Página UM 105

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VITORIA MIKAELLI

ENTREVISTA

FÁBIA PORTO, PREFEITA DE SANTA ISABEL, FALA AO PÁGINA UM SOBRE MULHERES NA POLÍTICA 3 Ano XX | Número 105 Distribuição Gratuita

Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da Universidade de Mogi das Cruzes paginaum@umc.br Fale conosco: /paginaumc MIRÉLY TELES

MEIO AMBIENTE

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TIETÊ É O RIO MAIS POLUÍDO DO BRASIL 14

Trecho crítico se estende por 130 km, de Itaquaquecetuba a Cabreúva. Esgoto doméstico, resíduos sólidos, fertilizantes e agrotóxicos são os principais poluentes.

SERVIÇOS PÚBLICOS DANIELA GOMES

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SEGURANÇA

VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES CRESCE NO ALTO TIETÊ

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CIDADANIA

PESSOAS TRANS LUTAM PELA ACEITAÇÃO DO NOME SOCIAL DÉBORA PRADO

INGRID MARIANO

100 MILHÕES NÃO TÊM ACESSO A SANEAMENTO BÁSICO Despejo anual de esgoto na natureza, sem tratamento, ultrapassa 5,2 bilhões de metros cúbicos, equivalente a cerca de 5700 piscinas olímpicas diariamente. No Alto Tietê, tratamento de esgotos atende apenas 68,7% das residências.

Bruna denunciou tentativa de estupro no trem da CPTM e agressor foi preso

Segundo a SSP-SP, no Alto Tietê foram resistrados 56 estupros em janeiro de 2018. Em Mogi, crimes sexuais subiram de 72 ocorrências em 2016 para 156 em 2017.

Resolução do MEC sobre uso de nome social beneficiou Ian Pietro, estudante de Jornalismo na UMC

Ambiente corporativo é um dos setores mais resistentes à aceitação do nome social. Preconceito exclui do mercado de trabalho até pessoas qualificadas. Segundo a Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), 90% das travestis e transexuais sobrevivem por meio da prostituição.


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OPINIÃO

editorial

O maior e mais urgente desafio para o país No momento em que esta edição vem a público, a jovem democracia brasileira vive seu maior dilema. No segundo turno das eleições presidenciais que se avizinha, os brasileiros deverão escolher entre um projeto claramente democrático, embora desacreditado devido a erros passados, e outro que flerta perigosamente com o autoritarismo. Ironicamente, o processo eleitoral em curso, expressão máxima da democracia, pode entregar o poder a um grupo que em diversas ocasiões revelou disposição para suprimi-la. Como é de conhecimento geral, o Página UM não abriga defesas partidárias, o que não o impede de dar espaço em suas páginas a pensamentos de todos os matizes – com preferência óbvia pelo viés que defende as liberdades de imprensa e de expressão individual. Dito isso, é imperativo admitir que neste momento o maior e mais urgente desafio que se coloca ao país é a defesa da democracia e a manutenção do espaço público de debates. Ao iniciarmos a produção desta edição, em agosto de 2018, vislumbrávamos outros desafios, porém os fatos recentes impuseram a defesa da democracia como pauta inescapável. A proliferação de fake news criou o ambiente tóxico no qual os brasileiros terão que tomar a decisão mais importante das últimas décadas. Fala alto a timidez do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) ao abordar o assunto. A ausência de esforços inequívocos por parte dos poderes constituídos pelo restabelecimento das condições ideais para o debate democrático permitiu que grupos radicais dessem um passo adiante e iniciassem ataques com motivação política, atingindo pessoas e instituições. Fosse apenas uma ocorrência já deveríamos nos alarmar. Contudo, já se contam às dezenas, inclusive com vítimas fatais, sem que a imprensa de referência denuncie a verdadeira natureza dos ataques e sem que o poder público os condene enfaticamente. Nesse contexto, entre os desafios para o Brasil apresentados nesta edição, reiteramos que o maior e mais urgente é a manutenção da fé na democracia como único caminho para o desenvolvimento social e econômico do país.

2018 | Ano XX | Nº 105

crônica

da coordenação

Lugar e tempo de reflexão

Apenas sou Mariana Gregório* Me coloco incapaz de opinar sobre os últimos acontecimentos. Me coloco incapaz de ser bem sucedido. Me coloco incapaz de ser admitido. Me coloco incapaz de apenas caminhar. Me coloco incapaz de estudar. Me coloco incapaz de me formar. Me coloco incapaz de ser quem sou. Pois ainda sinto as marcas das algemas sem nem mesmo tê-las usado, sinto minhas costas ardendo como se tivesse apanhado, sinto o sangue quente escorrendo como se tivesse me cortado, os olhares e os dedos apontando para nós. Parece loucura, mas não é. A ignorância das pessoas nos deixa preso, a falta de empatia nos afoga de tal modo que ficamos submergidos em ignorância e acabamos esquecendo nossa própria essência. Afinal, quem somos? Nem ao menos sabemos. Mas isso não justifica o fato de que a cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. Dos 56 mil homicídios que ocorrem por ano no Brasil, mais da metade acometem jovens negros. Não é suposição, é a estatística da Anistia Internacional, é fato. E apesar de tudo isso, ainda assim ouvimos as mesmas palavras, de que o Brasil não é um país racista, pois a maior parte dos que aqui moram são negros. Sim, somos um país multirracial, mas só nas estatísticas, porque da porta pra fora ninguém é igual. Somos racistas e preconceituosos. Gostamos de nos esquecer que a população negra atual descende daqueles que sofreram o regime escravocrata. Sofrido, doído e coagido. Fomos escravizados pelos mesmos que hoje se dizem amigos. Que na primeira oportunidade nos julgam bandidos. Gritando que não é racismo! Não me julgo melhor nem pior. Só aprendi que tapar o sol com a peneira não impede que eu me queime, pois o sol sempre vai estar lá, mesmo que escondido, mesmo que entre as frestas, mesmo que disfarçado de anoitecer. Basta algo acontecer para você saber que todas as câmeras e olhos apontam para você. Sou estudante de jornalismo e confesso que estava desanimada em relação à minha escolha, mas devido aos últimos acontecimentos e ao choque de realidade que recebemos ao longo do tempo, vejo que é necessário continuar para que de alguma forma minha voz tenha importância, para fazer com que o fato de ser a única negra numa sala com 30 alunos não seja comum. *Estudante de Jornalismo, cursando o 6º Semestre.

Andre Luiz Dal Bello* Ao refletir sobre o que aconteceu na UMC nas duas semanas que findaram o mês de setembro e início de outubro, concluo que não são só os espaços para reflexão que nos faltam, mas o tempo. Ao realizarmos nessas duas semanas o DUMC – Jornada do Design Gráfico – e a SECOM – Semana da Comunicação –, tivemos contato com as mais interessantes discussões. Essas discussões tão bem serviram aos propósitos de fornecer um banquete reflexivo que, ora preparadas com a experiência e vocação dos palestrantes, ora moderada pelos professores dos cursos de Comunicação e Design Gráfico, trouxeram amplos debates para um espaço diferente da sala de aula. E os alunos? Os alunos, ávidos por um espaço para expor os seus pontos de vista e questionamentos, estiveram presentes e utilizaram cada segundo do tempo disponível. Não importava o tema tratado. Se ali estavam, questionavam. E como questionaram! Os eventos em si e as conversas que sucederam cada encontro evocaram aquilo que não conseguimos, muitas vezes por conta da correria do dia a dia: o tempo para reflexão. Ainda assim, como nos momentos mais prazerosos de nossas vidas, o tempo foi o único elemento que nos pareceu raro nesses dias tão intensos. Para nós, fica a memória do sabor que teve cada momento e a vontade (planos) de preparar mais encontros como estes. Afinal, se o tempo nos é mais escasso para a reflexão nos campos da Comunicação e do Design Gráfico, que possamos realizar mais e mais momentos como estes. Que venha o próximo DUMC e a próxima Semana da Comunicação. *Professor-coordenador dos cursos de Design Gráfico e Jornalismo da UMC. E-mail: andrebello@umc.br.

PRODUÇÃO Alunos regularmente matriculados nas turmas 5º A, 6º A e 6º B de Jornalismo da UMC DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) Ano XX – Nº 105 Fechamento: 20/10/2018

O jornal-laboratório Página UM é uma produção de alunos do curso de Jornalismo da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), em conformidade com o Projeto Pedagógico do curso. Esta edição foi produzida por alunos do 5º e 6º períodos. *Os conteúdos refletem tão somente a opinião dos autores que os assinam, não correspondendo necessariamente à opinião da Universidade ou do Curso de Jornalismo.

