PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES – MESTRADO
Crítica periodística: A mediação das artes visuais na Folha de S. Paulo e n’O Estado de S. Paulo durante a 29ª Bienal de Artes de São Paulo (25/09 a 12/12 de 2010)
ELIZEU DO NASCIMENTO SILVA
São Paulo Outubro de 2011
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES – MESTRADO
Crítica periodística: A mediação das artes visuais na Folha de S. Paulo e n’O Estado de S. Paulo durante a 29ª Bienal de Artes de São Paulo (25/09 a 12/12 de 2010)
Dissertação apresentada ao programa de pósgraduação do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Artes Visuais. Área de Concentração: Artes Visuais. Linha de Pesquisa: Abordagem Teórica, Histórica e Cultural da Arte. Orientador: Prof. Dr. José Leonardo do Nascimento.
São Paulo Outubro de 2011
Ficha catalográfica preparada pelo Serviço de Biblioteca e Documentação do Instituto de Artes da UNESP (Fabiana Colares CRB 8/7779)
Silva, Elizeu do Nascimento, 1967S586c
Crítica periodística: a mediação das artes visuais na Folha de São Paulo e no Estado de São Paulo durante a 29ª Bienal de Artes de São Paulo / Elizeu do Nascimento Silva. - São Paulo, 2012. 183 f. ; il. + anexo Orientador: Profº Drº José Leonardo do Nascimento Dissertação (Mestrado em Artes) – Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes, 2011. 1. Crítica de arte. 2. Análise crítica do discurso. 3. Jornalismo cultiral. I. Nascimento, José Leonardo. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Título
CDD – 701.1
ELIZEU DO NASCIMENTO SILVA
Crítica periodística: A mediação das artes visuais na Folha de S. Paulo e n’O Estado de S. Paulo durante a 29ª Bienal de Artes de São Paulo (25/09 a 12/12 de 2010)
Dissertação defendida em 31/10/2011
Prof. Dr. José Leonardo do Nascimento (Orientador)
Prof. Dr. William Pereira de Araújo Universidade de Mogi das Cruzes (UMC)
Prof. Dr. Wagner Francisco Araújo Cintra IA-UNESP
À minha mãe, Arléia Rangel, nome ao qual pela primeira vez agrego o aposto in memorian. É estranho e triste que eu não possa mais te falar desta novidade nem por telefone. Mesmo sem entender muito bem do que se trata, você ficaria feliz, eu sei.
Às minhas filhas Fernanda e Carolina, para quem vivo. Vocês merecem todo o meu esforço.
AGRADECIMENTOS
Foi essencial ter um orientador como o professor Dr. José Leonardo do Nascimento, que confiou em mim, me deu a liberdade de que precisava para trabalhar e me chamou à responsabilidade quando esta parecia haver desaparecido do meu horizonte. Muito obrigado. Agradecimento especial também à professora Dra. Rejane Coutinho, que com extrema habilidade me convenceu de que eu não devia desistir. Muito obrigado. Gratidão impagável também aos professores do Instituto de Artes da Unesp (Percival Tirapeli, João Cardoso Palma Filho, Pelópidas Cypriano de Oliveira) e ao professor Celso Frederico, da ECA-USP. Gratidão aos meus coordenadores e colegas de trabalho na Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) e Faculdades Atibaia (FAAT), que suportaram minha ausência em reuniões de planejamento e a diminuição da dedicação aos cursos durante a fase final da elaboração desta pesquisa. À minha família que me apoiou incondicionalmente “esquecendo” o meu telefone e me deixando à margem de muitas questões. Em maior ou menor grau, todos contribuíram para o resultado. Muito obrigado.
RESUMO
A presente pesquisa parte da premissa de que os cadernos de cultura encartados em jornais de grande circulação e prestígio são espaços privilegiados para divulgar e promover a reflexão crítica sobre as artes visuais, uma vez que têm altas tiragens e um público que, se não pode ser classificado como altamente qualificado, ao menos se distingue da maioria da população pelo hábito de ler jornais diariamente. Por meio das reflexões neles publicadas, deve ocorrer uma ampliação do sentido das artes que sirva como referência para a fruição das obras por parte dos leitores. Os cadernos de cultura podem se constituir, portanto, como espaços da mediação necessária entre obras e público, visando a aproximação das partes. Foram analisadas 11 críticas de arte publicadas na Folha de S. Paulo e 12 resenhas publicadas n’O Estado de S. Paulo, durante a realização da 29ª Bienal de Artes de São Paulo (25 de setembro a 12 de dezembro de 2010). Os textos foram analisados na perspectiva da Análise Crítica do Discurso (ACD) formulada pelo linguista Norman Fairclough, que defende que, se por um lado, os discursos podem contribuir para as reproduções da sociedade com a reificação de identidades sociais e crenças, por outro, também podem transformá-la.
Grande área: letras, linguística e artes Palavras-chave: crítica de arte, jornalismo cultural, análise crítica do discurso
RESUMEN
Este estudio asume que el folleto de cultura de contratos en los periódicos de circulación general y el prestigio son espacios privilegiados para difundir y promover la reflexión crítica sobre las artes visuales, ya que tienen grandes tiradas y un público que, si no se puede clasificados como altamente calificados, por lo menos si la mayoría de la población se distingue por el hábito de leer periódicos. A través de esta reflexión, no debe ser una extensión del significado del arte de servir como referencia para el disfrute de las obras de los lectores. Los términos de la cultura puede ser, por tanto, como la mediación necesaria entre el espacio y las obras públicas, destinadas a acercar a las partes. Se analizaron 11 criticas de arte publicado en Folha de S. Pablo y de 12 comentarios publicados por O Estado de S. Pablo, durante la 29 ª Bienal de Artes de São Paulo (25 septiembre hasta 12 diciembre, 2010). Los textos fueron analizados desde la perspectiva del Análisis Crítico del Discurso (ACD) formulada por el lingüista Norman Fairclough, quien sostiene que, por un lado, los discursos pueden contribuir a la reproducción de la sociedad, la reificación de las identidades sociales y creencias, por el otro también se puede transformar.
Area Principal: letras, linguistica y artes Palabras clave: la crítica de arte, periodismo cultural, análisis crítico del discurso
SUMÁRIO
1. Introdução ...................................................................................................................... 12 2. Por que estudar a crítica? Justificativas e objetivos ...................................................... 21 2.1. Objetivos gerais e específicos ................................................................................ 23 3. Metodologia ................................................................................................................... 25 3.1. Delimitações ........................................................................................................... 25 3.1.1. Recorte da amostragem ................................................................................ 25 3.1.2. Recorte temporal .......................................................................................... 27 3.2. Descrição da amostragem ....................................................................................... 27 3.3. Instrumento de análise ............................................................................................ 29 3.3.1. O discurso como prática social .................................................................... 31 3.3.2. Análise Crítica do Discurso ......................................................................... 35 4. Crítica de arte: O que é e para que serve? ..................................................................... 42 4.1. História da crítica de arte........................................................................................ 49 4.1.1. Antiguidade Clássica ................................................................................... 51 4.1.2. Roma antiga e seus “conhecedores” de arte ................................................ 52 4.1.3. Idade Média: transcendência da obra de arte ............................................... 53 4.1.4. Contemplação mística .................................................................................. 55 4.1.5. Renascimento ............................................................................................... 56 4.1.6. Arte com caráter científico........................................................................... 57 4.1.7. Vidas de artistas ........................................................................................... 60 4.1.8. Arte com finalidade religiosa ....................................................................... 60 4.1.9. Personalidade dos artistas ............................................................................ 62 4.1.10. Denis Diderot ............................................................................................... 63 4.1.11. A ideia como aspecto central da arte ........................................................... 64 4.1.12. O conceito de gosto kantiano como critério ................................................ 68 4.1.13. Representação idealista hegeliana................................................................ 69 9
4.1.14. Séculos XIX e XX: a era da crítica filológica.............................................. 69 4.1.15. Enciclopédias e conhecedores de arte .......................................................... 71 4.1.16. Crítica francesa do século XIX .................................................................... 74 4.1.17. Dualismo crítico: expressão psicológica e visibilidade pura ....................... 79 4.1.18. Primeiras décadas do século XX.................................................................. 84 4.2. A crítica de arte como campo de atuação profissional ........................................... 89 5. A crítica em análise ....................................................................................................... 92 5.1. Artes visuais na Folha e no Estadão ...................................................................... 92 5.1.1. Tabela Artes Visuais na Folha e no Estadão ................................................ 93 5.2. Críticas publicadas durante a 25ª Bienal de Artes de São Paulo ............................ 96 5.2.1. Folha de S. Paulo: cadernos Ilustrada e Acontece ...................................... 96 5.2.1.1. Crítica nº 01: Caderno Ilustrada de 27/09/2010 .................................... 96 5.2.1.2. Críticas nº 02 e 03: Caderno Ilustrada de 2/10/2010 ........................... 102 5.2.1.3. Crítica nº 04: Caderno Ilustrada de 5/10/2010 .................................... 108 5.2.1.4. Crítica nº 05: Caderno Ilustrada de 18/10/2010 .................................. 110 5.2.1.5. Críticas nº 06 e 07: Caderno Ilustrada de 23/10/2010 ......................... 111 5.2.1.6. Crítica nº 08: Caderno Ilustrada de 25/11/2010 .................................. 115 5.2.1.7. Crítica nº 09: Caderno Acontece de 2/12/2010 ................................... 116 5.2.1.8. Crítica nº 10: Caderno Acontece de 11/12/2010 ................................. 118 5.2.2. Análise da crítica publicada na Folha de S. Paulo .................................... 119 5.2.3. O Estado de S. Paulo: Caderno 2............................................................... 121 5.2.3.1. Resenha-crítica nº 1: Caderno 2 de 28/09/2010 .................................. 121 5.2.3.2. Resenha-crítica nº 2: Caderno 2 de 31/10/2010 .................................. 123 5.2.3.3. Resenhas-críticas nº 3 e 4: Caderno 2 de 14/11/2010 ......................... 127 5.2.3.4. Resenha-crítica nº 5: Caderno 2 de 20/11/2010 .................................. 133 5.2.3.5. Resenha-crítica nº 6: Caderno 2 de 27/11/2010 .................................. 135 5.2.3.6. Resenhas-críticas nº 7 e 8: Caderno 2 de 28/11/2010 ......................... 138 5.2.3.7. Resenha-crítica nº 9: Caderno 2 de 6/12/2010 .................................... 141 5.2.3.8. Resenha-crítica nº 10: Caderno 2 de 6/12/2010 .................................. 142 5.2.3.9. Resenhas-críticas nº 11 e 12: Caderno 2 de 7/12/2010 ....................... 144 5.2.4. Análise da crítica publicada n’O Estado de S. Paulo ................................ 149 6. Considerações finais .................................................................................................... 152 7. Bibliografia .................................................................................................................. 154 8. Anexos
.................................................................................................................... 158 10
8.1. Quadro de matérias sobre artes visuais publicadas pela Folha de S. Paulo durante a 29ª Bienal de Artes de São Paulo ......................................................... 158 8.1.1. Tabela Folha de S. Paulo ........................................................................... 158 8.2. Críticas da Folha de S. Paulo publicadas durante a 29ª Bienal ........................... 162 8.3. Quadro de matérias sobre artes visuais publicadas n’O Estado de S. Paulo durante a 29ª Bienal de Artes de São Paulo ......................................................... 179 8.4. Reproduções de páginas do Caderno 2................................................................. 183
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Crítica periodística: A mediação das artes visuais na Folha de S. Paulo e n’O Estado de S. Paulo durante a 29ª Bienal de Artes de São Paulo (25/09 a 12/12 de 2010)
1. INTRODUÇÃO A presente pesquisa parte da premissa de que os cadernos de cultura encartados em jornais de grande circulação e prestígio são espaços privilegiados para divulgar e promover a reflexão crítica sobre as artes visuais, uma vez que têm altas tiragens e um público que, se não pode ser classificado como altamente qualificado, ao menos se distingue da maioria da população pelo hábito de ler jornais diariamente. Podem, de certa forma, ser um lugar para o jogo da arte ao qual Anne CAUQUELIN (2005:98)1 faz referência. A crítica de arte tem participação relevante no diálogo sobre a arte. Segundo OSÓRIO, seu papel é abrir “outras possibilidades de ressonância, deslocando e disseminando formas de sentido que são negociadas entre o público, a história e as obras” (2005:36)2, oferecendo referenciais e pontos de vista aos leitores e ajudando-os a construir repertórios para a plena fruição das obras. Entretanto, não é fácil se desincumbir desta missão, pois segundo FARO, os cadernos culturais têm que contemplar tanto a reflexão sobre as produções artísticas, como atender as necessidades de divulgação da indústria cultural. 1 2
CAUQUELIN, Anne. Teorias da arte. São Paulo : Martins Fontes, 2005 OSÓRIO, Luiz Camillo. Razões da crítica. Rio de Janeiro : Jorge Zahar Editor, 2005
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... o jornalismo cultural é um espaço de produção discursiva voltada para o entretenimento, um gênero invadido pela lógica dos padrões da indústria cultural...; mas, contraditória e dialeticamente, também deve ser analisado como resultado da complexa relação que a reflexão sobre a produção estético-conceitual e política provoca no âmbito dos agentes que atuam na esfera midiática, sejam eles os intelectuais públicos... ou os próprios jornalistas que atuam na intersecção entre os dois campos... (2006:79)3
Para o jornalista, crítico e ensaísta Daniel PIZA, que milita no jornalismo cultural, os cadernos de cultura têm falhado justamente na reflexão sobre a produção cultural, caindo, segundo o crítico, em “polarizações grosseiras”: “O jornalismo cultural pode sofrer crises de identidade frequentes, e é bom que sofra – até porque, como na arte, a condição moderna é ‘crítica’, isto é, envolve sinais de crise, é instável, cíclica, plural –, mas as dicotomias fáceis só lhe têm feito mal”. (2007:45)4 A declaração de PIZA sugere um imenso campo de estudo relacionado à qualidade da mediação exercida pelos cadernos culturais – mediação que se torna mais necessária na medida em que as artes adotam novas poéticas e assimilam novas tecnologias, o que as torna mais difíceis de serem compreendidas pelo cidadão comum. Se a galeristas e curadores cabe o papel de selecionar os trabalhos que receberão atenção especial do público e aos arte-educadores o de facilitar a compreensão sobre as obras, aos cadernos culturais cabe dar ciência ao grande público da existência da obra. Este papel é desempenhado por meio de notícias, reportagens, resenhas e críticas. Nos dois primeiros formatos, o texto tem como foco o fato em si e, portanto, não se manifesta sobre a validade artística da obra ou sobre suas qualidades estéticas. A resenha, diferentemente, ocupa-se da obra, descrevendo-a pormenorizadamente, revelando sua gênese, o lugar que ela ocupa na produção do artista e eventualmente o lugar deste no universo da arte. De modo geral, entretanto, não emite juízo sobre a obra. É à crítica que cabe avaliar a obra, sob perspectivas que vão da História da Arte à Filosofia, à Estética, à Sociologia, à Psicanálise, à Linguística, entre outras áreas de saber, com objetivo de dar ao leitor um parecer final, um juízo sobre o valor da obra, uma nota que indique a validade da mesma. A mediação é absolutamente necessária, considerando que há um limite além do qual a fruição da obra de arte se transforma em desafio intransponível para uma parcela considerável da população: abstrata e conceitual, a arte contemporânea põe em xeque convicções estéticas baseadas nos atributos miméticos da arte Clássica amplamente 3
FARO, J. S. Jornalismo cultural: informação e crítica, mais que entretenimento. IN: Estudos de Jornalismo e Relações Públicas, São Bernardo do Campo : ano 4, nº 8, dezembro de 2006 4 PIZA, Daniel. Jornalismo cultural. 3 edição, São Paulo : Editora Contexto, 2007
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difundida desde o Renascimento, atributos estes que norteiam o gosto popular. A arte contemporânea, diferentemente, é assunto para iniciados. Cabe aqui um parêntese para uma breve reflexão sobre fruição da arte. É indefensável a hipótese de que as obras de arte só possam sensibilizar o apreciador mediante prévio preparo intelectual do mesmo. Ao contrário, na exposição de artes o indivíduo é convidado a integrar um “jogo de correspondências” que o transporta pelas “associações e apropriações que se operam em sua mente, através dos órgãos sensoriais”, segundo a professora, crítica de arte e presidente da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA), Lisbeth Ruth Rebollo GONÇALVES (2007:50)5 Em outro trecho da mesma página, a autora declara: A mostra é um espaço libertário para o espectador aproximar-se do mundo das artes e interagir com a história do seu tempo, a partir de sua própria experiência de vida. O curador sabe que a exposição, por via da interpretação do visitante, favorecerá a reapropriação das obras de arte, enquanto objetos culturais. E constata que o visitante poderá construir uma vivência a partir de cada obra exposta e da exposição como um todo, criando um lugar próprio para ele na história e na cultura. (Idem) [Destaques acrescentados]
A fruição artística ocorre, portanto, como prerrogativa do indivíduo quando este se depara com o objeto artístico e independentemente da participação da crítica de arte. Esta visa tão somente oferecer subsídios para a melhor compreensão do objeto artístico, contribuição que efetivamente pode alargar a fruição artística, mas que não a substitui. Ainda segundo GONÇALVES (2007:49), “o discurso se apresenta como um procedimento que, apoiado nos fundamentos das ciências humanas, em seu estado atual, cria um espaço para a experiência estética”. O “espaço para a experiência estética” proporcionado pela crítica e ao qual GONÇALVES faz referências consiste na apresentação do contexto do surgimento da obra artística, de sua inserção no momento histórico, na análise de sua pertinência como objeto de arte – visando o leitor pouco familiarizado com o universo das artes visuais. Esta mediação se torna tão mais necessária na medida em que a arte experimenta drásticas rupturas de linguagem e de poéticas, num momento de redefinições e de novas direções, iniciadas no fim do século XIX e reconhecidas, a partir de então, como Arte Moderna.
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GONÇALVES, Lisbeth Ruth Rebollo. Exposição e crítica – um enfoque em duas direções. IN: BERTOLI, Mariza; e STIGGER, Verônica (Org.). Arte, Crítica e Mundialização. São Paulo, ABCA e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2007.
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STANGOS descreve a época de surgimento da Arte Moderna como um período no qual as certezas de outrora foram duramente golpeadas. Rompendo com os padrões artísticos aceitos à época, o modernismo refletiu mudanças de paradigmas que orientavam a visão de mundo daquela sociedade. Profundas transformações sociais e políticas ocorridas ao longo do século XIX e começo do XX, avanços no pensamento filosófico, descobertas científicas, bem como o colapso de valores até então defendidos, insuflaram no indivíduo e na sociedade modernos a descrença nos ideais clássicos. Consequentemente, “...a tradição do passado – ou, pelo menos, uma cega adesão a ela – era contestada de todos os lados” (STANGOS, 2000:7)6, com especial manifestação nas artes visuais – haja vista a quantidade de experimentações artísticas do começo do século XX que se firmaram como novas escolas. Se antes do começo do século XX o desenvolvimento humano e a história das artes eram pensados em termos lineares, o modernismo inaugura um período de sobressaltos e transformações rápidas, certezas de curta duração, tendências simultâneas, fazendo surgir a ideia de “movimentos” que não apenas se sucediam em velocidade vertiginosa, como punham abaixo boa parte do que existia antes, para logo em seguida serem também substituídos por novos movimentos. STANGOS descreve a Arte Moderna como uma sucessão de movimentos que Fizeram-se acompanhar de uma pletora de manifestos, documentos e declarações programáticas. Cada movimento foi deliberadamente criado para chamar a atenção para certos aspectos específicos; artistas e, muitas vezes, críticos de arte formavam plataformas para lançar movimentos e formulavam conceitos. Os movimentos artísticos modernos foram essencialmente “conceituais”; as obras de arte eram consideradas em função dos conceitos que exemplificavam. (Idem, 2000:8)
No rastro do modernismo surge uma arte ainda mais conceitual e abstrata, genericamente denominada Arte Contemporânea. Distante da definição fácil de “arte produzida contemporaneamente”, as tendências artísticas mais atuais não apenas seguem questionando as tradições, como também procuram dar nova interpretação aos signos amplamente difundidos, deles se apropriando livremente. A historiadora da arte Paula BRAGA7 situa no fim da década de 1960 o período em que a arte conceitual ganhou força tanto em termos de produção como de reflexão teórica, tendo, no Brasil, representantes como Hélio Oiticica e Lygia Clark, entre outros. Brotando sobretudo da crítica ao esteticismo – que teve motivações diferentes para cada artista, da pesquisa estética ao engajamento político –, o conceitual era, então, uma 6 7
STANGOS, Nikos. Conceitos da arte moderna. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 2000. BRAGA, Paula. Fios soltos: a arte de Hélio Oiticica. São Paulo : Ed. Perspectiva, 2008.
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força tão intensa quanto diversificada. A obra de Oiticica, na virada da década de 1960 para 1970, é parte desse afluxo de produções de tônica conceitual que nos anos seguintes escoaram em várias direções. Textos de artistas que mencionam o “conceitual” surgem a partir de 1967 – o artigo de Sol LeWitt, “Paragraphs on Conceptual Art” é um dos primeiros a usar esse termo – em abordagens que pretendiam questionar a manutenção da reflexão sobre arte como privilégio de críticos e historiadores da arte e, simultaneamente, investigar, em seus trabalhos, possibilidades de “desmaterialização do objeto de arte. (BRAGA, 2008:259)
É longa a distância, portanto, entre as obras de arte do passado, orientadas pela concepção estética clássica, e as contemporâneas, que muitas vezes se propõem justamente questionar a premissa estética em benefício da intenção do artista e do contexto social na qual é produzida, ora levando reduções de cor e forma ao extremo, ora mergulhando definitivamente numa abstração inacessível ao leigo. Em defesa da Arte Contemporânea, o historiador da arte Meyer SCHAPIRO observa que não se pode procurar a dimensão humana da arte apenas na representação construída pelo artista na tela, pois o próprio ato criativo, naturalista ou abstrato, é impregnado de emoção, pensamento e sensações. “... a abstração em pintura evoca, mais intensamente do que nunca, o artista durante o ato de pintar – seu toque, sua vitalidade e estado de espírito, o drama da decisão no processo de feitura da arte. Aqui o subjetivo torna-se palpável” (SCHAPIRO, 2001:15) 8. Para o autor, considerar a arte abstrata como arte destituída de humanidade equivale a subestimar a vida interior dos indivíduos e os recursos da imaginação. Hoje em dia, é a pintura abstrata que estimula os artistas para uma postura mais livre em relação à natureza visível e ao homem. Ela ampliou os meios de que dispõe o artista que faz uso da representação, abrindo-lhe regiões de sensações e percepções anteriormente desconhecidas. A abstração, pela sua intrepidez, também confirma e torna mais evidente para nós as mais ousadas e ainda não assimiladas descobertas da arte mais antiga. (Idem, 2001:9)
A bem sucedida defesa que SCHAPIRO faz da arte abstrata não soluciona a questão em foco – a acessibilidade da obra de arte para o leigo. Na medida em que a vertente conceitual se torna predominante, as discussões sobre as artes visuais tornam-se cada vez mais intelectualizadas, excluindo todos que não estejam diretamente nela envolvidos. No limite, atua como linha divisória entre iniciados e excluídos. Nomes como Hélio Oiticica, Abraham Palatnik, Amílcar de Castro, Franz Weissmann, as Lygias Pape e Clark, para citar apenas alguns que continuam célebres mesmo depois de falecidos, são quase estranhos nas bordas do cenário artístico e absolutamente ignorados pela grande massa. Dos que ainda produzem, Tomie Ohtake, 8
SCHAPIRO, Meyer. Mondrian: a dimensão humana da pintura abstrata. São Paulo, Cosac & Naify Edições, 2001.
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Cildo Meireles e Siron Franco, entre centenas de outros, continuam desconhecidos do grande público a despeito do grande prestígio no circuito das artes e do reconhecimento pela crítica especializada. Talvez parte do desconhecimento possa ser debitada à contemporaneidade das produções artísticas. Vivemos no momento exato em que novas propostas em linguagem e conceito vêm a público. Quem sabe no futuro o distanciamento histórico ofereça uma visão menos particularizada que permita uma compreensão mais ampla do período e favoreça a difusão desta arte para um número maior de pessoas. Porém, mesmo nessa hipótese, o papel da crítica é fundamental como registro da arte de uma época a ser consultado pela posteridade e para o reconhecimento como tal pela História da Arte. O crítico de arte Luiz Camillo OSÓRIO afirma que “a crítica é escrita para o público, mas a serviço da arte” (OSÓRIO, 2005:17) 9. OSÓRIO vê a crítica como “uma atividade específica dentro do circuito de arte que produz e dissemina sentidos para as obras” (Idem, 2005:11). É a crítica, portanto, que pode socorrer quem tropeça nos parangolés de Hélio Oiticica e nas instalações de Cildo Meireles, contextualizando as obras no momento histórico, indicando as tendências artísticas nas quais estão inseridas, explicitando as intenções do artista, elucidando o sentido das obras. Entretanto, ela mesma precisa se expor à crítica, já que muitas vezes se expressa de forma hermética, numa prolixidade que beira à evasiva, pouco ou nada contribuindo para a compreensão da obra. Textos indecifráveis sobre arte são recorrentes e podem ser encontrados com facilidade nas páginas dos jornais de grande circulação. Por exemplo, o que a resenha de Noemi JAFFE10, sobre a obra da artista plástica Elisa Bracher, oferece ao leitor comum? Publicada como colaboração em 23 de novembro de 2006 no caderno Ilustrada, da Folha de S. Paulo, a resenha (transcrita na íntegra) divaga livremente sobre o tema “espaço”: Esculturas de Elisa Bracher são um convite à passagem Ao comentar a obra de Elisa Bracher, o crítico Rodrigo Naves insere-a numa linha de tradição modernista, em que a grande escala de um trabalho escultórico tem a função inversa àquela que exerciam os grandes monumentos, que colocavam o espectador no seu devido lugar: um indivíduo menor do que o Estado. A hiperdimensão das obras modernistas, ao contrário, menos ideológica e mais formal, "supõe indivíduos e sociedades que sigam capazes de repotencializar a existência criando critérios de uma 9
OSÓRIO, Luiz Camillo. Razões da crítica. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2005. JAFFE, Noemi. Esculturas de Elisa Bracher são um convite à passagem. Folha de S. Paulo. São Paulo, 23/nov/2006, Caderno Ilustrada. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2311200617.htm Consultado em 23/03/2011. 10
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melhor convivência". O modernismo acabou etc., mas muitas perguntas ainda estão por aqui. Elisa Bracher, por exemplo, faz uma pergunta assustadora em sua simplicidade: "Quem é a cidade?". Poderíamos, na esteira, perguntar: "Quem é o espaço? Quem é o lugar?", e esse "quem" já faz toda a diferença, porque contém a mesma organicidade, a mesma força que age nas formas de ferro fundido e carcomido que ocupam o espaço da galeria. Quem são essas formas? São como grades sem barras, que ao invés de travar a passagem, convidam-na. Recentemente, a artista disse que "diferentemente da generosidade da natureza e da geografia, em SP tudo acontece do muro para dentro. Sejam as pessoas que têm mais dinheiro e trancam suas casas ou as que têm menos e se trancam por proteção". Uma repotencialização possível desses espaços solitários seria, por oposição a isolar-se, abrir-se utopicamente e, quem sabe, como sonhou João Cabral de Melo Neto: permitir "que o entusiasmo conserve vivas suas molas / e possa o ferro comer a ferrugem / o sim comer o não".
O questionamento não tem como fulcro uma suposta defasagem intelectual do leitor. Possivelmente ele [leitor] conseguirá apreender alguns sentidos do texto, mas seguramente para isso precisará repetir o processo de leitura algumas vezes. Considerando que a mídia jornal pressupõe conteúdos facilmente assimiláveis, capazes de alcançar igualmente um imenso espectro da sociedade, dos mais letrados aos semialfabetizados, o texto transcrito revela equívoco em sua opção estilística. Não pode ser considerada descabida a tese de que o texto jornalístico precisa ser acessível a todos que por ele se interessem, sendo exigível do leitor apenas o domínio da língua. Lamentavelmente, o texto de Noemi Jaffe não é exceção. Transformado em espectador do diálogo entre especialistas – artistas, crítico, curadores, historiadores da arte etc. – resta ao leitor a opção de fechar o jornal, talvez desanimado com a constatação de que seus conhecimentos estão muito aquém dos debates. Não é demais supor que a própria Arte Contemporânea lhe pareça inacessível, hipótese que, convenhamos, compromete a sua representatividade como expressão de uma época e/ou de um povo. A simples leitura de boa parte das críticas publicadas nos cadernos culturais revela
problemas
que
vão
da
falta
de
posicionamento
ao
hermetismo
conceitual/filosófico, que não apenas deixam de contribuir para a difusão das artes visuais, como representam dificuldade adicional para quem não faz parte do cenário artístico e deseja conhecer a produção contemporânea. O jornalista e ensaísta Daniel PIZA (2003:63) destaca características indesejáveis como achismo, palpite e comentários mal fundamentados. Obviamente a crítica periodística não apresenta apenas defeitos. A presente pesquisa se propõe, justamente, construir um perfil da crítica – publicada nos jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo durante a 29ª Bienal de Artes de São Paulo, ocorrida entre 25 de setembro e 12 de dezembro de 2010 – baseado em suas 18
características mais marcantes, de modo que este sirva como ponto de partida para estudos posteriores que se proponham indicar caminhos para corrigir falhas e ressaltar qualidades. Para facilitar a compreensão do tema, a apresentação da pesquisa foi dividida nos seguintes capítulos: No primeiro capítulo, Por que estudar a crítica de arte?, são apresentados os objetivos gerais e específicos da presente pesquisa. Busca-se, especificamente, delimitar as características gerais da crítica de arte contemporânea, perspectiva que, como objetivo geral, permite vislumbrar de que maneira atua a parte mais ‘nobre’ do jornalismo cultural, que é a crítica. No capítulo dois, Metodologia, é apresentado o objeto da presente pesquisa, com suas delimitações e a descrição de como foi coletado. Também faz parte deste capítulo a discussão sobre o instrumento de análise adotado, Análise Crítica do Discurso, bem como as justificativas para esta escolha. O terceiro capítulo, Crítica de arte: o que é e para que serve, apresenta a crítica na perspectiva de seu campo de atuação e sua inserção no universo das artes visuais. A partir de bibliografia consultada, discute-se o papel da crítica contemporânea, com ênfase naquela publicada em jornais de grande circulação. O capítulo quatro, A crítica periodística em análise, concentra a análise dos materiais coletados e as conclusões das análises sobre a Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo. No capítulo cinco, Considerações finais, o resultado das análises é discutido à luz dos conceitos sobre crítica de arte e jornalismo cultural apresentados no terceiro capítulo (Crítica de arte: o que é e para que serve?). O perfil proposto nesta pesquisa surge do confronto entre os conceitos e os resultados da análise. No sequência, é apresentada toda a Bibliografia consultada, mencionada ou não, que tenha contribuído de alguma forma para os resultados. Finalmente, em Anexos, as críticas analisadas na presente pesquisa estão disponíveis na íntegra para leitura, bem como os relatórios da coleta e classificação dos materiais. O percurso começou com a admissão da proposta de pesquisa pelo Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) no processo seletivo de 2009, realizado no último semestre do ano anterior, com a resposta afirmativa do professor José Leonardo do Nascimento ao meu pedido de orientação. 19
Com graduação em Filosofia, mestrado e doutorado em História, pós-doutorado sobre “Vínculos Culturais entre Brasil e Portugal no Final do Século XIX” e livre-docência em História da Arte, o professor José Leonardo leciona Estética e História da Arte e da Cultura Brasileira no referido Instituto. A crítica de arte e o jornalismo cultural são temas que merecem ser estudados pela contribuição que representam para a formação cultural da sociedade e a difusão das artes e da cultura em geral. A presente pesquisa se insere justamente neste contexto, ambicionando uma contribuição para a compreensão destas áreas. Longe de pretender esgotar o assunto, busca tão somente identificar as principais características da crítica de arte periodística contemporânea publicada em dois jornais de grande circulação – a Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo –, durante a 29ª Bienal de Artes de São Paulo, realizada entre 25 de setembro e 12 de dezembro de 2010.
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2. POR QUE ESTUDAR A CRÍTICA DE ARTE? JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS
Por debruçar-se sobre a crítica de arte periodística, a presente pesquisa situa-se na intersecção das Artes Visuais com a Comunicação Social, especificamente com o Jornalismo, objetivando identificar características recorrentes no discurso crítico que permitam compreender a natureza das mediações que ocorrem neste contexto e o papel do crítico enquanto agente social. Por extensão, será possível vislumbrar o papel do Jornalismo Cultural na difusão das diversas manifestações artísticas e culturais da sociedade. A pesquisa se justifica tendo em vista que por atuarem em grande escala, alcançando indistintamente e simultaneamente milhares de leitores, os jornais constituem-se em medias participantes da cultura com significativo impacto sobre a organização política e a vida cultural das sociedades contemporâneas. Os medias atuam simultaneamente como construtores de definições e de imagens da realidade social, e como expressão mais ampla da identidade das sociedades. Têm como propriedade catalisar o interesse de parcelas significativas da sociedade e criar um ‘ambiente’ cultural amplamente compartilhado (MCQUAIL, 2003:4)11. “As questões mais fundamentais para a sociedade – as que se referem à distribuição e ao exercício do
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MCQUAIL, Denis. Teoria da comunicação de massas. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.
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poder, à gestão de problemas e aos processos de integração e de mudança – todas dizem respeito à comunicação”. (Op. cit., 2003:5) Os jornais influenciam de tal forma a vida em coletividade que, contemporaneamente, são reconhecidos como instrumentos necessários ao bom funcionamento da sociedade. Na medida em que os agrupamentos humanos se tornaram maiores e mais complexos, que o poder político se fortaleceu e o interesse pessoal por assuntos que afetam a coletividade se elevou, na mesma medida aumentou a necessidade de um sistema que, ao mesmo tempo, fosse capaz de suprir a demanda por informação e interpretar os acontecimentos cotidianos. O teórico do jornalismo Luiz BELTRÃO12 descreve a referida condição nos seguintes termos: A complexidade do mecanismo social, os laços de complementação e interdependência, sejam nacionais ou internacionais, a insegurança e as crises; o processo de democratização política, econômica e social; a perda das tradições; a propagação e a difusão da cultura e da educação; a concentração das massas e sua aquisição de consciência – todos estes fatores e outros mais criam, alimentam, reforçam a necessidade de uma informação que abarque todos os acontecimentos da atualidade, porque todos eles têm, podem ter ou se supõe que tenham uma influência direta sobre a vida coletiva ou pessoal de todos os homens. (BELTRÃO, 2006:15)
A crítica de arte é uma parte fundamental do jornalismo cultural. Na presente pesquisa, a crítica publicada em jornais de grande circulação é identificada como ‘crítica periodística’, de modo a se diferenciar da ‘crítica especializada’, que se manifesta em periódicos voltados especificamente para o universo das artes e nos catálogos e/ou folhetos de exposições. Longe de sugerir uma relação hierárquica entre elas – hipótese impensável, pois os desafios e características de cada uma são definidos em função dos públicos aos quais se destinam –, a diferenciação se baseia na forma como cada uma se expressa e no alcance de seus julgamentos. Se, por um lado, a crítica especializada tem como interlocutor um público reduzido, porém especializado, a crítica periodística é um produto para ser ‘consumido’ por um público amplo, heterogêneo e não especializado. O leitor da crítica periodística tanto pode ser alguém que conhece profundamente o universo das artes, como o indivíduo que não consegue compreender o significado de instalações artísticas, de performances e objetos de arte. Portanto, são enormes os desafios da crítica periodística. Cabe ao crítico ‘traduzir’ a erudição e a
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BELTRÃO, Luiz. Teoria e prática do jornalismo. Adamantina, SP : FAI / Cátedra UNESCOMetodista de Comunicação / Edições Omnia, 2006
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complexidade da arte para uma linguagem acessível senão a toda a população, pelo menos a um universo bem mais abrangente que o de especializados. Daniel PIZA (2003:70)13, jornalista da área cultural, ensaísta e crítico literário, relaciona alguns requisitos que não podem faltar num bom texto de crítica periodística: Mas o que deve ter um bom texto crítico? Primeiro, todas as características de um bom texto jornalístico: clareza, coerência, agilidade. Segundo, deve informar ao leitor o que é a obra ou o tema em debate, resumindo sua história, suas linhas gerais, quem é o autor etc. Terceiro, deve analisar a obra de modo sintético mas sutil, esclarecendo o peso relativo de qualidades e defeitos, evitando o tom de “balanço contábil” ou a mera atribuição de adjetivos. Até aqui, tem-se uma boa resenha. Mas há um quarto requisito, mais comum nos grandes críticos, que é a capacidade de ir além do objeto analisado, de usá-lo para uma leitura de algum aspecto da realidade, de ser ele mesmo, o crítico, um autor, um intérprete do mundo. [Destaques acrescentados]
A estes requisitos, PIZA (2003:72) acrescenta ainda a necessidade de a crítica em jornais apresentar novidade e reflexão para o leitor e proporcionar uma leitura prazerosa pela argúcia, pelo humor e pela beleza. As considerações de PIZA vão ao encontro da opinião do pesquisador e teórico brasileiro da Folkcomunicação, Luiz BELTRÃO (1986:82),14 para quem a mensagem de massa deve ter um sentido, pressupondo que possa ser compreendida pelo leitor, sob pena de, caso contrário, não atingir o público mesmo em seus segmentos mais sofisticados e intelectualmente preparados.
2.1. Objetivos gerais e específicos A partir destas justificativas, os objetivos se delineiam como gerais e específicos, a saber: Objetivos gerais: Estudar o jornalismo cultural, suas peculiaridades e desafios, bem como a natureza da mediação por ele realizada entre as produções artísticas e o público-leitor. Objetivos específicos: Identificar as características do discurso da crítica de arte publicada na Folha de S. Paulo e n’O Estado de S. Paulo, recorrentes ao ponto de poderem ser consideradas como regras e/ou procedimentos da crítica na referida publicação. A partir desta identificação, obter resposta para as perguntas: a) Quais aspectos da atuação da crítica favorecem seus objetivos de mediar a relação entre arte e público? 13
PIZA, Daniel. Jornalismo cultural. São Paulo : Editora Contexto, 2003. BELTRÃO, Luiz; QUIRINO, Newton de Oliveira. Subsídios para uma teoria da comunicação de massa. São Paulo, 2ª edição, Editora Summus, 1986. 14
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b) Quais aspectos comprometem a efetividade desta mediação? c) A atuação da crítica periodística promove a aproximação entre público e arte?
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3. METODOLOGIA
3.1. Delimitações 3.1.1. Recorte da amostragem Tendo em vista o interesse da pesquisa pela crítica de arte periodística, fez-se necessário escolher publicações especializadas em jornalismo cultural que, analisadas, revelassem características que pudessem ser atribuídas a esse tipo de crítica. As publicações consideradas mais acessíveis foram os cadernos culturais dos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, respectivamente Caderno 2 (Cultura, aos domingos) e Ilustrada. Embora não sejam as únicas publicações do gênero, o fato de integrarem jornais de circulação nacional e reconhecidos internacionalmente, confere prestígio e credibilidade a ambos, o que permite serem tomados como representativos da crítica de arte periodística. Segundo ranking divulgado pela Associação Nacional de Jornais (ANJ)15, a Folha de S. Paulo é o segundo jornal do país, com circulação paga de 294.498 exemplares diariamente; O Estado de S. Paulo ocupa a quinta posição, com 236.369 exemplares diários. Outros jornais de circulação nacional e prestígio internacional, como O Globo (RJ), terceiro colocado no ranking, com 262.435 exemplares diários; Zero Hora (RS), sexto colocado, com 184.663 exemplares diários, também dispõem de cadernos culturais. Entretanto, nenhum tem a tradição dos jornais paulistanos: O Estado é 15
Associação Nacional de Jornais. Maiores Jornais do Brasil. Disponível em http://www.anj.org.br/aindustria-jornalistica/jornais-no-brasil/maiores-jornais-do-brasil Página consultada em 25/03/2011.
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publicado ininterruptamente desde 1875 (surgiu como A Província de S. Paulo e assim permaneceu até 1890); a Folha completou 90 anos de circulação em fevereiro de 2011. Outros jornais de grande circulação, alguns com tiragem superior aos da Folha, do Estadão, do Globo e do Zero Hora, adotam uma linha editorial popular – às vezes sensacionalista – o que exclui a possibilidade de serem considerados nesta pesquisa. A proximidade foi outro fator que determinou a preferência pelos jornais paulistanos. O fato de estarem sediados em São Paulo tornava mais fácil o contato com a redação, os jornalistas e a administração do jornal – caso fosse necessário. A inclusão de outras publicações na amostragem, se por um lado aumentaria a abrangência da pesquisa, por outro, tornaria a análise extremamente difícil de ser realizada em face das especificidades do instrumento metodológico adotado na pesquisa. A Análise Crítica do Discurso pressupõe a leitura atenta e reflexiva do objeto em análise, a interpretação crítica do texto e o rastreamento de pistas que conduzam à conclusão, procedimentos que exigem tempo excessivo de pesquisa quando a amostragem é extensa. Além disso, a adoção de amostragem de matrizes diferentes (características editoriais de cada veículo) poderia conduzir a análise a encruzilhadas difíceis de serem superadas. Sabe-se que cada publicação adota critérios próprios para classificar e publicar conteúdos. Embora a crítica de arte continue sendo crítica independentemente do veículo que a publique, a classificação dos gêneros de textos depende fundamentalmente das convenções internas de cada redação. Enquanto determinados veículos admitem certo grau de opinião e valoração em textos classificados como reportagem, outros só o permitem em gêneros específicos como artigos, resenhas, críticas e crônicas, por exemplo. Como se sabe, na prática nem sempre os limites entre os gêneros são claros. Na coleta dos textos, adotei como critério considerar todos os textos sobre artes visuais publicados na Folha (incluindo alguns publicados no caderno Acontece, que circula na Grande São Paulo e apresenta a agenda cultural da cidade, outros no caderno Mais, que começou a circular em 1992 e foi sucedido pelo Ilustríssima, ambos com circulação restrita aos domingos) e no Estadão (Caderno 2, de circulação diária, e Cultura, que circula aos domingos), para só posteriormente identificá-los segundo os formatos textuais e selecionar os que seriam submetidos à análise.
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3.1.2. Recorte temporal A decisão de reunir críticas publicadas em diferentes momentos da década de 2000 foi motivada pelo objetivo de construir um perfil que refletisse a crítica periodística do período. No âmbito da presente pesquisa, não seria viável analisar todas as críticas publicadas na década. A solução consistiu em determinar um período, de preferência o mais próximo possível da data atual, de forma que o resultasse fosse um retrato atualizado. A escolha por um evento que favorecesse a delimitação temporal recaiu sobre a 29ª Bienal de Artes de São Paulo, ocorrida entre os dias 25 de setembro e 12 de dezembro de 2010. A opção por este período levou em consideração a hipótese de que durante a Bienal de Artes haveria maior presença de matérias sobre artes visuais nos cadernos culturais, motivadas pelo evento de importância internacional. Havia, de antemão, a constatação de que as matérias sobre artes visuais não ocorrem com muita frequência nos cadernos culturais. Críticas de arte são publicadas com frequência ainda menor. Por esta razão, com objetivo de reduzir o risco de não conseguir quantidade representativa de material para análise, optei por colher a amostra durante a realização da Bienal. Portanto, o recorte temporal não tem relação direta com a Bienal de Arte. O evento serviu apenas como referencial delimitador das datas da amostragem.
3.2. Descrição da amostragem No período delimitado, foram selecionados 243 matérias sobre artes visuais, das quais 135 publicadas pela Folha de S. Paulo e 108 publicados pelo O Estado de S. Paulo. No Estadão, todas as matérias foram publicados no cultural Caderno 2. As 108 matérias são constituídas dos seguintes formatos: a) Reportagens ......................................................... 44 textos b) Entrevistas............................................................ 12 textos c) Perfis ...................................................................... 4 textos d) Notas / notícias .................................................... 29 textos e) Análises / artigos / ensaios ..................................... 6 textos f) Resenhas-críticas ................................................. 12 textos g) Resenha traduzida .................................................... 1 texto 27
A resenha traduzida não foi considerada na análise por ter sido produzida originalmente para o jornal The New York Times e posteriormente traduzida para publicação integral no Estadão. Por ter sido produzida em outra casa editorial, não estava sujeita aos critérios editoriais d’O Estado de S. Paulo, não contribuiria para a pesquisa e por esta razão foi desprezada. Na Folha, a maioria das matérias foi obtida no caderno Ilustrada, mas houve algumas poucas encontradas no caderno Acontece. Nas 135 matérias que compõem a amostragem da Folha, encontram-se os seguintes formatos textuais: a) Reportagens ......................................................... 70 textos b) Notícias ................................................................ 44 textos c) Artigo / Ensaio / Opinião ....................................... 8 textos d) Entrevistas.............................................................. 2 textos e) Críticas ................................................................. 11 textos A definição dos formatos textuais obedeceu à classificação de gêneros jornalísticos praticados no Brasil proposta por COSTA (2010:43)16, baseado nos estudos mais recentes sobre tipologia textual. Sinteticamente, COSTA recolhe destes estudos os seguintes gêneros: a) Jornalismo informativo: “resultado ... da articulação que existe, do ponto de vista processual, entre os acontecimentos reais que eclodem na realidade e sua expressão jornalística por meio do relato que visa informar o receptor “do que se passa” nessa realidade”. (2010:50) Fazem parte do gênero informativo os seguintes formatos: nota, notícia, reportagem e entrevista. b) Jornalismo opinativo: Gênero em que a opinião do autor se manifesta explicitamente. Embora a opinião seja intrínseca ao jornalismo, nos textos informativos ela é diluída nos processos de produção da notícia e na pretensa objetividade. No gênero opinativo, ao contrário, ela é preservada e explicitada. Fazem parte do gênero opinativo: editorial, comentário, artigo, resenha, coluna, crônica, caricatura, carta.
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COSTA, Lailton Alves. Gêneros jornalísticos. IN: MELO e ASSIS (Org.). Gêneros jornalísticos no Brasil. São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2010.
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c) Jornalismo interpretativo: Gênero jornalístico associado a textos que visam facilitar a compreensão, pelo leitor, de determinados temas abordados como gênero informativo e/ou como opinativo. Fazem parte do gênero interpretativo: dossiê, perfil, enquete e cronologia. d) Jornalismo utilitário: Informações de serviço constantes nas publicações. Fazem parte do gênero utilitário: indicador, cotação, roteiro, serviço. e) Jornalismo diversional: “É o jornalismo que, sem se afastar da trilha da informação, busca torná-la também saborosa, enriquecendo-a com recursos da narrativa de ficção”. (2010:72) Fazem parte do gênero diversional: história de interesse humano, história colorida. Mesmo em obra tão atual e assinada por importantes pesquisadores da Comunicação Social liderados pelo eminente professor Marques de Melo, persiste indefinição quanto aos formatos resenha e crítica. Às vezes mencionados como formatos assemelhados, outras vezes adotados como sinônimos, a questão é parcialmente elucidada por RÊGO e AMPHILO (2010:103), que em capítulo da mesma obra afirmam: “A resenha corresponde à apreciação de uma obra, tendo por finalidade orientar seus consumidores, ou apreciadores. Já a crítica é a unidade jornalística que cumpre a função de julgamento estético”. Embora a questão exija melhor caracterização dos formatos, para o uso da presente pesquisa basta a definição apresentada acima.
3.3. Instrumento de Análise A crítica de arte periodística ocupa um espaço de intersecção entre duas áreas distintas, a saber, as Artes Visuais e a Comunicação Social, mais especificamente o Jornalismo, cada qual definida por teorias e metodologias próprias. No campo do jornalismo, a crítica de arte faz parte do jornalismo cultural, setor responsável pela cobertura da produção, distribuição e recepção pelo público da imensa produção cultural disponibilizada tanto por sofisticadas estruturas empresariais da área do entretenimento, como por artistas independentes, às vezes solitários e carentes de apoio financeiro e logístico, que trazem à materialidade suas fantasias e gênio. Nessa perspectiva, soma aos procedimentos próprios do jornalismo – “selecionar aquilo que reportar (editar, hierarquizar, comentar, analisar), influir sobre os critérios de escolha dos leitores, fornecer elementos e argumentos para sua opinião” – os deveres do crítico: 29
“dever do senso crítico, da avaliação de cada obra cultural e das tendências que o mercado valoriza por seus interesses, e o dever de olhar para as induções simbólicas e morais que o cidadão recebe”. (PIZA, 2007:45). Inseridos na comunicação de massa – definida por BELTRÃO (1986:28) como meios de difusão de mensagens que permitem a recepção das mesmas informações de forma imediata e simultânea por públicos os mais vastos, heterogêneos e geograficamente dispersos – e cientes da dificuldade para explicar o valor artístico de determinadas obras a um público que muitas vezes sequer as aceita como arte (“isso aí até meu filho de 5 anos faz!”), publicações e críticos periodistas devem se esmerar na busca de uma linguagem que seja ao mesmo tempo adequada aos objetivos e acessível ao público-alvo. “Cada publicação da imprensa tem um público-alvo e deve se concentrar em falar com ele, sem abrir mão de tentar contribuir com sua formação, com a melhora do seu repertório”, sublinha PIZA. (2007:47) Ora, a operacionalização da linguagem resulta em mensagens que devem impactar os receptores. Este é o resultado esperado, pois trata-se de mensagem com valor de mercadoria que visa justamente “influir sobre os critérios de escolha dos leitores”, conforme PIZA. (2007:45). Luiz BELTRÃO (1986:104) afirma que as linguagens servem para intercambiar conhecimentos e experiências, e também emoções e sentimentos. O professor Beltrão explica que a preocupação com determinadas estruturas sintáticas, ou ordenamento da linguagem, visa atuar sobre o receptor na sua forma de sentir (campo do julgamento ou da estética), de pensar (campo do saber e do conhecimento), e de agir (campo dos padrões de comportamento ou conduta, abrangendo também o do fazer, do realizar). A busca e a transformação dessa matéria-prima (ideia, fato ou situação) em mensagem de difusão coletiva constituem a razão de ser da comunicação de massa e de seus agentes – autores, editores, jornalistas, publicitários, distribuidores, showmen, pesquisadores, técnicos. (BELTRÃO, 1986:104)
Sendo a crítica periodística, portanto, um produto integrado ao complexo sistema da comunicação de massa, é natural que se escolha conhecê-la prioritariamente na forma como ela se manifesta, ou seja, através das publicações nos jornais, sem levar em consideração o indivíduo por trás do texto, o autor da crítica, mas o crítico de arte enquanto ator social e integrante do universo das artes. Só posteriormente a identidade dos indivíduos poderá eventualmente ser considerada, visando complementar, corroborar ou contradizer as informações obtidas com a análise. 30
3.3.1. O discurso como prática social A razão para buscar nos textos os indícios que permitam conhecer a crítica de arte contemporânea se fundamenta na afirmação da professora Eni P. ORLANDI17, para quem os dizeres não são passíveis de mera compreensão através da decodificação de palavras e frases. Mais que isso, “são efeitos de sentidos que são produzidos em condições determinadas e que estão de alguma forma presentes no modo como se diz, deixando vestígios que o analista de discurso tem de apreender”. [Destaque acrescentado] (ORLANDI, 2007:30). A professora conceitua discurso como palavra em movimento, prática da linguagem, como “movimento dos sentidos, errância dos sujeitos, lugares provisórios de conjunção e dispersão, de unidade e de diversidade, de indistinção, de incerteza, de trajetos, de ancoragem e de vestígios: isto é discurso, isto é o ritual da palavra. Mesmo o das que não se dizem”. (2007:10). Em outra obra18, ORLANDI define discurso como “efeito de sentidos entre interlocutores, enquanto parte do funcionamento social geral”, cujo sentido está sujeito às suas condições de produção, a saber, o papel social dos interlocutores, a situação e o contexto sóciohistórico no qual o discurso ocorre. “Quando se diz algo, alguém o diz de algum lugar da sociedade para outro alguém também de algum lugar da sociedade e isso faz parte da significação”. (1996:26). O também professor e linguista Norman FAIRCLOUGH19 contribui com a definição de discurso nos seguintes termos: Ao usar o termo ‘discurso’, proponho considerar o uso de linguagem como forma de prática social e não como atividade puramente individual ou reflexo de variáveis situacionais. Isso tem várias implicações. Primeiro, implica ser o discurso um modo de ação, uma forma em que as pessoas podem agir sobre o mundo e especialmente sobre os outros, como também um modo de representação. (...) Segundo, implica uma relação dialética entre o discurso e a estrutura social, existindo mais geralmente tal relação entre a prática social e a estrutura social: a última é tanto uma condição como um efeito da primeira. (...) O discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem: suas próprias normas e convenções, como também relações, identidades e instituições que lhe são subjacentes. O discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado. (FAIRCLOUGH, 2008:90-91) [Destaque acrescentado]
Ainda segundo FAIRCLOUGH, os discursos contribuem para a construção de ‘identidades sociais’ e ‘posições de sujeito’, para a construção de relações sociais entre 17
ORLANDI, Eni P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. 7ª edição, Campinas, Pontes Editores, 2007 18 _____________. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas : 4ª edição, Editora Pontes Editores, 1996. 19 FAIRCLOUGH, Norman. Discurso e mudança social. Brasília, Editora da UNB, 2008
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as pessoas e também para a construção de sistemas de conhecimento e crença. “Estes três efeitos correspondem respectivamente a três funções da linguagem e a dimensões de sentido que coexistem e interagem em todo discurso – o que denominarei as funções da linguagem ‘identitária’, ‘relacional’ e ‘ideacional’. ” (2008:91-92) A função identitária relaciona-se aos modos pelos quais as identidades sociais são estabelecidas nos discursos, a função relacional a como as relações sociais entre os participantes do discurso são representadas e negociadas, a função ideacional aos modos pelos quais os textos significam o mundo e seus processos, entidades e relações. (...) Hallidey (1978) também distingue uma função ‘textual’ que pode ser utilmente acrescentada à minha lista: isso diz respeito a como as informações são trazidas ao primeiro plano ou relegadas a um plano secundário, tomadas como dadas ou apresentadas como novas, selecionadas como ‘tópico’ ou ‘tema’, e como partes de um texto se ligam a partes precedentes e seguintes do texto, e à situação social ‘fora’ do texto. (2008:91-92)
O linguista defende que, se por um lado, os discursos podem contribuir para as reproduções da sociedade, com a reificação de identidades sociais e crenças, por outro, também podem transformá-la. Contudo, a atuação dos discursos sobre a sociedade não deve ser tomada como determinante social ou ainda como construtora de padrões sociais. O autor alerta que tais concepções conduzem a conclusões errôneas por desconsiderar a maneira dialética pela qual os discursos interagem com as estruturas sociais. “No primeiro caso, o discurso é mero reflexo de uma realidade social mais profunda; no último, o discurso é representado idealizadamente como fonte do social”. (Idem). FAIRCLOUGH defende ainda que “a constituição discursiva da sociedade não emana de um livre jogo de ideias nas cabeças das pessoas, mas de uma prática social que está firmemente enraizada em estruturas sociais materiais concretas, orientando-se para elas”. (2008:93) O discurso como prática política é não apenas um local de luta de poder, mas também um marco delimitador na luta de poder; a prática discursiva recorre a convenções que naturalizam relações de poder e ideologias particulares e as próprias convenções, e os modos em que se articulam são um foco de luta. (...) Em lugar de dizer que tipos de discurso particularmente têm valores políticos e ideológicos inerentes, direi que diferentes tipos de discurso em diferentes domínios ou ambientes institucionais podem vir a ser ‘investidos’ política e ideologicamente de formas particulares. (2008:94-95) [Destaque acrescentado]
A aproximação entre campos de estudos paralelos, a Linguística e a Sociologia, resulta na Sociolinguística, que se ocupa da linguagem relacionando o ato da fala não apenas ao ambiente social do indivíduo, sua cultura e seu papel na sociedade, como também às relações de força (ideologias) que atuam na construção dos discursos. Segundo ORLANDI (1996:98)
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A um determinado tipo de estrutura social acompanharia determinado tipo de estrutura linguística. Condicionamento recíproco desses dois tipos de estrutura: condicionamento linguístico da sociedade – quando a língua cria a identidade; condicionamento social da língua – quando a estrutura da sociedade está refletida na estrutura linguística. Entretanto, ainda assim são relações que permanecem exteriores ao fato linguístico. A questão decisiva para a sociolinguística está em como considerar aquilo que é socialmente constitutivo da linguagem. Para Saussure, a língua é um fato social. O que é fato social, para Saussure? É representação coletiva (exterior ao indivíduo), dotada de um poder de coerção em virtude do qual os fatos sociais se impõem ao indivíduo, e têm por substrato e suporte a consciência coletiva.
