Agroenergia em revista - Ed. 7 - 24/12/2014

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ISSN 2238-1023

AGROENERGIA

em REVISTA

Esta é uma publicação da Embrapa Agroenergia

Ano IV, nº 7, dezembro de 2014

Biocombustível de Aviação


AGROENERGIA EM REVISTA EXPEDIENTE Esta é a edição nº 7, Dezembro de 2014, da Agroenergia em Revista, publicação de responsabilidade do Núcleo de Comunicação Organizacional da Embrapa Agroenergia

Jornalista Responsável Daniela Garcia Collares (MTb/114/01 RR)

Chefe-Geral Manoel Teixeira Souza Júnior

Capa, projeto gráfico e diagramação Maria Goreti Braga dos Santos

Chefe-Adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento Guy de Capdeville

ISSN 2238-1023

Chefe-Adjunta de Transferência de Tecnologia Marcia Mitiko Onoyama Chefe-Adjunta de Administração Maria do Carmo de Morais Matias

embrapa

Revisão Manoel Teixeira Souza Júnior

Tiragem: 1.000 exemplares Impressão e acabamento Embrapa Informação Tecnológica Esta edição da Agroenergia em Revista foi impressa com recursos do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento

cnpae

Assista ao vídeo em: www.youtube.com/watch?v=XBfeXnbeSO4

Imagens: VideoMakers

Todos os direitos reservados. Permitida a reprodução das matérias desde que citada a fonte. Embrapa Agroenergia Parque Estação Biológica - PqEB s/n°, Av. W3 Norte (final) Edifício Embrapa Agroenergia Caixa Postal: 40.315 70770-901 - Brasília (DF) Tel.: 55 (61) 3448 1581 Fotos da montagem na capa: Maria Goreti Braga dos Santos, Gol e Cesar Romagna Foto do sumário: Maria Goreti Braga dos Santos

Contato

www.embrapa.br/fale-conosco/sac


Agroenergia em Revista

6

Céu mais limpo e sustentável: Pauta da aviação mundial

8

Voos verdes

10

O papel do Estado no desenvolvimento da moderna bioenergia

12

Bioenergia deve ser sustentável

16

Bioquerosene já é pauta no ministério da agricultura

18

Copa do Mundo abre “portas” para bioquerosene de aviação

Mercado

Pesquisa

Panorama

2

40

A caminho de um novo mercado

44

A queridinha de todos

46

Bioquerosene é alternativa de negócio para usina de biodiesel

52

Dos campos brasileiros para os motores da aviação

56

Pinhão-manso é a aposta para o bioquerosene

22

O desafio da produção sustentável de biomassas para biocombustíveis de aviação

28

ANP tem especificação para combustíveis alternativos de aviação

32

Convertendo óleos vegetais em hidrocarbonetos

34

Do álcool ao bioquerosene

36

Gaseificação como alternativa

38

Aumentando a oferta de óleos


Editorial

Por que o Brasil deve abraçar, também como sua, a causa da indústria de aviação, que está comprometida com a redução do impacto ambiental por ela causado? Esta indústria estabeleceu metas ambiciosas para atingir um crescimento neutro em carbono até 2020 e reduzir em 50% as emissões de CO2 até 2050, tendo como referência os níveis de 2005. Atualmente, a indústria de aviação gera aproximadamente 2% das emissões de CO2 e as projeções sugerem que atingirão um nível de 3% até 2030.

Em 2013 a Associação Internacional de Transportes Aéreos (IATA) estabeleceu um ambicioso programa voluntário de sustentabilidade visando à redução nas emissões, que se baseia na melhoria tecnológica das aeronaves, com materiais mais leves e resistentes, turbinas com um desempenho melhor, softwares e procedimentos de ATM – Air Traffic Management, para redução do consumo de querosene, e principalmente, no uso do bioquerosene (BioQAv) produzido a partir de biomassa sustentável e seus resíduos. Dentro de todos os fatores mencionados que contribuem para a mitigação das emissões, o bioquerosene aparece como o de maior relevância. No Brasil, consome-se anualmente cerca de sete bilhões de litros de QAv, o que emite cerca de 17,5 milhões de toneladas de CO2.

