocupação dos espaços do quadro recorriam à ilusão da perspectiva – que é a grande façanha da pintura renascentista –, ele jogava seus personagens para o primeiro plano, causando uma reação física no observador. A intensa luz lançada sobre as figuras revela a escuridão sufocante ao redor. Luz que revela escuridão. Uma escuridão que rompe com a cena, extrapola a moldura, causando uma sensação de proximidade tão íntima que a composição parece invadir o ambiente de quem a observa. Era isso mesmo que este gênio criminoso pretendia. Invadir nosso espaço. Fazer-nos sentir o cheiro do sangue do Batista que escorre eternamente para os frisos do chão do calabouço romano. Era isso que ele pretendia, que nos sentíssemos tão partícipes da ceia em Emaús que nos esquivássemos do movimento do braço estendido do Cristo dando graças pelo alimento. Caravaggio queria que a sensação do dedo ternamente conduzido pelo Cristo a penetrar a carne aberta de seu lado não fosse unicamente o do pasmado Tomé bíblico, mas do incrédulo que insiste em nos moer a sensibilidade, o incrédulo que em nós habita. De sua estada em Nápoles saíram retábulos carregados de uma atmosfera sombria, porém penetrada de misericórdia e benevolência, A flagelação de Cristo
Madona de Loreto - Caravaggio
(1606-7) e As Sete Obras de Misericórdia (1606-7) são exemplos de sua fonte sempre renovada de genialidade e dramaticidade. Durante um ano em que viveu na Sicília pintou retábulos em que transparece uma inquietação latente e a busca de paz e perdão que pareciam mais distantes à medida que comparava com a proporção sempre crescente de seus pecados. Em Siracusa e Messina pintou O enterro de Santa Lúcia (1608), A adoração dos pastores (1608-9) e A ressurreição de Lázaro (1609), pinturas marcadas por algo incomum em suas obras, a condução da cena para o segundo plano, como se o pintor quisesse levar o observador para o fundo, ao coração de seu drama pessoal. A pergunta que um devoto não deixa calar é: Como um criminoso, vadio, beberrão, briguento, que andava em companhia de cortesãs e gente de má índole podia produzir obras com tanta emoção religiosa, vivacidade e realismo piedoso? Talvez uma resposta que pode não deixar de ser romântica, mas que faz todo sentido, é que sua arte era uma espécie de confissão e ao mesmo tempo a expressão mais dramática de seu anseio por redenção. Se autorretratando em várias de suas obras seja como Baco, músico, cabeça de Medusa, como um pecador fugitivo e covarde ao fundo da cena do Martírio de São Mateus, ou como o mais aterrador de todos, a cabeça de Golias sustentada pelos cabelos por um Davi sem atrativos, expunha-se em cena, delatando seus pecados ao passo que procurava absolvição. O próprio Schama aponta para a cabeça do ogro filisteu
Medusa - Caravaggio
Mary Magdalene in Ecstasy - Caravaggio
como sendo o autorretrato do mestre pintor, uma espécie – sem os baixos clichês – de arte que reflete a vida e vice-versa. Nesse sentido, Caravaggio é um pintor intimista e porque não, o mais virtuoso precedente do romantismo. Um trecho do livro de Schama define o que minha capacidade não alcança: “Por que o pittore celebre se conduzia de modo tão estapafúrdio? E poderia agir de outra maneira? Caravaggio era um todo. A agressividade animal; a desafiadora invasão do espaço corporal; o gosto pelo escândalo sexual e social; a adoção do socialmente nocivo; a descarada autodramatização que o fazia sair da escuridão, num raio de luz violenta, a cair em cima do observador; a arrogante convicção de invulnerabilidade que curiosamente acompanhava a compulsão para se enrascar
– tudo isso era o que fazia de Caravaggio o pintor mais necessário e, ao mesmo tempo, mais explosivo, mais incontrolável que Roma e a igreja já haviam tido”. Cortejado por papas, clérigos e cardeais, recebia certa proteção graças à vista grossa que faziam sobre seus crimes e balburdias por ser o mais cobiçado pintor religioso de Roma. O ano de 1600 é proclamado pelo papa Clemente VIII o Ano Santo, ano de efervescência religiosa, peregri-
Il Baro - Caravaggio
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Tocador de Alaúde - Caravaggio
nações e distribuição de graça em forma de absolvição a pecadores, que como ele, em ocasião normal não alcançaria salvação. Embora estivesse bem instalado no Palazzo Madama sob os cuidados de Francesco Maria Del Monte, cardeal bem relacionado com os Médici, Caravaggio conhecia bem os meandros de Roma com seus 100 mil pobres miseráveis com barrigas vazias, afligidos pela peste, oprimidos pelo peso dos impostos que financiavam as “santas” guerras do papa. Sua familiaridade com pobres, mendigos, prostitutas, ébrios, não se resumia a suas perambulações madrugada à dentro pelos guetos saturados de perversão da Roma seiscentista. Eles eram seus modelos. Referências imbuídas de uma santidade supranatural, incontaminada, como a Sônia de Dostoievski em Crime e Castigo;
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Baco - Caravaggio
Martha and Mary Magdalene - Caravaggio
uma prostituta de interior imaculado. Tal hábito causou por vezes a indignação dos mandantes da santa igreja, pois, como retratar um personagem santo como São Pedro, a Virgem, a Madona de Loreto, Santa Catarina de Alexandria, usando como modelo vagabundos, mendigos e meretrizes? A cortesã Fillide uma de suas companhias prediletas serviu de modelo para Santa Catarina, a Madona de Loreto tem os traços voluptuosos de sua modelo a amante Lena Antognetti, São Pedro se parece com “um qualquer” vagabundo marginal de beira de taberna. Neste aspecto Caravaggio faz eco com Arélio, um dos mestres da pintura antiga, que segundo Plínio, o Velho (23-79 A.D) pintava deusas com traços de suas amantes como forma de sempre adular alguém por quem estava apaixonado, não raro alguma prostituta. Não sei se por proposital afronta o que este gênio fez foi representar os venerados santos identificados da forma mais radical que ele conhecia, com as características dos párias sociais com os quais convivia. Isso era uma acusação em sua linguagem mais poderosa contra aqueles que proclamavam que no Ano Santo devia-se lavar os pés, tratar das feridas e compartilhar os infortúnios dos pobres, sem, contudo se dispor a fazê-lo, mantendo-se apartados e limpos em seus claustros de estampa piedosa. O que Caravaggio faz? Traz os excluídos destinados à danação do inferno social encenando histórias sagradas e os deposita no aconchego dos papas e cardeais e os obriga a ver e conviver com miseráveis, vagabundos e meretrizes, o tipo de gente que o Cristo convidava para rodeá-lo. Em Caravaggio pulsa uma espécie de religião que emerge das sombras sob a luz inebriante de sua paleta com a força extraída da fraqueza de seus modelos – porque deles é o reino dos céus – e concebe uma pintura que tem presença física, tem carne, tem sangue. Ele saiu pelas esquinas, guetos, tabernas, convidando quem não se considerava digno de adentrar às bodas do Cordeiro, dedicou-lhes o papel principal na peça eternamente encenada do evangelho e deu-lhes lugar à mesa sob licença da nobre arte.
ENTRE LIVROS E AUTORES
BI...CHARADA 2 Por Elizabeth Souza
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i...Charada 2 é o mais recente livro da escritora e poeta Teresa Cristina Bendini. É um livro infantil com ilustrações de Natália Gregorini. E a diagramação por conta de Thales Lira. Uma leitura leve e agradável de poemas curtos e bonitos sobre os bichos. A ilustração ficou maravilhosa, dando um ar de graça e beleza ao livro. Texto e imagem em perfeita harmonia, mostrando as matas e os animais. O conjunto da obra desperta-nos a vontade de ler mais uma vez o livro, para apreciar as rimas bem feitas e as cores leves, em tons de verde e azul das ilustrações. Os poemas escritos por Teresa Bendini são muito especiais, com uma rima gostosa de ouvir. Os poemas são superdivertidos, agrada muito crianças e adultos. Todo adulto ainda tem a sua criança escondida nos recôncavos do ser, então, quando um adulto lê um livro para crianças e gosta, com certeza qualquer criança vai gostar. Os animais retratados no livro são todos da fauna brasileira, pertencentes a Serra do Mar e Serra da Mantiqueira, as duas bem pertinho do Vale do Paraiba. Teresa Cristina Bendini nasceu em Taubaté e já escreveu vários livros infantis: “Marcel, o peixinho voador”; “Huguinho no chuveiro”; “O Colinho que era nosso”; “Bi...Charada”; “A Palavra Mágica”; “Poeminha, o menino que entendia de imensos”; E agora “Bi...Charada 2” Para adquirir seus livros é só entrar em contato com a autora através do email: cristau2011@gmail.com ou www. facebook.com/teresacristinabendini.
