LAYANE STEFANI
MULHERES
O CONTRAATAQUE FEMININO AO MACHISMO NAS TORCIDAS DE FUTEBOL Ano XXI | Número 107 Distribuição Gratuita
10 Coletivos de torcedoras surgem para enfrentar o assédio e o machismo nos estádios brasileiros
Jornal-laboratório do curso de Jornalismo da Universidade de Mogi das Cruzes paginaum@umc.br Fale conosco: /paginaumc
RAUL BRASIL, 13/03 A DIFÍCIL TAREFA DE REPORTAR A TRAGÉDIA
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QUESTIONAMENTO
DIVULGAÇÃO
LGBTFOBIA
A cada
20h
morre uma pessoa LGBT vítima da intolerância
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INFRAESTRUTURA NARA HONÓRIO
VIDEOGAMES SÃO CULPADOS PELO COMPORTAMENTO VIOLENTO DOS JOVENS?
Condições inadequadas do transporte público são violência institucionalizada contra passageiros e causam estresse
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OPINIÃO
editorial
Violência (quase) invisível Levantamento divulgado em abril deste ano pela Organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF) trouxe informação alarmante: pioraram as condições de trabalho dos jornalistas brasileiros. Entre os 180 países que compõem o Ranking da Liberdade de Imprensa, o Brasil já ocupava a posição de número 102 em 2018, ano marcado pelos assassinatos de quatro jornalistas e o recrudescimento contra profissionais que cobriam temas como corrupção, crime organizado e políticas públicas. A situação, porém, ficou pior no ranking de 2019, com a queda para o 105° lugar, em razão, segundo análise do RSF, do crescente discurso de ódio contra profissionais de imprensa, principalmente, no contexto político-eleitoral, num ambiente marcado por ameaças e intimidação, campanhas de difamação de jornalistas, entre outros. Para se ter um ideia, no ranking do RSF, o Brasil perde para países como Líbano, Quênia, Paraguai, Equador, Kosovo, Israel, entre outros. Onde vamos parar? Resistir é preciso. Assim como debater e combater a violência que assola não só o Jornalismo e seus profissionais, mas também segmentos diversos da sociedade, e, muitas vezes, até de forma invisível, mas institucionalizada. É aquela fila interminável no posto de saúde que, hora após hora, não anda. É a porta na cara do cidadão discriminado na agência de emprego pela cor da pele ou gênero. É o abandono material, e afetivo, do idoso que, no fim da vida, passou a ser visto como "estorvo" pela família e, quando muito, é explorado financeiramente por quem deveria lhe prover. É a xenofobia, a discriminação na batida policial na esquina, o bullying, as ofensas no ambiente virtual... São tantas as formas de violência que muitos podem pensar: "Ah, mas isso é assim mesmo, sempre foi". Não é. Não pode ser. Se há uma miopia social para as pequenas, porém graves e profundas violências para aqueles que as sofrem, cabe ao Jornalismo jogar luzes sobre a questão, clarear a visão e, no estrito dever de informar, falar, falar e falar. Publicar, publicar e publicar. Esta edição 107 do Página UM, o jornal-laboratório do curso de Jornalismo da UMC, chega aos leitores com o propósito de contribuir para este debate, em alto nível, com reportagens que fazem valer a pena correr os riscos da profissão. Silenciar, jamais. Boa leitura!
2019 | Ano XXI | Nº 107
crônicas
Só mais um dia
A violência como rotina
Jessica Christina
Nara Honório
E toca o despertador. Abrir os olhos, levantar da cama, trocar de roupa e pegar a mochila. O café tá pronto. Bocejo. Vamos lá. Nas ruas, o cenário é de uma manhã comum. Risinhos, conversas, meninas de braços dados, alguns correm atrasados porque o portão já vai fechar. Não é possível distinguir uma palavra sozinha em meio a tanta conversa. Corredores cheios de barulho, cheios de gente. Cheios de sonhos. Acho que todo jovem aluno sonha em ser alguma coisa. Tem uma matéria favorita, um professor que gosta mais, um melhor amigo que senta na carteira ao lado. As memórias são quase as mesmas para todo mundo. Quase as mesmas. Toca o sinal, todos correndo pra sala. Te vejo no intervalo, tá? O professor já chegou. O barulho inconfundível do giz na lousa faz metade do pessoal prestar atenção. A outra metade ainda tá chegando e se acomodando. Esse lugar aqui eu tô guardando pra minha amiga. Cadernos na mesa, bolsas no chão... “Por favor, prestem atenção!”. E o conteúdo é ditado. Quem terminar, pode sair. O sinal do intervalo toca, e todo mundo levantando. Ninguém precisa correr, dá tempo. O pátio é logo ali. Espera. O sinal já tocou. Que barulho é esse? Tá todo mundo assustado. Aquilo ali é sangue? As portas das salas estão sendo fechadas. Não, estão sendo batidas! Reconheço vários rostos, alguns estão chorando. Alguns estão gritando. Alguns não estão mais. Mais... tiros? Isso é tiro. Isso é tiro! Eu preciso correr, mas não sei pra onde. Ouço alguém gritar que é pra sair dali. Um mar de gente passa por mim e me leva junto. Tem muita gente aqui do lado de fora. Muitas mães esperando os filhos saírem também, com lágrimas nos olhos, de braços abertos. Tem muita gente aqui do lado de fora. Mas algumas ficaram do lado de dentro. Tem mãe que vai esperar pra sempre. Cada rosa jogada, representa um sonho. Um futuro. Uma vida. Era pra ser só mais um dia.
Incrível como uma tragédia pode dividir opiniões, mas o massacre na Raul Brasil trouxe um minuto de silêncio, não era mais sobre ser direita ou esquerda. Era sobre como a violência nasce em cada um. Com tudo isso, tive o contratempo de que o longe é do meu lado, e que por isso, a violência se aproxima um pouco mais de mim, da minha cidade, do meu bairro, da minha casa... Gradativamente... Conversei com os vivos, e eles me apontaram vários motivos dessa cólera que atinge a pele: distúrbios psiquiátricos, bullying, carência afetiva..., mas um homem muito sábio me disse que ninguém aperta o gatilho, senão o atirador. Então velei pelos mortos e pela paz. Sim, aquela que tem procurado morada no coração imundo dos homens, desde que o mundo é mundo. A sociedade tem medo, porque a violência rasga a carne, à pedra, à faca, à tiro, mas todo mundo esquece que a fome também é violência, mata mais que doença e tiro de fuzil. Esquecem que o preconceito mata a alma. E tudo isso afeta a classe, A, B, C, D Z, não importa, uma hora ela bate à sua porta e você não tem nada pra entregar, senão a sua vida. Tudo gera medo, e isso é material de qualidade para construir uma ponte para a qual o destino é a morte, a única forma de encontrar a paz dos homens. É difícil vestir a pele de homem e enfrentar a violência como rotina, assisti-la jantando com a gente, dormindo e nos matando um pouco todos os dias, e a gente tem que ter peito pra enfrentar isso e rezar ao deus que serve, para que ela logo vá embora.
PRODUÇÃO Alunos regularmente matriculados nas turmas 5º A, 6º A e 6º B de Jornalismo da UMC DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
Jornal-laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC) Ano XXI – Nº 107 Fechamento: 16/05/2019
O jornal-laboratório Página UM é uma produção de alunos do curso de Jornalismo da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC), em conformidade com o Projeto Pedagógico do curso. Esta edição foi produzida por alunos do 5º e 6º períodos. *Os conteúdos refletem tão somente a opinião dos autores que os assinam, não correspondendo necessariamente à opinião da Universidade ou do Curso de Jornalismo.
Professores Orientadores: Prof. Elizeu Silva – MTb 21.072-SP (Orientação geral, Edição e Planejamento Gráfico) | Profª. Simone Leone – MTb 399.971-SP (Pautas e Edição de Textos) | Prof. Sérsi Bardari - MTb 20.256-SP (Pautas e Edição de Textos) | Prof. Fábio Aguiar (Fotografias) Projeto Gráfico: Alunos do curso de Design Gráfico da UMC, sob orientação do Prof. Fábio Bortoloto: Rafael Alves de Oliveira | Gilmar Amaral Lamberti Rafael Marques dos Santos | Daniel Miranda Ribeiro
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RAUL BRASIL
Nº 107 | Ano XXI | 2019
Escola Raul Brasil: jornalistas falam da difícil tarefa de reportar a tragédia
DENNIS MACIEL
Psicóloga diz que, diante de tanta violência, profissionais também desenvolver ter problemas psicológicos Dennis Maciel
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massacre na Escola Estadual “Prof. Raul Brasil”, em Suzano, abalou não só a comunidade, mas também profissionais da Imprensa, que cobriram o atentado. Devido à proporção da tragédia, manter o profissionalismo foi um dos desafios para quem esteve no local. O atentado na resultou na morte de 10 pessoas e ganhou repercussão internacional. Jornais como o The Guardian, Washington Post e The New York Times noticiaram o crime. Grande parte das informações que circularam no mundo foi produzida por jornalistas que es-
tavam em Suzano. Marcus Alexander Pontes, repórter policial do Diário de Suzano, foi o primeiro jornalista a chegar na escola após o atentado. Ele afirma que se deparou com um cenário de caos e sofrimento. Durante a cobertura, coletou informações fornecidas pela polícia. O jornalista conta que o massacre na Escola Raul Brasil foi o caso mais intenso que já noticiou. “Senti de perto o drama vivido pelos alunos e professores. Apesar de tudo, é preciso ter sensibilidade. O jornalista policial precisa ter algo para, depois, descarregar essa carga negativa, seja conversando com um amigo ou realizando algo que faça bem”, afirma.
Jornalistas procuram equilíbrio entre lado profissional e emocional durante cobertura de tragédias
A repórter Aline Moreira, 24 anos, entrevistou familiares das vítimas e acompanhou o desenvolvimento do caso durante os dias posteriores ao atentado. “Uma das coisas que mais me tocou foi o velório das vítimas. Tive que conter minhas lágrimas. Foi muito forte presenciar o sofrimento das famílias chorando perto dos caixões dos filhos”, desabafa.