Estudos indicam que uma mistura de 10% de BioQAv no QAv permite uma redução de 30% nas emissões. Segundo o Plano Decenal de Energia 2023, em decorrência da expansão prevista

Foto: José Tristão

do parque de refino nacional na próxima década, o Brasil passará de um saldo líquido negativo de 5,8 mil m3/dia de QAv em 2014 para um saldo positivo de 5,8 mil m3/dia em 2023. Em


outras palavras, o Brasil estará habilitado a passar de importador a exportador de QAv no decorrer da próxima década. Mesmo se concretizando esta possibilidade, um país que de fato se preocupa em construir um futuro sustentável para as próximas gerações precisa pensar e agir de forma a construir um horizonte de futuro muito maior que uma ou duas décadas. O que nos impede de ser o primeiro país do mundo a de fato reduzir em 50% as emissões de CO2, considerando somente a demanda para aeronaves nacionais? Certamente não é a falta de competência em pesquisa, desenvolvimento e inovação; nem a falta de disposição

do setor aeroviário. Também temos a capacidade de produzir a biomassa necessária para a produção de bioquerosene, sem competir com a produção de alimentos. Nos falta decisão de estabelecer um marco regulatório, audacioso, mas factível, que dê a segurança necessária para os setores aeroviário e agroindustrial realizarem o que cabe a eles realizar. Esta edição da Agroenergia em Revista é uma pequena contribuição da Embrapa Agroenergia para a promoção desta discussão salutar e necessária. Boa leitura! Manoel Teixeira Souza Júnior Chefe-Geral Embrapa Agroenergia


 Panorama

CÉU MAIS LIMPO E SUSTENTÁVEL:

PAUTA DA AVIAÇÃO MUNDIAL Por: Daniela Collares, jornalista da Embrapa Agroenergia, Priscila Botelho (estagiária)

A roda é uma das invenções que marca o desen-

balão de ar quente foi substituído pelo combustível

volvimento tecnológico na vida do ser humano. Com

fóssil. Pronto, a vida era mais rápida e simples. Mas,

ela, o transporte passou a ser mais rápido e prático. A

com o passar do tempo, o combustível tornou-se um

partir daí, a roda foi utilizada em moinhos, carrinho

vilão e passou a ser responsável por cerca de 2% das

de mão, bicicleta e o carro. O primeiro meio de trans-

emissões de gases poluentes causadores do efeito

porte a utilizar gasolina para se locomover foi criado

estufa. Para resolver este problema, empresas do

pelo alemão Karl Benz, em 1885. Após a criação do

setor público e privado buscam colocar no mercado

automóvel, o céu passou a ser o limite.

o bioquerosene para aviação (BioQAV), em adição

Em 1903, os irmãos Wilbur e Orville Wright

ao querosene fóssil.

conseguiram voar, mas com o auxílio de uma cata-

Em vários Países, grupos de cientistas que atuam

pulta. Posteriormente, em 1908, o brasileiro Alberto

em diversas partes da cadeia já estão fortemente atu-

Santos Dummont voou com o 14Bis sobre Paris sem

ando para colocar no mercado este novo combustível

o auxílio de instrumento. Mas como Dummont con-

derivado de fontes renováveis. Neste caso, o Brasil

seguiu voar sem o auxílio de nenhum instrumento?

é um dos Países em destaque mundial por possuir

A resposta é simples. O mecanismo que permitiu a

características fundamentais para dar suporte a essa

aeronave sair do chão por seus próprios meios foi

produção. Nesta edição da revista, será abordada

um balão de ar quente.

a visão do governo, das empresas de pesquisa e de

Mais uma vez o avanço tecnológico facilitou a

mercado.

vida das pessoas, aeronaves modernas e confortáveis

Foto: Goreti Braga

foram criadas e, para que possam se locomover, o

6  Agroenergia em Revista


Publicação com distribuição gratuita. Peça pelo endereço:

www.embrapa.br/fale-conosco/sac 7


 Panorama

VOOS VERDES Companhias áreas em todo o mundo demonstraram, no céu, a eficiência dos biocombustíveis Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia

E

m fevereiro de 2008, a Virgin Atlantics voou de Amsterdã a Londres com 20% de querosene produzido a partir de babaçu e coco em

uma das turbinas de um Boeing 747. A experiência foi bem sucedida e abriu caminho para uma série de outros voos experimentais que comprovaram a eficiência de óleos, açúcares e outras fontes renováveis como matéria-prima para combustíveis de aviação. No Brasil, a primeira companhia a realizar um teste foi a TAM, em novembro de 2010, numa viagem de 45 minutos com origem e destino no Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio de Janeiro/RJ. O bioquerosene utilizado em mistura de 50% com o combustível foi produzido com óleo de pinhão-manso e reduziu as emissões de carbono do Airbus A320 em 80%. Dois anos depois, Azul e Gol aproveitaram a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) para realizar também voos com bioquerosene. A primeira utilizou combustível produzido a partir de cana-de-açúcar com a tecnologia da Amyris, na viagem de Campinas/SP ao Rio de Janeiro/RJ com uma aeronave da Embraer. A fabriFoto: Lufthansa

cante brasileira de aeronaves participou dos preparativos para a iniciativa, que exigiu testes preliminares

8  Agroenergia em Revista


que garantissem à Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) a segurança do voo.

Depois da experiência na Copa, a companhia anunciou que vai manter pelo menos um voo diário

De acordo com o engenheiro mecânico Luiz

doméstico que utilize biocombustíveis. Também fez

Augusto Nerosky, da Embraer, esses testes são reali-

voos internacionais abastecidos parcialmente com o

zados por meio de acordos de cooperação com par-

produto, saindo de Miami. “O desenvolvimento de

ceiros. “Temos know-how sobre a aeronave, mas pre-

novas tecnologias e métodos que visam ao aprimora-

cisamos também de especialistas de outras empresas.

mento de práticas eficazes e seguras no setor da avia-

Por exemplo, o fabricante sabe melhor o que acontece

ção é de extrema relevância, pois sabemos que, daqui a

no motor e nós, o que acontece no motor integrado à

10 a 20 anos, este será um dos meios para oferecermos

aeronave”, explica. As análises para o voo em parce-

um serviço menos impactante para o planeta”, declara

ria com a Azul exigiram ensaios em laboratórios nos

a companhia.

Estados Unidos.

A alemã Lufthansa já passou pela experiência de

Pouco mais de um ano depois de sua viagem experi-

manter voos regulares parcialmente abastecidos com

mental com 50% de bioquerosene também na Rio +20,

bioquerosene. De julho a dezembro de 2011, a com-

a Gol realizou o primeiro voo comercial brasileiro com

panhia aérea realizou 1.187 voos entre Hamburgo e

biocombustível. A porcentagem de adição foi menor –

Frankfurt usando 50% de bioquerosene em uma das

25%. Mas uma das empresas parcerias das iniciativas, a

turbinas de um Airbus A321. De acordo com a com-

Amyris, afirma que a redução das emissões de gases de

panhia, esse era um estudo para analisar os efeitos

efeito estufa chegou a 80%. Boeing e GE também tra-

do biocombustível sobre a manutenção e vida útil de

balharam para viabilizar o voo de São Paulo a Brasília,

turbinas durante um longo período. Foram investidos

em 23/10/2013.

6,6 milhões de euros nos testes, que terminaram com

A segunda maior companhia aérea do País realizou 200 voos comerciais com biocombustível durante a

o voo transatlântico de um Boeing 747-400 abastecido com 40 toneladas de biocombustível.