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ENTRE VIRTUOSES
O SENHOR SÃO SILVESTRE! Por Dalto Fidencio
O Entrementes sempre deu importância às corridas de rua, e obviamente, à mais tradicional de todas, a Corrida Internacional de São Silvestre! E em São José dos Campos não tem como falar dessa prova tão icônica sem lembrar de um corredor em particular... Antônio Fernando Dutra dos Santos, ou simplesmente o Dutra, que participa ininterruptamente da São Silvestre desde 1976... sim é isso mesmo, este ano ele participará de sua 40ª São Silvestre! Dutra gentilmente nos recebeu em sua casa para um bate-papo sobre sua trajetória como atleta. Logo de cara ele nos mostrou a medalha da septuagésima corrida de São Silvestre, de 1984, simples em sua concepção mas de um peso significativo enorme. Ele não possui medalhas dos anos 70 pois simplesmente não davam medalhas a todos que terminavam a prova e sim apenas aos vencedores. Sem falar que não se pagava nada pela inscrição, diferentemente dos salgados 160 reais desse ano... idos tempos! Ele também nos mostra recortes de jornal com algumas de suas colocações nas provas antigas... pura
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nostalgia esportiva! E é surpreendente saber que antigamente a São Silvestre contava com apenas 4 mil corredores... número que qualquer corrida média de rua atinge hoje em dia! Os números atuais da prova são de mais de 30 mil inscritos, fora os que vão sem o número do peito. Com algumas medalhas da São Silvestre de sua vasta coleção colocadas sobre a mesa, Dutra começa a nos falar de como começou a correr:
“eu jogava futebol amador na cidade, aí alguns amigos me convidaram para ir na São Silvestre... eu mal sabia o que era a São Silvestre mas topei, vamos lá!”. Era 1976, e Dutra e seus amigos sequer treinaram para a prova, e essa foi a primeira corrida que ele fez na vida! Exatamente, a primeira corrida da vida de Dutra já foi a Corrida Internacional de São Silvestre! Hoje em dia todo corredor de rua participa de algumas provas menores em sua cidade antes de ir para a Meca
das corridas... mas ele não, o “Senhor São Silvestre” debutou enfrentando e vencendo os 12 Km desta prova já tão tradicional (só muitos anos depois ela passou para os atuais 15 Km)! “Fui um dos últimos a chegar, mas cheguei. E falei para mim mesmo que agora eu tinha que passar a treinar”. Eram tempos de percurso invertido, e tínhamos a subida da Consolação, ao invés da atual subida da Brigadeiro: “Essa subida era ainda pior que a da Brigadeiro, mas pelo menos no meio dela tinha um caminhão dos Bombeiros, que dava um banho nos corredores”. A largada era às 23h05, e os atletas literalmente viravam o ano correndo. E de 76 em diante, Dutra simplesmente nunca mais deixou de participar da São Silvestre, tendo sido picado pelo vírus da corrida.
“E era uma aventura participar, pois não tinha como voltar pra casa depois da prova. Tínhamos que dormir na porta do metrô, que só abria às5h da manhã, para só depois poder voltar pra São José”. A primeira SS que ele correu não tinha nem 2 mil corredores, e 90% deles eram atletas mesmo, apenas um décimo ia por “diversão”, bem diferente do que acontece hoje em dia. Mas já tínhamos os fantasiados, que parecem sempre ter existido nessa corrida. “Éramos aventureiros. Íamos de ônibus e metrô e dor-
míamos lá. Eu, o falecido Senhor Agostinho (outro ícone da São Silvestre na cidade), entre outros. Correr a SS era coisa de maluco. Dos que começaram a correr comigo não tem mais ninguém. Todos pararam mas eu continuei. Não entrou na veia deles como entrou na minha.”. Dutra também é muito ligado ao futebol amador da cidade, onde é árbitro há 40 anos. Mas voltando às corridas, ele cita como uma de suas mais marcantes a Minimaratona da Independência (1991), que era a mais importante corrida de 21 Km na época. No exterior correu na Argentina e no Chile, e outra prova marcante foi em Itapira, uma corrida que já não existe mais, pois o percurso era quase desumano, com incontáveis morros no percurso (anos 90). Ele já correu em 22 estados brasileiros e esteve em duas ultramaratonas! Foi a de Uberaba, que vai até Uberlândia, completando 100 Km. Foram cerca de 10h correndo! “Correr uma ultramaratona não é testar o corpo, é testar a cabeça. O preparo psicológico tem que ser ainda maior que o físico, senão você desiste.”, ele nos diz, sabiamente. Perguntado se de todas as SS que já participou, se ele considera alguma mais especial ou marcante, ele cita obviamente a primeira, em 1976, mas se lembra da prova de 2014, onde o ônibus que levaria os atletas da cidade simplesmente não apareceu. Dutra foi obrigado a ir de ônibus até Mogi das Cruzes, e de lá foi de
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trem até São Paulo. Chegou na Luz às 8h40, faltando míseros 20 minutos para a largada. Só conseguiu chegar na Avenida Paulista às 9h30, meia hora depois da largada! Deixou a bolsa com uma pessoa e conseguiu largar apenas às 9h40. Mesmo assim conseguiu alcançar os últimos colocados lá pelo Km 5, e depois disso ainda foi ultrapassar muita gente até o final! De 1983 a 1993 Dutra trabalhava na Avibrás e recebia muito apoio para correr. Mesmo depois de sair da empresa ainda continuou a receber apoio. Nessa época ele fazia os 12 Km em apenas 40 minutos e chegou inclusive a largar por duas vezes no pelotão da Elite A da São Silvestre, via ótima colocação conseguida na tradicional Corrida Gonzaguinha, que é classificatória para a SS. Quem corre a São Silvestre, como este poeta-atleta que vos escreve, sabe que uma das melhores partes é a energia que as pessoas que ficam nas calçadas passam aos corredores, mas Dutra nos diz que quando a prova ocorria à noite, a energia era ainda mais marcante, era algo indescritível, por ser a virada do ano. Mas é importante dizer que esse atual horário da prova, largando ás 9h da manhã, agrada ao veterano corredor. Ele considera um bom horário, bem melhor que quando a largada acontecia á tarde. Nada, mas absolutamente nada faz com que o Senhor São Silvestre deixe de estar na Paulista do dia 31 de
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dezembro a cada ano. Um empresário uma vez o chamou para correr na Colômbia, pagando 2 mil dólares, onde ele divulgaria a firma dele. Mas a data era no último dia do ano... então Dutra prontamente recusou.
“Meu segundo casamento é a São Silvestre.”. A mais importante prova do pedestrianismo nacional está nas veias de Dutra! Quando treinava para correr maratonas, ele fazia 15 Km de manhã, 10Km no meio do dia e mais 5 Km no final da tarde, e isso 2 vezes por semana! Grande atleta, Dutra praticou também Judô, onde chegou a competir nos Jogos das Indústrias, Capoeira, com o grande Mestre Lobão, lenda viva dessa luta brasileira na cidade, Kung Fu e Caratê. Aliás, uma curiosidade é que na época da Capoeira, Dutra acabou sendo convidado a participar junto com Lobão do Filme “Jeca e seu Filho Preto”, do grande Mazzaropi! Mas infelizmente uma lesão o impossibilitou de participar do filme. Em sua sala ele nos mostra uma grande quantidade de troféus que já conquistou nas mais diversas corridas. Nascido em São Bento no ano de 1950, ele veio para São José dos Campos em 1964 e começou a correr, como já sabemos, em 1976, em plena São Silvestre. Sua segunda prova foi ainda mais desafiadora, pois foi
a Maratona de Santos! E isso sem treinar adequadamente para uma prova tão desgastante:
“Quase morri nessa corrida, cheguei em último, 1 hora depois do penúltimo colocado. Só tinha eu e os batedores. Cheguei com 7h30 e fui direto pro atendimento médico.”, nos diz, com um sorriso no rosto. Tempos depois, já muito bem treinado, fez seu recorde em maratonas, que é de 2h38, um tempo espetacular. Outras corridas marcantes na trajetória de Dutra são a de 24h na pista do Ibirapuera (isso mesmo, um dia completo correndo!) e a Ayrton Senna Running Day, maratona de revezamento disputada no Autódromo de Interlagos, onde ele conquistou o pódio por equipes. Outra que marcou na memória foi uma maratona em que ele liderava em sua faixa etária mas teve câimbras terríveis no último quilômetro, o que o fez ser ultrapassado e cair para o 5º lugar, última colocação que ainda dava prêmio aos atletas. Os corredores que apareceram para ultrapassá-lo, sabendo da situação, se recusaram a fazê-lo, e acompanharam Dutra até a linha de chegada, deixando que ele fosse o 5º colocado. Corrida de rua pode ser um esporte solitário, mas é também solidário! Daqui 8 anos ocorrerá a São Silvestre de número 100...
Dutra estará então com 74 anos... alguma dúvida que ele estará lá, deixando muita gente para trás? Nenhuma! Só espero poder estar junto, para cobrir este feito histórico. Este foi nosso papo com o Senhor São Silvestre... a conversa poderia surrealmente ter sido feita durante um treino ou uma corrida, pois este exemplo de atleta de São José dos Campos sempre está pelas ruas, trocando suor por satisfação, escrevendo uma nova história a cada incansável passo dado. O Entrementes no dia 31 de dezembro acompanhou o Dutra até São Paulo, testemunhando sua 40ª Corrida de São Silvestre. Saímos de São José dos Campos as 5h40 da manhã, para chegarmos dentro do horário, na Paulista. O Sol estava bem quente e na largada, 27 graus. Mas o Dutra gosta de sol e calor, afirma que isso até o ajuda. Ele não fez o tempo habitual, porque socorreu um dos corredores que teve um ataque epilético. E como Dutra é socorrista, parou para ajudar, mas depois continuou seguindo a corrida. O percurso esse ano foi diferente e na opinião dele tem muitas curvas. E agora ele espera pela sua 41ª São Silvestre... Conectando ideias, conectando corridas de rua!