A sociolinguística compreende que o uso da língua pressupõe uma recorrência a hábitos adquiridos, em que o reflexo, o ato automático, se sobrepõe ao ato consciente. “Pode-se falar pensando em palavras sem que o pensamento das coisas esteja efetivamente em movimento”, afirma ORLANDI. (1996:100). Por exemplo, a expressão “mulato” decorre de um hábito linguístico que não aciona necessariamente o pensamento racista consciente – embora a ideia racista esteja presente na origem do uso da palavra “mulato” para designar o indivíduo nascido da mestiçagem entre brancos e negros. Em FAIRCLOUGH, a ideia de discurso como prática social está relacionada à ideologia, relação que ocorre na forma de “significações/construções da realidade (o mundo físico, as relações sociais, as identidades sociais) que são construídas em várias dimensões das formas/sentidos das práticas discursivas” e atuam produzindo, reproduzindo ou transformando relações de dominação. (2008:117). O linguista declara concordância com o ponto de vista de Palmer Thompson, para quem o uso da linguagem pode ocorrer de forma ideológica, na medida em que objetiva manter ou estabelecer relações de dominação. “As ideologias embutidas nas práticas discursivas são muito eficazes quando se tornam naturalizadas e atingem o status de ‘senso comum’ ”, afirma FAIRCLOUGH. (Idem) O componente ideológico se manifesta nos discursos quando estes incorporam significações que promovem a manutenção das relações de poder ou a transformação das mesmas. A adoção, por parte da crítica de arte, de um discurso marcado por expressões difíceis de serem compreendidas pelos leitores de jornais pode ser considerada uma forte afirmação de poder baseado em conhecimento que permanece inacessível para extensos segmentos da sociedade, contrariando a sua finalidade de mediar a relação entre as artes visuais e o público – conforme abordado na abertura do capítulo sobre a crítica. A escolha lexical pode não apenas atuar como fronteira de feudos, como reforçar a ideia de sua inexpugnabilidade.
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A condição contrária é designada por FAIRCLOUGH como “democratização” do discurso, assim entendida a “retirada de desigualdades e assimetrias dos direitos, das obrigações e do prestígio discursivo e linguístico dos grupos de pessoas” (2008:248), o que sugere que a sociedade ou grupo social exposto ao uso ideológico da linguagem esteja inapelavelmente condenado à dominação; ele pode, ao contrário, transcender o discurso e seus efeitos assumindo discurso contrário que force mudanças no discurso hegemônico e altere as relações de força. Esta possibilidade reforça o caráter dialético da relação entre discurso e sociedade. Segundo o linguista, ... um evento discursivo pode ser uma contribuição para preservar e reproduzir as relações e as hegemonias tradicionais de gênero [ou outras relações20] e pode, portanto, ligar-se a convenções problematizadas, ou pode ser uma contribuição para a transformação dessas relações mediante a luta hegemônica; dessa forma, tentando resolver os dilemas pela inovação. Os próprios eventos discursivos têm efeitos cumulativos sobre as contradições sociais e sobre as lutas ao seu redor. Assim, para resumir, os processos sociocognitivos serão ou não inovadores e contribuirão ou não para a mudança discursiva, dependendo da natureza da prática social. (2008:128)
Citado por Orlandi, o linguista norteamericano William LABOV (In: ORLANDI, 1996:102) designa os grupos sociais que compartilham as mesmas normas de uso da língua como “comunidades linguísticas”, conceito que vai ao encontro do objetivo da presente pesquisa, que procura abstrair – num primeiro momento – a figura do indivíduo que exerce a função de crítico de arte, em favor da coletividade dos críticos de arte, como comunidade linguística cuja forma peculiar de operacionalizar a língua será oportunamente demonstrada. As comunidades linguísticas são identificadas como diatópicas, quando se diferenciam por singularidades regionais, diástricas, quando se singularizam em função da posição social que ocupam, e diafásicas, quando as peculiaridades estão relacionadas às funções da linguagem e aos estilos adotados. Considerando esta classificação, os críticos de arte constituem um grupo simultaneamente diástrico, pela posição social, e diafásico, pela atuação da linguagem como fronteira de um campo específico. Esta definição aponta para um problema periférico da presente pesquisa, relacionado à adequação da linguagem adotada pela crítica periodística. A condição de produto midiático, e portanto inserido na lógica da comunicação de massa, impõe à crítica a necessidade de se expressar numa linguagem que possa ser compreendida pelo público ao qual se destina, o que muitas vezes não ocorre. A questão é colocada como hipótese, já que a comprovação exigiria a realização de pesquisa de opinião com leitores de 20
Comentário acrescentado.
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jornais – o que não está previsto. Entretanto, a análise dos textos revelará indícios que validam a hipótese. Estas considerações visam demonstrar a pertinência da análise da crítica periodística a partir de sua produção textual, ou seja, de seu discurso, aspecto a partir do qual é possível, inclusive, construir um perfil desta crítica. Consolidada esta etapa, parte-se para a identificação e a descrição de um instrumento metodológico adequado aos objetivos da pesquisa.
3.3.2. Análise Crítica do Discurso O linguista e professor Dominique MAINGUENEAU21 descreve a Análise do Discurso como uma busca por sentidos ocultos nos textos, que permanecem inacessíveis quando não se utilizam técnicas apropriadas para encontrá-los. Citando Michel Pêcheux, MAINGUENEAU alerta que não é objetivo da Análise do Discurso identificar “o” sentido do texto, mas oferecer suporte para uma leitura de níveis opacos do texto. “O desafio crucial é o de construir interpretações, sem jamais neutralizá-las, seja através de uma minúcia qualquer de um discurso sobre o discurso, seja no espaço lógico estabilizado com pretensão universal”. (1997:11) A Análise do Discurso à qual MAINGUENEAU se refere é conhecida como “Escola Francesa de Análise do Discurso”, em oposição à “Escola Anglo-Saxã”. Fundada a partir da Linguística, a primeira considera como “discurso” o texto escrito no contexto de um quadro institucional, enquanto a segunda, proveniente da Antropologia, assume como “discurso” a expressão oral na conversação cotidiana. À primeira interessa analisar os discursos para identificar a maneira como se constroem e as relações destes com os fatos sociais; a segunda limita-se à descrição dos textos visando identificar o potencial de comunicação neles existentes e as transformações da língua reveladas pela fala dos interlocutores. À Análise do Discurso de linhagem francesa, fortemente influenciada pelo pensamento de Michel Foucault (1926–1984), FAIRCLOUGH propõe uma metodologia de análise que leve em consideração a dimensão dialética nas relações entre discurso e sociedade. Embora reconheça a relevância de importantes postulados de Foucault para a Análise do Discurso, como a noção de “biopoder” que descreve a relação entre poder e conhecimento na sociedade moderna, conceito segundo o qual o conhecimento 21
MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso. Campinas : 3ª edição, Editora da Unicamp, 1997.
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(especialmente o gerado pelas ciências sociais) alimenta os detentores do poder com técnicas que permitem a perpetuação de seu poderio, técnicas estas que se manifestam na forma de práticas discursivas, FAIRCLOUGH aponta deficiências em alguns aspectos do pensamento de Foucault. Acusa-o, por exemplo, de valorizar excessivamente o poder de dominação das práticas discursivas e desconsiderar a possibilidade de a dominação ser contestada, a possibilidade dos grupos dominados se oporem aos sistemas discursivos dominantes, ao choque entre as forças sociais, as possibilidades de mudança nas relações de poder. “Na totalidade de seu trabalho e nas análises principais, a impressão dominante é a das pessoas desamparadamente assujeitadas a sistemas imóveis de poder”, afirma FAIRCLOUGH. (2008:83). FAIRCLOUGH apresenta a Análise Crítica do Discurso (ACD) como método mais eficaz para explicitar as relações entre as práticas discursivas e as estruturas sociais e culturais; que permite investigar a maneira como as relações de poder e a luta social influenciam ideologicamente as práticas discursivas; e, considerando a “opacidade” das relações entre discurso e sociedade, de forma que esta opacidade contribui para perpetuar a hegemonia de determinados grupos sociais. “Ao me referir à opacidade, estou sugerindo que tais ligações entre o discurso, a ideologia e o poder podem muito bem ser obscuras para aqueles envolvidos, e mais geralmente que a nossa prática social é atada a causas e efeitos que podem não ser aparentes de forma nenhuma”. (In: MAGALHÃES, 2001:35)22 O professor inglês defende a existência de três dimensões nos eventos discursivos, que não podem ser ignoradas na análise: Cada evento discursivo tem três dimensões ou facetas: é um texto falado ou escrito, é uma instância de prática discursiva envolvendo a produção e a interpretação do texto, e é uma amostra da prática social. Essas são as três perspectivas que podem ser levadas em conta, três maneiras complementares de leitura, num evento social complexo. Na análise dentro da dimensão da prática social, meu foco é político, sobre o evento discursivo dentro das relações de poder e dominação. (Idem)
FAIRCLOUGH recomenda que o texto seja analisado a partir da relação forma– significado, numa interdependência necessária. Para o autor, qualquer texto constitui-se do entrelaçamento de significados “ideacionais”, “interpessoais” e “textuais”, que indicam, respectivamente, a “representação e a significação do mundo e da experiência, a constituição (estabelecimento, reprodução, negociação) das identidades dos 22
FAIRCLOUGH, Norman. A análise crítica do discurso e a mercantilização do discurso público: as universidades. IN: MAGALHÃES, Célia Maria (Org.). Reflexões sobre a análise crítica do discurso. Belo Horizonte, Faculdade de Letras da UFMG, 2001
36
participantes e as relações sociais e pessoais entre eles, e a distribuição da informação dada versus nova e da informação foco versus aquela de pano de fundo (no sentido mais amplo)”. (2001:36) O professor inglês se opõe ainda à tradição que defende o caráter arbitrário dos signos linguísticos, afirmando que, ao contrário, “os signos são socialmente motivados, isto é, que há razões sociais para combinar significantes particulares a significados particulares”. (2008:103) Além disso, FAIRCLOUGH destaca que os textos são influenciados [na forma] por convenções que os dota de significado potencial. Ou seja, a adoção de determinada forma discursiva não resulta de opção tomada livremente pelo autor, mas da obediência a determinados paradigmas formais legitimadores do discurso, aspecto que deve ser levado em consideração pelo analista. Desta forma, os textos são apresentados por FAIRCLOUGH como um complexo de significados diversos, sobrepostos e às vezes contraditórios, o que os torna abertos a múltiplas interpretações. “Os intérpretes geralmente reduzem essa ambivalência potencial mediante opção por um sentido particular, ou um pequeno conjunto de sentidos alternativos”. (2008:103) Entretanto, o professor destaca a existência de ‘dimensões sociocognitivas’ que atuam tanto sobre a produção como da interpretação textual, dimensões estas interiorizadas pelos participantes do discurso e que são trazidas para dentro do processamento textual e do próprio texto. “Tais processos geralmente procedem de maneira não-consciente e automática, o que é um importante fator na determinação de sua eficácia ideológica – embora certos aspectos sejam mais facilmente trazidos à consciência do que outros”. (2008:109) FAIRCLOUGH indica quatro aspectos que devem ser considerados pelo pesquisador durante a análise textual e que devem ser tomados de forma ascendente: a) Vocabulário: foco nas palavras individuais; b) Gramática: foco na combinação das palavras em orações e frases; c) Coesão: foco na ligação entre orações e frases; d) Estrutura textual: foco nas propriedades organizacionais do texto. Indica,
também,
outros
três
aspectos
que
devem
ser
considerados
especificamente na análise da prática discursiva – processos de produção, distribuição e consumo textual –, embora também envolvam aspectos formais dos textos: a) Força dos enunciados: Tipos de ‘atos de fala’ (promessas, pedidos, ameaças etc) constituídos. É um gatilho que aciona ações (respostas a uma 37
determinada ordem, a ameaças, a perguntas, a promessas etc). Nesta perspectiva, a identidade social dos participantes influencia diretamente a efetividade da força dos enunciados. Quanto maior a ascendência de quem fala sobre quem recebe a mensagem, maior será a força dos enunciados. b) Coerência dos textos: Extrapola a concepção tradicional que considera o sentido como propriedade dos textos, incluindo-o também como propriedade das interpretações. “... um texto só faz sentido para alguém que nele vê sentido, alguém que é capaz de inferir essas relações de sentido na ausência de
marcadores
explícitos”,
afirma
FAIRCLOUGH
(2008:113).
A
possibilidade de interpretação pode inclusive estar subordinada a pressupostos ideológicos, por exemplo quando alguém diz: “Ela pede demissão na próxima quarta-feira. Está grávida”, cuja interpretação está subordinada ao pressuposto de que as mulheres param (ou devem parar) de trabalhar quando têm filhos. Na medida em que os intérpretes tomam essas posições e automaticamente fazem essas conexões, são assujeitados pelo texto, e essa é uma parte importante do ‘trabalho’ ideológico dos textos e do discurso na ‘interpelação do sujeito’. Entretanto, existe a possibilidade não apenas de luta quanto a diferentes leituras dos textos, mas também de resistência às posições estabelecidas nos textos. (2008:113-114)
c) Intertextualidade: FAIRCLOUGH aponta três dimensões relacionadas à intertextualidade: produção, distribuição e consumo. A primeira concerne à produção textual e lhe confere um caráter histórico: os textos sempre respondem a textos prévios, como acréscimos a estes. A participação destes textos prévios às vezes pode ser explicitamente delimitada e em outras, de tão
mesclados,
dificilmente
é
identificada.
Na
distribuição,
a
intertextualidade se manifesta pela ‘movimentação’ dos textos, que passam de um meio a outro sofrendo as inevitáveis transformações. Por exemplo, uma reportagem sobre determinada exposição de arte, cujo texto primário (a exposição) está presente na reportagem, mas não se trata do mesmo texto. Na terceira dimensão, o consumo, que diz respeito à interpretação do texto, é influenciado por outros textos que os intérpretes trazem ao processo de interpretação – o repertório do receptor que de alguma forma está relacionado ao texto.
38
“Reunidos, esses sete itens constituem um quadro para a análise textual que abrange aspectos de sua produção e interpretação como também as propriedades formais dos textos”. (2008:103-104) FAIRCLOUGH (2008:282) indica as categorias de análise que permitem uma abordagem do texto em seus diferentes aspectos, ressalvando que nem todas precisam ser utilizadas, já que “algumas das categorias são provavelmente mais relevantes e úteis que outras”, podendo o analista selecionar aquelas que apresentem maior proximidade do seu interesse de pesquisa. a) Prática discursiva a. Interdiscursividade: tem como objetivo especificar os tipos de discurso identificados na mostra discursiva em análise e de que maneira atuam. b. Cadeias intertextuais: objetiva especificar as cadeias textuais das quais a amostra textual participa, transformando ou sendo transformada. c. Coerência: objetiva verificar as implicações das propriedades intertextuais e interdiscursivas, na perspectiva da interpretação. Esta categoria de análise envolve a realização de pesquisa sobre a maneira como os textos são interpretados pelos leitores em busca de respostas para questões como o trabalho inferencial que é requerido dos leitores. d. Condições da prática discursiva: Objetiva especificar as práticas sociais relativas à produção e ao consumo do texto. O texto resulta de uma produção individual ou coletiva? O consumo é individual ou coletivo? As pessoas do animador, autor e principal são a mesma ou diferentes? e. Intertextualidade
manifesta:
Que
outros
textos
descrever
as
constituem
manifestamente a amostra textual? b) Texto a. Controle
interacional:
Objetiva
propriedades
organizacionais da interação, identificando se há controle interacional assimetricamente exercido ou se o mesmo é negociado entre os participantes.
39
b. Coesão: Objetiva a maneira como orações e períodos se conectam no texto e a retórica daí resultante. Que relações funcionais existem entre as orações e períodos? c. Polidez: Identificar as estratégias de polidez adotadas pelos participantes visando expor as diferenças entre eles e a posição social de cada um. d. Ethos: Permite reunir características que constroem a identidade social por trás do texto. e. Gramática: A partir de três dimensões específicas da oração, transitividade, tema e modalidade, procura identificar as funções da linguagem ideacional, textual e interpessoal. i. Transitividade: Objetiva identificar tipos de processo e participantes privilegiados pelo texto e as escolhas de voz (ativa ou passiva). Interessam, também, a agência, a expressão de causalidade e a atribuição de responsabilidade. Que tipos de processo (ação, evento, relacional, mental) são mais usados e que fatores podem ser considerados em função disso? ii. Tema:
Objetiva
identificar
a
existência
de
padrões
discerníveis na estrutura temática do texto que justifique as escolhas dos temas das orações. Qual é a estrutura temática do texto e que suposições lhe são subjacentes? Os temas são frequentes e, em caso positivo, quais são suas motivações? iii. Modalidade: Objetiva avaliar o significado relativo das características da modalidade visando as relações sociais presentes no discurso e o controle das representações da realidade. Que tipos de modalidade são mais frequentes? São predominantemente
subjetivas
ou
objetivas?
Que
características de modalidade (verbos modais, advérbios modais etc) são mais usadas? f. Significado das palavras: Concentra-se nas palavras-chave e no significado cultural destas, nas palavras com significados variáveis e mutáveis, e no significado potencial de determinadas palavras –
40
considerando uma estrutura particular de significados – como uma manifestação de hegemonia e foco de luta. g. Criação de palavras: Identificar a lexicalização específica do texto comparando-a à estrutura lexical de outros textos, identificando a perspectiva interpretativa que subjaz à escolha lexical adotada. O texto contém itens lexicais novos e, em caso positivo, que significado teórico, cultural e ideológico eles têm? Que relações intertextuais estão delineadas para a lexicalização no texto? Há evidências de perífrase ou relexicalização de certos domínios de sentido? h. Metáfora: Observar as metáforas adotadas na amostra discursiva e contrastá-las com as utilizadas com sentido semelhante em outros textos,
determinando
que
fatores
(cultural,
ideológico
etc.)
determinam a escolha das metáforas. c) Prática social: Objetiva identificar a prática social na qual a prática discursiva se insere, o que permite explicar as características da prática discursiva. Considerando o caráter dialético da Análise Crítica do Discurso, objetiva também identificar os efeitos da prática discursiva sobre a prática social. a. Matriz social do discurso: Procura identificar as estruturas sociais participantes da prática discursiva e as relações hegemônicas entre elas. De que modo a mostra discursiva participa dessa relação: é convencional e normativa, criativa e inovadora, orientada para reestruturá-la, opositiva etc.? Quais os seus efeitos nas perspectivas de reprodução ou transformação? b. Ordens de discurso: Identifica as relações das práticas sociais e discursivas com as ordens de discurso e as contribuições daquelas para a reprodução ou transformação das ordens de discurso com as quais se relaciona. c. Efeitos ideológicos e políticos do discurso: Objetiva identificar os sistemas de conhecimento e crença, as relações sociais e as identidades sociais que permeiam a prática discursiva.
41
4. CRÍTICA DE ARTE: O QUE É E PARA QUE SERVE?
Conceitual, difícil de ser compreendida, abstrata, indecifrável, polêmica, questionadora, engajada, plural, experimental, metalinguística, caótica, performática, multimidiática, indefinível. As artes visuais contemporâneas são tudo isso e muito mais. Se por um lado a multiplicidade de adjetivos representa alargamento de fronteiras e ruptura com antigas tradições, por outro, tem o condão de causar perplexidade na maioria das pessoas. Apreciar a arte da época sempre foi um desafio para não iniciados por ser uma produção do momento, uma novidade à qual as pessoas ainda não estão habituadas. Quanto mais ela se afasta da representação naturalista em direção à abstração e à conceitualidade, mais difícil se torna compreendê-la. O hermetismo, de que muitas pessoas se queixam, é intrínseco à arte Contemporânea desde que os artistas, abandonando a arte figurativa, decidiram que a fruição das obras não deveria mais ocorrer somente com as sensações estéticas, mas principalmente com o intelecto. Desde que Kandinsky, nos anos 1910, cansado dos modelos vivos e das paisagens, decidiu abstrair completamente as formas naturais da sua pintura, o interesse despertado pela arte se deslocou da reprodução do real para a arte em si, permitindo que a fruição se concentre nas soluções técnicas adotadas pelo artista, nas suas concepções estéticas e na intenção motivadora da obra. A avaliação baseada na semelhança com o mundo natural cedeu espaço àquela cujos parâmetros são as poéticas adotadas e a adesão da obra a concepções filosófico-ideológicas.
42
A arte Contemporânea não tem compromisso com a ornamentação. Ela quer provocar reflexão, quer denunciar, quer incomodar, quer surpreender – em que pese, paradoxalmente, movimentar um mercado mundial de altas cifras alimentado por colecionadores que acabam por adotar as obras como ornamentos de suntuosas mansões e com isso fazendo a riqueza de galeristas, marchands e alguns poucos artistas. Em seus Escritos sobre arte, GOETHE (2008:140) 23 simula um diálogo com um defensor do naturalismo nas artes, no qual demonstra o quão superior pode ser a arte que prescinde da fidelidade mimética: Uma obra de arte completa é uma obra do espírito humano, e nesse sentido também uma obra da natureza. Mas na medida em que os objetos dispersos são compreendidos conjuntamente e mesmo os mais comuns são acolhidos em seu significado e dignidade, ela está além da natureza. Ela quer ser apreendida pelo espírito que nasceu e foi formado harmoniosamente, e este encontra o que é excelente, o que é em si mesmo perfeito também de acordo com a sua natureza. O apreciador comum não possui conceitos sobre isso, ele trata uma obra de arte como um objeto que encontra no mercado, mas o verdadeiro apreciador não apenas vê a verdade do que é imitado, mas também os méritos do que é escolhido, o que é rico de espírito na combinação, o que é supraterreno do pequeno mundo artístico, ele sente que precisa se elevar ao artista, a fim de desfrutar da obra, ele sente que deve se concentrar a partir de sua vida dispersa, habitar com as obras de arte, observá-las repetidamente e, desse modo, dar a si mesmo uma existência mais elevada. [Destaque acrescentado]
O pensador e autor alemão identifica na manifestação artística uma existência autônoma, livre de compromissos com a realidade natural, o que lhe confere a possibilidade de se expressar por meio de linguagens incomuns e portanto pouco acessíveis a quem não “habita com as obras de arte” e tampouco as “observa repetidamente”. Com estas afirmações, feitas em 1798, Goethe antecipa em quase um século o pensamento modernista que revolucionaria as concepções artísticas e culturais europeias no fim do século XIX e posteriormente no Brasil, na década de 1920. Na medida em que o Modernismo se estabelece, maior se tornou a dificuldade do indivíduo comum, que não “habita com as obras de arte”, compreender as expressões artísticas e, por decorrência, maior se faz a dificuldade para que elas sejam apreciadas por amplos segmentos da sociedade. Não se afirma, com estes termos, que a fruição da obra de arte só possa ocorrer mediante preparação intelectual prévia do indivíduo. Ao contrário, conforme exposto na página 12 desta dissertação, a fruição artística ocorre como prerrogativa do indivíduo independentemente da contribuição de mediadores. No entanto, na medida em que o indivíduo, desejando transpor a leitura superficial busca uma experiência mais profunda com a obra, são os indivíduos e as estratégias 23
GOETHE, Johann Wolfgang. Escritos sobre arte. São Paulo, 2ª edição, Ed. Humanitas e Imprensa Oficial do Estado de SP, 2008
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mediadores – entre os quais destaca-se a crítica de arte – que podem conduzi-lo a uma fruição artística mais ampla e profunda, auxiliando-o a constituir um conhecimento intelectual sobre a obra. O esforço empreendido por museus públicos e particulares, curadores, arteeducadores, críticos e escolas de História da Arte visa, justamente, a disseminação da cultura das artes visuais e a formação de públicos. A discordância fica a cargo de Joseph Kosuth, comentado por Annateresa FABRIS (2005:90)24, para quem “a arte conceitual, por sua própria natureza, prescinde de um público exterior”, equiparando-a à ciência e à filosofia, “que não possuem público no sentido corriqueiro do termo”. Para o artista estadunidense, a crítica se torna supérflua na arte conceitual na medida em que esta contém em si mesma a reflexão e as indagações sobre os conceitos de arte. Segundo FABRIS, “a crítica e a história da arte não interessam a Kosuth por serem exteriores à práxis, por trabalharem com conceitos e noções de maneira impassível e acadêmica, o que não permite um conhecimento e uma análise adequada da produção artística”.25 A própria professora refuta a tese do artista citando Duchamp, para quem as formas não têm significado próprio ou determinado cabalmente pelo artista, dependendo de público, portanto, para que existam como obras de arte. É o ato de fruição que lhe confere um significado, ao retirá-la da esfera da instrumentalidade e ao remetê-la ao âmbito da cultura e da história. A fruição e a decodificação de uma obra são um juízo crítico tão válido quanto a posterior operação da historiografia: o ato de criação é completado pelo espectador no momento em que coloca a obra em contato com o mundo exterior, decifrando e interpretando suas qualificações profundas. (2005:91)26
É no hiato existente pelo despreparo de uma parcela significativa do público para a fruição da arte e à necessidade da obra ser decodificada para que exista em plenitude, que atuam curadores, arte-educadores e críticos de arte. Se a atuação dos primeiros pode ser contada às centenas ou milhares, a da crítica periodística, que se expressa em jornais e revistas de grande circulação, tem potencial para alcançar centenas de milhares de leitores. Atuando num espaço entre o circuito das artes e o jornalismo especializado, o crítico abre caminhos para que obras e artistas sejam inscritos nos anais da História da Arte. Para a professora e presidente da Associação Brasileira de Críticos de Arte (ABCA), Lisbeth Rebollo Gonçalves, quanto mais caótica 24
FABRIS, Annateresa. E no princípio foi Duchamp... IN: GONÇALVES, Lisbeth Rebollo; FABRIS, Annateresa (Org.). Os lugares da crítica de arte. São Paulo, ABCA e Imprensa Oficial do Estado de SP, 2005. 25 Idem. 26 Idem.
44
a arte for considerada, maior a necessidade de sua inserção na História da Arte, antes que seus registros desapareçam. Segundo GONÇALVES (2005:41) 27 Dessa forma, o crítico, como o curador, atua no processo de legitimação da arte contemporânea no seguinte sentido: identificando-a em relação a fontes histórias do passado distante ou próximo, de modo que, assim explicada, ela seja colocada, mesmo com seus efeitos de novidade, na teia histórica. O crítico acelera a sua “historização” e reorganiza o sistema artístico. Uma das funções do crítico é, então, a promoção da reapropriação das obras de arte, como objetos situados na teia cultural. Ele impulsiona a revisão de significados, colocaos em processo de reconstrução, dentro dos parâmetros do seu tempo.
O ponto de vista defendido pela professora Lisbeth GONÇALVES faz eco ao pensamento do historiador e crítico Giulio Carlo ARGAN: O alto grau de especialização e o peso cultural cada vez maior da crítica de arte, na segunda metade do século passado [século XIX] e especialmente no nosso [século XX], demonstram que esta responde a uma necessidade objetiva e não pode ser considerada uma atividade secundária ou auxiliar relativamente à própria arte. É, efetivamente, impossível entender o sentido e o alcance dos fatos e dos movimentos artísticos contemporâneos sem ter em conta a literatura crítica que a eles se refere. (1993:127128)28
O historiador e crítico italiano situa a crítica militante ao lado da História da Arte como disciplina fundamental para a mediação da arte com seus públicos, avaliando a pertinência daquela, seus significados e alcance. “... visto que a crise se manifesta como dificuldade de comunicação entre a arte e a sociedade, a crítica funciona como mediadora orientando os interesses e as escolhas do público”, anota ARGAN (1993:23), para quem a disseminação de informações relacionadas à arte antiga e à moderna aumentou significativamente graças aos veículos de comunicação de massa, nos quais a crítica militante atua. Esta observação de ARGAN permite retomar o raciocínio de páginas atrás, sobre o despreparo de uma parcela significativa do público em face das artes, considerando a relevância do trabalho que deve ser realizado pela crítica. Segundo ARGAN (1993:128) Esta mediação seria, pois, tanto mais necessária quanto se pretende que a arte seja acessível a toda a sociedade, uma grande parte da qual vê ainda fechado o acesso à fruição e ao consumo dos produtos da cultura, e, especialmente, da arte: a crítica ofereceria, assim, uma interpretação “justa” ou até mesmo científica das obras de arte, a qual seria válida para todos, sem distinção de classes.29
27
GONÇALVES, Lisbeth Rebollo. Arte contemporânea e crítica de arte. IN: GONÇALVES, Lisbeth Rebollo; FABRIS, Annateresa. Os lugares da crítica de arte. São Paulo, ABCA e Imprensa Oficial do Estado de SP, 2005. 28 ARGAN, Giulio Carlo. Arte e crítica de arte. Editorial Estampa, 2ª edição, Lisboa, 1993 29
Idem.
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O trecho abaixo, extraído da crítica do jornalista Celso Fioravante a propósito da Documenta de Kassel de 1997 publicada na Folha de S. Paulo de 21 de junho de 1997, ilustra o esforço do crítico para esclarecer ao diversificado público leitor da Folha a dimensão da participação brasileira naquela edição do evento: Documenta começa com jeito brasileiro Celso Fioravante A cidade alemã de Kassel, na Alemanha (sic), inaugura hoje para o público a 10ª edição da Documenta, a mais importante mostra de arte contemporânea do mundo. Se o evento fosse uma Copa do Mundo, já neste primeiro dia, depois de dois dias de exibição para profissionais da área e convidados, ele já teria um sério candidato à taça: o Brasil.30
Note-se o uso de metáfora futebolística, a exato um ano do início da Copa do Mundo da França, como interessante recurso de aproximação linguística com o público leitor. O próximo trecho, publicado pelo crítico inglês Roger FRY (2002:257)
31
em
1912, ilustra o didatismo do qual muitas vezes o texto crítico se reveste. Nas partes sublinhadas, percebe-se claramente o esforço para esclarecer o público quanto ao prisma através do qual a exposição deveria ser vista. Os pós-impressionistas franceses Quando, dois anos atrás, realizou-se nestas galerias a primeira Exposição PósImpressionista, o público inglês tomou plena consciência, pela primeira vez, da existência de um movimento na arte, um movimento ainda mais desconcertante por não ser mera variação em torno de temas aceitos, mas por implicar uma reavaliação dos próprios objetivos e fins, assim como dos métodos, da arte pictórica e plástica. Não surpreende, portanto, que o público, que sobretudo fora admirar em um quadro a habilidade com que o artista produzia ilusão, se tenha ressentido de uma arte na qual tal habilidade encontrava-se inteiramente submetida à expressão direta do sentimento. Acusações de inépcia e incompetência foram lançadas a torto e a direito, mesmo contra um artista tão singularmente consumado como Cézanne. Tais setas, no entanto, caem muito longe do alvo, pois não é o objetivo desses artistas exibir sua destreza ou proclamar seus conhecimentos, mas apenas tentar exprimir, por meio da forma pictórica e plástica, determinadas experiências espirituais. E, ao comunicar tais experiências, a ostentação da destreza é provavelmente mais fatal até mesmo que a incompetência mais crassa. [Destaques acrescentados]
O também eminente crítico Mário PEDROSA (2000:327) 32, relatando viagem ao Japão nos anos 1950, publicou no Jornal do Brasil de 13 de maio de 1960 uma crítica a propósito das obras de alguns pintores expostas no MAM de Tóquio. Segue um
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FIORAVANTE, Celso. Documenta começa com jeito brasileiro. IN: NESTROVSKI, Arthur. Em branco e preto – artes brasileiras na Folha. São Paulo, Ed. Publifolha, 2004 31 FRY, Roger. Visão e forma. São Paulo, Cosac & Naify, 2002 32 PEDROSA, Mário. Os pintores japoneses do MAM. IN: ARANTES, Otília (Org). Modernidade cá e lá. São Paulo, Edusp, 2000.
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trecho, no qual também é evidente a preocupação em situar o leitor em relação aos artistas, às propostas artísticas e ao contexto de produção, para que este possa compreender as obras: Os pintores japoneses do MAM Segundo a autoridade do nosso amigo Kawakita, conservador-chefe do MAM de Tóquio, “depois da Segunda Guerra Mundial, obras da escola japonesa se apresentam com tais características que se torna difícil diferenciá-las da pintura ocidental, salvo pelo material empregado (japonês)”. Em geral, seus artistas deram as costas à técnica do sumie, ao linear, em preto e branco, na paisagem, em busca dos efeitos colorísticos do óleo e métodos ocidentais de composição – esse é o caso do mais jovem dos pintores da atual mostra, Takashi Asuda, de 32 anos. Assim se confirma a previsão do crítico: o estilo japonês na pintura mostra sinais de renascer sob novas formas. (...) Admire-se aqui, entre os protagonistas do óleo, a permanência da sensibilidade japonesa, toda delicadeza e ilimitada invenção compositiva e decorativa, numa bela matéria pictórica de terroso vigor ocidental, como em Wakita ou Naoru Yamaguchi, dois artistas consagrados do Japão atual, ou ainda um Suburo Aso ou T. Nakamoto; a mesma sensibilidade aparece nas vigorosas estruturas lineares com Shiro Taguro ou esplendidamente pictóricas em Miyagi Otozo. A força dessa síntese ainda é mais notável na pequena equipe de pintores em material japonês. [Destaques acrescentados]
Todas estas citações, e muitas outras de todas as épocas poderiam ser acrescentadas, revelam a atuação de críticos preocupados com a mediação entre obras de arte e público; em inserir o público no espaço interpretativo das obras, ciosos de que esta é condição essencial para o “jogo” através do qual a obra “brota”, jogo este que se viabiliza mediante participação ativa do espectador capaz de apreender-lhe o significado, realizando um diálogo com o artista. É o que diz a filósofa e teórica da arte, Anne CAUQUELIN (2005:99)33: A metáfora do jogo convém à experiência da arte, já que ela própria, escapando do logos discursivo, dos conceitos aprisionados em uma sintaxe perfeita, evade-se sem ‘jogos de linguagem’, em que figuras, tropos, sugerem mais que demonstram; mas, para além do aspecto lúdico da arte, as implicações filosóficas desse jogo é que são evocadas, como por exemplo a relação necessária que liga intimamente sujeito e objeto, fazendo da prática artística uma totalidade em obra (in process, diriam os anglo-saxões). (...) A obra ‘como verdade’ nasce como um mundo: o mundo onde há entendimento entre jogo e jogador, uma verdade em representação, uma verdade que representa, ou seja, que se põe em presença de um mundo, do mundo, cada vez que se manifesta à obra. [Destaque acrescentado]
CAUQUELIN
(2005:103)
aprofunda
a
reflexão
indicando
o
caráter
hermenêutico da arte, que faz com que as obras permaneçam suspensas, abertas, permanentemente inacabadas, à espera de “leituras” que introduzam o espectador em “mundos paralelos” apenas sugeridos. Na perspectiva hermenêutica, os sentidos
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CAUQUELIN, Anne. Teorias da Arte. São Paulo, Ed. Martins Fontes, 2005.
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permanecem ocultos e inacessíveis à observação superficial, esperando da parte do interessado uma decisão de busca pelos significados. Por definição, a hermenêutica situa os sentidos “além da obra, em uma esfera superior, cuja entrada não é acessível sem esforço, não está ao alcance da mão e só ela [hermenêutica] detém a chave ou as chaves”. (2005:95) A filósofa reconhece nos textos sobre obras de arte a hermenêutica como preocupação prioritária, já que estes buscam acima de tudo, nas palavras da autora, uma compreensão abrangente das intenções do autor e de suas realizações. Entretanto, ela ressalva que o sentido, “apreensão de uma unidade entre intenção e ‘resultado’”, não reside na obra de forma inerente, sendo, antes, “construído pelo trabalho de quem procura estabelecê-lo, tornando-o apreensível”. “Subjacente, a ideia da obra é inesgotável e, se nos detivermos na primeira evidência a seu respeito – no que cremos compreender como fato óbvio –, correremos o risco de passar ao largo de sua significação”. (2005:96) Citado por CAUQUELIN (2005:103), o esteta francês Mikel Dufrenne define a obra de arte como um “quase-sujeito”, um “quase-objeto”, que pressupõe do fruidor semelhante posição de “quase-sujeito” que se deixa invadir pela obra. Ora, diante do exposto, claramente cabe ao crítico, primeiramente, contemplar a obra com a perspectiva adequada de “quase-sujeito” interessado na apreensão dos sentidos da obra e depois lançar mão da linguagem verbal para relatar sua experiência, relato este que servirá como ponto de partida para que espectadores menos especializados possam ser introduzidos na fruição da obra. Neste ponto, vale destacar a definição de “experiência” dada por John DEWEY (2010:430): “a experiência é uma questão de interação do organismo com seu meio, um meio que é tanto humano quanto físico, que inclui o material da tradição e das instituições, bem como das circunvizinhanças locais”.34 DEWEY discorre longamente sobre a constituição da “experiência”, afirmando que esta não pode ser tomada como fenômeno meramente físico ou mental, por mais que um dos aspectos prevaleça, mas uma combinação de ambos. “Em uma experiência, coisas e eventos que fazem parte do mundo físico e social são transformadas pelo contexto humano em que entram, enquanto a criatura viva se modifica e se desenvolve através da interação com coisas que antes lhe eram externas”, afirma. No caso
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DEWEY, John. A arte como experiência. São Paulo, Ed. Martins Fontes, 2010
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específico da experiência estética, DEWEY assinala que nesta não há distinção entre o “eu” e o “objeto”, “uma vez que ela é estética na medida em que o organismo e o meio cooperam na instituição de uma experiência na qual ambos ficam tão plenamente integrados que desaparecem”. (2010:435) Para finalizar este tópico, recorro a ARGAN (1993:129) que atribui a necessidade de existência da crítica à crise da arte contemporânea que, segundo o autor, encontra dificuldade para se integrar ao sistema cultural da atualidade e de sua separação das atividades sociais. O historiador e crítico vê na contemporaneidade uma relação crítica entre uma atividade cujo propósito predominante é a fruição estética – a arte – e as outras atividades “normais” da sociedade que, embora muitas vezes apresentem apelos estéticos, não são artísticas: De todas as vezes, praticamente por cada nova obra apresentada como artística, é preciso demonstrar que é verdadeiramente obra de arte, e depois as razões da sua presença e atualidade, a sua capacidade para desempenhar uma função socialmente necessária e que, já não sendo a arte uma atividade integrada, tem os seus efeitos para além do campo específico da arte. (...) Por fim, se a crítica é uma ponte entre a esfera “separada” da arte e a esfera social, essa ponte constrói-se partindo da esfera artística para a esfera social (e não inversamente), de tal modo que a crítica pode ser considerada um prolongamento, ou um tentáculo com o qual a arte tenta agarrar-se à sociedade, qualificando-se como uma atividade não totalmente contrária ou dissemelhante daquelas a que a sociedade dá crédito como produtoras de valores necessários, tais como a ciência, a literatura, a política etc. (ARGAN, 1993:129-130)
4.1. História da Crítica de Arte Para a construção deste capítulo, foi adotado como roteiro o livro do professor e historiador da arte Lionello Venturi (1885–1961), História da crítica de arte, publicado originalmente nos EUA em 1936 e pouco depois traduzido para o francês (1938). Houve também duas edições italianas, em 1945 e 1948, com adições e modificações. A edição em português, utilizada na presente pesquisa, foi traduzida da edição italiana e publicada em Portugal em 2007. A despeito de historiadores da arte consagrados, da estatura de Giulio Carlo Argan, e pesquisadores de grande prestígio, como Annateresa Fabris e outros, situarem o surgimento dos primeiros textos críticos no século XVI e da atuação institucional do crítico de arte no século XVIII, nesta pesquisa considerei prioritariamente o ponto de vista de Lionello VENTURI, que identifica os primeiros textos com características de crítica de arte no século III a.C. (2007:41), época de predomínio da cultura grega. Longe de representar discordância com o posicionamento de Argan, Fabris e outros professores 49
e autores conceituados, a opção por Venturi indica o desejo de compreender mais amplamente o fenômeno da crítica, rastreando sua atuação desde as eras mais longínquas até os dias atuais, embora isso imponha um relato superficial e incompleto dos períodos – deficiência que certamente não comprometerá o resultado da presente pesquisa, pois o resgate histórico tem importância meramente referencial. Lionello Venturi é reconhecido também por outras importantes publicações sobre crítica de arte: em 1922 publicou La Critica d’Arte e Francesco Petrarca e Gli Schemi di Wöllfflin; em 1923 publicou La Pura Visibilità e I’Estetica Moderna; em 1924, Pietro Aretino e Giorgio Vasari, seguidos por Gusto dei Primitivi em 1926 e Pretesti di Critica em 1929, entre vários outros nos anos subsequentes. Com a sua História da Crítica de Arte, Venturi subverte padrões metodológicos aceitos à época e apresenta “um nova perspectiva de interpretação dos feitos artísticos”, nas palavras de Nello Ponente35, que prefacia a obra. O novo método apresentado por Venturi fundamenta-se no reconhecimento da História da Arte como a História da Crítica de Arte, corrigindo uma cisão que, a seu ver, constituía-se erro lamentável. Segundo o autor, a distinção entre as duas classes de textos sobre arte “induz os críticos a ignorarem a história e os historiadores a carecerem de toda a espécie de crítica”. Ele argumenta que, se por um lado o historiador da arte necessita conhecer profundamente a natureza da arte e ter vivência com a arte para que seja capaz de distinguir se determinada obra tem ou não valor artístico, reflexão tradicionalmente atribuída ao crítico, por outro lado o crítico de arte precisa de conhecimento histórico que lhe permita analisar a obra a partir das vivências e da produção do autor e das tendências predominantes na época de produção. Se o registro histórico não prescinde do julgamento para que possa compreender os períodos sobre os quais se debruça, a crítica que julga sem conhecimento histórico também o faz sem conhecimento amplo da obra. Segundo VENTURI (2007:28) História e crítica de arte convergem, portanto, para aquela compreensão da obra de arte que não acontece sem o conhecimento das condições em que surgiu e que não é compreensão se não for juízo. O juízo é o ponto de chegada da história crítica da arte. E, na base da máxima kantiana, segundo a qual toda a intuição desprovida de conceito é cega e todo o conceito desprovido de intuição é vazio, realiza-se no juízo o pensamento concreto sobre a arte.
A convergência proposta por Venturi é inspirada em proposição semelhante feita pelo historiador e esteta Benedetto Croce, para quem a solução “estabelece a 35
PONENTE, Nello. Prefácio. IN: VENTURI, Lionello. História da Crítica de Arte. Lisboa, Edições 70, 2007.
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importância da interpretação histórica para a crítica estética; ou melhor, estabelece que a verdadeira interpretação histórica e a verdadeira crítica estética coincidem”. (Idem) A descoberta da obra de Lionello Venturi atendeu uma importante necessidade desta pesquisa, que era a construção de um pano de fundo histórico sobre o qual analisar a crítica de arte contemporânea. A questão conduzia a um impasse, pois a extensão do período histórico pretendido, a imensidão de publicações e pensamentos divergentes, a dificuldade de acesso aos melhores textos originais ou a traduções o mais próximas possível, entre outras dificuldades igualmente relevantes, inviabilizariam a realização desta parte da pesquisa. Entretanto, considerando que o objetivo da pesquisa é a crítica de arte contemporânea, sendo o referido pano de fundo apenas um referencial histórico, o texto de Venturi representa uma contribuição incalculável que não poderia ser ignorada. Portanto, as próximas páginas constituem-se numa visão panorâmica da crítica de arte, que permite a caracterização de uma sucessão teórica, complementar em alguns momentos, marcada por rupturas em outros, mas ainda assim capaz de rastrear a atuação da crítica desde seus rudimentos na Antiguidade até a contemporaneidade.
4.1.1. Antiguidade Clássica VENTURI (2007:41) atribui ao escultor Xenócrates, da cidade de Sicião, localizada na península de Peloponeso, os primeiros registros sobre arte com elaboração intelectual suficiente para serem identificados como crítica. O texto escrito na primeira metade do século III a.C. tem por objetivo instruir pintores e escultores acerca dos cânones adotados à época, sendo permeado por concepções estéticas do autor e referências a respeitados artistas. Segundo o autor, “Xenócrates seguia, no seu trabalho literário, as normas retóricas do ecfrasi, isto é, procurava moldar uma linguagem capaz de representar ou igualar a vivacidade das imagens plásticas ou pictóricas descritas”. (2007:42) Ora, sabe-se que na Grécia havia produção com valor artístico bem antes do século III a.C. e, bem antes, os egípcios produziam pinturas que, para além de meros registros pictóricos, expressavam a visão do artista e seu modo de sentir o mundo natural, o que lhes confere a personalidade de obras de arte. Esta constatação coloca em prova a tese defendida por Venturi e Croce, pois permite até ao leitor mais desavisado questionar a razão pela qual os textos críticos surgiram tão tardiamente em relação às 51
primeiras manifestações artísticas de que se tem notícia. O próprio autor afirma que “no próprio dia em que o primeiro mítico artista fez a primeira obra de arte [este] a tenha julgado, fazendo assim a primeira crítica de arte”. (Idem). Entretanto, Venturi ressalva que para que este julgamento individual adquirisse o caráter de crítica seria necessário que a consciência do pensamento humano, as ideias sobre a arte e o interesse histórico por ela houvessem alcançado um estágio de desenvolvimento e consolidação. Essas condições foram verificadas, segundo Venturi, somente no período de Xenócrates, quando já se dispunha das elaborações filosóficas de Platão e Aristóteles, tendo este demonstrado vivo interesse pela produção artística das gerações precedentes, sendo seguido também nisso por seus discípulos. O autor relata que alguns seguidores de Aristóteles recolheram e divulgaram histórias de artistas e do que se dizia sobre eles. Seguindo o pensamento de Platão relacionado ao rigor imitativo que deve caracterizar as artes imitativas, associado ao pensamento aristotélico sobre a beleza, relacionando-a à ordem, à simetria e ao limite, Xenócrates estabeleceu normas de juízo que aplicou ao seu trabalho artístico, registrou-as para ensiná-las aos aprendizes e utilizou-as para avaliar o trabalho de outros artistas. (2007:48) Xenócrates registra suas impressões sobre diversos artistas amplamente antecipadas pelos seus contemporâneos: de Melanzio, afirma que compõe figuras com perfeição, e em Asclepiodoro valoriza positivamente a disposição das imagens, de forma que cada uma apareça a justa distância da outra, favorecendo a mimese. Sobre Eufranor, afirma ter sido o primeiro a conseguir exprimir com perfeição a dignidade dos heróis; já Aristides de Tebas, para Xenócrates, “foi o primeiro a pintar o espírito e a exprimir os seus afetos e paixões”. (2007:50)
4.1.2. Roma antiga e seus “conhecedores” de arte Posteriormente, na Roma do século I a.C., Marco Túlio Cícero (106-43 a.C.), subverteu a noção de perfeição submetida aos ditames de cânones, na medida em que artistas como Zêuxis, Aglaofonte e Apeles eram “perfeitos”, na avaliação de Cícero, sendo simultaneamente diferentes. Ou seja, cada um era perfeito ao seu modo, segundo a sua personalidade artística. Entretanto, os juízos de Cícero e de seu contemporâneo Quintiliano, precursor do pensamento pedagógico, segundo VENTURI, “Quintiliano olha de fora os problemas críticos, registra-os sem os penetrar, bastante menos daquilo que Xenócrates teria sabido fazer”. (2007:52) 52
A Roma antiga produziu também “conhecedores de arte”, para quem “o prazer dos olhos não basta para formular um juízo”. Coube a eles formular uma crítica que ia além da perfeição na execução da obra, observando e comentando também a invenção. Um trecho citado por Plínio, possivelmente de algum “conhecedor” sobre Timante, registra: “Ele é o único artista cujas obras sugerem sempre mais do que aquilo que está pintado e, embora a arte seja uma súmula, o gênio vai além da própria arte” (2007:53), destacando a invenção do artista. VENTURI destaca um conhecedor de artes identificado apenas como Luciano, sem qualquer indicação biográfica, cuja descrição da mulher-centauro pintada por Zêuxis inaugura uma importante abordagem crítica que inclui aspectos psicológicos da pintura. Com surpreendente franqueza, Luciano se revela despreparado para se pronunciar sobre as belezas e os aspectos técnicos do quadro. No entanto, manifesta-se sobre outro aspecto geralmente despercebido pelos críticos e comentadores da época: “Admiro em Zêuxis sobretudo a capacidade de mostrar num só tema todas as riquezas do seu gênio, dando ao centauro um ar terrível e selvagem, a sua fêmea assemelha-se às soberbas éguas da Tessália...” [Grifo acrescentado] (2007:57)
4.1.3. Idade Média: transcendência da obra de arte Não há, na Idade Média, uma arte autônoma como a da Antiguidade. A arte medieval existe em função da expansão do cristianismo e da propagação das ideias relacionadas à extrema dependência da humanidade para com Deus. Neste ambiente, os textos sobre arte do período limitam-se a tratados técnicos, esboços para serem copiados e prescrições sobre como os personagens sagrados devem ser representados, ao invés de reflexões estéticas que forcem os limites da concepção de belo e de finalidade da arte. “Nada, portanto, que possa constituir nem uma teoria de arte, nem uma crítica de arte”, afirma VENTURI. (2007:66) Se por um lado os escritos medievais específicos sobre artes despertam pouco interesse na trajetória do pensamento estético e da atividade crítica, outras classes de registros, mais associados ao pensamento filosófico-religioso, podem oferecer valiosa contribuição para a compreensão do pensamento estético no período. À ideia de fantasia, Plotino contrapõe a intuição como condição primordial para a contemplação da obra de arte, como um “lugar” de identificação entre indivíduo e objeto. (2007:67) A compreensão e a fruição da obra de arte dependem menos da visão 53
externa, biológica, do que da interna, possível somente àqueles que possuem uma alma capaz de perceber a beleza, capacidade esta que consiste em ser ela mesma, a alma, bela. A intuição conduz ao êxtase, que é um estado de elevada contemplação, de elevação mística, caracterizado por sentimentos de intenso prazer, admiração, reverência e alegria. O vetor desse êxtase era o artista capaz de transformar matérias disformes, portanto feias, em formas que pudessem ser reconhecidas pela razão, tornadas belas justamente por participarem da razão – que é um atributo divino. Para Plotino, “Tudo aquilo que simboliza de forma sensível as razões eternas do mundo tem o direito de ser chamado belo”. (2007:68) A nova concepção criou uma nova dimensão artística: se na Idade Clássica a beleza estava associada ao mundo natural e sensível, os novos tempos agregaram a perspectiva espiritual à obra de arte, a transcendência da mesma em relação à forma e aos materiais de que era feita, elevando ao infinito as suas possibilidades conotativas. Coube a Santo Agostinho (354-430) introduzir a ideia de relatividade na concepção da beleza, recusando a antinomia entre belo e feio. Santo Agostinho admira a beleza do universo, apesar de nele existirem pecadores, cujos atos os enfeiam, embora não o sejam propriamente. Mesmo a beleza deve ser compreendida de forma relativa: um ser considerado feio comparativamente aos humanos, é belo na medida em que apresenta perfeição segundo as características da sua espécie. Ou seja, a beleza depende, primitivamente, da natureza das coisas. Sendo o belo um conceito relativo, surge a necessidade de adotar um parâmetro que determine o grau de beleza existente em cada objeto e em cada ser. Santo Agostinho reconhece em Deus o referencial segundo o qual seres e objetos devem ser julgados. Como a racionalidade das leis divinas nem sempre podem ser demonstradas, cabe ao ser aceitá-las por meio da fé. Entretanto, VENTURI destaca que, embora essas ideias antecipem o pensamento estético de séculos à frente, “não constituem uma estética, porque não foram aplicadas à arte. A arquitetura, a pintura e a escultura continuaram a ser consideradas no seu aspecto prático, de ofício”. (2007:70) Outro passo dado para distanciar a arte da Idade Média do naturalismo típico da Idade Clássica foi a teoria do ornamento que permitiu a avaliação do objeto artístico por si próprio, independentemente de finalidade ou de conteúdo simbólico. Venturi cita a descrição que o poeta bizantino Paolo Silenziario faz, no século VI, do fausto existente
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na Basílica de Santa Sofia, construída em Constantinopla entre os anos 532 e 537, como ilustração típica “deste modo de ver e de sentir”: O côncavo da abside é como um pavão com penas de cem pupilas. Do imenso ouro da abóbada difunde-se uma luz tal que ofusca a vista; é um fausto simultaneamente bárbaro e latino. O altar é de ouro, apoiado em colunas e bases de ouro e o ouro só é interrompido por esplêndidas pedras preciosas. À noite é tal a luz que se reflete do templo sobre as coisas, que se diria um sol noturno. A esplêndida noite brilha como se fosse dia e surge, também ela, envolta numa luz rosada. O navegante não precisa de outro farol, basta-lhe olhar para a luz do templo. (2007:72)
Muitos tempo depois, na primeira metade do século XIII, Erazmus Ciolek Witelo escreveu que “As coisas artificiosas parecem mais belas do que as naturais” (2007:72), reafirmando a validade da teoria do ornamento e a falta de apreço ao naturalismo antigo.