A repórter fotográfica Sabrina Silva, do Diário de Suzano, explica que muitos jornalistas não respeitaram o luto dos familiares. “Minhas fotos foram focadas na ação policial e não no sofrimento alheio. Alguns jornalistas constrangeram pessoas fragilizadas para conseguirem matéria impactante. Isso é absurdo”, lamenta. A psicóloga Solange Pedroso
Pires diz que não só sobreviventes, alunos e comunidade estudantil envolvidos no caos, mas quem rabalhou na cobertura, como os jornalistas, pode desenvolver problemas psicológicos. “O transtorno pós-traumático também afeta os envolvidos indiretamente. Recomendo que estes profissionais procurem um psicólogo para evitar transtornos”.
Games são culpados por atos violentos dos jovens? Lucas Almeida O massacre na Escola Estadual “Prof. Raul Brasil”, em Suzano, trouxe à tona uma discussão bastante complexa. Jogos violentos geram problemas psicológicos em adolescentes? Embora muita gente acredite que Guilherme Taucci Monteiro, 17 anos, e Luiz Henrique de Castro, 25 anos, atiraram nos colegas influenciados por jogos, especialistas afirmam que o comportamento agressivo não pode ser explicado por um único fator. A psicóloga especialista em saúde do adolescente, Karina Ferreira, afirma que não é ade-
quado culpar os jogos pela conduta agressiva. “Devemos olhar o contexto no qual o jovem está inserido, a estrutura familiar, possíveis traumas e outros comportamentos ”, explica. Para a psicóloga, a ausência de acolhimento e de bons valores familiares na infância podem se manifestar na vida adulta na forma de violência. A especialista afirma que os games de computador podem, na verdade, auxiliar a lidar com as emoções. Karina ainda afirma que o comportamento agressivo pode ser provocado por causas diversas. “Quando alguém sofre de algum distúrbio psicológico, qualquer coisa pode atuar como
FLICKR / GOVERNO SP
Populares depositam flores no muro da escola. Sociedade busca explicações para a tragédia
gatilho. Pode ser um filme, um jogo e até um desenho”. Já a professora da rede estadual, Joana D’arc Lima, defende que a dedicação excessiva aos jogos eletrônicos pode atrapalhar o desenvolvimento, principalmente
quando não há controle por parte dos pais. O estudante Vinicius Barbosa, 19 anos, jogador assíduo de Counter Strike: Global Offensive (CS:GO), parecido com o que os atiradores costumavam praticar, afirma
que os jogos estimulam a disciplina e o pensamento estratégico. “É um jogo considerado violento sim. No entanto, é lúdico e estimula o raciocínio. Os jogos não alteram minha personalidade”, garante.
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JOVENS
2019 | Ano XXI | Nº 107 JOÃO MARCOS DE BARROS
Quem sofre nunca esquece Educadores comentam sobre o problema do bullying nas escolas João Marcos
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rincadeiras de mau-gosto, piadas infames e as popularmente chamadas “zoações” passaram a ser reconhecidas como prejudiciais à saúde mental das crianças há pouco tempo. O caso de Columbine, nos EUA, ocorrido em 1999, em que adolescentes armados invadiram uma escola e mataram 12 colegas e um professor, acendeu o alerta para os riscos do bullying. Contudo, mesmo após a tragédia, a indústria de games manteve a venda de jogos como “Bully”, da Rockstar, cujo enredo se baseia na prática de bullying. O jogo chegou ao Brasil em 2008 e alcançou seu auge cerca de três anos depois,
mesma época que Wellington Menezes de Oliveira entrou num colégio na Zona Oeste do Rio de Janeiro e assassinou 11 crianças. Estudos apontam que entre as possíveis causas do crime está o fato do jovem ter sofrido bullying na escola. O acontecimento fomentou um debate social sobre como reverter o quadro de jovens que sofrem com importunações todos os dias nas escolas do país. Questionado sobre o assunto, o professor universitário e especialista em psicologia escolar David Sérgio Hornblas, relacionou as tragédias relacionadas ao bullying com as tragédias de Mariana e Brumadinho. “São coisas que depois do impacto inicial, caem no esquecimento e ninguém é punido
Especialista defende que professores sejam instruídos para identificar e lidar com o bullying entre alunos
até acontecer novamente.” David defende que os professores precisam ser instruídos para identificar e saber lidar com o bullying. “Não adianta tentar resolver o problema quando o estrago já está feito. É necessário prevenir. Os professores precisam ser capacitados, as escolas precisam ter programas de prevenção”. Para o professor de Matemática, Física e Libras de uma escola
particular em Mogi das Cruzes, Djaílson Silva, a sociedade ainda não entendeu que a escola carece de um olhar especial. “Nossos jovens precisam de ajuda, mas infelizmente a maioria de nós é incapaz de ajudá-los”. Djaílson, que já teve de lidar com o bulliyng entre alunos, enfrentou o problema com exercícios de cidadania que envolveram todos os alunos da classe. No entanto,
ressalta que esse é um problema que ultrapassa os muros da escola, e que dentro de casa, os responsáveis têm papel fundamental na formação das crianças e adolescentes. “O professor acaba absorvendo uma tarefa que é da família. A gente procura ajudar os alunos na questão do relacionamento humano, porém o problema é sério demais para se resolver com uma simples discussão em sala de aula”.
Jogadoras lutam contra assédio durante jogos online Samuel Cândido Pesquisa realizada pela Sioux, empresa de tecnologia de rede, indica que pela terceira vez consecutiva as mulheres são maioria entre jogadores de videogame. Apesar disso, o assédio contra elas durante a interação online é constante, o que afeta tanto as participantes atuais dos games quanto as mulheres que querem começar a jogar. Xingamentos e perseguições virtuais (stalking) são constantes na vida dessas garotas. Laís, jogadora de Team Fortress 2, revela que o assédio sexual também é muito frequente. A programadora Vanessa Ferreira diz que se o homem joga mal a comunidade é compreensiva, mas se for mulher ela logo vira alvo de censura e abusos.
SAMUEL CÂNDIDO
Raquel, 18: “Na verdade acho que eles têm medo do nosso sucesso”
“Meninos que crescem ouvindo que carrinhos e games são coisas deles, e muitos acabam achando que as mulheres não têm habilidade para atuar nessas áreas”, diz o psicólogo Gustavo Oliveira Santos. A universitária Larissa contaque mudou o apelido (nickname) feminino por outro masculino para conseguir jogar em paz. Ao utilizar dessa artimanha, as jogadoras conseguem “driblar” o preconceito. Entretanto, conforme explica Oliveira, esse comportamento apenas reforça as atitudes tóxicas da comunidade masculina. “É compreensível que mulheres escondam suas identidades para evitar o assédio. O maior problema é a constante necessidade masculina de poder e dominação sobre as mulheres, que é um traço de imaturidade psicológica predominante em nossa cultura”.
Raquel do Prado, uma das jogadoras, acredita que normalmente os homens tentam fazer com que outros jogadores assumam o mesmo comportamento grosseiro, e que isso é percebido porque o grupo acaba por dar risada ou exercer comportamento parecido. Essas formas de assédio podem resultar em diversas consequências desagradáveis. Muitas mulheres acabam ficando quietas e abandonam o jogo. Já outras decidem continuar jogando e mostrar ao agressor que as habilidades não dependem de gênero. O assédio nos jogos é classificado como crime cibernético, de acordo com a Lei 12.373/12. Usuárias que se sentirem ameaçadas devem procurar a delegacia de polícia e apresentar denúncia contra os agressores.
JOVENS
Nº 107 | Ano XXI | 2019
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Linchamento virtual faz vítimas em redes sociais Ataque a empresária mogiana ocorrido em 2015 chama a atenção por ofensividade de comentários FREEPIK.COM
Nicolas Takada
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m 2016, cerca de 115 mil denúncias de crimes digitais foram registradas pela Policia Federal. Entre eles estão crimes de ódio, racismo, perseguições e o linchamento virtual, que consiste em uma forma de punição feita e executada por populares. Dessa forma, o linchamento faz com que a pessoa acusada não tenha nenhum direito de fala, sendo perseguida, sem poder se defender. Um dos casos de grande repercussão foi o de Fabiane Maria de Jesus, dona de casa assassinada em maio de 2014, no Guarujá, após ser acusada de praticar magia negra e sequestro de crianças. Um boato surgiu na internet, com relatos falsos de testemunhas, que apontavam Fabiane como criminosa. Ela foi espancada até a morte por moradores, após ser confundida por meio de um retrato falado da suposta sequestradora. O linchamento foi filmado e divulgado na internet e viralizou. Depois, descobriu-se que o retrato da verdadeira criminosa havia sido feito em 2012 por policiais do Rio de Janeiro, em um caso sem relação alguma com a vítima. Em Mogi das Cruzes, em 2015, outro caso chamou bastante a atenção. Mei Li Gong, dona de um restaurante, foi ameaçada e xingada pela população na rua. Tudo começou com a divulgação de um vídeo, na ascensão do WhatsApp. Na filmagem, uma moça até então não identificada, estava na laje de um estabelecimento colocando alguns alimentos em um varal de roupa para secar. No entanto, o que circulou é que a moça estava ‘’secando pedaços de ratos’’ e que eles “seriam servidos no estabelecimento da comerciante”. Junto com a mentira, o vídeo também continha comentários ofensivos e xenofóbicos
‘Sexting’ não consensual é crime e pode gerar enquadramento do agressor VITOR GIANLUCA
Vítimas devem denunciar crimes. Delegacias são obrigadas a registrar B.O.
Ataques que viralizam na internet podem afetar a vida das pessoas
Diante da repercussão negativa, a mulher fechou o restaurante e saiu de Mogi das Cruzes, refugiando-se no interior de Minas Gerais. De acordo com Werner Chuong, advogado que representou a comerciante, o caso foi alimentado pelas mídias e pela população, que compartilhou o vídeo. “Tudo que aconteceu só fomentou a população e o vídeo acabou sendo uma arma nessa situação toda, tanto que ela saiu da cidade. Foi a melhor coisa que ela fez, pois quem sabe o que poderia ter acontecido?’’ Werner pediu que o Facebook e o Google removessem o vídeo, mas pouco adiantou porque, de acordo com o advogado, o estrago já estava feito. O advogado especialista em crimes virtuais, Leonardo Glória, diz que ainda não existe um tratamento específico na lei para o linchamento virtual no Brasil. “Na legislação penal brasileira só é possível enquadrar o linchamento virtual como danos morais ou crimes contra a honra. Nós não temos uma lei específica para tais casos, no máximo são leis para fatos específicos. Portanto, alguns
NICOLAS TAKADA
Leonardo Gloria, advogado: “Legislação não se manifesta sobre linchamento virtual”
casos podem ser levados para danos morais acompanhados de injúria, o que torna algo indefinido em relação à pena’’. Na maioria das vezes, o agressor se esconde atrás do anonimato. Mas, de acordo com Leonardo Glória, isso não impede as investigações. “Dependendo da instância do caso, a policia já consegue identificar os anônimos que ficam propagando essas informações e conseguem até rastreá-los’’, alerta o advogado especialista.