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ENTRE VERSOS E PROSA
QUEM DIRIA? OU, RECADO-DE-AMOR PARA O FILHO Por Escobar Franelas
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uem diria? Há menos de duas décadas, em noites ainda muito vivas no arquivo da memória, às vezes quentes e abafadas, às vezes frias demais, às vezes nem tanto, ficávamos ali, você atento me olhando compenetrado e eu lendo O Pequeno Príncipe pra você dormir. E quantas vezes – talvez a maioria delas! – eu acabava cochilando antes! Ia se aninhando, escorregando para baixo do edredon e, num átimo, estava em outro país, em outro universo, uma outra vida. Acordava geralmente bem depois, sob o som do seu ressonar suave. Nessas horas, abandonava você no asteróide B612, no Sítio do Picapau Amarelo ou no meio de alguma aventura com Pedro Bandeira, Stella Carr, Lucília Junqueira de Almeida ou Julio Verne e voltava para minha nave, o meu quarto. Depois o trem do tempo parou numa nova estação e aí veio você me pedindo sugestões do que ler. Lembro algumas indicações, nem sempre convenientes ao seus interesses, creio, mas que respondiam à minha ânsia de querer envolver com muita coisa que “fez minha cabeça” quando tinha essa mesma idade bonita que você tem agora. E tome-lhe Camus, Pirsig, Arthur
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Conan Doyle, Daniel Lopes, Agatha, Bukowski (que você, como eu, sentiu arder na boca do estômago)! E agora, vinte anos depois daqueles nãnãnãs pra embalar seu sono, agora – tão pouco, tão longo tempo – o trem estacionado num novo terminal, você vem e “pai, você precisa ler este livro! É muito foda.” Recebi o livro, com a nota de compra numa livraria cara perdida entre as páginas, eu pensando cá com botões e zíperes, “pô, ele podia ter me falado, teria encontrado pra ele em algum sebo dos que visito”. Tolo, eu! Deixa o moleque ser feliz do jeito dele, deixe ele abrir suas janelas com as próprias mãos! Abri e me concentrei na leitura. Viajei com ele por uma adolescência em formação. Enfrentei o deserto gelado do Alasca para encontrar a redenção, através da mão segura de meu filho. Me rendi a ele. Terminei a leitura. E você tem razão, filho, Na Natureza Selvagem, do Jon Krakauer é muito foda mesmo! Ainda que contrariemos o enredo da aventura. Aqui, meu filho, não nos perdemos, não nos afastamos: nos encontramos. A propósito, qual a próxima indicação? Abraçaço. Seu pai.
(foto de real de Christopher McCandless - Alexander Supertramp - Into the Wild)
ENTRE VERSOS E PROSA
DISSOLVER AO VENTO Por Jorge Xerxes
– É aqui? – É aqui, Zigfiii, se achegue Zigfiii, entre aqui no quartinho dos fundos. Atravessa um corredor estreito, cheio de lodo, entre a parede da casa e o muro. Caminha úmido, um cheiro de natureza a invadir os seus sentidos. No fundo da casa simples, observa a mangueira, a jabuticabeira, um pouco de mato, um pouco de grama, umas pedras paralelepipedicas fazendo as vezes de calçamento, um gato preto e só. Uma edícula simples, mas muito limpa, as paredes brancas que só. Uns tapetes vermelhos levam até uma escrivaninha velha daquelas de ferro, severas, resistente aos anos, às gerações de gentes perdidas dos seus caminhos, que ela tenta consertar, sustentar um santo qualquer de gesso, umas três velas acesas. Nas cores branca, amarela e vermelha. Ah, descaminhos, isso sim! – Zigfiii pode se acomodar aí no banquinho. Enquanto isso vou fumar do palheiro, que é de modo a chamar o Pai. – Mas não quer que eu te diga nada, quem eu sou, o meu problema, o que me traz aqui? – Zigfiii veio aqui, não fui eu aí no seu terreiro, Zi-
gfiii se acalme, que é de modo a chamar o Pai, viste? Percebe então um pequeno globo de luz, do tamanho de um limão, uma superfície anuvarada, fechada em si, de bola, e tênue de luz, que parece ser reflexo de um centro de luz, um brilho muito branco e claro do globo névoa flutuante, atravessa o pequeno quarto, lentamente, calmamente, enquanto o palheiro se esvaindo em combustão com o ar, num fenômeno estranho à natureza, razão de existir daquela luz, um movimento suave, quase um olho de luz, uma presença, que não era nada disso senão fumaça. – Zigfiii, Zigfiii, mas por que isso, Zigfiii? Olha os olhos arregaçados e deformados do Pai, que não eram dali, já não deviam nada a este mundo. O observador dentro do globo névoa flutuante de onde compartilha daquela sensação. O amor que os une, um momento de profunda intimidade do casal, o tato, a penetração, a saliva trocada pelos lábios em chamas, o calor vasto da vida. Funde num centro de luz e brilha de uma fumaça em volta, numa superfície anuvarada, fechada em si, de uma bola. Para flutuar, flanar pelo ar incensado, sair pela janela, dissolver ao vento e ao sol. – Zigfiii não precisa de nada.
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ENTRE TESES E ANTÍSES
RESISTIR PELA ÁGUA: POR UMA LITERATURA VIVA Por Germano Xavier
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homem é um ser literário, acreditem ou não. A literatura, por sua vez, é como a água do tempo, da vida. A água que alimenta a alma humana, e também o corpo humano, que nos preenche de cor, dor, força, medo e esperança. A água, no interior da literatura, pode ser também o território, o habitat, o próprio espaço dos fenômenos que nos constroem. “A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante” (CANDIDO, 2011, p.182). A literatura, pois, pode representar o caos. O caos pode significar tudo. E a água, como parte integrante do todo do imaginário literário, é este deserto das coisas e também o oásis dos movimentos. A literatura, enfim, pode esboçar a paz. A literatura é o próprio mundo. A literatura é, enfim, o homem. O verso. O inverso. O reverso. De tudo. De todos. A literatura é, antes de tudo, linguagem munida de significado, como requer Pound (2006). E tudo elevado à décima potência. Sem a presença da linguagem, nada pode funcionar com plenitude, o ser humano total não é construído muito menos reconstruído, o mundo não alcança seus refinamentos racionais de existência. Sem linguagem e sem literatura, a renovação da vida não é garantida. A água, por sua vez, é também uma linguagem. Linguagem dos que ribeiram os rios da vida e da morte, colo dos amargores e fonte das saciedades mais intensas. Literatura é, também, imagem, repertório de imagens. No livro de Luís Alberto Brandão, intitulado Chuva de Letras, e que é, juntamente com o livro Cartas do São Francisco, de Nilma Gonçalves Lacerda, matéria central do presente texto, a imagem é explorada com demasiada intensidade, tanto é que a chuva de letras na tela da televisão, que acompanha todo o desenrolar da trama e que marcam as ações e os pensamentos do protagonista, provoca fortemente o imaginário do personagem, criando inúmeras possibilidades de ideias e suposições plausíveis, fato que evidencia o poder que a imagem televisiva exerce na capacidade criadora das crianças e dos adolescentes. Há momentos, no livro Chuva de Letras, em que o receio de interagir com algum fantasma preocupa o personagem, de modo que tais imagens interferem no seu cotidiano, e ele passa a refletir sobre o que vê, tenta interpretar e procura compreender o significado de tudo que é retratado na chuva de letras reverberada na imagem televisiva propriamente dita. É possível perceber
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que, após essa preocupação inicial, ele se encanta com o que as imagens provocam no seu imaginário e passa a viver melhor, mais feliz, isso porque, como afirma Fittipaldi (2004, p. 103), “toda imagem tem alguma história para contar. Essa é a natureza narrativa da imagem. Suas figurações e até mesmo formas abstratas abrem espaço para o pensamento elaborar, fabular e fantasiar”. O mero fato de o protagonista se abrir ao novo o faz se sentir melhor. Sendo assim, percebe-se que tudo que o personagem contempla gera um oceano de significados, possibilitando novas maneiras de explorar a realidade e capacidade para perceber o mundo ao seu redor, a partir da fantasia e do imaginário da chuva (água) a percepção se amplia e se consolidada a construção de novos saberes. Em retorno ao inventário temático que abriu este texto, Candido (2011, p.176) retoma o conceito de literatura e o traduz relacionando-o a “todas as criações de toque poético, ficcional ou dramático em todos os níveis de uma sociedade, em todos os tipos de cultura”. Em consonância com este refletir, há suspeitas naturais de que um mundo sem produção de significados em cadeia seria um cabal desastre, do mesmo modo que um homem que vive sem ter o devido contato com a literatura, ou com os textos de natureza literária, tornar-se-ia um impostor corpo disforme, pálido em termos de representatividade e de expressividade. Não há homem sem água. Não há humanidade sem literatura. A água que é derramada em dias de chuva é o alento para o sertanejo, o fator de judiação para o favelado da grande cidade. A água esmaga o coração sofredor, assim como retira o amargo das secas. O povo é a água da literatura. A maior história de todos os mundos e tempos. “Não há povo e não há homem que possa viver sem ela, isto é, sem a possibilidade de entrar em contacto com alguma espécie de fabulação” (CANDIDO, 2011, p.176). A literatura, pois, assim como a água, “é fator indispensável de humanização e, sendo assim, confirma o homem na sua humanidade, inclusive porque atua em grande parte no subconsciente e no inconsciente” (CANDIDO, 2011, p.177). A humanização pelo fator literatura, para Candido (2011), deve ser entendida como todo processo que incute no ser humano rotas de reflexão, aquisição de saber, desenvolvimento do senso de alteridade, refinamento dos sentimentos e habilidade para enfrentamento das problemáticas do viver. Mas, por que a literatura seria tão importante para o homem? Qual o seu segredo? A