Professores Orientadores: Prof. Elizeu Silva – MTb 21.072-SP (Orientação geral, Edição e Planejamento Gráfico) | Profª. Simone Leone – MTb 399.971-SP (Pautas e Edição de Textos) | Prof. Sérsi Bardari - MTb 20.256-SP (Pautas e Edição de Textos) | Prof. Fábio Aguiar (Fotografias) Projeto Gráfico: Alunos do curso de Design Gráfico da UMC, sob orientação do Prof. Fábio Bortoloto: Rafael Alves de Oliveira | Gilmar Amaral Lamberti Rafael Marques dos Santos | Daniel Miranda Ribeiro

Chanceler: Prof. Manoel Bezerra de Melo Reitora: Profª. Regina Coeli Bezerra de Melo Pró-Reitor Acadêmico do Campus (sede): Prof. Cláudio José Freixeiro Alves de Brito Pró-Reitor Acadêmico – Campus Fora de Sede – Villa Lobos/Lapa: Prof. Ariovaldo Folino Júnior Assessor Pedagógico Campus (sede): Prof. Hélio Martucci Neto Assessor Pedagógico Campus Fora da Sede: Prof. Wilson Pereira Dourado Diretor de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão: Prof. Cláudio José Freixeiro Alves de Brito Diretor de EaD: Prof. Ariovaldo Folino Junior Diretor Administrativo: Luiz Carlos Jorge de Oliveira Leite Gestor dos Cursos de Design Gráfico e Jornalismo: Prof. Andre Luiz Dal Bello

Avenida Doutor Cândido Xavier de Almeida Souza, 200 – CEP: 08780-911 – Mogi das Cruzes – SP | Tel.: (11) 4798-7000 E-mail: paginaum@umc.br


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ENTREVISTA

Nº 105 | Ano XX | 2018

FOTO: VITÓRIA MIKAELLI

“Imagina 50% da população pensando em políticas para as mulheres” Para Fábia Porto, é necessário inspirar mulheres e lideranças que estejam realmente dispostas a trabalhar pela população

Larissa Batalha e Tauane Barbosa

A

s mulheres são 51,5% da população brasileira, mas no cenário político têm participação muito limitada. Nas últimas eleições municipais, para cada dez prefeitos eleitos apenas uma mulher se elegeu. No Congresso Nacional, elas ocupam apenas 11% dos assentos na Câmara e 16% no Senado. No Alto Tietê a regra se confirma: das nove cidades da região apenas uma, Santa Isabel, é administrada por mulher. A atual prefeita da cidade, Fábia Porto Rossetti, 44 anos, formada em Jornalismo e em Pedagogia, com especializações em Língua Portuguesa e Inglesa, e em Administração Pública, administra Santa Isabel desde 2016. Antes ela esteve à frente da Secretaria Municipal de Educação. Em 4 de setembro, a prefeita esteve na UMC (Universidade de Mogi das Cruzes) para uma coletiva de imprensa com os alunos-repórteres do Página UM sobre a representatividade da mulher na política. Página UM: Os dados sobre a representatividade da mulher no cenário político são assustadores. A lei nº 9.504 de 30/09/97, exige que os partidos preencham uma cota de 30% das candidaturas com mulheres, mas muitas vezes as candidaturas não passam de fachada. Como você se posiciona com relação a essa “concessão”? Fábia Porto Rossetti: A dificuldade hoje é realmente completar o quadro das mulheres. As cotas são uma conquista, mas percebo que a maioria das mulheres tem receio da política. Não só as mulheres, (mas) as pessoas em geral veem a política como algo ruim. É muito importante se posicionar, mulheres e homens também. Você tem que se posicionar e mostrar a que veio.

Qual a importância da presença de mulheres no Executivo e no Legislativo? Quais são os tipos de mudanças na política e na sociedade que acontecem quando as mulheres ocupam lugares de poder? FP: É importante haver uma equidade entre os gêneros. Se houvesse equilíbrio na participação feminina e masculina, nosso papel na sociedade seria valorizado cada vez mais. A política é para todos, independentemente de gênero. No início deste ano a Islândia se tornou o primeiro país do mundo no qual a igualdade salarial entre homens e mulheres, no desmpenho de funções semelhantes, é exigida por lei. Quase

50% do parlamento islandês é constituído de mulheres. Em sua opinião, há correlação entre a presença feminina naquele parlamento e uma conquista tão significativa para as mulheres? FP: A conquista salarial e a conquista no parlamento tem tudo a ver. Imagina 50% de mulheres pensando em políticas para as mulheres. Não só para as mulheres, mas para todos, porém se colocando no lugar do outro. Você acha que um homem, por exemplo, pensaria numa Casa Rosa (centro de acolhimento de Santa Isabel criado para promover os direitos, a independência e atender mulheres vítimas de violência)? Ainda é muito forte na população essa figura machista da prioridade para o homem, que muitas vezes vem da própria cultura da mulher que cria o menino para ser líder, para fazer coisas de homens, e as meninas para fazer coisas de mulheres. Então ainda há muito a ser melhorado. A escola tem um papel muito importante. Eu acho que essa discussão nas escolas, nas universidades, é muito relevante, e inclui o debate sobre as eleições de mulheres. Embora o Condemat (Consórcio de Desenvolvimento dos Municípios do Alto Tietê) exista desde 1989, você é a segunda mulher

a ter posição no Consórcio. Como é essa experiência? FP: Fui muito bem recebida. Eles são bem cavalheiros e não temos dificuldades. Ao contrário, eles até defendem que é importante ter (mulher) no Consórcio. Ainda quero a presidência antes de terminar o meu mandato.

tos tenho que ser completamente imparcial, como quando tenho que reduzir a folha de pagamento do município. A pior coisa que existe nessa vida é você ter que demitir pessoas.

Da sua primeira candidatura, à segunda, quando foi eleita, houve uma migração partidária. Na sua opinião o eleitorado votou em você por causa do novo partido ou porque efetivamente gostaria de tê-la à frente da prefeitura? FP: Sim, ajudou estar num novo partido, embora em Santa Isabel as pessoas votam mais nos candidatos do que nos partidos. Na época eu estava no PT e algumas pessoas não gostavam do partido. Estar no PRB, um partido central, mais conservador, me ajudou bastante.

Quais foram suas inspirações na política? De onde surgiu a vontade de entrar na política? FP: Meu pai é minha inspiração. Ele lutou muito, sempre foi honesto e fez o papel dele. Mas no momento em que eu resolvi entrar na política, ele foi contra. Comecei quando assumi a Secretaria de Educação de Santa Isabel. Percebi o seguinte: há tanto dinheiro público e as escolas continuam uma porcaria, não têm merenda de qualidade, não têm material para as crianças. Eu queria fazer o que que é certo, ou seja, aplicar o dinheiro na educação das crianças. Acabei sendo exonerada por isso.

Já aconteceu de você precisar tomar alguma decisão que afligisse seus ideais femininos, mas necessária para o bem social e econômico do município? FP: Não é que afligia, mas a mulher geralmente tem o lado emocional mais aflorado. Você tem que lidar muito com o seu lado prático e objetivo, sem abrir mão do emocional. Em muitos momen-

É fácil ser prefeita? FP: Sim, muito. Sou apaixonada pelo que faço e acredito que mesmo com as lutas diárias, tudo que se faz com amor, gera felicidade e você então “apanha” sorrindo. Me sinto realizada quando consigo fazer algo que mude positivamente pelo menos um aspecto na vida das pessoas.


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CIDADANIA

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Eleitores espalham intolerância e ódio na internet Apenas 2,6% dos comentários políticos nas redes apresentam opiniões sem conteúdo ofensivo ANA MOREIRA

Exclusão digital desafia a cidadania MELISSA ROBERTA

Berenice Oliveira, 47 anos, foi vítima de golpe aplicado pela internet

Melissa Roberta

A estudante Jady Togni relata que sofre represálias por disseminar seu ativismo em redes sociais MATHEUS EVARISTO

Ana Moreira

D

e acordo com uma pesquisa feita pela agência Nova/ Sb e divulgada pelo blog Comunica que Muda, 97,4% dos comentários referentes à política envolvem ataques verbais explícitos. O estudo também revela que este tem sido o assunto mais discutido nas redes sociais Twitter e Facebook desde 2016. Para a doutora em Políticas Públicas Andrea Benetti de Oliveira, o fato se explica por conta da facilidade do anonimato. “Nas redes sociais temos uma espécie de ‘proteção’ que faz pensar que podemos escrever o que queremos. Daí a percepção de que o ódio que facilmente se propaga nas redes sociais é o que existe no mundo real, quando na verdade o que existe é simples discordância”. Para a estudante de Rádio e TV Jady Togni discutir opiniões políticas é extremamente necessário. “Quando falamos sobre nossa visão, nós estamos lutando por nosso espaço no mundo. Política é a nossa maneira de lidar e ver o mundo”. Ela relata a intolerância que so-

Augusto Anselmo, psicólogo, destaca a necessidade de empatia

fre nas redes: “Quando você faz um comentário, tem que estar preparado para isso, sempre vem alguma reação, normalmente não para debater, mas de forma agressiva. Pessoas já me excluíram do Facebook por causa das minhas opiniões”. De acordo com o psicólogo Augusto Anselmo, “política é um assunto delicado porque depende de contexto. Normalmente escolhemos lados por identificação e o problema surge quando os lados

adotam suas posições como se fossem regras, dando origem a grupos extremistas com ideais políticos inflexíveis”. Ainda segundo o psicólogo, existem maneiras de abrir mais a mente para o outro.“Se tenho ódio por alguma coisa é porque não me coloco no lugar do outro. Precisamos incentivar, no campo da educação, o ensino de habilidades para a vida, como empatia, tolerância e atividades em grupo”.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (PnadC) 2016, divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), revela: dos 63,3 milhões de brasileiros excluídos do mundo digital, 47,4 milhões afirmam não saber usar ferramentas tecnológicas. Considerando que a inclusão digital se dá a partir do acesso e do domínio das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), são mais de 45 milhões de brasileiros que permanecem excluídos de muitos aspectos da vida cotidiana. A baixa alfabetização digital faz que muitas pessoas tenham dificuldade para distinguir entre o que é confiável do que é falso. Berenice Oliveira, 47 anos, moradora de Santa Isabel, foi vítima de um golpe na internet por não ter conhecimento sobre o que poderia encontrar online. “Entrei em contato com uma pessoa através do Facebook porque ela disse que estava vendendo uma televisão por um preço tentador. Resolvi depositar todo o dinheiro para aproveitar o negócio. Após o depósito, ela cancelou a conta no Face e a televisão nunca chegou”. Renan Fernandes, professor de informática, acredita que o bra-

sileiro sofre com a falta de investimento e políticas públicas voltadas ao uso da tecnologia. “Hoje, existem ferramentas para pesquisas, compras, pagamentos, ensino, atendimentos, tudo à distância, possibilitando um universo de oportunidades. Mas a falta da educação digital afasta uma parcela da população dessa realidade e contribui para que fiquem vulneráveis a uma explosão de informações que podem ser verdadeiras ou não”. Atualmente, 116 milhões de brasileiros estão conectados à internet. A troca de mensagens é a principal atividade para 94,6% dos internautas, e 92,1% da navegação na rede é feita através de dispositivos móveis, de acordo com o IBGE. O motorista Benedito Santos, 58, afirma que não consegue viver sem os recursos digitais. “Admito a minha admiração pela internet. Não consigo estar sempre com os meus filhos e as chamadas de vídeo me permitem vê-los, mesmo de longe. É extraordinário”. Segundo a psicóloga Julia Vilhena, acompanhar os avanços tecnológicos ajuda no desenvolvimento pessoal do ser humano. “Mas também é fundamental ter disciplina e equilíbrio no uso das tecnologias”.