Copa do Mundo de Futebol do Brasil, em 2014. O

Segundo a Lufthansa, “tudo transcorreu sem pro-

ponta pé inicial aconteceu oito dias antes da abertura

blemas e os resultados foram altamente satisfatórios”. A

do campeonato, na véspera do Dia Mundial do Meio

redução de emissões de carbono no período foi calcu-

Ambiente. O voo 2152 partiu do Aeroporto Santo

lada em 1.471 toneladas. A empresa diz que continua

Dumont, no Rio de Janeiro/RJ, e foi até Brasília/DF,

desenvolvendo estudos com vistas à sustentabilidade,

com 4% de bioquerosene adicionado ao querosene

mas ainda não tem metas para estabelecer o uso regu-

comum. O produto foi produzido a partir de uma

lar de bioquerosene, por três motivos: o custo elevado

mistura de ICO (óleo de milho não-comestível pro-

do produto, a falta de escala de produção para atender

veniente da produção de etanol de milho) e OGR

à demanda e a necessidade de garantias de que não

(óleos e gorduras residuais) pela fabricante americana

haveria comprometimento da produção de alimentos.

UOP-Honeywell.

9


ARTIGO

 Panorama

Foto: Daniela Collares

O PAPEL DO ESTADO NO DESENVOLVIMENTO DA MODERNA BIOENERGIA Luiz A. Horta Nogueira, professor da UNIFEI

A

pós ter sido a primeira e fundamen-

agentes econômicos, seriam suficientes para

tal fonte energética empregada pela

assegurar que as alternativas energéticas ocu-

humanidade, fundamentando ao

pem progressivamente o mercado, por conta

longo de milênios a evolução das primitivas

de sua competitividade própria, eventualmente

comunidades para as modernas sociedades, e

reforçada pela ponderação das externalidades

depois de parcialmente deslocada pelos com-

ou benefícios indiretos. Trata-se certamente de

bustíveis fósseis, a bioenergia tem sido reto-

uma visão equivocada, pois, como outras ino-

mada sob novas perspectivas, valorizando seu

vações, é necessário que o Estado cumpra um

caráter renovável e seu potencial de produzir

papel ativo na formulação e implementação de

um desenvolvimento mais harmônico e susten-

estratégias, capazes de ordenar de modo sau-

tável. De fato, entre todas as novas formas ener-

dável o desenvolvimento do mercado energé-

géticas implementadas em tempos recentes, são

tico, reduzindo suas distorções e promovendo

os vetores fotossintéticos, como os biocombus-

a construção de um cenário desejável. Com

tíveis e a bioeletricidade, que mais se destacam

efeito, em alguns Países, estão dadas as con-

na matriz energética global. Além do etanol

dições necessárias para o desenvolvimento do

e biodiesel, adotados em diversos Países, um

mercado bioenergético: há produção local de

exemplo notável é a produção termelétrica com

biocombustíveis para a exportação e uma total

madeira em alguns Países escandinavos, onde

dependência de combustíveis fósseis importa-

esse combustível representa mais de 25% da

dos, mas os consumidores nacionais são pri-

demanda energética total, segundo a Agência

vados do acesso aos biocombustíveis, um qua-

Internacional de Energia.

dro paradoxal que permanece pela inércia do

Foto: Goreti Braga

Nesse contexto, um tema de permanente

Estado em promover sua utilização.

questionamento se refere ao papel que o

Como exemplos de medidas concretas e

Estado deve cumprir visando ao saudável

ações de responsabilidade direta dos governos

desenvolvimento das tecnologias bioenergé-

no desenvolvimento da moderna bioenergia,

ticas. Segundo alguns, as forças de mercado,

pode ser mencionado: a definição de especi-

adequadamente balizadas e sinalizadas para os

ficações para os combustíveis, incluindo os

10  Agroenergia em Revista


biocombustíveis e compatibilizando os inte-

A longa e rica experiência brasileira com os

resses frequentemente conflitantes entre pro-

biocombustíveis líquidos no mercado energético

dutores, usuários (incluindo os fabricantes de

fornece elementos importantes para entender o

veículos e motores) e os órgãos ambientais,

papel do Estado para promover as bioenergias.