Vitor Gianluca
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interação proporcionada pela internet permite tanto a aproximação de pessoas, como a prática de crimes relacionados à exposição da intimidade. Vitória (nome fictício para preservar a entrevistada) foi vítima de crime na internet. Quando estava no ensino médio, aos 15 anos, após um relacionamento que terminou de forma dramática, teve fotos íntimas publicadas na internet pelo ex-namorado. “Ele não queria que eu ficasse bem sem ele”, conta. Essa prática é denominada de sexting, junção das palavras “sex” e “texting” e descreve a divulgação de conteúdos eróticos e sensuais pela internet. Quando ocorre de forma não consensual pode prejudicar as pessoas expostas. Quem pratica sexting de forma criminosa pode ser enquadrado nos artigos 139 e 140 do Código Penal por injúria ou difamação. “Quando acordei de manhã, meu celular estava com mil mensagens de pessoas me xingando sem que eu soubesse o motivo. Minha foto circulou em grupos de WhatsApp, foi parar em perfis no Instagram, onde as pessoas me marcavam, e também no Facebook.” O psicólogo Rodolfo Mendon-
ça Pereira diz que as vítimas devem buscar apoio. “O amparo familiar é essencial”, recomenda. Para o advogado Victor Monacelli Fachinetti, as vítimas devem sempre denunciar esses crimes. “Qualquer delegacia de polícia é obrigada a registrar o boletim de ocorrência. Se for possível fazer uma ata notarial, comprovando que a postagem criminosa está na rede, melhor ainda. Se não for possível, a vítima deve fazer um print da tela e levar à delegacia para que a polícia possa identificar o agressor.” A privacidade é um direito de todos, garantido pelo artigo 5º da Constituição Federal de 1988. Sendo assim, são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. O advogado destaca que a polícia dispõe de meios para investigar e que a identificação dos responsáveis por publicações criminosas é totalmente possível atualmente. O site new.safernet.org.br, que reúne pesquisadores da área da computação com a missão de defender e promover os direitos humanos na Internet, recebe denúncias e ajuda a identificar agressores virtuais.
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MULHERES
2019 | Ano XXI | Nº 107
Abuso financeiro é crime, diz Lei Maria da Penha Violência patrimonial contra mulheres é uma forma de violência pouco discutida, porém muito comum AMANDA SOUZA
Amanda Souza
AMANDA SOUZA
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item IV do artigo 70 da Lei Maria da Penha deixa claro: “Qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades” caracteriza violência patrimonial. É um crime pouco conhecido, porém muito comum em relacionamentos abusivos. “Se o companheiro diz o que pode ou não comprar, como deve ou não gastar o dinheiro, e isso causa constrangimento ou é contra a vontade, esses já são possíveis traços de abuso financeiro”, explica a advogada Natália Barbosa. “No meu segundo dia de casada meu esposo, hoje ex, falou que eu sustentaria a casa. Eu não sabia nada sobre o que ele fazia com o salário dele. Ele não contribuía com nada, e se eu comprasse algo que não fosse para a casa ou para ele, era uma briga”, conta a diarista Francinélia Lopes. Além da violência em si, essa
Larissa Sotero
“Para o meu esposo, o dinheiro dele é dele, e o meu também é dele”, conta a costureira Maria de Fátima
forma de abuso dificulta a saída da mulher dos relacionamentos, pela dependência financeira. “É triste, eu sei que ele não vai mudar, mas eu penso nos meus três filhos. Para o meu esposo, o dinheiro dele é dele e o meu também é dele”, conta a costureira Maria de Fátima Pereira. Para enfrentar o problema, o primeiro passo para a mulher consiste em procurar um advogado ou a Defensoria Pública para obter assistência jurídica. É preciso estar
ciente de que essa decisão tende a pôr fim ao relacionamento. “Por não deixar hematomas e não causar constrangimento público, essa forma de violência não é muito denunciada”, afirma a advogada Natália Barbosa. É aconselhável guardar provas, como registros de conversas, extratos bancários e comprovantes financeiros. “Nossa lei é bem completa para enfrentar a violência contra a mulher, mas quando não envolve uma agressão física, fica
um pouco mais complicado. Por isso, nos casos de abuso financeiro, as provas são muito importantes”, explica a advogada. Além de reconhecer essa forma de abuso como crime, a Lei Maria da Penha prevê medidas protetivas para combatê-lo. É possível obter ordens judiciais para restituição de bens indevidamente adquiridos pelo agressor e proibição temporária para compra, venda e locação de propriedades em comum.
Mogi recebe projeto de cidadania para mulheres Pedro Ferrari Cerca de 105 mulheres participaram, no último dia 13 de março, da aula inaugural da nova unidade do curso Promotoras Legais Populares (PLPs), em Mogi das Cruzes. A atividade é uma parceria entre a Coordenação do Promotoras Legais Populares, formada por cinco mulheres, com a OAB de Mogi das Cruzes. A iniciativa visa empoderar mulheres, romper ciclos de violência e apresentar soluções, por meio de noções de direito e cidadania. Para Lethicia Ghalo, fotógrafa e uma das anfitriãs do PLPs na cidade, “é de extrema impor-
Em briga de casal, deve-se meter a colher
tância as mulheres saberem de seus direitos”. O programa traz como objetivo instruir as mulheres a respeito de seus direitos, sob o enfoque da questão de genêro, raça e etnia, com repúdio a todas as formas de discriminação e opressão. Segundo Clarice Lopes, também organizadora do programa, é importante ver que as mulheres da cidade estão prontas para encararem novos desafios e se unirem na luta por seus direitos. Para Laís Assis, psicóloga e aluna da nova turma em Mogi das Cruzes, o curso é muito importante pelo conteúdo, também promove a troca de experiências e de conhecimentos.
“Tem crescido muito o número de casos de violência contra a mulher. Na região, me recordo do caso da Jaqueline, de 19 anos, que morreu em consequência de traumatismo craniano, após seu namorado, Sael, derrubá-la no chão com uma cotovelada.” Ela acredita que iniciativas como o PLPs surgem para que as mulheres estejam mais preparadas para entenderem quando a violência começa em seus relacionamentos, para que saibam como proceder e denunciar. A coordenadora pedagógica e também aluna desta nova turma, Roberta de Paula, conta que tem enxergado as mulheres do munícipio mais encorajadas para lutarem por seus direi-
tos. “Não tenho dúvida de que o PLPs vem para somar em nossa cidade”, avalia. Até o momento, cinco mil promotoras já se formaram no programa nas 22 unidades existentes no estado de São Paulo. Para participar, basta comparecer na Escola Superior de Advocacia da OAB de Mogi das Cruzes, localizada na Avenida Doutor Cândido Xavier de Ameida e Souza, número 200, no bairro Centro Civíco, onde ocorrem as reuniões todas as quartas-feiras, das 18h30 ás 21h. Não é exigido formação ou conhecimento prévio. O curso é destinado a todas mulheres a partir de 14 anos. As aulas são totalmente gratuitas.
Em 2017, foram expedidas em Mogi das Cruzes mais de 600 medidas protetivas para mulheres que sofreram violência doméstica, mesmo ano em que foram registradas mais de 500 ocorrências de violência causada pelos parceiros. Suspeita-se que os números sejam maiores, mas muitas mulheres deixam de denunciar por sentirem-se desamparadas e expostas. Rosana Pierucetti, advogada e presidente da ONG Recomeçar, relata que muitas vezes as mulheres têm dificuldade para identificar a violência. “Dois tipos de violência que são difíceis entender são as sexuais e as psicológicas, porque ela pensa: ‘ah, mas ele só me xingou’, então ela não percebe o que está acontecendo”, conta. Segundo a advogada, as mulheres só conseguem procurar ajuda quando estão empoderadas. “A mulher se empodera quando entende que não precisa viver sob violência, que tem direitos, que é uma cidadã”. Para a advogada, o machismo é uma questão cultural. “O homem agride porque tem essa cultura, ele vê a mulher como um ser que com menos direitos, que não tem poder de decisão. Tem que desconstruir, mostrar que respeitar a mulher não afeta sua masculinidade”. Através da ONG Recomeçar, Rosana oferece apoio baseado em rodas de conversa e atendimento individual. O programa dura 180 dias e visa fazer as mulheres entenderem que não precisam aceitar situações de violência. A ONG atende em regime de plantão 24h pelo telefone (11) 99948-3695. A sede fica na rua José Éboli,107, Centro, em Mogi das Cruzes.