CIDADANIA

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Pessoas trans lutam pela aceitação do nome social Apesar de vitórias significativas, o Brasil ainda é um dos países mais intolerantes do mundo FOTOS: DÉBORA PRADO

Débora Prado

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m 2018, o Ministério da Educação (MEC) homologou resolução que autoriza o uso do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares da educação básica. A proposta visa minimizar estatísticas de violência e abandono da formação escolar em função de bullying, assédio, constrangimento e preconceitos. Porém, a inclusão de transexuais, travestis e transgêneros no ambiente corporativo ainda é um desafio para o Brasil. Mesmo pessoas graduadas e aptas a exercerem uma profissão de alto desempenho, por vezes são recusadas por sua identidade de gênero e encontram sustento na prostituição. Segundo estimativa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), 90% das travestis e transexuais estão se prostituindo no Brasil. Ian Pietro, 19, estudante transgênero de Jornalismo, conquistou o direito de uso do nome social em 2018: “Descobri que era um homem trans aos 16 anos. Aos 17, consegui a emancipação e entrei com o pedido de direito de uso do nome social. Hoje, o processo é bem menos burocrático”. Além da troca de nome, o estudante diz que outros obstáculos surgiram durante o processo: “Como pedi alteração de nome e sexo, preciso tirar Certificado de Reservista, logo, surge uma nova dificuldade para conseguir emprego. É preciso analisar quais são as especificidades para cada caso. São questões que dificultam a colocação de muitas pessoas trans no mercado de trabalho”, completa O Fórum Mogiano LGBT, em Mogi das Cruzes, luta a favor da inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho e contra a prostituição. “O trabalho que fazemos é de resgate à cidadania. Muitos sofrem agressões físicas e psicológicas em casa, muitos deixam de frequentar a escola. O que fazemos é tentar

Mulheres ainda enfrentam desigualdade no trabalho CAROLINE CECIN

Eliane debate a dificuldade da mulher para conciliar papeís

Caroline Cecin

O estudante Ian Pietro teve o nome social reconhecido pela UMC

inserir essas pessoas na sociedade e que sejam igualmente respeitadas”, diz Alexandra Braga, 41, coordenadora do Fórum, educadora e mulher trans. Desde 2013, a pedagoga ganhou o direito na Justiça de ser registrada com o nome e sexo feminino. “A partir daquele momento, foi como se estivesse nascendo de novo”, diz Alexandra. “Fui criada como um menino e a minha família esperava que eu me comportasse como tal, mas eu não me adaptei. Comecei a me prostituir aos 17 anos, não havia emprego para mim e naquele caminho, encontrei uma fuga para me sentir mulher”, completa. Apesar de continuarem vulneráveis à transfobia e à violência no Brasil, algumas conquistas marcam a consolidação de direitos reivindicados anteriormente. Existem

Alexandra Braga, presidente do Fórum Mogiano LGBT: “O trabalho que fazemos é de resgate à cidadania”

exceções de empresas, como a IBM, Accenture, Facebook, Apple e Starbucks, que se tornaram referência global em ações e iniciativas que incluem lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais em suas equipes e cargos de chefia, e contribuem para a maior visibilidade desse grupo.

A desigualdade no mercado de trabalho ainda é um dos principais desafios a serem enfrentados pela mulher no país. De acordo com estudo do IBGE, as mulheres ocupam apenas 37% dos cargos de chefia e ganham em média 30% menos do que os homens exercendo o mesmo cargo. Segundo o economista Rogério Tineu, a desigualdade ocorre devido a fatores econômicos e sociais. “Não se trata de uma política de exclusão das empresas, mas consequência do machismo incorporado à nossa cultura. As mulheres são avaliadas não só pela competência, mas também pela aparência e pela idade”, explica. A porcentagem de mulheres com ensino médio completo ou equivalente é quase 15% maior do que a dos homens, demonstrando que não falta qualificação às mulheres. “A maioria das executivas teve que deixar sua vida familiar e afetiva de lado para seguir carreira. Elas precisam se dedicar duas vezes mais que os homens para alcançar as mesmas oportunidades no ambiente de trabalho”, afirma Tineu.

Renata de Souza, 40 anos, dona de uma empresa de contabilidade há quatro anos, conta que, por ser mulher, grande parte dos clientes demorou para confiar nela. “De fato, existe muito preconceito, principalmente no início. É necessário mostrar a forma como atuo e provar meus conhecimentos para que o cliente deixe o preconceito e passe a me ver como empreendedora”. Eliane Nikoluk, 48, foi a primeira coronel mulher da Polícia Militar do Vale do Paraíba e comandou mais de três mil homens. Mãe de duas filhas e atualmente candidata do Partido da República (PR) a vice-governadora na chapa de Márcio França (PSB), a coronel avalia que ainda há muito a ser superado na questão da desigualdade. “O machismo transparece em forma de diferenças de salário e de tratamento. A mulher tem que se preparar mentalmente para conciliar seus diversos papéis e ingressar na política. Como estamos lidando com um ambiente predominantemente masculino, ela acaba se cobrando mais e, consequentemente, trabalhando mais que o homem para ser respeitada no Congresso”.


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ECONOMIA

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Envelhecimento da população aumenta pressão sobre Previdência Social

BIANCA TIBURCIO

Até 2060, 25% da população será idosa. Dificuldades para se aposentar e falta de acesso a cuidados médicos estão entre os principais desafios Bianca Tiburcio

R

ecente pesquisa do IBGE mostrou que, até 2060, um em cada quatro brasileiros será idoso. Isso ocorre devido à redução da taxa de natalidade e ao aumento da expectativa de vida. Como consequências, o número de dependentes da Previdência Social e os gastos com saúde e aposentadorias tendem a crescer. A pesquisa do IBGE provoca um questionamento sobre a infraestrutura do Brasil voltada para os idosos. Programas como +60, implementado pela prefeitura de Itaquaquecetuba, que oferece atividades físicas gratuitas a idosos, são eficazes, mas não abrangem grande parcela da

terceira idade, além de ter pouca divulgação. Maria Cristiane Bastos da Silva, assistente social do asilo Bezerra de Menezes, em Itaquaquecetuba, afirma que programas como esses são “para inglês ver”. “Esses programas estão em uma área onde nós vemos que os idosos não precisam tanto”. A idosa Josefa Calista da Silva, 63 anos, moradora do bairro Jardim Itapuã, afirma saber da existência dessas iniciativas por ver pessoas com a camisa do programa, o qual é realizado no centro da cidade, mas a informação nunca chegou a ela diretamente. O envelhecimento traz como consequência aumento da demanda por iniciativas de cuidados com

Josefa Calista, 63, não conseguiu se aposentar. “Se aumentarem o tempo de contribuição, vai piorar”

os idosos. Muitas vezes, eles se tornam fardos para as famílias que não podem cuidar deles, seja por falta de tempo ou más condições financeiras. Cristiane afirma que, em média, 15% dos idosos estão no asilo por abandono familiar. Ainda segundo a assistente social, isso acontece em parte por falta do vínculo familiar, quando os pais não foram presentes na vida dos

filhos. “Muitas vezes o idoso fica doente e o hospital delega a tarefa de cuidar para os filhos distantes, que preferem deixá-lo no asilo”. Josefa afirma que, além da família, muitas vezes os idosos são abandonados pelo governo. Ela não conseguiu se aposentar, pois tem “apenas” dez anos de contribuição. Acredita que poderia pelo menos receber um salário propor-

cional a esse tempo. Ela acha que a reforma da previdência vai piorar a situação para futuros idosos. “Eu contribui por dez anos e não consegui nada, imagina aumentando o tempo mínimo”, e analisa: “gente jovem não está conseguindo emprego de carteira assinada, desse jeito nunca vão conseguir atingir o tempo mínimo, vai virar idoso abandonado.”

Luiz Edmundo defende reformas

lido, pois os recursos que entram são inferiores aos que saem; em segundo lugar, por uma questão de justiça, pois do jeito que está tem representado uma verdadeira transferência de recursos do setor privado para o setor público. É necessário equalizar o sistema, para viabilizá-lo”, completa. Já para o economista e também professor da UMC Wiliam Retamiro, mestre em planejamento e desenvolvimento regional, é necessário pensar melhor o tipo de reforma a ser feita. “Da forma como está sendo proposta, a reforma vai penalizar o trabalhador sem tocar em

alguns privilégios. É necessário questionar se de fato a previdência é deficitária, pois há estudos indicando que na verdade ela é superavitária”, afirma. Para a ex-bancária e pensionista Sonia Aparecida de Almeida Freitas, 51 anos, a reforma é necessária, pois, na sua opinião, daqui a alguns anos não haverá mais recursos para pagar as aposentadorias. “Na verdade já está difícil até para eles pagarem agora. Não tive dificuldade para me aposentar, porque comecei a trabalhar com 14 anos e me aposentei após 35 anos de contribuição. Mas hoje em dia está mais difícil”.