literatura seria mesmo uma espécie de água, de líquido vital para a existência? No livro Cartas do São Francisco, escrito por Nilma Gonçalves Lacerda, a água figura no livro como o mote-mor da trama. A autora, fazendo um paralelo com a famosa obra do poeta alemão Rainer Maria Rilke, Cartas a um jovem poeta, faz arvorar algumas unidades de cartas expressas direcionadas a um aspirante a escritor de histórias infantis e juvenis. Com sede por transmitir saberes, a autora faz um pequeno, porém apurado, apanhado do fazer literário relacionado à literatura infantil e juvenil, elencando informações tanto precisas quanto preciosas sobre tal atividade. A literatura tem desses movimentos particulares. A água já foi território para várias importantes obras universais, desde as epopeias homéricas até Moby Dick, de Herman Melville, passando por Joseph Conrad, João Guimarães Rosa e tantos outros. Em Cartas do São Francisco, o Velho Chico é a matéria que gera a fluidez do conhecimento compartilhado, tal qual um espelho d’água que reproduz as faces de todo um organismo vivo, neste caso a literatura dita infantil e juvenil. Ao mesmo tempo em que a desloca do comum convívio frente a outras disciplinas relacionadas ao saber humano, como já citado anteriormente, Barthes (2001) faz da literatura, aqui em todas as suas acepções, uma caixa de guardados, um baú capaz de zelar atemporalmente por incomensuráveis saberes. Este, para ele, é justamente o aspecto que faz da literatura um fenômeno exclusivo quando comparado às demais áreas do saber. Para o referido autor, a literatura é a própria realidade, bastião da vida em si, o que a impulsiona a estar continuamente em vantagem perante as outras formas de conhecimento. “Cada sociedade cria as suas manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com os seus impulsos, as suas crenças, os seus sentimentos, as suas normas, a fim de fortalecer em cada um a presença e atuação deles” (CANDIDO, 2011, p. 177). Para a literatura, um dos principais ingredientes a ser colocado em análise quando entrada, ela, em julgamentos por sua real e definida relevância é, de longe, o potencial conjunto de ferramentas de que possui para que o irreal seja desbastado, volatilizado e até expulso do que é caracterizado como sendo propriamente humano. A literatura, portanto, ao ser o real ou parte do real, ou até mesmo a força motora e gestora de tudo que é real, termina por ser o local onde tudo se alimenta do todo, em prol do todo e semelhante ao todo. Tendo como ponto de apoio a citação acima, há de se considerar a inestimável importância da literatura para que seja fomentada, no seio das sociedades, uma espécie de cultura letrada sobre a qual a palavra é sempre apresentada nos centros das significações e das virtudes
mundanas. Por ser uma expressão artística milenar, a literatura atravessou várias fases de contemplação reflexivo-existencial e hoje é um território de proporções inestimáveis onde bailam os ventos do fator resistência. E um dos seus efeitos cruciais é a linguagem, com suas mil e uma potencialidades. Língua e literatura, portanto, não sobrevivem separadas. A Literatura, por sua vez, acaba por refletir no conjunto de suas verdades e de sua natureza universal toda a plasticidade de expressão que se vincula à linguagem. Também utilizada como ferramenta de comunicação, a literatura, embora circunscrita num contexto histórico mais recente que o da língua em si, consegue manter suas interconexões comunicativas demasiado objetivas e sem maiores afetações. Como é de se suspeitar, sem grande esforço, uma sociedade sem a presença da arte literária certamente exprimir-se-á com menor correção, nitidez e criticidade. A palavra, escrita ou lida, decerto desfruta de um poder único, largo, fator que não a limita, já que não sendo simples figurante, beira a fomentação do que é real, isto é, a natureza existencial acerca do que é realidade. A literatura não está parada, assim como a água de um córrego não é um corpo-objeto que possui uma forma única. Pelo contrário, ela está constantemente em trânsito, a passear por várias paragens do conhecimento humano e a pegar carona em diversos veículos de mídia num efeito dinâmico que surpreende até os mais céticos estudiosos do ramo. Em uma sociedade acostumada a reprimir seus viventes por conta de inúmeros fatores geradores de desigualdade, e que, em pleno século XXI, ainda teima em conviver com máscaras flutuantes de segregação social, de intimidação e de terror, a literatura passa a se cobrar mais, como a exigir-se de si mesma em direção ao posto ocupado pelo outro, o leitor, baseando-se para isso num complexo argumento de alteridade, fomentadora de identidades e valores impagáveis. REFERÊNCIAS BARTHES, Roland. Aula. São Paulo: Cultrix, s/d. BRANDÃO, Luis Alberto. Chuva de letras. São Paulo: Scipione, 2008. CANDIDO, Antonio. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2011. COSSON, Rildo. Círculos de leitura e letramento literário. São Paulo: Contexto, 2014. Letramento literário: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2014. FRANTZ, Maria Helena Zancan. A literatura nas séries iniciais. Petrópolis: Vozes, 2011. JOUVE, Vincent. A leitura. São Paulo: Editora UNESP, 2002. Por que estudar literatura? São Paulo: Parábola, 2012. LACERDA, Nilma Gonçalves. Cartas do São Francisco. São Paulo: Global, 2003. LAJOLO, Marisa. Do mundo da leitura para a leitura do mundo. 6. ed. São Paulo: Ática, 2002. POUND, Ezra. ABC da Literatura. São Paulo. Cultrix, 2006. WALTY, Ivete Lara Camargos. O que é ficção. São Paulo: Brasiliense, 1986.
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ENTRE FILOSOFIA
EDUARDO MARINHO - O PENSADOR DAS RUAS Por Elizabeth de Souza
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que faz uma pessoa abandonar tudo o que tem e sair pelo mundo? Desapego? Desânimo? Desmistificação? Desesperança? De um jeito ou de outro vem os devaneios e as divagações. Pode-se ter um motivo especial, depende do indivíduo que toma essa atitude. Mas estamos falando de Eduardo Marinho, uma figura ímpar que deixou tudo o que tinha para dedicar-se a reflexão. Um filósofo da rua que se dedica a refletir, tanto sozinho como em grupo, pois estimula pessoas também a pensar, naquilo que nunca havia pensado antes ou então compartilhar os mesmos pensamentos - natural entre os pensadores. Ficar perto de uma pessoa como Eduardo Marinho, desperta o desejo de ficar por ali e trocar ideias por tempo indeterminado. Mas como o próprio Eduardo enfatiza, estamos condicionados pelo sistema, pelas regras, p e l a s mídias, p e l a
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propaganda que não faz outra coisa senão enganar e mentir; por isso estamos fadados a seguir essas regras cegamente. É preciso muito trabalho, muita troca de ideia e muita reflexão para abrir a percepção e avistar nossos próprios pensamentos, sentimentos e ações, enfim a essência da nossa individualidade enquanto humanos. E por mais que esse trabalho possa ser árduo e rotineiro, ainda ficam os resquícios da programação induzida. Por isso, acabamos por ter pressas desnecessárias, correria intermitente, tarefas alienadas e não tem como ficar o dia todo a ouvir um dos maiores filósofos da atualidade. Um filósofo autêntico que ganha às ruas para conviver, relacionar e se humanizar entre outros seres e trocar experiências práticas para dar legalidade às teorias que vão se criando um pouco por dia, ao longo de sua jornada. Esse é Eduardo Marinho. Uma pessoa com sensibilidade, paciência e atenção dirigida, individualizando as pessoas que se juntam ao seu redor. É uma consequência natural esse ajuntamento, pois a conversa é simples e direta, atingindo o âmago das questões relevantes nesse momento do mundo em que vivemos. Um adepto da empatia e não do embate. Um artista cujas obras são utilizadas como ferramenta para tocar as pessoas. Uma produção de desenhos originais à nanquim que depois são serigrafados. Tem um fanzine, o “Pençá” escrito à mão com ilustrações feitas por ele. Além do fanzine, tem livretos, desenhos, imãs, tudo feito à mão, que são expostos nas ruas das cidades por onde ele passa. Ele viaja para várias partes do Brasil, agora com sua Kombi Celestina. Nessas viagens ele observa e investiga tudo que o rodeia. Quem quiser saber dos detalhes dessas investigações, o resumo dos seus trabalhos e sua filosofia prática, pode acessar o Blog Observar e Absorver (www.observareabsorver.com.br). E o Entrementes esteve conversando com Eduardo Marinho na Cidade de São José dos Campos quando ele fez uma exposição do seu trabalho numa Travessa na Vila Ema. Para assistir a entrevista em vídeo acesse youtube.com/Entrementesss
E assim foi... Ho, Ho, Ho... Nada melhor que começar essa “prosa” com o chavão natalino... Mas, chavão à parte, basta um adeus ao ano de 2016. Ao povo brasileiro, que muitos dizem ser um povo feliz, na realidade, com um sorriso sofrido. Aqueles que fizeram da tragédia alheia, manto para complôs e apunhalada pelas costas. Às perdas e ganhos, por vezes, mais perdas do que ganhos. Outras tantas, mais ganhos... mesmo que perdendo. À ditadores que deixaram esse plano “astral”, para disputar presidência no além. Aos líderes, que fazem do dinheiro o ser supremo, sempre enganando. A crença, de que exterminar no atacado e salvar no varejo é motivo de orgulho. A esse Brasil, um país maravilhoso e extremamente mal administrado. Um país de calor aconchegante, de lindas paisagens,
praias exuberantes e lar das mulheres mais lindas do planeta. Este país em que até a chuva te aquece. Salve Brasil, com seu povo latente, tal qual os músculos do trabalhador braçal. Onde a faixa litorânea percorre as curvas da carioca, da paulista, da gaúcha. E de tantas outras que se fazem em curvas. O nosso Brasil, com um corpo saudável, mesmo que infestado de parasitas. À nossa política... Sempre inovadora em prol da população. Mas, tudo bem Nem tudo é perfeito. Agradeço aos leitores, seguidores, adoradores e colaboradores do EntreMentes. Uma grande família virtual. E que venha 2017... Trazendo esperança à um povo em coma. Por Alexsander Prates
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eis o mundo, crianças: há muito mais moscas do que esperanças [gORj]