4.1.4. Contemplação mística Entretanto, surgem novos tempos e novas ideias que põem em xeque o ornamento como expressão artística. A insatisfação verbalizada por São Bernardo no século XII, para quem “se prefere ler os mármores em vez dos códigos e ocupar o dia inteiro a admirar cada uma destas coisas em vez de meditar nos mandamentos de Deus” (2007:77) adquire status de critério estético em Dante Alighieri (1265–1321), que afirma: “É uma bela expressão retórica quando por fora as coisas parecem tornar-se menos belas para por dentro verdadeiramente se embelezarem”. (Idem). Nesta nova concepção, a aparência simples das coisas encerraria a verdadeira beleza, acessível a quem se dispusesse a perceber a beleza da simplicidade. Dante elimina os ornamentos visando não o fim da fantasia, mas conduzir o espectador um estágio mais profundo, o da contemplação mística. Os estímulos não estariam mais tão à vista dos olhos, devendo ser buscados mediante contemplação reflexiva. A aparente diminuição da beleza consistia, na verdade, em seu aprofundamento. No período entre os séculos XIII e XIV o juízo sobre artes ganha força tanto com Dante, que escreveu sobre Cimabue (1240–1302) e Giotto, como por seus contemporâneos e sucessores. (2007:78) Filippo Villani, escritor florentino que viveu entre 1325 e 1407, foi o primeiro a registrar dados biográficos dos artistas da época num livro sofre Florença, retomando o interesse por um tipo de narrativa suspenso desde o fim da antiguidade clássica. Segundo VENTURI, Villani registra que Stefano era perito na anatomia, Taddeo Gaddi na arquitetura dos fundos, Maso tinha estilo peculiar. (2007:80) 55
O pintor italiano Cennino Cennini, que viveu nos anos 1370 a 1440, apresentou no fim do século XIV um volume contendo ensinamentos sobre o uso das cores, no qual reconhece a importância de Giotto, atribuindo-lhe a prerrogativa de ter revolucionado as artes ao ponto de iniciar um novo período. “Sua arte foi a mais completa que jamais alguém possuiu”. De Gaddi, afirma ter utilizado as cores de modo “vago e fresco”, superior ao seu pai Taddeo. Para definir o que entende por arte, Cennini afirma: “E esta arte a que se chama pintura convém que tenha fantasia para que, através de uma operação manual, consiga encontrar coisas que não são vistas (que se escondem sob a forma de naturais), detendo-as com a mão, deve demonstrar que aquilo que não é, pode sê-lo”. (2007:80-81) VENTURI identifica na crítica surgida na Florença do século XIV a fusão dos pensamentos antigos e medievais, orientada em grande medida pela pintura de Giotto. É uma arte que rejeita a decoração e valoriza a expressão, que reflete sobre as relações entre fantasia e imitação da natureza e discute os critérios para utilização da cor e o desenho das formas. Volta-se, também, para a vida dos artistas, tentando compreender seus trabalhos a partir da personalidade de cada um. Desta forma, aponta para o novo período que estava surgindo, o Renascimento.
4.1.5. Renascimento O termo “renascimento” quase prescinde de definições adicionais: tanto define um período histórico que até os dias atuais é tido como um repositório espetacular de conhecimento, como também indica o período em que vieram à superfície ideias e valores culturais que mudariam radicalmente a visão que o homem ocidental tinha de si, dos seus semelhantes e do ambiente, ideias e valores que acabariam por influenciar outras regiões do globo, tornando-se, então, universais. Um processo de revisitação de textos dos períodos greco-romanos iniciado na Itália do século XIV, logo depois expandido para o resto da Europa, inspirou a ruptura com o pensamento medieval e a construção de um novo mundo. É necessário anotar que não se trata de uma ruptura radical. Nicholas MANN (2006:14), professor de História da Tradição Clássica em Oxford, afirma que “muitas das ideias que associamos ao
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Renascimento já se podiam encontrar no século XII, da mesma forma que no Renascimento há muito de medieval”.36 No campo das artes, segundo VENTURI (2007:85), os escritos florentinos abandonaram os pensamentos medievais no começo do século XIV, indicando a chegada de tempos nos quais o interesse dos artistas se volta para a natureza e o mundo exterior. Com alguma concessão ao exagero, talvez o fenômeno possa ser tomado como uma metáfora, na pintura, da expansão do pensamento humano ocorrida no período. Em poucos anos, no começo do século XV, os escritos sobre arte quebraram uma tradição de séculos abandonando definitivamente o caráter de preceituários, voltando-se para a interpretação da realidade natural e de como esta poderia ser representada na pintura.
4.1.6. Arte com caráter científico VENTURI atribui a Leonardo Da Vinci e ao arquiteto Leon Battista Alberti as duas mais importantes teorias da arte do Renascimento, ressalvando que ambos quase não são citados nas histórias da Estética e da Filosofia em geral. Para Alberti, a arte era um modo de conhecer a natureza e a pintura, sua expressão em perspectiva. O arquiteto “pretende que o pintor tenha consciência do que quer que se esforce por fazer, para que possa ser adorado e “quase considerado um outro deus”. É este o ideal do artista do Renascimento: um mago que conhece a natureza física e trabalha com ela”. (2007:87) Autor do tratado Da Pintura, que segundo Venturi expressa os rudimentos do ideal renascentista, Alberti propõe uma arte que seja capaz de unir o rigor naturalista, com a graça da composição. Se, por um lado, defende que “os membros dos mortos estejam mortos até às unhas” (2007:92), admite, por outro, que na pintura a mera interpretação da realidade é insuficiente, sendo necessário que o pintor produza a “beleza ideal” que motive a contemplação. Já Leonardo Da Vinci considera o desenho uma ciência com caráter divino. A força criadora divina se manifesta no pintor, que precisa do aporte da ciência exata para pintar com perfeição. Desta forma, será capaz de proporcionar a quem vê a obra pronta a “invenção e a intenção” que existiram primariamente na imaginação do artista – e em nenhum outro lugar. Este é um rompimento radical com o ideal mimético aristotélico, de longa duração, e das ideias de emanação divina, mais recentes, defendidas por Plotino. 36
MANN, Nicholas (Organizador). Grandes civilizações do passado (col.) – Renascimento. Barcelona (Espanha), Ediciones Folio, 2006.
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Diferentemente de Alberti, que tinha em alta conta a ciência como caminho para se chegar à arte, Leonardo adota a ciência como instrumento capaz de tornar sua arte ainda melhor. A fé em Deus não tem mais a importância dos séculos anteriores, e a ciência, portanto, é adotada como motivação artística embora sem se confundir com a arte propriamente. A despeito do viés intelectualista do pensamento de Leonardo sobre a natureza, VENTURI (2007:88) o associa também às concepções místicas do astrólogo, ocultista e alquimista Heinrich Cornelius Agrippa von Nettesheim, que viveu entre 1486 e 1535, para quem todas as coisas da natureza e as celestiais, “perscrutadas em curioso inquérito”, revelam forças latentes e profundas. Ora, a busca pelo “mistério” da natureza, argumenta Venturi “preparou o caminho para o método experimental praticado depois do Renascimento. (...) De fato, na Idade Média a natureza falara uma linguagem divina; no Renascimento, uma linguagem humana; mas com Galileu, falou uma linguagem própria”. (Idem) Coube ao escultor florentino Lorenzo Ghiberti (1378-1455), contemporâneo de Alberti, sistematizar em três volumes, denominados Commentari e escritos no fim de sua vida, o pensamento estético prevalecente a partir do século XIV que resultaria no Renascimento. Ghiberti dedica-se inicialmente à tradução e atualização de textos clássicos, com especial predileção pelos gregos. No terceiro volume, adota tratados ópticos medievais para estabelecer uma teoria da arte. Os textos críticos estão no segundo volume, no qual destaca os melhores pintores e escultores do século XIV, entre os quais se inclui. Do trabalho de Ghiberti, VENTURI (2007:89) destaca a recuperação do status de artista associado unicamente à percepção que o indivíduo tinha de si como artista, consciência perdida deste a Antiguidade. Outro grande pintor renascentista, Miguel Ângelo Buonarotti (1475–1564), embora não tenha produzido uma obra teórica sobre arte, defendia pontos de vista relevantes e muitas vezes contrários ao pensamento estético mais amplamente aceito. Num claro exercício de crítica, volta-se contra o gosto de Leonardo Da Vinci pela pintura de paisagens e sua habilidade na representação de névoas, águas transparentes e montanhas distantes: Na Flandres pinta-se para enganar a vista. Essa pintura só é composta de fitas, de velhas casas, de verdura dos campos, de sombras de árvores, e pontes, e riachos, a que se chama de paisagens e uma figura aqui e outra ali. E tudo isso, apesar de poder agradar a certos olhos, é na realidade feito sem razão nem arte, sem simetria nem proporções, sem discernimento nem escolha, nem segurança, em resumo: sem substância e sem nervos. (VENTURI, 2007:98)
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Na Veneza do século XVI as ideias de Leonardo Da Vinci encontraram repercussão nos escritos de Pietro Aretino (1492–1556), de Paolo Pino (1534–1565) e de Ludovico Dolce (1508–1568).
4.1.7. Vidas de artistas A obra de Giorgio Vasari (1511-1574), surgida no século XVI e intitulada Vite dei Pittori, Scultori e Architetti destacam as biografias dos artistas e a maneira como trabalhavam. Nas palavras de Venturi, o que ele fez, como ninguém antes dele, “foi desenvolver extraordinariamente a narração da vida dos artistas e a descrição das suas obras, dando assim provas de um interesse histórico novo”. (2007:104) Discípulo de Miguel Ângelo e pintor maneirista, Vasari defende a possibilidade de se chegar à produção de obra de arte imitando os mestres. Outros maneiristas, além de Vasari, passaram à posteridade como críticos de arte. VENTURI (2007:109) atribui o fato à necessidade de estudarem minuciosamente os mestres para compensar a ausência de habilidade natural e de conhecimento estético que os legitimassem como artistas. “É evidente que se enganaram como artistas e como críticos, porque os elementos escolhidos eram, quando muito, símbolos de arte e não arte; no entanto, a sua escolha pressupunha um juízo crítico. Por isso, os tratados de arte dos maneiristas têm uma importância maior do que a sua pintura”. Giovanni Paolo Lomazzo (1538–1600), autor do Trattado dell’Arte della Pittura, foi pintor maneirista e se tornou teórico da arte depois de ficar cego. Na defesa de suas ideias, cita o modo como alguns artistas solucionam problemas estéticos e faz referência a diversas obras. Se do alto de sua estatura intelectual Alberti e Leonardo forneceram caminhos a serem trilhados pelos artistas, Lomazzo legitima os artistas por haverem trilhado determinados caminhos. Neste sentido, seus escritos o aproximam significativamente da crítica de arte contemporânea.
4.1.8. Arte com finalidade religiosa Abandonada a questão da interpretação da natureza pela arte, típica do Renascimento, na medida em que a ciência adquire o reconhecimento como meio mais eficaz para interpretar e explicar os fenômenos naturais, a pintura se volta para os sentidos com tal ímpeto que inaugura uma fase de grande realismo, elevando a cor à condição de destaque desta manifestação artística. Pintores como Rubens e Van Dyck, 59
Rembrandt, Franz Hals, Vermeer, Velázquez e Zurbarán, entre outros, partiram do maneirismo em busca de expressões mais passionais na pintura, seguidos por escultores e arquitetos, o que resultou em um novo gosto ao qual se apelidou de “barroco”, indicando um gosto misturado e confuso. Segundo VENTURI, “esse princípio de gosto é o elemento pragmático essencial da estética e da filosofia da arte, que depois se concretizou no século XVIII”. (2007:114) Do Concílio de Trento, realizado entre 1545 e 1563, haviam surgido preocupações relacionadas ao sensualismo na arte, originando textos que procuravam orientar o trabalho dos artistas para que estes não cometessem erros dogmáticos. O cardeal Gabriele Paleotti (1522–1597), que participou ativamente do Concílio, decide criar um tratado sobre a pintura, com finalidade pedagógica, já que enxerga nesta um valioso instrumento para divulgar a mensagem da igreja junto ao povo. Segundo Jacqueline LICHTENSTEIN (2004:75)37, Paleotti propõe a restauração de princípios essenciais da pintura que o maneirismo havia negligenciado, entre eles a definição de uma finalidade clara para a pintura, com evidente utilidade instrumental. Na ocasião, devia servir para ornar os templos e instruir os fiéis. A pintura deveria reunir todo o saber adquirido no Renascimento sobre a natureza, a história e os homens para narrar a história sagrada com a máxima perfeição. Para evitar o risco de os aristas se deixarem seduzir por influências consideradas nefastas, Paleotti reabilita o conceito de imitação “que deve incitar necessariamente a um melhor conhecimento da natureza dos homens, sem jamais se afastar da verdade”. (2004:76) Para VENTURI (2007:116), Paleotti buscava, na verdade, fazer dos pintores “teólogos mudos, apóstolos silenciosos, porque é proibido à fraqueza humana ascender à contemplação das coisas sublimes sem o apoio dos sentidos; isto é: ele tenta desviar a arte para a oratória e o pensamento”. Obviamente esta conjuntura não favorecia em nada o desenvolvimento do pensamento crítico. Por outro lado, o pensamento racionalista iniciado por René Descartes (1596–1650) também tolhia a imaginação, já que os afetos humanos resultam de perturbação espiritual e causam oscilação emocional, cabendo à razão tudo superar e garantir o equilíbrio. Nessa perspectiva, a arte só poderia existir sob regras racionais. VENTURI (Idem) atribui às ideias de John Locke (1632–1704) e Gottfried Leibniz (1646–1716) a distenção do rigor intelectualista de origem cartesiano que havia 37
LICHTENSTEIN, Jacqueline (Org.) . A pintura – vol. 2: a teologia da imagem e o estatuto da pintura. São Paulo, Editora 34, 2004
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dominado o pensamento sobre arte, restaurando a consciência da distinção entre arte e ciência e o juízo deixa de basear-se unicamente na impressão causada pelo olhar, mas é dependente também de uma certa “força superior” que “conhece tanto melhor quanto maior for a sua acuidade ou perícia na arte, sem, no entanto, se valer do discurso”. Pinta-se buscando uma representação viva que suscite o prazer e a paixão.
4.1.9. Personalidade dos artistas VENTURI (2007:122) destaca uma inflexão no pensamento crítico observada em dois escritores, Scannelli, autor de Microcosmo della Pittura (1657), e Scaramuccia, que escreveu Le Finezze dei Pennelli Italiani (1674), por não pretenderem mais ditar leis, como os anteriores, mas apenas registrar suas impressões sobre a pintura. “Mais do que de tratados, trata-se portanto de discussões teóricas sobre pintura, a propósito deste ou daquele artista”. Em 1660 o veneziano Marco Boschini (1613–1678) libera a edição de sua Carta del Navegar Pitoresco e catorze anos depois, em 1674, às Ricche Minere della Pittura Veneziana, com juízos que, segundo Venturi, derivam mais de seu modo de sentir a pintura do que das ideias circulantes à época. VENTURI (2007:127) o descreve como menos inteligente que Belori, mas mais sensível e inspirado que este. Defensor do conhecimento obtido através de experiência empírica com a pintura, Boschini afirma que é necessário ser pintor para saber reconhecer o bom e o não bom, pois o conhecimento só pode ser alcançado pela prática. Para Boschini, o desenho é o fundamento teórico da pintura, mas quem lhe dá vida é o colorido. O primeiro é apenas um modelo, que se não for preenchido pela cor, limita-se à condição de corpo sem alma. Afirma: “O pintor forma sem forma. Mais: forma com forma disforme, a verdadeira formalidade em aparência, procurando assim a arte pictórica”. (Idem) Com afirmações como esta, antecipa uma teoria que seria posteriormente pesquisada e aprofundada pelos impressionistas, no século XIX. Na Academia de França, em Roma, fundada em 1666 com objetivo de oferecer aos jovens talentos franceses da pintura e da escultura a possibilidade de aprenderem diretamente de onde brotava todo o conhecimento artístico da época, surgiram duas grandes polêmicas. Uma contrapôs os seguidores da doutrina clássica que valorizava o desenho, aos adeptos da superioridade da cor sobre o desenho, que tinham em Rubens um modelo a seguir. No centro deste debate estava Roger de Piles (1635–1709), tido 61
como representante máximo dos artistas independentes. A outra polêmica resultou da defesa feita por Charles Perrault (1628–1703), que passaria à posteridade como célebre autor de contos de fada, da superioridade dos pintores italianos do século XVI em relação aos antigos, como também a superioridade da pintura da época em relação à produzida no século XVI. VENTURI (2007:129) relata que a polêmica se espalhou e deu origem a alguns textos de ambas as partes. No entanto, o autor destaca que foi uma produção de pequena serventia, de valor é apenas acessório.
4.1.10.
Denis Diderot
O século XVIII tem importância fundamental para a crítica de arte. Foi o século em que Baumgarten (1714–1762) publicou suas Meditações Filosóficas sobre a Questão da Obra Poética no qual pela primeira vez a palavra Estética é utilizada para designar o ramo da filosofia que se ocupa do belo e do sentido da arte. Foi também no século XVIII que Kant (1724–1804) aprofundou como nunca antes o debate sobre o conceito de belo, lançando bases que permanecem até a contemporaneidade. No século XVIII a História da Arte adquire caráter de relato de atividade humana independentemente das vidas dos artistas. Também no século XVIII a crítica de arte encontra uma forma de atuação próxima da que seria adotada nos séculos seguintes, até os dias atuais. Foi um século em que o pensamento iluminista herdado dos recentes avanços científicos se mostrou tão sedutor, que somente um resgate dos ideais clássicos de arte e beleza, adornados com elementos decorativos modernos, poderia traduzir esteticamente o sentimento da época. Jean-Baptiste Dubos (1670–1742), adepto do rococó, Anthony Ashley Cooper (conde de Shaftesbury) (1671–1713), defensor da arte neoclássica, e Giambattista Vico (1668–1744), que tinha predileção pela arte romântica, ilustram, segundo VENTURI (2007:136), o pensamento estético do século XVIII. No campo específico da crítica de arte, ganha corpo a concepção de que os esquemas intelectuais não são capazes de orientar o gosto, sendo necessárias sensibilidade e imaginação para julgar a arte. Dubos desloca o valor da obra de arte da obediência às regras artísticas para a capacidade desta de sensibilizar quem a aprecia. Denis Diderot (1713–1784) compartilha do pensamento de Dubos, atribuindo à passion o critério do gosto. “Nada melhor que as paixões, as grandes paixões, para elevar a alma às grandes coisas”, afirmou. (Idem) 62
Jacob GUINSBURG (2000:55)38 descreve Diderot como um indivíduo “sanguíneo, tagarela e apaixonado”, amante dos prazeres do espírito e do corpo, mas também como um dos mais ativos intelectuais do século XVIII, determinado ao ponto de dedicar mais de 30 anos da vida na composição da Enciclopedia concluída em 1772, considerada o maior empreendimento intelectual e editorial do século. Simultaneamente à sua atuação à frente da Enciclopedia, Diderot construiu uma extensa produção na forma de contos, peças de teatro, ensaios filosóficos, correspondências, livros e crítica de arte, além de discursos para advogados, sermões para religiosos e traduções, entre outros trabalhos menores. No campo da crítica de arte, inaugurou na Correspondance Littéraire, dirigida por seu amigo Grimm, uma série de textos sobre arte identificados como Salões, amplamente reconhecidos como precursores da crítica periodística existente até os dias atuais. No crítica alusiva ao Salão de 1765, intitulada Meus pensamentos extravagantes sobre o desenho, Diderot expressa claramente o desprezo que sentia pelo método acadêmico de arte. Dirigindo-se ao amigo e editor Grimm, escreve: Estes sete anos passados na Academia a desenhar segundo o modelo, vós os julgais bem empregados; pois quereis saber o que penso deles? É que é aí, e durante sete e penosos anos e cruéis anos, que se pega a maneira no desenho. Todas essas posições acadêmicas, forçadas, preparadas, arranjadas; todas essas ações, fria e canhestramente expressas por um pobre diabo, e sempre pelo mesmo pobre diabo, pago para vir três vezes por semana para se despir e deixar-se amanequinar por um professor, o que têm elas de comum com as posições e as ações da natureza? O que tem de comum o homem que tira água no poço de vosso pátio e aquele que, não tendo o mesmo fardo a puxar, simula canestramente esta ação, com os dois braços para cima, sobre o estrado da escola? (GUINSBURG, 2000:164)
Para o crítico, a vida natural oferece aprendizado e inspiração espontâneos superiores aos esquemas adotados nas academias. Em certo trecho da mesma crítica, Diderot afirma: Cem vezes tentei dizer aos jovens alunos que encontrava no caminho do Louvre, com suas pastas debaixo do braço: “Meus amigos, quanto tempo faz que desenhais lá? Dois anos. Pois bem!, é mais do que o necessário. Não liguem para esta oficina da maneira. Ide aos Chartreux; e vereis aí a verdadeira atitude da piedade e da compunção. Hoje é véspera da grande festa: ide à paróquia, zanzai em redor dos confessionários e vereis lá a verdadeira atitude do recolhimento e do arrepender-se. Amanhã, ide a uma tasca e vereis a ação verdadeira do homem encolerizado. Procurai as cenas públicas: sedes observadores nas ruas, nos jardins, nos mercados, nas casas, e colhereis aí ideias justas do verdadeiro movimento nas ações da vida. (...) Examinai-os bem e tereis piedade da lição de vosso insípido professor e da imitação de vosso insípido modelo”. (2000:165)
38
GUINSBURG, Jacob. Diderot: obras I – filosofia e política. São Paulo, Editora Perspectiva, 2000.
63
VENTURI (2007:136) identifica nos escritos de Diderot uma nova concepção que liga a arte à manifestação dos sentimentos, que nega o absolutismo da razão e o primado das regras clássicas. A realização de exposições de arte principalmente na França a partir do século XVIII inaugura novas possibilidades para a crítica de arte, que passa a se manifestar sobre eventos contemporâneos aos quais grande quantidade de pessoas tinha acesso. Assume, assim, o caráter de crônica do cotidiano e crítica da atualidade num momento em que o interesse pela arte da época se igualava ao interesse pelas produções do passado.
4.1.11.
A ideia como aspecto central da arte
Na Itália, Luigi Lanzi (1732–1810) produz em 1792 a primeira parte da Storia Pittorica dell’Italia, na qual pretende reunir os artistas que atuavam na época, classificando-os conforme as escolas às quais estavam vinculados, aos mestres de quem eram discípulos e segundo os gêneros. “A sua erudição é muito vasta e cuidadosa”, afirma VENTURI (2007:145-146), “a sua falta de preconceitos para com os primitivos é evidente, o seu juízo baseia-se no dos pintores, embora moderado pelo confronto com os juízos contrastantes”. Inspirado em Voltaire, que em seus estudos se debruçou sobre a humanidade, e não sobre o homem, Johann Joachim Winckelmann não se deteve em obras ou artistas específicos. Juntamente com Diderot e outros contemporâneos, Winckelmann representa um importante passo à frente na crítica de arte, na medida em que desprezam aspectos da vida do artista que não dizem respeito diretamente à arte, valorizam a obra mais que os escritos sobre ela e demonstram vivo interesse em compreender a linguagem da obra. Popularizou-se, na parte final do século XVIII, um princípio segundo o qual a ideia constituía-se a parte mais importante da obra de arte e, nessa perspectiva, poetas ofereciam poemas descritivos para que fossem retratados pelos pintores. Gotthold Ephraim Lessing, crítico alemão que viveu entre 1729 e 1781, levanta-se contra esta concepção afirmando que à arte figurativa cabe apenas a representação da beleza física, constituída pela proporção dos corpos. VENTURI (2007:154) identifica contradições em Lessing por este “não ter compreendido o valor espiritual da arte” e “por ter interpretado de uma maneira física a beleza de uma escultura grega”. 64
O século XVIII representa um momento áureo, em que a estética ganha corpo como ciência filosófica dedicada à arte, a crítica de arte se sistematiza como parte importante do universo das artes, legitimando a produção artística e orientando o gosto, e a história da arte lança as bases da forma de registro que perpetuaria artistas e tendências artísticas. No entanto, a busca por um valor espiritual da arte ainda conduziria artistas e críticos na direção da arte grega clássica, em oposição à arte mais sensual e decorativa praticada na época. A busca pelo reencontro com um “valor espiritual da arte”, influenciada em grande medida pelas necessidades intelectuais, morais e sociais da época, levaram os críticos para longe da arte, em discussões de teor puramente filosófico e histórico. A passagem do século XVIII para o XIX testemunhou o aprofundamento da busca por uma arte espiritualmente pura, que fosse primitiva e livre de concepções filosóficas contrárias ao pensamento cristão. A estética clássica grega, fundada no equilíbrio perfeito das partes, não servia para a finalidade procurada, pois nada tinha de primitiva, além da ausência absoluta de adesão ao pensamento cristão. A inspiração foi encontrada nos pintores medievais do pré-renascimento, então chamados pré-rafaelitas porque tomados como representantes de um período em que a arte ainda não havia sido contaminada pelos ideais do Renascimento italiano. O romantismo, surgido dessa busca pela arte primitiva capaz de expressar com realismo a busca pela verdade que dispensava complicadas formulações intelectuais, formou grupos como “Os nazaremos”, em Viena, e a “Irmandade pré-rafaelita”, na Inglaterra, que “imitaram os arquitetos góticos e os pintores pré-rafaelitas, mas não encontraram a nova forma capaz de exprimir a nova sensibilidade e os novos ideais”. (VENTURI, 2007:156) No que toca à crítica, o romantismo promoveu uma redescoberta do indivíduo sobre a obra, a valorização da personalidade do artista revelada em suas telas e esculturas, com seus sentimentos, seus objetivos, suas dúvidas. Johan Georg Hamman (1730–1788), importante representante do Sturm und Drang alemão, defende objetivamente que a “espontaneidade e a fantasia são tudo na arte, que o gênio é contra todas as regras, todas as verdades, todos os sistemas, todos os fundamentos da arte”. Juntamente com Johann Gottfried von Herder (1744–1803), afirma que a origem da arte é a barbárie e não a civilização, que a condição de comoção é mais favorável para o surgimento da arte do que a estabilidade.
65
Goethe (1749–1832) foi um célebre adepto das ideias de Hamman e Herder. No ensaio Sobre a arquitetura gótica, publicado em 1772 quando contava apenas 23 anos, Goethe identifica a melhor arte em suas manifestações originais, livre de teorias, fundada na sensibilidade do artista. Em um trecho citado por VENTURI (2007:165), afirma: O gótico não é apenas força e rudeza, mas também beleza. É uma beleza diversa da beleza débil e estetizante do rococó. Nem toda a arte cabe no conceito de beleza. A verdadeira, a grande arte, é mais verdadeira e maior do que a arte bela. Existe no Homem uma natureza figurativa que nasce logo que a sua existência se sente segura. Logo que o Homem já não tem nada a temer nem com que preocupar-se, qual semideus, eis que infunde o seu espírito na matéria. A unidade espiritual das produções dos selvagens é dada apenas pelo sentimento. Mas quer provenha da rudeza selvagem quer de um requintado sentimento, a arte é completa e vital. É a arte do característico, a única arte verdadeira. O gênio não deve ter em consideração nem modelos nem regras, não deve aproveitar-se das asas de outros, mas utilizar as suas próprias asas. [Destaques acrescentados]
Na crítica idealista, representada pelas críticas neoclássica e romântica, discutiase muito mais o conceito de arte do que obras específicas. Neoclássicos e românticos se dedicaram muito mais à arte de períodos muito anteriores do que à produção contemporânea. E mesmo nesta, muitas vezes escolhia debruçar-se sobre produções que pouco tinham de arte, na medida em que reproduziam conceitos abandonados pela concepção contemporânea. O texto de Goethe39 Sobre os objetos de artes plásticas, escrito em 1797, ilustra bem o tipo de posicionamento adotado pela crítica idealista de fins do século XVIII e início do XIX. Transcrevo a parte inicial: Exigimos das artes plásticas representações (Darstellungen) nítidas, claras, determinadas. Se elas são possíveis até o mais alto grau de execução, depende muito do objeto e é, portanto, de suma importância o que o artista escolhe como objeto e quais os que se sente inclinado a tratar. Os objetos mais privilegiados são aqueles que se determinam por meio de sua existência sensível mesma. O primeiro gênero dos objetos é o gênero natural. Ele representa (stellt dar) as coisas conhecidas, comuns, ordinárias, tais como são, embora já elevadas a um todo artístico. Geralmente são fisiológicos, muitas vezes pateticamente ordinários e, neste sentido, não possuem nada de ideal, embora como obras de arte devam, em outro sentido, participar da idealidade. O segundo gênero é o ideal mesmo; não se apreende o objeto tal como aparece na natureza, e sim na altura onde está despido de tudo o que é ordinário e individual, onde ainda não se tornou uma obra de arte por meio da elaboração, mas já se dirige à elaboração como um objeto perfeitamente configurado. Aquele é gerado pela natureza, este pelo espírito do homem na ligação mais íntima com a natureza; aquele eleva o artista, por meio da elaboração mecânica, a certa dignidade, neste todo o tratamento mecânico quase não é capaz de expressar a sua dignidade. Na representação daquele os 39
GOETHE, Johann Wolfgang. Escritos sobre arte. São Paulo, 2ª edição, Ed. Humanitas e Imprensa Oficial do Estado de SP, 2008
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holandeses atingiram a suprema perfeição, na representação deste os gregos. Estes últimos também são ou fisiológicos ou elevadamente patéticos. (GOETHE, 2008:83-84)
Por outro lado, as discussões sobre o conceito de arte modificaram completamente o modo de fazer crítica, pois com ela “a história dos fatos materiais foi substituída pela história da atividade espiritual em todas as suas formas” (VENTURI, 2007:179), o que pode ser visto no abandono definitivo das biografias de artistas e das discussões abstratas em torno do “belo”, e na adoção do conceito de evolução da arte paralelamente à evolução do espírito artístico.
4.1.12.
O conceito de gosto kantiano como critério
Alexander Baumgarten (1714–1762) afirma uma forma de perfeição peculiar à arte, diferente da perfeição segundo o conhecimento científico. Em sua Estética, obra que inaugura a reflexão sobre o conceito de arte, ele considera a arte como uma forma de conhecimento anterior à ciência e diferente daquele a que esta conduz, justificando a existência de um campo específico para a reflexão sobre arte. Immanuel Kant (1724–1804) seguiu o caminho aberto por Baumgarten e em 1790 apresentou sua Crítica da faculdade de julgar, na qual defende a impossibilidade de uma regra objetiva que determine o gosto, já que o juízo derivado do gosto é estético e portanto determinado pelos sentidos do sujeito. Kant define estética como “aquilo que é puramente subjetivo na representação de um objeto, isto é, o que constitui a sua relação ao sujeito, e não ao objeto, é a sua qualidade estética”. (In: PASCAL, 1996:160)40 O filósofo propõe que a qualidade estética permite a formação de duas modalidades de juízo, sendo uma relacionada ao belo e outra relacionada ao sublime. O belo, associado à obra de arte, proporciona uma satisfação inteiramente livre de conceitos, enquanto o sublime, propriamente dito não pode estar contido em qualquer forma sensível; antes, ele concerne somente às ideias da razão que, embora não comportem uma apresentação adequada, são despertadas e evocadas ao espírito por esta mesma falta de adequação que admite uma apresentação sensível. (Idem, 1996:165)
Aplica-se à crítica de arte o conceito kantiano de gosto, descrito como “a faculdade de julgar um objeto ou um modo de representação mediante um agrado ou um desagrado, sem qualquer interesse” (Idem 1996:160), sendo que o objeto do gosto é o belo. Desta forma, Kant situa no sentimento de quem aprecia a obra de arte a
40
PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. Petrópolis, RJ, 5ª edição, Ed. Vozes, 1996.
67
capacidade de julgá-la conforme o agrado ou desagrado por esta proporcionado, livre de regras ou parâmetros. A sensação, diferente do sentimento, é insuficiente para o julgamento estético, pois consiste numa representação objetiva dos sentidos – sensação de frio ou calor, por exemplo –, enquanto o sentimento é puramente subjetivo – sentimento de ternura ou de raiva, por exemplo. Kant alerta contra a confusão entre beleza e perfeição, destacando a diferença entre belo e bem – do qual a perfeição seria um atributo –, carecendo este de uma finalidade objetiva, enquanto aquele é desinteressado, é capaz de proporcionar uma satisfação universal e não pode ser contido em conceitos. Para esclarecer melhor a questão, Kant estabelece duas espécies de beleza: “Beleza livre (pulchritudo vaga) e a beleza simplesmente aderente (pulchritudo adhaerens). A primeira não supõe qualquer conceito do que deva ser o objeto; a segunda supõe tal conceito, bem como a perfeição do objeto de acordo com ele”. (Idem, 1996:164) Às obras de arte, pertencentes ao grupo da “beleza livre”, concerne o juízo estético puro, que independe do conceito de perfeição. Kant destaca o caráter espontâneo da criação artística, valorizando a originalidade que constrói a obra de arte como se esta fosse um produto da natureza – livre de regras, voluntária, espontânea. Entretanto, Kant não invalida a tradição artística, que deve ser seguida e não imitada. Sem a tradição, o fazer artístico se perderia facilmente em manifestações destituídas de genialidade cujos produtos não passariam de objetos comuns. A imitação, por outro lado, representa uma renúncia à originalidade de que os gênios são capazes. Desta forma, Kant não apenas reconhecia a arte numa perspectiva histórica, como condenava a imitação da arte antiga.
4.1.13.
Representação idealista hegeliana
Em 1807, Friedrich Wilhelm Joseph von Schelling (1775–1854) sintetiza suas ideias sobre estética no discurso Sobre a relação entre as partes figurativas e a natureza. Para o filósofo, ligado ao idealismo alemão juntamente com Hegel, a obra de arte sintetiza uma oposição infinita entre a atividade consciente e a inconsciente, resultando numa expressão instintiva, por parte do artista, que não pode ser inteiramente compreendida. “E, precisamente, o infinito expresso de modo finito é a beleza. E o sentimento que acompanha o superar da contradição é a catarse, a calma e a serena 68
grandeza, mesmo onde se deveria exprimir a mais forte tensão da dor ou da alegria”. (VENTURI, 2007:188) Para Schelling, a beleza da natureza é puramente casual e destituída de atividade consciente. Desta forma, a arte não pode ser imitação da natureza, já que esta, bela por acaso, não pode ser tomada como regra. Georg Hegel (1770–1831) concorda com Schelling quanto à impropriedade da arte ideal como cópia da natureza. Situa a origem da arte na ideia e indica seu objetivo como “manifestar a verdade sob a forma da representação sensível”. (2007:190) Para Hegel, a missão do artista é expressar o ideal e não representar os objetos com esmerado naturalismo ou imitando sua aparência exterior. Confirmando este ponto de vista, Hegel elogia os pintores holandeses do século XVII, que pintam cenas sem importância e motivos fortuitos, representam a natureza de forma grosseira, mas conseguem transmitir tamanha alegria e jovialidade por meio dos quadros, que encantam o filósofo e fazem-no enxergar nestes atributos a real beleza da obra. Ora, esta percepção quanto à arte holandesa ilustra a estética hegeliana, que deixava de associar a evolução da arte ao grau de perfeição alcançado na representação da natureza, para associá-la à representação do ideal: “primeiro, a representação faz-se por sinais abstratos e é, portanto, simbólica; depois faz-se mais concreta, com o equilíbrio entre corpo e ideia e é, portanto, clássica; finalmente faz-se mais intensa, com a prioridade da ideia sobre o corpo e é, portanto, romântica”. (2007:190–191) Entretanto, Hegel associa estes três estágios da arte, simbólica, clássica e romântica, respectivamente à arquitetura, à escultura e à pintura, numa simplificação esquemática que desconsidera a personalidade do artista. “Isto não deve impedir que se reconheça a novidade essencial da abordagem de Hegel”, afirma Venturi, que destaca o quanto este pensamento significa em avanço conceitual, na medida em que relaciona a evolução do gosto – simbólico, clássico e romântico – à evolução geral do espírito humano.
4.1.14.
Séculos XIX e XX: a era da crítica filológica
Na Alemanha do começo do século XIX a História da Arte adotou a filologia como método de apuração das fontes, constituídas em sua maioria de registros escritos. Textos clássicos foram confrontados, fontes literárias foram identificadas, inscrições e documentos foram descobertos e examinados. Desse rigor metodológico resultaram 69
significativas descobertas sobre o Renascimento e a Idade Moderna, relacionadas à vida e à cultura dos artistas, à autoria de obras e à época em que foram produzidas, sobre a vinculação das obras e dos artistas com a vida religiosa e social da época etc. Houve casos em que a tradição precisou ser revista à luz das novas descobertas. Esta atividade ocupou, em grande medida, os historiadores da arte do século XIX. Entretanto, o principal objeto de análise deveria ser as obras de arte e não os testemunhos sobre artistas. Para alcançarem o verdadeiro objeto utilizando a metodologia filológica, criaram alguns esquemas de “decomposição” das obras de arte, sendo os principais: a) Iconografia, que se debruça sobre o conteúdo da obra de arte. Considera como conteúdo o tema da obra, e não a expressão do artista. b) A técnica adotada na obra, adotadas as seguintes especificidades: ciência da construção, para a arquitetura; sistemas de trabalho do mármore, da madeira e do bronze, para a escultura; modos de misturar as cores (têmpera, óleo, aquarela), para a pintura, além da perspectiva, da anatomia e de outras formas de representação naturalista. c) O estilo, compreendido como características e convenções adotadas pelo artista que o distinguem dos demais e/ou que o associam aos seus mestres e discípulos. Se, por um lado, a crítica filológica forneceu a possibilidade de descobertas mais confiáveis na História da Arte, por outro caiu na armadilha de deslocar seu interesse da arte para a filologia, tomando aquela como registro que permitia conhecer a religião, o caráter, os costumes dos povos, seu progresso intelectual, suas práticas cotidianas, em detrimento da motivação artística. “Ora sem disso se aperceberem, ora com plena consciência, os filólogos renegaram a grande conquista do século XVIII: a consciência da autonomia da arte”, afirma Venturi. (2007:201) Se por um lado o trabalho filológico sobre a arte propiciou a descoberta, em escavações, de tesouros artísticos da antiguidade, lançando luz sobre a produção de épocas inteiras dos povos antigos e de outras regiões do globo, por outro, ao explicar racionalmente os elementos da obra de arte (descrevendo-a segundo a iconografia, a técnica e o estilo) os filólogos racionalizaram a arte e ignoraram o gênio. Solapam, desta forma, a estética idealista de Schelling e Hegel que viam na atuação do artista uma elaboração espiritual que se materializa na obra de arte, não estando sujeita à racionalização. Vale destacar que o método filológico alcançou o auge na segunda 70
metade do século XIX, época em que o positivismo de Auguste Comte foi adotado como parâmetro do pensamento Ocidental. Se no século XVIII o pensamento estético conheceu avanços significativos, não se pode dizer o mesmo do XIX, durante a influência do positivismo. Uma rara exceção é o trabalho de Hippolyte Taine (1828–1892), que propunha a compreensão do homem a partir de fatores como o ambiente, a raça e momento histórico. Partindo desta premissa, Taine defende que para compreender a obra de arte é necessário estabelecer uma relação desta com as demais obras do artista, com o grupo de artistas com os quais o autor tenha afinidade, com o ambiente frequentado pelo artista. Venturi (2007:204) aponta os seguintes equívocos no raciocínio de Taine: primeiramente, o paradigma determinista não deixa espaço para a criação individual, como se o artista não pudesse romper com o meio em que vive e com as influências artísticas que o cercam para criar algo novo e inesperado. Em segundo lugar, deixa de reconhecer a riqueza social do ambiente natural, em suas nuances e contradições, plasmando-o como uma realidade física imutável. Embora no geral as ideias de Taine possam ser facilmente contestadas atualmente, elas lançaram a centelha para que se compreendesse melhor as interrelações entre arte e vida social.
4.1.15.
Enciclopédias e conhecedores de arte
A tendência positivista, prevalecente no século XIX, para descrever e classificar os fenômenos naturais deu origem a obras sobre história da arte com caráter enciclopédico. Karl Otfried Muller (1797–1840) apresentou em 1830 seu Compêndio de Arqueologia da Arte com o qual propõe um levantamento geral de monumentos antigos classificados como obras de arte. Em 1842, Franz Kugler (1800–1858) apresenta o seu Manual de História da Arte, no qual classifica os monumentos com mais rigor, levando em consideração muito mais os aspectos formais das obras, opondo-se à prática filológica que os classificava de preferência conforme a origem. Em 1855 foi a vez de Springer lançar seu manual de história da arte, tido por Venturi como um dos mais populares já produzidos, com reedição no século XX. Na França, Charles Blanc (1813– 1882) publicou em 1880 sua Gramática para as Artes do Desenho, tida por VENTURI (2007:207) como “um classicismo de maneira, sem convicção profunda e sem
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sensibilidade artística”. O autor relata ainda o trabalho de André Michel (?)41 realizado entre 1905 e 1929, considerado de grande alcance porque o organizador pretendeu abarcar toda a produção artística dos países cristãos desde o século IV até os seus dias. Para tanto, contou com a colaboração de vários pesquisadores, reservando para si as conclusões de cada capítulo/período, numa tentativa de impor unidade à obra. O resultado tem mais utilidade como registro do pensamento de cada época e da participação de cada país na produção artística global, do que propriamente como reflexão sobre a arte e o pensamento estético. Venturi afirma (2007:210) que quando as obras de arte são estudadas em seus aspectos internos – assunto, elementos técnicos e aspectos formais – associados à história da civilização em que é produzida, aí sim, é possível alcançar resultados mais satisfatórios para a sua compreensão. Apesar da insuficiência da filologia como instrumento para a análise das obras de arte, ela deixou um importante legado para a crítica especializada: a pesquisa focada no artista, que permite reconstruir a trajetória de um artista a partir de suas obras e a elaboração de catálogos cumulativos desta produção. Desta forma, abriu o caminho para um novo tipo de especialista que, se por um lado, não tem a profundidade de um historiador das civilizações ou da literatura e nem o raciocínio de um filósofo ou esteta, por outro, possui conhecimento enciclopédico sobre as obras, sendo capaz de classificá-las somente pela leitura dos elementos formais existentes na própria obra, sem necessidade de recorrer à literatura. Trata-se do conhecedor, cujo método de investigação consiste basicamente em observar sistematicamente as obras de determinado período ou a produção de determinado artista. A familiaridade com as obras lhe permite desenvolver a intuição necessária para distinguir com alguma segurança grupos e períodos artísticos, estabelecendo entre eles uma relação de antecedência e sucessão. É capaz de reconhecer, também, a evolução interna nos grupos caracterizada por mudanças de estilo de uma obra para outra, a importância do grupo no contexto geral das artes, se determinada obra pertence ao grupo, se é original, se é cópia ou se é mera falsificação.
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VENTURI não demonstra rigor na apresentação de informações sobre os personagens citados em sua obra. Uma parte significativa dos dados biográficos básicos, como origem dos personagens e época em que viveram, precisaram ser obtidos em fontes externas. Nestes casos, cruzaram-se dados apresentados pelo autor com os encontrados nas fontes externas. Lamentavelmente não foi possível encontrar informações biográficas para alguns nomes.
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A crítica de arte feita pelo conhecedor resulta do conhecimento da personalidade do artista na sua arte, da maneira como este se expressa na obra, da observação de detalhes intrínsecos ao artista, associado àquilo que o conhecedor atribui valor de arte e vinculado ao momento histórico. Gustav Waagen (1794–1868), conhecedor alemão, pesquisou profundamente coleções públicas e particulares existentes na Inglaterra, na França e na Rússia e publicou suas impressões na forma de resenhas tidas por Venturi (2007:216) como uma mina de conhecimentos pouco explorada. Waagen pretendia ir além, aprofundando suas pesquisas na direção da interpretação das obras de arte, superando a forma sumária e enciclopédica de conhecimento típica dos conhecedores. Entretanto, não pode concluir a tarefa. A arte produzida a partir do Renascimento e particularmente a arte moderna constituíam um vasto campo de trabalho para os conhecedores em função da enorme quantidade de obras produzidas a partir daquele período e da diversidade das mesmas, o que requeria um exaustivo trabalho de reconhecimento das obras como arte e de classificação das mesmas. O diplomata e crítico inglês Archer Crowe (1825–1896) foi um dos que se dedicou à tarefa. Juntamente com o crítico italiano Giovanni Cavalcaselle (1819–1897) publicou A história da pintura flamenga em 1857, A história da pintura italiana das origens até o século XVI entre 1864 e 1871 e monografias sobre Tiziano e Rafael, em 1877 e 1882, respectivamente. A descoberta da fotografia na primeira metade do século XIX representou ajuda significativa para o registro das obras de arte. Embora incompleta, a imagem fotográfica é uma referência que permite confrontar obras com mais precisão. Giovanni Morelli (1816–1891), médico italiano e colecionador de arte dotado de apurada sensibilidade, utilizou a fotografia para classificar obras e artistas, tendo conseguido corrigir diversos erros de atribuição. Morelli chegou a construir uma teoria baseada nas ciências experimentais, segundo a qual os pintores do século XV repetiam a si mesmos no modo como pintavam mãos e orelhas, o que, segundo a teoria de Morelli, permitia identificar a autoria das obras pela observação destas partes do corpo. Comentando esta premissa, Venturi afirma: É preciso recordar a paixão pela ciência experimental existente entre 1850 e 1880 para se conseguir compreender não só como é que um homem de talento foi capaz de construir tal teoria, mas também como é que semelhante teoria teve grande difusão internacional e até uma eficiência favorável aos estudos de história da arte”. (2007:218)
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A principal contribuição de Morelli, portanto, e nem por isso pouco importante, é a atenção rigorosa aos detalhes da obra e sua consciência filológica. Vários nomes se inspiraram em Cavalcaselle e Morelli e os sucederam nas pesquisas sobre obras de arte e na elaboração de catálogos de artistas: Adolfo Venturi, autor da Storia dell’Arte Italiana publicada em 1901, Max Friedlander, tido por Venturi como o maior conhecedor de arte alemã e flamenga, o holandês Hofstede de Groot, que renovou o catálogo cumulativo de arte holandesa; além de importantes conhecedores na Inglaterra, na França e na Espanha.
4.1.16.