Contas da Previdência geram polêmica e incerteza Karla Gomes Segundo números oficiais, em 2017 a Previdência Social operou com déficit de R$ 181,2 bilhões, enquanto em 2016 teve déficit de R$ 149,2 bilhões, equivalente a 2,3% do PIB. Embora os números sejam claros, há controvérsia quanto ao que expressam. Para o economista e professor da UMC (Universidade de Mogi das Cruzes) Luiz Edmundo de Oliveira Morais, é necessário reformar a previdência pública. “Há dois motivos: primeiro, para viabilizar o núcleo do sistema, que está fa-

FOTOS: KARLA GOMES

Sônia vê dificuldades atualmente para quem deseja se aposentar

Wiliam questiona se há déficit real


ECONOMIA

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Crise provoca desemprego entre universitários Estagnação da economia causa subutilização da força de trabalho e impõe barreiras ao desenvolvimento FOTOS: TAMIRIS NEVES

Desperdício de alimentos chega a 46% da produção NICOLAS TAKADA

CAT (Centro de Apoio ao Trabalhador) recebe candidatos, analisa currículos e encaminha para empresas

Tamiris Neves

Miguel Romão sobrevive com alimentos que seriam descartados

T

amires Oliveira, 24 anos, concluiu a graduação em Direito há quase dois anos e não consegue encontrar trabalho na área. “Nenhuma empresa contrata uma advogada sem experiência e especializações. Já mandei centenas de currículos, fiz várias entrevistas, e nada”. Segundo levantamento do PNAD-Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra em Domicílios Contínua), do IBGE, a taxa de desocupação no Brasil em julho de 2018 chegou a 12,8%. Os jovens universitários recém-chegados ao mercado de trabalho sofrem com esta realidade, pois além da desocupação total, enfrentam o fenômeno da subutilização da força de trabalho, que é de 23,9%. A subutilização ocorre quando profissionais qualificados ocupam cargos nos quais não exercem as habilidades que aprenderam na faculdade. Alguns, para garantir renda, abrem negócios próprios, mas sem ligação com a carreira que sonharam exercer. Leonardo Oliveira, formado em Jornalismo, atualmente cursa Direito e há um ano trabalha como gerente em um salão de cabeleireiros em Mogi das Cruzes: “As oportunidades nas áreas específicas são escassas, principalmente

Nicolas Takada

Para Bárbara Lucchesi (esquerda), a política econômica dificulta a entrada dos universtários no mercado de trabalho. Formada em Pedagogia, Letícia Fonseca (direita), trabalha numa loja de materiais de construção

se você não fez um bom estágio antes de terminar a graduação para alavancar a carreira”. Letícia Fonseca de 28 anos, enfrenta drama similar: graduada em Pedagogia há um ano, ela continua trabalhando num depósito de material de construções por ainda não ter encontrado emprego fixo como professora. Para o economista Rogério Tineu, o Ensino Superior começou a ser pintado como “chave para alcançar sucesso e dinheiro” nos anos 1980, porém hoje o cenário econômico é diferente e as oportunidades mais raras. Segundo o especialista, a condição atual é catastrófica para a economia brasileira: “Um exército de profissionais cada vez mais frustrados está sendo erguido, pessoas que

podem desistir para sempre de suas carreiras. Com isso o investimento em capacitação acadêmica é gradativamente menor e um vazio educacional é formado”. Para a professora da UMC (Universidade de Mogi das Cruzes) e especialista em Políticas Públicas voltadas à Educação, Bárbara Lucchesi, há necessidade urgente de mudanças: “O problema começa com a falta de políticas públicas, os direitos fundamentais não são respeitados, os investimentos públicos não procuram sustentar a educação como fundamento principal da vida equilibrada em sociedade. Desta forma o trabalhador fica cada vez mais desmotivado, principalmente o jovem universitário que não está encontrando muitas perspectivas para o futuro”.

Todos os anos, cerca de 1,3 bilhão de toneladas de alimentos são desperdiçadas ou perdidas em todo o mundo. Ou seja, cerca de um terço de tudo o que é produzido se perde durante todo o processo. Já na fase de produção são descartados quase 28% dos produtos colhidos, por falta de armazenamento adequado e por problemas nas colheitas. Entre os produtos mais descartados, estão frutas, hortaliças, raízes e tubérculos. Quase metade do que é colhido é jogado fora, segundo dados da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação). Durante a distribuição, os produtores acabam se desfazendo de alguns alimentos que não estão adequados para o comércio. Eles fazem isso para não ter nenhum prejuízo durante as vendas. Afora isso, os consumidores preferem escolher frutas e legumes que são bonitos por fora e sem nenhuma deformidade. Essa pratica acaba deixando de lado vários alimentos com o mesmo valor nutricional que qualquer outro produto, o que acarreta o aumento do desperdício nos pontos comerciais. Para o professor e sociólogo

Antônio Sergio Damy, trata-se de um hábito cultural, ou um mau hábito. “Boa parte da população não teve formação de descarte apropriado. Prova disso é a própria coleta seletiva que nem todo mundo ajuda ou sabe fazer. Como consequência o descarte não é aproveitado. E quando se trata de alimento, não é diferente.” Alguns podem considerar os produtos como descartáveis, mas outros os veem como sustento. Essa é a realidade das pessoas que vão às feiras para encontrar alimentos que foram descartados pelos comerciantes e por toda a população. Maria Zezita, de 42 anos, aproveita os alimentos deixados pelos comerciantes no Varejão da Cobal para alimentar suas galinhas. “Se eu não pegar, os feirantes acabam jogando fora.” Já na feira de Brás Cubas, Miguel Romão da Silva, de 62 anos, e Jorge Luiz Camargo, de 59 anos, ajudam os comerciantes a desmontarem barracas em troca de produtos que seriam descartados. “Tem feirante que é muito bom, dá vários alimentos, mas tem uns que preferem jogar no lixo do que dar para a gente’’, disse Miguel enquanto mostrava os alimentos.


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ECONOMIA

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Burocracia compromete crescimento do Brasil Tempo para instalar um negócio pode chegar a 79 dias. País está entre os mais burocráticos do mundo Felipe Antonelli

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ia 1º de janeiro. Paula tem uma grande ideia de empreendimento no ramo alimentício e decide abrir um comércio de porte médio. Com as questões financeiras e logísticas definidas, ela precisa formalizar a empresa para começar a funcionar. Foi aí que Paula bateu de frente com a burocracia. Paula é uma personagem fictícia, mas a burocracia com a qual qualquer empreendedor se depara é absolutamente real. Primeiro nossa personagem precisou consultar a prefeitura se poderia instalar o negócio no local pretendido, ou se estaria infringindo a lei de zoneamento urbano. Não foi difícil: bastaram algumas horas para obter um parecer favorável. Em seguida Paula foi até a Junta Comercial da cidade verificar se o nome escolhido para a empresa era compatível com a Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE). Tempo médio para essa etapa: um dia. A partir desse ponto, tudo começou a ficar mais complicado. A empreendedora precisou obter o Número de Inscrição de Registro do Estabelecimento (NIRE). Ela fez a solicitação no cartório e teve que esperar onze dias, em média, para obter resposta. Após registrar o CNPJ, obrigação que não levou mais que algumas horas, Paula teve que fazer a Inscrição Estadual - necessária para a circulação de mercadorias da dentro do estado. A espera pela inscrição consumiu mais seis dias. E o que vem pela frente? Um empreendimento próspero? Talvez, mas só se saberá depois de conseguir um alvará do Corpo de Bombeiros, emitido após inspeção que determine a inexistência de riscos estruturais no prédio e que as normas de prevenção e combate a incêndio foram seguidas. Para o tipo de emprendimento de Paula

(comércio alimentício) foram necessários 41 dias. Paula descobre, por fim, que precisará se inscrever no Cadastro Municipal, pois pretende servir alimentos no estabelecimento. Trata-se do registro da empresa junto à Secretaria da Fazenda Municipal, que permite a prestação de serviços dentro do município. Para realizar o cadastro são necessários aproximadamente onze. Percorridas todas as etapas, o empreendimento planejado em 1º de janeiro ficou apto para começar a funcionar em 11 de março. No total, Paula perdeu 70 dias só para atender as exigências burocráticas. Os dados são da Endeavor, organização de apoio a empreendedores, e mostram os desafios a serem enfrentados por quem decide ter um negócio próprio no Brasil. As dificuldades chegam a desestimular o surgimento de novos negócios. Na opinião dos contadores Bruno Moralles e Pedro Henrique Lourenço, a burocracia é uma dura realidade. “É um desafio ao crescimento país, que atrasa o nosso desenvolvimento econômico”, afirma Bruno. Para Pedro, a burocracia contamina todo o processo empresarial, “seja pelo tempo que consome ou pela complexidade dos documentos exigidos”.

“A burocracia é um desafio ao crescimento, que atrasa o desenvolvimento econômico do país”, afirma o contador Bruno Moralles

Falta de oportunidade aumenta informalidade Síntique Faria Em meio à crise em que o país vive, a falta de oportunidades de trabalho tem experimentado crescimento contínuo, o que tem levado muitos brasileiros a optar por formas alternativas de obtenção de renda. De acordo com o IBGE, em junho de 2018 havia mais de 13 milhões de desempregados no Brasil. Ainda de acordo com o Instituto, o número de empregados sem carteira assinada alcançou pouco mais de 11 milhões de pessoas. A variação negativa de 13,6% no primeiro trimestre para 13,4% no segundo não foi suficiente para tranquilizar as famílias. “Não há perspectiva de melhoras a curto prazo”, afirma Waldir Pereira Gomes, economista e professor de Ciências Econômicas da UMC (Universidade de Mogi das Cruzes). Segundo o economista, o crescimento da ocupação informal preocupa, pois interfere na produtividade e no crescimento do país. “Ao deixar de contribuir, esse trabalhador afeta a capacidade de investimento do país”. Para Alex de Amorim, 39 anos, vendedor de bolo de pote há quase quatro anos em Mogi das Cruzes, a informalidade surgiu como solução num momento de muita necessidade. “Eu estava passando dificuldade mesmo, de não ter o arroz, não ter o feijão, não ter nada dentro de casa, nem café para tomar”. Para o economista e professor da UMC, Wiliam Retamiro, o maior desafio atual é fazer a economia girar. “Na retomada da economia automaticamente surgem novos postos de trabalho e as pessoas voltam a ter renda”.