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ACERVO PESSOAL/JOSÉ DE OLIVEIRA
Mulheres relatam violência obstétrica no Alto Tietê No Brasil, 25% das mulheres são vítimas do problema. Psicóloga alerta para consequências FOTOS: GABRIEL AFONSO
Medo impede que mulheres denunciem agressões Débora Cristina Segundo o portal Relógios da Violência, do Instituto Maria da Penha, a cada dois segundos uma mulher é vítima de violência física ou verbal no Brasil. O país tenta reverter esse quadro há 25 anos, mas o número de denúncias só aumenta. “Por mais que eu tenha sofrido, só enxerguei que estava num relacionamento abusivo depois do fim”, diz a vendedora Graziela Karina, 21 anos, vítima de agressões psicológicas que deram origem a transtorno de ansiedade e a obrigaram ao uso de medicamentos. “Não acreditava que aquilo estava acontecendo comigo e me sentia muito culpada”, conta. Hoje, Graziela administra uma página no Facebook e um blog chamados “Lamoonier”, em que discute sobre relacionamentos abusivos, autoestima, comportamento e empoderamento feminino. De acordo com psicóloga, Luana Souza, muitas vezes a vítima não
Mara Sandes relata ter sofrido desrespeito e abuso após o parto
Gabriel Afonso
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mbora ocorra com muita frequência, muitas pessoas ainda não conhecem ou sequer já ouviram falar em “violência obstétrica”. Trata-se de um tipo de violência institucional que atinge a mãe e o bebê. Sua dimensão burocrática vitima o hospital, médicos e enfermeiros. O parto é um momento especial e único na vida da mãe e do seu filho, no entanto há situações em que é tratado sem o cuidado que o momento exige. “Fui maltradada desde o pré-natal”, relata Ana Maria, 19 anos, que há dois anos recorreu à maternidade da Santa Casa de Mogi das Cruzes. “Fui atendida por médicos ignorantes. Cada vez era um médico diferente. O momento do parto foi pior ainda: o médico subiu em cima de mim para fazer força na minha barriga. Quando reclamei, ele disse que que na hora de fazer eu havia gostado”. Uma pesquisa da Fundação Perseu Abramo mostra 25% das mulheres são vítimas de violência
obstétrica em hospitais públicos e particulares. Mara Sandes conhece bem o problema. Dezoito anos atrás, ao se internar na Santa Casa de Mogi para o parto de seu filho, relata ter sofrido abuso e desrespeito após o parto. “Fui deixada na maca, suja e nua, enquanto médicos e enfermeiros foram para uma sala ao lado aparentemente para uma festa”. Ela conta que permaneceu abandonada até que uma funcionária do setor de limpeza pedisse que alguém viesse ajudá-la. A psicóloga de parentalidade e perinatalidade Michelle Correa afirma que há um ciclo a ser quebrado, pois durante muitos anos a mulher aceitou esse tratamento sem questionar. Para a psicóloga, essa violência pode ser extremamente prejudicial para a parturiente e a criança, pois tira da gestante a experiência do nascimento em sua plenitude. “Os danos podem chegar à depressão pós-parto, acompanhada de dor e sofrimento”. Na maioria dos casos as vítimas culpam o médico pelo ocorri-
enxerga a situação ou se recusa a admitir que seu companheiro seja um agressor. “O fato dessas situações ocorrerem de formas sutis no dia a dia ajudam a mascarar o problema. Ocorre um xingamento aqui e outro ali, seguido de pedidos de desculpa’”, explica. Para Luana, na maioria dos casos, as mulheres sentem medo de denunciar o agressor. Em situações assim, psicólogos procuram mostrar que a culpa do ocorrido não é delas. Graziela conta que seu parceiro não aceitava o término do namoro. “Ele começou a me ameaçar e me perseguir e na época não fiz nada, porque não tinha a consciência do quanto aquilo era perigoso para mim”, explica. Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, menos de 10% das cidades do país têm Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher (DEAM) . No Alto Tietê, apenas Mogi das Cruzes, Suzano e Itaquaquecetuba contam com atendimento especializado.
Violência psicológica, um mal silencioso Bruna Pompeu Psicóloga Michelle Correa
do, mas o problema pode envolver a instituição que não seleciona profissionais adequados, ou que sobrecarrega os profissionais com atendimentos excessivos. Para Fernanda Barreto, auxiliar de enfermagem que atua no Hospital Ipiranga de Arujá, os maus tratos podem ser vistos como falta de humanidade por parte dos profissionais. Ela defende que as instituições criem cursos de reciclagem para médicos e enfermeiros e oferecessem acompanhamento psicológico para todos. “Se vissem o paciente como seu semelhante, tudo seria melhor”.
Em 2018, a Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, o 180, recebeu 24.378 denúncias de violência psicológica. Apesar do grande número, a violência psicológica é difícil de ser identificada, já que não deixa marcas visíveis. De acordo com a lei Maria da Penha (11. 304/06), é considerada violência psicológica qualquer ato que cause dano emocional, que reduza a autoestima, que seja degradante ou que busque controlar as ações. A psicóloga Vivian Cofani indica os sinais. “Se a mulher perde a voz na relação, começa a medir as palavras, se sente assustada, triste,
e com medo, ela pode estar numa relação abusiva”. Sair de um relacionamento abusivo não é fácil. É preciso reconhecer a condição e buscar ajuda. “Quanto mais pessoas souberem da situação e da história, mais poderão te ajudar a sair dessa relação. Pode ser perigoso querer fazer tudo sozinha”. A psicóloga alerta que o abusador tende a reagir ao rompimento da forma como está habituado. Por isso, é recomendável terminar a relação em lugar público e acompanhada de outras pessoas. “Além disso, entender que não é responsável pelos sentimentos e comportamentos do parceiro ajuda a mulher a tomar a decisão certa”.
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TRABALHO
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Trabalhadores da limpeza sofrem discriminação Invisibilidade causada por preconceito provoca angústia nos profissionais e pode abalar a autoestima FRANCISCO JUNIOR
Francisco Junior
que estavam no mesmo mapa”. Pesquisa feita pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) aponta que 42% dos responsáveis pela limpeza urbana em São Paulo se declararam vítimas de discriminação. Essa parce-
la pode ser ainda maior, já que existem poucos estudos sobre esses fenômenos. Na pesquisa realizada, Moacyr Pereira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Prestação de Serviços de Asseio e Conservação e Limpeza Urbana de São Paulo, diz que a prova da invisibilidade, é que os trabalhadores da área de limpeza nunca são chamados pelo nome. A partir do momento em que a pessoa coloca o uniforme de trabalho, ela é esquecida pela sociedade. A psicóloga Cleide relata: “Freud defende que alguns casos de preconceito estão no inconsciente, ou seja, a pessoa age sem perceber o que está fazendo, enquanto a vítima sofre com a discriminação”. A UMC (Universidade Mogi das Cruzes) oferece para as vítimas de qualquer forma de discriminação ou violência atendimento psicológico gratuito. Mais informações podem ser obtidas junto ao curso de Psicologia.
não permite que o condutor cobre a tarifa e dirija simultaneamente. Gilmar Luciano Chaves, 45 anos, motorista de transporte público há mais de 10 anos, relata que sofre com o estresse. “O trânsito é estressante, e além de dirigir também preciso ficar atento ao bem-estar dos passageiros. Nem todos têm paciência”, relata. Gabrielly Lunardi diz que não se sente segura. “É muito perigoso porque com duas funções o motorista acaba não conseguindo dar conta de nenhuma delas direito”. Para o estudante universitário Adilson Valeriano, que usa ônibus todos os dias, a situação era melhor quando havia cobradores. “Era muito mais rápido, e o motorista não sofria com o acúmulo”, relata. Na opinião de Joony Santos, diretor do Sincoverg (Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários no Transporte de Passageiros, Urba-
no, Suburbano, Metropolitano, Intermunicipal e Cargas Próprias de Guarulhos e Arujá), afirma que na prática ninguém cobra e dirige. “As pessoas dirigem enquanto cobram e isso é inadmissível”. Outra preocupação do sindicato é que a dupla função deixou os cobradores desempregadas. “Só na nossa área mais de três mil pessoas perderam o emprego. O governo infelizmente não visa o bem dos mais pobres”. Para o psicólogo Carlos Alberto Aleixo, o excesso de ansiedadecausado pelo acúmulo gera desequilíbrio que pode gerar problemas. Em 2010, o acúmulo de funções foi extinto nas linhas municipais de Guarulhos. Contudo, com a mudança de governo na cidade as empresas puderam voltar a exigir dos motoristas que estes conduzam o veículo e cobrem passagens.
“M
eu nome não é tia e o que eu faço também é uma profissão”, afirma Eliana Araújo, auxiliar de limpeza há quase três anos em uma multinacional. Antes de ingressar na profissão, ela exercia a função de auxiliar de produção. Eliana conta que, ao ser contratada como prestadora de serviço, não imaginou que teria tantas dificuldades por causa da discriminação. A falta de respeito pela profissão, no início, abalava Eliana. Ela chegou a ter picos negativos de autoestima e ainda hoje tem vestígios desse problema psicológico. No trabalho ouvia frases como “eu sujo mesmo, senão você não vai ter emprego”. Contudo, ela diz que se acostumou com o passar do tempo. Porém, ela ainda sente certa insegurança que se reflete na sua vida fora do ambiente de trabalho. Cleide Nascimento, psicóloga responsável por um experimento
Trabalhadoras em uma grande empresa no Alto Tietê. “No início fiquei abalada”, diz Eliana (esquerda)
sobre invisibilidade no trabalho realizado com alunos do ensino médio, fala sobre os efeitos do preconceito em forma de violência. “Iniciei com essa turma um programa de orientação profissional de abordagem sócio histórica, para o qual levei um mapa de pro-
fissões e do que representava cada uma delas. A maioria dos jovens conseguiu identificar o médico, o professor e o bombeiro e a maioria das profissões, observaram também os benefícios que oferecem, mas em nenhum momento foi pontuado os garis e as faxineiras
Acúmulo de função prejudica motoristas e causa insegurança nos passageiros Mateus da Silva Santos e Silvia Rodrigues Cobrar a passagem, controlar entrada e saída de passageiros, prestar informações, operar elevador, fiscalizar o uso dos assentos preferenciais, além de dirigir, são funções cada vez mais comuns para os motoristas de ônibus. Quem utiliza transporte público na região do Alto Tietê se preocupa com os riscos devido ao acúmulo de funções pelos motoristas, o que contribui para falta de atenção no trânsito. O CTB (Código de Trânsito Brasileiro)
MATEUS DA SILVA SANTOS
Gilmar Luciano Chaves se preocupa com o bem-estar dos passageiros
TRABALHO
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Mercado de trabalho fecha as portas para negros FOTOS: FABIANA UCHOAS
ARQUIVO PESSOAL
Cícero Gomes, historiador
Mara Vidal, jornalista
Gabriel Bomfim, estudante
Lucas Deusdedete, estudante
Preconceito racial ainda é uma das maiores dificuldades para jovens iniciarem carreira profissional Fabiana Uchoas
U
ma pesquisa feita pelo IBGE em 2018 mostra que o Brasil está muito longe de ser uma democracia racial. Em média, os brancos sofrem menos com o desemprego, têm maiores salários e ingressam com mais facilidade no ensino superior. As estatísticas mostram que os índices de desemprego e educação entre negros e brancos são muito diferentes. A pesquisa aponta que 13,6% dos negros estão desempregados e 9,9% não têm acesso a
educação, enquanto os brancos chegam a 9,5% de desempregados e 4,2% com defasagem no ensino. O historiador Cícero Gomes, membro fundador da Unegro, associação que luta pela igualdade racial, salienta que dados como esse são resultado de uma cultura enraizada na sociedade. “O racismo estrutural coloca as nossas crianças em desvantagem nos bancos escolares, não são representados nos livros escolares, não têm suas carinhas atreladas às histórias de sucesso, não são alimentados de autoestima”, pontua.