Crítica francesa do século XIX
A publicação em 1840 da Estética de Hegel em francês surge no momento em que críticos e historiadores da arte buscam um sistema de pensamento que desse suporte às suas intuições críticas. O aparecimento, na França, de grandes pintores, como Delacroix, Ingres, Courbet, Manet, Cézanne e Gauguin, reconhecidos também como importantes pensadores da arte, criou o ambiente propício para que teorias fossem questionadas e novas propostas estéticas surgissem. Por outro lado, a aproximação entre poetas, romancistas e artistas despertou nos escritores o interesse pelos textos sobre arte, buscando com isso interpretar, explicar e promover os artistas. A existência de exposições regulares em Paris tanto incrementava o interesse dos escritores pelos artistas, como criava a demanda por uma crítica que discutisse e explicasse os rumos da pintura. Voltada para a arte da época, a crítica francesa do século XIX soube acompanhar as mudanças do gosto, sem, contudo, abrir mão dos valores estéticos anteriormente alcançados. Soube, também, evitar armadilhas como as que afetaram a crítica filológica, que se perdeu em leituras da iconografia e da técnica. Na opção que faz pelo romantismo, em detrimento do classicismo, a crítica francesa declara a sua concepção de arte como criação espiritual, e não como imitação da natureza, livre da maneira mais ilimitada. O poeta Charles Baudelaire (1821–1867), um dos principais nomes da crítica francesa do século XIX, exprime com as seguintes palavras o pensamento estético predominante na Paris da primeira metade do século: Todo o universo visível é apenas um armazém de imagens e de sinais aos quais a imaginação atribuirá um lugar e valor relativos: é uma espécie de alimento que a
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imaginação deve diferir e transformar. Todas as faculdades do espírito humano devem estar subordinadas à imaginação, que as requisita simultaneamente. (BAUDELAIRE In VENTURI, 2007:224)
Ora, se a arte é um produto diretamente ligado à imaginação, as normas exteriores ao artista não têm nenhuma serventia e tampouco devem influenciar o seu trabalho. Segundo VENTURI (2007:228), “Em nenhum outro país, como em França, houve uma luta sem quartel entre inovadores e tradicionalistas”, estes, identificados com a crítica clássica. Se a posteridade soube reconhecer a genialidade dos inovadores Delacroix e Cézanne, entre outros, não se pode dizer o mesmo do Estado francês da época que preferia os seguidores do neoclassicista Jacques-Louis David (1748–1825). A crítica mais pujante a inovadora, entretanto, tinha outras preocupações. No Salão de 1831 Delacroix apresenta a sua célebre Liberté provocando uma ruidosa manifestação por parte dos defensores do neoclassicismo. No entanto, Gustave Planche (1808–1857), então um jovem crítico literário, reconheceu no pintor um exemplar da “raça nobre e séria, que vem de ontem, mas hoje grande e forte, incumbida de uma missão especial e profunda, chamada a regenerar a sociedade, a renovas as instituições”. (In: VENTURI, 2007:230) O auge da crítica francesa, segundo Venturi, é alcançado por Thoré, Champfleury, Mantz, Fromentin e Baudelaire. A respeito do último, o autor afirma destacar-se dos demais “a grande distância”. Baudelaire publicou seu primeiro ensaio sobre os Salões franceses em 1845. Declarando-se adepto da crítica simples e baseada mais na sensibilidade do que em formulações, Baudelaire defendia uma crítica “parcial, apaixonada, política, feita sob um ponto de vista exclusivo”, como devem ser todas as críticas, porém que fosse portadora de um ponto de vista “que abra o maior número de horizontes” (2007:232), revelando sua disposição para a pluralidade. A carta que Baudelaire enviou à Revista Francesa a propósito do Salão de 1859 ilustra sua opinião a respeito da arte neoclássica: Caro sr. ..., quando o sr. me deu a honra de solicitar-me a análise do Salão, o sr. me disse: “Seja breve; não redija um catálogo, mas um apanhado geral, algo como o relato de um rápido passeio filosófico através dos quadros”. Muito bem, satisfarei seu desejo; não porque seu programa concorde (o que de fato ocorre) com minha maneira de conceber esse gênero de mercadoria tão fastidioso a que se dá o nome de Salão, não que esse método seja mais fácil do que o outro, pois a brevidade sempre exige mais esforços do que a prolixidade; mas simplesmente porque, sobretudo no caso presente, não há outro método possível. (...) Os pensamentos sugeridos pela visita deste Salão são de uma ordem tão simples, tão antiga, tão clássica, que sem dúvida poucas páginas me serão suficiente para expô-los. Não se surpreenda com o fato de a banalidade no pintor
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ter suscitado o lugar-comum no escritor. (BAUDELAIRE, 1988:59-60)42 [Destaque acrescentado]
Trechos adiante, denuncia a arte “pueril” que dominou as belas-artes: Após ter passado meus olhos durante algum tempo sobre tantas mesmices levadas a bom termo, sobre tantas tolices minuciosamente polidas, sobre tantas asneiras ou falsidades habilmente construídas, fui levado naturalmente pelo curso de minhas reflexões a considerar o artista no passado e a compará-lo com o artista no presente. Depois o terrível o eterno porquê se colocou, como de hábito, ao fim dessas desalentadoras reflexões. Dir-se-ia que a mesquinhez, a puerilidade, a falta de curiosidade, a calma insossa da fatuidade substituíram o ardor, a nobreza e a turbulenta ambição, tanto nas belas-artes quanto na literatura; e que nada, por enquanto, nos permite esperar por florações espirituais tão abundantes quanto as da Restauração. (1988:62)
Na parte final, afirma: A criança mimada, o pintor moderno, diz para si mesmo: “O que é a imaginação? Um perigo e uma fadiga. O que é a leitura e a contemplação do passado? Tempo perdido. Serei clássico, não como Bertin (pois o clássico muda de lugar e de nome), mas como... Troyon, por exemplo”. E ele faz como disse. Pinta, pinta, e fecha sua alma, e continua pintando até que finalmente se assemelhe ao artista da moda, e até que, por sua burrice e habilidade mereça o sufrágio e o dinheiro do público. O imitador do imitador encontra seus imitadores e cada um persegue assim seu sonho de grandeza, fechando cada vez mais a alma, e sobretudo não lendo nada, nem mesmo Le Parfait Cuisinner (O Perfeito Cozinheiro), que, no entanto, lhe teria possibilitado uma carreira menos lucrativa, porém mais gloriosa. Quando ele domina bem a arte dos molhos, das pátinas, dos vernizes, das veladuras, das preparações, dos ensopados (estou falando de pintura), a criança mimada assume atitudes arrogantes e repete para si mesma, com mais convicção do que nunca, que todo o resto é inútil. (1988:65-66)
Claramente, Baudelaire rejeita o domínio da técnica destituída de imaginação criativa. Théophile Thoré (1807–1868) é considerado um dos principais apoiadores do impressionismo. Para o crítico e historiador, a expressão, e não a qualidade imitativa do quadro, determinava a perfeição da obra. Defende, portanto, a liberdade do artista expressar seu próprio modo de ver e sentir o ambiente, ao invés de se submeter aos desejos do público ávido por pinturas naturalistas. Champfleury, pseudônimo do escritor e crítico Jules-François-Félix-Husson Fleury (1821–1889) foi capaz de perceber no primeiro momento a necessidade de uma pintura realista que desse conta do conturbado momento político vivido na França em meados do século XIX. Coerente com seus ideais, apoiou Courbet na polêmica surgida com a apresentação da tela Enterro em Ornans em 1849, na qual camponeses eram retratados durante um sepultamento. Champfleury chamou a atenção para a verdade do quadro em oposição a outros críticos que acusavam o pintor de explorar aspectos 42
BAUDELAIRE, Charles; COELHO, Teixeira (Org.). A modernidade de Baudelaire. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1988
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“pouco nobres” da natureza. Reconhece Declaroix, Ingres e Corot como “mestres da escola francesa”, juntando a estes o caricaturista Honoré Daumier (1808–1879), sobre quem escreve: Resumiu [em si] as forças cômicas de inúmeros caricaturistas que o precederam e no exercício da sua arte acrescentou o sentimento da cor que transformou cada esboço seu numa obra cheia de força. Uma estampa de Daumier pode ser comparada com as mais arrojadas concepções da arte moderna. (2007:238)
Jules-Antoine Castagnary (1831–1888), cuja crítica abrange os Salões de 1857 a 1879, e Ernest Chesneau (1833–1890) foram também importantes críticos defensores do realismo na pintura. Para o primeiro, a arte estava ligada à região, ao clima e à raça na qual era produzida. Já o segundo, defende o realismo como alternativa à arte romântica. Théophile Gautier (1811–1872) foi um ardoroso defensor da “arte pela arte”. Admira indistintamente Delacroix e Ingres, sem enxergar neles nada mais que pinturas. Representa, para Venturi, um retrocesso na consciência crítica alcançada anteriormente. “A orientação crítica que se alcançara com tanto trabalho cerca de dez anos antes era agora destruída. Entre a vida espiritual da França e os juízos de Gautier, não existe já qualquer relação”. (2007:239) Eugène Fromentin (1820–1876), pintor, autor de livros de viagem e crítico de arte, recomendava que os pintores estudassem os processos dos mestres e que observassem detidamente a natureza, mas que buscassem em si mesmos “a imagem inata do belo e da inspiração”. (2007:241) Em 1833 publicou sua principal obra (Maîtres d”Autrefois) na qual estuda os mestres flamengos e holandeses do século XVIII, comparando o trabalho destes com Delacroix, consigo próprio e com outros contemporâneos, numa busca por um ideal de pintura. Segundo Venturi (2007:242), alguns dos escritos de Fromentin sobre Rubens ou Rembrandt jamais foram superados. Eis que outra novidade sacode o ambiente artístico de uma Paris que lentamente se acomodava ao realismo de Courbet. Quando Edouard Manet (1832–1883) começa a expor seus quadros, crítica e público deparam-se com algo nunca visto e que, portanto, não conseguem interpretar. “Manet rejeitava o ponto de fuga único em favor da perspectiva natural e seus temas, ilegíveis ou incompletos na aparência, subverteram deliberadamente os ideais clássicos”. (DEMPSEY, 2008:15)43 Não bastasse, Manet insistia nos “insignificantes” temas do cotidiano, em oposição à pintura engajada do realismo. 43
DEMPSEY, Amy. Estilos, escolas e movimentos: guia enciclopédico da arte moderna. São Paulo, Ed. Cosac Naify, 2008.
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O apoio a Manet vem de Emile Zola (1840–1902), jornalista e escritor parisiense. No artigo publicado no L’Evénement em 4 de maio de 1866, Zola explica a sua concepção de arte: O que peço ao artista não é que ele me proporcione visões de ternura ou de assustadores pesadelos; mas sim que ele próprio se entregue, coração e fibras, que ele afirme abertamente um espírito poderoso e específico, uma natureza que se apodere generosamente da natureza em suas mãos, e que a coloque de pé diante de nós, tal como ele a vê. (...) O que eu quero é que se faça vida; quero que se esteja vivo, que se crie novamente, sem referência a nada, segundo os próprios olhos e temperamento. O que eu procuro antes de tudo num quadro é um homem, e não um quadro. (ZOLA, 1989:33)44
O crítico deixa clara sua preferência pela arte expressiva, por meio da qual o artista manifesta o seu ponto de vista, em oposição aos esquemas de pintura e regras das academias. Em 1876 o crítico de arte e escritor Edmond Duranty (1833–1880) publicou um artigo sobre a pintura impressionista no qual ataca Fromentin pelo apoio deste à pintura acadêmica e expressa a melhor definição do impressionismo – termo que evita sistematicamente, preferindo “nova pintura” – até então produzida: ... consiste essencialmente em ter reconhecido que a grande claridade descolora os tons, que a luz do Sol refletida pelos objetos tende, devido ao brilho, a conduzi-los a esta unidade luminosa que funde os sete raios prismáticos num único esplendor incolor – a luz. De intuição em intuição, conseguiram [os impressionistas] aos poucos decompor a luminosidade solar nas diversas gamas, nos seus elementos e a recompor a sua unidade através da harmonia geral das radiações que eles espalham sobre as suas telas. (VENTURI, 2007:246)
Diversos outros críticos escreveram sobre o impressionismo, sempre identificando no novo estilo a manifestação da personalidade do artista acima das regras acadêmicas e mesmo dos temas representados. Para Georges Rivière, fundador da revista L’Impressionniste (1877), “o que distingue os impressionistas dos outros pintores é que os impressionistas tratam o motivo pelo tons e não pelo motivo em si”. (2007:247) A crítica simbolista, que surge nas últimas décadas do século XIX, consiste numa reação à invasão da filosofia científica no universo das artes promovida pelo positivismo, restituindo o aspecto humano das produções artísticas, com seus valores espirituais e suas contradições. Os simbolistas afirmavam o primado do “mundo interior dos estados da alma e das emoções, em lugar do mundo objetivo das aparências externas”. (DEMPSEY, 44
ZOLA, Emile. A batalha do impressionismo. Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1989.
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2008:41) Sonhos, visões, experiências
místicas, temas ocultos, erotismo e
perversidades, surgem como tema de obras de arte e poéticas. O objetivo é conseguir determinadas reações psicológicas do público, provocando estados de espírito e emoções. O escritor simbolista e crítico Albert Aurier (1865–1892) definiu em cinco tópicos a estética pretendida pelo grupo. Segundo esta definição, a obra de arte deveria ser: a) Ideativa, pois seu único ideal será a expressão da Ideia; b) Simbolista, pois expressará essa ideia por meio das formas; c) Sintetista, pois apresentará essas formas e esses signos de acordo com um método que é geralmente compreensível; d) Subjetiva, pois o objeto jamais será considerado como um objetivo, mas como um signo percebido pelo sujeito; e) Decorativa. (Idem) Aprofundando ainda mais o conceito, o poeta Gustave Kahn (1859–1936) explica o simbolismo nos seguintes termos: “O propósito essencial de nossa arte é objetivar o subjetivo (a exteriorização da Ideia), em vez de subjetivar o objetivo (a natureza vista através dos olhos de um temperamento)”. (2008:43) Trata-se de um pressentimento da arte abstrata, que surgiria somente décadas à frente. Georges Seurat (1859–1891) explora em sua estética o caráter simbolista da arte afirmando que a linha ascendente simboliza alegria, a horizontal representa calma e a descendente, tristeza. (VENTURI, 2007:249)
4.1.17.
Dualismo crítico: expressão psicológica e visibilidade
pura Expressão psicológica do artista, a arte comunica os sentimentos de seu criador por meio de traços e cores. A psicologia é o instrumento adequado, por excelência, para perscrutar a motivação do artista e os estados d’alma que o movem no ato criativo. Por outro lado, os traços, as soluções cromáticas, os efeitos de relevo e de sombra, a profundidade, a correção do desenho etc., são aspectos visuais por meio dos quais a obra adquire forma. São símbolos visuais, passíveis de compreensão e de avaliação, cabendo à crítica buscar também neles a “verdade” contida na obra. Entretanto, a crítica não dispõe de disciplinas científicas sistematizadas que deem conta dos símbolos
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visuais, como acontece com a psicologia que serve de referencial para analisar a obra na perspectiva da psique do artista. A física e a geometria, que tratam da cor e da forma, fazem-no em perspectivas que em nada contribuem para avaliar obras de arte. É impensável que determinada obra seja considerada genial pelo equilíbrio geométrico de suas formas, ou pela exatidão das combinações cromáticas. Desamparada de suportes teóricos para avaliar as formas, resta à crítica basear-se em deduções extraídas da observação das linhas e das cores adotadas pelos artistas, movida pela certeza de que estas, longe de serem meros fenômenos físicos, constituem-se manifestação de gosto e uma forma pela qual a criação individual se insere em determinada “tradição”. A crítica que adota os símbolos como categorias de classificação das obras, conhecida como “crítica da visibilidade pura”, tem sua origem na distinção que Kant faz entre beleza livre e beleza partidária. Pertencem à primeira aquelas que valem apenas por si mesmas, não dependendo da associação com ideias ou valores para serem reconhecidas como belas formas. São exemplos de belezas livres as flores e outras formas naturais, desenhos em estilo grego, motivos geométricos abstratos etc. Já a beleza partidária é aquela associada a um conceito que indica a forma que a coisa deve ter para ser considerada perfeita. São partidárias a beleza da mulher, de um templo específico, de um cavalo, por exemplo. Ligado à crítica de orientação histórico-filosófica, a adoção dos símbolos visuais como critério de juízo obedece aos mesmos imperativos adotados na análise de textos históricos, que consiste na decomposição das suas fontes. A obra de arte, igualmente, é decomposta em seus elementos constituintes, revelando o tema tratado, a técnica adotada, os princípios morais, religiosos, políticos ou filosóficos que a orientam, e os símbolos da visão que a associam a um artista, a um grupo de artistas, a um período ou a uma determinada região. O artista Hans von Marées (1837–1887), inspirado pela visibilidade pura, abandona o romantismo para investir na valorização das formas, sem, contudo, ceder à tentação de se tornar neoclássico. VENTURI (2007:255) atribui a ele o início do movimento formalista. Johann Herbart (1776–1841), opondo-se à estética idealista focada no conteúdo da obra, propôs um formalismo abstrato no qual a beleza se apresenta independentemente de sentimentos e a consciência da obra se limita à percepção de suas formas. Segundo ele, a beleza de determinada obra só estaria acessível mediante uma apreciação completamente abstraída de sentimentos que possam 80
ser sugeridos pela obra, e de sua individualização em relação a outros tipos de arte – ou seja, ela só pode ser considerada bela na perspectiva artística na qual se encaixa. A música tem a sua beleza, a poesia tem a sua, a pintura também a sua, não sendo admissível estabelecer relações entre essas artes para descrever a beleza da obra. Um dos discípulos de Herbart, o filósofo austríaco Robert Zimmermann (1824– 1898), apresentou em 1865 uma estética segundo a qual o estudo do conteúdo da criação artística cabia à psicologia, cabendo à estética o estudo da imagem desta criação. Entretanto, a estética não pode criar conhecimento empiricamente comprovável, limitando-se a indicar modelos que sirvam como critério de julgamento – símbolos, concebidos como obras de arte reduzidas à sua expressão mais simples. Zimmermann classificou as obras de arte em três grupos conforme o modo de representação de cada um, a saber: a) Material ou táctil: utiliza-se do traço, do plano e da plástica para representar; b) Percepção: utiliza-se das variações entre claro-escuro e da cor, para representar; c) Pensamento: utiliza-se da poética como forma de representação. O conceito psicológico da einfühlung, palavra alemã que significa empatia, foi outro caminho adotado para se chegar à visibilidade pura. Definido pelo historiador da arte alemão Robert Vischer (1847–1933) no ensaio Sobre o sentido da forma visual publicado em 1872, a einfühlung consiste na reação objetiva provocada pela contemplação dos objetos, associada à intuição do valor estético dos mesmos. O indivíduo sensibiliza-se com as formas exteriores assumindo-as como símbolos da própria vida, unindo-se a elas numa relação simpática. Estabelece-se, desta forma, uma analogia entre os sentimentos individuais e os símbolos exteriores. Konrad Fiedler (1841–1895) criou uma teoria da visibilidade pura partindo da concepção kantiana para percepção subjetiva, descrita como sentimento de prazer ou de dor, e para percepção objetiva, descrita como a representação concreta de seres e coisas. Para Fiedler, a arte só pode estar situada no campo da percepção objetiva, constituída de visão e representação, intuição e expressão, subordinada ao conceito de contemplação produtiva. “Este referir da arte ao problema do conhecimento, este excluir da arte o sentimento, este reduzir a arte ao conhecimento da forma, à visibilidade pura, era um modo de regressar ao criticismo kantiano”. (2007:257) Adepto de um realismo estético, opõe-se ao idealismo, descarta o “belo” como razão para debate e ignora a existência de classificações artísticas por períodos, por 81
regiões ou mesmo por grupos de artistas, admitindo apenas a existência da expressão artística individual. Fiedler opõe-se também à ideia de progresso da arte, considerando que as regras valem apenas para o artista que as criou e que o aprendizado das mesmas por outrem é, por si só, um indicativo de maneirismo. Todos os grandes mestres adotavam regras próprias em suas pinturas e isso contribui significativamente para que sejam considerados geniais, independentemente da época em que viveram. Não se pode dizer, portanto, que a arte de um se completou em outro, ou ainda que outro tenha alcançado estágios superiores. Todos são geniais, na medida em que se mantêm fiéis às próprias regras artísticas que inventaram. O escultor Adolf von Hildebrand (1847–1921), que compartilhava com o pintor Hans von Marées a amizade pelo filósofo e historiador da arte Fiedler, publicou em 1893 o texto O problema da forma na arte figurativa, no qual analisa a teoria de Fiedler na perspectiva da crítica voltada para esculturas. Uma de suas contribuições consistiu em identificar como símbolos duas formas de visão, determinadas pelo espaço: a visão próxima, própria do artista, segundo Hildebrand é sintética, enquanto a visão distante, própria do crítico, é analítica. Partindo deste princípio, e considerando que a visão distante é uma visão de superfície, para representar a profundidade o escultor deve sempre considerar planos anteriores de visão, e não apenas o plano em que se encontra. Sabe-se que Miguel Ângelo seguiu este princípio adotando leves distorções em suas esculturas para que, do plano em que seriam apreciadas, as formas parecessem naturais. Isto conduz a outro princípio de Hildebrand, segundo o qual a forma da existência é de certo modo uma manifestação da natureza, e a forma do efeito corresponde à visão do artista. (2007:260) Embora a teoria da visibilidade pura de Fiedler e Hildebrand represente incontestável contribuição para o juízo artístico, ambos pecaram por impor forte carga normativa à teoria. Era necessário relativizá-la, para que pudesse ter caráter mais universal. Esta foi, justamente, a contribuição de Aloïs Riegl, historiador da arte austríaco, que viveu entre 1858 e 1905. Riegl se insurge contra a ideia de hierarquia entre as artes, segundo a qual a representação do homem e de seus feitos era considerada superior à arte ornamental. Com o estudo Problemas do estilo, constrói uma história da arte ornamental desde o Egito até a arte árabe, revelando uma tradição artística quase desconhecida e pouco valorizada. Com o estudo A arte industrial do período romano tardio e Arte barroca em 82
Roma, publicados respectivamente em 1901 e 1907 (postumamente), Riegl procura atacar o desprezo que muitos historiadores da arte tinham por períodos como o império romano e o barroco, tradicionalmente julgados por critérios aplicáveis à arte grega e à arte renascentista, respectivamente. Riegl criou um princípio, denominado kunstwollen (palavra alemã que significa volição ou vontade artística), que opôs à ideia de arte como capacidade técnica de imitação da natureza. Para o historiador, a vontade artística é uma afirmação idealista, um valor dinâmico, uma força real que determina a tendência adotada por um artista específico ou um grupo de artistas reunidos espacialmente ou num dado momento histórico, é o impulso estético que orienta a produção artística, podendo mesmo ser tomada como a origem da arte. Segundo VENTURI (2007:263), Riegl Tinha consciência de que, em arte, o indivíduo é a única realidade e de que os grupos são apenas somas, puros nomes, tipos coletivos, mas julgou também que o espírito muda, mesmo na constituição, durante a sua evolução, e perdeu assim a consciência da eternidade do espírito humano. A sua teoria vale mais pelo impulso idealista, libertador dos preconceitos historicistas e positivistas do seu tempo, do que como organismo em si, como sistema estético.
Riegl defende que o julgamento da coerência da obra de arte não pode estar subordinada a abstrações, mas tão-somente à personalidade do seu autor, pois o que deve ser julgado é o processo criativo do artista. Em 1915, Heinrich Wölfflin (1864–1945), suíço reconhecido mesmo em seu tempo como um dos mais importantes historiadores da arte até então surgidos, publicou seus Conceitos fundamentais da História da Arte, sistematizados em cinco símbolos de visibilidade pura que encerram a transição entre dois elementos opostos, a saber: a)
Transição entre linear e pictórico, na qual o desenho linear, que tem a linha como condutora da visão, perde espaço para a aparência pura e de contornos difusos. O primeiro prima pela solidez do desenho, quase palpável; o segundo prima pela visibilidade total sugerindo uma transcendência da imagem em relação ao suporte.
b)
Transição entre visão de superfície e visão de profundidade, ilustrada pela oposição entre a arte clássica, cujas partes ocupam um mesmo plano, e o barroco, que explora as sobreposições e a profundidade. A superfície exige a linha, enquanto a visão de profundidade a torna dispensável.
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c)
Transição da forma fechada para a forma aberta, mais uma vez ilustrada pela oposição entre a arte clássica, considerada fechada pelo rigor no ordenamento de seus elementos internos, e o barroco, considerado livre.
d)
Transição entre multiplicidade e unidade. Na multiplicidade, presente na tradição clássica, cada parte pode ser individualizada e existe por si mesma, embora combinada e essencial ao todo. Na unidade, as partes existem tão-somente em função do todo.
e)
Transição entre limpidez absoluta e limpidez relativa. Trata-se da oposição entre a representação naturalista das coisas, pintadas com ênfase nas suas características plásticas, e a representação expressiva das coisas, pintadas da forma como parecem ser, com ênfase em qualidades não plásticas. Na arte clássica cultivou-se o ideal de limpidez, enquanto no século XVII o barroco optou pela representação apenas dos elementos essenciais.
Criticado por aspectos que seus detratores consideraram como distinção exagerada entre forma e conteúdo e pela dificuldade para aplicar seus símbolos à arte contemporânea, Wölfflin revisa seus conceitos e os reapresenta nos seguintes termos: ... em cada novo estilo individual cristaliza-se um novo conteúdo do mundo. Não se vê só de outro modo, vê-se também outra coisa. Então, para que complicar e não falar apenas de expressão? Porque se trata de evoluções que apenas são possíveis no decorrer do processo figurativo, que pertencem à história do espírito, mas que continuariam a ser inexplicáveis sem o fator interno, a influência contínua da imagem sobre a imagem, da forma sobre a forma. (In: VENTURI, 2007:268-269)
Percebe-se, claramente, que Wölfflin retrocede no pensamento estético ao defender a existência de um “processo figurativo” que evolui “da imagem sobre a imagem, da forma sobre a forma”, desconsiderando a fantasia individual, a atividade espiritual do artista, como vetores da produção artística. Venturi relata que os símbolos da visibilidade pura foram amplamente adotados por historiadores e críticos de arte da época, embora conduzissem a algumas interpretações equivocadas da arte, como a aceitação dos símbolos abstratos como gênese da arte. Na concepção do autor, “A história dos símbolos da visão deve limitarse a ser a história de um dos aspectos do gosto”. (2007:269)
4.1.18.
Primeiras décadas do século XX
O século XX começou para as artes visuais sob o impacto de dois novos e importantes movimentos artísticos: o fauvismo e o cubismo. 84
Em 1905, um grupo de artistas chocou de tal forma o Salão de Outono de Paris que o crítico Louis Vauxcelles não hesitou chamá-los de feras (les fauves) com evidente intenção depreciativa. As telas dos fauves apresentavam cores fortes e ousadas, praticamente atiradas violentamente sobre a superfície. André Derain, um dos fauves, afirmou: “As cores se tornaram cargas de dinamite. Elas deveriam explodir em luzes. Tudo poderia ser elevado acima do real”. (In: DEMPSEY, 2008:66) Da mesma forma, anos depois a pintura cubista de George Braque e Pablo Picasso foi recebida com desconfiança – na verdade, rejeitada pelo júri do Salão parisiense de 1908. Henri Matisse declarou que a pintura cubista não passava de petits cubes (pequenos cubos). (2008:84) A sugestão para transformações tão radicais na arte ocorrera apenas alguns anos antes, em 1890, vinda do artista e crítico Maurice Denis (1870–1943), que em sua Definição de neotradicionalista escreveu: “Lembrem-se de que um quadro – antes de ser um cavalo, uma mulher nua, ou uma história qualquer – é, sobretudo, uma superfície plana coberta de cores reunidas numa certa ordem”. (In: VENTURI, 2007:271) À desmistificação da arte proposta por Denis, somaram-se motivações sociais, filosóficas, morais e culturais para que a arte assumisse novas formas de manifestação. Os cubistas divergiam dos fauvistas em uma questão central: estes, prezavam sobretudo a possibilidade de o artista expressar sua fantasia com total liberdade, independentemente de regras ou convenções. Não apenas se voltaram contra o racionalismo das ciências naturais, como desprezaram a possibilidade de constituírem uma teoria que desse sustentação às suas opções estéticas. Já os cubistas, sentiram que necessitavam de algo que preenchesse o lugar da ciência também por eles rejeitada – mesmo que fosse outra ciência, porém moldada aos pontos de vista adotados por eles. Contudo, havia mais convergência que divergência entre os movimentos: ambos pretendiam uma “realidade mais profunda e mais verdadeira” que a obtida pelos impressionistas e por isso consideravam superadas as convenções artísticas predominantes até à época – entre as quais o imperativo da representação naturalista. O cubista francês Albert Gleizes (1881–1953) realizou importantes pesquisas sobre as artes romântica e gótica e a arte antiga em geral com objetivo de identificar uma origem para a “intuição fundamental da realidade”. Partindo da ideia clássica da forma, o cubismo “estuda o volume no seu mecanismo e restitui à perspectiva a multiplicidade dos seus pontos de vista” (2007:274) admitindo um valor clássico – a perspectiva – ao invés de rechaçá-lo completamente, como seria de esperar. O também 85
cubista francês André Lhote (1885–1962) chega a vislumbrar no neoclássico Dominique Ingres (1780–1867) um subversivo capaz de profanar a forma clássica da anatomia ao pintar “duas vértebras em excesso e um seio impropriamente colocado sobre o braço” (Idem). A maneira como Ingres interpretava a natureza, explicitada na citação de Venturi, o aproxima significativamente da concepção cubista da forma: Deixa de haver verdade anatômica, se esta verdade se opuser à sensação dada pelo corpo que tem diante dos olhos. Esta adorável curva do dorso, tão desdobrada, tão suave, tão longa, será alongada ainda mais, contra a vontade, para melhor transmitir aos outros a perturbação que ela lhe provoca. Ele deformará, entrará em contradição com o que o seu espírito sabe, para exprimir o que o seu coração acaba de sentir. (2007:275)
Esta declaração deixa claro que Ingres procurava atuar no dualismo entre a racionalidade da forma natural e a sensibilidade da visão, representando uma realidade não limitada pela natureza. Incentivou, também, a adoção da concepção cubista como guia de juízo tanto para obras antigas como para as contemporâneas. O crítico e historiador Daniel-Henri Kahnweiler (1884–1979) que chega a afirmar que Rafael está para Picasso como Miguel Ângelo para Juan Gris – o genial pintor espanhol que contradisse a declaração de Braque sobre “amar a regra que corrige a emoção”, afirmando amar a emoção que corrige a regra. Juan Gris (1887–1927) é precursor do cubismo sintético que se expressa conceitualmente, que busca expressar as ideias sem preocupar-se com a representação formal dos objetos. Diferia, portanto, do cubismo analítico que, respeitando as formas, decompõe-nas em perspectivas paralelas ao invés de adotar a profundidade. “O meu violino”, afirma Gris, “não tem que recear a comparação [com a realidade]”. (2007:276) As implicações desta concepção tocam na qualificação do processo artístico. Na medida em que a obra de arte adquire o status de objeto descolado da representação da natureza, torna-se ela própria parte da realidade, um objeto que vale por si mesmo e não mais por representar ideologicamente uma manifestação da natureza, o que aproxima a arte da técnica e do artesanato e a afasta da condição de produção espiritual. A chave capaz de restaurar o caráter de produção espiritual à obra de arte – a despeito da ausência de compromisso com as formas naturais – está no fato de que o artista pode descobrir em si mesmo as leis da realidade. Despojado, portanto, das leis e convenções exteriores, o artista cria segundo suas próprias leis baseadas em seus sentimentos e suas emoções. Além de marcar o fim da representação naturalista na pintura e na escultura e inaugurar uma linguagem não-figurativa que se referia a si mesma e não mais ao mundo 86
exterior, o cubismo destruiu as fronteiras entre os diversos tipos de arte. Na medida em que esta se torna expressão absoluta do artista, deixa de fazer sentido uma forma de classificação segundo gêneros e manifestações, subordinadas a estéticas específicas. Em 20 de fevereiro de 1909 o poeta e crítico italiano Filippo Tommaso Marinetti (1876–1944) publicou no jornal francês Le Figaro o manifesto de uma nova tendência artística, o futurismo. Otimista quanto ao futuro do movimento, proclama: “É a partir da Itália que fundamos agora o futurismo, com este manifesto de avassaladora e flamejante violência, pois queremos livrar este país da fétida gangrena de professores, arqueólogos, antiquários e retóricos”. (DEMPSEY, 2008:88) Desta forma, os futuristas rejeitavam tudo que tivesse qualquer relação com a tradição histórica. Praticamente um ano depois, em 11 de fevereiro de 1910, Marinetti apresenta o Manifesto dos pintores futuristas, redigido com a ajuda de pintores como Umberto Boccioni (1882–1916) e Gino Severini (1883–1966), no qual constavam teorias futuristas aplicadas às artes visuais. Exatos dois meses depois, em 11 de abril, outro manifesto, intitulado Pintura futurista: manifesto técnico apresentava formulações sobre a maneira futurista de pintar. Do cubismo, dizem tratar-se de uma arte estática, à qual contrapunham o futurismo como uma arte “dirigida não aos objetos, mas aos estados de alma”. Para Gino Severini (1883–1966), pintor futurista que conheceu de perto o gosto e o pensamento dos cubistas, a arte deve ser ciência humanizada, cuja decadência resulta justamente da separação entre ciência e arte promovida pelos cubistas. Severini defende que a missão do artista consiste em “reconstruir o universo segundo as próprias leis que o regem, repetindo, nesse processo, o ato de criação”. Entretanto, será o surrealismo que aprofundará a proposta cubista de uma arte que alcance todas as expressões possíveis da vida. Para isso, lançará mão de teorias tidas como “irracionalistas”, como a psicanálise de Sigmund Freud (1856–1936) e o intuicionismo de Henri Bergson (1859–1941). O manifesto do movimento redigido pelo crítico de arte e poeta André Breton (1896–1966) publicado em 1924, define as premissas do movimento da seguinte forma: Automatismo psíquico puro através do qual se pensa exprimir verbalmente, por escrito ou por qualquer outro modo, o funcionamento real do pensamento. Inspiração do pensamento, inteiramente liberto do controle exercido pela razão, alheio a qualquer preocupação estética ou moral. (In: Venturi, 2007:280)
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Para os surrealistas não poderia haver distinção entre objetivo e subjetivo, real e imaginário, vigília e sono, realidade exterior e realidade interior, razão e loucura, pois ambas as condições coabitam o indivíduo e determinam suas ações. Já em 1918 o crítico francês Guillaume Apollinaire (1880–1918) defende a necessidade de uma arte cuja única finalidade fosse “exaltar a vida sob qualquer forma que ela se apresente”, ponto de vista que possivelmente tenha inspirado Marcel Proust a afirmar: A grandeza da verdadeira arte... está em reencontrar, em recuperar, em nos dar a conhecer a realidade da qual vivemos afastados, da qual nos afastamos cada vez mais à medida que lhe opomos a espessura e a impermeabilidade dos conhecimentos convencionais, que nos arriscamos a não conhecer antes de morrermos; realidade que simplesmente é toda a nossa vida, a verdadeira vida enfim descoberta e iluminada, a única vida realmente vivida, esta vida que, num certo sentido, habita permanentemente em todos os homens, tanto como no artista. (In: Venturi, 2007:280)
De tal forma os surrealistas enxergavam na arte a manifestação da vida, que a crítica era para eles intolerável. Afinal, não se pode criticar a vida vivida segundo seus próprios ditames. Defendiam, portanto, que o artista fosse o crítico de sua própria obra, sendo a obra crítica, ela própria, uma ação artística. Segundo Venturi (2007:280-281), o surrealismo representa a crise final da objetividade nas artes, uma atitude revolucionária que se levanta contra todas as convenções. Adotada como premissa de juízo, a atitude revolucionária validará como arte as obras que subvertem os valores até então aceitos e contribuam para o estabelecimento da nova ordem. Estavam abertas, portanto, as portas para a abstração total nas artes. A busca por formas inexistentes na natureza, cuja existência prévia só pode ocorrer na imaginação do artista, a negação de todas as formas figurativas – foram os caminhos pelo qual trilharam os novos pintores da tradição francesa. Kandinsky (1866–1944) foi o primeiro a criar telas abstratas. O crítico inglês Herbert Read45 (1893–1968) descreve o fenômeno: Essa arrancada na direção da expressão do “processo real de pensamento” (Kandinsky chamava-o “expressão de necessidade interna”) fora, portanto, fenômeno largamente distribuído e longamente amadurecido de significação histórica geral, tendo-se manifestado não só nas artes plásticas mas também na poesia, drama, música e filosofia. As teorias psicanalíticas de Freud e Jung pareciam oferecer explicação científica para isso, e a intranquilidade social do período entrava como fundo natural. (READ, 1978:149)
45
READ, Herbert. O sentido da arte. São Paulo : 4ª edição, Editora Ibrasa, 1978
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Em 1933 Read publicou em Londres o texto Arte contemporânea: uma introdução à teoria da pintura e escultura modernas através do qual pretendia apresentar uma teoria os novos rumos adotados pela arte. Na opinião de Venturi, perdese nesta tentativa por desconhecer a história da estética. “Read caminha, portanto, às apalpadelas, à procura de uma relação entre a arte contemporânea e a estética moderna e não a encontra, porque não conhece a história da estética”. A necessidade de uma teoria para explicar as novas tendências artísticas foi sentida cada vez mais intensamente na medida em que a crítica cobrava um referencial estético para que pudesse julgar as obras. A publicação nos Estados Unidos, em 1946, do trabalho de Stephen C. Pepper (A base da crítica de artes) procura preencher esta lacuna. A partir de um resgate histórico, Pepper apresenta quatro posturas críticas, a saber: a) A crítica mecanicista define o campo estético como prazer objetivado; b) A crítica pragmática considera o campo estético como o de intuições vivas e voluntárias de uma qualidade. Quanto mais viva for a experiência e quanto mais extensiva e rica for a sua qualidade, maior será o seu valor estético; c) A crítica idealista considera a obra de arte como um todo integral e em si mesmo distinto, cuja intuição de qualidade é apenas um seu fragmento; d) A crítica formalista, que sublinha o caráter normal dos prazeres e das percepções artísticas. O prazer estético é representação de uma norma, é conformidade à norma implícita na obra de arte, é também conformidade a um gênero ou a um estilo e, por fim, à cultura de que é expressão. A própria ideia de catarse está ligada à satisfação da normalidade. Esta crítica é a que tem as origens mais antigas, que remontam a Platão e Aristóteles. (In: Venturi, 2007:287-288)
Pepper adota uma linha eclética que se apropria dos quatro tipos de crítica, utilizando-as em conjunto para compreender e explicar os diversos aspectos da mesma obra.
4.2. A crítica de arte como campo de atuação profissional Os profissionais da crítica periodística da atualidade já não ostentam o prestígio e a autoridade de seus predecessores. Da militância iniciada em Diderot, que passou à história como o primeiro dos críticos de arte modernos (CAUQUELIN, 2005:142), tomaram parte nomes como Théophile Gautier (1811–1872), Stendhal (1783–1842), Baudelaire (1821–1867), os irmãos Goncourt e Zola (1840–1902)46, para mencionar apenas alguns importantes escritores do século XIX. Os principais pensadores da modernidade Ocidental produziram trabalhos relacionados à estética e à crítica de arte. 46
VENTURI, Lionello. História da crítica de arte. Lisboa, Ed. 70, 2007. p. 222.
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No Brasil, a crítica foi abraçada por personalidades como Sérgio Milliet, Mário Barata, Mário Pedrosa, entre outros importantes intelectuais. No entanto, na atualidade a produção de críticas para jornais de grande circulação é exercida quase unicamente por jornalistas que demonstram afinidade com a produção artística e livre trânsito no circuito das galerias. Crítica de arte não é profissão. Sequer é mencionada na Listagem das Profissões Regulamentadas47, preparada pelo Ministério do Trabalho para descrever as atividades laborais amparadas por legislação específica, listagem que inclui de Jornalistas a Atletas de Futebol, de Advogados e Administradores a Garimpeiros e Peões de Rodeio. Em outra listagem mais ampla, intitulada “Classificação Brasileira de Ocupações” (CBO), também elaborada pelo Ministério do Trabalho, a Crítica de Arte consta como ocupação, tendo como similares Crítica de Cinema, Crítica de Dança, Crítico de Jornal (ombudsman), Crítico de Música, Crítico de Rádio, Crítico de Televisão e Crítico Literário, todos sob o código 2615-10 da CBO/2002, sob a classificação geral de “Profissionais da Escrita”. Segundo a descrição da CBO, a atividade destes profissionais consiste em escrever “textos literários para publicação, representação e outras formas de veiculação e para tanto criam projetos literários, pesquisando temas, elaborando esquemas preliminares. Podem buscar publicação ou encenação da obra literária bem como sua divulgação”.48 Nas universidades, inexistem cursos voltados especificamente para a formação de críticos de arte. Em nível de pós-graduação, há uma linha de pesquisa oferecida pelo “Programa de Pós-graduação Interunidades em Estética e História da Arte” do Museu de Arte Contemporânea (MAC), da Universidade de São Paulo (USP) – “Teoria e Crítica de Arte” –, no qual são estudados os “problemas do pensamento sobre o artístico, a partir do entendimento e da avaliação crítica do processo criativo, com base nos vários conceitos estéticos”49. Não é pré-requisito, contudo, que o candidato a crítico tenha frequentado o curso do MAC-USP. As formações mais comuns entre os críticos
47
Ministério do Trabalho e do Emprego. Listagem das profissões regulamentadas: normas regulamentadoras. Disponível em http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/regulamentacao.jsf#z. Consulta realizada em 1/02/2012 48 Ministério do Trabalho e do Emprego. Classificação Brasileira de Ocupações. Disponível em http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorCodigo.jsf. Consulta realizada em 1/02/2012. 49 MAC-USP. PGEHA. Disponível em http://pgeha.vitis.uspnet.usp.br/index.php?option=com_content&view=article&id=46&Itemid=2. Consulta realizada em 1/02/2012.
90
atuantes na Folha de S. Paulo e d’O Estado de S. Paulo durante o período pesquisado são em Comunicação Social e Filosofia. A Associação Brasileira de Críticos de Arte, fundada em 1948 para “promover a aproximação e o intercâmbio entre os profissionais que atuam na área da crítica de arte e incentivar a pesquisa e a reflexão no domínio das disciplinas significativas para a arte, contribuindo para a produção artística e da teoria da arte, incentivando, desta forma, não só a esfera das artes visuais, mas também a educação e a cultura”
50
, tampouco
especifica a formação como condição para aceitação de candidatos a membros. Exige apenas que estes comprovem o exercício da crítica de arte durante prazos regimentalmente expressos. Um olhar sobre a trajetória dos críticos de arte atuantes na Folha de S. Paulo e n’O Estado de S. Paulo durante as Bienais de Arte de São Paulo dos anos 2000 permite perceber que quase todos percorreram anteriormente os caminhos da cobertura especializada em artes, vindo posteriormente a assinar críticas de arte.
50
ABCA. Histórico. Disponível em http://abca.art.br/br/sobre-a-abca/historico. Consulta realizada em 1/04/2012.
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5. A CRÍTICA EM ANÁLISE
5.1. Artes Visuais na Folha e no Estadão As Artes Visuais aparecem nas páginas da Folha de S. Paulo e d’O Estado de S. Paulo durante a 29ª Bienal de Artes, ocorrida entre 25 de setembro e 12 de dezembro de 2010, de forma relativamente equilibrada. No total, foram publicados 243 textos, dos quais 108 no Estadão e 135 na Folha, representando média diária de 1,5 texto no primeiro jornal e 1,85 texto no segundo. Trata-se de média significativamente inferior à que se observa sobre outras áreas das artes e da cultura, como, por exemplo, música, cinema e teatro.51 A diferença pode ser atribuída, entre outras razões, ao interesse mais elevado do público-leitor por essas áreas do que pelas Artes Visuais. Efetivamente, o Caderno 2, do Estadão, é apresentado como veículo da cultura e do entretenimento dedicado à programação cultural de São Paulo “destacando o melhor de exposições, shows, teatro, cinema e outros espetáculos de arte”.52 Descrição semelhante pode ser lida na apresentação do caderno Ilustrada, da Folha: “O caderno Ilustrada traz a cobertura completa de cultura, artes e espetáculos. É o mais completo de seu segmento e tem entre seus colaboradores os mais respeitados articulistas e colunistas do jornalismo cultural do País. O caderno seleciona e oferece ao leitor o que
51
Embora não tenha sido feita medição neste sentido, a manipulação dos cadernos culturais do período permite sustentar a veracidade da afirmação. 52 Perfil do Caderno 2 disponível no mídia kit digital da publicação: http://www.grupoestado.com.br/midiakit/estadao/index.asp?Fuseaction=Caderno_Detalhe&Id_Cad=18. Consulta realizada em 21/08/2011.
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há de mais relevante, abrangente e original nas áreas de cultura, de variedades e de entretenimento”.53 O equilíbrio numérico permanece quando a cobertura é analisada na perspectiva dos gêneros: 82% dos textos sobre artes visuais publicados no Estadão têm caráter informativo, sendo os 18% restantes opinativos. Na Folha, 86% dos textos sobre artes são informativos e 14% opinativos. Os valores são aproximados e levam em consideração a classificação dos gêneros jornalísticos proposta por MELO e ASSIS (2010). O conjunto de matérias sobre artes visuais publicados durante a 29ª Bienal de Artes de São Paulo é constituído dos seguintes formatos textuais: Tabela Artes Visuais na Folha e no Estadão
Formatos
Ocorrências no Estadão
Ocorrências na Folha
Total
Reportagens
44
70
114
Entrevistas
12
2
14
4
0
4
Notícias / notas
29
44
73
Análise, artigos, ensaios
6
8
14
Críticas / resenhas
12
11
23
Material traduzido
1
0
1
108
135
243
Perfis
TOTAIS
Se por um lado há relativa coincidência numérica entre as publicações nos dois jornais, no aspecto formal, entretanto, as diferenças são expressivas. Enquanto na Folha de S. Paulo há distinção clara entre os tipos de texto quando diagramados na página, com indicação nos chapéus quando se trata de textos opinativos – crítica, resenha, comentários, artigos etc. –, n’O Estado de S. Paulo raramente o recurso é adotado. As diferenças vão além: a Folha revela maior rigor na delimitação dos gêneros textuais, acentuando de tal forma os estilos que pode-se distinguir facilmente os textos opinativos dos informativos. Sem a intenção de aprofundar o debate sobre morfologia textual e/ou filosofia editorial, possivelmente a maneira marcante como a Folha caracteriza os textos resulte do fato de considerá-los como “mercadorias a serem tratadas com rigor técnico”,
53
Perfil do Caderno Ilustrada disponível no mídia kit digital da publicação: http://www.publicidade.folha.com.br/web/fspCadernoIlustrada.jsp. Consulta realizada em 21/08/2011.
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conforme determina o “Projeto Folha” – conjunto de diretrizes editoriais, técnicas e de condutas adotadas pela Folha de S. Paulo nos anos 1980 – materializado no Novo Manual da Redação, que no verbete leitor determina: Faz parte da filosofia editorial da Folha poupar trabalho a seu leitor. Quanto mais trabalho tiver o jornalista para elaborar as reportagens, menor trabalho terá o leitor para entender o que o jornalista pretende comunicar. ... [O jornal] Deve organizar os temas de modo a que o leitor não tenha dificuldade de encontrá-los ou de lê-los. (FOLHA DE S. PAULO, 1993:19)54
O rigor da Folha facilitou significativamente a identificação das críticas que seriam posteriormente analisadas na pesquisa. Adotou-se como critério de classificação a existência de marcas textuais e gráficas explícitas, tais como a indicação do gênero no chapéu e o bloco de serviço na conclusão do texto, composto por informações sobre o evento (endereço, horário, preço etc.) e atribuição de nota. Também contribuiu para a identificação dos textos críticos a existência de marcas textuais implícitas, como a opinião do autor quanto à qualidade e à pertinência artística das obras e/ou eventos. Considerados estes aspectos como caracterizadores da crítica, não se verificou a ocorrência de nenhum texto crítico no Caderno 2 do Estadão durante o período pesquisado. Diante desta constatação, as resenhas foram selecionadas para análise, por tratar-se de formato textual com características e com objetivos muito semelhantes à crítica. RÊGO e AMPHILO (2010:103) situam tanto a crítica como a resenha como gêneros opinativos presentes no jornalismo brasileiro, com a seguinte caracterização: A resenha corresponde a apreciação de uma obra, tendo por finalidade orientar seus consumidores, ou apreciadores. Já a crítica é a unidade jornalística que cumpre a função de julgamento estético. Segundo Marques de Melo (2003, p. 129), essa diferenciação deu-se na transição da fase amadorística do jornalismo brasileiro, para o período profissionalizante, em que houve uma valoração acentuada dos produtos culturais. (...) Todd Hunt (apud MARQUES DE MELO, 2003, p. 132) afirma que existem duas modalidades de resenha: autoritária e impressionista. Outro autor que trabalha a questão é Fraser Bond (1962), que subdivide suas modalidades em quatro: clássica, relatorial, panorâmica e impressionista.
Lamentavelmente as autoras apenas mencionam as modalidades de resenhas, sem explicar os conceitos. Por sorte, PIZA (2007:70) comenta os principais tipos de resenha, embora adote nomenclatura diferente da mencionada por RÊGO e AMPHILO (2010:103). Segundo PIZA, as resenhas se apresentam em quatro modalidades: impressionistas, estruturalista, focadas no autor e focada no tema.
54
FOLHA DE S. PAULO. Novo manual da redação. São Paulo, 2ª edição, Folha de S. Paulo, 1993
94
São impressionistas as resenhas nas quais o jornalista exprime suas impressões sobre a obra baseado na observação e nas reações sensoriais. “Não se pode tirar de resenhas assim a vantagem da sinceridade, de jogar limpo com o leitor”, afirma PIZA. (Idem) A resenha estruturalista foca nos aspectos estruturais da obra, considerando a linguagem e a inserção desta no contexto geral da arte. A resenha focada no autor apresenta forte contorno personalista, pois destaca a importância do artista/autor, sobre sua vida, seus temas, suas motivações, ao invés de debruçar-se sobre a obra específica. “Ela poderia ter o trunfo de criar termos para um debate sobre a ascensão ou o desconhecimento daquele determinado autor, olhando para sua recepção cultural (por que ele faz ou não faz sucesso?), mas isso raramente ocorre”. (PIZA, 2007:71) Finalmente, a resenha focada no tema aborda prioritariamente as questões às quais a obra faz referência. “São resenhas de pegada mais sociológica, que veem um romance histórico, por exemplo, mais pela sua intepretação do período e menos por suas qualidades narrativas”. (Idem) A boa resenha, portanto, e ainda que em pouco espaço, deve buscar uma combinação desses atributos: sinceridade, objetividade, preocupação com o autor e o tema. E deve ser em si uma “peça cultural”, um texto que traga novidade e reflexão para o leitor, que seja prazeroso ler por sua argúcia, humor e/ou beleza (PIZA, 2007:71-72)
Como se poderá observar, nas resenhas publicadas no Caderno 2 prevalecem as características de apenas dois dos primeiros tipos de resenha descritos por PIZA (impressionista e focada no autor). Enquanto n’O Estado de S. Paulo todos os textos foram localizados no Caderno 2, na Folha as críticas foram publicadas tanto no caderno Ilustrada, dedicado exclusivamente à cultura e às artes, como no Acontece, caderno que circula apenas na região metropolitana de São Paulo no qual são publicados conteúdos sobre os principais eventos da cidade.
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5.2. Críticas publicadas durante a 29ª Bienal de Artes de São Paulo (25 de setembro a 12 de dezembro de 2010) 5.2.1. Folha de S. Paulo: cadernos Ilustrada e Acontece 5.2.1.1.
Crítica nº 01: Caderno Ilustrada de 27/09/2010
CRÍTICA(1) ARTES VISUAIS Inhotim apresenta curadoria eficaz 55 Com espaços para Miguel Rio Branco e Cosmococas, centro mostra arte brasileira de forma correta FABIO CYPRIANO56 ENVIADO ESPECIAL A BRUMADINHO Na última quinta, mais duas galerias abriram em Inhotim – Centro de Arte Contemporânea, do colecionador mineiro Bernardo Paz, ambas fora do núcleo inicial. Os novos pavilhões foram projetados por Alexandre Brasil Garcia e Carlos Alberto Maciel, do escritório Arquitetos Associados, e configuram-se como inserções monumentais em meio à paisagem, mas distintos. A galeria do artista Miguel Rio Branco é caracterizada pelo contraste: uma imensa caixa de aço em meio à floresta. O edifício, com dois pavimentos, reúne 12 obras do fotógrafo, de um extenso período: 1976 a 2004. Polípticos (fotos apresentadas em conjuntos)(3), instalações e filmes dão conta da complexidade de Rio Branco na criação de imagens. Algumas obras são documentais, caso da radical “Nada Levarei Quando Morrer, Aqueles que Me Devem Cobrarei no Inferno” (1985), que também está em exibição na 29ª Bienal de São Paulo, enquanto outras são exercícios mais livres e poéticos, como “Entre os Olhos o Deserto” (1997), que mescla os gêneros retrato e paisagem. Ao apresentar de forma extensiva a obra de Rio Branco, Inhotim, assim como fez com Cildo Meireles, cumpre um papel que instituições de arte brasileiras não conseguem dar conta: apresentar a produção nacional contemporânea de forma adequada(4). Essa missão também é vista na outra galeria nova, com as cinco Cosmococas de Hélio Oiticica e Neville d'Almeida, de 1973. A construção elegante é coberta com uma pedra mineira escura, que mimetiza seu entorno. Por dentro, todas as obras convergem para um mesmo espaço, o que não hierarquiza a visita. ESPAÇOS GENEROSOS As Cosmococas, que foram vistas na Pinacoteca em 2003, são uma das obras fundamentais de Oiticica e parecia absurdo que elas podiam estar em mostras permanentes de museus estrangeiros e só temporariamente no país. A apresentação de todas elas – Trashiscapes, Onobject, Maileryn, Nocagions e HendrixWar – em espaços generosos reforça ainda mais o caráter de Inhotim como local único para se conhecer a produção nacional (5). Outras duas obras foram ainda inauguradas em espaços abertos de Inhotim: "Desert Park", de Dominique Gonzalez-Foerster, e "Palm Pavilion", de Rirkrit Tiravanija.
55
CYPRIANO, Fábio. Inhotim apresenta curadoria eficaz. Folha de S. Paulo. São Paulo, 27/set/2011, Ilustrada. 56 Crítico da Folha de S. Paulo. Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Possui Mestrado e Doutorado em Comunicação e Semiótica, obtidos na mesma instituição na qual leciona. Fonte: http://lattes.cnpq.br/0863440167458855 (consulta em 6/07/21011)
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Ambos, com projeção internacional, apresentam trabalhos que lidam com questões brasileiras. O primeiro insere na paisagem simulações de proteções em pontos de ônibus, em debate sobre o modernismo nacional, enquanto o segundo, presente na 27ª Bienal (2006), é outra simulação, agora das casas projetadas pelo arquiteto Jean Prouvé para as colônias francesas. São ótimas escolhas curatoriais, pois atestam que Inhotim pode apresentar certa originalidade em relação aos demais centros internacionais de arte (6). ONDE: Rua B, 20, Brumadinho, Minas Gerais. Tel. 0/xx/31/3227-0001 QUANDO: Qui. e sex (9h30 às 16h30), sáb. e dom. (9h30 às 17h30) QUANTO: R$ 16 AVALIAÇÃO: (2) Ótimo
O texto de Fábio Cypriano publicado no caderno Ilustrada em 27/09/2011, a propósito da inauguração de novas galerias no Centro de Arte Contemporânea de Inhotim, MG, não apenas contém todas as características de crítica, como é devidamente precedido por chapéu (1) indicativo do gênero. No pé do texto, a atribuição de nota (2) completa as marcas explícitas do gênero crítica de arte. A identificação é reforçada pelo caráter autoral do texto, com manifestação explícita da opinião do autor. Cypriano demonstra habilidade na construção do texto. Adotando elaboração simples e vocabulário acessível a leigos, sem abrir mão da norma culta da língua, apresenta uma crítica livre de dificuldades interpretativas para a maioria dos leitores. Atento à estrutura argumentativa da crítica de arte, ao longo do texto procura apresentar argumentos que sustentem a tese inicial expressa no título – a eficácia da curadoria do Centro de Arte Contemporânea de Inhotim. Jornalista da Folha de S. Paulo desde o ano 2000, o crítico demonstra observância ao Manual de Redação da empresa, que alerta para o cuidado a ser tomado na preparação de textos especializados. Consta na edição do Manual publicado em 1992 a seguinte recomendação, repetida em edição posterior, de 1996: O profissional da Folha deve estar atento para o risco maior da especialização, que é o de distanciar-se do leitor. O texto do jornal deve permanecer claro o suficiente para ser entendido pelo leigo e profundo o bastante para ser útil ao especialista. (1992:17)57
Mais que obediência ao Manual da Folha, a clareza do texto de Cypriano representa um serviço ao leitor e às artes visuais, por favorecer a aproximação entre ambos. Cumpre, desta forma, o “relevante papel” mencionado por OSÓRIO (2005:36), que consiste em abrir “outras possibilidades de ressonância, deslocando e disseminando 57
FOLHA DE S. PAULO. Novo manual de redação. São Paulo, Folha de S. Paulo, 1992
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formas de sentido que são negociadas entre o público, a história e a arte”. O crítico precisa ter sempre em vista o objetivo final de seu trabalho, que é comunicar para um público o mais amplo possível. “... o exercício crítico deve pensar por si mesmo mas saber se colocar na posição dos outros”, afirma o professor OSÓRIO. (Idem) No texto de Cypriano observa-se apenas uma expressão técnica que representa potencial dificuldade para o leitor. Trata-se da expressão polípticos (3), que o autor tem o cuidado de logo explicar, entre parênteses. Entretanto, a sequência como a expressão técnica e a explicação aparecem no texto indica um autor mais atento ao público especializado do que ao leigo. Não seria o caso de inverter a ordem da oração: primeiro, a forma acessível a qualquer leitor, seguida do termo técnico? Como bem alerta ORLANDI (2007:90), as marcas formais do texto permitem um nível de compreensão que deve ser ampliado pelo analista quando este leva em consideração sentidos que permanecem ocultos à leitura superficial. No caso específico, a posição da expressão técnica (polípticos) antes da explicação claramente mostra um autor que dialoga prioritariamente com seus pares (leitores especializados), enquanto aos leigos faz declarações e concessões explicativas. Esta linha interpretativa conduz à classificação do texto como discurso conservador, que remete à identidade social do autor – crítico de arte, indivíduo intelectualmente superior –, e a reforça. Percebe-se, desta forma, que apesar do empenho nítido do autor de apresentar um texto acessível a qualquer nível de leitor, a instituição (crítica de arte) a partir da qual o discurso é produzido atua sobre o texto para garantir o status quo. Como bem alerta FAIRCLOUGH (2008:93), “... a constituição discursiva da sociedade não emana de um livre jogo de ideias nas cabeças das pessoas, mas de uma prática social que está firmemente enraizada em estruturas sociais materiais, concretas, orientando-se para elas”. A leitura atenta da crítica de Fábio Cypriano revela uma interessante ocorrência de intertextualidade que merece ser destacada de outras possíveis. Por intertextualidade entende-se a concorrência de textos variados na constituição de determinado discurso. Os linguistas consideram que todos os textos – enunciados orais ou escritos – são uma trama de outros textos às vezes claramente identificados, condição em que se tem a intertextualidade manifesta (citações entre aspas, por exemplo), enquanto outras vezes, embora presentes, são assumidos de tal forma pelo orador/autor, que dificilmente são identificados – condição em que se tem a intertextualidade constitutiva ou interdiscursividade. Citado por FAIRCLOUGH (2008:134), BAKHTIN afirma que 98
nossa fala é... preenchida com palavras de outros, variáveis graus de alteridade e variáveis graus do que é de nós próprios, variáveis graus de consciência e de afastamento. Essas palavras de outros carregam com elas suas próprias expressões, seu próprio tom avaliativo, o qual nós assimilamos, retrabalhamos e reacentuamos.