MEIO AMBIENTE

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Projeto pretende flexibilizar regras sobre agrotóxicos União Europeia ameaça diminuir importações do Brasil caso projeto de Lei 6.299/2002 seja aprovado FOTOS: GABRIELA PEREIRA

Alterações no licenciamento de agrotóxicos põem em risco consumidores, produtores e meio ambiente

Gabriela Pereira Ingrid Leone

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projeto de lei 6.299/2002, apelidado de “Pacote Veneno”, tem causado grande alvoroço no cenário político e econômico brasileiro. O texto aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados em junho deste ano é uma junção da proposta do ministro Blairo Maggi com a do deputado Covatti Filho, feita em 2015. A bancada ruralista conta com 23,1% dos deputados na Câmara a favor da proposta de Maggi, que reduz a quase zero as funções da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), do Iba-

Miriam Sugahara: “Alterações abrem caminho para uso indiscriminado”

Preços altos inibem opção por orgânicos O produtor orgânico Antônio Soares espera que com o debate as pessoas se conscientizem e suas vendas aumentem. “A população ainda não aceita muito bem os orgânicos porque são 30% mais caros do que os outros”. Para Norival Dias do Prado, o orçamento limitado faz as pessoas colocarem a questão da qualidade

dos alimentos em segundo plano. “Só quem tem boa condição financeira pode comprar orgânicos”, afirma. Segundo a porta-voz do Idec, Ana Paula Bortoletto, os consumidores podem se organizar em grupos de compras coletivas para obter preços melhores. Para ajudar os consumidores, o Instituto

desenvolveu um mapa de feiras orgânicas, que apresenta 857 locais em todo o país em que é possível comprar produtos orgânicos a preços acessíveis. Em Mogi das Cruzes estão listados quatro endereços. O mapa pode ser consultado em https:// feirasorganicas.org.br/. (GP e IL)

ma (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) e do Ministério da Saúde nos processos de homologação de agrotóxicos. O projeto de lei altera o termo agrotóxico, adotado na lei 7.802/89, para pesticidas, e diminui o tempo necessário para a liberação de novos agrotóxicos dos atuais oito anos para apenas dois anos. Pela nova regra, se o processo de liberação não for concluído em até dois anos o comércio do produto fica liberado automaticamente. Segundo a professora mestre em políticas públicas pela UMC (Universidade de Mogi das Cruzes), Miriam Sugahara, “reduzir o tempo e liberar determinados defensivos agrícolas sem contar com o poder de veto das demais áreas, que hoje atuam no processo, abre caminho para a utilização indevida e indiscriminada de pesticidas e agrotóxicos, podendo causar danos irreversíveis à saúde de quem consome esses alimentos, de quem trabalha no campo, e ao meio ambiente”. Com este novo cenário o Brasil, grande exportador de produtos agrícolas, vai na contramão de práticas adotadas nos principais países. “A União Europeia pode barrar importações de produtos agrícolas brasileiros ou exigir algum selo garantindo que não foram cultivados com agrotóxicos”, diz a professora Miriam. Segundo estudo da pesquisadora Larissa Meies Bombardi, da Universidade de São Paulo, dos 504 agrotóxicos

já permitidos no Brasil, 30% são proibidos na Europa. O que mais tem preocupado cerca de 300 instituições contrárias ao projeto de lei é a tabela de tolerância utilizada como base para a possível liberação dos pesticidas. Produtos teratogênicos (que podem causar má-formação), carcinogênicos (podem causar cânceres) e mutagênicos (podem causam mutações genéticas) poderão ser livremente utilizados. “Para impedir que o projeto de lei avance no plenário, a sociedade deve fazer pressão e mobilização, em escala maior do que atualmente. Para ter um efeito maior sobre a Câmara dos Deputados, uma grande arma a ser usada é a disseminação de informações a respeito do tema”, diz Miriam. Além de flexibilizar a Lei dos Agrotóxicos, o projeto de lei nº 6299/2002, também prevê que não haja mais avaliações e classificações de produtos na área de saúde e meio ambiente, como as realizadas pela Anvisa e pelo Ibama. O Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) posicionou-se em relação ao assunto, por meio da porta-voz Ana Paula Bortoletto, líder do Programa de Alimentação Saudável: “É desastroso para a gente viver no país que mais consome agrotóxicos no mundo, e flexibilizar ainda mais essa questão, sob o pretexto da modernização. Na verdade, se a lei for aprovada, o Brasil vai ficar na contramão do que os outros países estão fazendo”. INGRID LEONE

Para Norival do Prado, questão financeira pesa mais que qualidade


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MEIO AMBIENTE

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Lixão é o principal destino dos resíduos brasileiros Mais da metade das cidades não descarta o lixo corretamente. Produção diária chega a 214 toneladas FOTOS: PAMELA SILVA

Pamela Silva

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e acordo com a Lei nº 12.305, de 2010, até 2014 todos os lixões, depósitos de lixo a céu aberto sem tratamento ou seleção, deveriam ter deixado de existir no país. No entanto, segundo os últimos dados divulgados pelo SNIS (Sistema Nacional de Informação sobre Saneamento), em 2016 mais da metade dos municípios brasileiros ainda depositava resíduos em locais inadequados. A lei determina que os munícipios se responsabilizem pela coleta, destinação e tratamento dos resíduos domiciliares. Mediante a elaboração de um plano de acordo com as regras pré-estabelecidas, os municípios têm acesso a recursos da União para gestão dos resíduos. De acordo com Suely Kusano, ex-procuradora geral do Estado de São Paulo e organizadora do livro “Resíduo não é lixo”, a falta do Plano Municipal de Gestão de Resíduos Sólidos sujeita o município a ser processado pelo Ministério Público em ação civil pública. “A condenação nesse processo resulta na assinatura de um Termo de Compromisso de Recuperação Ambiental, para descontaminar e recuperar a área degradada”, explica a procuradora. Até

Sueli Kusano: “Cidades que não se adequaram podem ser processadas”

“Falta vontade política”, diz o arquiteto e professor Fernando

2016, mais de 59% das cidades não tinham elaborado o plano. Fernando Clarete, arquiteto e urbanista e mestre em Biotecnologia Ambiental, lembra que a maior parte do material descartado nos lixões pode ser reaproveitada por meio da reciclagem, do reuso ou da compostagem. Uma técnica que pode oferecer bons resultados e ainda resolver o problema energético do Brasil é a combustão de produtos sem utilidade, o verdadeiro lixo, transformando-o em biogás. “Falta vontade política e participação popular nas decisões. Não podemos nos esquecer de que somos mais uma espécie entre todas as outras. O descarte incorreto afeta também a fauna e a flora”, afirma o arquiteto.

Pesquisador cria projeto para facilitar coleta seletiva do lixo Alessandra Diógenes A coleta seletiva custa cinco vezes mais que a coleta comum, o que ajuda a entender o fato de apenas 18% dos municípios no Brasil possuírem o serviço, segundo a última pesquisa Ciclosoft 2016, divulgada pela Cempre (Compromisso Empresarial para Reciclagem). Pensando sobre nessa dificuldade, o pesquisador e professor

da UMC (Universidade de Mogi das Cruzes) Felix Rodrigo Giraldi criou um projeto que visa colorir sacolas biodegradáveis de supermercado de acordo com o esquema de seleção do lixo, para orientar o consumidor sobre o descarte correto já na hora da compra. Para ser implementado na cidade o projeto precisa ser transformado em lei. Giraldi apresentou a proposta a alguns vereadores e espera que estes o encaminhem

para discussão na Câmara Municipal. Embora seja apenas um projeto, é uma linha a seguir no futuro. Para o biólogo Rogério Souza Barbosa, o que falta são investimentos para a realização desse tipo de coleta, pois as existentes, na sua maioria, são realizadas ou por cooperativas, ou por catadores. “A participação das prefeituras na seleção dos resíduos é irrisória”, afirma.