o estabelecimento de um marco tributário

Tanto no caso do etanol, cujo uso mandatório

equilibrado, baseado no reconhecimento das

em misturas com a gasolina foi estabelecido por

externalidades e vantagens diferenciais entre

decreto do Presidente Vargas em 1931 e passou

os combustíveis comercializados, e medidas de

por sucessivos ciclos de expansão durante as

fomento aos investimentos em unidades pro-

últimas décadas, sempre associados a medidas

dutoras (inclusive para a produção de matéria

governamentais, como no programa de biodie-

prima) e de estímulo ao permanente esforço no

sel, implementado com sucesso a partir da Lei

desenvolvimento científico e tecnológico nas

nº 11.097 de 2005, foram decisivas as ações do

fases agrícola e industrial.

governo federal. Do mesmo modo, o quadro de

Foram providências nesse sentido que via-

contração constatado nos últimos cinco anos na

bilizaram programas de bioenergia em vários

produção de etanol também confirma o papel

Países, inclusive no Brasil. Entretanto, é tam-

central do Estado. A ausência de estratégias

bém interessante constatar que há um elemento

claras no mercado dos combustíveis, a inter-

comum em todas essas medidas: a redução dos

venção indevida na formação dos preços da

riscos para os empreendedores e a sinalização

gasolina e do diesel, a visão imediatista e míope

clara de que existe uma política de valorização

da realidade energética nacional e global tem

da bioenergia, concertada com outras estraté-

trazido pesados prejuízos para o Tesouro e para

gias voltadas para o desenvolvimento susten-

a sociedade como um todo, além do retrocesso

tável em seu melhor sentido ambiental, social

de toda a agroindústria energética brasileira e

e econômico. E para deixar bem evidente que

um significativo incremento das emissões de

há uma intenção consistente do poder público

carbono. Foi pela ação do Estado, que a produ-

em favor do desenvolvimento da bioenergia,

ção de biocombustíveis se expandiu, e também

fundamentada em uma lógica robusta apoiada

pela ação do Estado, se contraiu, mais do que

no interesse nacional, essas medidas podem e

por qualquer outro fator climático ou externo.

devem ser plasmadas em leis estáveis e sufi-

É assim compreensível que os agentes econô-

cientemente regulamentadas. O desafio nesse

micos demandem cada vez mais um marco legal

sentido é a complexidade intrínseca e inesca-

claro, que aponte que contribuição se espera da

pável da produção e uso de bioenergia, que

bioenergia e dos biocombustíveis em particular,

envolve necessariamente um grande número

orientando os investimentos e resgatando uma

de ministérios e órgãos públicos, com visões

história exemplar de desenvolvimento de uma

e interesses que impõe considerar e convergir

agroindústria energética sustentável, alinhada

adequadamente no marco legal.

com o bem comum e a racionalidade energética.

 11


ENTREVISTA

 Panorama

BIOENERGIA DEVE SER SUSTENTÁVEL Daniela Collares, jornalista da Embrapa Agroenergia

A sustentabilidade está ligada ao desenvolvimento econômico sem prejudicar o meio ambiente. Para a Embaixadora Mariângela Rebuá, co-presidente da Global Energy Partnership (GBEP), é dessa forma que o Brasil tem que se inserir no mercado de biocombustível de aviação “Temos que focar nas possibilidades, ao mesmo tempo em que é uma oportunidade é, também, um desafio. Além de fornecer as matérias-primas, deveríamos também produzir o bioquerosene”, afirma. Confira a entrevista que ela concedeu para Agroenergia em Revista.

AR - Quais os gargalos do processo em relação às

fundamental para a competitividade econômica dos

matérias-primas a serem utilizadas?

vários pathways para a produção de biocombustíveis

Embaixadora: Há diverFoto: Daniela Collares

sas rotas tecnológicas e matérias-primas possíveis para a produção dos biocombustíveis de aviação. O bioquerosene deverá ter características físicas idênticas ao querosene de aviação atualmente utilizado e poderá ser misturado em proporção de até 50%. A certificação do produto deve

para aviação. No Brasil, há várias matérias-primas disponíveis para diferentes condições de cultivo. O eucalipto pode usar terras com declividade, a cana-de-açúcar cresce em zonas tropicais, enquanto outras culturas são adequadas para latitudes diversas, como a palma no sul do Pará e plantas oleaginosas que podem ser cultivadas na maior parte do País. A experiência brasileira demonstra que espécies que podem suprir matérias-primas para aplicações diversas, como para alimentos e bioenergia, têm mais chance de sucesso.

levar em conta suas próprias características físicas e

AR - Quais as perspectivas do processo em larga

químicas, independentemente do modo de produção.

escala para atender ao mercado?