O historiador ressalta que mesmo quando esses jovens conseguem ingressar em uma universidade, é difícil conseguir uma posição de destaque. “Eles vão disputar espaço com os que não tiveram a mesma trajetória de desigualdade e nesse momento, onde teoricamente os candidatos às vagas estão em pé de igualdade as portas se fecham para os afrodescendentes”, afirma. O estudante Gabriel Bomfim conta que em sua trajetória até ingressar na faculdade, sentiu a necessidade de impor respeito e exigir igualdade. “As pessoas veem
os negros a partir de estereótipos, é uma coisa tão profunda na sociedade que eles nem percebem quando falam. Eu levava na brincadeira, não imaginava o peso disso na minha vida”, diz. Em outro caso, o estudante Lucas Deusdedete conta que demorou muito a perceber os ataques racistas que sofria. “Quando entendi o que estava acontecendo comecei a refutar. Antes eu imaginava que as implicâncias eram por outros motivos, e não pela minha cor”, desabafa. Para a jornalista Mara Vidal, a
influência negativa causa desequilíbrio emocional na vida desses jovens. “A sociedade faz isso o tempo todo, ela te qualifica e desqualifica pela sua cor. Às vezes as pessoas tentam amenizar os comentários racistas, como se isso mudasse alguma coisa, mas não existe isso, racismo é racismo”, aponta. A jornalista enfatiza que para chegar à igualdade racial, a luta precisa ser ininterrupta. “Cabe a nós lutar para mudar esse cenário desigual, e apresentar que diante de tanta mazela existem histórias de vida e de luta”.
LIGIANE DE MACEDO
NATÁLIA SIQUEIRA
agir de forma agressiva e grosseira. A também psicóloga Renata Andrade alerta que a exposição frequente ao estresse pode trazer consequências negativas. “Podem surgir quadros de insônia, irritabilidade, distúrbio de humor e até mesmo depressão”, afirma. Ana Cristina Arzabe dá dicas de como os profissionais podem aliviar um pouco a pressão: “É importante que, fora do ambiente de trabalho, a pessoa faça coisas de que gosta e se dedique a atividades que a façam se sentir mais leve”. Segundo Mauro Cava de Britto, vice-presidente do Sintetel (Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicação), o teleatendente é “o para-raio da empresa” e os call centers precisam melhorar a qualidade de seus produtos e oferecer respostas mais objetivas para os clientes.
Cobranças e agressões marcam rotina de teleatendentes Ligiane de Macedo; Natália Siqueira “Bom dia, como posso ajudá-lo?”, essa é a frase mais falada por mais de um milhão de operadores de telemarketing no Brasil. A resposta que vem do outro lado da linha, entretanto, nem sempre é amistosa. Segundo a Anatel, em 2018 foram registradas cerca de 2,9 milhões reclamações de consumidores contra serviços de telecomunicações. Na impossibilidade de reclamar diretamente com as empresas, os consumidores descarre-
gam toda a insatisfação sobre os atendentes de telemarketing. Aline Andrade, 23 anos, operadora de telemarketing há três, trabalha como na marcação de consultas de uma empresa de saúde. Atende diariamente até 70 ligações, em troca de menos de um salário mínimo. “Como o operador representa a marca, as pessoas acabam xingando o profissional”, diz. Ela diz ter presenciado um caso em que a operadora teve uma crise séria durante um atendimento. “Ela precisou ficar afastada por 10 meses, devido a desequilíbrios psicológicos”.
Aline Andrade
Milena Oliveira
Outro problema são as metas impostas pelas empresas. A estudante de Publicidade e Propaganda Milena Oliveira trabalha há 10 meses numa empresa de telemarketing em Mogi das Cruzes. “Quem não consegue cumprir as metas cai de base e recebe um mailing bem ruim para trabalhar, com clientes menos receptivos e xingamentos
mais frequentes. Praticamente todos os dias a gente sofre algum tipo de humilhação”, diz. Para a psicóloga e professora Ana Cristina Arzabe, as empresas de call center precisam conscientizar os trabalhadores de que as ofensas não são dirigidas a eles. A psicóloga lembra que, ao telefone, as pessoas se sentem encorajadas a
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ESPORTES
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Mulheres no contra-ataque ao machismo
LAYANE STEFANI
Coletivos de torcedoras surgem para enfrentar o assédio e o machismo nos estádios brasileiros Layane Stefani
M
esmo no século XXI, muitas pessoas ainda vivem no passado, quando a prática futebolística era vedada para mulheres. Mesmo hoje em dia, o simples fato de torcer causa situações deprimentes, como na Copa do Mundo da Rússia, em que brasileiros assediaram uma mulher estrangeira. Casos iguais a esse geraram, além da revolta, comoção entre as torcedoras, dando origem a coletivos como o movimento Alvinegras, direcionado a torcedoras corinthianas. Assemelhando-se à iniciativa de torcedoras palmeirenses em fundar o Verdonnas após uma palestrina
ser agredida por corinthianos no metrô, o Alvinegras surgiu para gerar companhia feminina para as mulheres que querem ir ao estádio e evitar o assédio tanto no caminho quanto na arquibancada. As administradoras do movimento informam que o Alvinegras conseguiu até ajudar mulheres que viviam relacionamentos abusivos, algo que transcende o universo do futebol. Mayara Pereira, torcedora do Palmeiras, acha válido e ressalta a importância dos coletivos femininos para a segurança e o conforto da mulher. “Eu fico muito feliz e orgulhosa das torcedoras fazerem isso. É importante demais a gente ter essa visão de que nós podemos”, declara.
Integrantes da Alvinegras costumam se encontrar nos arredores do estádio antes das partidas
Torcedora assídua, Leticia Piva conta que já foi assediada diversas vezes e que chegou a ser seguida no caminho para o estádio. A palmeirense está cansada de ser sempre questionada sobre o seu conhecimento e amor pelo futebol. “É triste passar por isso. Eu nunca vi um homem falar qualquer coisa sobre futebol e ser questionado assim. É como se nós mulheres não pudéssemos gostar de futebol”, afirma. É comum ouvir comentários desagradáveis, como “lugar de mulher não é no estádio” ou “mu-
Futebol de amputados revela craques da superação LEONE ÁVILA
lher não entende de futebol”. Dhenyfer Miranda é uma das administradoras do movimento e repudia essas falas. “Comentários como esses nos dão mais força para continuar na luta. Mulher tem que estar onde ela quiser, ocupando qualquer espaço, temos que ser respeitadas”, alega. Ao contrário da pequena parcela crítica ao movimento Alvinegras, dizer que o machismo não existe na arquibancada e que as mulheres por trás da iniciativa querem na verdade aparecer impli-
Torcida VerDonnas, do Palmeiras, reúne mulheres contra assédio no futebol Lucas Walderez
Reunião de atletas do Corínthians Mogi para planejar viagem rumo ao jogo no Paulistão da categoria
Leone Ávila Aos 27 anos Teilo Altair, que trabalhava como gari, foi espancado por três assaltantes. Devido à agressão, Altair acabou precisando ter uma das pernas amputadas, o que o levou à depressão. “Sofri muito no início, ou ouvir pessoas me chamando de ‘saci’. Foi com o futebol de amputados que o ex-gari conseguiu superar aquele momento. “Quando conheci a galera, vi que outras
pessoas também enfrentam problemas, e que havia muito para viver”. Atuando no momento pelo São Caetano, o atleta diz que o esporte representou uma reviravolta na sua vida. Segundo Juliana Jacques, psicóloga do time, entre os jogadores a depressão é muito rara. “Quando percebem que podem ser bons atletas, tudo muda.” O Corinthians Mogi conta com muitos atletas da seleção brasileira. O goleiro Fábio Santos,
que aos 25 anos perdeu os dedos numa máquina, é um deles. Outro é Marcelo Souza, 42 anos, zagueiro que em 2001 precisou amputar a perna. Marcelo lamenta o fato do futebol de amputados ser considerado como esporte amador e não ser reconhecido como esporte paraolímpico. Contudo, não perde a esperança. “Temos conseguido boas conquistas e acredito que logo seremos reconhecidos pelo que fazemos”.
ca mascarar o problema. É o que fala a socióloga Etiene Velez. “Desde o início do esporte, a mulher sempre foi desencorajada a ir aos estádios”, diz. Alana Takano é uma das administradoras do Alvinegras e espera que mulheres de todo o país, torcedoras de diversos clubes, percebam que no momento é preciso união. “Precisamos estar presentes, precisamos ocupar o nosso lugar, somos minoria e se não ocuparmos o nosso espaço, seremos engolidas”, finaliza.
O grupo surgiu após duas torcedoras do Palmeiras, uniformizadas, serem agredidas por torcedores do Corinthians dentro do trem Algumas torcedoras do Palmeiras criaram, então, um grupo pela união feminina, que começou com 10 integrantes e logo chegou a 800 integrantes. O grupo interage pelas redes sociais. Camila Rocha, 24 anos, uma das líderes do grupo, conta que o intuito é dar suporte às mulheres que desejam assistir o jogos mas têm por medo da violência. “Nosso principal objetivo é promover apoio a mulheres que não frequentavam o estádio por medo ou falta de companhia”.
Camila revela que as mulheres têm que enfrentar situações difíceis para acompanhar seus times. “Nossa opinião, em regra, é desmerecida nas rodas de conversa, como se a gente não fosse capaz de formular uma opinião válida sobre esquema tático, por exemplo. As pessoas veem a gente como acompanhante do namorado, como “maria chuteira” ou como objeto de apreciação masculina, como se a gente só estivesse lá para agradar os homens.”. A torcedora revela que, enquanto assistia a uma partida no estádio, foi xingada de p*ta por alguns torcedores, pelo fato de criticar um jogador. “Eles ainda disseram que o estádio não era lugar para mim”.