MEIO AMBIENTE

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11 FOTOS:MIRÉLY TELES

Rio Tietê é o mais poluído do Brasil Dos rios monitorados, 70% tiveram qualidade considerada regular e apenas 2,5% boa. Nenhum teve avaliação ótima

De acordo com o biólogo Douglas Alves a grande quantidade de plantas aquáticas sinaliza a contaminação do rio. O suzanense Erisvaldo Batista, 47 (à direita), lembra do Tietê limpo e lamenta a situação atual

Mirély Teles

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evantamento da Fundação SOS Mata Atlântica revela que 27,5% das águas de 184 rios do Brasil são inutilizáveis. A pesquisa faz parte do projeto “Observando os Rios”, iniciativa através da qual moradores ribeirinhos fazem o monitoramento da qualidade da água dos rios em todo o Brasil. O primeiro lugar entre os mais poluídos pertence ao Tietê. Dados do governo do Estado informam que a despoluição do rio já custou mais de R$ 8 bilhões aos cofres públicos. Parte dos recursos veio do Japão, que em 2002 desti-

nou R$ 780 milhões (R$ 1,6 bilhão em valores atuais) para as obras de despoluição. O restante do investimento veio do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e do BNDS (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), porém, o Tietê continua poluído. O trecho crítico do rio se estende por 130 km, de Itaquaquecetuba até Cabreúva. Ainda segundo a pesquisa, o principal poluente é o esgoto doméstico, agravado pelo despejo de resíduos sólidos, fertilizantes e agrotóxicos. Lucas Carvalho, 21, vivencia essa situação diariamente, por morar próximo ao Tietê em Suza-

no. “A água é muito suja, não serve para nada. Os antigos moradores da região contam que era possível até nadar no rio. Agora não dá mais”. Erisvaldo Batista, 47, vive no bairro Miguel Badra, também em Suzano, há 34 anos e conta como eram as águas do Tietê décadas atrás: “Dava sim para nadar e pescar. Os agricultores utilizavam a água para irrigar hortas e outras plantações”. Ele lamenta a realidade atual. Além de se tornar imprópria para o abastecimento da população e para atividades de lazer, a água contaminada coloca em risco diversas espécies aquáticas, po-

CIDADANIA

dendo causar até a extinção de algumas espécies. É o que explica o biólogo Douglas Alves, mestrando em Biologia Animal. “O esgoto e o lixo nos rios alteram uma série de parâmetros do ambiente, e influenciam a vida de organismos aquáticos”. O biólogo acredita que o rio despoluído teria grande potencial de abastecimento e geraria negócios na área de turismo.

“Tratam a gente igual cachorro”, diz morador de rua Cássia Medeiros “As pessoas acham que não somos nada. Somos só um cachorro para elas”. A frase em tom de revolta é de Luís Carlos da Silva, 43, que há três anos mora nas ruas de Suzano. Como ele, existem no Brasil mais de 100 mil pessoas em situação de rua, segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). São brasileiros que vivem à margem da sociedade e passam fome, sede, frio, desrespeito e preconceito. Luís já enfrentou de tudo nas ruas, inclusive violência policial. “Eles estavam drogados. O poli-

cial veio revistar então coloquei a mão na cabeça. Ele me deu um soco e depois pegou o revólver e me deu uma coronhada na cabeça. Rolei no chão de tanta dor”. Milton Anastácio, 55, mora na Praça do Relógio, em Mogi das Cruzes, desde os 12 anos. “É mais difícil nos dias de chuva, porque molha as nossas coisas. Os albergues são muito cheios, os comerciantes não dão nem um copo de água. Um dia encostou um caminhão aqui, e levou todas as nossas coisas. A rua perigosa de madrugada. A gente corre muitos riscos”. Manoel da Silva, 54, há dois anos nas ruas, diz que aprendeu a lidar com a discriminação. “Eu

não ligo. Um dia disseram ‘vai trabalhar’, e eu respondi: ‘meu, vem cá, você quer estar no meu lugar? Arruma um lugar pra eu trabalhar, por favor’”. Para Camila Giorgetti, 46, doutora em sociologia pelo Instituto de Estudos Políticos de Paris (IEP-Paris), o higienismo está enraizado na nossa cultura e na forma como alguns governos lidam com a população de rua. “O nível de intolerância extrapolou, e não tem mais somente os moradores de rua como objeto. Eles continuam sendo vítimas de governos que não têm nenhuma ética ou moral, e que consideram a população de rua como párias da socie-

Para o economista Rogério Tineu, o fato do Tietê se tornar um “depósito de dejetos” gera impactos negativos na economia. “O ecoturismo seria uma ótima opção para a economia da região, mas essa situação de abandono inviabiliza qualquer projeto”. Tineu acredita que falta boa vontade do governo do estado para realizar as obras de infraestrutura. CÁSSIA MEDEIROS

Milton Anastácio vive há doze anos na Praça do Relógio, em Mogi

dade.” Para ela, a polícia age com violência porque sabe que não será punida. “Se os direitos humanos fossem respeitados no Brasil, a maioria dos policiais estaria na

cadeia por agressões contra moradores de rua”. Para a pesquisadora, a polícia é um dos principais instrumentos da política higienista.


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EDUCAÇÃO

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“PEC do Teto” dificulta acesso ao Ensino Superior Com a queda de investimentos, metas do Plano Nacional da Educação ficarão inviabilizadas FOTOS: BIANCA SCHMIDT

Bianca Schmidt

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aprovação da Emenda Constitucional 95/2016, mais conhecida como a “PEC do Teto”, dificultou o acesso dos jovens ao Ensino Superior. Segundo a Lei Orçamentária Anual, considerando a correção pela inflação, este ano o Ministério da Educação receberá 37% menos recursos do que em 2017. O corte determinado pelo governo federal afeta diretamente programas de ampliação de acesso ao ensino superior. Desta forma, o Brasil se distancia cada vez mais das metas estabelecidas no PNE (Plano Nacional de Educação). O Plano instituído em 2014 estabelece 20 metas, das quais até o momento apenas uma foi concluída. A Meta 12 do PNE determina que até 2024 a taxa de matrícula de jovens entre 18 e 24 anos deve subir dos atuais 34,6% para 50%. Além do aumento, o Plano prevê que as instituições desenvolvam mecanismos para incluir nas universidades populações que ainda são minorias. Aline Simões, 20 anos, sempre estudou em escolas públicas. Formada em 2016 no Ensino Médio, ela conta que fez o Enem, exame que avalia a qualidade do ensino médio no país, duas vezes para treino e constatou que não estava preparada para a prova.m “O conteúdo pedido no Enem não é equivalente ao que aprendi no Ensino Médio. Para ir bem na prova você tem que fazer cursos online ou cursinhos. Se depender apenas do que a escola pública oferece é impossível ingressar gratuitamente no Ensino Superior”. Aline acabou desistindo da faculdade pela dificuldade para conciliar trabalho e estudo. Nas universidades públicas, para que a expansão das matrículas possa ocorrer, seriam necessários mais recursos. Cerca de 60% dos estudantes necessitam de assistência estudantil. E na rede particular, a evasão

A cada 100 matriculados, apenas 53 concluem o Ensino Fundamental FOTOS: LUCAS COELHO

Sala de aula da escola Cícero Antônio de Sá Ramalho, em Itaquá

Lucas Coelho

Aline Simões teve que adiar o sonho de ingressar na universidade

“Educação superior é um dos maiores desafios do país”, diz Bárbara

acontece porque os alunos não conseguem pagar a mensalidade e o acesso ao Fies (Programa de Financiamento Estudantil) está cada vez mais limitado.Entre os beneficiários do ProUni com direito a bolsa de 50% da mensalidade, muitos não conseguem custear o restante. Bárbara Lucchesi, doutora em Filosofia e professora do mestrado em Políticas Públicas da UMC

(Universidade de Mogi das Cruzes), ressalta a dificuldade que o próximo governo encontrará para manter um Ensino Superior de qualidade. “Para atingir essas metas você precisa de políticas públicas e elas demandam investimentos. Nós tivemos uma evolução anteriormente, mesmo que lenta. Mas e agora? Imagine o congelamento dos investimentos pelos os próximos 20 anos”.

O maior desafio do Brasil no campo da Educação é o alto índice de evasão escolar. Falta de tecnologia como ferramenta de ensino para professores, conteúdos escolares inadequados e materiais didáticos defasados são alguns dos fatores que impactam a vida dos alunos da rede pública de ensino diariamente. A cozinheira Elizete Oliveira, 35 anos, mãe de Pedro, 13, se diz preocupada com a educação do filho, que tem dificuldades para realizar operações básicas de Matemática como soma e subtração. O menino conta que a professora falta com frequência e ao invés da aula os alunos são levados para a sala de vídeo. Elizete lamenta não poder pagar por um ensino melhor para o filho. Para a especialista em políticas voltadas para a Educação, professora Bárbara Luchesi, o congelamento das verbas destinadas à educação e a atual situação das escolas públicas, são fatores que agravam a experiência escolar dos estudantes. “A escola precisa ser um ambiente acolhedor e inclusivo para que os jovens se interessem e queiram estar lá”. A reportagem do Página UM

Elizete Oliveira e o filho Pedro

foi à Escola Estadual Cícero Antônio de Sá Ramalho, em Itaquaquecetuba, conversar com professores e acompanhar a rotina dos estudantes. Ao ser questionada sobre o rumo que a educação vem tomando a professora e psicopedagoga Gláucia Souza, 44 anos, diz que é preciso ter muita força de vontade e paixão pelo magistério para seguir trabalhando. “Todo dia proponho uma atividade diferente em sala para integrá-los no ambiente escolar. Acredito que a aula tem que ser dinâmica e que mesmo com a falta de recursos temos que nos esforçar para levar aos estudantes uma experiência agradável em sala. Infelizmente às vezes tenho que gastar meu dinheiro com xerox e impressão de atividades para complementar o material didático”.


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EDUCAÇÃO

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Falta de recursos faz universidades perderem posição Rankings internacionais mostram dados preocupantes para o futuro do ensino superior no país Bianca Godoi

LARISSA BATALHA

BIANCA GODOI

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m dos maiores desafios para o Brasil é a educação. Uma base de qualidade poderia levar o país a rumos melhores do que se vê no cenário atual. Segundo o QS World University Rankings, que classifica as 600 melhores universidades do mundo, a USP (Universidade de São Paulo), principal do país, ocupa apenas a 118ª posição em 2019. O ranqueamento leva em consideração a pesquisa, a qualidade do ensino, a empregabilidade dos egressos e a internacionalização da instituição. Outro ranking, o THE (Times Higher Education), que adota como critérios o ensino, a pesquisa, citações em publicações científicas, impacto na indústria e internacionalização, mostra que a USP perdeu uma posição em 2018, ficando em segundo lugar entre as melhores da América Latina. O primeiro lugar ficou com a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

“USP ainda segura a barra, apesar das dificuldades”, afirma Franco

Luci frisa a falta de bolsas de estudo

No cenário nacional, o RUF (Ranking Universitário Folha), que avalia o ensino, a pesquisa, a interação com o mercado, a inovação e a internacionalização das instituições, colocou a USP em terceiro lugar, a Unicamp em segundo e

UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em primeiro. Para o doutor em Educação Francisco Carlos Franco, professor da UMC (Universidade de Mogi das Cruzes), o principal problema das universidades brasileiras é a falta de investimento. “O Brasil sempre quis ter um projeto de crescimento, mas nunca teve associado um projeto educacional consistente. Não existe crescimento sólido sem informação e pesquisa”.