Ressalte-se que a Fapesp (Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo), Boeing e Embraer lançaram em junho de 2013 “Roadmap” para desenvolvimento de biocombustível para aviação sustentável no Brasil (“Sustainable Aviation Biofuels Brazil” – SABB). Nesse estudo, indicam que a melhoria da logística das matérias-primas é uma questão 12  Agroenergia em Revista

Embaixadora: No contexto das discussões internacionais sobre as estratégias de mitigação da mudança do clima pelo setor aeronáutico, a busca por novas alternativas ao querosene de aviação (QAV) constitui objeto relevante de pesquisa científica e de investimentos públicos e privados em diversos Países.


Os principais desafios identificados por pesquisado-

Itália, conta com parceiros e observadores de diferen-

res e investidores são as dificuldades técnicas para

tes regiões e perspectivas, que podem contribuir para

obtenção do produto a custos competitivos com com-

uma abordagem mais holística para a implementação

bustíveis fósseis, garantir o grau de pureza necessário

de indicadores de sustentabilidade da bioenergia,

ao funcionamento nas turbinas existentes e assegurar

adaptados a cada contexto. No caso dos biocombus-

capacidade de fornecimento e distribuição do novo

tíveis de aviação, não é diferente.

combustível. AR - Como o processo funciona em Países diferentes?

AR - Qual o estado da arte desse processo? Embaixadora: Em julho de 2011, a ASTM (American Society for Testing and Materials) apro-

Embaixadora: Cada região apresenta condições

vou especificação para o bioquerosene hidropro-

de produção e uso de biocombustíveis peculiares,

cessado (derivado de óleo de plantas ou de gordura

que envolvem não somente questões ambientais, mas

animal), que deverá abrir caminho para o uso de

também sociais e econômicas. O Brasil entende que

misturas entre biocombustíveis e combustíveis con-

a produção e o uso de bioenergia devem ser feitos de

vencionais na aviação. A especificação, chamada de

forma sustentável e que a melhor forma de atingir

HEFA (Hydroprocessed Esters and Fatty Acids - éste-

tal objetivo é entender as características específicas

res hidroprocessados e ácidos graxos), possibilitará o

de cada País ou região para, então, sugerir políticas

uso do bioquerosene em misturas até 50% no QAV

públicas e promover investimentos na área.

(querosene de aviação). No Brasil, esse processo tam-

AR - Em relação à sustentabilidade, como vê a utilização dos biocombustíveis de aviação? Embaixadora: Do ponto de vista ambiental, as biocombustíveis de aviação podem reduzir de maneira substancial a emissão de gases de efeitos estuda (GEE). A aviação civil é responsável por

bém foi certificado pela ANP. A própria Embrapa tem realizado pesquisas para aprimoramento de matérias-primas que poderão ser utilizadas na produção de biocombustíveis de aviação. AR - Quais as ações futuras em relação a esse processo?