LGBT
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Mercado de trabalho é hostil com pessoas LGBTs GABRIELA PEREIRA
Pesquisa diz que 7% das empresas não contratam homossexuais. Maioria das vagas é para faxina ou cozinha Beatriz Mendes; Gabriela Pereira
O
s efeitos da homofobia vão além da discriminação nas relações sociais. No mercado de trabalho, muitas vezes impede que travestis e transsexuais tenham emprego e renda dignos. Clayton Itoi, 25 anos, fez entrevistas de emprego por quatro anos sem ser chamado. “A gente passa nos testes de conhecimento, e na hora da entrevista, sente que a pessoa gostou de você, mas não quer te contratar porque você é gay”, conta. “Me sentia um lixo, mas tinha que seguir em frente”. Uma pesquisa feita em 2015 pela recrutadora Elancers com 10 mil empresas apontou que 7% não contratariam homossexuais de forma alguma, enquanto 10% não contratariam para determinadas funções. Muitas empresas temem ter sua imagem associada aos funcionários homossexuais. A mulher transsexual Anny Rodrigues, 24 anos, já viveu várias
situações de preconceito. “Fiz teste numa loja na 25 de Março. Me saí bem, mas quando tive que apresentar meus documentos para a contratação eles viram que legalmente eu ainda era homem. Me dispensaram na hora, dizendo que outra pessoa tinha se saído melhor no teste. Alguns dias depois, soube que os donos afirmaram que jamais contratariam alguém como eu”, lembra. Empresas que contratam pessoas trans costumam mantê-los escondidos do público, geralmente em funções de limpeza ou de cozinha. Hiuri Damasceno, 20 anos, conta que durante o tempo em que trabalhou numa loja não permitiam que ele se envolvesse em atividades mais complexas. “Eu acabava ficando com a parte de limpeza da loja, porque é isso que as mulheres fazem”. Ao pedir demissão, ouviu do chefe: “Tem que ser viado mesmo pra ficar com essas dores de cabeça”. Damasceno denunciou o assédio moral e ganhou a causa na Justiça.
BEATRIZ MENDES
Clayton se sentiu rejeitado pelas empresas, mesmo problema enfrentado pela transexual Anny Rodrigues
Segundo a psicóloga Andressa da Silva, a recusa frequente pelo mercado de trabalho pode levar a pessoa LGBT a desenvolver problemas de autoestima, ansiedade, pânico e até depressão, “Nesses casos, a primeira atitude a ser tomada é procurar ajuda em clínicas de psicologia”. Segundo a advogada Maria de
Lourdes Guimarães, embora existam leis contra a discriminação no ambiente de trabalho, não há norma específica contra a homofobia. Para a advogada, perguntas do entrevistador quanto à orientação sexual do candidato configuram homofobia. “Ele pode perguntar sobre o estado civil, mas jamais com qual gênero se relaciona”.
O portal Trans Sem Emprego, especializado na mediação entre transexuais que buscam colocação profissional e empresas de todo o território nacional, tem parceria com empresas como Atento, Google, Carrefour, entre outras. Cadastros e mais informações podem ser encontradas no site www. transempregos.com.br.
A cada 20h morre um LGBT vítima da intolerância THAMY NAKAYAMA
Amanda Miwa Cassio da Silva Almeida, 23 anos, estava no ponto de ônibus às 4h da manhã quando foi abordado por assaltantes. Ao perceberem a orientação sexual da vítima, após roubarem seus pertences os assaltantes o jogaram no chão e o espancaram com chutes nas costas. O fato ocorreu em fevereiro de 2017. Decidido a prestar queixa, no dia seguinte Cássio foi à delegacia do bairro fazer o boletim de ocorrência. Começou então outro sofrimento, uma vez que os funcionários se recusaram a registrar a ocorrência. Foi necessário percorrer várias delegacias, até conseguir. “Um escrivão chegou a dizer que não faria porque estava em
horário de almoço”, diz. O drama de Cássio se repete em todo o país no cotidiano de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros. Segundo o relatório do Grupo Gays da Bahia, 420 lésbicas, gays, bissexuais e transexuais morreram em 2018, vítimas da violência. Foram 320 homicídios e 100 suicídios. A cada 20 horas um LGBT morre vítima do preconceito e da intolerância. Além da violência física ocorrem também violência psicológica e social, condições em que raramente a vítima apresenta denúncia. Michael Pedro Batista da Silva, 23, ouviu de um passageiro no transporte público que “deveria jogar álcool e colocar fogo nele”, conta. “Felizmente nunca apanhei
ABDA MELO
Michael Pedro da Silva, 23 anos, e Cassio Almeida, 23 anos, vítimas de violência, torcem pela criminalização da homofobia pelo STF
na rua, mas esse episódio me fez sentir o peso da violência”. O professor Roberto Fukumaro, presidente do Fórum Mogiano LGBT, explica que em média chegam dois casos de LGBTfobia por semestre no Fórum. Na maioria das vezes, contudo, as pessoas preferem não denunciar. Isso acontece pela falta de ratificação criminal da LGBTfobia. Atualmente o STF (Supremo Tribunal Federal) está analisando os pedidos do PPS (Partido Popular Socialista) e do AGBLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos) para, pelo menos, equiparar a LGBTfobia com o racismo na aplicação de penas.
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CIDADANIA
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6,9 milhões de famílias ocupam áreas irregulares Ajudante de cozinha relata que resolveu morar em ocupação por não ter poder pagar aluguel
Baixa renda leva famílias como a de Rose (ao lado) a morar em terrenos ocupados irregularmente. Ausência de infraestrutura resulta em mau cheiro, acúmulo de lixo e infestação de animais peçonhentos
Mariana Queiroz
F
amílias que vivem irregularmente em um terreno de propriedade da CPTM (Companhia de Trens Metropolitanos), onde a linha ferroviária passa, em Suzano, correm o risco de serem retiradas de suas casas. A empresa pretende alargar os trilhos e para isso a área terá que ser desocupada. Algumas famílias que habitam na área de risco, onde a trepidação do trem afeta a estrutura dos imóveis, foram retiradas pela prefeitura e realocadas em apartamentos do “Minha Casa Minha Vida”. Hoje são obrigadas a pagar
o financiamento, de acordo com a renda mensal familiar. Algumas famílias continuam no terreno, tendo que conviver diariamente com a violência, o mau cheiro,
animais peçonhentos e o lixo. É o caso de Rosilma Santos de Souza, 37 anos, ajudante de cozinha, que depois de se separar de seu primeiro marido, com o filho de 7 anos, ganhando 200 reais por mês de salário, passou a dividir com o irmão o preço do aluguel da casa que moravam, que custava R$ 250,00. Em 2003, depois de ter sido demitida do emprego, recebendo R$ 5 mil reais de Fundo de Garantia, trabalhando apenas de “bico”, surgiu a oportunidade de comprar uma casa no Jardim Nazaré, no terreno da CPTM. Rosilma, conta que pagou pela casa de três cômodos, 8000 mil reais. De entrada ela deu
o valor que tinha recebido ao ser mandada embora do emprego e o restante parcelou em quatro vezes. Ela explica que quando decidiu se mudar para essa propriedade privada, foi porque não tinha condições de continuar pagando aluguel Rosilma não é a única brasileira que se encontra nessa situação. De acordo com o censo do IBGE, divulgado em 2010, o país tem 6,9 milhões de famílias sem moradia. Entretanto, isso não precisaria ocorrer se o direito social da habitação firmado na Constituição Federal, no artigo 6º, fosse praticado. A lei diz que todo cidadão brasileiro tem esse direito. A professora de Direito Civil,
Sueli Kussano, explica: “Na Constituição fala que todos têm direito à moradia. Mas é uma norma programática. Significa que para o legislador todos deveriam ter esse direito. Mas não é um direito exigível. Para ter direito à moradia, o correto é comprar ou ganhar de presente”. Rosilma, que atualmente está empregada, vive com o marido, os dois filhos e espera o terceiro, afirma que se sente triste de ver quem não tem onde morar: “Se o governo desse mais oportunidade para as pessoas financiarem uma casa, ninguém morava na rua. É muito caro, então como é que a gente vai ter um teto? ”, desabafa. NARA HONÓRIO
Terrenos abandonados causam População desconhece uso do dinheiro público transtornos a moradores Karla Gomes Viver ao lado de terrenos abandonados já virou rotina para os moradores do Condomínio Antonieta 3, no Jardim Layr, em Mogi das Cruzes. Desde que os apartamentos foram entregues, há cerca de 7 anos, as pessoas convivem com essa situação e nada foi feito. Nos terrenos vazios há ratos, baratas, aranhas e até cobras, que acabam invadindo as residências. Graziele Santos, 23, moradora do condomínio, se deparou com uma cobra dentro do apartamento. “Minha sobrinha veio gritando porque tinha entrado uma cobra em casa. Não acreditei que
aquilo estava acontecendo. Moro com minha mãe, minha irmã e mais sete crianças. E se alguém fosse picado? Me sinto agredida com esta situação”, desabafa. Maurilio Chiaretti, urbanista e presidente do SASP (Sindicato dos Arquitetos no Estado de São Paulo), ressalta que a falta de manutenção das áreas vazias gera transtornos e contribui para piorar a situação de quem vive nas periferias. “Quem gosta de abrir a janela e dar de cara com um monte de mato, lixo e insetos?”, pergunta. Procurada, a prefeitura disse que o terreno é particular, cabendo ao proprietário tomar as providências de manutenção e limpeza.
Nara Honório Uma pesquisa realizada em 29 de março pelo Página UM com 40 moradores de Ferraz de Vasconcelos, com idades entre 18 e 63 anos, revela que 85% nunca ouviu falar do Portal da Transparência do município. Dos entrevistados, apenas quatro conhecem o Portal e dois acompanham. Embora as reclamações com relação aos serviços públicos seja frequente, quase ninguém acom-
panha o uso do dinheiro público. Os portais de transparência têm como proposta tornar claras e acessíveis à população informações sobre a aplicação dos recursos públicos. São uma forma de prestação de contas do governo. Danillo Santos, secretário do Conselho de Segurança de Ferraz, explica que boa parte do orçamento é consumido pela folha de pagamento dos servidores. “Em 2018 foram destinados
R$ 9 milhões para a segurança pública, mas apenas R$ 384 mil foram investidos em melhorias para a área”, afirma. Daniel Balke, membro do Conselho Estadual das Cidades, defende que a participação nos conselhos facilita o acesso às informações. “Seria bom que as reuniões fossem realizadas em locais e horários mais acessíveis a todos”. O orçamento da cidade para 2019 ultrapassa R$ 300 milhões.