Visto sob esta perspectiva, o texto em análise revela a presença de um texto que beira o discurso institucional do Centro de Arte Contemporânea de Inhotim. Os trechos em destaque, nos quais se lê que Inhotim “cumpre um papel que instituições de arte brasileiras não conseguem dar conta: apresentar a produção nacional contemporânea de forma adequada”(4), que trata-se de “local único para se conhecer a produção nacional”(5), equiparado inclusive a importantes centros internacionais da arte (6), poderiam figurar com naturalidade em folhetos de divulgação, em websites institucionais e/ou em material promocional do Centro. Em muitos aspectos, os trechos destacados e o contexto em que são publicados assemelham-se ao discurso próprio de Relações Públicas, área da Comunicação Social definida pelos teóricos e professores BELTRÃO e QUIRINO (1986:161)58 nos seguintes termos: Por meio de métodos e técnicas muito semelhantes às educacionais, as instituições procuram dar-se a conhecer, dizer dos seus fins sociais, identificar-se com seus usuários e com a sociedade em que atuam de modo a ser consideradas como parcelas úteis desta. Ou seja, cada instituição social aspira a ser considerada (e sê-lo realmente) uma boa cidadã.
O apontamento ganha relevância na medida em que se sabe que o Centro de Arte Contemporânea de Inhotim é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), descrita pela Lei Federal 9.790, de 23/03/199959 como “pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos por esta Lei”. Trata-se de uma organização de direito privado que, por seus objetivos sociais, tem autorização legal para captar recursos por meio de doações feitas por pessoas físicas ou jurídicas ou por meio de parcerias com o Poder Público, entre outras formas de financiamento, conforme é explicado no fascículo eletrônico “Cultura da Cooperação”
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publicado pelo
SEBRAE/MG – divisão mineira do Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas: 58
BELTRÃO, Luiz; QUIRINO, Newton de Oliveira. Subsídios para uma teoria da comunicação de massa. 2ª edição, São Paulo, Ed. Summus, 1986. 59 BRASIL. Lei Nº 9.790, de 23 de março de 1999. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9790.htm#art4. Consulta realizada em 18/07/2011 às 20h16. 60 SEBRAE. Cultura da cooperação. O que é OSCIP. Disponível em http://www.sebraemg.com.br/culturadacooperacao/oscip/03.htm. Consulta realizada em 18/07/2011 às 20h31.
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8. RESULTADOS FINANCEIROS · Os recursos financeiros necessários à manutenção da instituição [OSCIP] poderão ser obtidos por: I – Termo de Parceria, Convênios e Contratos firmados com o Poder Púbico pra financiamento de projetos na sua área de atuação. II- Contratos e acordos firmados com empresas e agências nacionais e internacionais. III- Doações, legados e heranças. IV – Rendimentos de aplicações de seus ativos financeiros e outros, pertinentes ao patrimônio sob a sua administração. V- Contribuição dos associados. VI – Recebimento de direitos autorais etc.
Ora, sabe-se que as doações e os convênios obtidos por essas instituições tendem a ser proporcionais ao sucesso que obtêm na consecução de seus objetivos sociais. Sabese, também, que não basta às organizações realizar bons resultados: é necessário dar publicidade a estas informações, de modo a serem bem vistas pela sociedade. Reforçando ainda mais o papel que a Comunicação Social cumpre a serviço das organizações, recorro mais uma vez a BELTRÃO e QUIRINO: (1986:163) Não há dúvida de que as Relações Públicas utilizam as técnicas de persuasão, como a Propaganda, mas dela se diferenciam em pelo menos dois aspectos fundamentais: a) não se aplicam à promoção de indivíduos ou à de produtos específicos, destinando-se tão-só a instituições ou quadros que envolvem o interesse público, sobreposto ao interesse particular da organização. (...) b) são uma atividade comunicacional desinteressada por tudo quanto represente personalismo, imposição, competição comercial. Poder-se-ia dizer que seu objeto é sempre transcendente, está sempre posto em causas maiores, as causas que, em dado momento, interessam vivamente à comunidade como um todo.
No caso específico, a “causa transcendente” a que os professores se referem é o interesse (legítimo) de Inhotim de ser reconhecido como um centro de excelência em arte contemporânea, o que o credencia a receber doações de verbas públicas e privadas. Não se pode censurar uma OSCIP, ou outra organização de qualquer natureza, por procurar divulgar seus trabalhos por meios legítimos visando obter maior apoio financeiro e institucional. (A questão é tratada com franqueza no website do Centro):61 Formas de apoio Pela transversalidade de sua atuação nos campos da arte contemporânea, meio ambiente, inclusão e cidadania e educação, Inhotim está apto a estabelecer diversas parcerias com a iniciativa privada, poder público e outras instituições. São inúmeras as possibilidades de apoiar e ser parceiro de Inhotim. Algumas das principais formas de parceria são: - Patrocínio com recursos diretos; - Convênios; - Investimento com benefício fiscal, por meio das Leis de Incentivo à Cultura; - Doações; - Parcerias institucionais. Entre em contato conosco para saber mais sobre como ser parceiro de Inhotim.
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Disponível em http://www.inhotim.org.br/index.php/p/v/214-482. Página consultada em 18/07/2011, às 21h22.
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O que há de incoerente e inadequado é a crítica de arte apresentar características de discurso institucional dando oportunidade à suposição de interferência – consciente ou não – do próprio Centro sobre o conteúdo. A hipótese de interferência, de difícil comprovação, não é descabida. O professor José Salvador FARO, docente do programa de pós-graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), discute a questão num artigo intitulado “Jornalismo cultural: informação e crítica, mais que entretenimento”, no qual afirma: Visto em suas origens como um espaço autêntico de veiculação de ideias, em especial pelo papel que a crítica literária adquiriu em sua formulação ao longo do tempo, o jornalismo cultural teria perdido suas características em razão de uma decorrência quase lógica da preeminência que o valor de troca imprimiu à produção cultural, passando a incorporar a forma definitiva geral (ainda que não exclusiva) que tudo adquire sob o capitalismo, a forma da mercadoria. Obedecendo a regras de mercado e com os olhos voltados para o consumo dos bens culturais em todas as suas manifestações, a produção jornalística que cobre as atividades nessa área não escapou nem às regras gerais que ditam o comportamento da imprensa nem às regras particulares que o movimentam no âmbito de complexos interesses empresariais voltados para a comercialização dos bens simbólicos. O que era antes espaço de atuação livre de vanguardas, de intelectuais e de críticos que marcavam sua presença nas páginas dos suplementos com intepretações de larga repercussão pública (guardadas as restrições que devem ser feitas às dimensões do público de cada época), agora não é mais que espaço de serviços voltado para o entretenimento.62
Se confirmada a hipótese, as implicações negativas para o leitor são óbvias: ao invés de ter acesso a um olhar perscrutador e reflexivo através da crítica, obtém tãosomente uma versão bem acabada do press release distribuído pela Assessoria de Comunicação do centro, que evidentemente não é capaz de produzir uma crítica independente em relação ao assessorado. Um dispositivo da Análise Crítica do Discurso (ACD) favorece esse tipo de interpretação. GOFFMAN é citado por FAIRCLOUGH (2008:107) devido à sua proposta de “desconstrução” do produtor do texto em diversas “posições”, que podem ser ocupadas pela mesma pessoa ou por várias, como recurso facilitador para a identificação dos discursos nele contidos. As posições mais comuns são o animador, que é o responsável pelo som ou pelas marcas gráficas da mensagem; o autor, que é quem reúne as palavras e assume a responsabilidade pelo texto; e o principal, que é a posição cujos interesses são representados pelas palavras. Nesta perspectiva, temos:
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FARO, José Salvador. Jornalismo cultural: informação e crítica, mais que entretenimento. PósCom: Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo. Disponível em http://www.metodista.br/poscom/cientifico/publicacoes/docentes/artigos/artigo-0057. Consulta realizada em 19/07/2011 a 0h16.
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a) Animador: o jornalista e crítico de arte Fábio Cypriano, que assina o texto; b) Autor: considerado o caráter autoral da crítica, não há razão para duvidar de que tenha sido redigida pelo próprio jornalista, que a assina; c) Principal: a Folha de S. Paulo e o Centro de Arte Contemporânea de Inhotim ocupam o lugar da(s) pessoa(s), organização(ões) e/ou instituição(ões) cujos interesses são representados pelas palavras do texto. O jornal, por oferecer ao animador o espaço, a infraestrutura, o respaldo editorial, jurídico e administrativo, e o status profissional que lhe legitimam a atuação e lhe conferem uma identidade social. O Centro de Arte Contemporânea, pelo fato de a crítica ir ao encontro de seus interesses. Texto • Ethos: As identidades sociais são bem demarcadas no texto: a) Fábio Cypriano, que assina o texto, é identificado como crítico de arte – ethos que mobiliza o estereótipo do profissional autorizado a julgar obras de arte, sendo para tanto dotado de qualificação intelectual diferenciada e superior à média dos leitores. b) O leitor assinante ou ocasional da Folha de S. Paulo, na média, pouco familiarizado com o cenário das artes visuais. c) Leitores especializados, entre os quais artistas, curadores, críticos e historiadores da arte, gestores das instituições de arte.
5.2.1.2.
Críticas nº 02 e 03: Caderno Ilustrada de 2/10/2010
CRÍTICA(1) 29ª BIENAL DE ARTES Bienal volta a ser epicentro das artes plásticas63 Apesar de contradições entre obras, mostra reúne trabalhos excelentes FABIO CYPRIANO64 63
CYPRIANO, Fábio. Bienal volta a ser epicentro das artes plásticas. Folha de S. Paulo. 2/10/2010, Ilustrada. 64 Crítico da Folha de S. Paulo. Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Possui Mestrado e Doutorado em Comunicação e Semiótica, obtidos na mesma instituição na qual leciona. Fonte: http://lattes.cnpq.br/0863440167458855 (consulta em 6/07/2011)
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DE SÃO PAULO "Há sempre um copo de mar para um homem navegar." A 29ª Bienal de São Paulo revela-se uma mostra polifônica e aí reside sua força, e também sua fraqueza (3). Em torno de arte e política – questão historicamente relevante, mas que sem um foco torna-se ampla demais – coexistem obras e propostas bastante diversas, com nexos difíceis de se compreender (4). Numa exposição da dimensão do pavilhão da Bienal é compreensível que a curadoria, coordenada por Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos, opte por criar distintos eixos, mas podem-se constatar algumas contradições entre as obras, o que provoca enfraquecimento do tema (5). Ocorre, por exemplo, na discrepância entre o que se pode chamar de artistas "históricos" e contemporâneos. As ações radicais, em sua maioria dos anos 60 e 70, dos argentinos Alberto Greco e do Grupo de Artistas de Vanguarda, de Paulo Bruscky, Lygia Pape e Hélio Oiticica, entre outros, reduz a produção atual, com algumas exceções, a um esteticismo pueril. FORA DE CONTEXTO Afinal, como se pode entender nesse contexto obras de artistas como Marcelo Silveira, David Cury ou Fernando Lindote, entre outros? Essa abrangência, por demais generosa, não só enfraquece o tema como põe em xeque a produção contemporânea (6), o que não parece ser a intenção dos curadores (7). Contudo, essa Bienal, quando consegue realizar diálogos autênticos entre passado e presente, atesta sua pertinência. Foi assim com leitura livre do "Bailado do Deus Morto", de Flávio de Carvalho, um dos artistas-chave da mostra, com 50 atores do Teatro Oficina, no último domingo. Quando Zé Celso, que dirigiu a ação, vestiu uma versão do traje "New Look de Verão", de Carvalho, e esbravejou impropérios como metralhadora giratória, enquanto seu grupo movia-se praticamente desnudo, ele injetou um espírito anárquico e politicamente incorreto na Bienal, comportada demais. Mas, felizmente, ele não é exceção e, graças à polifonia da mostra, há trabalhos excelentes e, por conta dos terreiros, especialmente os da performance, da literatura e do cinema, há uma energia vibrante no pavilhão. Assim, apesar de conceitualmente a Bienal ser muito frágil, sua complexidade e diversidade compensam a falta de organicidade e tornam, novamente, o pavilhão da Bienal o epicentro do pensamento artístico no pais (12). QUANDO sáb. à qua., das 9h às 19h, qui. e sex., das 9h as 22h; até 12/12 ONDE pavilhão da Bienal (parque Ibirapuera, portão 3, tel. 0/xx/ 11/5576-7600) QUANTO grátis AVALIAÇÃO (2) bom CRÍTICA(1) PARALELA Conservadora e superficial (8), Paralela 10 tornou-se vítima do circuito que a criou65 DE SÃO PAULO Quando surgiu, há oito anos, a Paralela, mostra organizada por galerias de arte da cidade, funcionava como uma das poucas vitrines para a arte contemporânea brasileira durante a Bienal de São Paulo. Naquela época, nem tão distante, o circuito de arte não era mobilizado como agora e a Paralela fazia sentido. Em 2004, quando Moacir dos Anjos foi seu curador, a mostra chegou a ser considerada superior à Bienal, então organizada por Alfons Hug.
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CYPRIANO, Fábio. Conservadora e superficial, Paralela 10 tornou-se vítima do circuito que a criou. Folha de S. Paulo. 2/10/2010, Ilustrada.
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Em 2010, com uma extensa e excelente agenda de mostras paralelas e uma Bienal renovada, a exposição das galerias tem seu sentido enfraquecido. E, para ficar ainda pior, o curador Paulo Reis optou por não repetir artistas da mostra do Ibirapuera, que tem nada menos que 59 brasileiros, o que tornou a sua uma espécie de salão dos recusados. Se ainda a exposição agregasse conteúdo, ela teria validade, mas nem assim (9). DEPARTAMENTOS Intitulada "A Contemplação do Mundo", a exposição divide-se como uma loja de departamentos, por conta do formalismo das leituras de seu curador (10). Há a sessão de plantas e jardins, com os trabalhos de Mauro Piva, Brígida Baltar e Rosana Palazyan, todos abordando essa temática, ou o departamento de segurança, onde artistas usam o revólver como elemento constitutivo de seus trabalhos. Se essas áreas totalmente literais da mostra não fossem suficientes, Reis ainda ocupa um dos lados do belo galpão do Liceu só com pinturas de grandes formatos, outra leitura formal, que reduz tais trabalhos à entediante temática do suporte, em pleno século 21. Conservadora, óbvia e reunindo superficialmente artistas de todas as galerias que a patrocinam, a Paralela tornou-se hoje vítima do próprio circuito que a criou (11). (FABIO CYPRIANO)66 PARALELA 10 ONDE Liceu de Artes e Ofícios (r. Jorge de Miranda, 676, tel. 0/ xx/ 11/3229-9389) QUANDO ter. a sex., 12h às 18h; sáb. e dom., 10h às 18h; até 28/11 QUANTO grátis AVALIAÇÃO(2) ruim
As críticas 02 e 03 serão analisadas em conjunto, de forma a facilitar uma confrontação entre as duas. Publicadas no mesmo dia e assinadas pelo jornalista e crítico Fábio Cypriano, os dois textos ilustram a forma como duas instituições artísticas da cidade são abordadas pela crítica. Ambas estão caracterizadas explicitamente: há chapéus indicativos do gênero (1) e atribuição de notas (2) aos eventos, o que permite a qualquer leitor, mesmo os mais leigos, compreender tratar-se de crítica de arte. O estilo opinativo dos textos, marcados pela tomada de posição do autor amparada por argumentação, reforçam a tipologia. A primeira se detém na 29ª Bienal de Artes. Fábio Cypriano se propõe fazer um balanço da mostra e, para tanto, lança um olhar abrangente que identifica erros e acertos (3). O crítico menciona problemas (4), mas evita a menção direta aos curadores. Quando o faz (5), relativiza as contradições como se fossem efeitos colaterais inevitáveis da opção dos curadores por “distintos eixos”. De qualquer forma, nas palavras do crítico, a contradição se limita a “enfraquecer o tema”. A curadoria é criticada sim, mas pela “generosidade” que a levou a ampliar demasiadamente o tema da mostra. A mostra põe
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Crítico da Folha de S. Paulo. Professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Possui Mestrado e Doutorado em Comunicação e Semiótica, obtidos na mesma instituição na qual leciona. Fonte: http://lattes.cnpq.br/0863440167458855 (consulta em 6/07/2011)
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em xeque a produção contemporânea, mas não parece ter sido esta a intenção dos curadores (7), afirma. O que se observa na primeira parte da crítica à Bienal é descrito por FAIRCLOUGH (2008:203) como um discurso de polidez, recurso que consiste na adoção de estratégias linguísticas que visam mitigar atos de fala potencialmente ameaçadores a quem se fala ou a si próprio. Os recursos de polidez são particularmente úteis para caracterizar as relações sociais e de poder existentes entre os participantes do discurso. A definição de polidez do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930–2002), para quem “as concessões de polidez são sempre concessões políticas”, é citada por FAIRCLOUGH: (2008:204) o domínio prático do que chamamos regras de polidez e, particularmente, a arte de ajustar cada uma das fórmulas disponíveis... às diferentes classes de receptores possíveis pressupõem o domínio implícito, logo o reconhecimento, de um conjunto de oposições que constituem a axiomática implícita de uma ordem política determinada. [Destaque acrescentado]
Tendo isso em vista, FAIRCLOUGH afirma: (Idem) as convenções de polidez particulares incorporam, e seu uso implicitamente reconhece relações sociais e de poder particulares (ver Kress e Hodge, 1979), e, na medida em que se recorre a elas, devem contribuir para reproduzir essas relações. Um corolário é que investigar as convenções de polidez de um dado gênero ou tipo de discurso é um modo de obter percepção das relações sociais dentro das práticas e dos domínios institucionais, aos quais esse gênero está associado. [Destaque acrescentado]
Nitidamente, Cypriano procura mitigar a ameaça à face dos curadores que a censura contundente representaria. Adota, por exemplo, o verbo parecer na forma intransitiva parece ao apontar as consequências de um possível deslize dos curadores (7), remetendo a questão para o campo das possibilidades. Em momento algum o autor adota a assertividade que normalmente caracteriza a crítica de arte. Passemos à crítica nº 03: a contundência está presente desde o título. As escolhas vocabulares não são feitas ao acaso. Adjetivar uma mostra de arte contemporânea como “conservadora” e “superficial” equivale a dizer que ela é inócua, desnecessária, pois a arte visa justamente romper com o conservadorismo e a superficialidade da sociedade contemporânea. A percepção de nulidade da mostra pelo crítico é reafirmada no fim da primeira parte da crítica (9): “Se ainda a exposição agregasse conteúdo, ela teria validade, mas nem assim”.
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Partindo da tese inicial na primeira parte do texto, o crítico dedica a segunda parte à argumentação. O curador é acusado de “formalismo” e a mostra é comparada a “loja de departamentos” (10). Sob os aspectos formais, ambos os textos são ótimas críticas de arte. No segundo, especificamente, Cypriano indica claramente ao leitor que a mostra Paralela 10 é ruim e justifica sua opinião com argumentação adequada. Na crítica à 29ª Bienal, é mais comedido e procura relativizar. O desejo de se equilibrar entre elogio e censura o leva a produzir a “pérola” do último parágrafo (12), no qual a Bienal “conceitualmente frágil” é apontada como “epicentro do pensamento artístico no país”. A despeito da dubiedade, constitui-se também em importante referencial para o público-leitor. As questões que se colocam a partir do confronto dos dois textos têm como fulcro aspectos institucionais que nitidamente permeiam o fazer crítico. Vale lembrar o alerta da professora e linguista Eni P. ORLANDI (2007:9), 67 para quem mesmo o uso mais cotidiano dos signos é carregado de intenções e significados – perspectiva que põe em pauta o por quê do uso intenso de polidez na crítica à Bienal, comentado anteriormente, e da ausência total desta estratégia na crítica à mostra Paralela 10. Não há, na segunda crítica, atos da fala mitigadores do discurso. Conforme também comentado, desde o título (8) até o último parágrafo (11), o crítico censura a mostra de forma contundente. Obviamente espera-se do profissional da crítica que esteja bem informado quanto à produção que pretende avaliar e que seja fiel às suas convicções estéticas. Entretanto, quando o crítico, vendo incoerências em ambas as mostras, por um lado procura mitigar a censura à poderosa Bienal de São Paulo, e por outro condena a mostra Paralela sem qualquer estratégia de polidez, o questionamento quanto à pertinência das críticas ganha consistência. A questão que se coloca vai na direção da possibilidade de a influência política da Fundação Bienal, bem como o peso de sua tradição, exercerem influência sobre o texto da crítica. Quais as implicações para o leitor? Na medida em que as relações de poder têm a possibilidade de se impor sobre a avaliação orientada unicamente por convicções estéticas, é subtraída ao público a opinião livre de interesses institucionais. É interessante observar que na crítica à mostra Paralela 10 o autor não analisa nenhuma obra especificamente. Menciona alguns artistas, ignora as obras e foca toda a 67
ORLANDI, Eni P. Análise do discurso: princípios e procedimentos. 7ª edição, Campinas, Ed. Pontes, 2007
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atenção no aspecto curatorial da mostra. (Curiosamente, na Bienal procura exatamente em obras específicas virtudes que compensem o “nexo difícil” (4) e o “enfraquecimento do tema” (5) resultantes das escolhas dos curadores). A esta altura, vale a pena um registro sobre a crítica publicada na edição 159 (novembro/2010) da revista Bravo, produzida pela jornalista e crítica Thais Rivitti68 também sobre a mostra Paralela 10. A transcrição de alguns trechos é suficiente para revelar interessante contraste de abordagem: Garimpo no saco de gatos69 (...) A primeira coisa que se precisa saber sobre um evento como esse é que o trabalho do curador fica um pouco comprometido, já que os interesses das galerias estão naturalmente em primeiro plano. A necessidade de contemplar um grande número de artistas impede o aprofundamento em um tema muito específico (12). (...) Em um canto do galpão do Liceu de Artes e Ofícios, em São Paulo, estão dois artistas que apresentam pinturas. Duas laranjas, tela feita neste ano por Rodrigo Bivar, revela a habilidade do artista em criar jogos cromáticos intensos, em que as texturas se sobressaem. Marcelo Amorim, por sua vez, participa com a série Iniciação, de 2010, baseadas em imagens antigas tiradas de salas de aula. Sua pintura é bastante simplificada – ele geralmente se restringe a apenas duas cores e as figuras surgem por contraste (14). (...) ... E é assim, lado a lado, que essas diferenças e aproximações aparecem. Mesmo sob um tema tão vago. E mesmo sob a pressão das galerias (13).
A crítica de Rivitti contextualiza o evento, revelando ao leitor os interesses sob os quais é organizado (12), expõe o efeito dos referidos interesses sobre a curadoria (13), mas nem por isso deixa de se deter sobre as obras. Consegue, desta forma, fornecer ao leitor uma visão bem mais completa sobre a mostra e cumprir com maior efetividade a mediação entre esta e o público. Prática discursiva •
Produtor textual: O texto está devidamente por Fábio Cypriano, reconhecido tanto pelo público leitor, como pelo cenário artístico, como jornalista e crítico de artes da Folha de S. Paulo.
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É mestre em História, Crítica e Teoria da Arte pela Universidade de São Paulo, graduada em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000) e em Filosofia pela Universidade de São Paulo (2004). Atualmente exerce as funções de curadora, critica de arte e jornalista na área cultural. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em arte contemporânea brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas: arte brasileira, artistas jovens, filosofia, crítica e história da arte. É membro do Centro de Pesquisas em Arte Brasileira da ECA-USP. Fonte: http://lattes.cnpq.br/6161253149660112 Consulta em 20/07/2011. 69 RIVITTI, Thais. Garimpo no saco de gatos. Revista Bravo. Edição 159, São Paulo, novembro de 2011.
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Seguindo
a
recomendação
de
FAIRCLOUGH
(2007:107)
de
“desconstrução” do produtor, é possível identificar: a) Animador: O jornalista e crítico Fábio Cypriano, da Folha de S. Paulo. b) Autor: O mesmo animado, que a assina o texto. c) Principal: O fato de a crítica ser publicada nas páginas da Folha de S. Paulo coloca a publicação na condição de participante de sua autoria. A Fundação Bienal, organizadora das Bienais de Arte, também pode atuar como “Produtora Principal”, ainda que indiretamente, em função de sua influência sobre a sobre a cobertura jornalística do evento, exercida por meio de assessorias de Comunicação.
5.2.1.3.
Crítica nº 04: Caderno Ilustrada de 5/10/2010
CRÍTICA(1) “SE NÃO NESTE TEMPO” Exposição olha a produção alemã com lentes do passado70 (3) FABIO CYPRIANO DE SÃO PAULO “Se Não Neste Tempo – Pintura Alemã Contemporânea: 1989-2010”, mostra em cartaz no Masp (Museu de Arte de São Paulo), é uma estranha forma de observar a produção de um país que passou por tantas e tão intensas transformações desde a queda do Muro de Berlim. Estranha, pois seleciona apenas a pintura como possível foco para análise desse período, quando esse tipo de divisão há muito deixou de ser importante para a produção contemporânea (5). E, como se sabe, sempre que se fala em volta da pintura, há uma estratégia de mercado para sustentar tal tese (7). Trata-se, assim, de uma leitura convencional e conservadora que, em tempos de uma Bienal com a temática arte e política e tendo como uma das mostras paralelas a retrospectiva de Joseph Beuys, no Sesc Pompeia, torna a exposição na avenida Paulista de fato anacrônica (3). Não que artistas como Gerhard Richter, Albert Oehlen ou Neo Rauch, entre os 26 “pintores” selecionados pelos curadores Teixeira Coelho e Tereza de Arruda, não sejam significativos no panorama internacional (6). Mas eles não são os únicos expoentes de um país que gerou nomes como Tino Sehgal, Gregor Schneider, John Bock ou Wolfgang Tillmans. Falar apenas de pintura, em pleno século 21, é olhar o presente com lentes do passado, descuido (4) que um museu do porte do Masp não pode realizar. ONDE Masp (av. Paulista, 1.578, tel. 0/xx/11/3251-5644) QUANDO ter. a dom., 11h às 18h; qui., 11h às 20h; até 9/1/2011 QUANTO R$ 15 AVALIAÇÃO (2) regular
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CYPRIANO, Fábio. Exposição olha a produção alemã com lentes do passado. Folha de S. Paulo. 5/out/2011. Ilustrada
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Mais uma vez a crítica de Fábio Cypriano se caracteriza pela clareza. Na publicação de 5 de outubro de 2011, o crítico questiona o trabalho curatorial de Teixeira Coelho e Tereza de Arruda na mostra instalada no MASP. A indicação no alto do texto (1) e a avaliação no fim (2), aliado ao tom autoral e opinativo, não deixam o leitor em dúvida quanto a tratar-se de crítica de arte. De forma incisiva, desde o título Cypriano censura os curadores por aquilo que ele enxerga como anacronismo (3) e descuido (4). O leitor é informado pelo crítico que a exposição é pertinente, porém incompleta, por focar apenas em pinturas. Aprende, no segundo parágrafo (5), que a divisão entre pintura e outras formas de arte “há muito deixou de ser importante para a produção contemporânea”. O crítico manifesta-se com a autoridade que sua identidade social lhe confere. Entretanto, mais uma vez, esquiva-se de opinar sobre as obras em exposição, concentrando sua análise, a exemplo do que faz nas críticas anteriores, no trabalho curatorial. Percebe-se, desta forma, um padrão de atuação que prioriza o geral sobre o particular. Não há qualquer indicação à relevância (ou irrelevância) das obras. É possível pinçar uma única indicação indireta, na qualificação dos artistas como “significativos no panorama internacional” (6). Cobra atenção o fato de o crítico lançar mão unicamente do contexto para censurar a mostra e calar-se sobre as obras efetivamente expostas. Será que a ocorrência da Bienal de Artes em São Paulo, juntamente com outras mostras mencionadas na crítica, torna obrigatório o viés abrangente para todas as exposições? O geral deve se sobrepor ao específico? O contexto deve sempre determinar a expressão individual? Não há espaço para a singularidade? Não estaria o crítico incorrendo no mesmo conservadorismo de que acusa os curadores da mostra do MASP? Comentando a prática da crítica de arte, o jornalista e crítico Marcelo COELHO71 recomenda: Saber se uma “infração” é intencional ou não, e, no caso de ser intencional, se há razões suficientes para justificá-la, talvez seja a principal tarefa a que um crítico deve se dedicar – com tudo o que envolve de intuição, com tudo o que exige de experiência, e de raciocínio também. (2006:36)
Não se verifica no texto de Cypriano questionamento sobre o por quê dos curadores concentrarem o olhar na pintura alemã do período selecionado. No máximo, levanta a suspeita de que a mostra esteja inserida num plano mercadológico de reabilitação da pintura (7), sem se aprofundar na hipótese ou apresentar qualquer 71
COELHO, Marcelo. Crítica cultural: teoria e prática. São Paulo, Ed. Publifolha, 2006
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evidência. Sob todos os aspectos, produz uma crítica conservadora, descrita por COELHO (2006:33) nos seguintes termos: Talvez o mais típico da crítica conservadora seja, precisamente, considerar essencial o que é acessório, o que é mutável em determinado gênero artístico; erigir em “princípio estético” o que é a regra de um gênero, ou convenção de uma época. Adotando uma definição estreita demais de seu objeto, a crítica conservadora exclui do próprio campo de vista muitas realizações legítimas”.
Esta perspectiva revela que o crítico, a despeito de escrever com clareza, não foca no público leigo, maioria absoluta dos leitores do jornal, como destinatários da crítica. Preocupa-se, antes, com os especialistas do circuito das artes. Se estivesse presente a preocupação por mediar as relações entre exposição e público, certamente o crítico se deteria sobre as obras – ou sobre algumas, especificamente, considerando a impossibilidade de analisar todas.
5.2.1.4.
Crítica nº 05: Caderno Ilustrada de 18/10/2010
CRÍTICA(1) ARTES PLÁSTICAS Mostra desafia a percepção dos visitantes72 "Sempre à Vista [Miragem]", em cartaz na galeria Mendes Wood, traz obras que se confundem com o espaço FABIO CYPRIANO DE SÃO PAULO O circuito de artes plásticas paulistano se encontra num momento superlativo (3). Há uma Bienal inflacionada com 159 artistas, a Paralela, com outros 59; mais a expansão de várias galerias, também com mostras coletivas generosas, como "Primeira e Última, Notas sobre o Monumento", em dois espaços de Luisa Strina. Nesse contexto, "Sempre à Vista [Miragem]", mostra organizada pelo artista Rodrigo Matheus, na galeria Mendes Wood, cria de forma inteligente uma pausa silenciosa e necessária (4). Com obras de 18 artistas, a exposição é quase invisível (ironia ao seu título), já que muitos trabalhos estão integrados ao espaço de tal forma que, em alguns casos, são mesmo difíceis de serem identificados. É o caso de "Dez Mosquitos", de João Loureiro, imagens do inseto aplicadas diretamente à parede com carimbos: só se aproximando muito é possível vê-los. Ou então, no segundo andar, uma borboleta feita por folhas de árvores, de Nicolás Robbio, obra sem título, que desafia o visitante ao confundir representação e realidade, uma das temáticas centrais do artista argentino (5). De certa maneira, "Sempre à Vista [Miragem]" lembra "This is Not a Void", que o curador Jens Hoffmann organizou na Luisa Strina, há dois anos. Lá também, era necessária uma percepção acurada para se localizar muitas obras, algumas históricas (Duchamp, Guy Debord...) e outras feitas para a mostra (Renata Lucas, Elmgreen & Dragset...) (6).
72
CYPRIANO, Fábio. Mostra desafia a percepção de visitantes. Folha de S. Paulo, 5/outubro/2011, Ilustrada.
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Na Mendes Wood, isso se percebe também quando o artista/curador apresenta "Pulmão", de 1987, obra já clássica de Jac Leirner, construída por invólucros de celofane, desses que protegem maços de cigarro, próxima a pequenas intervenções de Fernanda Gomes, como encher um copo com água e deixar um espelho embaixo. No entanto, enquanto a primeira se estruturou como um comentário irônico à chamada Bienal do Vazio, a atual se estrutura em torno do que representa a atitude artística e sua percepção (7). Aí, um trabalho exemplar é o móbile de Daniel Esteegmann, "Galho Partido", composto por um galho com suas ramificações cerradas ao meio. A ação, mínima nesse caso, como de resto em toda mostra, consegue impacto sem ser apelativa. ONDE galeria Mendes Wood (r. da Consolação, 3.368, tel. 0/xx/ 11/ 3081-1735) QUANDO de ter. a sáb., das 11h às 19h. Até 30/10 QUANTO grátis AVALIAÇÃO (2) ótimo
Com um texto que mescla características de resenha e opinião, Fábio Cypriano apresenta a crítica mais completa das que foram analisadas até este ponto. As marcas textuais (1, 2) explicitam o gênero. É a partir do “lugar” institucional crítica de arte que destaca o “momento superlativo” (3) da cidade, mostrando o contexto da mostra organizada por Rodrigo Matheus na galeria Mendes Wood. Trata-se de uma “pausa silenciosa e necessária” (4) frente ao burburinho artístico vivido na cidade – o tal “momento superlativo”. Diferentemente das críticas realizadas anteriormente, nesta Cypriano se detém em algumas obras. Descreve-as com a brevidade imposta pelas limitações do suporte (jornal) (5), menciona a linha de trabalho de um ou outro artista, relembra evento anterior (6) para contextualizar o atual, insere a mostra específica no contexto geral e no momento artístico da cidade. Desta forma, consegue superar as limitações próprias do meio e cumprir os objetivos de mediação. Como afirma OSÓRIO: (2005:63) É natural que a crítica jornalística, na sua crise atual, sofrerá uma limitação de espaço e profundidade que a diferencia da ensaística, mas pode, ainda, viabilizar uma reverberação própria a essa superficialidade.
5.2.1.5.
Críticas nº 06 e 07: Caderno Ilustrada de 23/10/2010
CRÍTICA (1) Imagens traçam panorama da evolução da arte da fotografia73 A MOSTRA APONTA PARA O REQUINTE E O APRIMORAMENTO TÉCNICO, AINDA NOS PRIMÓRDIOS DA FOTOGRAFIA 73
CYPRIANO, Fábio. Imagens traçam panorama da evolução da arte da fotografia. Folha de S. Paulo, 23/outubro/2011, Ilustrada.
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DE SÃO PAULO Duas exposições na Pinacoteca do Estado traçam um ótimo panorama da história da fotografia na primeira metade do século 20, do retrato clássico, feito em estúdio, às experimentações modernas. "Estúdio de Arte Irmãos Vargas - A Fotografia em Arequipa, Peru - 1912/1930" reúne 75 imagens, em preto e branco, feitas pelos irmãos Miguel e Carlos Vargas. Quando, atualmente, a realização de retratos se popularizou, já que até mesmo celulares são capazes desse registro, a mostra aponta para o requinte e o aprimoramento técnico, ainda nos primórdios da fotografia. São impressionantes a clareza e o detalhamento das fotografias da dupla, sejam nas poses dramáticas dos artistas, sejam nas típicas fotos de família daquele período, ou mesmo nos curiosos retratos de recrutas. Um dos destaques da exposição são os negativos de vidro, exibidos numa área escurecida, que dá a eles ar de preciosidade. Já "Gaspar Gasparian, um Fotógrafo" apresenta 150 imagens de uma fase da história da fotografia mais preocupada com a construção da imagem, retirando dela seu caráter meramente documental, como se vislumbra da mostra peruana. Gaspar Gasparian (1899-1966), dono de um estúdio fotográfico, representa bem esse momento experimental, estimulado pelos fotoclubes dos quais participou (4). A exposição de Gasparian reúne cerca de 150 imagens, realizadas principalmente nas décadas de 1940 e 1950, todas "vintage", ou seja, ampliadas na época em que foram realizadas. Através delas se percebe que, se Gasparian não possui necessariamente um tipo de registro peculiar, ele estava totalmente sintonizado com a produção de sua época, especialmente aquela voltada para a pesquisa. É possível observar, num alto nível, desde seu trabalho pictorialista, quando a fotografia buscava se aproximar da pintura, até obras com caráter construtivo, onde objetos criam imagens geométricas. (FABIO CYPRIANO) ESTÚDIO DE FOTÓGRAFO
ARTE
IRMÃOS
VARGAS/GASPAR
GASPARIAN,
UM
QUANDO de ter. a dom., das 10h às 18h; até 14/11 ONDE Pinacoteca do Estado (pça. da Luz, 2, centro, SP, tel. 0/xx/ 11/3324-1000) QUANTO de R$ 3 a R$ 6 (sábado, gratuito) AVALIAÇÃO (2) ótimo (ambas)
Mostra de fotógrafo argentino resgata traumas da ditadura74 DE SÃO PAULO Exilado na Espanha desde a década de 1980, o fotógrafo argentino Marcelo Brodsky retornou ao seu país na década seguinte. Foi quando achou uma foto de sua classe, no primeiro colegial, tirada em 1967. "Depois de 25 anos, reencontrei meus colegas de classe e propus tirar uma foto de cada um, com elementos de sua vida atual, usando como fundo a foto de 1967", diz. Essa imagem, que funciona como uma espécie de "madeleine", de "Em Busca do Tempo Perdido", de Proust, é o centro da exposição "Buena Memoria, um Ensaio Fotográfico de Marcelo Brodsky", que é inaugurada, hoje, pelo Memorial da Resistência, na Pinacoteca.
74
CYPRIANO, Fábio. Mostra de fotógrafo argentino resgata traumas da ditadura. Folha de S. Paulo, 23/outubro/2011, Ilustrada.
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A foto realiza, assim, uma triste cartografia sentimental da história recente argentina, que inclui o desaparecimento de Fernando Rúbens Brodsky, irmão de Marcelo, sequestrado em 14/8 de 1979. "Depois de 20 anos, as autoridades do colégio aceitaram, pela primeira vez, que nos lembrássemos daqueles que desapareceram ou foram assassinados pelo terrorismo de Estado", diz Brodsky. A mostra traz dois vídeos, "Ponte da Memória" e "Brincando de Morrer", com imagens da infância dos irmãos Brodsky. Completa a exposição uma documentação do Parque da Memória, local construído para lembrar os sequestrados e desaparecidos durante a ditadura argentina (5). (FC) (3) BUENA MEMORIA QUANDO abertura, hoje, às 11h; de ter. a dom., das 10h às 18h; até 27/2/2011 ONDE Estação Pinacoteca (lgo. General Osório, 66, tel. 0/xx/11/ 3335-4990) QUANTO R$ 6 (grátis aos sábados) AVALIAÇÃO (2) ótimo
Outras duas críticas, 6 e 7, serão analisadas em conjunto. Publicadas no Ilustrada de 23 de outubro de 2010, ambas se referem a mostras fotográficas realizadas em espaços públicos paulistanos – Pinacoteca do Estado e Estação Pinacoteca – e têm a mesma autoria, o jornalista e crítico de arte Fábio Cypriano. Na primeira, intitulada “Imagens traçam panorama da evolução da arte da fotografia”, há indicações explícitas do gênero no chapéu (1) e na indicação de nota (2) ao evento. A segunda é marcada apenas pela indicação de nota (2). Nesta, a autoria é registrada pelas iniciais do autor (3) FC – Fábio Cypriano –, solução recorrente da edição de jornais para evitar repetição de créditos quando, na página, há mais de uma matéria assinada pelo mesmo autor. Entretanto, a despeito das marcas explícitas que caracterizam os textos como crítica, não se observa a estrutura argumentativa constituída de hipótese/conclusão típica dos textos opinativos, conforme descrição de RÊGO e AMPHILO (2010:98)75 para o estilo. O que se vê são descrições das mostras, com breves manifestações das impressões do autor. Diferenciam-se dos textos anteriores do mesmo autor no aspecto da profundidade e da tomada de posição. Estas características recomendam a classificação dos textos como resenhas, e não como críticas. Embora os termos sejam adotados muitas vezes como equivalentes, há diferenças fundamentais que não podem ser desconsideradas. Grosso modo, ambas, resenha e crítica, são dedicadas a produtos culturais. No entanto, enquanto a crítica objetiva uma reflexão sobre a manifestação artística/cultural, esquadrinhando-a em função da estética, da pertinência, da temporalidade, da poética, 75
RÊGO, Ana Regina; AMPHILO, Maria Isabel. Gênero opinativo. IN: MELO, José Marques de; ASSIS, Francisco de. Gêneros Jornalísticos no Brasil. São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de São Paulo, 2010.
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do contexto, entre outros critérios, a resenha objetiva apenas um olhar circunstanciado. Às vezes confundida com resumo literário, outras vezes descrita como formato intermediário entre a sinopse e a crítica – mantém o caráter descritivo da primeira, ao qual se acrescenta certo grau de avaliação próprio da segunda –, a resenha é definida por RÊGO e AMPHILO (2010:103) como “apreciação de uma obra, tendo por finalidade orientar seus consumidores, ou apreciadores”. Já a definição de crítica apresentada por RABAÇA e BARBOSA (2002)76 no Dicionário de Comunicação é bem mais detalhada: 1. Discussão fundamentada e sistemática, a respeito de determinada manifestação artística, publicada geralmente em veículos de massa (jornal, revista, livro, rádio, TV) e emitida por jornalista, professor, escritor ou por outros especialistas, em geral profissionalmente vinculados ao veículo como colaboradores regulares. Apreciação estética e ideológica, desenvolvida a partir de um ponto de vista individual, em que entra a experiência prática e/ou teórica do crítico, a respeito de trabalho literário, teatral, cinematográfico, de artes plásticas etc. O exercício da crítica implica a compreensão de tudo o que participa do processo de criação de uma obra artística, suas técnicas, significados, propostas e importância no âmbito de um contexto cultural. "A crítica visa ao conhecimento e valoração da obra, tendo em mira orientar o gosto e a curiosidade do leitor" (Massaud Moisés). Elaborada a partir de um padrão – moderno ou acadêmico – de proposta artística e pela comparação dos valares e informações da obra com o ideal estético daquele que analisa e opina, a critica é também uma atividade criativa, na medida em que reinterpreta intelectualmente o objeto examinado e propicia ao leitor um conjunto de impressões, ideias e sugestões que, inclusive, enriquecem a informação original. 2. Conjunto dos profissionais que exercem a função de críticos.
Não são estas as características dos textos – especialmente o 7. Assemelham-se mais a resenha impressionista, conforme ilustra o trecho (4) em destaque no texto 6 e (5) no texto 7. O autor não omite, porém, a prestação de serviço ao leitor: ambos os textos são seguidos de notas que recomendam as exposições. Entretanto, faz bem menos que se espera do crítico de arte: reinterpretar intelectualmente o objeto examinado e propiciar ao leitor um conjunto de impressões, ideias e sugestões que enriqueçam a informação original – de acordo com a descrição da crítica por RABAÇA e BARBOSA transcrita acima.
76
RABAÇA, Carlos Alberto; BARBOSA, Gustavo Guimarães. 5ª edição, Rio de Janeiro, Ed. Campus, 2002
114
5.2.1.6.
Crítica nº 08: Caderno Ilustrada de 25/11/2010
CRÍTICA (1) FOTOGRAFIA Mostra sobre Brasília traça painel crítico da história do país77 (3) DE SÃO PAULO Nesse momento de certa euforia econômica, a exposição "As Construções de Brasília" traz um componente que provoca reflexões. A mostra organizada por Heloisa Espada, do Instituto Moreira Sales (IMS), exibe dois momentos da capital: um da construção, que culmina na inauguração com fotos de Thomas Farkas em torno do apoio popular a Juscelino Kubitscheck (1956-1961); o outro, de uma visão crítica sobre o que se tornou Brasília, até a posse de Lula na série "Empossamento" (2003), de Mauro Restiffe (4). Do primeiro momento, além de Farkas, a mostra traz imagens de Marcel Gautherot, o fotógrafo oficial da construção de Brasília, e de Peter Scheier, todas da coleção do IMS. Se, por um lado, elas reforçam um sentido utópico na construção dos edifícios de Niemeyer, por outro, não escondem a precariedade que envolvia a empreitada. Isso é visto tanto nas imagens do Núcleo Bandeirante, favela que surge com a cidade, registro de Farkas, como na miséria da Sacolândia, moradias improvisadas ao redor do lago Paranoá, em fotos de Gautherot (5). Essa aparente contradição entre moderno e arcaico, já captada na origem da cidade, será tema central do segundo núcleo da mostra, composta basicamente por artistas contemporâneos, como Jac Leirner, Regina Silveira e Cildo Meireles. Esse grupo aborda da ditadura militar, como a simbólica fotografia de Orlando Brito que confunde os edifícios da Câmara e do Senado com as botas de um soldado, aos registros do italiano Robert Polidori, que problematizam a modernidade decadente (6). Ao explorar as diversas construções de Brasília nesses seus 50 anos, a mostra acaba por traçar um painel crítico da história recente do país (7). (FABIO CYPRIANO) QUANDO seg., das 11h às 20h, de ter. a sáb., das 10h às 20h, e dom., das 10h às 19h ONDE Galeria de Arte do Sesi (av. Paulista, 1.313 , SP, tel. 0/xx/11/ 3146-7405) QUANTO grátis CLASSIFICAÇÃO livre AVALIAÇÃO (2) ótimo
Fiel ao seu estilo, Fábio Cypriano realiza um texto simples, fácil de ser compreendido e despretensioso. Indicações do chapéu (1) no alto do texto e avaliação (2) no pé marcam explicitamente a classificação do texto como crítica de arte. A opinião do autor, também explícita, reforça a classificação. A tese proposta no título (3) é devidamente defendida por argumentação ao longo do texto (4, 5, 6): a crítica descreve a mostra indicando o momento histórico ao qual ela se refere, numa contextualização superficial, mas adequada às limitações da página do jornal. O crítico não se manifesta sobre o valor estética das fotografias, o que leva o leitor a compreender que a avaliação “ótimo” (2) diz respeito à propriedade das imagens 77
CYPRIANO, Fábio. Mostra sobre Brasília traça painel crítico da história do país. Folha de S. Paulo, 25/outubro/2011, Ilustrada.
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de construir um “painel crítico da histórica recente do país”. É desperdiçada, desta forma, uma interessante oportunidade para motivar o leitor a uma contemplação que vá além do aspecto puramente conteudístico.
5.2.1.7. Crítica nº 09: Caderno Acontece de 2/12/2010 CRÍTICA (1) ARTES PLÁSTICAS Masp frustra público com sala inadequada para obra central78 FABIO CYPRIANO DE SÃO PAULO "Deuses e Madonas - A Arte do Sagrado", em cartaz no Museu de Arte de São Paulo (Masp), segue a linha das últimas exposições do acervo da instituição em torno de temas bastante gerais, como o romantismo ou retratos, ambas também em exibição. Essa sequência instituída por Teixeira Coelho abandona a tradicional mostra cronológica do acervo por questões mais livres, como já vem sendo feito em instituições como a Tate, em Londres, e o Pompidou, em Paris (3). Na exposição "Deuses e Madonas", a temática gira em torno do sagrado, tendo, desta vez, uma obra central que se desdobra num trabalho contemporâneo (4). Trata-se de "O Julgamento de Paris" (1710-1720), do italiano Michele Rocca (16661752), que ganha uma leitura do videoartista Eder Santos (5). O resultado é um tanto frustrante, pois o trabalho, numa sala sem condições necessárias, como escurecimento total e projetores sem grande força, faz o trabalho do videoartista, tentativa de tornar a obra de Rocca tridimensional, ficar muito aquém de outras experiências com tecnologia (6). No entanto, ao insistir em organizar as pequenas mostras temáticas com suas paredes tradicionais, a curadoria continua privando o público do museu em vivenciar a disposição concebida para o espaço por Lina Bo Bardi (1914-1992), com as obras todas apenas suspensas nos cavaletes de vidro. Já nessa disposição, aliás, encontrava-se a ideia de que a arte não precisa ser exibida com fronteiras, estando toda disposta numa só sala agigantada. Enquanto a curadoria do Masp não retomar essa montagem vai continuar em dívida com a arquiteta do museu e com quem nunca viu sua montagem original. QUANDO de ter. a dom., das 11h às 18h; qui., das 11h às 20h; até 16/1/ 2011 ONDE Masp (av. Paulista, 1.578, tel. 3251-5644) QUANTO R$ 15 CLASSIFICAÇÃO não informada AVALIAÇÃO (2) regular
Em mais uma crítica, devidamente identificada no chapéu (1) e pela nota avaliativa (2), publicada em 2 de dezembro de 2010 a propósito da mostra instalada no MASP, Fábio Cypriano se detém no evento em si. O texto, como os anteriores, não oferece dificuldade interpretativa para leitores leigos. O vocabulário é acessível, os períodos são bem construídos. Já no segundo parágrafo o crítico insere a exposição do
78
CYPRIANO, Fábio. Masp frustra público com sala inadequada para obra central. Folha de S. Paulo. 2/dezembro/2010, Ilustrada.
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MASP na tendência internacional verificada em instituições congêneres do exterior. Procura, com uma única frase, explicar o conceito da exposição (4). A esta, acrescenta outra frase (5) na qual destaca a obra principal. Isso é tudo – tudo que, do ponto de vista do crítico, o leitor precisa saber sobre as obras em exposição. Não há indicações sobre as obras expostas – exceto a menção à obra principal. Se a arte é um modo de ver, como afirma a professora e crítica de arte Maria José JUSTINO79 (In: GONÇALVES e FABRIS, 2005:16), o que, afinal, o crítico viu na exposição? É compreensível que, por tratar-se de obras consagradas, pertencentes ao acervo do museu – portanto, aprovadas no crivo de qualidade artística que pauta a incorporação de obras pelo MASP –, o crítico se absteve de esquadrinhar as obras buscando a validade das mesmas. Contudo, por que preferiu problematizar a mostra e a infraestrutura disponível, ao invés do objeto da mostra – as obras de arte? Optasse pelo segundo caminho, certamente teria prestado um relevante serviço ao público leitor e potencialmente visitante da exposição: um olhar peculiar sobre as obras, ou pelo menos sobre algumas obras. Como lembra JUSTINO (In: GONÇALVES e FABRIS, 2005:31 e 32) A Estética, a História da Arte e a Crítica continuam refletindo e interpretando as obras, tanto com relação à técnica, à comparação com outras obras, às condições da obra, quanto com relação à cultura, condições de seu tempo, autoria, relação com a política e o seu sentido social. (...) O crítico ainda exerce papel de educador e informante, e ainda é uma espécie de bússola. Reclama-se ao crítico as qualidades de sempre: confiar em sua sensibilidade e trabalhar com conceitos, a mediação entre a objetividade e a paixão, ter em mente que não existe uma leitura absoluta da arte, reconhecendo que as linguagens da arte correspondem às culturas de onde emergem, e que as grandes obras contêm zonas de indeterminações (nem por isso autorizando o crítico a erigir fantasias ou improvisos). A crítica de arte precisa de rigor e flexibilidade. [Destaque acrescentado]
Entretanto, a exemplo das críticas anteriores em que o autor se manifesta preferencialmente sobre o trabalho curatorial, ao invés de se concentrar nas obras, no texto em análise ele foca nas condições de exibição das obras (6). É o caso de se perguntar: O que é mais importante: a pintura de Michele Rocca ou a leitura feita pelo videoartista Eder Santos? À leitura particular não se pode dar importância superior que à obra, que permite múltiplas leituras – o que não exclui a necessidade de que o ambiente ofereça as condições exigidas pela obra. 79
JUSTINO, Maria José. Criticar é... entrar na crise. IN: GONÇALVES, Lisbeth Rebollo; FABRIS, Annateresa. Os lugares da crítica de arte. São Paulo, ABCA e Imprensa Oficial do Estado, 2005.