Histórias de Natal Perguntam-me o meu nome e nem o silêncio se intromete. “Este é o meu nome de baptismo. Para além do nome com que nasci em homenagem a uma certa tia-avó e a um parente que há muito perdi. Depois, há o meu nome de casa aquela onomatopeia impronunciável feita de saliva e inocência, inaceitável nascida de um balbuciar persistente incoerente, que os adultos consagraram desde os tempos mais remotos como a língua universal dos bebés. Mas há ainda o nome dado pelo meu amor que só ele sabe e eu nunca quis aprender. Tenho também um nome de guerra, do maquis, aquele nome que separa o inimigo frontal do falso companheiro o desconhecido do irmão de armas. Para além, bem entendido, da alcunha da escola mas essa não conta, pode riscar, pois ninguém mais se lembra (e eu quero esquecer todos os dias). Sem falar no meu nome do trabalho: lugar onde sou um ser assexuado que responde pelo apelido – nome de família – como dizem os franceses- e muito bem (os franceses sempre dizem muito bem, sobretudo quando falam francês). Confesso ainda ter um pseudónimo, (e sim, alguns heterónimos em carteira). Não os uso. Não por modéstia, nem por vaidade, mas apenas porque ainda não pari as personagens que os irão arrastar até ao fim dos tempos. De resto, que me lembre, só tenho um nome de casada do qual nunca me desfiz para me lembrar sempre que até os melhores fracassam”. Pelas minhas contas são mais que dez- respondo, enfim- precisam de mais alguma coisa? Talvez por ser Natal, tiram-me as algemas e devolvem-me à minha casa ao luar. Luisa Fresta
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como a poesia mais cruel que se extrai do peito oco dum colibri não cantarei a graça de tu siso não cantarei teus cílios teu guizo nem teu sorriso que se dá fácil fácil fácil como o mais tolo prejuízo não cantarei tuas cores teus sonhos ou sabores não cantarei o lume que encandeia os olhares de teus homens não me intrometerei em teus meios não te alisarei os seios tratarei os teus olhos tua ânsias tuas carnes como coisas triviais te sangrarei a alma te sagrarei a calma em pungentes bacanais não cantarei este amor que arde e as vezes dói enfim não farei de ti musa nesta minha poesia George Furlan
Amor que nunca morre Sentei em uma pedra e olhando o mar, lembrei de um amor tão forte, que nem o tempo consegue apagar. Pena que você se foi para sempre, mas continuará vivo, em meu coração. Joana D’Arc
Manifesto Terras sem males Atlântico, manifesto de mares vivos! Caminhante de areias, cristalina. Em dias de estrelas. Sem destino, caminhos de Anchieta. Longe de canoas que nos leve a terras sem Males. Vida, quase breve! Pássaros sem migração. Para onde não ir diante da rodovia? Rio x Santos Tortas linhas retas Sem destino, sem pressa. Náufrago! Dentro do coração em ressacas, Tempestade Alma, sem caminho Deserto dentro do coração. Não somos! Espelhos de colonização. Indigentes, insumos de mercados. Almas dilaceradas. Terras sem males Sem destino. Vida, caminhante. Males sem terra! Fico com a vida destino incerto. Terras sem males. Atlântico oceanos. Alma sem calma. Coração sem fé? Canoa sem destino Destino sem males Onde chegar se ainda não somos humanos Meras sombras. Deus existe dentro de meu coração. Joka Faria
Homens do mar Nuvens pesadas sobre a Serra Dão aviso aos pescadores Que é hora de voltar para a terra Quem tem juízo obedece Quem não tem padece Com o açoite de ventos e chuvas Como aconteceu com Baldino Que dentro do barco em dia de mar calmo Catou uma nota do bolso, pinchou no mar E pediu que São Pedro mandasse Dez cruzeiros de chuva e vento. Pra quê mexer com o céu, Meu Deus do céu? Domingos dos Santos
Manhã de dois olhos As ideias, como os cometas, viajam em lampejo de um único instante. Captado o exato momento: brilho raro ou rebento – de luz. Mas se perdido da visão, arco-íris de pensamento. Manhã de dois olhos, assim como as ondas suaves de um mar caribenho. Meu coração em aperto. Sigo sempre sozinho. Jorge Xerxes
Na segunda feira! Eu sou daqui Você é de lá... Somos juntos? Estamos iguais? Quem sou eu? Quem é você? Hilária raça humana Briga por espaços que não lhe pertence Discute por ideias alheias Segue multidões - apenas por hábito. Estamos entre o claro e o escuro? Pincelados com um fino fio de sangue que brota das veias azuis? ou um fio de sangue azul que brota das veias vermelhas? A ira, o orgulho e a cobiça toma conta das mentes ciosas organizadas manipuladoras das massas acinzentadas pela fumaça de maya. Zumbis, com sede... com fome de lucidez Desencarnando transeuntes sem motivos aparentes levados pelos laços de parentes. Uma umanidade acorrentada pelos egos Como Arjuna, esperando o Avatar E a guerra contra si mesmo. Elizabeth de Souza
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O sol que invade o teu quarto
A morte do poeta
Se Você descobrir que o mundo é mais bonito aí da tua janela, me chama para eu ver também. Compartilha comigo da descoberta. Conta-me cada um dos teus segredos. O número das estrelas no céu. Quantas gotas d’água cabem numa nuvem. Fala do encanto das fadas que habitam os teus sonhos. Eu acredito na música dos duendes que Você ouve de vez em quando. E tenho medo dos mesmos monstros que te apavoram. Muita vez eu fujo e me escondo deles. Mas apesar destas minhas fraquezas; das tuas razões para sorrir, deixa-me ser apenas uma delas.
A sala, envolta em meia-luz, cheira à morte. As chamas das velas bruxuleiam, brincando aos ventos Carpideiras deitam lágrimas, num teatro de lamentos E no centro ele jaz, o poeta, já sem sorte.
Jorge Xerxes
Tristeza era o que tinha, o poeta apaixonado Pois não via sua Musa, que estava tão distante A saudade foi minando as forças deste coitado! Que chorava poesia, com as lágrimas de Dante
Crônica caiçara A princípio era o mar e o mar guardava todos seus segredos e todos seus perigos, até que veio Sumé andando sobre as ondas, convidou meu antepassado a mergulhar e abraçar o oceano e seus mistérios, a se dedicar a pescar, a crescer em conhecimento dos seres, na leitura das mudanças dos humores do tempo e do mar. Assim, por muitas gerações, meus parentes foram senhores da praia e líquidos latifúndios adjacentes até que perderam o lugar do rancho para canoa e foram obrigados a procurar sustento e guarida na periferia das cidades e da vida. Domingos dos Santos
Máquina de fazer poesias Eu tinha uma máquina de escrever Olivetti Que tentava fazer poesia por conta própria Misturando as letras, Encavalando as teclas, Anarquizando o poema. Essa mania passou para o computador Com corretor ortográfico que já fez fusível virar fuzil; Espáduas virar espátulas; Dinossauro rex virar dicionário rex, Harpa virar harpia… Quem pode com tanta tecnologia? Domingos dos Santos
Pobre Dalto, dizem uns, tão jovem e já partiu! Ele parece dormir, mas sofreu o abraço eterno Da Dama de Negro, que o tocou e o feriu Levando o poeta consigo, para o Céu, para o Inferno? Os doutores, incapazes, de curar-lhe de seu mal Que não se sabe o que era, pois doença não havia Quem conhecia o poeta, sabe que ele não sorria Mais pra nada neste mundo...e isto lhe foi fatal
Amando tanto sua Musa, tanto, tanto, que sofria E não tendo-a em seus braços, caminhou ao triste fim Foi morrendo a cada dia, um pedaço dele assim Definhou então o poeta, privado de toda alegria E chegou então o dia, em que parou seu coração O poeta das trevas e da melancolia nos deixou Sereno, deitou-se na surrada cama sem paixão E com uma foto da amada, nos braços ele ficou Agora na triste sala, o poeta jaz sem vida Em seu berço eterno de carvalho esculpido Quem observa diz que ele não parece ter morrido Mas que apenas dorme ali, sonhando com sua querida Poderiam ainda sonhar, mesmo aqueles que partiam? Seria isto um fato, alguém poderia afirmá-lo? Mas os que sabem do imenso amor que eles sentiam Não duvidam que da Musa, nem a Morte poderia separá-lo Partiu aquele poeta, que não conheceu a felicidade Que teimava em escrever versos, com seu coração ferido Que víamos a recitar, sempre com seu olhar dorido Deixou-nos seus poemas... os seus versos de Saudade! Dalto Fidencio
ENTRE OVNIS
”VIAGEM NO TEMPO” Por Renato Mota
ão diversos os filmes que tratam esse tema, alguS“INTERESTELAR mas produções muito bem feitas, como caso de “, que tem bastante física envolvida
no filme. Outro filme que eu particularmente gostei muito ” O PREDESTINADO “, esse não tem efeitos especiais, mas para quem gosta do assunto, o desfecho é impressionante, muito bem bolado, gostei muito. Enfim, tem os filmes ”Máquina do tempo“, ”De volta para o futuro“, que são clássicos, além de vários outros filmes e até mesmo ótimos documentários muito bem produzidos pelo DISCOVERY CHANNEL E HISTORY CHANNEL principalmente. Mas por que esse tema fascina tanto a nós humanos? Bem, as respostas são variadas, desde poder rever um ente querido que não está mais entre nós, a ideia de vislumbrar o futuro, ou rever seu próprio nascimento, ou os mais ”gananciosos” poder saber o resultado de um sorteio de loteria. Mas as vantagens da viagem no tempo vão muito além disso, principalmente para os militares e cientistas. Imagina se Hitler pudesse ter construído uma máquina do tempo, poderia ter ganho a guerra, e hoje teríamos um mundo totalmente diferente do que conhecemos. Poucos sabem, mas ele realmente era fascinado pelo assunto, e estudava em segredo. Especula-se que ele quase conseguiu tal feito, quem sabe até mesmo possa ter conseguido, mas usado
para fugir da realidade atual e criado uma outra realidade paralela para ele. Talvez nunca saberemos, mas ele tinha um projeto, chamado ”O SINO“, onde um enorme objeto em forma de sino, criava uma energia tão grande, que conseguia distorcer o espaço tempo, podendo dar a ele o vislumbre do futuro. Após o fim da guerra, acredita-se que os americanos, tenham se apoderado desse projeto, e não se tem mais noticias de onde ele possa estar atualmente. O curioso é que UFOS em formato de sino foram avistados O caso mais famoso, aconteceu nos Estados Unidos, em 05/09/1981, onde um objeto em forma de sino, foi avistado pairando sobre os céus de Nova York. Enquanto pairava, emitia um ruído e um feixe de luz verde, que até mesmo foi disparado em direção a uma janela, onde uma menina observava tal objeto. E ao sentir que estava sendo puxada pela luz, ela gritou e uma amiga ajudou a tirá-la de lá. Esse caso foi incrível. Seria esse o sino nazista? Ou uma reprodução dele? Ou um objeto alienígena? Leia mais desse caso: http://www.new-age-gamer. com/news/o-caso-do-ufo-em-formato-de-sino/ Os nazistas, sabiam que os ovnis eram de origem extraterrestre, os chamados, foo fighter. Na segunda guerra mundial, onde bolas de luzes, voando a velocidades incríveis, acompanhavam os aviões. Hitler ficou obcecado pelos ovnis, tanto, que tentou reproduzir sua tecnologia.