Baixos salários tornam carreira docente pouco atraente e comprometem formação continuada Aline Silva

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Brasil continua na contramão quando o assunto é a valorização do professor. Pesquisa divulgada pela consultoria Gems Education Solutions mostra que o Brasil está entre os últimos lugares em um ranking internacional sobre a eficiência dos sistemas educacionais, levando em consideração salário dos professores, condições de trabalho na escola e desempenho dos alunos. O salário dos docentes brasileiros é menor que os valores pagos na Turquia e no Chile, ficando acima apenas

da Hungria e da Indonésia. Além de comprometer o bem-estar do docente, os baixos salários impedem a formação continuada que se espera do professor. Leitura, visita a museus e cursos, são algumas atividades difíceis de serem realizadas, já que eles precisam assumir longas jornadas diárias de trabalho para garantir a sobrevivência. “Se eu dependesse apenas do salário como professor, com certeza passaria dificuldades”, diz o professor de Matemática Odair Carpinelli, de Mogi das Cruzes. Ele é engenheiro aposentado. “O salário do professor precisa

ser revisto”, diz Cláudio Betzler, também em Mogi. “Estamos há muito tempo sem revisão do salário e das condições de trabalho”. Segundo o doutor em Educação Francisco Carlos Franco, professor da UMC (Universidade de Mogi das Cruzes), no Brasil o professor mais valorizado leciona em universidades. “A educação básica está abandonada e isso é preocupante. A imagem do professor precisa ser valorizada como figura fundamental para o desenvolvimento das crianças e dos jovens, bem como para o avanço do país. Precisamos garantir uma formação cidadã para as futuras gerações”.

A boa colocação na produção de pesquisa pode ser explicada pela exigência de instituições como a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior). “Nós temos a produção, mas não temos as melhores universidades, é uma questão quantitativa, quando se vê qualidade os dados não batem”,contou Franco. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional determina que

a atuação das universidades seja orientada pelo tripé ensino, pesquisa e extensão. É o que diz a professora do curso de Mestrado em Políticas Públicas da UMC, Luci Bonini. “O Brasil não tem se preocupado muito com a qualidade do ensino superior. Embora tenhamos um leque de avaliações voltados para a qualidade, ainda há muito a caminhar”, afirma. A falta de recursos limita a atuação de pesquisadores, professores e alunos. “Não existe fórmula mágica. Para desenvolver as universidades é necessário pagar bons salários”, defende a doutora em Filosofia Bárbara Ramacciotti, também da UMC. Comparado a outros países, a Educação no Brasil está atrasada “E o quadro educacional do país piora cada vez mais”, afirmou a pós-doutora em Ciências da Comunicação Rosália Prado. Os especialistas concordam que falta um olhar mais atento do governo para a inovação, a pesquisa científica tecnológica e a valorização do profissional. FOTOS: ALINE SILVA

Professores Odair Carpinelli e Cláudio Betzler, de Mogi das Cruzes


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SERVIÇOS PÚBLICOS

2018 | Ano XX | Nº 105 FOTOS: DANIELA GOMES

100 milhões não têm acesso a saneamento básico Para cada R$ 1,00 investido em Saneamento, o Brasil economiza outros R$ 4,00 na Saúde

Ponto de esgoto a céu aberto na rua Augusto Regueiro, em Jundiapeba, Mogi das Cruzes. Moradores reclamam do descaso e cobram providências do poder público

Daniela Gomes

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Alto Tietê trata, em média, 68,7% do esgoto produzido na região, segundo dados da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). Mas ainda há pontos de esgoto a céu aberto. A rua Augusto Regueiro, no distrito de Jundiapeba, em Mogi das Cruzes, é um exemplo desse problema. Elias Nascimento, aposentado e morador do local há quatro anos, convive com os transtornos de ter uma vala na porta da residência. Ele conta que, além do mau cheiro, o esgoto a céu aberto traz insetos e animais peçonhentos para dentro de casa. “A parede fica preta de tanto mosquito. Também tem ratos, baratas, aranhas e outros bichos. Já acharam até co-

Elias Nascimento, aposentado

Eliana Santos, auxiliar de limpeza

bra. É complicado. Pode até dar doença, né?”. Tatiana de Lima, moradora da mesma rua há três anos, afirma que tem cobrado providências do município. “É horrível ter isso na frente de casa. Sempre falam que vão arrumar e não arrumam”. Mãe de uma menina de 5 anos, ela não pode deixar a fi-

lha brincar nas redondezas por causa dos riscos de acidentes e de contaminação. “É muito perigoso”, afirma. Este não é um problema apenas do Alto Tietê. Segundo estudo do Instituto Trata Brasil divulgado em abril de 2018, 48,1% da população brasileira não tem acesso à coleta de esgoto. São mais de 100

milhões de pessoas que adotam medidas alternativas para lidar com os dejetos, usando fossas, ou jogando o esgoto diretamente em ruas, córregos e rios. Por ano, são 5,2 bilhões de metros cúbicos de esgoto despejados na natureza sem tratamento, equivalente a 5.733 piscinas olímpicas diariamente. Ainda de acordo com dados do estudo, se toda a população brasileira tivesse acesso à coleta de esgoto haveria uma redução de 26% das internações hospitalares por infecção gastrointestinal, gerando uma economia de R$ 83,5 milhões por ano na Saúde. A falta de saneamento básico está entre as principais causas de morte infantil no mundo. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) por

ano cerca de 270 mil crianças morrem durante o primeiro mês de vida por complicações relacionadas à falta de acesso a saneamento. Os moradores da rua Irlanda, também em Jundiapeba, sofrem com a falta de saneamento. A auxiliar de limpeza Eliana Santos, moradora do local há 5 anos, afirma que o problema com o esgoto é muito antigo. “No calor, fica tudo pior. O cheiro é insuportável, volta pelo ralo e toma conta de casa. Quando chove muito, o esgoto transborda, a gente fica sem passagem e tem que pisar nessa sujeira”. Ela reclama que mesmo pagando todos os impostos, não vê melhorias. “A gente que é pobre é esquecido pelo poder público”.

Mães reclamam do atendimento a autistas no AT Lucas Almeida Estima-se que mais de 400 famílias com filhos portadores de TEA (Transtorno do Espectro Autista) residam no Alto Tietê. Contudo, o atendimento oferecido pelos órgãos públicos não é adequado. No Brasil, a estima-se que mais de 2 milhões de pessoas sofram com o problema. A mogiana Márcia Alves, 34 anos, mãe do menino N.A.C, de 3 anos, e de outra menina, conta que precisa lutar diariamente por tratamento adequado já que o

convênio médico cobre apenas parte das consultas de que N.A.C. precisa. “São muitos especialistas. Ele precisa de fonoaudiólogo, psicólogo, psicopedagogo, terapeuta ocupacional, nutricionista, terapeuta pelo método ABA, mas o convênio não cobre tudo”, afirma Márcia. A carga horária de terapias cobertas pelo plano também é insuficiente. “O tratamento ideal custa mais de R$ 10 mil”, diz. Em Poá, as dificuldades levaram a advogada Andrea Dul a juntar-se a outras mães de portadores do TEA e fundar o Grupo das

Mães Azuis de Poá. Tudo começou em 2015, quando a escola particular em sua sua filha estudava enviou uma carta pedindo que a menina deixasse de frequentar as aulas. “Eles alegaram que a professora, com 25 alunos em sala de aula, não podia cuidar da minha filha”, conta. Andrea precisou recorrer à Justiça, que consedeu uma liminar para que a menina permanecesse na escola. Por lei, todo portador do TEA tem direito à educação, seja na rede pública ou particular. Também tem direito a benefícios como

qualquer outra pessoa com deficiência. O grupo poaenses foi criado para acolher e orientar famílias de pessoas com autismo e outras deficiências. A falta de atendimento adequado pode prejudicar gravemente a evolução da criança autista, como explica a psicopedagoga Elizabeth Cunha. “As terapias proporcionam autonomia, desenvolvimento de habilidades e competências, garantia de inclusão e criação de vínculos”, airma a especialista. Ainda segundo a psicopedagoga o tratamento auxilia a família a entender melhor

as necessidades dos portadores. Em Mogi das Cruzes, o atendimento é feito na Escola Municipal de Educação Especial Professora Jovita Franco Arouche, que atua na área de Educação Especial Exclusiva. A unidade oferece atendimento pedagógico especializado, orientações aos pais e acompanhamento de especialistas em fonoaudiologia, psicologia e fisioterapia. A unidade escolar atende 310 alunos. Segundo Juliana Nascimento, a escola é referência na região no atendimento a crianças autistas.