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O que o leitor perde com a postura evasiva do crítico diante de obras consagradas? John DEWEY80 (2010:59) é enfático: ... a própria perfeição de alguns desses produtos [artísticos], o prestígio que eles possuem, por uma longa história de admiração inquestionável, cria convenções que atrapalham as novas visões. Quando um produto artístico atinge o status de clássico, de algum modo, ele se isola das condições humanas em que foi criado e das consequências humanas que gera na experiência real de vida. Quando os objetos artísticos são separados das condições de origem e funcionamento na experiência, constrói-se em torno deles um muro que quase opacifica sua significação geral, com a qual lida a teoria estética. (...) Assim, impõe-se uma tarefa primordial a quem toma a iniciativa de escrever sobre a filosofia das belas-artes. Essa tarefa é restabelecer a continuidade entre, de um lado, as formas refinadas e intensificadas de experiência, que são as obras de arte e, de outro, os eventos, atos e sofrimentos do cotidiano universalmente reconhecidos como constitutivos da experiência. [Destaque acrescentado]
Pergunta-se: em que sentido a crítica de Fábio Cypriano contribui para “restabelecer as formas refinadas e intensificadas de experiência”, próprias das obras de arte, e os “eventos, atos e sofrimentos do cotidiano universalmente reconhecidos como constitutivos da experiência”?, conforme proposto por DEWEY? Em outras palavras, que contribuição a crítica de Cypriano oferece para a contextualização da obra de Michele Rocca (e das demais participantes da exposição) e da inserção das mesmas no cotidiano dos leitores-potenciais visitantes da exposição, para que estes tenham interesse em visitar a mostra? Nenhuma contribuição. Nada. 5.2.1.8.
Crítica nº 10: Caderno Acontece de 11/12/2010
CRÍTICA (1) ARTES PLÁSTICAS Exposição sintetiza drama na arte da Alemanha pré-nazista81 FABIO CYPRIANO (3) DE SÃO PAULO "Verdade, Fraternidade, Arte - Secessão de Dresden: Grupo 1919 e Contemporâneos", em cartaz no museu Lasar Segall, é uma mostra para celebrar apenas um trabalho, mas que, de forma inteligente, dá a ele um contexto adequado (10). O trabalho em questão é "Autorretrato", de Egon Schiele (1890-1918), em comodato no museu há muitos anos, mas que apenas nos últimos meses teve a atribuição ao austríaco confirmada. Na obra, Schiele atesta suas marcas expressionistas, corrente à qual foi ligado Lasar Segall (1891-1957), vínculo este explorado na mostra, curada por Vera d'Horta (4). A exposição apresenta 50 obras de outros 18 artistas, entre pinturas, aquarelas e gravuras, produzidas entre 1910 e 1933, ano de "A Bestialidade Avança", de George Grosz, que anunciava a ascensão do nazismo (5).
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DEWEY, John. A arte como experiência. São Paulo, Ed. Martins Fontes, 2010 CYPRIANO, Fábio. Exposição sintetiza drama na arte da Alemanha pré-nazista. Folha de S. Paulo. 12/dezembro/2011, Acontece.
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Em se tratando de uma mostra no Brasil, não deixa de ser notável a capacidade de se reunir obras significativas deste momento, a República de Weimar (9), com trabalhos de museus como o Masp e o MAC-USP e também de colecionadores privados, representando artistas do porte de Paul Klee, Wassily Kandinsky e Käthe Kollwitz. Outro trabalho central é um álbum com doze gravuras do Grupo 1919, que pertence ao museu que sedia a mostra, e engloba nomes como o próprio Segall, George Grosz e Kurt Schwitters. A gravura ganha destaque por representar o esforço pela democratização da arte. Publicações como "O Cavaleiro Azul", editado por Kandinsky e Franz Marc, e periódicos alemães das décadas de 1910 e 1920 completam o contexto altamente politizado dos expressionistas (6). O caráter inovador revela-se ainda no quadro "Eternos Caminhantes" (1919), de Segall, que chegou a fazer parte da mostra Arte Degenerada, organizada por Hitler em 1937 para combater a arte moderna (7). Sintética, a exposição revela toda a dramaticidade de um dos momentos-chave da arte no século 20 (8). QUANDO ter. a sáb., 14h às 19h; dom., 14h às 18h. Até 20/2 ONDE Museu Lasar Segall (r. Berta, 111; tel. 5574-7322) QUANTO grátis AVALIAÇÃO (2) ótimo
A última crítica da Folha de S. Paulo durante o período selecionado foi publicada no caderno Acontece e assinada pelo jornalista e crítico Fábio Cypriano. A exemplo das anteriores, traz marcas explícitas do gênero “crítica de arte”, quais sejam, indicação no chapéu (1) que precede o texto e conclusão com nota do evento (2). O autor (3) não é identificado como crítico, mas o fato de assinar o texto permite a conclusão de que se trata de profissional qualificado para a função e reconhecido como tal pela empresa responsável pelo jornal. Coerente com o gênero, Cypriano redige de forma argumentativa, propondo teses e procurando sustentá-las. Diferentemente das críticas anteriores, nesta Cypriano faz comentários (4, 5, 6, 7) sobre as obras que permitem ao leitor compreender, ainda que minimamente, a importância das obras expostas. Consegue, ainda, a proeza de também avaliar a exposição (8, 9, 10) em texto tão sucinto. É necessário reconhecer a dificuldade para realizar uma crítica analítica, circunstanciada, no reduzido espaço que a Folha de S. Paulo destina a esse tipo de texto. O crítico opta, então, por descrever e contextualizar as obras expostas, além de se manifestar sobre o conjunto da mostra. Desta forma, consegue oferecer ao leitor uma visão geral da exposição. 5.2.2. Análise da crítica publicada na Folha de S. Paulo Todas as críticas de artes publicadas durante o período analisado foram produzidas pelo jornalista e crítico Fábio Cypriano. Em todas, percebe-se a clareza que 119
construções textuais simples e vocabulário acessível podem proporcionar. Atento à tipologia textual, o autor utiliza com habilidade a estrutura argumentativa. Entretanto, Cypriano comete pecados bem mais graves que possíveis inadequações textuais. Nas suas críticas observa-se que escreve visando mais o público especializado, constituído de curadores, marchands, artistas, historiadores, compradores de obras de arte e críticos, entre outros, do que o público não-especializado. A predileção pelos pares fica evidente pela insistência do crítico de analisar a infraestrutura da exposição e/ou as escolhas curatoriais, ao invés das obras expostas – como ocorre na crítica 09, publicada no caderno Acontece de 2 de dezembro de 2010 sob o título “Masp frustra público com sala inadequada para obra central”. O desvio do foco das obras de arte para aspectos circundantes, como infraestrutura ou instituição, também pode levar o crítico a trilhar caminhos que não dizem respeito ao público não-especializado e pouco ou nada contribuem para a ampliação do sentido das obras de arte. É o que se verifica nas críticas 02 e 03, dedicadas, respectivamente, à 29ª Bienal de Artes de São Paulo e à 10ª Mostra Paralela, em que, a despeito de o crítico anotar inconsistências em ambas, destina à exposição mais famosa e politicamente poderosa o benefício da dúvida quanto à motivação das suas escolhas, adotando habilmente instrumentos mitigadores da fala para fazer alusão a possíveis deslizes dos curadores. Já para com a Mostra Paralela, alternativa e ainda sem tradição, não há condescendência. Sem ocupar-se nem mesmo de algumas obras, qualifica-a de “superficial”, compara-a a “loja de departamentos”, adjetiva-a como “conservadora”. Na Bienal de Artes, ao contrário, procura em obras específicas a justificativa para apreciações positivas que não pode dar à exposição de modo geral. O tratamento diferenciado para problemas com semelhantes entre si põe em xeque a motivação do crítico e a isenção que deveria pautar a produção da crítica. Na crítica número 01, endereçada ao Centro de Arte Contemporânea de Inhotim, a questão institucional também se destaca. Impressionado pelo acervo reunido no centro e pelas instalações, o crítico constrói um texto impressionista que beira o discurso de Relações Públicas, que em nada contribui em termos de crítica e reflexão. Na medida em que as relações de poder têm a possibilidade de se impor sobre a avaliação orientada unicamente por convicções estéticas, é subtraída ao público a opinião livre de interesses institucionais. Na última resenha da Folha analisada (nº 10, de 11/12/2010), Fábio Cypriano se redime com comentários sobre as obras expostas que permitem ao leitor não120
especializado compreender, ainda que minimamente, a importância das obras expostas, além de avaliar a pertinência da própria exposição. Demonstra, desta forma, ser possível realizar crítica de arte em espaço tão reduzido, como o que a Folha destina ao gênero em suas páginas.
5.2.3. O Estado de S. Paulo: Caderno 2 5.2.3.1.
Resenha-crítica nº 1: Caderno 2 de 28/09/2010
Visuais. Exposição A Brasília do passado pelo olhar do futuro82 A capital como construção de uma utopia é focalizada em mostra do IMS Antônio Gonçalves Filho (1) É quase impossível pensar na capital do país em seu estado embrionário sem passar pelas fotos do francês Marcel Gautherot (1910–1996), que registrou sua evolução arquitetônica passo a passo. Ele, o alemão Peter Scheier (1908–1979) e o húngaro Thomas Farkas, de 86 anos, radicado desde os anos 1930 no Brasil, formam o núcleo básico da exposição As construções de Brasília, que o Instituto Moreira Salles abre hoje na Galeria de Arte do Sesi/SP. A mostra reúne 140 fotografias do acervo do instituto, além de uma seleção de 60 obras de artistas modernos e contemporâneos que também adotaram a capital como tema. Nesse segundo núcleo estão criadores de várias gerações, do artista concreto Waldemar Cordeiro (1925–1973) ao fotógrafo paulista Caio Reisewitz, de 43 anos. As diferentes visões em épocas diversas da capital projetada por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer revelam no campo fotográfico, no desenho, na pintura e nas artes gráficas, como os artistas selecionados – e a lista dos participantes tem ainda o construtivista Almir Mavignier e Cildo Meireles – interpretou [sic] a modernidade de Brasília, não só como revolucionário projeto urbanístico mas como uma utopia política e artística. A curadora da exposição, Heloísa Estrada, a propósito, lembra no texto de abertura do catálogo da mostra que o filósofo e poeta alemão Max Bense, professor da escola de Ulm, sucessora da Bauhaus, viu Brasília como um elemento visual, um cartaz anunciando ao mundo uma possível combinação entre o pensamento cartesiano e a “civilização tropical”, apontando novos caminhos formais para uma Europa cansada pelo peso da tradição. Esse cartaz toma forma no livro criado pela artista Mary Vieira, edição limitada de dez cópias (1959) criada a partir do original exibido na mostra Interbau de Berlim em 1957, que apresentou pela primeira vez ao público europeu a Brasília de Niemeyer (3). É interessante comparar essas páginas construtivistas de Mary Vieira com o olhar de Gautherot (4), que interpreta Brasília como um projeto minimalista, elegendo seus edifícios como pretextos para construções de fatura concreta – o movimento liderado por Waldemar Cordeiro estava no auge quando o francês registrou o Congresso Nacional como formas geométricas puras. As fotos do alemão Peter Scheier seguem o mesmo princípio formal. Já o foco de Thomas Farkas foi a massa de operários que construiu a capital. Farkas capturou o outro lado da opulência, as primeiras favelas que surgiram em torno do Plano Piloto (5). Seu correspondente atual seria Mauro Restiffe, que registrou a posse 82
GONÇALVES FILHO, Antônio. A Brasília do passado pelo olhar do futuro. O Estado de S. Paulo, 28/setembro/2010. Caderno 2.
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do presidente Lula em 2003 sem políticos por perto, como se a mesma massa não fosse convidada para a festa (6). Já o fotógrafo Caio Reisewitz segue o olhar arquitetônico de Gautherot (7), dirigindo sua câmera - obcecada pela simetria - para o interior do prédio do Itamaraty. A síntese das duas visões sobre Brasília está na videoinstalação Futuro do Pretérito, do fotógrafo e artista plástico paulista Rubens Mano, dois painéis que mostram os contrastes entre a vida no Plano Piloto e a das cidades satélites. Galeria de Arte do Sesi. Avenida Paulista, 1.313, tel. 3146-7405. 10 h/ 20 h (2ª, 11 h/ 20 h; dom., 10 h/ 19 h). Grátis. Até 16/1. (2)
Não há marcas explícitas no texto de Gonçalves Filho83 indicando tratar-se de crítica de arte ou resenha. O autor (1) assina o texto sem ser qualificado e não há indicação de nota para o evento. Entretanto, a ideia de guia cultural, subjacente ao formato crítica de arte, está presente: no alto da sexta coluna de texto (versão impressa do caderno), destacado quase como um “olho” da página, o leitor encontra informações sobre localização, horários, duração e preço de visitação da mostra (2). Aliado à característica argumentativa do texto, que alterna proposituras do autor e argumentos que as sustentem, o recurso permite identificar o texto como crítica de arte. Para o leitor, a ausência de classificação clara do texto pode dificultar ou retardar a compreensão do mesmo. A questão torna-se mais aguda na medida em que, nos jornais, prevalece o formato informativo no qual há um ocultamento deliberado do autor visando construir uma pretensa objetividade/isenção. Já nos textos opinativos, entre os quais se inclui a crítica de arte, o autor expressa opinião e deliberadamente procura convencer o leitor sobre a validade de determinado ponto de vista. A coexistência de diferentes gêneros textuais nos jornais torna necessária a identificação clara dos tipos de texto, como “ordenamento” do que é apresentado diariamente ao leitor, como defende COSTA84 (In MELO e ASSIS: 2010:44), de forma que a compreensão dos conteúdos seja facilitada. O significado do ordenamento ao qual COSTA se refere vai além da mera percepção, pelo leitor, das etiquetas que encimam cada texto. O formato constitui-se, por si, em forma discursiva eivada de significados disponíveis à interpretação dos participantes de determinado contexto comunicativo. Isto sugere que os leitores adotam determinada postura ante os textos em função das marcas de gênero nele existentes. Este 83
Antônio Gonçalves Filho é um conhecido jornalista, crítico de arte e autor de livros na área das artes e da cultura, entre os quais destaca-se “Primeira individual: 25 anos de crítica de arte”, publicado em 2009 pela editora Cosac Naify. Sua atuação é amplamente conhecida tanto no O Estado de S. Paulo, como na Folha de S. Paulo, Jornal Valor Econômico, e revistas Veja e Bravo. 84 COSTA, Lailton Alves da. Gêneros jornalísticos. IN: MELO, José Marques de; ASSIS, Francisco de. Gêneros jornalísticos no Brasil. São Bernardo do Campo, Universidade Metodista de SP, 2010.
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pensamento vai ao encontro das formulações de Bakhtin sobre gêneros discursivo, citado por MACHADO85 (In BRAIT, 2008:156): “o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (linguístico) do discurso, imediatamente assume em relação a ele uma postura ativa de resposta”, aqui compreendida como a interação entre o leitor e o texto. Generoso, o Caderno 2 destina espaços amplos para seus profissionais apresentarem e avaliarem obras e eventos artísticos. Entretanto, não há avaliação no texto de Gonçalves. O crítico procura apresentar uma visão geral da mostra e contextualizar as principais obras, como faz ao apresentar o livro de Mary Vieira (3) e conectá-lo às fotografias de Marcel Gautherot (4). Semelhante tentativa de conexão ocorre na apresentação das fotografias de Thomas Farkas (5) e de Mauro Restiffe (6), ou nas de Caio Reisewitz e Gautherot (7). Há, portanto, intenção de propor ao visitante uma leitura específica, uma visão peculiar, da exposição. A profusão de informações, bem como a qualidade das mesmas, permite deduzir que o crítico considera a mostra adequada, pertinente, relevante. Contudo, isso não é dito claramente.
5.2.3.2.
Resenha-crítica nº 2: Caderno 2 de 31/10/2010
Paris celebra os 50 anos do irrequieto Basquiat86 Pintor americano levou para galerias e museus a violenta expressão das ruas Andrei Netto Em O Nascimento da Tragédia, Friedrich Nietzsche estuda a dialética causada pelo aparecimento do deus Dionísio, que se opõe ao deus Apolo provocando a "erupção do caos" na beleza. Essa dicotomia é evocada por filósofos e críticos sempre que a arte vive um momento de ruptura, no qual obras "profanas" quebram a sacralidade da beleza artística (3). Essa metáfora ajuda a entender por que é crucial a obra do pintor americano Jean-Michel Basquiat, exposta no Museu de Arte Moderna de Paris (1). A mostra celebra os 50 anos do nascimento do pintor, mas não apenas isso: ela é um retrato do movimento cíclico de alternância entre a sacralidade e a heresia na arte ao apresentar um "grafiteiro" nova-iorquino como um "mito" (2). É justamente essa dualidade que resume a mostra: como Basquiat deixou as ruas e para brilhar nas grandes galerias de arte e museus nova-iorquinos em apenas 10 anos - ou como a arte profana se torna, com o passar do tempo, sagrada. Basquiat é um perfeito exemplo para entender esse processo. Filho de uma mãe portoriquenha e um pai haitiano, nascido em 1960 no Brooklyn, em Nova York, o jovem pertencia à classe média dos Estados Unidos, mas flertava com a marginalidade social e artística. Basquiat frequentava museus e desfrutou de boas escolas na infância, mas decidiu abandoná-las quando optou por explorar os bairros da zona sul de Manhattan, 85
MACHADO, Irene. Gêneros discursivos. IN: BRAIT, Beth. (Org.). Bakhtin, conceitos-chave. São Paulo, 4ª edição, Editora Contexto, 2008. 86 ANDREI NETTO. Paris celebra os 50 anos do irrequieto Basquiat. O Estado de S. Paulo. 31/outubro/2010. Caderno 2.
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fazer deles seu hábitat natural e de seus muros o meio de expressão de seu grafite, que continha sua visão de mundo. Esse personagem alternativo e underground, no entanto, seria logo "descoberto" pelo mercado artístico da Nova York do fim dos anos 70. Cortejado pelo mainstream da arte americana, Basquiat levou sua pintura, suas raízes afro e seus temas urbanos, como o desejo insaciável de liberdade, às galerias de arte descoladas de Manhattan e, finalmente, do mundo (4). Aberta há 15 dias, a mostra foi organizada por Dieter Burchhart e por Marie-Sophie Carron de la Carrière. Seu objetivo é fazer uma retrospectiva ampla, reunindo em um só espaço mais de cem obras, ou cerca de 10% de toda a produção do artista. "Jean-Michel Basquiat era radical em sua arte e em sua vida", explica Burchhart. "Como James Dean, Jimi Hendrix, Janis Joplin, ícone de Woodstock, a vida de Basquiat é marcada por sua morte prematura e sua arte singular, que também se torna um mito” (5). Em 12 salas, o visitante descobre suas heresias artísticas iniciais, em 1978, quando ainda assinava seus grafites como Samo (Same Old Shit), até a produção conjunta com Andy Warhol e sua morte precoce por overdose de heroína, em agosto de 1988. Entre um e outro acontecimento, mergulha-se em sua genialidade, talvez o fator que explique a transição do artista profano rumo ao sagrado. Estão lá telas como Untitled (Skull), Untitled (Fallen Angel) e La Hara, produções do período em que esteve ligado à Annina Nosei Gallery, entre 1981 e 1983. Também constam da mostra Jawbone of an Ass (1982), Low Pressure Zone (1982) a desconcertante série de retratos de boxeadores como Sugar Ray Robinson e Cassius Clay (1982) e a sequência Kings, Heros and the Street (1982) (6), que exemplificam as técnicas particulares, a riqueza das cores, a força e a violência das imagens, a anarquia e a revolta de um vagabundo mitológico que valorizava suas intuições e seus instintos de base.
A resenha assinada por Andrei Netto87 a propósito da exposição comemorativa dos 50 anos de nascimento de Basquiat é exemplar. Não falta nada: há opinião (1, 2), há ampliação de sentidos (3), há contextualização (4), há informação objetivas sobre o evento (5), há descrição (6). O texto prima pela clareza. Não há expressões rebuscadas nem erudição desnecessária. No entanto, chama atenção o fato de a resenha-crítica de Andrei Netto publicada no Caderno 2 ter como objeto uma exposição localizada em Paris. Na verdade, o evento mereceu a capa e mais uma página inteira do caderno, com fotografias diagramadas em 6 colunas – o que denota a relevância que o editor quis dar à matéria. Obviamente que a comemoração dos 50 anos de Basquiat com uma mostra completa como bem descreve Andrei Netto, merece ser reportado nos cadernos culturais de qualquer jornal de qualidade. Deve, inclusive, merecer destaque, como o fez o Caderno 2. Contudo, 87
Andrei de Moraes Netto possui graduação em Comunicação Social Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1999) e mestrado em Comunicação Social pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (2003). Atualmente é jornalista em licença não-remunerada do Zero Hora Editora Jornalística S A. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Jornalismo Especializado (Comunitário, Rural, Empresarial, Científico), atuando principalmente nos seguintes temas: morin, e./ maffesoli, m./sociologia/ comunicação/i, sociologia/comunicação/cibercultura/lévy, p., lévy, p./ sociologia/ comunicação/ cibercultura, saúde pública/ direitos humanos/ hiv/ sistema pris e pedagogia/sociologia/assistência social/ menores d. Disponível em http://lattes.cnpq.br/0423513397152438. Consulta em 31/07/2011.
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contrastando com o destaque dado à exposição parisiense, o silêncio quanto à produção artística e aos eventos locais encerra eloquentes significados. Reza a boa prática das redações que proximidade, juntamente com atualidade, veracidade, oportunidade, relevância, impacto, interesse humano, curiosidade, entre outros, são atributos desejáveis nos conteúdos jornalísticos. (Estes atributos são tradicionalmente listados nas definições de notícia, o que não exclui a necessidade de serem considerados em qualquer produção jornalística). Em miúdos, proximidade corresponde à publicação de conteúdos cujo enfoque seja acontecimentos a distância razoável do público leitor e potencialmente capazes, portanto, de impactá-los. Obviamente, a abrangência de determinado evento decorre diretamente de sua magnitude: quanto mais elevada, maior raio de impacto alcança. A exposição localizada no Museu de Arte Moderna de Paris tem magnitude suficiente para merecer publicação no Caderno 2. Contudo, por que o caderno privilegiou de tal forma a exposição europeia em 31/10/2010 e ignorou completamente eventos e artistas locais? Não compete a esta pesquisa questionar as razões ou motivações editoriais, mas tão-somente o efeito discursivo resultante destas escolhas. Nesta perspectiva, vale a pena evocar mais uma vez a linguista ORLANDI (2007:9), que alerta reiteradamente: “... não há neutralidade nem mesmo no uso mais aparentemente cotidiano dos signos. A entrada no simbólico é irremediável e permanente: estamos comprometidos com os sentidos e o político. Não temos como não interpretar”. A mesma professora (Idem, 2007:30) afirma que “as margens do dizer, do texto, também fazem parte dele”, referindo-se às ausências observadas nos textos, aos silêncios, ao que poderia ter sido dito, mas não o foi. O silêncio do Caderno 2 de 31/10/2010 sobre as artes locais é tão eloquente quanto o destaque dado à exposição parisiense. A motivação para o silêncio, bem como seu efeito potencial, conduz a reflexão para o âmbito da produção midiática da notícia, à luz das teorias de noticiabilidade e de agendamento. Definidor do que será ou não publicado, o conceito de noticiabilidade é aplicado aos eventos com potencialidade de notícia que povoam as redações. Alguns serão aproveitados e transformados em conteúdos distribuídos pelas mídias, enquanto outros serão ignorados ou descartados. Citado por WOLF88 (2010:195-195), TUCHMAN 88
WOLF, Mauro. Teorias da comunicação de massa. São Paulo, 4ª edição, Editora WMF Martins Fontes, 2010
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revela que a dinâmica operacional, importante crivo neste processo, obedece aos seguintes trâmites na manipulação da “superabundância” de eventos: a) Tornar
possível
o
reconhecimento
de
determinado
evento
como
acontecimento noticiável; b) Elaborar modos de relatar os eventos, que não leve em conta a pretensão de cada um de ser peculiar e idiossincrásico; c) Organizar o processo produtivo da notícia temporal e especialmente, de modo que os eventos noticiáveis possam ser trabalhados de modo planificado. Nitidamente as respostas a estas exigências são determinadas pela visão de mundo e pelas convicções ideológicas dos profissionais ligados à produção da notícia e da empresa na qual atuam, associadas às limitações impostas pelo processo produtivo. Resulta, portanto, da combinação entre escolhas subjetivas (nas quais prevalecem as preferenciais individuais e organizacionais) e condições de produção. WOLF (2010:196) resume a questão em uma frase (lapidar): “As notícias são o que os jornalistas definem como tais”. PENA (2008:73) detalha o conceito nos seguintes termos: É importante ressaltar que a noticiabilidade é negociada ... O repórter negocia com o editor, que negocia com o diretor de redação, e assim por diante. E os próprios critérios estão inseridos na rotina jornalística, ou melhor, tornam possível essa rotina, pois são contextualizados no processo produtivo, em que adquirem significado, desempenham função e tornam-se elementos dados como certos, o conhecido senso comum da redação.
Partindo desta breve abordagem sobre noticiabilidade, é forçoso refletir sobre os efeitos destas escolhas editoriais (mediação: o que publicar, o que ignorar) sobre a realidade oferecida aos leitores. Esta perspectiva conduz a análise para o campo do agendamento, também chamado hipótese da agenda-setting, descrito em WOLF (2010:143) nos seguintes termos: em consequência da ação dos jornais, da televisão e dos outros meios de informação, o público é ciente ou ignora, dá atenção ou descuida, enfatiza ou negligencia elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas tendem a incluir ou excluir dos próprios conhecimentos o que a mídia inclui ou exclui do próprio conteúdo. Além disso, o público tende a conferir ao que ele inclui uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos meios de comunicação de massa aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas. (SHAW, 1979, p. 96)
WOLF (Idem) sustenta que não se trata de compreender a mídia como um sistema que procura convencer o público para suas próprias convicções e/ou 126
preferências, mas que o recorte da realidade por ela realizado representa para as pessoas um menu de fatos e ideias sobre os quais se pode dialogar e formar opinião. Em longo prazo, com a reiteração do processo, ocorrem distorções na representação da realidade social que se manifestam pela adoção de estereótipos como legítimos representantes da realidade, distorções como revelação do real, parcialidade como se fosse totalidade. Especialmente na contemporaneidade, quando as mediações substituem uma parcela significativa das chamadas “experiências de primeira mão”, as distorções tendem a ser potencializadas. Nas sociedades industriais do capitalismo maduro, seja por causa da diferenciação e da globalização social, seja também devido à função dos meios de comunicação de massa, tem ocorrido um aumento da presença de fatias e “pacotes” de realidade que os indivíduos não provam diretamente nem definem interativamente na vida cotidiana, mas que “vivem” exclusivamente em função ou por meio da mediação simbólica dos meios de comunicação de massa. (Grossi, 1983, p. 225 IN: WOLF, 2010:145)
O que se defende com estas digressões é que a publicação da resenha crítica sobre a mostra parisiense, combinada à ausência absoluta de conteúdos sobre as artes locais, constitui-se num discurso que privilegia a produção externa em detrimento da produção local, como se esta sequer existisse. Se por um lado a escolha da exposição de Basquiat oferece aos leitores um louvável olhar sobre o cenário internacional, por outro, promove um ocultamento da produção interna. O discurso resultante de tratamento tão assimétrico sugere que a produção e os eventos artísticos locais não merecem a atenção do jornal – por extensão, do leitor. Considerada isoladamente, a resenha de Andrei Netto cumpre a contento a finalidade de mediação entre as artes visuais e o público leitor. Entretanto, considerada no contexto mais amplo da edição do Caderno 2 de 31/10/2010, promove o ocultamento da produção local como se esta fosse de pouca importância ou inexistente. 5.2.3.3.
Resenhas-críticas nº 3 e 4: Caderno 2 de 14/11/2010
O que se passa na cabeça de Moebius89 Mostra multimídia em cartaz na Fundação Cartier traz não apenas a obra, mas a mente brilhante de Jean Giraud, a quem cabe o clichê de “Picasso da 9ª arte”(4) Andrei Netto Há um ponto em comum entre o mais realista e fidedigno retrato de Mike Steve Donovan, o tenente Blueberry, e o mais híbrido e fantástico dos personagens de Garagem Hermética, um dos mundos criados pelo major Grubert: a metamorfose (5). 89
ANDREI NETTO. O que se passa na cabeça de Moebius. O Estado de S. Paulo. 14/novembro/2010. Caderno 2.
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Esse tema, que domina os universos criados por Jean Giraud ao longo de 50 anos de carreira, é o grande leitmotiv (6) da exposição multimídia Moebius - Transe-Forme, que seguirá em cartaz até março de 2011 na Fondation Cartier, em Paris. A mostra é um painel amplo da obra de um desenhista de exceção - a quem alguns chamam de "Picasso da 9.ª arte", em uma dupla alusão ao mestre da pintura e às histórias em quadrinhos. A exposição faz jus a Moebius e traz cerca de 400 trabalhos, entre desenhos, rascunhos, cadernos, pinturas e painéis de HQ, mas vai além, oferecendo ao público dois filmes inéditos, um documentário sobre a vida do autor e a primeira animação em 3D realizada pelo desenhista. Dividida em duas etapas, a exposição também evoca duas sensações distintas. No primeiro andar, exemplares de desenhos de Jean Giraud são apresentados em sequência, em balcões envidraçados, como se estivessem em uma joalheria. Estão exemplares de Blueberry, de Arzach, de Garagem Hermética, mas também caricaturas e autorretratos do desenhista. Apesar da riqueza das obras, a forma de apresentação não é uma opção feliz, porque o fluxo de público excepcional e as longas filas que se formam atrás de cada espectador não deixam tempo hábil para a apreciação dos trabalhos. O resultado é frustrante e não condizente com o dinamismo e a atmosfera de sonho e de surrealidade do trabalho de Moebius/Gir (1). A primeira parte é salva pelos adesivos gigantes e translúcidos de obras do desenhista, como Amazing Muse, Inside Moebius (2007-2010), colados às paredes de vidro da fundação. Com a luz do sol, os desenhos se projetam sobre o solo, ganham cores e movimentos próprios e formas variadas, além de dialogar com os demais trabalhos expostos. As falhas da primeira parte não se repetem na sequência (2). Dedicada à reflexão sobre o mundo que nos envolve, ao homem e a sua capacidade de criação, essa segunda etapa da exposição se torna mais filosófica, e gira em torno de uma questão: o universo teria um "grande arquiteto" ou, ao contrário, seria orientado por uma inteligência própria? (3) George Lucas. Ali estão exibidas todas as formas metafóricas criadas por Jean Giraud, das abstratas às híbridas, das paisagens desérticas inspiradas no interior dos Estados Unidos às manifestações oníricas (7) - como Le Chasseur Déprime (2008) -, passando pelos destroyers intergalácticos, que parecem estar na origem das maquetes de George Lucas em Guerra nas Estrelas. Reconhecer em Giraud influências em outras artes, como o cinema, é aliás um dos pontos altos da mostra. São descendentes diretos ou indiretos dos desenhos de Moebius as criaturas de James Cameron em O Segredo do Abismo e Avatar, o extraterrestre de Ridley Scott em Alien, a interação entre o real e o virtual de Steve Lisberger em Tron. Não bastasse a influência, o desenhista mergulha no cinema por meio do filme La Planète Encore, animação inédita em 3D dirigida por Moebius e Geoffrey Niquet. Também seduz o conflito entre egos artísticos de Giraud, Moebius e Gir, um fantástico, outro realista, ambos virtuoses (8). A dualidade é explicada pelo próprio criador em um documentário, Meatmoebius, Giraud-Moebius Metamorphoses (2010), escrito e dirigido por Damian Pettigrew e coescrito pelo próprio biografado. Nesse filme, que mistura making of à narrativa, Giraud fala de si próprio e de suas preocupações, como a própria metamorfose. "Nós nos metamorfoseamos constantemente e isso acontece geralmente em resposta a estímulos variados, visíveis ou invisíveis, internos ou externos, mas que nos conduzem em direção a um movimento de vida, uma mudança física e psíquica", filosofa. "Para mim, a metamorfose plástica que percorre meus desenhos não é um fetiche ou uma achado gráfico; é a metáfora do que se produz no nosso interior em permanência." Influência vai da música ao cinema90 Jotabê Medeiros É possível encontrar ecos do seu design e suas fantasias metafísicas nas naves dos filmes de ficção dos últimos 30 anos, nas roupas do Cirque du Soleil ou nos costumes do grupo dance Black Eyed Peas. 90
MEDEIROS, Jotabê. Influência vai da música ao cinema. O Estado de S. Paulo. 14/novembro/2010. Caderno 2.
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Assim como 2001 - Uma Odisseia no Espaço, de Kubrick, e Alien, o 8.º Passageiro (Moebius era o diretor de arte) criaram um imaginário de ficção científica que persiste, as visões do cartunista francês Jean Giraud, o Moebius, materializaram universos que se tornaram palpáveis, pedras fundamentais da arte sequencial. É como se ele fosse o equivalente, para os franceses, ao que os autores do realismo fantástico latinoamericano representaram para nós aqui. Moebius foi responsável pelos storyboards de dois clássicos do cinema: O Caçador de Androides, de Ridley Scott, e Duna, de David Lynch. Tem diversas responsabilidades espalhadas, como no blockbuster O Quinto Elemento, de Luc Besson. Também colaborou com Stan Lee numa história do Surfista Prateado, um dos personagens mais cults das HQs. No Brasil, há muitos artistas influenciados por Moebius, como Watson Portela. Angoulême, maior feira de quadrinhos da França, organizou uma homenagem gigantesca a Moebius em janeiro de 2000. Chamava-se Trait de Génie, e mostrava os dois lados do desenhista francês: o de autor convencional, ligado a um mundo realista (o que ocorria quando ele criou o Tenente Blueberry, um western à moda antiga) e o criador de universos excêntricos, como os do Incal e da Garagem Hermética. O Tenente Blueberry, no início, tinha o mesmo rosto de Jean-Paul Belmondo. Eis como Moebius explicou o fato: "Belmondo encarna qualquer coisa na qual eu queira me reconhecer: uma agilidade felina, descontraída, americana, um charme sinuoso a serviço de filmes de vanguarda. A antítese de Alain Delon. É por isso que ele é meu avatar." Na 31.ª Mostra de Cinema de São Paulo foi exibido o filme Moebius Redux - A Life in Pictures (2007), de Hasko Baumann, que trazia música de Karl Bartos, do Kraftwerk nada mais oportuno que um dos inventores da música eletrônica lado a lado com o inventor das viagens espaciais. Moebius aproxima os quadrinhos das artes plásticas, mas não está nem em um nem em outro mundo. Sua cenografia, extremamente bem concebida, se vale de um traço básico que lembra às vezes a arquitetura de Niemeyer: ovos gigantes semirrachados, criaturas de conformação arredondada, um certo ideário new age em luzes e céus. O efeito é lírico, ao mesmo tempo que prenhe de estranheza (9). "A arte deve ser paranoica", disse o criador de 72 anos, nascido em Nogent-sur-Marne. Sua emergência, explicou, coincide com um momento histórico em que a própria sociedade francesa estava em feérica transformação, com expansão de universidades e vivendo uma euforia plástica trazida pela Nouvelle Vague. Ele achou seu caminho nesse cenário.
Diagramados na mesma página do Caderno 2 de 14 de novembro de 2010, os textos de Andrei Netto e Jotabê Medeiros se complementam, razão pela qual são aqui analisados em conjunto. Netto produziu uma resenha-crítica. Entretanto, o discurso gráfico da página, estruturado pela organização espacial dos conteúdos, entre outros recursos, sugere tratar-se de outro formato textual do jornal impresso: reportagem. Ora, sabe-se que a diagramação não deve ser realizada tendo como meta tão-somente o resultado estético, mas acima de tudo as possibilidades comunicacionais. COLLARO91 (1987:15) adverte que “Desenhar uma página significa muito mais que apenas dispor textos e fotos no papel, significa construir, estruturar os elementos que irão compor uma mensagem que deve ser trabalhada conscientemente”. No livro “Diagramação: o planejamento visual-
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COLLARO, Antônio Celso. Projeto gráfico: teoria e técnica da diagramação. São Paulo, 2ª edição, Editora Summus, 1987.
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gráfico na comunicação impressa”, o professor Rafael Souza Silva92 cita o escritor croata Luka Brajnovic, que construiu destacada carreira na Espanha como jornalista e professor universitário, que defendia: “É preciso respeitar o hábito visual do leitor, acostumado a encontrar sempre na mesma página e no mesmo lugar, o mesmo assunto ou tipo de informação. Assim, manter essa tradição e orientação, deve ser uma das obrigações fundamentais do diagramador”. (SILVA, 1985:67) Longe de transformar as páginas dos jornais (e outras publicações impressas) em cópias fieis umas das outras, a recomendação de Brajnovic pela padronização (“tradição e orientação”, nas palavras dele) visa facilitar a identificação dos conteúdos pelos leitores, de forma que a linguagem visual seja adotada como auxiliar da linguagem verbal na transmissão dos conteúdos. Ora, a “tradição e orientação” adotadas no planejamento gráfico da página remetem à reportagem. Formato nobre do jornalismo impresso, a finalidade da reportagem difere em muito daquela associada à resenha e à crítica – daí a importância da distinção visual estes formatos. A confusão para o leitor torna-se ainda maior pela ausência de marcadores visuais e/ou verbais – chapéu, qualificação do autor, atribuição de nota – que identifiquem claramente o tipo de texto oferecido. As marcas estão presentes, mas implicitamente. Aparecem na forma de avaliação do autor sobre a mostra (1, 2) na parte mediana do texto. Aliás, limita-se a estas duas ocorrências. Outras manifestações de opinião têm caráter mais interpretativo, como bem ilustra o trecho (3). O texto de Andrei Netto apresenta dificuldades interpretativas por abordar um assunto pouco difundido como se fosse de conhecimento corrente. Na linha-fina da matéria (4), o jornalista se refere ao HQ como “9ª Arte” como se a designação fosse familiar à média dos leitores, o que efetivamente não ocorre. Diferentemente da identificação do cinema como 7ª Arte, designação popularizada em premiações de filme (como norteamericano “Oscar”, ou a “Palma de Ouro” oferecida no Festival de Cinema de Cannes) muito populares, não se encontra frequentemente a identificação do HQ como 9ª Arte – condição que recomenda mais empenho do jornalista para ser compreendido pelo maior número possível de leitores. O “Manual de Redação e
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SILVA, Rafael Souza. Diagramação: o planejamento visual-gráfico na comunicação impressa. São Paulo, Editora Summus, 1985.
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Estilo”93 d’O Estado de S. Paulo, adotado como obra de referência para os jornalistas da empresa, recomenda: “Tenha sempre presente ... que você não escreve para um público específico, mas para leitores tão diversificados como uma dona de casa e um empresário, por exemplo”. (MARTINS FILHO, 1990:64) A clareza deve ser um atributo da mensagem jornalística independentemente do formato em que se apresenta. A falta de clareza, que promove desinformação, se acentua na abertura do primeiro parágrafo (5). Netto inicia a frase propondo uma relação entre personagens criados pelo artista Jean Giraud, cujo trabalho é tema da mostra resenhada. Entretanto, só pode ser acompanhado na relação por aficionados dos antigos westerns em quadrinhos, conhecedores dos personagens e das características de cada um. A dificuldade interpretativa torna-se ainda maior pelo uso do substantivo leitmotiv para definir a importância do tema da exposição (6) e de expressões como manifestações oníricas (7) e virtuose (8), expressões pouco conhecidas pelo leitor mediano. Evidentemente o crítico de arte deve se expressar segundo a norma culta da língua, mas também evidentemente não pode desconsiderar o fato de que a escolha do vocabulário tanto pode favorecer como pode dificultar/comprometer a interpretação da mensagem pelo público. Na segunda hipótese, o próprio ato crítico fica invalidado por não alcançar seus objetivos. Para a Análise Crítica do Discurso (ACD), a coerência é um atributo discursivo que deve ir além da organização interna do texto. Diz respeito, também, às possibilidades interpretativas do discurso em face do público ao qual se destina e aos meios de distribuição. FAIRCLOUGH (2008:113) alerta para o fato de que “os textos estabelecem posições para os sujeitos intérpretes que são ‘capazes’ de compreendê-los e ‘capazes’ de fazer as conexões e as inferências, de acordo com princípios interpretativos94 relevantes, necessários para gerar leituras coerentes”. No caso da crítica publicada em jornais, prevalece como princípio interpretativo a identidade social do crítico como indivíduo de alta qualificação intelectual e, portanto, autorizado a julgar obras de arte. Aprofundando esta linha de análise, percebe-se no texto de Andrei Netto a busca pela coerência entre o discurso e a identidade social do crítico. Entretanto, se por um lado o autor tenta se aproximar do estereótipo do intelectual, por outro assume o risco de afastar-se do público. FAIRCLOUGH (2008:114) afirma que os discursos tanto podem “assujeitar” os intérpretes, na medida 93
MARTINS FILHO, Eduardo Lopes. Manual de redação e estilo. São Paulo, O Estado de S. Paulo, 1990. 94 Destaque acrescentado.
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em que assumem os pressupostos ideológicos nele contidos – no caso específico, de um lado o crítico de arte intelectual e autoritário, e de outro os leitores/intérpretes leigos e submetidos à opinião daquele –, como podem dar origem a diferentes leituras ou a resistências ao texto, que no caso do discurso jornalístico mormente se manifesta como perda de interesse pelo texto. Esta possibilidade é reforçada pela forma fragmentária como normalmente ocorre a leitura dos jornais, em que a atenção do leitor é constantemente exigida por outros estímulos, o que eleva a exigência de que os textos sejam construídos de forma que possam ser lidos/interpretados facilmente. Grosso modo a resenha de Andrei Netto carece de clareza, o que compromete sua interpretação por leitores não especializados. Já o texto de Jotabê Medeiros, praticamente continuação do anterior, traça relações entre a obra de Jean Giraud e produções cinematográficas e musicais de épocas diversas com a clareza que se espera de quem escreve para público heterogêneo. Medeiros emite opinião de forma econômica. Permite-se apenas afirmar que Moebius não se prende aos paradigmas nem da arte em quadrinhos, nem das artes visuais (9), embora promova a aproximação entre as duas formas artísticas. “O efeito é lírico, ao mesmo tempo que prenhe de estranheza” (9) – é o máximo de avaliação crítica que registra. Preocupa-se mais em contextualizar a obra de Giraud que analisá-la criticamente. Cobra atenção nos dois textos relacionados à exposição sobre Jean Giraud, como de resto em boa parte das resenhas publicadas no Caderno 2, a ausência de avaliação crítica das obras. A própria opção pelo formato de resenha, ao invés de crítica, pode ser revelador quanto à postura adotada pela publicação em relação à produção artística de descrever e contextualizar, e só raramente opinar criticamente. Abre mão, desta forma, daquilo que é intrínseco à crítica, reflexão e questionamento, substituídos por descrição e vinculação da obra a determinados contextos. A professora Lisbeth Rebollo GONÇALVES95 (2008:46) lembra o papel fundamental desempenhado pela crítica periodística na “destituição do sistema representativo da arte clássica” e na legitimação da arte moderna. Embora este seja justamente o papel que se espera da crítica periodística, a professora observa que contemporaneamente, quando ocorrem “rupturas
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GONÇALVES, Lisbeth Rebollo. Exposição e crítica – um enfoque em duas direções. IN: BERTOLI, Mariza; STIGGER, Verônica. Arte, crítica e mundialização. São Paulo, ABCA e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008.
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extremas na linguagem da arte” e a necessidade da crítica se torna ainda maior, esta torna-se cada vez mais rara e menos expressiva. ... nos periódicos, o espaço para o discurso crítico é reduzido e se faz circular a informação sobre arte no formato de um sucinto comentário a propósito dos acontecimentos do cenário artístico. Nesse momento, o papel da comunicação sobre arte assume uma qualidade promocional – a informação volta-se para o fato artístico e o considera como acontecimento social no campo da cultura. Ocorre uma situação paradoxal: a crítica desaparece do horizonte da grande imprensa justamente no momento no qual mais se afirmam e se agilizam as mudanças no rumo da arte. (...) Isto é, num momento no qual seria fundamental a prática da crítica nos jornais e outros espaços midiáticos, para nortear o público. (GONÇALVES, 2008:46-47)
5.2.3.4.
Resenha-crítica nº 5: Caderno 2 de 20/11/2010
A gênese expressionista de Lasar Segall96 Mostra reúne obras do artista e de seus companheiros de arte produzidas na juventude, nos anos 20, na Alemanha Maria Hirszman Muito se fala sobre as origens expressionistas de Lasar Segall, mas raras são as oportunidades de ver sua produção de juventude, ainda na Alemanha, inserida em seu contexto de produção, lado a lado com as obras de companheiros que, como ele, aliavam experimentação plástica ao desejo de transformação radical nas primeiras décadas dos anos 20 (5). A exposição Verdade, Fraternidade, Arte, organizada pelo museu paulistano que leva seu nome, supre essa lacuna e traz, hoje para convidados e a partir de amanhã para o público, um seleto conjunto de trabalhos realizados pelos artistas que, em 1919, criaram a Secessão de Dresden, seus interlocutores e influências mais marcantes (6). A mostra tem ainda o mérito de reunir num mesmo espaço obras de diferentes coleções brasileiras, públicas e privadas, dando-lhes uma possibilidade de leitura diferenciada e muitas vezes um destaque que não possuem de forma isolada em seus acervos de origem. Dentre os 19 nomes contemplados pela exposição estão, além do próprio Segall, figuras como Otto Dix, George Grosz, Käthe Kollvitz, Marc Chagall, Paul Klee e Egon Schiele. É do pintor austríaco, que muito influenciou os jovens da Secessão de Dresden - como mostra um desenho de Segall realizado anos depois -, um dos grandes destaques da exposição. Trata-se de um surpreendente e perturbador autorretrato nu, feito sobre papel de embrulho em aquarela e carvão, que pertence a uma coleção particular de São Paulo e foi cedida em comodato à Associação dos Amigos do Museu Lasar Segall. Com cerca de 50 obras e diversos documentos históricos, como catálogos e correspondências, a mostra tem como eixo central um álbum de gravuras que reúne trabalhos de seis membros do grupo de 1919 e que tinha por objetivo - como era usual no período - divulgar o seu trabalho e viabilizar a exibição e circulação da arte fora dos circuitos tradicionais (7). "Eles viviam em busca de renovação", explica a curadora Vera d"Horta (1), acrescentando que a gravura (e sobretudo a xilogravura) teve grande importância nesse projeto de reposição de ideais que motivava os jovens de Dresden, estimulados pelo exemplo da primeira geração de expressionistas. "A xilo é barata, portátil e de fácil circulação", sintetiza (2). A mostra coloca lado a lado gravuras, aquarelas e pinturas, como uma forma de reiterar esse caráter multifacetário, experimental e engajado, do período. Convivem, por exemplo, no mesmo espaço a célebre tela Eternos Caminhantes, de Segall (que 96
HIRSZMAN, Maria. A gênese expressionista de Lasar Segall. O Estado de S. Paulo. 20/novembro/2010. Caderno 2.
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participou da mostra da Arte Degenerada organizada em 1937 por Hitler em [sic] e retornou ao Brasil apenas após a morte do artista); uma delicada paisagem de Soutine e a terrível aquarela de Grosz, prenúncio do terror nazista, intitulada A Bestialidade Avança (8). É possível, portanto, encontrar nas obras da exposição as mais diferentes vertentes associadas ao expressionismo, como a expressão distorcida e sintética do corpo humano, a denúncia das mazelas sociais numa Alemanha que vinha do desastre da 1.ª Guerra e uma busca pelo natural, pelas culturas não contaminadas pela decadência burguesa do velho mundo (9). Como diz Vera d"Horta, relembrando o filósofo Ernst Bloch, "o expressionismo não é um movimento, é uma explosão do eu", da subjetividade e do desejo de mudança. VERDADE, FRATERNIDADE, ARTE (3) Museu Lasar Segall. R. Berta, 111, 5574-7322. 14h/ 19h (dom. 14h/ 18h; fecha 2ª). Até 20/2 (4)
Em mais um texto, desta vez assinado pela jornalista e crítica de arte Maria Hirszman97, o Caderno 2 mantém a opção pela resenha em detrimento da crítica. O texto de 20 de novembro de 2011 não pode ser confundido com reportagem, embora a diagramação em destaque na página e a citação de fontes (1, 2) sugiram o formato reportagem. As indicações em destaque do nome da exposição (3), local e horário (4), revelam o objetivo da publicação de apresentar a exposição como dica cultural, o que reforça a identificação do texto como resenha. O aspecto descritivo do texto aponta na mesma direção. Em trecho algum do texto Hirszman demonstra intenção de reflexão sobre a mostra ou sobre algumas das obras. Limita-se a descrever a exposição e agregar informações que permitem perceber melhor o contexto das obras, como bem ilustram os trechos destacados (5, 6, 7, 8, 9). Seriam estas descrições suficientes como mediação? Definitivamente não, pois, como define GONÇALVES (2005:46), “A tarefa do crítico é a de explicar os significados, os valores da arte produzida na sua atualidade98, seus paradigmas, pondo-os ao alcance do público, abrindo uma compreensão em múltiplas direções”.
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Possui graduação pela Fundação Getulio Vargas - SP (1990). É repórter e crítica de artes plásticas, colaborando desde 1998 no jornal Estado de São Paulo. Desenvolve atualmente pesquisa de mestrado sobre a representação da escravidão na fotografia oitocentista brasileira, mais especificamente sobre a obra de Christiano Jr. Disponível em http://lattes.cnpq.br/2898371163662598. Consulta realizada em 9/08/2011. 98 Embora as obras expostas não tenham sido produzidas na atualidade, a exposição constitui-se num espaço de expressão artística, de vivência com a arte, “onde se produz, se transmite e se articula uma informação sobre arte, com objetivos determinados que têm sua relação com um determinado momento do saber... A exposição é compreendida como lugar onde se põe a arte para uso social” (GONÇALVES, 2008:47), merecendo, portanto, avaliação crítica.
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5.2.3.5.
Resenha-crítica nº 6: Caderno 2 de 27/11/2010
Tradições abstratas de duas culturas99 Desenhar no Espaço reúne destaques da produção brasileira e venezuelana Maria Hirszman (12) A exposição Desenhar no Espaço, que a Pinacoteca do Estado exibe a partir de hoje, se debruça sobre exemplos preciosos da produção construtiva brasileira e venezuelana (2), com 80 obras pertencentes à Coleção Patrícia Phelps de Cisneros. Além da visibilidade dada a um seleto conjunto de obras da autoria de mestres como Jesús Soto, Gego, Willys de Castro e Helio Oiticica, a mostra procura sublinhar os encontros e desencontros, a base comum e as questões identitárias mais específicas de cada uma dessas produções (3). Trata-se, segundo o curador Ariel Jimenez, de duas tradições abstratas de matriz comum, que têm como motor a necessidade de passar do plano pictórico ao espaço; que possuem referências históricas idênticas - com a presença fundamental de modelos como Mondrian, Malevich e da Bauhaus -; e que compartilham importantes pontos de contato cultural. Mas que assumem ao mesmo tempo características bastante particulares (13) nessa busca de transcendência dos limites da pintura e da escultura (4). É exatamente da iluminação dessas diferentes "personalidades", das coincidências e especificidades entre brasileiros e venezuelanos, que é feita a exposição, organizada em torno de três núcleos centrais (5). A mostra rendeu ainda - como importante ponto de apoio - um alentado catálogo. No primeiro dos blocos expositivos estão reunidos trabalhos dos anos 1950 e início dos 1960 de autoria de Jesús Soto e Lygia Clark (6). Além de marcar as origens desse movimento cada vez mais radical de superação dos marcos tradicionais da arte, esse núcleo intitulado O Corpo da Obra lança as bases da principal tese defendida por Jimenez, de que os neoconcretistas brasileiros passam ao espaço pensando a obra de forma corpórea, na Venezuela esse salto se dá por meio da transparência, daquilo que ele define como "fenômenos luminico-ópticos" (7). A musicalidade, o ritmo, a luminosidade trabalhadas por Soto em seus trabalhos estabelecem um interessante contraponto ao esforço de Lygia de explorar e esfacelar a relação entre a pintura e seu suporte (11). Armadilha de luz. No segundo bloco, que reúne o maior número de artistas e obras da mostra, a questão da cor torna-se o vetor principal (8). Novamente, ela é corpórea, inseparável da matéria, na obra de Helio Oiticica, Willys de Castro e Hercules Barsotti, enquanto se torna uma atmosfera de cor, uma "armadilha de luz" nos projetos de Alejandro Otero e Carlos Cruz-Diez (9). Por fim, a mostra - que já foi vista no Museu Iberê Camargo, em Porto Alegre promove um comovente encontro entre a obra de Gego e Mira Schendel. Coincidentemente, ambas nasceram na Europa, eram judias e chegaram à América Latina fugindo do horror na Europa, "daquele mundo que para nós era legitimante", destaca Jimenez. É curioso destacar que ambas jamais fizeram parte dos movimentos a que hoje são aproximadas (10). "Mira deu uma sensualidade à matéria que a distancia dos concretos paulistas; me parece ter sido a única no Brasil a passar ao espaço pela transparência", explica o curador, destacando, por outro lado, que os desenhos espaciais de Gego tampouco se alinham com o caráter industrial, serial, que tanto interessava aos cinéticos. Pinacoteca. Pça. da Luz, 2, 3324-1000. 10/18h (fecha 2ª). 11h. R$ 6 (sáb., grátis). Até 30/1. (1)
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HIRSZMAN, Maria. Tradições abstradas de duas culturas. O Estado de S. Paulo. 27/novembro/2010. Caderno 2.