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CIDADANIA
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FOTOS: PALOMA CANGUSSU
Jovens enfrentam violência cotidiana nos semáforos Na busca pelo sustento, adolescentes dividem espaço com os carros e sofrem preconceito
Paloma Cangussu
É
horário de pico e os carros param no semáforo da avenida mais movimentada da cidade. Nesse momento um grupo de jovens domina os corredores entre os automóveis oferecendo balas ou pedindo dinheiro. Eles são tão frequentes que às vezes até se tornam invisíveis na paisagem urbana. Caio, 17 anos, mora em abrigo, mas é nas ruas que passa boa parte do dia. Em outro ponto de Mogi das Cruzes, Giovani, 21, vê nos motoristas uma boa clientela para vender suas balas. Diz que conseguir trabalho formal é difícil, por ser ex-detento.
Diferentes idades, rostos e sonhos, mas a realidade que os une é semelhante. Esses garotos estão em situação de vulnerabilidade, segundo a psicóloga Ana Ariza. “A vulnerabilidade diz respeito a um sujeito inserido em um contexto sócio econômico inadequado à sobrevivência. Se está naquela condição é porque existe uma violência por parte da sociedade”. De acordo com Renan Franco, advogado e presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de Mogi das Cruzes, a Constituição Federal e o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), explicitam que o dever de proteger a juventude cabe à família, ao Estado e à sociedade.
Entre os motoristas, as opiniões se dividem. Para Manoel, 55, dar o dinheiro pode incentivá-los a continuar na rua. Luiz, 46, atribui a culpa aos pais, mas doa porque sente pena das crianças. Celia Mykonios, coordenadora do Peti (Programa pela Erradicação do Trabalho Infantil), acredita que muitas família são coniventes com a permanência das crianças nas ruas porque precisam do dinheiro. Embora Mogi das Cruzes conte com o CRAS (Centro de Referência da Assistência Social), muitos jovens atendidos pelo Centro acabam voltando para as ruas. Jaime Nakamura, agente social, acredita que o segredo para a
Adolescente vende balas (acima) na rua Coronel Souza Franco, em Mogi. Para a psicóloga Ana Silvia Ariza (esquerda), problema reflete a desigualdade social. Agentes da Abordagem Social Andrea Siqueira, Celia Mykonios e Jaime Nakamura (direita) exibem materiais de combate ao trabalho infantil
conscientização da sociedade em relação a essa realidade consiste na construção de associações po-
sitivas, como “está trabalhando, mas poderia estar estudando ou brincando”.
Homens negros são principais vítimas de abuso policial Ana Luiza Moreira De acordo com um relatório de 2015 da Anistia Internacional, a força policial brasileira é a que mais mata no mundo. Os dados mostram que em 2012 foram 56 mil homicídios no Brasil e em 2014, 15,6% dos homicídios foram cometidos por policiais. Essa agressividade é experienciada diariamente por Matheus Ferreira, jovem, homem e negro. Segundo um estudo sobre violência feito pelo Gevac (Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos), da UFSCar, 61% das pessoas mortas por policiais entre 2009 e 2011 apresentam esse mesmo perfil. Matheus relata que já passou
por diversas abordagens violentas da polícia, sendo a mais marcante quando estava indo de moto para o trabalho com um colega e foi parado por policiais que suspeitavam que os dois haviam cometido um assalto. “Muitas motos passaram antes da gente e eles nos pararam dizendo que parecíamos suspeitos. Uma coisa que eu nunca entendi é como eles conseguem definir quem é suspeito e quem não é”, explica ele. Durante a abordagem, o estudante diz que foi vítima de tapas e sofreu ameaças sobre ser preso sem motivo aparente. Já a estudante Beatriz Mecca relata ter visto muitas situações como essa em que amigos foram abordados, algemados e até tive-
ram armas apontadas para o rosto em situações de enquadramento. Ela ainda conta que sofreu abuso quando foi parada por policias homens. “Eu estava com dois amigos quando nos pararam. Eles pediram para levantarmos as blusas e começaram a pegar na minha perna, puxaram nossas roupas e começaram a empurrar meu amigo. Eles riram na nossa cara, apontaram o dedo enquanto nos xingavam, e não nos pediram documentos e nem nada”, afirma Mecca. O advogado Thiago Sarges afirma que as punições nesses casos não são frequentes pela dificuldade para apresentar prova concreta do crime. “A autoridade policial deve ser denunciada quan-
ANA LUIZA MOREIRA
Matheus Ferreira se encaixa no perfil que mais sofre violência policial
do comete abuso, ou seja, quando extrapola funções”. Ainda de acordo com o advogado, o artigo 5 da Lei de Abuso de Autoridade, de 9 de dezembro de 1965, serve justamente para casos em que esses abusos são co-
metidos por policiais, civis ou militares, de qualquer categoria. “Em situações como essa o acusado perde o poder de exercer sua função no município da culpa, por prazo de um a cinco anos”, explica Thiago Sarges.
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IDOSOS
2019 | Ano XXI | Nº 107
Idosos sofrem com abandono em Santa Isabel Conflitos e ruptura dos valores familiares são os principais motivos para o abandono de incapazes FOTOS: ÉLLEN ÁVILA
Éllen Ávila
(Conselho Municipal do Direito dos Idosos de Santa Isabel), a falta de paciência da família e a apropriação dos benefícios financeiros
dos idosos são os principais fatores de abandono e maus tratos. Segundo Paulo Pereira Maduro, 79 anos, atual vice-presidente do CMDI, a má gestão pública e a burocracia excessiva também atrapalham a luta constante para garantir o cumprimento das leis. “Existe um descompasso entre o que a lei determina e a real infraestrutura dos municípios. É garantido o direito à moradia, no entanto, os lares de acolhimento da cidade estão lotados. Então onde é que fica o direito?”. A assistente social da Casa de Passagem Municipal de Santa Isa-
bel, Maria Lúcia Santos, 49 anos, declara que os conflitos e a rupturas dos valores no seio familiar são os principais motivos que levam os parentes ao abandono de incapaz. O perfil dos idosos acolhidos pela Casa de Passagem são homens que já possuem históricos de problemas familiares, que, pela quebra do vínculo afetivo, procuram abrigo nas ruas. “O caso que mais me comoveu foi o de uma senhora de 63 anos com coágulo no cérebro, que ficou quatro dias em observação, aguardando cirurgia, sem que aparecesse sequer um familiar para visitá-la e dar pelo menos um banho na idosa”, conta Orlando Paixão, 62 anos, atual presidente do CMDI. De acordo com o secretário de Assistência e Promoção Social de Santa Isabel, José Heleno Antônio Pinto, 52 anos, o município vem realizando diversas atividades, como rodas de conversa com as famílias e entidades religiosas, para reverter o atual cenário. Mais informações sobre essas atividades podem ser obtidas na página oficial da Prefeitura de Santa Isabel no endereço https://santaisabel. sp.gov.br/pmsiportal/.
cológica contribuem para perdas financeiras. Muitos casos ocorrem por pressão da família, quando idosos são pressionados a ajudar financeiramente familiares. “Infelizmente, esta é uma prática comum. Essas vítimas sequer conseguem denunciar a extorsão a que são submetidos”, afirma a advogada Fernanda Bombonati. “Os principais casos ocorrem porque algum familiar recorre ao idoso para diminuir sua própria dívida”, afirma o economista e consultor de finanças Ricardo Nascimento: “Como o consignado é mais barato, as contratações em geral se repetem. O desconto em folha causa um estrago na vida financeira do idoso”, completa. Foi o que aconteceu com a aposentada Ester Pereira da Silva,
de 102 anos. A filha, Maria de Jesus, ficou responsável por cuidar das dívidas da mãe, resultantes de empréstimos contratados por orientação dos demais filhos: “Quando meu irmão ficou desempregado, ela contratou o consignado, desde então, a dívida só aumentou”, diz Maria. Maria não sabia do endividamento da mãe: “Fiquei assustada com os valores, ainda mais porque ela não usufruiu de nada disso”. Ela diz que os empréstimos resultaram na depressão da aposentada: “Ela se sentia incapaz e tinha vergonha de sair de casa”, completa. Para o psicólogo Douglas La Femina, pode ser considerada violência toda ação ou omissão capaz de prejudicar o bem-estar, as inte-
gridades físicas, psicológicas ou a liberdade e o direito ao desenvolvimento do idoso. Para não fazer um mau negócio, buscar informação sobre a modalidade de crédito é fundamental, aponta o economista Ricardo Nascimento: “O empréstimo consignado é voltado a aposentados e pensionistas. Muitas vezes, idosos desconhecem esse tipo de financiamento e acabam ludibriados”, adverte. É importante ressaltar que o INSS não entra em contato com o aposentado por meio de ligações e também não cobra por nenhum serviço. “Muitos caem nessa conversa. Nesse caso, é preciso checar a informação no próprio INSS”, diz a advogada Fernanda Bombonati.
“À
s vezes eu choro de raiva porque não tem ninguém para me ajudar”, afirma Ivan Sínico, 69 anos, que teve ambas as pernas amputadas em consequência de um acidente. Ele mora em uma fazenda afastada e com pouca infraestrutura, no bairro Ouro Fino, Santa Isabel, e reclama da falta de acessibilidade. “Preciso me mudar para um lugar melhor”, diz. Com espírito de independência, Ivan relata o difícil convívio na companhia de seu cuidador. Para o idoso, as atividades diárias dentro de casa tornam-se sufocantes. A vida dele sofreu grande mudança após um acidente em razão do qual teve as pernnas amputadas. Antes, ele podia caminhar pelas ruas, mas hoje chega a ficar dez dias deitado na cama, sem ver a luz do dia. Com apenas uma irmã viva, de 83 anos, Ivan é um idoso solitário que almeja a liberdade de voltar a conviver com as outras pessoas. Seus maiores desejos são morar com uma família com quem possa conversar e visitar vários lugares. Assim como Ivan, muitos ido-
Secretário de Assistência e Promoção Social de Santa Isabel, José Heleno Antônio Pinto
Para Ivan, o abandono é triste e a falta de acessibilidade é um desafio
sos vivem abandonados pela família. Para Genésia Tanaka Maduro, 59 anos, educadora aposentada e uma das fundadoras do CMDI
Assédio de bancos, golpes e pressão familiar transformam consignados em dor de cabeça para idosos Débora Prado Às vésperas de entrar vigor a normativa do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), contra empréstimos fraudulentos, aposentados e pensionistas sofrem tanto com o assédio de institui-
ções financeiras e pressão psicológica dentro de casa. Segundo pesquisa do SPC Brasil), na população entre 65 e 84 anos, a inadimplência subiu 9,56%, em comparação com 2018. Desinformação e pressão psi-
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TRANSPORTES
Nº 107 | Ano XXI | 2019
MATHEUS FREITAS
Trens superlotados causam transtornos a usuários Estação Luz, no centro de São Paulo.