SERVIÇOS PÚBLICOS

Nº 105 | Ano XX | 2018

15 VITORIA MIKAELLI

Prejuízo com obras inacabadas vai além do financeiro

Estrutura da UBS no Jardim Fortuna, na Estrada do Campo Limpo, abandonada há oito anos, se deteriora pela ação do tempo e do vandalismo

Segundo a CNI, o investimento público em obras atualmente paradas ultrapassa R$ 10 bilhões Vitoria Mikaelli O Brasil tem mais de 2796 obras inacabadas, sendo a maior parte no setor de infraestrutura. Essas obras custaram R$ 10,7 bilhões aos cofres públicos, segundo dados da CNI (Confederação Nacional da Indústria), mas não trouxeram nenhum retorno para a sociedade. A população além de pagar por algo que não receberam, ainda tem que lidar com os prejuízos que vão além do financeiro. Em Itaquaquecetuba a construção das UBSs dos bairros Horto do Ipê, Jardim Napoli, Jardim Fortuna e Jardim Paineira estão paralisadas. Iniciadas em novembro de 2010, ao custo de R$ 2.115.029, elas deveriam ter sido entregues em 2012. O contrato inicial foi reajustado em 3,85 %, o que representou um custo adicional de R$ 139.178,55. No Parque Residencial Marengo, a UBS começou a ser construída em outubro de 2014 com entrega prevista para para junho de 2016, ao custo de R$ 281.845. Até o momento não foi entregue. Os dados sobre as obras foram obtidos no Portal da Transparência do Estado de São Paulo, mantido pelo Tribunal de Contas do Estado. A obra parada acarreta problemas de segurança, técnicos e financeiros. Os locais abandonados

são propícios para o refúgio de criminosos. Os problemas técnicos se apresentam na forma de desperdício de materiais e comprometimento da estrutura da obra. No aspecto financeiro, o prejuízo ocorre quando as obras são retomadas e os contratos têm que ser atualizados. “O preço do cimento hoje, por exemplo, é bem diferente do que será daqui a três anos”, observa o engenheiro Julio César Rodrigues, 45 anos, especializado em projetos, engenharia ambiental e mestre em hidráulica. Ele também destaca que geralmente há custos com serviços adicionais. “É muito raro não ter comprometido nenhuma estrutura, muitas vezes o valor da obra chega a dobrar, ficando mais barato demolir tudo e recomeçar a obra”, afirma. A indignação da população é geral. Junior Pereira da Costa, 39 anos, desempregado e morador do bairro Parque Marengo, lamenta a obra inacabada. “Quero ver o tamanho do prejuízo até ficar pronta”. Além do desperdício, a população do entorno necessita dessas obras prontas. “Já perdi a esperança de um dia ter UBS aqui no bairro”, desabafa a dona de casa Djanira da Silva, 52 anos. De acordo com a CNI, normalmente as obras são interrompidas por problemas técnicos, abandono pelas empresas contratadas e dificuldades orçamentárias.

Fila do SUS tem quase 1 milhão de pacientes

FOTOS: HELEN SANTOS

Helen Santos Anualmente são investidos R$ 103 bilhões na saúde pública, que atende 75% da população brasileira, enquanto a rede privada, que atende apenas 25% da população, investe R$ 90,5 bilhões. A discrepância fica ainda mais visível no comparativo do investimento per capita: são R$ 691,00 na rede pública, contra R$ 1.764,00 investidos pela rede privada. O baixo investimento na rede pública compromete o atendimento à população. A fila de 904 mil pessoas que aguardam em por cirurgias eletivas, conforme dados do CFM (Conselho Federal de Medicina), ilustra o problema. Alinny Oliveira dos Santos, 24, de Ferraz de Vasconcelos, aguarda há dois anos a realização de uma nasofibroscopia, devido a uma fratura no nariz que piora suas crises de rinite. “No fim de agosto, fui informada de que ainda estão chamando pessoas de março de 2016. Provavelmente até o começo do ano eles me chamam. Estou esperando desde maio de 2016 e tenho fé de que vou conseguir”, afirma. Há casos mais delicados, como o de Edivan Pereira da Silva, 41, morador de São Sebastião.

Alinny Santos está há dois anos esperando para realizar um exame

Devido a uma fratura no braço ele passou por uma cirurgia em novembro de 2017. Na fase de reabilitação ele percebeu que o braço continuava torto. Ao retornar ao hospital, descobriu que a placa utilizada na correção da fratura havia entortado porque um dos parafusos quebrou e os demais não conseguiram sustentar o osso. Edivan teve que esperar mais quase um ano até ser submetido à cirurgia corretiva. Célia Garcia Miranda Trama, 59, médica com especialização em saúde pública e professora da UMC (Universidade de Mogi das Cruzes), critica a falta de recursos e a gestão da saúde pública no Brasil. “Vejo a situação atual como um cenário esperado, após anos de falta de investimento e descaso com a manutenção do sistema de saúde”. Ainda segundo a médica, mais

Médica Célia Trama critica falta de gerenciamento adequado

Edivan teve que esperar quase um ano pela cirurgia corretiva

do que injetar recursos financeiros, o que falta é gerenciamento adequado.


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SEGURANÇA

2018 | Ano XX | Nº 105

Violência sexual contra mulheres cresce na região Dados da SSP de SP indicam que em janeiro de 2018 foram registrados 56 estupros no Alto Tietê FOTOS: INGRID MARIANO

Delegacia da Mulher de Mogi oferece acolhimento e orientação à mulher

Bruna sofreu tentativa de estupro no trem e ficou traumatizada. “Ele está preso, mas e os outros?”

Ingrid Mariano

D

e acordo com pesquisas divulgadas pelo Mapa da Violência, o Brasil é o quinto país com maior índice de violência contra a mulher. Um levantamento realizado pela SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo) aponta que na região do Alto Tietê, em janeiro de 2018, foram registrados 56 estupros, doze apenas em Mogi das Cruzes. Os crimes sexuais na cida-

de subiram de 72 para 156, se comparados os registros de 2016 e 2017. Em dezembro do ano passado, a assistente técnica Bruna Gregório, 28 anos, voltava do trabalho na capital, quando foi vítima de uma tentativa de estupro. Bruna estava no trem, por volta das 22h, quando notou que um homem se masturbava. Ela começou a gravar um vídeo para denunciá-lo à segurança da CPTM, mas logo foi atacada. “Ele me pegou pelo braço e

tentou se esfregar em mim. Consegui chamar os seguranças e ele foi detido.” Segundo a advogada Rosilaine Ramalho, as vítimas devem procurar a delegacia o mais brevemente possível e registrar ocorrência. “Isso é necessário para que a polícia inicie as investigações”. Foi o que Bruna fez: ela registrou ocorrência no 2º Distrito Policial de Brás Cubas e o homem acabou preso. Ainda assim, segundo a vítima, foi difícil superar o

Advogada Rosilaine Ramalho cobra políticas públicas eficazes

medo para voltar à rotina: “Eu me sentia exposta. Sei que ele está preso, mas e os outros?”. Outra vítima estava a caminho da faculdade quando foi surpreendida pelo agressor. Paula Moraes, 22, conta que foi encurralada e empurrada contra a parede. “Ele começou a passar a mão em mim, depois abaixou a calça e colocou o órgão genital para fora”. Uma pessoa que passava de carro a socorreu, dominou o agressor e os con-

Mogi das Cruzes conta com a Delegacia de Polícia da Defesa da Mulher, localizada na Rua Antônio Nascimento Costa, 21 na Vila Oliveira. A delegacia funciona das 09h00 às 18h00 horas em dias úteis e promove acolhimento, orientação, registro de ocorrências e instauração de inquéritos policiais. O telefone para contato é o (11) 47263528. O número do Disk Denúncia é o 180. duziu à delegacia. “Tive crise de pânico, porque achava que qualquer pessoa, a qualquer momento, poderia me estuprar”, conta. Para a advogada Rosilene, falta conscientização sobre o problema. “Um sistema de políticas públicas mais eficaz, com campanhas de conscientização para a população, seria um começo. A maior dificuldade hoje são as mulheres entenderem que trata-se de um crime e que elas não têm culpa”.

40% dos feminicídios da América Latina ocorrem no Brasil Yasmin Campos Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), o Brasil concentra 40% de todos os feminicídios da América Latina. O Mato Grosso é o estado campeão. Em São Paulo, no primeiro semestre de 2018 foram registrados 71 assassinatos de mulheres e 160 tentativas. Os dados são da SSP-SP. A professora universitária Adriana Bertol, 33 anos, escapou por pouco de entrar para as estatísticas. Moradora da cidade de Guarantã do Norte, no Mato Grosso, ela apanhou do ex-marido e sofreu ameaças com arma de fogo e com faca antes de conseguir Medida Protetiva. “Ele ia na escola

ARQUIVO PESSOAL

FOTOS: YASMIN CAMPOS

Para Lionídia Santiago, assistente social, e Silmara Marcelino, delegada de polícia, é necessário acabar com a cultura do machismo

Adriana Bertol, 33 anos, vítima de tentativas de feminicídio

em que eu trabalhava e uma vez apanhei na frente dos alunos. Eu vivia com hematomas por causa das agressões”, conta. Apesar da intervenção do Ministério Público, o processo está parado e o agressor continua solto. Segundo a assistente social Lionídia Santiago, que atua no Creas (Centro de Referência Especializa-

da em Assistência Social), a violência doméstica não se limita à agressão física. “Violência é tudo que vai contra a vontade da mulher. Não permitir que ela estude ou trabalhe, por exemplo, é um tipo de violência”. Para a assistente social, a pior marca deixada nas mulheres é a psicológica, por dificultar a construção de novas relações.

Segundo a delegada Silmara Marcelino, da Delegacia da Mulher de Suzano, no primeiro semestre de 2018 foram registradas 247 ocorrências de lesão corporal e 300 ameaças à vida de mulheres. Durante todo o ano de 2017 foram 557 lesões corporais e 602 ameaças. Apesar dos números sugerirem crescimento da violência, a delegada acredita que na verdade revelam o aumento de denúncias. “As mulheres precisam ter a coragem de denunciar, por mais difícil que seja, por envolver parentes. Se não denunciar, a violência não acaba. Enquanto o homem achar que é dono da mulher ele vai continuar batendo. Temos que quebrar o machismo”, diz.


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