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Outro texto assinado pela jornalista e crítica de arte Maria Hirszman, publicado no Caderno 2 de 27 de novembro de 2011, apresenta características de resenha-crítica. A descrição detalhada, concluída com indicação do local da mostra, horário de visitação e preço (1), indicam tratar-se de resenha. Entretanto, não há indicação explícita do tipo de texto. Ao contrário, a diagramação no alto da página, título diagramado em quatro linhas e caixa alta, presença de olho na matéria e ilustração em três colunas são recursos visuais normalmente associados a reportagens, o que pode levar o leitor a conclusão equivocada sobre o tipo de texto que lhe é oferecido. Hirszman preocupa-se inicialmente em explicar a exposição, como se observa no primeiro parágrafo (2, 3, 5), e nos trechos seguintes procura contextualizar a produção exposta na mostra (4, 7). Dedica-se, também, a descrever (6, 8). Apresenta, em alguns trechos (9) e com timidez perceptível, interpretações que não chegam a se constituir numa leitura que desafie o leitor a ir conferir se de fato é como a crítica afirma. Conclui destacando as artistas Gego e Mira Schendel (10), agregando informações que ajudam a mostrar o contexto da exposição. Sob todos estes aspectos, Hirszman realiza uma resenha. Falta, entretanto, opinião explícita sobre a mostra e/ou as obras para orientar o leitor quanto à pertinência das mesmas. Faltam análise e reflexão que ajudem o leitor não-especializado a compreender o valor artístico e cultural dos objetos expostos e que justifiquem a visita ao local da exposição. Lamentavelmente, não é o que se lê. Embora a resenha seja classificada como formato do gênero Opinativo (MELO e ASSIS: 2010, 97), Hirszman omite o quanto possível um parecer objetivo sobre a mostra. Afirma que ela “procura sublinhar os encontros e desencontros, a base comum e as questões identitárias mais específicas de cada uma dessas produções” (3) sem afirmar se o objetivo é efetivamente alcançado. Adota adjetivos neutros, inexpressivos, como no trecho (4) “assumem ao mesmo tempo características bastante particulares nessa busca de transcendência dos limites da pintura e da escultura”, ou ainda em outro (11): “A musicalidade, o ritmo, a luminosidade trabalhadas por Soto em seus trabalhos estabelecem um interessante contraponto ao esforço de Lygia de explorar e esfacelar a relação entre a pintura e seu suporte”. De evasiva em evasiva, Hirszman desperdiça a oportunidade de mobilizar o público não-especializado a visitar a exposição. Entre as várias possibilidades de análise que o texto propicia, a identificação dos participantes da prática discursiva e os ethos constituídos a partir desta prática podem ser reveladores quanto à determinação do discurso adotado pela jornalista. 136
Partindo do conceito de “produtor textual” proposto por FAIRCLOUGH (2008:107), que recomenda a desconstrução deste agente em “posições” sociais diversas, pode-se identificar: a) Produtores principais: O curador Ariel Jimenez e a Pinacoteca do Estado (na qual a exposição está instalada). Contribui para esta interpretação tanto a ausência de questionamentos, como se fosse possível haver coincidência absoluta entre o discurso proposto pelo curador e a leitura feita pelo público – do qual o crítico é um representante socialmente constituído, a quem cabe o papel de “educador e informante, e ainda uma espécie de bússola”, segundo JUSTINO100 (2005:32) deste mesmo público –, sim, tanto a ausência de questionamento quanto a adjetivação discreta típica de quem se refere a si mesmo. b) Autor(a): A própria jornalista e crítica Maria Hirszman, que assina o texto (12). A perspectiva de ter tanto o curador como a instituição como “produtores principais” invalida o caráter crítico do texto, pois é impensável que estes possam criticar-se a si mesmos. Como bem define o crítico Luiz Camillo OSÓRIO (2005:30), “Criticar é abrir-se ao outro e à diferença. Essa abertura nos habilita para o dissenso e para o espaço em comum”. Retomando a perspectiva analítica da prática discursiva, temos como participantes dela tanto os produtores textuais acima identificados, como os interlocutores identificados a seguir, divididos entre leitores especializados e nãoespecializados: a) Curadores, artistas, historiadores da arte, críticos de arte: juntamente com galeristas, marchands e colecionadores, constituem o grupo dos leitores especializados. Têm interesse intelectual na opinião do crítico, mas têm, eles próprios, opinião fundamentada sobre as obras e/ou eventos abordados. b) Galeristas, marchands, colecionadores: Personagens do mercado das artes, têm motivação monetária para compartilhar ou não da opinião do crítico. A avaliação da crítica pode influenciar na cotação de obras e artistas. Constituem-se, também, em interlocutores especializados. 100
JUSTINO, Maria José. Criticar é entrar na crise. IN: GONÇALVES, Lisbeth Rebollo; FABRIS, Annateresa. (Org.) Os lugares da crítica de arte. São Paulo, ABCA e Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2005
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c) Leitores não-especializados: Assinantes do jornal ou leitores avulsos, são o grande público alcançado pela publicação. Trata-se de um grupo extremamente heterogêneo e pouco familiarizado com o cenário das artes visuais. A despeito de os leitores não-especializados serem maioria absoluta entre os interlocutores do discurso crítico101, observa-se que o texto em análise adota como interlocutores prioritários os leitores especializados. A autora afirma sem dizer, adotando construções como “assumem ao mesmo tempo características bastante particulares” (13) sem especificar quais seriam as tais “características particulares” e remetendo os leitores para o subentendido. Ora, o subentendido só se efetiva entre os participantes do diálogo que dominam os códigos linguísticos típicos da área. Para os interlocutores leigos, soam como expressões inconclusas, carentes de significados, difíceis de serem interpretadas. Desta forma, ao invés de atrair os leitores nãoespecializados para o diálogo, a autora os transforma em espectadores passivos (e olvidados) da conversação entre especialistas. Constrói-se (e/ou reitera-se) desta forma o ethos do crítico como dono de determinado saber inacessível para a massa de leitores. Para os leitores não-especializados, resta o ethos de espectadores de um diálogo do qual pouco ou nada entendem. 5.2.3.6.
Resenhas-críticas nº 7 e 8: Caderno 2 de 28/11/2010
Múltiplas lentes102 A festa visual dos livros de fotógrafos brasileiros que chegam às estantes de olho no Natal Simonetta Persichetti103 ESPECIAL PARA O ESTADO 101
Segundo a ANJ (Associação Nacional de Jornais), em 2010 O Estado de S. Paulo, no qual o Caderno 2 é encartado, obteve circulação paga média de 236.369 exemplares diários. Já o Midia Kit do Caderno 2 indica a existência de 439.000 leitores diários. A diferença na métrica pode ser explicada pelo alcance de aproximadamente 2 leitores por exemplar. A estatística da ANJ está disponível em http://www.anj.org.br/a-industria-jornalistica/jornais-no-brasil/maiores-jornais-do-brasil. A do Caderno 2 está publicada em http://www.grupoestado.com.br/midiakit/estadao/index.asp?Fuseaction=Cadernos_Perfil&Id_Cad=18. Ambas as consultas foram realizadas em 11/agosto/2011 102 PERSICHETTI, Simonetta. Múltiplas lentes. O Estado de S. Paulo. 28/novembro/2010. Caderno 2 – Domingo 103 Possui graduação em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero (1979) , mestrado em Comunicação e Artes pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1995) e doutorado em Psicologia (Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2001) . Atualmente é professora convidada da Universidade Estadual de Londrina, professora da Faculdade Cásper Líbero e Membro do corpo editorial da Discursos Fotográficos. Disponível em http://lattes.cnpq.br/3039090794240525. Consulta realizada em 12/08/2011.
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São pelo menos quatro livros de fotógrafos brasileiros que estão previstos para serem lançados neste fim de ano. Publicações que corroboram a ideia de que essa arte tem encontrado cada vez mais espaço em nossas editoras. São autores importantes para que possamos compreender por onde anda nosso olhar e quais preocupações temos na árdua missão de documentar (1). A grande lacuna agora preenchida é, sem dúvida, a obra sobre o fotógrafo de moda e publicidade Miro (2), que há 40 anos está no mercado (leia entrevista nesta edição, por Lilian Pacce). Um dos mais virtuosos de nossos profissionais (3), há tempo merecia essa homenagem, Miro - Artesão da Luz (Luste Editores, 194 págs., R$ 134), compilado e organizado por José Fujocka e Danilo Antunes, foi lançado ontem, no MIS. O que as lentes do paulista Azemiro de Sousa captam são miríades de luz e criatividade (4). Mesmo trabalhando em um mercado bem delimitado, ele sempre impôs sua autoria e registrou o que quis. Como se tudo fosse apenas resultado de um momento mágico, guiado pela intuição. Um artista que busca o autoconhecimento na obra que realiza. Em delicioso texto escrito pelo jornalista e também fotógrafo Pisco Del Gaiso (5), conhecemos um Miro que, por ter sido sempre avesso à badalação, pouco se deixava ver. Como se não quisesse ser protagonista e oferecesse o lugar de honra para as imagens que criava. É um mito que se desfaz no melhor sentido, pois dá origem a alguém preocupado em revelar seu processo criativo e nos fazer entender por que, mesmo em silêncio, se tornou mestre de uma geração. Em um ano de trabalho, Pisco Del Gaiso remexeu e garimpou nos arquivos que preservam quatro décadas de fotografia. Um mergulho no desenvolvimento da moda e da publicidade brasileira a partir dos anos 1970, o olhar de um narrador de um pedaço da história cultural brasileira. Por isso, é oportuno afirmar que as lentes de Miro captam além do universo da moda e publicidade, seu talento nos mostra que ele é muito mais. Antes de tudo ele é fotógrafo (6). Imagens que guardam testemunhos104 Valdir Cruz interpreta a paisagem de Bonito; Luis Humberto revê o fotojornalismo brasileiro e Christian Cravo vai ao Haiti decifrar rituais Simonetta Persichetti ESPECIAL PARA O ESTADO Numa outra vertente e estética, mas nem por isso menos poética, Valdir Cruz, lança livro e abre a exposição Bonito - Confins do Novo Mundo (Editora Capivara, R$ 120). É com técnica precisa que Valdir Cruz constrói suas fotografias realizadas em Mato Grosso do Sul. Necessária para a sofisticação de seu trabalho, ela não cerceia, porém, a elegância do olhar do artista. Embora use sempre câmeras de grande formato e tenha sua estética voltada para a paisagem, consegue se superar e criar desafios, transformando em abstração a imagem que se oferece. Ele não a registra, mas a interpreta (7). O projeto exigiu três anos de viagens ao centro-oeste brasileiro, conhecido por sua beleza e, por isso mesmo, difícil de ser captado sem cair no clichê. A historiadora Lélia Ribeiro, que assina a introdução do livro, lembra que no século 16 a região aparece como "Confins do Brasil" e é por isso mesmo que a própria Lélia insere esse subtítulo ao livro de Valdir - Confins do Novo Mundo, um espaço preservado pelos próprios habitantes e agora também pelas imagens (8). E se toda fotografia é por si só documental, embora nem sempre documento, como ensina o filósofo André Rouille, vai ser em outros dois livros, ambos previstos para serem lançados no dia 7 de dezembro, que poderá ser encontrada a tradição da fotografia documentarista brasileira. De um lado está a obra de Christian Cravo, Nos Jardins do Éden (Throckmorton Fine Art, R$ 80), que será apresentada com a exposição dia 7, no Instituto Tomie Ohtake (9). Um trabalho que retoma ou continua a discussão buscada por Christian com o intuito de relatar as experiências ritualísticas da 104
PERSICHETTI, Simonetta. Imagens que guardam testemunhos. O Estado de S. Paulo. 28/novembro/2010. Caderno 2 – Domingo
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humanidade. Ele tenta entender quem é o ser humano e, nessa busca, passa pelos rituais de passagem. Desta vez, ele está no Haiti, onde acompanha as cerimônias de vodu não com olhar antropológico ou estrangeiro, mas com a ideia de tentar entender o que significam certas solenidades. São imagens feitas antes do terrível terremoto que devastou o país em janeiro deste ano. Lá, realizou um pequeno vídeo de 25 minutos, Testemunhos do Silêncio. Não com um olhar sensacionalista ou espetacular, mas expressando sua enorme vontade de conhecer e entender. Ele sabe que a fotografia é conhecimento e é com ela que busca se expressar (11). De outro lado está o livro do jornalista Luis Humberto: Do Lado de Fora da Minha Janela, do Lado de Dentro da Minha Porta (Editora Tempo d’Imagem, R$ 85), um legado para entender o fotojornalismo brasileiro (10). Ele foi o fotógrafo de uma época na qual o seu trabalho por vezes era o único portador de informações e notícias, quando os censores mais preocupados com o texto se esqueciam da imagem. Herdeiro da tradição de Erich Salomon - o pai do fotojornalismo moderno -, Luis Humberto ensina como fazer jornalismo com a fotografia (12). Mas, assim como escreve no seu livro Fotografia, a Poética do Banal, ele também explica que é no cotidiano, nas registros do dia a dia, que a imagem se constrói e o olho se aprimora: "É como se fosse um livro testamento", brinca ele, por telefone, com o Estado. "Quero deixar como herança o que eu fiz e como fiz." Mas não se pense que ele pendurou as chuteiras. Já tem pronto um novo projeto de inéditos: "Não posso dizer o que é, senão deixa de ser inédito", mas aponta, ou melhor, dá uma pista: "A graça da fotografia é que não precisamos nos fixar numa só ideia." Esses livros mostram que ele tem razão.
Escritas pela jornalista e professora Simonetta Persichetti e publicados no Caderno 2 de domingo, 28 de novembro de 2010, as resenhas 07 e 08 têm como foco a fotografia. A despeito da ausência de qualquer indicação explícita de gênero, em ambas, mas principalmente na primeira, há expressivas marcas textuais que permitem ao leitor perceber a intenção valorativa da autora e a defesa da pertinência das obras no contexto geral da fotografia. Persichetti inicia o primeiro texto apresentando as obras que analisará e defendendo a pertinência das mesmas (1). A jornalista não hesita: opina de forma inequívoca desde o segundo parágrafo (2). Enaltece o artista-fotógrafo (3) e sua arte (4). Exalta as qualidades da obra (5) com franqueza e simplicidade. Não perde tempo, não ocupa espaço e nem chateia o leitor com erudição desnecessária. No segundo texto, Persichetti procura logo no início apresentar uma definição para o trabalho do fotógrafo Valdir Cruz (7). Segue descrevendo o contexto de produção e a relevância do trabalho (8). Passa, em seguida, aos demais trabalhos fotográficos repetindo a estratégia (9, 10). Menos incisiva do que no primeiro texto, ainda assim não deixa de enaltecer os artistas (11, 12). Há que se considerar que as obras em análise, pelo caráter mimético que apresentam, dispensam interpretações mais elaboradas. JUSTINO (2005:16) declara que “Quando a arte é entendida como imitação da Natureza, não há necessidade da crítica, 140
pois não existe nenhuma distância entre aparência e conteúdo”. Ainda assim, contudo, Persichetti empenha a própria credibilidade como fotógrafa e pesquisadora para recomendar os livros e os fotógrafos. Da posição de conhecedora da arte da fotografia assevera aos leitores não-especializados “que as lentes de Miro captam além do universo da moda e publicidade, seu talento nos mostra que ele é muito mais. Antes de tudo ele é fotógrafo” (6). Realiza, desta forma, uma crítica de arte que favorece a aproximação entre o leitor não-especializado e o universo da fotografia.
5.2.3.7.
Resenha-crítica nº 9: Caderno 2 de 6/12/2010
Uma produção que toca nas dores da humanidade105 Francisco Quinteiro Pires106 ESPECIAL PARA O ESTADO A mostra Luc Tuymans recria quatro séries originais do artista influenciado pela técnica da montagem cinematográfica. At Random (1994) explora a capacidade de percepção por meio de traços que desorientam (1). Às vezes, o título das telas ajuda a reconhecer o objeto retratado, como The Doll, The Leg e Self-Portrait. Der Architekt (1998) é série dedicada ao Holocausto. Tuymans se debate com o fato de que certos eventos desafiam a representação. Os quadros monocromáticos falam da obsessão nazista pela pureza racial em contraste com os seus atos depravados (2). Himmler se baseia em retrato de Heinrich Miller, oficial da SS. K.Z. incorpora no título a abreviação para campo de concentração e enquadra apenas a porção do campo que poderia ser mostrada para inspetores estrangeiros. O artista confronta em Mwana Kitoko (2000) o legado brutal da presença belga na República do Congo, colônia entre 1908 e 1960. The Mission faz referência ao local onde Patrice Lumumba foi educado (3). Primeiro-ministro eleito democraticamente após a independência do país africano, Lumumba foi assassinado em 1961. Chalk lembra o relato do policial que arrancou dois dentes do cadáver do líder político. O 11 de Setembro e a presidência de George W. Bush são abordados em Proper (2005). A série revela um país sobressaltado com a tarefa infrutífera de manter a imagem de poder e normalidade. Condoleezza Rice, The Secretary of State é retrato autoexplicativo. O cotidiano vigiado por câmeras de segurança se apresenta em The Parc. Densas nuvens de pó tratam do desabamento das Torres Gêmeas em Demolition e da dificuldade de entender com clareza o significado da tragédia. Como parte da exibição do Museum of Contemporary Art, de Chicago, no início deste mês Tuymans pintou três murais no átrio do 2º andar. As obras se inspiram nas estátuas da Basilica di Santa Croce, em Florença.
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PIRES, Francisco Quinteiro. Uma produção que toca nas dores da humanidade. O Estado de S. Paulo. 6/dezembro/2010. Caderno 2. 106 Francisco Quinteiro Pires é jornalista brasileiro. Vive nos Estados Unidos desde 2010. Trabalhou nas redações da revista CULT, do Jornal Destak e de O Estado de S. Paulo. Atualmente, ele escreve reportagens para Folha de S. Paulo, Valor Econômico, Carta Capital e Cult. Trabalha como repórter cinematográfico para a TV Globo, GloboNews e Multishow. Mantém uma produtora de vídeos e notícias. Informações disponíveis em http://franciscoquinteiropires.com/about/ Consulta em 16/08/2011.
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O texto de Francisco Quinteiro Pires ilustra com exatidão a definição dicionarística para resenha: “descrição feita com detalhes, com pormenores”. Limita-se a isto. Diagramada como complemento à reportagem e entrevista com o artista Tuymans feita por Pires, a resenha é construída como uma sucessão de breves apontamentos sobre o trabalho do artista. Resulta num texto de compreensão difícil justamente pela ausência das obras: como se um guia de exposição tentasse descrever pinturas sem que os visitantes pudessem vê-las. As indicações do contexto histórico ao qual as obras fazem referência (1, 2, 3) seriam úteis se a página apresentasse reproduções das mesmas, considerando que a exposição ocorre no Museu de Arte Contemporânea de Chicago, nos EUA, e a maioria dos leitores do Caderno 2 não terá oportunidade de visitá-la. Não é excessivo lembrar que “a linguagem serve para comunicar e para não comunicar” (ORLANDI, 2007:21), e que o fato do conteúdo ser publicado não significa que esteja disponível para o leitor.
5.2.3.8.
Resenha-crítica nº 10: Caderno 2 de 6/12/2010
Miró faz a síntese de seus mestres107 Suas reinterpretações de obras de holandeses do século 17 estão em NY Tonica Chagas ESPECIAL PARA O ESTADO Na longa tradição de pintores tomarem como fonte obras de artistas que os antecederam, a reinterpretação de Joan Miró (1893-1983) para quadros de mestres holandeses do século 17 é um marco na história da arte (1). E Miró - The Dutch Interiors, exposição dossiê que o Metropolitan Museum exibe em Nova York até 17 de janeiro, é uma oportunidade rara de ver, juntos pela primeira vez, os originais realistas de Hendrick Sorgh (1611-1670) e Jan Steen (1626-1679) e suas "miromorfoses", como o historiador William Rubin chamou as traduções surrealistas que lhes deu o pintor catalão. Mostras pequenas a que os museus têm recorrido com frequência a fim de reduzir gastos, as exposições dossiê partem de uma obra específica para aprofundar a investigação de um momento ou tema na carreira de um artista (2). Produzida pelo Rijksmuseum, de Amsterdã, que a exibiu no primeiro semestre, Miró The Dutch Interiors reúne a série de três pinturas abstratas nas quais, em 1928, Miró transformou O Tocador de Alaúde, que Sorgh pintou em 1661, e Crianças Ensinando um Gato a Dançar, pintado por Steen entre 1660 e 1679, ambas pertencentes ao acervo daquele museu holandês (3). Criada quase três séculos depois das pinturas originais, a série de interiores holandeses de Miró surgiu de um risco intencional do pintor em outras direções, para não se prender ao sucesso da sua terceira individual em Paris, em maio de 1928. Ele aproveitou a viagem a Bruxelas para ver uma exposição do amigo Hans Arp e seguiu até a Holanda, com o objetivo de observar de perto a pintura que o seduzia havia tempos. 107
CHAGAS, Tonica. Miró faz a síntese de seus mestres. O Estado de S. Paulo. 6/dezembro/2011. Caderno 2.
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Postais. Na visita aos museus, comprou vários cartões-postais com reproduções dos quadros mais famosos. Quando voltou daquelas férias, decidiu copiar alguns deles no seu estilo. Em vez de pintar espontaneamente, como fazia até então, Miró preparou uma extensa série de esboços e desenhos que, com os postais, foram doados nos anos 70 para a Fundación Joan Miró, de Barcelona, e ao Museum of Modern Art (MoMA), de Nova York (4). Idade de Ouro. Uma seleção daqueles desenhos preparatórios mostra como ele transcreveu a linguagem representativa dos holandeses para o seu vocabulário. Trabalhos produzidos antes e depois daqueles três quadros demonstram o efeito que a Idade de Ouro da pintura holandesa provocou na obra dele. Em Interior Holandês (I) (5), que é do acervo do MoMA, ele acentuou enfaticamente alguns elementos da composição original (como o alaúde e a cabeça do músico em forma de balão) e deu-lhe um toque erótico. Na fase final, acrescentou-lhe pelo menos 15 detalhes secundários, como um inseto, um morcego, uma maçã e um rastro de pé (8). "O resultado reflete a mistura tragicômica da minha personalidade", concluiu, ao analisar sua interpretação do quadro de Sorgh. No segundo quadro (6), que é da Peggy Guggenheim Collection, de Veneza, os vários motivos vistos nos estudos foram usados sem grandes mudanças na pintura final, que ficou mais perto do ponto de onde Miró partiu (9). Todos os elementos do quadro de Steen são identificáveis mas, apesar de ter acrescido apenas uma aranha, uma minúscula cadeira e dois detalhes referentes à anatomia do cachorro, Miró transformou completamente a cena original. Duas faixas que saem do corpo do cão emolduram as figuras, o gato vira um desenho geométrico e o rosto do menino lembra pinturas e relevos de Arp (10). Para Miró, Interior Holandês (III) (7), que faz parte da coleção do MET, não se relaciona a nenhuma pintura em particular e é uma espécie de síntese dos motivos explorados nos dois primeiros trabalhos da série. Realidade. Além dos três quadros baseados nas obras de Sorgh e Steen, a exposição inclui A Batata, também de 1928 e do acervo do MET, que o próprio Miró considerava como parte da série. Ele explicava que, ao escolher o que sentia ser as características essenciais de cada objeto e distorcê-las, simplificá-las e abstraí-las, ele as libertava "das constrições da realidade". E afirmava: "Cada forma, cada cor nas minhas pinturas é baseada na realidade." Seus interiores holandeses estão aí para provar.
Em ótima e extensa resenha publicada no Caderno 2 de 6 de dezembro de 2010, a jornalista Tonica Chagas descreve para os leitores a exposição de Miró no Metropolitan Museum de Nova York. Inicia destacando a importância do evento: “é um marco na história da arte” (1), afirma. Na sequência, insere a mostra nova iorquina no contexto da tendência de exposições pequenas e com poucas obras (2) em função do contexto econômico mais amplo. Focada no leitor, Chagas explica a mostra (3) e as principais obras. (4) Reproduz imagens de algumas pinturas (5, 6, 7) e acrescenta informações que facilitam a compreensão do trabalho do artista (8, 9, 10).
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5.2.3.9.
Resenhas-críticas nº 11 e 12: Caderno 2 de 7/12/2010
Diário do front por um herói da câmera108 Sai no Brasil registro da 2ª Guerra pelo fotógrafo húngaro Robert Capa Simonetta Persichetti Robert Capa (1913-1954) queria ser escritor e, se tivesse seguido este seu primeiro impulso, provavelmente seria um cronista brilhante. Por acaso, se tornou fotógrafo e inscreveu seu nome na história do fotojornalismo mundial (1). Mas não esqueceu das letras e resolveu escrever um diário de sua passagem pela Segunda Guerra Mundial. O diário se tornou livro: Ligeiramente Fora de Foco, ilustrado com suas imagens feitas durante a Segunda Guerra e publicado pela primeira vez em 1947 e agora no Brasil pela Cosac Naify. Com excelente bom humor (10), a narrativa que vai intermediar revelações de suas bebedeiras, romances (fuga deles), jogos de pôquer, articulações para conseguir se tornar um correspondente de guerra, todo um panorama das décadas 1930-1940 se desenvolve diante de nossos olhos. Como se tomássemos emprestado o seu olhar que, apesar de ter se tornado conhecido pela sua cobertura de guerra - foi sempre um crítico contumaz dela (2). Robert Capa inventou a si mesmo: nascido Endré Erno Friedmann, em 22 de outubro de 1913 em Budapeste é obrigado por seus ideais marxistas a deixar a Hungria. Vai para Berlim, onde estuda ciências sociais e é na Alemanha que inicia, em 1931, sua carreira como fotojornalista na agência Dephot, a mais importante da época (3). A ascensão do nazismo o obriga a deixar Berlim e ir para Paris. É lá, juntamente com a também fotógrafa e sua mulher Gerda Taro, que em 1934 ele cria Robert Capa repórter mítico nascido nos Estados Unidos. Ele se torna seu próprio representante (3). O fotógrafo que ninguém conhecia fica célebre rapidamente e se assume como tal. Em 1936, parte com Gerda para a Espanha para cobrir a Guerra Civil Espanhola. Gerda morre durante a cobertura no ano seguinte (3). Espanha. Ele inicia seu trabalho como fotógrafo de conflitos. É na Espanha que realiza sua talvez mais lembrada e contestada foto, a do miliciano no momento de sua morte. Muitos afirmam que foi forjada. Seu biógrafo Richard Whelan sempre negou. Debates sobre este assunto são sempre acirrados. Nada, por enquanto, foi demonstrado. Mas, sem dúvida, esta é uma das imagens que ajudaram a reforçar a lenda Capa (3). É por intermédio de seus olhos que aprendemos que a guerra nem sempre está na batalha, mas nos olhares das vítimas, daquelas que sofrem as consequências de algo sobre o qual não tiveram nenhuma chance de opinar (11). Ele não gostava da guerra. Isso fica claro em seus escritos. Muitas vezes se nega a fotografar. Respeita momentos, pessoas. Baixa a câmera. Em outros instantes sabe que aquela é a imagem certa e sua divulgação pela mídia (a maior parte de suas imagens da guerra foram publicadas na revista Life) faria a diferença (4). Ligeiramente Fora de Foco é o título que ele tira de uma de suas experiências de quando estava em Argel. Ele foi picado por vários percevejos e como reação ficou com os olhos inchados e sem conseguir abri-los direito diz: "Estava com meus olhos fora de foco." Retoma esse mesmo conceito ao falar de suas inesquecíveis fotos do desembarque da Normandia, em 1944: "Ligeiramente fora de foco, um pouco subexpostas e a composição não é nenhuma obra de arte" (5). Robert Capa - quase como uma catarse - desfaz o mito que ele mesmo ajudou a criar. Como escreve o também fotógrafo e jornalista Hélio Campos Mello na contracapa do livro: "Numa prosa que cativa pela simplicidade, pelo humor e pelo brilhante relato histórico, ele mostra sua fase desconhecida. E, no movimento de desconstrução do mito, surge um homem inteligente, fascinante e que - suprema qualidade - se levava muito pouco a sério" (6). É isso. Na Sicília. Hilariante a narrativa de seu primeiro pulo de paraquedas na Sicília: "...menos de um minuto depois aterrissei numa árvore no meio de uma floresta. Durante o resto da noite fiquei ali pendurado. Quando amanheceu, três paraquedistas me 108
PERSICHETTI, Simonetta. Diário do front por um herói da câmera. O Estado de S. Paulo. 7/dezembro/2010. Caderno 2.
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encontraram e cortaram as cordas. Eu me despedi da minha árvore. Nossas relações tinham sido íntimas, mas um pouco prolongadas demais" (7). Robert Capa nos conta de seus medos, de suas angústias, de sua vontade de abandonar tudo, mas também da adrenalina de seu ofício. Refinado e bon vivant, gostava de tomar champanhe, comer ostras e discutir com seus amigos escritores como John Steinbeck, com o qual realizou um trabalho na Rússia (leia abaixo) e Ernest Hemingway, para ele seu mentor que carinhosamente chamava de Papa. Não podemos esquecer que ele estava às vésperas de completar 30 anos quando escreveu esse livro. Ironicamente, a mitologia supera sua criatura. Robert Capa morreu muito cedo, aos 41 anos, na Indochina, ao pisar numa mina (medo que ele descreve no livro quando ao chegar a Argel e se afastar do carro se encontrou no meio de um campo minado). Onze anos depois, ele também se afasta do carro, mas desta vez pisa na mina. Diz a lenda que ele morreu sem deixar cair sua câmera (8). Não se sabe. Mas sua morte prematura ajudou a confirmar o mito e esse livro agora o reforça, já que se sabe que ele nunca se colocou como protagonista de suas imagens, afinal esse lugar sagrado era dos personagens que retratava (9). LIGEIRAMENTE FORA DE FOCO Autor: Robert Capa. Tradutor: José Rubens Siqueira. Editora: Cosac Naify (296 páginas, R$ 60).
Acaso e beleza na Paris de Doisneau109 Livro com 300 fotos suas, organizado pelas filhas, reúne imagens clássicas e raras do acervo de 400 mil negativos Antonio Gonçalves Filho Dez anos antes de sua morte, o fotógrafo francês Robert Doisneau (1912-1994), já via Paris como uma cidade habitada por fantasmas. Não os fantasmas dos outros, para ele indiferentes, mas os seus (12). Doisneau, afinal, fotografou a cidade por meio século, registrando a Paris das boinas e chapéus-coco, a Paris ocupada e humilhada pelos nazistas, a Paris das barricadas, dos resistentes, das prostitutas do Bois-de-Boulogne, das tramoias e também das crianças, seu tema predileto (13). Todas essas faces da capital francesa estão em Paris Doisneau, um belo livro com 300 imagens que as filhas do fotógrafo, Francine Deroudille e Annete Doisneau, organizaram e que a editora Cosac Naify lança agora. Dividido em cinco capítulos, o livro não segue a ordem cronológica em que as fotos foram feitas. Agrupadas por temas, essas imagens mostram os pontos turísticos, os tipos, a vida noturna, as celebridades, Paris durante a 2.ª Guerra e a sua transformação quando trocou a tradição pela modernidade, demolindo antigos prédios para construir torres de concreto e vidro (14). Falando sobre o assunto, Doisneau, em 1984, lembrou a "ingênua" baronesa de Haussmann, a mulher do urbanista que projetou a nova Paris ao assumir, entre 1853 e 1870, a remodelação da cidade. "Com seu jeito afetado, ela dizia: "Como é estranho, cada vez que meu marido compra um imóvel, chegam os demolidores!"" (15) Ruínas. Na época de Doisneau também se demoliu muito, mas ele recusou lamentar-se sobre as ruínas. "A beleza, para ser comovente, tem de ser efêmera", justificou, lembrando que viu desaparecer todos os seus pontos de referência sentimentais, do calçamento em forma de coração do Institut de France ao crucifixo em frente dos gasômetros da Rue de l"Évangile (16). "O que me incomoda mais é o confisco dos meus oásis", diz Doisneau no livro, provavelmente se referindo às monstruosidades arquitetônicas de Paris, como a passarela da Défense (17). A vida diante dos edifícios da Place Pinel dá medo, escreveu, vociferando contra a especulação imobiliária que expulsou os artesãos do Faubourg Saint-Agostine para dar lugar a agências de publicidade. É a última parte do livro e também a mais triste. Nela, 109
GONÇALVES FILHO, Antônio. Acaso e beleza na Paris de Doisneau. O Estado de S. Paulo. 7/dezembro/2010. Caderno 2.
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um senhor com seu bassê olha desolado para o terraço da Défense e crianças brincam de cabra-cega na paisagem devastada de Beaugrenelle, sufocadas por "próteses de concreto" - como Doisneau chamava esses edifícios com fachadas de espelho que transformaram parte de Paris numa cidade "abstrata". Na rua. A Paris de Doisneau é aquela que pulsa nas ruas, nos clubes noturnos, nas barracas dos parques de diversão. Os personagens do fotógrafo são os saltimbancos da Place de la Bastille, as strippers do Concert Mayol, as dançarinas de cancã do Tabarin, os frequentadores dos bailes populares na Rue des Canettes e os artistas que desenham a giz sobre o asfalto da Pont des Arts. Estão todos no livro, ao lado de celebridades como Simone de Beauvoir escrevendo no Deux Magots (1944), a cantora Juliette Gréco com seu bassê em Montparnasse (1947), o cineasta norte-americano Orson Welles bebendo antes do Grande Prêmio de Ciclismo (1950), a escritora Collete passeando de cadeira de rodas nos jardins do Palais-Royal (1953), o cineasta espanhol Luis Buñuel diante de um fliperama (1955), o escultor suíço Alberto Giacometti sentado num café da Rue d"Alesia (1958), além de estrelas mais recentes, como Sandrine Bonnaire (1990) e Juliette Binoche, esta num flagrante de rua enquanto filmava com o diretor Leos Carax seu angustiante filme Os Amantes da Pont-Neuf (1991) (18). No estúdio. Também estão no livro algumas das fotos mais conhecidas do fotógrafo, como o guarda que passa em frente de uma fachada com a boca de um demônio escancarada (O Inferno, 1952), o beijo diante do Hôtel de Ville (1950) e os dois irmãos de ponta-cabeça observados por outros dois gêmeos na rue du Docteur-Lecène (1934) (19). São poucas essas fotos clássicas, pois as filhas do fotógrafo, que administram um legado de 400 mil negativos, queriam um livro abrangente, que mostrasse como Doisneau interagia com os habitantes de Paris, além de revelar sua relação com "o temível fundo branco do estúdio" (20). Seus dois ou três anos passados na Vogue deixaram apenas recordações nebulosas. Foi um emprego ruim, garante, pois, feitas as contas, "o desejo irresistível de fazer uma imagem é ditado pela busca dos elementos que provocaram uma emoção totalmente nova". E a única coisa nova era que nunca tinha sido testemunha de espetáculos como o casamento da viscondessa d"Harcourt ou os bailes dos aristocratas no Hôtel Lambert (21). Há, no entanto, fotos deslumbrantes dos ateliês de costura (22). Todos os estilistas que importavam no pós-guerra estão lá: Givenchy, Chanel, Dior, Saint-Laurent. E também os mais novos: Gaultier, Lacroix (23). Nota-se, contudo, que Doisneau não se sentia à vontade com trabalhos de encomenda. Embora tenha começado sua carreira como funcionário da Renault, fotografando modelos de carro e peças publicitárias da empresa, foi na rua que o fotógrafo, órfão de pai aos 4 anos e de mãe aos 7, descobriu seu verdadeiro cenário (24). PARIS DOISNEAU Autor: Robert Doisneau. Tradutor: Celia Euvaldo. Editora: Cosac Naify (400 páginas, R$ 110).
Simonetta Persichetti apresenta no Caderno 2 de 7 de dezembro de 2010 uma resenha muito bem construída sobre o livro de Robert Capa lançado à época. Apresenta o autor e personagem principal (1), descreve a obra (2), e apresenta, na sequência, um breve perfil do autor (3). Persichetti agrega informações secundárias sobre o livro (4) e o processo de produção (5). Reproduz comentários de terceiros (6), reproduz trechos (7), registra comentários autorais (8) que revelam a opinião da jornalista sobre o produto cultural (9). Entretanto, falta reflexão para que possa cumprir a mediação entre obra e público. A descrição, que deveria ser moralizada visando o “endereçamento” 146
(CAUQUELIN, 2005:143) da obra para os leitores do jornal, destaca apenas aspectos textuais (10) – a narrativa bem humorada – e ignora completamente os valores estéticos da fotografia de Capa reunida no livro. Alega um valor moralizante (11) na coletânea apresentada, sem especificar de que decorre este valor ou quais características intrínsecas à fotografia de Capa seriam capazes de conduzir o apreciador a compartilhar dos pontos de vista do fotógrafo. Ora, um texto que limita-se a descrever a obra e oferecer informações do contexto e comentários, serve muito mais como divulgação do artista e de seus representantes interessados em ganhos financeiros – no caso específico, a editora responsável pela edição e comercialização do livro – do que como mediação entre a obra e o público – em que pese a legitimidade do ganho financeiro pretendido pela editora e pelos detentores dos direitos pecuniários decorrentes da obra de Robert Capa. Obviamente não cabe ao crítico de arte promover o sucesso ou o fracasso da obra, mas que apresente uma reflexão sobre a arte tanto quanto um julgamento de gosto, o estabelecimento de uma relação entre a atividade artística – sobre a qual não se sabe suficientemente o que abarca – e o mundo tal como ele segue normalmente, a apresentação menos de uma obra do que de uma maneira de se comportar, uma lição de coisas e de costumes. Em suma, espera-se uma espécie de teoria prática a partir de um objeto concreto, exposto à vista de todos. (CAUQUELIN, 2005:142)
A resenha nº 12, assinada pelo jornalista Antônio Gonçalves Filho e publicada na mesma edição em que a resenha de Simonetta Persichetti (Caderno 2 de 7/12/2010), curiosamente também aborda um livro fotográfico editado pela Editora Cosac Naify. Não se observa diferença estrutural entre os textos de Persichetti e o de Gonçalves Filho: o que há na resenha de Persichetti, também pode ser encontrado na de Gonçalves Filho. Observa-se a preocupação em situar o leitor quanto ao perfil do artista (12, 24), a descrição da obra (14, 19, 23), contexto de produção (13, 15, 16, 17 e principalmente 18), reproduz falas do artista (15, 16, 17). A opinião que se espera de uma resenha-crítica aparece apenas uma vez, de forma tímida (22). A reflexão estética e a valoração, que se espera da crítica, não ocorre em trecho algum do texto. Evidentemente, os dois textos têm qualidade suficiente para informar o leitor quanto aos objetos em destaque. Contudo, na medida em que os objetos constituem-se coletâneas de fotografias trazidas à luz pela qualidade artística que lhes é atribuída – haja vista terem sido diagramadas na página do jornal sob o “chapéu” Visuais (maneira
147
como o Caderno 2 identifica conteúdos sobre Artes Visuais) – deveriam merecer uma reflexão sobre a qualidade estética da coletânea. É o que se espera da crítica. O fato de ambos os livros serem oferecidos pela mesma editora (Cosac Naify) não deve ser encarado como coincidência. Remete muito mais ao sucesso da atuação da assessoria de comunicação da Editora no oferecimento de pautas à redação do Caderno 2. Reforça a tese o caráter institucional dos textos, com aquiescência absoluta ao discurso artístico das obras. Ora, tanto o trabalho dos renomados fotógrafos merece ser submetido aos crivos estético e de gosto próprios da crítica, como as coletâneas em si, consideradas a pertinência das obras, a organização das fotografias, a apresentação geral e o acabamento gráfico, a seleção das imagens, entre outras possibilidades. A ocorrência de polidez (FAIRCLOUGH, 2008:203) absoluta nos textos evoca uma análise sobre a produção textual na perspectiva da prática discursiva. É particularmente aplicar também neste caso o conceito de “produtor textual” apresentado por FAIRCLOUGH (2008:107) e aplicado em outros trechos da presente pesquisa. Vale a pena relembrar: “os textos são produzidos de formas particulares em contextos sociais específicos”, afirma o linguista. Para identificar os participantes destes “contextos sociais” e os interesses envolvidos na prática discursiva, FAIRCLOUGH (Idem) recomenda “desconstruir o(a) produtor(a) [textual] em um conjunto de posições, que podem ser ocupadas pela mesma pessoa ou por pessoas diferentes”, das quais fazem parte: ‘“animador’, a pessoa que realmente realiza os sons ou as marcas no papel; ‘autor’(a), aquele(a) que reúne as palavras e é responsável pelo texto; e ‘principal’, aquele(a) cuja posição é representada pelas palavras”. (...) Em artigos de jornal, há uma ambiguidade na relação entre essas posições: frequentemente, o principal é uma ‘fonte’ fora do jornal, mas algumas reportagens não deixam isso claro e dão a impressão de que o principal é o jornal (o editor ou um jornalista). (Idem) [Destaque acrescentado]
Não há dúvida de que os jornalistas Simonetta Persichetti e Antônio Gonçalves Filhos ocupam as posições de ‘animadores’ e de ‘autores’ dos textos, pois são eles que os assinam na condição de profissionais contratados pelo jornal O Estado de S. Paulo. No entanto, o sentido consensual de que os textos se revestem, de polidez absoluta, indica que a posição de ‘principal’ na prática discursiva em questão é ocupada por agente externo à redação do Caderno 2, agente este absolutamente interessado na divulgação das obras. Especificamente, a editora Cosac Naify, detentora dos direitos de edição e comercialização das obras no Brasil, é a produtora ‘principal’ das resenhas publicadas na edição de 7 de dezembro de 2010. 148
O oferecimento de textos (press releases) pelas Assessorias de Comunicação aos veículos de imprensa é atividade rotineira e absolutamente legítima. Estes constituem auxílio indispensável às redações para que possam atender a demanda da sociedade por informações de todas as áreas. Por outro lado, são eficientes instrumentos para que as mensagens de interesse das organizações cheguem às mídias de massa – impressos, eletrônicos e/ou digitais. Compostas por profissionais da Comunicação Social – predominantemente jornalistas, muitos dos quais egressos da grande imprensa –, as Assessorias de Comunicação atuam como facilitadoras das relações entre seus clientes e os canais midiáticos, produzindo uma mediação prévia entre os interesses das fontes (clientes) e os destinatários das mensagens (público). Estabelecem, para isso, relação de coprodutores dos conteúdos juntamente com as redações, que ao receberam as mensagens devem conferir a veracidade e a relevância social das mesmas. Em se tratando de informação especializada, facilitam o trabalho das redações enviando conteúdos previamente transpostos para a linguagem jornalística, prontos, portanto, para serem publicados. Ainda assim, cabe aos jornalistas das redações checar todas as informações e ampliar a abrangência dos significados de modo a contemplar os interesses dos leitores, e não apenas os do emissor da mensagem. Quando esta tarefa não é realizada (checagem das informações e ampliação dos significados) ocorre empobrecimento da atuação jornalística pela encampação. O Manual de Redação e Estilo110 d’O Estado de S. Paulo recomenda: “Todo cuidado é pouco para que o jornal evite passar ao leitor, como suas, opiniões ou conceitos expressos por outras pessoas”. (1990:30) Ambos os textos, tanto o de Simonneta Persichetti, quanto o de Antônio Gonçalves Filhos, parecem saídos diretamente do press release, tal é o grau de consenso que demonstram em relação às obras. Pela ausência absoluta de crítica, as raras adjetivações soam elogiosas. Deixam de oferecer ao leitor, desta forma, uma análise que contribua para a recepção da obra. 5.2.4. Análise da crítica publicada n’O Estado de S. Paulo O Estadão não produz crítica de arte. Pelo menos nas edições publicadas durante a 29ª Bienal de Artes de São Paulo, nenhuma foi encontrada. Em lugar da avaliação estética e da opinião típicas da crítica, a descrição circunstanciada das resenhas. Ainda
110
MARTINS, Eduardo (Org.) Manual de redação e estilo. São Paulo, O Estado de S. Paulo, 1990
149
assim é possível promover a reflexão que amplia o sentido das obras, razão pela qual as resenhas foram admitidas como objeto de estudo nesta pesquisa. Diferentemente da Folha, que restringe ao mínimo o espaço destinado à crítica de arte, as resenhas chegam a ocupar páginas inteiras no Estadão, com títulos em 6 colunas e ilustrações de até meia página. Entretanto, a generosidade com o espaço, associada à ausência de marcas gráfico/textuais explícitas que indiquem a natureza do texto, dificultam, para o leitor, a identificação do que tem diante de si. Este é um problema recorrente no atual projeto gráfico-editorial do Estadão e do Caderno 2. Ora, a classificação dos textos em gêneros e formatos visa justamente facilitar a compreensão dos mesmos pelos leitores, de forma que saibam de antemão como os textos devem ser consumidos. No caso específico dos formatos jornalísticos, notícias e reportagens, formatos do gênero informativo, pressupõem textos que nos quais o leitor é instado a alcançar determinadas conclusões a partir do relato pretensamente imparcial dos fatos; já na crítica, no artigo e na resenha, entre outros formatos do gênero opinativo, o leitor é instado a concordar ou discordar da opinião do articulista, que defende posições e apresenta argumentos tentando convencer o leitor da validade de suas convicções. A percepção correta, pelo leitor, da natureza do texto, favorece a intepretação do mesmo. No entanto, o Estadão priva o leitor desta informação essencial: o formato textual oferecido. As dificuldades vão além. De modo geral, falta assertividade às resenhas do Caderno 2. A opinião dos autores pode ser percebida apenas pela descrição sutil de atributos de obras e/ou eventos. Raramente ocorre qualificação explícita. Esta pode ser uma escolha estilística visando a ótima formação escolar de seus leitores (49% dos leitores do Estadão têm nível superior, contra apenas 19% da população). Entretanto, tanta sutileza pode denotar falta de envolvimento real com o objeto. Algumas resenhas parecem transcritas diretamente dos press releases das assessorias de comunicação de museus e galerias. Como são invariavelmente favoráveis, correm o risco do descrédito. Pior: ensejam a suspeita de que os textos se constituem, na verdade, em peças de divulgação de organizações interessadas na promoção das obras e eventos. Esta perspectiva, associada à ausência de julgamento estético e de reflexão sobre as obras, invalida os textos do Estadão como instrumentos de mediação entre as obras de arte e o público. Observa-se, ainda, uma preferência significativa do Estadão por eventos artísticos realizados nos EUA e na Europa. Das resenhas publicadas no período de 150
análise, cinco descrevem eventos nestas localidades, quatro apresentam livrosfotográficos lançados no Brasil – dos quais, dois de fotógrafos estrangeiros – e apenas três tratam de eventos artísticos locais. Longe de ensejar qualquer grau de sentimento xenofóbico, a preocupação resulta do potencial desta escolha editorial para promover o “apagamento” da produção artística local, considerado o poder de construção da realidade existente nas mídias. O alheamento do Estadão em relação à produção local representa, para o leitor assíduo, que esta não dispõe de atributos artísticos comparáveis à produção dos grandes centros. Reafirma, desta forma, a condição supostamente periférica das manifestações artísticas e culturais locais em face da produção dos centros “desenvolvidos” – o que revela o aspecto ideológico da preferência editorial adotada no Caderno 2. Diante do exposto, conclui-se que as resenhas do Estadão pouco contribuem para a mediação entre artes visuais e público não-especializado. Ao contrário, demonstra potencial para afastá-las ainda mais do público, ao sugerir a nulidade da produção local.
151
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente pesquisa sobre a mediação das artes visuais na Folha de S. Paulo e n’O Estado de S. Paulo permitiu uma visão panorâmica sobre este aspecto da Cultura e das Artes e seus efeitos. Longe de pretender esgotar o assunto, este é um primeiro passo ao qual outros se sucederão na busca por meios eficazes de democratização da cultura e do acesso às artes visuais. Em que pese a alegação de que as artes visuais são, em essência, manifestação elitizada da cultura que se mantém relativamente imune à massificação promovida pela indústria cultural que a tudo formata e atribui rótulos, apesar da luta de importantes setores da cultura pela preservação das visuais como bastião de resistência às investidas da lógica de mercado – luta inglória e fadada à derrota, pois o mercado habilmente consegue transformar resistência em oportunidade de negócios, concedendo às “mercadorias artísticas” apenas a distinção de serem comercializadas por cifras estratosféricas num mercado alimentado por ambição e vaidade de uns poucos privilegiados –, a despeito de tudo isso, o acesso às artes visuais precisa ser franqueado a quem desejar conhecê-la em profundidade e fruir seus atributos estéticos independentemente de estratificação social. Sem a intenção de atribuir finalidade utilitarista à arte, não é novidade que em suas diversas manifestações e linguagens ela pode ser um vigoroso agente de resgate da cidadania e de inserção social, em nível comunitário, e de superação de estigmas e recuperação da autoestima no nível individual. Como afirma DEWEY (2010:551),
152
A experiência estética é uma manifestação, um registro e uma celebração da vida de uma civilização, um meio para promover seu desenvolvimento, e também o juízo supremo sobre a qualidade dessa civilização. Isso porque, embora ela seja produzida e desfrutada por indivíduos, esses indivíduos são como são, no conteúdo de sua experiência, por causa das culturas de que participam.
A perspectiva colocada por John DEWEY torna relevantes todos os esforços para aproximar a arte do público e inspira esta pesquisa. Se até o momento foi possível registrar um retrato da crítica periodística – escolhida justamente por manifestar-se por meio de uma das plataformas mais democráticas de distribuição de conteúdos, o jornal diário –, e a imagem que emerge é esclarecedora quanto ao distanciamento existente entre artes visuais e grande público, novos passos sucederão este na busca por modelos que efetivamente promovam a aproximação – ou, pelo menos, que reduzam a distância entre as partes. Longe de pretender a massificação das artes visuais, condição que celeremente a incluiria no cardápio da indústria cultural, busca-se tão-somente pavimentar acessos para aqueles que dela desejarem se aproximar. Não se trata, também, de nutrir uma utopia de igualdade social manifestada através da cultura, possibilidade há muito descartada. A lógica predominante na sociedade contemporânea determina uma divisão irreconciliável na ideia de cultura, dividindo-a em “alta cultura” para consumo dos segmentos letrados e economicamente capazes de consumi-la, e “cultura popular”, destinada para o consumo das classes assalariadas e pouco instruídas. Marilena CHAUI111 afirma que a indústria cultural separa os bens culturais em função de seus valores de mercado, destinando obras “caras” e “raras” a um segmento específico do público que, por dispor dos meios de consumo, constitui uma elite cultural. Para a massa são destinadas obras “baratas” e “comuns”. Assim, em vez de garantir o mesmo direito de todos à totalidade da produção cultural, a indústria cultural sobredetermina a divisão cultural acrescentando-lhe a divisão entre elite “culta” e massa “inculta”. Em segundo, contraditoriamente com o primeiro aspecto, cria a ilusão de que todos têm acesso aos mesmos bens culturais, cada um escolhendo livremente o que deseja, como o consumidor num supermercado. No entanto, basta darmos atenção aos horários dos programas de rádio e de televisão ou ao que é vendido nas bancas de jornais e revistas para vermos que as empresas de divulgação cultural já selecionaram de antemão o que cada classe e grupo sociais pode e deve ouvir, ver e ler. (CHAUI, 2008)
A utopia que permeou a presente pesquisa, e seguirá em explorações futuras, consiste na busca por mecanismos, tecnológicos ou não, capazes de subverter a lógica que mantém distantes as artes visuais e amplos segmentos da sociedade.
111
Chaui, Marilena. Cultura e democracia. Crítica y Emancipación, (1): 53-76, junio 2008.