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ENTRE CULTURA
COMIC CON EXPERIENCE 2016 Por Dalto Fidencio
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Entrementes mais uma vez esteve presente na Comic Con Experience, o maior evento de cultura pop do continente! Foram 4 dias de convenção, onde 190 mil amantes da cultura geek passaram pela São Paulo Expo, mesmo local da edição anterior, só que desta vez, ampliada. Como de praxe, as pessoas que escolheram ir via metrô encontravam logo na saída do Jabaquara inúmeros ônibus, que rapidamente levavam todos gratuitamente até o local da Con. Uma mudança notada foi que ao invés de ônibus de viagem como era antes, desta vez tínhamos ônibus circulares mesmo. Mudança para pior? Depende do ponto de vista... se o conforto era menor, a rapidez com que se chegava à São Paulo Expo era muito maior, já que os ônibus levavam pessoas também em pé, como ocorre nos circulares comuns. O que preferes: ficar esperando mais tempo para pegar um ônibus de viagem ou embarcar mais rapidamente num ônibus circular, e isso para um pequeno percurso de apenas 10 minutos? Eu prefiro a segunda opção... Devido ao gigantesco número de pessoas que foram já no primeiro dia (bem maior que no ano passado), a espera nas filas para conseguir pegar a credencial e depois entrar era grande... houve casos de cerca de 3h de espera! Curioso é que muitas pessoas, para passar o tempo, começavam a ler os livros que haviam levado para doação, para pagar meia entrada... surreal, mas prático! Já lá dentro, não tinha como não se surpreender com o crescimento da CCXP... epicamente gigantesca!
Um estande da HBO nos recebia com uma incrível réplica de uma cena da espetacular série Westworld.
No Auditório Cinemark, a largada para o evento foi dada ao meio-dia, com uma homenagem ao eterno trapalhão Renato Aragão, que falou sobre a volta de seu programa à televisão, desta vez com um sexteto formado por ele, Dedé Santana e mais 4 artistas, que felizmente não viverão nenhum dos 2 saudosos personagens vividos com maestria pelos já falecidos Antônio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum, e Mauro Faccio Gonçalves, o Zacarias. Serão personagens totalmente novos, ufa! Depois disso, no mesmo auditório, foi a vez de um painel especial sobre a DC Comics, onde Larry Ganem comandou uma discussão sobre o atual momento da editora. Enquanto isso, no mesmo horário rolava no Auditório Ultra um evento de pura nostalgia, onde o protagonista do Castelo Ra-Tim-Bum, Luciano Amaral, e o criador da série, Cao Hamburguer, conversaram sobre a obra do grande produtor de TV. De volta ao Auditório Cinemark, era a hora do mestre dos Quadrinhos Frank Miller retornar à CCXP, repetindo a visita do ano passado. Ele falou de seus projetos e também de seus grandes sucessos. E depois ele recebeu uns poucos privilegiados que haviam pago 200 reais pela oportunidade de receber um autógrafo de Frank Miller em alguma obra sua. Se achou o preço muito caro, saiba que os ingressos para esses autógrafos acabaram em míseros 4 minutos! A grande maioria levava Batman Cavaleiro das Trevas, claro, mas também víamos Ronin, 300, Elektra Assassina, entre outros. Houve um certo descontentamento por ser literalmente apenas um autógrafo. As pessoas recebiam também um pequeno poster com Ronin de um lado e o Cavaleiro das Trevas no outro, mas pedir para ele assinar ele também? Vai sonhando... e também eram proibidos fotos ou filmagens com a lenda
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viva dos Quadrinhos. Neste dia da abertura o número de cosplayers não se compara ao de domingo, mas é claro que podíamos ver muitos circulando pela convenção, com destaque para o grande número de Arlequinas. Metade do dia e no Auditório Ultra tínhamos um painel da Chiaroscuro Studios, que hoje é uma das maiores agências de Quadrinhos do mundo, e trouxe diversos de seus artistas. Enquanto isso, no Auditório Cinemark, a Paramount Pictures trazia uma das maiores atrações do dia de abertura... a búlgara-canadense Nina Dobrev (famosa por The Vampire Diaries) e ninguém menos que Vin Diesel, vieram falar sobre seu novo filme, “xXx Reativado”. Foi um dos eventos mais concorridos da CCXP, sem dúvida alguma, que levou os fãs ao delírio. O astro norte-americano estava muito animado nesta sua terceira vinda ao Brasil (as anteriores foram para filmar e posteriormente promover “Velozes e Furiosos 5”).
Ele (Vin Diesel) se disse impressionado com o tamanho da Comic Con brasileira. Ele disse já ter ido nas Comic Cons de New York e da Califórnia, mas que a brasileira era insana, e que estava amando tudo.
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Já Nina Dovrev disse que era a maior Comic Con que ela já havia estado, citando a energia incrível dos brasileiros. Ela falou também sobre Becky, sua personagem no novo xXx. Depois Diesel falou novamente sobre a volta de Triplo X, que agora deverá se tornar mais uma franquia em sua carreira. E um gosto pessoal revelado por Vin Diesel que empolgou todos os geeks presentes é que ele é fã do RPG Dungeons & Dragons! Voltando a falar de seu novo filme, ele se mostrou empolgado pelas filmagens terem sido ao redor do mundo, em países como China, Índia, Inglaterra, Escócia, Austrália, Bulgária e até no Brasil, onde Neymar (!) fez uma ponta! A dupla finalizou sua entrevista agradecendo aos fãs brasileiros por tanta energia positiva e dizendo que se pudessem nunca mais sairiam de São Paulo. Mas a CCXP nunca para, e no Auditório Ultra, os quadrinistas Ivan Reis, Joe Prado e Rod Reis discutiam sobre a reinvenção de Aquaman, uma das grandes apostas da DC para os cinemas. Voltando ao Auditório Cinemark, foi a vez dos fãs de Star Wars vibrarem com um painel sobre a Millenium Falcon. David Fogler, especialista em Efeitos Visuais da Industrial Light & Magic, falou tudo sobre o processo de recriação para os novos filmes da saga, de uma das
naves mais icônicas da história da ficção científica. Já era noite e no Auditório Ultra, a dupla Brian Azzarello e Eduardo Risso, responsável por “100 Balas”, “Batman: Cidade Castigada” e o recém-lançado “Moonshine”, subiu ao paloco e contou histórias dessa parceria. E em seguida veio a última atração no Ultra, que foi um painel que falou dos vários e talentosos quadrinistas e ilustradores argentinos que formam uma longa tradição do país hermano nesta área. A última atração no Auditório Cinemark não poderia ser melhor... o tema era Game of Thrones! Sven Martin, 2 vezes laureado no Emmy pelos efeitos visuais de GoT e ninguém menos que Natalie Dormer, a Rainha Margaery em pessoa, marcaram presença nessa CCXP, levando os fãs à loucura. Foi mostrado como a série é feita, mostrando artes conceituais, efeitos e bastidores. Como sempre, tínhamos um vasto número de estandes interessantíssimos para os amantes da cultura geek, mas ao menos na opinião deste que vos escreve,
nada podia se comparar ao estande da Bandai, que trouxe diretamente do Japão, as armaduras em tamanho real dos Cavaleiros de Ouro do épico anime/mangá Os Cavaleiros do Zodíaco!
Simplesmente de cair o queixo... teve muito marmanjo se emocionando ao chegar perto das armaduras... não me surpreendi que a fila pra poder chegar perto das armaduras era sempre enorme, pois todos queriam elevar o cosmo de seu coração! Mas não podemos deixar de citar grandes estandes, como o que a HBO montou para os fãs de Game of Thrones, da Warner, Netflix, Comix, Panini, Hasbro, Sony, Disney, Mattel, Fox, Estrela (com um Genius gigante pra criançada brincar!), JBC... só para citar alguns! E claro, tínhamos a parte mais democrática da CCXP... a Artists’ Alley! Desta vez com um espaço muito maior, o AA dobrou de tamanho, e ainda foi colocado bem no centro do local do evento! Está de parabéns a organização, por reconhecer o valor dos artistas independentes! Em 2014 foram 215 artistas em 125 mesas, no ano passado foram 225 artistas em 165 mesas e neste ano saltamos para incríveis 461 artistas em 336 mesas! E outro fato importante é o grande aumento no número de mulheres mostrando sua arte nas mesas, em nada devendo ao talento dos homens. É o empoderamento chegando também no Artists’ Alley! E assim terminou o primeiro dia de mais uma CCXP, evento que, para a sorte da nação geek, veio para ficar! Sim, foi mesmo épico!