Psicólogo alerta que estresse causado por viagens em condições inadequadas causa desgaste emocional. “Esta é uma forma de violência institucionalizada contra o indivíduo”
Matheus Freitas
S
ão Paulo, quarta-feira, 17h50 da tarde. Mais um trem da linha 11-Coral da CPTM chega à estação Luz, no centro de São Paulo, para o embarque dos passageiros com destino à estação Estudantes, em Mogi das Cruzes. A composição encosta e, ao abrir as portas, as pessoas
avançam se empurrando, numa verdadeira guerra para conseguir sentar. Concluído o embarque, o trem parte com os passageiros espremidos. O descaso do poder público para com o problema se reflete diariamente na vida dos usuários que sofrem essa violência. Para Aline Lima, 23 anos, estudante de Fisioterapia e secretária em um consultório médico na capital, o
trem é um desafio diário. “É uma experiência desgastante’’, reclama. A correria para sentar é comum nas sete linhas da CPTM, empresa pública responsável pelo serviço de trens na Grande São Paulo. Dados da companhia divulgados em 2018 mostram que a linha Coral é recordista em número de passageiros, com média diária de 734.000. Nessa linha circulam as composições
espanholas série 8500 de oito vagões, 170 metros de comprimento, que em condições normais transportam 2600 passageiros. Bruno Arman, 36 anos, porteiro, usuário do transporte ferroviário, se conforma. “Não tenho escolha. Enfrento a superlotação como uma guerra psicológica. Tenho uma filha e preciso dar um futuro para ela’’, diz.
Segundo o psicólogo Carlos Alberto Aleixo, o estresse causado pelas viagens em condição inadequada, somado às preocupações do dia a dia, causa desgaste psicológico e fisiológico nas pessoas, que acaba se refletindo nas relações interpessoais. “Esta é uma forma de violência institucionalizada contra o indivíduo”, afirma.
Pacientes sofrem com demora no atendimento
Salatiel Alves
Deitada na recepção do Pronto Socorro da Santa Casa de Misericórdia de Mogi das Cruzes, a dona de casa Ianca dos Santos, de 22 anos, utilizava como leito o colo do marido, Breno dos Santos, 20 anos, mais duas cadeiras, enquanto aguardava medicação. A reportagem flagou a espera que já durava mais de sete horas. A cena até parecia um “cochilo” tranquilo, mas o fato é que estavam exaustos de esperar por tanto tempo. Ianca foi até a unidade de pronto atendimento devido a uma crise diabética e ao excesso de ácido no estômago. De acordo com Breno, a esposa não recebeu nenhuma medicação desde a hora que chegaram. Enquanto ela sofria com náuseas, ele contou à reportagem que estava muito preocupado. “Os médicos, parecem não estar nem aí com as pessoas”. O aposentado Salvador Matias, de 69 anos, era um dos que, do lado de fora da unidade, aguardava notícias do filho que havia sofrido um desligamento de nervos do joelho. Reclamando
FOTOS: SALATIEL ALVES
José Roberto, 69 anos, esperou quase quatro meses por consulta
No pronto socorro da Santa Casa espera chega a sete horas. Atendimento de urgência só para casos graves
da superlotação e do descaso, ele disse: “Desde as 13 horas estamos aguardando resultados dos exames, para saber se opera ou não”. Já passava das 20h30. A reportagem também acompanhou alguns pacientes perguntarem para a única atendente o porque da demora e a resposta incisiva da funcionária: “Os médicos estão atendendo os casos mais graves, precisa esperar a chamada”.
Segundo a última pesquisa do Instituto Datafolha em parceria com o Conselho Federal de Medicina, realizada em 2016, 44% dos entrevistados esperavam há mais de um ano para agendar uma cirurgia e 19% aguardavam há dois meses ou mais por atendimento médico. Um outro levantamento do Tribunal de Contas da União (TCU), referente a 2014, indicava que 64% dos hospitais estavam sempre superlotados.
O aposentado José Roberto Martins, de 59 anos, que faz acompanhamento médico após câncer na próstata, reclamou da demora para retorno com o urologista, na Unica (Unidade Clínica Ambulatorial) de Jundiapeba. “Passei com meu médico em janeiro”, afirma. A reportagem tentou falar com o secretário municipal da saúde, Francisco Bezerra, para que este se pronunciasse sobre a demora
nos atendimentos, mas, em nota, a assessoria de imprensa respondeu que não há motivos para reclamação do aposentado José Roberto Martins, “O retorno com o especialista ocorreu no final de março”, quando a reportagem já tinha sido elaborada. O retorno foi confirmado pelo aposentado, mas ele ressaltou que “a demora ainda foi grande para quem está em um tratamento de risco”.
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INFRAESTRUTURA
2019 | Ano XXI | Nº 107 FERNANDO BARRETO
Congestionamentos frequentes prejudicam mogianos Carros, ônibus e pedestres dividem pequena passagem em ponto de ônibus próximo à praça do Carmo
Fernando Barreto
C
om uma população de mais de 440 mil pessoas, Mogi das Cruzes tem também a maior frota de carros do Alto Tietê, com 241.932 mil veículos, segundo o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito). Com tanta gente e veículos, a cidade deveria contar com vias que favorecessem a circulação, mas não é o que ocorre. O tráfego intenso de veículos
tem causado congestionamentos nas principais vias da cidade, afetando motoristas e principalmente os usuários do transporte público. Gabriela de Souza, 19 anos, que trabalha como teleatendente, utiliza a linha E103 que serve o bairro Jundiapeba. Ela reclama da lentidão em trechos da cidade, como na rua Brás Cubas, no centro. “O ônibus já chegou levar 30 minutos parado para percorrer um pequeno trecho na rua Brás Cubas. Às vezes a volta para casa
demora até uma hora, por causa dos congestionamentos”. Wildemberg Augusto, 23 anos, atendente de loja, que utiliza a linha E112 que serve o bairro Vila Cintra, se sente prejudicado pelos congestionamentos frequentes. “Diariamente enfrento grandes congestionamentos para chegar ao serviço. Pelo menos uma vez na semana chego atrasado”. Consuelo Gallego, mestre em Urbanismo e professora de Planejamento Urbano na UMC (Univer-
sidade de Mogi das Cruzes), afirma que o Brasil seguiu o modelo norteamericano rodoviarista. “Quanto mais vias existirem, mais carros haverá nas ruas”. Para a psicóloga e especialista em trânsito, Joyce Expíndola, credenciada pelo Detran-SP (Departamento Estadual de Trânsito), os problemas causados pelo trânsito vão desde abalos emocionais até patologias mais graves. “Ônibus muito lotados e congestionamentos frequentes podem
ser considerados um problema de saúde pública, na medida em que geram efeitos negativos sobre as pessoas”. Para a urbanista Consuelo, o poder público precisa pensar a cidade para o pedestre, isto é, construir calçadas de qualidade, criar ciclovias para o dia a dia, e vias exclusivas para ônibus. “Os automóveis vêm em último lugar. A cidade precisa se reinventar, ter empregos mais próximos, sem exigir longas viagens dos trabalhadores”, defende.
Dificuldade de locomoção em Mogi atinge até pedestres LARISSA ANJOS
Larissa Anjos Por ser uma área de comércio, as ruas no entorno da estação e no centro de Mogi das Cruzes recebem diariamente uma grande movimentação de pedestres. Contudo, caminhar no centro da cidade nem sempre é fácil. Problemas como a existência de desníveis, falta de rampa de acessibilidade, calçadas estreitas e com buracos, se caracterizam como uma forma de violência ao direito de ir e vir do pedestre. Kennedy Henrique Guimarães, 23 anos, é vigilante de uma loja de acessórios, localizada na rua Coronel Souza Franco. Ele relata os muitos casos de pessoas que tropeçam diariamente nos buracos da calçada. “Muitas pessoas torcem o pé aqui na frente da loja e a maioria são idosos.” Felipe Celestino dos Santos, 19, trabalha na outra unidade da Lívia Acessórios, que fica na rua Barão Jaceguai. Ele conta que por diversas vezes ajudou pedestres a se locomoverem.
Pedestres disputam espaço com carros no centro da cidade, perto ao Mercado Municipal. Arquiteto recomenda mais espaço para pedestres
Um agravante para a situação de mobilidade urbana em Mogi das Cruzes é o fato de no centro haver muitas construções tombadas como patrimônio histórico, o que dificulta soluções mais amplas para favorecer o tráfego de veículos e de pedestres. O Código de Trânsito Brasileiro exige que haja
um espaço exclusivo para a circulação de pedestres. No passeio, como é chamado, não pode haver postes de iluminação, semáforo, vegetação, latas de lixo, nada que atrapalhe a locomoção das pessoas. Os postes são grandes desafios para os pedestres portadores de algum tipo de deficiência física
ou que tenham dificuldade de mobilidade. Josemar Rocha Nascimento, 31 anos, que usa uma cadeira de rodas para se locomover, conta que muitas vezes precisa dividir a rua com os carros porque a cadeira não cabe nas calçadas. “Para piorar, ainda sou xingado pelos motoristas”.
Segundo o arquiteto e urbanista Paulo Pinhal, a redução da frota de veículos e a ampliação do acesso aos pedestres é a melhor opção para a cidade. Pinhal apresentou à Secretaria de Transportes uma proposta para que onde as calçadas forem insuficientes parte da rua seja reservada aos pedestres.