153
7. BIBLIOGRAFIA
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157
8. ANEXOS 8.1. Quadro de matérias sobre artes visuais publicadas pela Folha de S. Paulo durante a 29ª Bienal de Artes de São Paulo
Tabela Folha de S. Paulo Numeração por gênero 1
Data
Veículo
25/09/2010 FSP
Caderno/Editoria/ Autor Seção Ilustrada Silas Marti
1
25/09/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
1
25/09/2010 FSP
Ilustrada
Marcos Augusto Gonçalves
2
25/09/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
2
25/09/2010 FSP
Ilustrada
Juliana Vaz
3
26/09/2010 FSP
Ilustrada
4
27/09/2010 FSP
Ilustrada
Juliana Vaz e Silas Marti Silas Marti
1
27/09/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
1
27/09/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
5
27/09/2010 FSP
Cotidiano
Raphael Veleda
3
27/09/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
6
27/09/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
7
27/09/2010 FSP
Ilustrada
Reinaldo José Lopea
8
28/09/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
4
28/09/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
9
28/09/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
5
28/09/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
10
29/09/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
6
29/09/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
11
30/09/2010 FSP
Ilustrada
Juliana Vaz
1
30/09/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
7
30/09/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
12
01/10/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
13
01/10/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
14
01/10/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
15
01/10/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
Qualificação do Título autor Jornalista da FSP "Uma grande obra é política em si" Redação Bienal de SP abre ao público hoje às 10h Editor de Opinião Mais realistas do que o FSP rei, curadores decidem censurar instalação "eleitoral" Jornalista da FSP Surto político
Gênero Reportagem Notícia Artigo
Reportagem
Colaboradora Urubus estão dentro da FSP lei, diz Bienal Jornalista da FSP Pichador ataca obra com urubus na Bienal Jornalista da FSP 2º dia da Bienal tem nova obra pichada Jornalista da FSP Artista tailandês abre pavilhão das palmeiras Crítico da FSP Inhotim apresenta curadoria eficaz Colaborador FSP Em muros e tocos de árvore, artista cria obras com objetos tirados do lixo Redação Lehman Brothers arrecada US$ 12,3 mi Jornalista da FSP "Uma Bienal precisa ser mais ousada" Editor de Ciência Urubu da Bienal está na FSP lista de "vulneráveis", diz estudo Jornalista da FSP "Toda arte flutua num mar de palavras" Redação Itaú Cultural debate processos de criação Jornalista da FSP Curadoria da Bienal faz reunião com grupo de pichadores Redação Pichador já teve oito processos e pinta pareces
Notícia
Jornalista da FSP Ataques reacendem debate na Bienal Jornalista da FSP Urubus da Bienal passarão por perícia Colaboradora "Meu sonho é poder ver no FSP Rio uma favela inteira pintada" Redação Programação Hoje na Bienal Redação 11,5 mil vão à Bienal no primeiro fim de semana
Reportagem
Jornalista da FSP Mexicano desenha o tempo dos presídios Jornalista da FSP Clarke, Pape e Oiticica são pontos de partida da mostra aberta hoje Jornalista da FSP Justiça libera obra de Krajecberg no Ibirapuera Jornalista da FSP SESC expõe Lygia Clark ausente da 29ª Bienal
Reportagem Reportagem Entrevista Critica Reportagem
Notícia Reportagem Reportagem
Reportagem Notícia Reportagem
Notícia
Notícia Reportagem
Serviço Notícia
Reportagem Reportagem
Reportagem Reportagem
158
2
02/10/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
3
02/10/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
16
02/10/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
17
03/10/2010 FSP
Ilustrada
Juliana Vaz
8
03/10/2010 FSP
Ilustrada
Gustavo Fioratti
2
03/10/2010 FSP
Ilustríssima
Jef Chang
18
03/10/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
9
04/10/2010 FSP
Ilustrada
Gustavo Fioratti
10
04/10/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
19
05/10/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
4
05/10/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
20
06/10/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
21
06/10/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
11
08/10/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
22
09/10/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
12
09/10/2010 FSP
Ilustrada
Juliana Vaz
23
11/10/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
24
11/10/2010 FSP
Ilustrada
Cláudia Antunes
13
14/10/2010 FSP
Acontece
Não identificado
25
17/10/2010 FSP
Ilustrada
Juliana Vaz
14
18/10/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
5
18/10/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
15
20/10/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
16
21/10/2010 FSP
Acontece
Silas Marti
17
21/10/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
26
21/10/2010 FSP
Ilustrada
Cristina Grillo
6
23/10/2010 FSP
Ilustrada
FC
18
23/10/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
7
23/10/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
27
23/10/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
19
24/10/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
20
25/10/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
21
25/10/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
22
25/10/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
28
25/10/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
29
25/10/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
23
26/10/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
Jornalista da FSP Bienal volta a ser epicentro das artes plásticas Jornalista da FSP Conservadora e superficial, Paralela 10 tornou-se vítima do circuito que a criou Jornalista da FSP Ibama pede retirada de urubus da Bienal de SP Colaboradora Bienal tem obras feitas de FSP carne e osso Colaborador FSP Em defesa dos urubus, dois se algemam na Bienalo O melhor dos tempos, o pior dos tempos Jornalista da FSP Público da exposição deixa de lado urubus e pichadores Colaborador FSP Ativistas param protestos e deixam Bienal Jornalista da FSP Site sobre cultura africana será lançado hoje na Bienal de SP Jornalista da FSP Performances exaltam folhas do vídeo Jornalista da FSP Exposição olha a produção alemã com lentes do passado Jornalista da FSP "É obrigação moral pensar como algoz" Jornalista da FSP Cocurador da Bienal defende obras antigas na mostra Redação FSP Equipe se prepara para retirada de urubus da Bienal Jornalista da FSP Ianês volta à Bienal em busca da voz Urubus saem da Bienal na Colaboradora madrugada FSP Jornalista da FSP Bienal exibe curta de Akerman sobre o anoitecer em Xangai Jornalista da FSP Exposição sobre islã no CCBB do Rio traz acervos da Síria e do Irã Redação FSP Márcia Pastore expõe esculturas em três dimensões Colaboradora Excursões de escolas FSP enchem pavilhão da Bienal de SP nos dias de semana Redação FSP MIS tem inscrições abertas para programa de residência artística Jornalista da FSP Mostra desafia a percepção dos visitantes Redação FSP Tate Modern interdita acesso a obra de Ai Weiwei Jornalista da FSP Fotógrafos latinos exploram territórios no Itaú Cultural Redação FSP Fotógrafo de rua francês JR ganha prêmio humanitário de US$ 100 mil Jornalista da FSP "Gosto de contribuir para o Surrealismo do mundo" Jornalista da FSP Mostra de fotógrafo argentino resgata traumas da ditadura Redação FSP Guggeinheim seleciona vídeo de brasileiro Jornalista da FSP Imagens traçam panorama da evolução da arte da fotografia Jornalista da FSP Pinacoteca fecha andar para reformas e reduz obras expostas Redação FSP Termina hoje mostra de Hilal Sami Hilal Redação FSP Exposição relembra Wesley Duke Leee Redação FSP "Iluminações" é tema da Bienal de Veneza Redação FSP Ciclo de debates no CCBB discute arte Jornalista da FSP O lance da arte
Crítica
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Reportagem
Notícia Notícia Notícia Notícia Reportagem
Jornalista da FSP Reality show e livros Reportagem refletem popularização da área Redação FSP Lygia Clark atinge 700 mil Notícia euros em feira
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29/10/2010 FSP
Ilustrada
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30/10/2010 FSP
Ilustrada
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31/10/2010 FSP
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Não identificado
Redação FSP
Ilustríssima
Renata Lucas ganha prêmio de R$ 100 mil Silas Marti Jornalista da FSP Regina Silveira cola céu gigante na fachada do MASP Alcino Leite Neto Não qualificado Pintura no purgatório
Ensaio
02/11/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
Reportagem
32
02/11/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
Jornalista da FSP Documenta 13 tem recorde de organizadores em 2012 Jornalista da FSP Juventude censurada
33
02/11/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
Reportagem
34
02/11/2010 FSP
Ilustrada
25
04/11/2010 FSP
Ilustrada
Leneide DuartePlon Não identificado
35
04/11/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
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05/11/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
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07/11/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
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07/11/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
4 28
07/11/2010 FSP 08/11/2010 FSP
Ilustrada Ilustrada
Ferreira Gullar Não identificado
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09/11/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
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09/11/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
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09/11/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
Jornalista da FSP Mostra de Takashi Murakami em Versalhes irrita conservadores Colaboradora Proibição eleva interesse e FSP gera longas filas Redação FSP Nu de Modigliani bate recorde de vendas Jornalista da FSP Governo de SP adia transferência do Museu de Arte Contemporânea Jornalista da FSP Artista peruano mistura pinturas clássicas em telas Redação FSP Exposição de Carmela Gross termina hoje Redação FSP Sílvio Tendler homenageia "Poema Sujo" Colunista FSP O imprevisível na arte Redação FSP Exposição de Renata Borges abre hoje Jornalista da FSP Presidente diz que tempo chuvoso e ausência de ícones afastam público Jornalista da FSP Público da Bienal deve ficar em 553 mil Jornalista da FSP Público é o dobro do da Bienal do Vazio no período
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10/11/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
29
11/11/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
30
11/11/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
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11/11/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
31
12/11/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
32
14/11/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
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15/11/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
33
17/11/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
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17/11/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
44
17/11/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
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19/11/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
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19/11/2010 FSP
Ilustrada
Roberto Kaz
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19/11/2010 FSP
Ilustrada
Roberto Kaz
36
20/11/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
46
20/11/2010 FSP
Ilustrada
Agências Internacionais
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20/11/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
5 47
21/11/2010 FSP 23/11/2010 FSP
Ilustrada Ilustrada
Ferreira Gullar Silas Marti
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23/11/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
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23/11/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
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23/11/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
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25/11/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
Jornalista da FSP Português representará Brasil em Veneza Redação FSP Garrafa de Warhol alcança os US$ 35 mi Redação FSP Garotas também na Mostra Sesc de Artes Jornalista da FSP Guerrilla Girls usam cara de gorila em feminismo faschion Redação FSP Quadro de Basquiat é rabiscado em Paris Redação FSP Coletiva "Tékhne" sai de cartaz hoje da FAAP Jornalista da FSP MASP ganha hoje fachada de nuvens Redação FSP Projeto Cultura faz visitas guiadas à Bienal de SP Jornalista da FSP Biografia expõe relação simbiótica com ex-marido Jornalista da FSP "Sempre me senti como uma ovelha negra" Redação FSP Tela da fase azul de Picasso terá restauro Jornalista da FSP Artista tinha a sopa entre seus pratos frequentes Jornalista da FSP Campbell's não sondou Museu Warhol Redação FSP Museu Lasar Segall expõe obra inédita de Egon Schiele Agência Obra de Beatriz Milhazes é vendida por R$ 1,2 mi em NY Jornalista da FSP Pinacoteca exibe fotos de países africanos Colunista FSP Arte sem arte Jornalista da FSP Curvas de aço Jornalista da FSP "Ela se metia na pele de seus projetos" Jornalista da FSP Novos trabalhos sintetizam a geometria e o informalismo Jornalista da FSP Tomie Ohtake completa 97 anos com exposição de obras inéditas Jornalista da FSP Mostra sobre Brasília traça painel crítico da história do país
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Reportagem
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Notícia Artigo Reportagem Reportagem Reportagem
Reportagem
Crítica
160
51
25/11/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
Antônio Cícero
Jornalista da FSP Mostra foca trabalho de Schendel com papel Jornalista da FSP Por carta, USP despeja museu de sua sede Redação FSP MAC tem oficina para crianças e jovens Redação FSP Exposição reúne seis brasileiros premiados em edital Colunista FSP O construtivismo brasileiro
52
25/11/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
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26/11/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
39
26/11/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
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27/11/2010 FSP
Ilustrada
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28/11/2010 FSP
Artigo
Ilustrada
Não identificado
Redação FSP
Notícia
7
28/11/2010 FSP
Ilustríssima
2
28/11/2010 FSP
Ilustríssima
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29/11/2010 FSP
Ilustrada
Bernardo Carvalho Bernardo Carvalho Fábio Cypriano
54
30/11/2010 FSP
Ilustrada
Leneide DuartePlon
55
02/12/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
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02/12/2010 FSP
Ilustrada
Fred Melo Paiva
57
02/12/2010 FSP
Ilustrada
Fred Melo Paiva
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02/12/2010 FSP
Acontece
Fábio Cypriano
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03/12/2010 FSP
Ilustrada
Lucrécia Zappi
59
03/12/2010 FSP
Ilustrada
Lucrécia Zappi
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03/12/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
61
04/12/2010 FSP
Ilustrada
Andrea Murta
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04/12/2010 FSP
Ilustrada
Gustavo Fioratti
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05/12/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
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06/12/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
64
06/12/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
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06/12/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
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07/12/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
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07/12/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
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08/12/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
67
08/12/2010 FSP
Ilustrada
Roberta Smith
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09/12/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
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09/12/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
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11/12/2010 FSP
Ilustrada
Não identificado
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11/12/2010 FSP
Acontece
Fábio Cypriano
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12/12/2010 FSP
Ilustrada
Silas Marti
70
12/12/2010 FSP
Ilustrada
Fábio Cypriano
Reportagem Notícia Artigo / Ensaio / Opinião Entrevista Crítica TOTAL DE MATÉRIAS
Debate encerra hoje a Paralela 2010 Colunista FSP Quebra-cabeças romanesco Colunista FSP "Sou quase obcecado pela prova" Jornalista da FSP Chefe do IAC chama de "amoral" término de contrato com a USP Jornalista da FSP Justiça decide sobre inéditos de Picasso Jornalista da FSP Artista "mata" modelo em performance nos Jardins Jornalista da FSP Urubu estreia com pé esquerdo na Bienal Jornalista da FSP Criador desenvolveu técnica para lidar com as aves de rapina Jornalista da FSP MASP frustra público com sala inadequada para obra central Colaboradora da Brasil tem mercado com FSP maior potência, diz diretor de feira Colaboradora da Miami transpira arte com FSP 20 eventos paralelos Jornalista da FSP Pioneiro da gravura em metal tem mostra em São Paulo Jornalista da FSP Liga Católica censura obra em Washington Colaborador da Perto do fim, Bienal volta a FSP expor obra pró-Dilma Redação FSP Mostra de arte sacra sai de cartaz hoje da Estação Pinacoteca Jornalista da FSP "Conseguimos fazer uma boa Bienal" Jornalista da FSP Martins será candidato único à presidência Jornalista da FSP Mostra vive dilema de almejar ser elitista e também popular Jornalista da FSP Graciele Iturbide tem retrospectiva na Pinacoteca Jornalista da FSP Mostra destaca o traço compulsivo de Georg Baselitz Redação FSP Tratado de Da Vinci é encontrado em biblioteca francesa Jornalista do NYT Mostra de Kiefer em NY funciona como uma catarse Redação FSP Paço das Artes seleciona novos projetos Jornalista da FSP Tríptico de Bandeira é vendido por R$ 3,5 mi Redação FSP Leilão de Picasso é cancelado em Paris Jornalista da FSP Exposição sintetiza drama na arte da Alemanha prénazista Jornalista da FSP Bienal de São Paulo chega hoje ao fim Jornalista da FSP Obras polêmicas são excluídas da Bienal itinerante
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8.2. Críticas da Folha de S. Paulo publicadas durante a 29ª Bienal 8.2.1. 27 de setembro de 2010:
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São Paulo, segunda-feira, 27 de setembro de 2010
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CRÍTICA ARTES VISUAIS
Inhotim apresenta curadoria eficaz Com espaços para Miguel Rio Branco e Cosmococas, centro mostra arte brasileira de forma correta FABIO CYPRIANO ENVIADO ESPECIAL A BRUMADINHO
Na última quinta, mais duas galerias abriram em Inhotim Centro de Arte Contemporânea, do colecionador mineiro Bernardo Paz, ambas fora do núcleo inicial. Os novos pavilhões foram projetados por Alexandre Brasil Garcia e Carlos Alberto Maciel, do escritório Arquitetos Associados, e configuram-se como inserções monumentais em meio à paisagem, mas distintos. A galeria do artista Miguel Rio Branco é caracterizada pelo contraste: uma imensa caixa de aço em meio à floresta. O edifício, com dois pavimentos, reúne 12 obras do fotógrafo, de um extenso período: 1976 a 2004. Polípticos (fotos apresentadas em conjuntos), instalações e filmes dão conta da complexidade de Rio Branco na criação de imagens. Algumas obras são documentais, caso da radical "Nada Levarei Quando Morrer, Aqueles que Me Devem Cobrarei no Inferno" (1985), que também está em exibição na 29ª Bienal de São Paulo, enquanto outras são exercícios mais livres e poéticos, como "Entre os Olhos o Deserto" (1997), que mescla os gêneros retrato e paisagem. 162
Ao apresentar de forma extensiva a obra de Rio Branco, Inhotim, assim como fez com Cildo Meireles, cumpre um papel que instituições de arte brasileiras não conseguem dar conta: apresentar a produção nacional contemporânea de forma adequada. Essa missão também é vista na outra galeria nova, com as cinco Cosmococas de Hélio Oiticica e Neville d'Almeida, de 1973. A construção elegante é coberta com uma pedra mineira escura, que mimetiza seu entorno. Por dentro, todas as obras convergem para um mesmo espaço, o que não hierarquiza a visita. ESPAÇOS GENEROSOS As Cosmococas, que foram vistas na Pinacoteca em 2003, são uma das obras fundamentais de Oiticica e parecia absurdo que elas podiam estar em mostras permanentes de museus estrangeiros e só temporariamente no país. A apresentação de todas elas -Trashiscapes, Onobject, Maileryn, Nocagions e Hendrix-War- em espaços generosos reforça ainda mais o caráter de Inhotim como local único para se conhecer a produção nacional. Outras duas obras foram ainda inauguradas em espaços abertos de Inhotim: "Desert Park", de Dominique GonzalezFoerster, e "Palm Pavilion", de Rirkrit Tiravanija. Ambos, com projeção internacional, apresentam trabalhos que lidam com questões brasileiras. O primeiro insere na paisagem simulações de proteções em pontos de ônibus, em debate sobre o modernismo nacional, enquanto o segundo, presente na 27ª Bienal (2006), é outra simulação, agora das casas projetadas pelo arquiteto Jean Prouvé para as colônias francesas. São ótimas escolhas curatoriais, pois atestam que Inhotim pode apresentar certa originalidade em relação aos demais centros internacionais de arte. INHOTIM - CENTRO DE ARTE CONTEMPORÂNEA ONDE r. B, 20, Brumadinho, Minas Gerais, tel. 0/xx/31/3227-0001 QUANDO qui. e sex (9h30 às 16h30), sáb. e dom. (9h30 às 17h30) QUANTO R$ 16 AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior: Raio-X: Museu da História de São Paulo Próximo Texto: Artista tailandês abre pavilhão das palmeiras Índice | Comunicar Erros
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CRÍTICA 29ª BIENAL DE ARTES
Bienal volta a ser epicentro das artes plásticas Apesar de contradições entre obras, mostra reúne trabalhos excelentes FABIO CYPRIANO DE SÃO PAULO
"Há sempre um copo de mar para um homem navegar." A 29ª Bienal de São Paulo revela-se uma mostra polifônica e aí reside sua força, e também sua fraqueza. Em torno de arte e política -questão historicamente relevante, mas que sem um foco torna-se ampla demais- coexistem obras e propostas bastante diversas, com nexos difíceis de se compreender. Numa exposição da dimensão do pavilhão da Bienal é compreensível que a curadoria, coordenada por Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos, opte por criar distintos eixos, mas podem-se constatar algumas contradições entre as obras, o que provoca enfraquecimento do tema. Ocorre, por exemplo, na discrepância entre o que se pode chamar de artistas "históricos" e contemporâneos. As ações radicais, em sua maioria dos anos 60 e 70, dos argentinos Alberto Greco e do Grupo de Artistas de Vanguarda, de Paulo Bruscky, Lygia Pape e Hélio Oiticica, entre outros, reduz a produção atual, com algumas exceções, a um esteticismo pueril. FORA DE CONTEXTO 164
Afinal, como se pode entender nesse contexto obras de artistas como Marcelo Silveira, David Cury ou Fernando Lindote, entre outros? Essa abrangência, por demais generosa, não só enfraquece o tema como põe em xeque a produção contemporânea, o que não parece ser a intenção dos curadores. Contudo, essa Bienal, quando consegue realizar diálogos autênticos entre passado e presente, atesta sua pertinência. Foi assim com leitura livre do "Bailado do Deus Morto", de Flávio de Carvalho, um dos artistas-chave da mostra, com 50 atores do Teatro Oficina, no último domingo. Quando Zé Celso, que dirigiu a ação, vestiu uma versão do traje "New Look de Verão", de Carvalho, e esbravejou impropérios como metralhadora giratória, enquanto seu grupo movia-se praticamente desnudo, ele injetou um espírito anárquico e politicamente incorreto na Bienal, comportada demais. Mas, felizmente, ele não é exceção e, graças à polifonia da mostra, há trabalhos excelentes e, por conta dos terreiros, especialmente os da performance, da literatura e do cinema, há uma energia vibrante no pavilhão. Assim, apesar de conceitualmente a Bienal ser muito frágil, sua complexidade e diversidade compensam a falta de organicidade e tornam, novamente, o pavilhão da Bienal o epicentro do pensamento artístico no pais. 29ª BIENAL DE SÃO PAULO QUANDO sáb. à qua., das 9h às 19h, qui. e sex., das 9h as 22h; até 12/12 ONDE pavilhão da Bienal (parque Ibirapuera, portão 3, tel. 0/xx/ 11/5576-7600) QUANTO grátis AVALIAÇÃO bom Texto Anterior: FOLHA.com Próximo Texto: Crítica/Paralela: Conservadora e superficial, Paralela 10 tornou-se vítima do circuito que a criou Índice | Comunicar Erros
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CRÍTICAPARALELA
Conservadora e superficial, Paralela 10 tornou-se vítima do circuito que a criou DE SÃO PAULO
Quando surgiu, há oito anos, a Paralela, mostra organizada por galerias de arte da cidade, funcionava como uma das poucas vitrines para a arte contemporânea brasileira durante a Bienal de São Paulo. Naquela época, nem tão distante, o circuito de arte não era mobilizado como agora e a Paralela fazia sentido. Em 2004, quando Moacir dos Anjos foi seu curador, a mostra chegou a ser considerada superior à Bienal, então organizada por Alfons Hug. Em 2010, com uma extensa e excelente agenda de mostras paralelas e uma Bienal renovada, a exposição das galerias tem seu sentido enfraquecido. E, para ficar ainda pior, o curador Paulo Reis optou por não repetir artistas da mostra do Ibirapuera, que tem nada menos que 59 brasileiros, o que tornou a sua uma espécie de salão dos recusados. Se ainda a exposição agregasse conteúdo, ela teria validade, mas nem assim. DEPARTAMENTOS Intitulada "A Contemplação do Mundo", a exposição dividese como uma loja de departamentos, por conta do formalismo das leituras de seu curador. Há a sessão de plantas e jardins, com os trabalhos de Mauro Piva, Brígida Baltar e Rosana Palazyan, todos abordando essa temática, ou o departamento de segurança, onde artistas 166
usam o revólver como elemento constitutivo de seus trabalhos. Se essas áreas totalmente literais da mostra não fossem suficientes, Reis ainda ocupa um dos lados do belo galpão do Liceu só com pinturas de grandes formatos, outra leitura formal, que reduz tais trabalhos à entediante temática do suporte, em pleno século 21. Conservadora, óbvia e reunindo superficialmente artistas de todas as galerias que a patrocinam, a Paralela tornou-se hoje vítima do próprio circuito que a criou. (FABIO CYPRIANO)
PARALELA 10 ONDE Liceu de Artes e Ofícios (r. Jorge de Miranda, 676, tel. 0/ xx/ 11/3229-9389) QUANDO ter. a sex., 12h às 18h; sáb. e dom., 10h às 18h; até 28/11 QUANTO grátis AVALIAÇÃO ruim Texto Anterior: Crítica/29ª Bienal de Artes: Bienal volta a ser epicentro das artes plásticas Próximo Texto: Principal oboísta brasileiro, Klein assume regência da OSM Índice | Comunicar Erros
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CRÍTICA "SE NÃO NESTE TEMPO"
Exposição olha a produção alemã com lentes do passado FABIO CYPRIANO DE SÃO PAULO
"Se Não Neste Tempo -Pintura Alemã Contemporânea: 1989-2010", mostra em cartaz no Masp (Museu de Arte de São Paulo), é uma estranha forma de observar a produção de um país que passou por tantas e tão intensas transformações desde a queda do Muro de Berlim. Estranha pois seleciona apenas a pintura como possível foco para análise desse período, quando esse tipo de divisão há muito deixou de ser importante para a produção contemporânea. E, como se sabe, sempre que se fala em volta da pintura, há uma estratégia de mercado para sustentar tal tese. Trata-se, assim, de uma leitura convencional e conservadora que, em tempos de uma Bienal com a temática arte e política e tendo como uma das mostras paralelas a retrospectiva de Joseph Beuys, no Sesc Pompeia, torna a exposição na avenida Paulista de fato anacrônica. Não que artistas como Gerhard Richter, Albert Oehlen ou Neo Rauch, entre os 26 "pintores" selecionados pelos curadores Teixeira Coelho e Tereza de Arruda, não sejam signficativos no panorama internacional. Mas eles não são os únicos expoentes de um país que gerou nomes como Tino Sehgal, Gregor Schneider, John Bock ou Wolfgang Tillmans. Falar apenas de pintura, em pleno século 21, é olhar o presente com lentes do passado, descuido que um museu do porte do Masp não pode realizar. SE NÃO NESTE TEMPO 168
ONDE Masp (av. Paulista, 1.578, tel. 0/xx/11/3251-5644) QUANDO ter. a dom., 11h às 18h; qui., 11h às 20h; até 9/1/2011 QUANTO R$ 15 AVALIAÇÃO regular Texto Anterior: Programação Hoje Próximo Texto: Maestro Giancarlo Guerrero discute cultura latina na Folha Índice | Comunicar Erros
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CRÍTICA ARTES PLÁSTICAS
Mostra desafia a percepção dos visitantes "Sempre à Vista [Miragem]", em cartaz na galeria Mendes Wood, traz obras que se confundem com o espaço FABIO CYPRIANO DE SÃO PAULO
O circuito de artes plásticas paulistano se encontra num momento superlativo. Há uma Bienal inflacionada com 159 169
artistas, a Paralela, com outros 59; mais a expansão de várias galerias, também com mostras coletivas generosas, como "Primeira e Última, Notas sobre o Monumento", em dois espaços de Luisa Strina. Nesse contexto, "Sempre à Vista [Miragem]", mostra organizada pelo artista Rodrigo Matheus, na galeria Mendes Wood, cria de forma inteligente uma pausa silenciosa e necessária. Com obras de 18 artistas, a exposição é quase invisível (ironia ao seu título), já que muitos trabalhos estão integrados ao espaço de tal forma que, em alguns casos, são mesmo difíceis de serem identificados. É o caso de "Dez Mosquitos", de João Loureiro, imagens do inseto aplicadas diretamente à parede com carimbos: só se aproximando muito é possível vê-los. Ou então, no segundo andar, uma borboleta feita por folhas de árvores, de Nicolás Robbio, obra sem título, que desafia o visitante ao confundir representação e realidade, uma das temáticas centrais do artista argentino. De certa maneira, "Sempre à Vista [Miragem]" lembra "This is Not a Void", que o curador Jens Hoffmann organizou na Luisa Strina, há dois anos. Lá também, era necessária uma percepção acurada para se localizar muitas obras, algumas históricas (Duchamp, Guy Debord...) e outras feitas para a mostra (Renata Lucas, Elmgreen & Dragset...). Na Mendes Wood, isso se percebe também quando o artista/curador apresenta "Pulmão", de 1987, obra já clássica de Jac Leirner, construída por invólucros de celofane, desses que protegem maços de cigarro, próxima a pequenas intervenções de Fernanda Gomes, como encher um copo com água e deixar um espelho embaixo. No entanto, enquanto a primeira se estruturou como um comentário irônico à chamada Bienal do Vazio, a atual se estrutura em torno do que representa a atitude artística e sua percepção. Aí, um trabalho exemplar é o móbile de Daniel Esteegmann, "Galho Partido", composto por um galho com suas ramificações cerradas ao meio. A ação, mínima nesse caso, como de resto em toda mostra, consegue impacto sem ser apelativa. SEMPRE À VISTA [MIRAGEM] ONDE galeria Mendes Wood (r. da Consolação, 3.368, tel. 0/xx/ 11/ 3081-1735) QUANDO de ter. a sáb., das 11h às 19h. Até 30/10 QUANTO grátis AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior: Vinheta-denúncia do artista para "Simpsons" 170
gera crise Próximo Texto: FOLHA.com Índice | Comunicar Erros Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.
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São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2010
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Mostra de fotógrafo argentino resgata traumas da ditadura DE SÃO PAULO
Exilado na Espanha desde a década de 1980, o fotógrafo argentino Marcelo Brodsky retornou ao seu país na década seguinte. Foi quando achou uma foto de sua classe, no primeiro colegial, tirada em 1967. "Depois de 25 anos, reencontrei meus colegas de classe e propus tirar uma foto de cada um, com elementos de sua vida atual, usando como fundo a foto de 1967", diz. Essa imagem, que funciona como uma espécie de "madeleine", de "Em Busca do Tempo Perdido", de Proust, é o centro da exposição "Buena Memoria, um Ensaio Fotográfico de Marcelo Brodsky", que é inaugurada, hoje, pelo Memorial da Resistência, na Pinacoteca. A foto realiza, assim, uma triste cartografia sentimental da história recente argentina, que inclui o desaparecimento de Fernando Rúbens Brodsky, irmão de Marcelo, sequestrado em 14/8 de 1979. "Depois de 20 anos, as autoridades do colégio aceitaram, pela primeira vez, que nos lembrássemos daqueles que desapareceram ou foram assassinados pelo terrorismo de Estado", diz Brodsky. A mostra traz dois vídeos, "Ponte da Memória"e "Brincando de Morrer", com imagens da infância dos irmãos Brodsky. Completa a exposição uma documentação do Parque da Memória, local construído para lembrar os sequestrados e desaparecidos durante a ditadura argentina. (FC)
171
BUENA MEMORIA QUANDO abertura, hoje, às 11h; de ter. a dom., das 10h às 18h; até 27/2/2011 ONDE Estação Pinacoteca (lgo. General Osório, 66, tel. 0/xx/11/ 3335-4990) QUANTO R$ 6 (grátis aos sábados) AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior: Crítica: Imagens traçam panorama da evolução da arte da fotografia Próximo Texto: Seminário debate resultados de pesquisa sobre hábito cultural Índice | Comunicar Erros
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CRÍTICA
Imagens traçam panorama da evolução da arte da fotografia A MOSTRA APONTA PARA O REQUINTE E O APRIMORAMENTO TÉCNICO, AINDA NOS PRIMÓRDIOS DA FOTOGRAFIA
DE SÃO PAULO
Duas exposições na Pinacoteca do Estado traçam um ótimo panorama da história da fotografia na primeira metade do século 20, do retrato clássico, feito em estúdio, às experimentações modernas. 172
"Estúdio de Arte Irmãos Vargas - A Fotografia em Arequipa, Peru - 1912/1930" reúne 75 imagens, em preto e branco, feitas pelos irmãos Miguel e Carlos Vargas. Quando, atualmente, a realização de retratos se popularizou, já que até mesmo celulares são capazes desse registro, a mostra aponta para o requinte e o aprimoramento técnico, ainda nos primórdios da fotografia. São impressionantes a clareza e o detalhamento das fotografias da dupla, sejam nas poses dramáticas dos artistas, sejam nas típicas fotos de família daquele período, ou mesmo nos curiosos retratos de recrutas. Um dos destaques da exposição são os negativos de vidro, exibidos numa área escurecida, que dá a eles ar de preciosidade. Já "Gaspar Gasparian, um Fotógrafo" apresenta 150 imagens de uma fase da história da fotografia mais preocupada com a construção da imagem, retirando dela seu caráter meramente documental, como se vislumbra da mostra peruana. Gaspar Gasparian (1899-1966), dono de um estúdio fotográfico, representa bem esse momento experimental, estimulado pelos fotoclubes dos quais participou. A exposição de Gasparian reúne cerca de 150 imagens, realizadas principalmente nas décadas de 1940 e 1950, todas "vintage", ou seja, ampliadas na época em que foram realizadas. Através delas se percebe que, se Gasparian não possui necessariamente um tipo de registro peculiar, ele estava totalmente sintonizado com a produção de sua época, especialmente aquela voltada para a pesquisa. É possível observar, num alto nível, desde seu trabalho pictorialista, quando a fotografia buscava se aproximar da pintura, até obras com caráter construtivo, onde objetos criam imagens geométricas. (FABIO CYPRIANO)
ESTÚDIO DE ARTE IRMÃOS VARGAS/GASPAR GASPARIAN, UM FOTÓGRAFO QUANDO de ter. a dom., das 10h às 18h; até 14/11 ONDE Pinacoteca do Estado (pça. da Luz, 2, centro, SP, tel. 0/xx/ 11/3324-1000) QUANTO de R$ 3 a R$ 6 (sábado, gratuito) AVALIAÇÃO ótimo (ambas) Texto Anterior: Pinacoteca fecha andar para reforma e reduz obras expostas Próximo Texto: Mostra de fotógrafo argentino resgata traumas da ditadura Índice | Comunicar Erros 173
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São Paulo, quinta-feira, 25 de novembro de 2010
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CRÍTICA FOTOGRAFIA
Mostra sobre Brasília traça painel crítico da história do país DE SÃO PAULO
Nesse momento de certa euforia econômica, a exposição "As Construções de Brasília" traz um componente que provoca reflexões. A mostra organizada por Heloisa Espada, do Instituto Moreira Sales (IMS), exibe dois momentos da capital: um da construção, que culmina na inauguração com fotos de Thomas Farkas em torno do apoio popular a Juscelino Kubitscheck (1956-1961); o outro, de uma visão crítica sobre o que se tornou Brasília, até a posse de Lula na série "Empossamento" (2003), de Mauro Restiffe. Do primeiro momento, além de Farkas, a mostra traz imagens de Marcel Gautherot, o fotógrafo oficial da construção de Brasília, e de Peter Scheier, todas da coleção do IMS. Se, por um lado, elas reforçam um sentido utópico na construção dos edifícios de Niemeyer, por outro, não escondem a precariedade que envolvia a empreitada. Isso é visto tanto nas imagens do Núcleo Bandeirante, favela que surge com a cidade, registro de Farkas, como na miséria da Sacolândia, moradias improvisadas ao redor do lago Paranoá, em fotos de Gautherot. Essa aparente contradição entre moderno e arcaico, já captada na origem da cidade, será tema central do segundo núcleo da mostra, composta basicamente por artistas contemporâneos, como Jac Leirner, Regina Silveira e Cildo 174
Meireles. Esse grupo aborda da ditadura militar, como a simbólica fotografia de Orlando Brito que confunde os edifícios da Câmara e do Senado com as botas de um soldado, aos registros do italiano Robert Polidori, que problematizam a modernidade decadente. Ao explorar as diversas construções de Brasília nesses seus 50 anos, a mostra acaba por traçar um painel crítico da história recente do país. (FABIO CYPRIANO)
AS CONSTRUÇÕES DE BRASÍLIA QUANDO seg., das 11h às 20h, de ter. a sáb., das 10h às 20h, e dom., das 10h às 19h ONDE Galeria de Arte do Sesi (av. Paulista, 1.313 , SP, tel. 0/xx/11/ 3146-7405) QUANTO grátis CLASSIFICAÇÃO livre AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior: Petição contra Jabuti de Chico Buarque tem nomes falsos Próximo Texto: "Boom" na Roosevelt criou "supermercado" de peças Índice | Comunicar Erros
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São Paulo, quinta-feira, 02 de dezembro de 2010
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CRÍTICA ARTES PLÁSTICAS
Masp frustra público com sala inadequada para obra central Divulgação
"Ecce Homo ou Pilatos Apresenta Cristo à Multidão", de Tintoretto, do
175
acervo do Masp
FABIO CYPRIANO DE SÃO PAULO
"Deuses e Madonas - A Arte do Sagrado", em cartaz no Museu de Arte de São Paulo (Masp), segue a linha das últimas exposições do acervo da instituição em torno de temas bastante gerais, como o romantismo ou retratos, ambas também em exibição. Essa sequência instituída por Teixeira Coelho abandona a tradicional mostra cronológica do acervo por questões mais livres, como já vem sendo feito em instituições como a Tate, em Londres, e o Pompidou, em Paris. Na exposição "Deuses e Madonas", a temática gira em torno do sagrado, tendo, desta vez, uma obra central que se desdobra num trabalho contemporâneo. Trata-se de "O Julgamento de Paris" (1710-1720), do italiano Michele Rocca (1666-1752), que ganha uma leitura do videoartista Eder Santos. O resultado é um tanto frustrante, pois o trabalho, numa sala sem condições necessárias, como escurecimento total e projetores sem grande força, faz o trabalho do videoartista, tentativa de tornar a obra de Rocca tridimensional, ficar muito aquém de outras experiências com tecnologia. No entanto, ao insistir em organizar as pequenas mostras temáticas com suas paredes tradicionais, a curadoria continua privando o público do museu em vivenciar a disposição concebida para o espaço por Lina Bo Bardi (1914-1992), com as obras todas apenas suspensas nos cavaletes de vidro. Já nessa disposição, aliás, encontrava-se a ideia de que a arte não precisa ser exibida com fronteiras, estando toda disposta numa só sala agigantada. Enquanto a curadoria do Masp não retomar essa montagem vai continuar em dívida com a arquiteta do museu e com quem nunca viu sua montagem original. DEUSES E MADONAS - A ARTE DO SAGRADO
QUANDO de ter. a dom., das 11h às 18h; qui., das 11h às 20h; até 16/1/ 2011 ONDE Masp (av. Paulista, 1.578, tel. 3251-5644) QUANTO R$ 15 CLASSIFICAÇÃO não informada AVALIAÇÃO regular
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CRÍTICA ARTES PLÁSTICAS
Exposição sintetiza drama na arte da Alemanha pré-nazista FABIO CYPRIANO DE SÃO PAULO
"Verdade, Fraternidade, Arte - Secessão de Dresden: Grupo 1919 e Contemporâneos", em cartaz no museu Lasar Segall, é uma mostra para celebrar apenas um trabalho, mas que, de forma inteligente, dá a ele um contexto adequado. O trabalho em questão é "Autorretrato", de Egon Schiele (1890-1918), em comodato no museu há muitos anos, mas que apenas nos últimos meses teve a atribuição ao austríaco confirmada. Na obra, Schiele atesta suas marcas expressionistas, corrente à qual foi ligado Lasar Segall (1891-1957), vínculo este explorado na mostra, curada por Vera d'Horta. A exposição apresenta 50 obras de outros 18 artistas, entre pinturas, aquarelas e gravuras, produzidas entre 1910 e 1933, ano de "A Bestialidade Avança", de George Grosz, que anunciava a ascensão do nazismo. Em se tratando de uma mostra no Brasil, não deixa de ser notável a capacidade de se reunir obras significativas deste momento, a República de Weimar, com trabalhos de museus como o Masp e o MAC-USP e também de colecionadores privados, representando artistas do porte de Paul Klee, Wassily Kandinsky e Käthe Kollwitz. Outro trabalho central é um álbum com doze gravuras do Grupo 1919, que pertence ao museu que sedia a mostra, e engloba nomes como o próprio Segall, George Grosz e Kurt Schwitters. A gravura ganha destaque por representar o esforço pela democratização da arte. Publicações como "O Cavaleiro Azul", editado por Kandinsky e Franz Marc, e periódicos 177
alemães das décadas de 1910 e 1920 completam o contexto altamente politizado dos expressionistas. O caráter inovador revela-se ainda no quadro "Eternos Caminhantes" (1919), de Segall, que chegou a fazer parte da mostra Arte Degenerada, organizada por Hitler em 1937 para combater a arte moderna. Sintética, a exposição revela toda a dramaticidade de um dos momentos-chave da arte no século 20. VERDADE FRATERNIDADE ARTE QUANDO ter. a sáb., 14h às 19h; dom., 14h às 18h. Até 20/2 ONDE Museu Lasar Segall (r. Berta, 111; tel. 5574-7322) QUANTO grátis AVALIAÇÃO ótimo Próximo Texto: Música: Jair Oliveira faz shows no Fecap hoje e amanhã Índice | Comunicar Erros
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178
8.3. Quadro de matérias sobre artes visuais publicadas n’O Estado de S. Paulo durante a 29ª Bienal de Artes de São Paulo Numeração por gênero 1
Data
Veículo
26/09/2010 OESP
Caderno/Editoria Autor /Seção Caderno 2 Andrei Netto
1
26/09/2010 OESP
Caderno 2
Holland Cotter
1
26/09/2010 OESP
Caderno 2
2
27/09/2010 OESP
Caderno 2
Antônio Gonçalves Filho Camila Molina
3
28/09/2010 OESP
Caderno 2
Camila Molina
4
28/09/2010 OESP
Caderno 2
Gabriela Moreira
1
28/09/2010 OESP
Caderno 2
5
29/09/2010 OESP
Caderno 2
Antônio Gonçalves Filho Ana Bizzotto
6
29/09/2010 OESP
Caderno 2
Camila Molina
7
30/09/2010 OESP
Cidades/Metrópole Pedro Antunes
1
01/10/2010 OESP
Caderno 2
2
03/10/2010 OESP
Cidades/Metrópole Edison Veiga
Jornalista do Estadão
2
05/10/2010 OESP
Caderno 2
Tonica Chagas
3
05/10/2010 OESP
Caderno 2
Tonica Chagas
Especial para o Estadão Especial para o Estadão
4
05/10/2010 OESP
Caderno 2
Tonica Chagas
8
07/10/2010 OESP
Cidades/Metrópole Edison Veiga
1
07/10/2010 OESP
Caderno 2
AFP (Agência)
9
08/10/2010 OESP
Caderno 2
Camila Molina
Rodrigo Naves
Qualificação do autor Jornalista do Estadão. Correspondente em Paris The New York Times Crítico do Estadão Jornalista do Estadão Jornalista do Estadão Jornalista do Estadão (Rio de Janeiro) Crítico do Estadão Jornalista do Estadão Jornalista do Estadão Jornalista do Estadão Crítico de arte
Especial para o Estadão Jornalista do Estadão Redação Jornalista do Estadão
Título Monet em seleção didática e atraente
Gênero Reportagem
Ginsberg, o poeta e a Resenha câmera Bienal por um inglês Entrevista respeitado Bolero, polêmica e urubus Reportagem Artista reclama de Reportagem abandono em instalação pichada Iate Clube do Rio investiga Reportagem venda de obra A Brasília do passado pelo olhar do futuro Justiça libera obras de Frans Krajcberg no Ibirapuera Bienal recebe 11,5 mil no 1º fim de semana Masp começa a expor reproduções na rua
Resenha Reportagem
Reportagem Reportagem
Arte e vida: flagrantes e reflexões "Concreto sim, mas não tanto...", pede Augusto de Campos Matisse: cinco anos sem cores vibrantes Cenas idílicas com banhistas, músicos e bailarinos Lema: refaça suas obras
Análise/Ensaio
A cidade na visão de Gregorio Gruber Atribuída nova obra a Rembrandt Fantasmas flutuantes
Reportagem
Entrevista
Ensaio Ensaio
Ensaio
Notícia/Nota Reportagem
179
2
10/10/2010 OESP
Caderno 2
Não identificado
Redação
3
11/10/2010 OESP
Caderno 2
Camila Molina
10
12/10/2010 OESP
11
13/10/2010 OESP
12
13/10/2010 OESP
13
15/10/2010 OESP
3
15/10/2010 OESP
Caderno 2
AP (Agência)
Redação
14
15/10/2010 OESP
Caderno 2
15
15/10/2010 OESP
Caderno 2
Francisco Quinteiro Pires Camila Molina
16
16/10/2010 OESP
Caderno 2
Camila Molina
17
16/10/2010 OESP
Caderno 2
Camila Molina
4
16/10/2010 OESP
Caderno 2
Não identificado
Especial para o Estadão Jornalista do Estadão Jornalista do Estadão Jornalista do Estadão Redação
5
16/10/2010 OESP
Caderno 2
Não identificado
Redação
18
17/10/2010 OESP
Caderno 2
Tonica Chagas
19
17/10/2010 OESP
Caderno 2
Tonica Chagas
6
17/10/2010 OESP
Caderno 2
Não identificado
Especial para o Estadão Especial para o Estadão Redação
20
18/10/2010 OESP
Cidades/Metrópole Ana Bizzotto
4
19/10/2010 OESP
21
20/10/2010 OESP
22
20/10/2010 OESP
23
22/10/2010 OESP
24
22/10/2010 OESP
5
22/10/2010 OESP
25
28/10/2010 OESP
26
29/10/2010 OESP
Caderno 2
Camila Molina
27
29/10/2010 OESP
Caderno 2
Camila Molina
28
31/10/2010 OESP
Caderno 2
Andrei Netto
2
31/10/2010 OESP
Caderno 2
Andrei Netto
6
31/10/2010 OESP
Caderno 2
Andrei Netto
7
31/10/2010 OESP
Caderno 2
Não identificado
Jornalista do Estadão Cidades/Metrópole Edison Veiga Jornalista do Estadão Caderno 2 Roberta Pennafort Jornalista do Estadão Caderno 2 Roberta Pennafort Jornalista do Estadão Cidades/Metrópole Vitor Hugo Jornalista do Brandalise Estadão
Jornalista do Estadão Caderno 2 Antônio Jornalista do Gonçalves Filho Estadão Caderno 2 Simonetta Especial para o Persichetti Estadão Caderno 2 Camila Molina Jornalista do Estadão Caderno 2 Camila Molina Jornalista do Estadão Caderno 2 Camila Molina Jornalista do Estadão Caderno 2 Camila Molina Jornalista do Estadão Cidades/Metrópole Rodrigo Burgarelli Jornalista do Estadão Jornalista do Estadão Jornalista do Estadão Correspondente do Estadão em Paris Correspondente do Estadão em Paris Correspondente do Estadão em Paris Redação
Obras antiditatura ganham exposição "Não sei se é arte, mas é divertido de fazer" Artistas abrem ateliê para visitas do público O valor do dinheiro, segundo a arte Erthos Albino e a poesia que nasce das máquinas Após 86 anos, "avô dos arranha-céus" é aberto ao público Tela em NY pode ser de Michelangelo Retratos de um pesadelo O sagrado no Masp e com tecnologia As sete Brasílias possíveis e sonhadas Fotografias da capital debaixo d'água CCSP comemora 20 anos de exposições Márcia Pastore inspira-se no corpo Registros raros da Guerra Civil Espanhola Como chegaram ao México ainda é mistério MAM do Rio resgata eventos dos anos 70 Carroças, o novo espaço para a arte do grafite O americano que provoca na Bienal Latinos discutem identidade Espelho do mundo na obra de Zizola A arte de saber renovar a arte Obras em papel são expostas em mapoteca Reduto para o contemporâneo Letras verdes de Carlos Adão vão da rua para galeria Regina Silveira borda o céu Uma intervenção efêmera
Notícia/Nota Entrevista Reportagem Reportagem Reportagem Reportagem
Notícia/Nota Reportagem Reportagem Reportagem Reportagem Notícia/Nota Notícia/Nota Reportagem Reportagem Notícia/Nota Reportagem Entrevista Reportagem Reportagem Reportagem Reportagem Entrevista Reportagem
Reportagem Reportagem
O mito profano
Reportagem
Paris celebra os 50 anos do irrequieto Basquiat
Resenha
Um artista que assimilou os elementos da rua
Entrevista
Filme traz famosos
Nota
180
1
02/11/2010 OESP
Caderno 2
Lilian Pacce
29
02/11/2010 OESP
Caderno 2
Camila Molina
8
02/11/2010 OESP
Caderno 2
Não identificado
Especial para o Estadão Jornalista do Estadão Redação
30
04/11/2010 OESP
Caderno 2
9
05/11/2010 OESP
Caderno 2
Antônio Gonçalves Filho Não identificado
Jornalista do Estadão Redação
10
06/11/2010 OESP
Caderno 2
EFE
11
07/11/2010 OESP
Caderno 2
Não identificado
Agência de notícias Redação
12
08/11/2010 OESP
Caderno 2
Não identificado
Redação
13
09/11/2010 OESP
Caderno 2
EFE
31
09/11/2010 OESP
Caderno 2
Camila Molina
14
11/11/2010 OESP
Caderno 2
EFE
3
14/11/2010 OESP
Caderno 2
Andrei Netto
4
14/11/2010 OESP
Caderno 2
Jotabê Medeiros
32
16/11/2010 OESP
Caderno 2
Tonica Chagas
33
17/11/2010 OESP
Cidades/Metrópole Bianca Baldi
Agência de notícias Jornalista do Estadão Agência de notícias Correspondente do Estadão em Paris Jornalista do Estadão Especial para o Estadão Jornalista do JT
15
18/11/2010 OESP
Caderno 2
Tonica Chagas
34
19/11/2010 OESP
Caderno 2
Tonica Chagas
5
20/11/2010 OESP
Caderno 2
Maria Hirszman
16
21/11/2010 OESP
Caderno 2
Não identificado
2
22/11/2010 OESP
Caderno 2
Camila Molina
3
22/11/2010 OESP
Caderno 2
Camila Molina
17
23/11/2010 OESP
Caderno 2
Não identificado
35
23/11/2010 OESP
Caderno 2
36
25/11/2010 OESP
Caderno 2
18 5
25/11/2010 OESP 26/11/2010 OESP
Caderno 2 Caderno 2
6
27/11/2010 OESP
Caderno 2
19
27/11/2010 OESP
Caderno 2
Roberta Pennafort Jornalista do Estadão Camila Molina Jornalista do Estadão Não identificado Redação Aracy Amaral Especial para o Estadão Maria Hirszman Especial para o Estadão Não identificado Redação
7
28/11/2010 OESP
Caderno 2
Simonetta Persichetti
Especial para o Estadão Especial para o Estadão Especial para o Estadão Redação Jornalista do Estadão Jornalista do Estadão Redação
Especial para o Estadão
Philippe Starck, o explorador Passeio pela história da arte e da tecnologia Lançamento de livros e debates O olhar do pioneiro da fotografia moderna Obras de Dali, Volpi e Tarsila em leilão Supermercado de arte na Europa Mostra de vídeo do Brasil no Pompidou Galeria Estadão promove debate Ai Weiwei tem breve prisão na China Mapa da mina para entender o Egito Obra de Warhol supera US$ 30 mi O que se passa na cabeça de Moebius Influência vai da música ao cinema Latinos na Sotheby's e Christie's Nos próximos dez dias, arte de todo o mundo invadirá SP Obra de Wifredo Lam atinge Recorde Machina alcança US$ 722,5 mil A gênese expressionista de Lasar Segall Mostra em Minas discute fotografia Círculos de Tomie Formas e cores na vibração de Tomie Mostra reúne os melhores de design "É preciso perturbar o MAM, que é precioso" As novas pinturas de Antônio Dias Homenagem a Maureen 29ª Bienal: algumas notas
Perfil Reportagem Nota/notícia Reportagem Nota/notícia Nota/notícia Nota/notícia Nota/notícia Nota/notícia Reportagem Nota/notícia Resenha
Resenha Reportagem Reportagem
Nota/notícia Reportagem Resenha Nota/notícia Reportagem-perfil Reportagem-perfil Nota/notícia Reportagem Reportagem Notícia Ensaio
Tradições abstratas de Resenha duas culturas Livros de arte são tema de Nota/notícia debate Múltiplas lentes Resenha
181
7
28/11/2010 OESP
Caderno 2
Lilian Pacce
8
28/11/2010 OESP
Caderno 2
8
28/11/2010 OESP
Caderno 2
Simonetta Persichetti Juliana Lopes
20
28/11/2010 OESP
Caderno 2
Não identificado
37
29/11/2010 OESP
Caderno 2
Camila Molina
21
30/11/2010 OESP
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Antônio Gonçalves Filho AFP
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Camila Molina
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Redação
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Reportagens Entrevistas Perfis Notas/notícias Análises / Artigos / Ensaios Resenhas Resenha traduzida TOTAL DE MATÉRIAS
Especial para o Estadão Especial para o Estadão Especial para o Estadão Redação Jornalista do Estadão Agência de notícias
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Miro, entre a luz e a sombra Imagens que guardam testemunhos Brasília à milanesa
Entrevista Resenha Entrevista
Debate encerra a Paralela Nota/notícia 2010 Os jardins dos Reportagem impressionistas Descobertas novas obras Nota/notícia de Picasso Obra traz nova visão dos signos de Eckhout Roubado caminhão com obras A última ceia, por Greenaway, em NY Densidade em preto e branco MIS comemora com festa seus 40 anos Regina Silveira faz palestra no MASP Direito autoral em mais debate Herdeiros são desafio à parte Jornada estará na internet
Reportagem / resenha de livro Notícia
O desassossego de um pintor Uma produção que toca nas dores da humanidade Miró faz a síntese de seus mestres Diário do front por um herói da câmera Acaso e beleza na Paris de Doisneau A Guerra na visão de um resistente Baselitz recria seu passado artístico "O mercado não é um problema" Obras de Rosângela Rennó vão a leilão Aracy Amaral, na Bienal do Mercosul Metropolitan: obra ilegal de Cezânne Sete artistas mineiros no Rio Com contas em dia, o fim da mostra Por trás das lentes, um chamado Imagens sob a estética do limite Festival faz 30 anos e espalha pela cidade quase 60 mostras
Entrevista
Nota/notícia Reportagem Nota/notícia Nota/notícia Reportagem Reportagem Notícia
Resenha Resenha Resenha Resenha Comentário Entrevista Perfil Nota/notícia Nota/notícia Nota/notícia Reportagem Reportagem Entrevista Entrevista Reportagem
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