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ENTRE VERSOS E PROSA
COMO É QUE É A SUA LETRA MESMO? Por Marcelo Pirajá Sguassábia
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inguém sabe mais como é sua letra. Nem você. Por mais intelectualmente articulado que seja e por mais Pós-Doutorados que possua, se tiver que escrever alguma coisa você vai se pegar desenhando as palavras. De um jeito desengonçado, como se estivesse aprendendo a andar de bicicleta. ********** O teclado da máquina de escrever, e depois o do computador, foram os primeiros culpados. Acabaram matando aos poucos o meio físico que ligava o que se quer dizer ao que saía escrito, ou seja, a caneta ou o lápis. Mas ainda havia algo entre a intenção e o resultado: o teclado. O frio e insípido teclado, essa coisa infestada de migalhas de bolacha entre as letras. Por questões de conforto nos textos de longo curso, ele ainda resistirá um pouquinho mais, embora tecnologicamente já esteja liquidado. ********** Do toque ao touch na tela, diretamente no vidrinho sensível do tablet ou do celular. As teclas de pixels, espremidas. Esbarrões frequentes nas letras vizinhas resultaram no amaldiçoado corretor ortográfico, cyber-
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causador de mal-entendidos, divórcios e demissões por justa causa. Dorretor mwtido a busta, và cuidar da sua fida! ********** O número de mortes/ano por digitação em trânsito, dentro do carro ou atravessando a rua, dão sinal verde para o avassalador sucesso dos aplicativos de escrita por ditado. Por meio de reconhecimento de voz, transformam em texto o que se diz, liberando as mãos e a atenção do indivíduo. Fanhos, gagos e gente de língua presa devem tomar cuidado ao utilizá-los. ********** A escalada tecnológica alcança níveis inimagináveis. Canetas, lápis, teclados, celulares, tablets e aplicativos que escrevem o que se fala também estão condenados à extinção. Em várias partes do mundo, testemunhas relatam ter visto gente falando diretamente com gente, sem intermediação de nenhum instrumento ou aparelho eletrônico. Conforme a pessoa vai falando, a outra já escuta, entende perfeitamente e responde na sequência. Um avanço sem precedentes na longa história da comunicação humana.
ENTRE VERSOS E PROSA
UM HOMEM SEM VIDA. Por Ronie Von Rosa Martins
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hegou em casa e largou a sacola de compras. Um pão. Presunto, queijo. Leite. Largou tudo sobre a mesa da cozinha. A única mesa da casa. Onde tudo se encontrava. O universo... em expansão. Só o que não se expandia eram as oportunidades. Sentou no sofá. O único da casa. Marrom de cor e de tempo e de sujeira. Era só. Ele e o sofá. Únicos. A televisão disse-lhe algumas coisas. Mas não acreditava nela. Normalmente mentia, era uma vadia, uma piranha. Sempre queria lhe empurrar algo. Normalmente coisas que jamais conseguiria comprar ou ter. só roubando. Olhou para o revolves sobre a mesa ao lado do pão e do presunto. Só roubando... O revólver era do irmão. O Zé Raiz. O Zé era famoso. As mulheres gostavam, davam beijos, sorriam. Ofereciam seus prazeres. De mulher não sabia nada, sabia de ser sozinho. Sabia como desligar a TV sem remorso. Sabia sentar no sofá e ficar parado. O cérebro morto dentro da cabeça. Esperando... esperando a noite ir embora e o dia voltar... não deitava. Deitar era morrer. Descansava sentado. Olhos longe. Perdidos em coisa nenhuma. Quando o dia vinha ele ia. Abria a porta da casa e saia. Entrava no ônibus abarrotado de gente e chegava no serviço. Era servente de pedreiro. Esperava aprender a função. Seu Deodato ensinava. Brigava, tripudiava de sua burrice. Mas o Deodato gostava dele. Ele sabia. Deodato era um cara bom. Ele pensava. Um dia o irmão apareceu. O irmão e mais dois. Um alto e outro gordo. Sorrindo e falantes. Propor um negócio diziam... O negócio era o próprio Deodato. Diziam que tinha dinheiro. Recebido do governo. Cheio da grana. Um assalto simples. Pegavam o dinheiro, davam susto e fugiam. Não quis. Gostava do Deodato, disse não. Apanhou na cara do gordo, o irmão apontou o revólver na cara, falou que era bichinha, que tinha medo. O alto dava risada. Sentado em seu sofá. O Gordo o Alto e o Irmão. Iam fazer de qualquer jeito. Tava decidido. E que ele ficasse “na dele”. Não ficou. Reclamou. Disse não novamente. Recebeu um murro do irmão. Caiu no chão. Da boca um dente e um filete de sangue. “Tu é mulherzinha, tu é bundão... é por isso que tu és essa merda aí!” E apontava um dedo comprido cheio de anéis para ele. O Gordo sentou no sofá junto com o alto. A televisão abriu um olho. O Irmão foi até a geladeira: “O quê que tem pra comer nessa porra?” Largou o revólver sobre a
mesa. Ele levantou e pegou. Olhou para o alto que estava sentado no sofá. Bum. Ele caiu. O Gordo tentou levantar. Bum recebeu um furo na barriga. O irmão tentou fugir pela porta. Bum. Bum. Dois buracos nas costas. Não era uma questão de medo. Não era uma questão de ser fraco ou não. Não gostava que sentassem no sofá. Não gostava que ligassem a vadia da TV. Era dele. Únicas coisas que eram dele. E o Deodato não era um cara ruim. Agora estava ali. Sentado. O sofá sujo de sangue. Três corpos no chão. Pão, manteiga e presunto e queijo. E o dia chegava. Não ia trabalhar. Ia ser preso. Ia ser agora. Amanhã ou depois. Que fosse depois então. Virou o sofá sobre os três corpos. A televisão também, a mesa também. Todas as roupas. Comeu o pão e o presunto e o queijo. Colocou o revólver na cintura. Foi no banheiro e trouxe uma lata de querosene, despejou sobre tudo. Ainda sentia o gosto do presunto e do queijo na boca. Esperou a labareda ficar grande e quente, a fumaça tomar conta. Por alguns segundos teve vontade de ficar ali. E morrer aquecido. Mas logo saiu. A pé foi embora. Algumas pessoas gritavam pela rua. Cães latiam e crianças corriam assustadas. As chamas estavam altas, furiosas, pareciam querer devorar toda a rua. Nem olhou para trás. Uma vez o Deodato tinha lhe dito que tinha um problema com um cara. Um homem que ficava lhe cobrando e ameaçando, um tal de Jorge Almeida. Diziam que era traficante e essas coisas. Que mandava no bairro e fazia e acontecia. O Deodato não gostava dele. Inclusive esse Almeida ficava dizendo piadinha pra filha dele, do Deodato. Tirou o revólver do bolso. Olhou. Duas balas. Dava. Sabia a rua, conhecia a casa. O cachorro o cheirou, ele cheirou o cachorro. Reconhecimento. Não havia medo. Não havia problemas. O cachorro ouviu o barulho dos dois disparos dentro de casa, e logo ele saiu. Pulou o muro e foi. O cão ficou em silêncio sem entender. No caminho ele pensou que as coisas não precisavam ser entendidas. Enterrou o revólver. A alma. E todas suas frustrações. Entrou numa igreja. Sentou pra descansar. Nem sabia o que era rezar. E também não queria. E foi. Enquanto caminhava ia se desmanchando como gente e como sujeito. Em seguida já não era ninguém. Já não havia ninguém. Vazio. Um grande vazio.
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ENTRE AUTORES
FERNANDO SELMER - TALHANDO POESIA NOS TECIDOS. Por Elizabeth de Souza e Dalto Fidencio
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ernando Selmer é um experimentador no campo das Artes e seu trabalho é a descoberta de novas possibilidades, novas atuações, novas ideias e pensamentos que decorrem desse experimento. A cidade de São José dos Campos, não oferece espaço algum para os movimentos de Vanguarda no campo das Artes Plásticas e Visuais, assim como o trabalho com a Literatura Visual, onde se faz necessário espaço adequado para instalações de vários tamanhos. Apesar disso, Fernando Selmer vem atuando com seu trabalho há mais de uma década. Já fez várias exposições com seus poemas visuais. Um dos pioneiros a trabalhar com instalações aqui na cidade. Ele não gosta muito de ser rotulado e quando isso acontece ele muda o padrão para não ficar na mesmice. Mas podemos dizer que é poeta, artista performático e visual que trabalha com a palavra e a imagem, dando prioridade à primeira. Artista marginal que no começo dos anos 2000 já lançava seus fanzines. Atualmente está com a Banda Drummond Punk apresentando-se em vários espaços e mostrando a sua arte underground.
“Um verdadeiro artesão com a paciência e a calma para fazer um trabalho com algo a dizer.”
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Ele ocupa um pequeno espaço na sua casa onde trabalha com serigrafia, produzindo arte em camisetas. E como deixa bem claro, só produz arte e por isso não tem uma produção em larga escala para consumo e comércio. A sua intenção é a Arte criativa. Selmer escreve seus livros artesanalmente, sugere através de variados materiais, concretizar a ideia que gerou a criação dessa arte. Os poemas são dispostos sobre materiais diversos que buscam estimular todos os sentidos: tato, olfato, visual, auditivo e gustativo. É a concretude da ideia, seja ela prosaica ou poética. É disso que surgem as instalações, as performances com música, poesia e literatura em geral. A ideia da poesia visual se mistura a uma fonética que leva o auditor e leitor a novas descobertas. Mesmo que Selmer lide com as imagens em tudo o que faz, dá ênfase as palavras, não deixando que as imagens se sobreponham de forma a tornar-se algo superficial e consumista. A ideia de inserir a poesia ligada ao Marketing, ao consumismo, simplesmente não lhe atrai. Ele avança para algo mais profundo e significativo, para não perder a essência que está ligada a palavra. A preocupação está em preservar essa essência. A serigrafia faz parte de sua vida. No princípio foi seu trabalho para sobreviver, numa estamparia. Mas
avançou para o campo das Artes, num trabalho experimental, e como ele sempre ressalta, vive fazendo experimentações o tempo todo no campo da Arte em suas múltiplas variações. E como consequência, passos para novos experimentos, numa incansável busca. Selmer, na nossa conversa, lembra-se de Dailor Varela, o Poeta que ele considera um dos seus mestres e o respeitava como pessoa e como Escritor.
“Dailor Varela foi uma das únicas pessoas que escreveu uma crítica sobre o meu trabalho”. Ele sempre valorizou essa crítica feita por Dailor, pois
pontuou seu trabalho em detalhes, ajudando-o muito, fazendo-o perceber os caminhos a percorrer na Literatura, na Poesia. Fazendo-o a acreditar que a crítica é necessária para os avanços do trabalho de um artista. Dailor escreveu essa crítica numa máquina de escrever, como era o seu costume, e enviou para o Selmer. Na época, o Poeta morava em Monteiro Lobato, e Selmer sempre participava das atividades culturais que Dailor se envolvia, tais como algumas palestras sobre Literatura, que realizou na cidade de Taubaté, encontros em São José dos Campos, etc. Sua arte não tem preço, mas você que agora nos lê é um privilegiado, pois poderá adquiri-la através do site www.atelieselmer.com.br
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ENTRE TRILHAS E VIAGENS
CAMINHADA NOS CAMPOS DE SÃO JOSÉ – DOS CAMPOS Por Joka Faria
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uma manhã de sexta-feira me refazendo de uma dor de garganta. Aguardando o telefone tocar e ganhar uma grana para comprar um pisante. Quem leu “Dois Perdidos numa noite suja” de Plínio Marcos sabe o do que estou dizendo. E nada de telefone! E a Mantiqueira diante de meus olhos aqui da Vila Industrial - hoje o bairro todo, quase sempre com cheiro de bosta de cavalo, por causa de uma refinaria? Não resisti e peguei um circular para o outro lado do Paraíba com destino a Vargem Grande. A história diz que foi ai que Cassiano Ricardo nasceu. No começo atravesso a Ponte da Foz do Rio Buquira, que deságua no Paraíba do Sul. A estrada começa cheia de Chácaras em pleno Alto da Ponte e uma capelinha que avisto cercada de casas, pena que estava fechada em sua beleza delicada. O ar ali se faz puro. E nós, em nossas guerras internas e externas. Primeiros quilômetros, muitas fotos. Uma vargem grande se mostra e no outro lado os primeiros sinais da Serra da Mantiqueira. Uma linda estrada asfaltada que chega a Caçapava. Já fiz até lá, descendo no último ponto de ônibus, mas neste dia avançaria além do Luso. Um belo mascote fotografado. Que lugar lindo os Campos de São José dos Campos. E o rio Paraíba bem longe, sem acesso, só fazendas bem fechadas. É o latifúndio. Imaginem que eu achava que encontraria uma enorme vila, mas encontrei um povo solidário ao caminhante, pela estrada. Um
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senhor que mora no “Acampamento Nova Esperança”, duramente conquistado pelo sem terras há anos atrás. E ele me falou que tem uma cachoeira por ali e agora se paga para entrar. E uma lagoa de águas geladas - mas eu já estava cansado, foi uma caminhada de mais ou menos 10Km. Gostaria de visitar o acampamento, não pela política, mas pela simplicidade daquele povo.
Bem perto da cidade existem os Campos de São José e faço minha jornada por eles, ás vezes acompanhado, ás vezes sozinho. Comecei com O Stephan Maurer Neto e o Reinaldo Prado nos anos 90. Quem sabe uma hora destas, de bicicleta ou de Brasília, mas não quero abandonar a jornada a pé. Fotografei um Urubu e seu alimento, um velho cão. A morte muitas vezes é bela. E o latifúndio? E caminho sonhando com minha casinha de varanda para ver o Sol Nascer. Quem quer se aventurar pela nossa cidade e qualquer outra deste imenso Brasil? Consegui por volta do meio dia e meia, uma carona. Eita gente boa neste mundo rural! A cidade me encanta e desencanta. No fim desci no centro da cidade e encontrei alguns amigos no caminho. Aquelas conversas rápidas que valem a pena. A cidade das palavras por entre espinhos e encantos. E quem a defenderá para que se humanize? Quem sabe um dia, passeio por uma canoa de ossos, como no poema de Ricola.
CANTO DA CULTURA
ERA UMA VEZ EM SÃO JOSÉ DOS CAMPOS Por Elizabeth de Souza
O MANIFESTO IDAÍSTA!
Reddie
H
avia momentos em que nos encontrávamos em cantos diferentes da cidade. E como sempre, apareciam pessoas diferentes que se juntavam e se dispersavam num movimento contínuo. Num desses encontros apareceu o Reddie. Eu já o conhecia há muito tempo, mas ele nunca havia frequentado o caos do nosso grupo. O Solfidone explanando os pontos filosóficos dos assuntos artísticos e científicos e o Reddie dizia: “E Daí?” O Solfidone dando o sangue para falar sobre a profundidade filosófica das nossas atitudes científicas e artísticas e o Reddie: “E Daí, no que isso muda a minha vida?” E eu, do lado, rindo. Afinal, tanto entusiasmo em debater tudo, no entanto, toda a humanidade continua a mesma. Os humanos continuam os mesmos e talvez, até piores que antes. Depois de um bom tempo nesse profundo debate, eu e Reddie acabamos por criar um manifesto:
Depois de tantos movimentos e repousos. Depois de eras, eras e ismos, estamos apresentando uma única ideia acerca da existência humana no universo. Sem grandes definições, isso se oporia à ideia primordial do IDAÍSTA. Parte-se do princípio que a existência está ligada aos fundamentos incontroláveis da Natureza e suas Leis, onde “Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Legando-nos com isso, o eterno vai e vem dentro de um círculo mais que vicioso, é viscoso. Sem grandes questionamentos e indo direto ao assunto, onde nos leva tudo isso? Ao IDAÍSMO! Nesse contexto descabido pulando de vírgulas, pontos e vírgulas, dois pontos, nunca chegando ao ponto final. O texto existencial, uma verdadeira besteira para uns, e para outros, uma grande transcendência. E para os IDAÍSTAS, puro IDAÍSMO. O que buscamos? O que queremos? O que somos? De onde viemos? Para onde vamos? Qual é o fundamento de tudo isso? Perguntam todos os buscadores de respostas para a os mistérios da existência humana e sua trajetória. O IDAÍSTA, não perde tempo com essas questões existenciais intermináveis. Questões essas que vão e vem como IÔIÔ de criança que brinca. Respostas que vão e vem e continuam as mesmas dentro desse contexto, que não leva a nenhum lugar. Não há parâmetros nem de um lado, nem do outro. Não há certezas e nem completas incertezas. Um círculo intransponível. O IDAÍSMO, diante de tudo isso, poderia buscar a inexistência absoluta, mas até essa busca cai por terra; Não se sabe como atingir o que não existe, até o que existe não se atinge completamente. Baseando-se nessa existência besta ou não que não leva a lugar algum, a inexistência poderia ser uma saída ou solução. Então vem a pergunta: E DAÍ? E a resposta com a mesma pergunta, E DAÍ? Seguiremos sempre perguntando e respondendo as mesmas coisas, tanto eu quanto você. Com isso, podemos concluir que, categoricamente, estamos no mesmo barco, enfeitando com eloquência o mesmo contexto existencial dessa roda de dores coletivas. Na verdade, somos por natureza, IDAÍSTAS por mera coincidência. Existe coincidência? Se existe ou não, E DAÍ? Isso vai mudar a nossa condição? ELIZABETH E REDDIE
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ANUNCIE NA REVISTA ENTREMENTES O Portal Entrementes é uma revista digital de conteúdo essencialmente cultural, conta com a colaboração de mais de 20 colunistas, escritores, poetas, críticos, músicos, artistas plásticos, ufólogos, etc que estão espalhados por várias partes do Brasil, assim como em Portugal e Moçambique. Além das postagens dos colunistas tem-se uma agenda onde são postados releases de vários eventos para divulgação e também são feitas matérias especiais sobre variados temas na região e em outras cidades ou estados, que são registrados através de vídeos, entrevistas e imagens. Agora no formato de revista impressa que é publicada trimestralmente (Março, Junho, Setembro, Dezembro).
O conteúdo da revista impressa é contribuição dos próprios colunistas junto com outras matérias interessantes feitas pela equipe do Entrementes. Para que o projeto continue levando conhecimento e cultura até as pessoas, precisamos da sua contribuição. Colaborando conosco, além de nos ajudar a divulgar conhecimentos, estará também divulgando sua empresa. Adote essa ideia e junte-se a nós... Agradeço a colaboração e a parceria! Elizabeth de Souza - Editora do Portal www.entrementes.com.br contato@entrementes.com.br (12) 98134-9857