cerca de 2% da emissão desses gases, sendo os voos

Embaixadora: Estão em curso na ASTM tra-

internacionais de longa distância responsáveis por

balhos para certificação de biocombustíveis de

60% desse valor. Como disse, o Brasil entende que

aviação produzidos por outras rotas tecnológicas,

a produção e o uso de bioenergia devem ser feitos

a partir de açúcares de biomassa (como cana-de-

de forma sustentável dos pontos de vista ambiental,

-açúcar), como o processo DSHC (Direct Sugar to

social e econômico, e que a melhor forma de atingir

Hidrocarbon Process) e o ATJ (“alcohol to jet”). Os

tal objetivo é entender as características específicas de

trabalhos envolvem empresas como Boeing, Airbus,

cada País ou região. A vantagem da Parceria Global

Honeywell, Rolls Royce, GE e outras. Dentre as fabri-

de Bioenergia (“Global Bioenergy Partnership” –

cantes do biocombustível, destacam-se as empre-

GBEP) é que a iniciativa, copresidida por Brasil e

sas norte-americanas Amyris (DSHC) e Byogy

 13


ENTREVISTA

 Panorama

(ATJ), ambas com presença no Brasil. No âmbito

querosene de aviação convencional (QAV-1), cujas

da “Parceria Brasil-EUA para o Desenvolvimento

especificações estão estabelecidas na “ASTM D7566

de Biocombustíveis de Aviação”, o Brasil visa a pau-

- Standard Specification for Aviation Turbine Fuel

tar o intercâmbio de informações sobre processo de

Containing Synthesized Hydrocarbons”, bem como

homologação de aeronaves para uso do bioquerosene

as regras necessárias para o uso voluntário dessas

e certificação do produto por suas próprias caracte-

misturas até o volume de 50%. Essa resolução per-

rísticas físicas e químicas, independentemente do

mitirá o uso de bioquerosene em voos comerciais no

modo de produção.

País. Empresas aéreas brasileiras programam reali-

AR - Quais os Países que já estão testando os biocombustíveis de aviação? Embaixadora: No Brasil e no mundo, o desenvolvimento do setor baseia-se nas iniciativas de grandes empresas particulares do ramo aeronáutico ou energético, na liderança do setor estatal ou,

zar voos regulares com bioquerosene já a partir da Copa do Mundo de 2014. A TAM (em novembro de 2011), a Gol e a Azul (em junho de 2012, durante a Conferência Rio+20) realizaram voos experimentais com biocombustível de aviação. AR - Como estão os debates nesta área?

principalmente, na cooperação entre os dois setores.

Embaixadora: A indústria de aviação assumiu

Diversas companhias aéreas europeias, asiáticas, e

compromisso ambicioso de crescimento neutro até

americanas (Américas do Norte e Latina) já realiza-

2020 e de reduzir em 50% os GEE até 2050 (com-

ram voos experimentais ou mesmo comerciais com

parado com 2005). Tendo em vista que nos últimos

biocombustíveis de aviação. Nos Estados Unidos,

anos houve ganhos substantivos de eficiência nas

destacam-se as atividades desenvolvidas pelas Forças

aeronaves, estima-se que os combustíveis alternativos

Armadas, que têm centralizado grande número de

de aviação “drop-in” (biocombustível que mantém

ações no setor.

características semelhantes às do querosene de avia-

AR - Como o Brasil está inserido nesse processo? Embaixadora: Do ponto de vista regulatório, o Brasil não conta com políticas de incentivos específicos ao emprego do bioquerosene, como mandatos de produção ou misturas obrigatórias, uma vez que as tecnologias ainda estão em processo de maturação e de certificação. Apesar de não haver política específica sobre o assunto, a ANP (Agência Nacional

ção e pode ser utilizado em mistura de até 50% sem a necessidade de qualquer mudança na estrutura do motor da aeronave, tanto no que diz respeito ao seu funcionamento quanto aos componentes usados) poderão ser responsáveis por grande parte dessa redução de GEE. AR - Quais os esforços para implementar no mundo?

do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíves) publi-

Embaixadora: Os setores privado e acadêmico

cou, em junho último, resolução que estabelece as

têm se mobilizado para avançar o desenvolvimento

especificações brasileiras de bioquerosenes de avia-

de tecnologias que permitam o aproveitamento da

ção (FT- Fischer-Tropsch e HEFA- bioquerosene a

biomassa na produção de combustíveis de avia-

partir de biomassa oleaginosa) e suas misturas com

ção. Há interesse em que o Brasil mantenha-se na

14  Agroenergia em Revista


vanguarda tecnológica do setor, tendo em vista o

pesquisa e desenvolvimento de tecnologias para com-

enorme potencial da cadeia de bioenergia no País.

bustíveis alternativos de aviação, além de incentivos

AR - Como estão as ações para cumprir a meta da IATA de reduções até 2020 e 2050? Embaixadora: A IATA assumiu compromisso ambicioso de crescimento neutro até 2020 e de reduzir em 50% os GEE até 2050 (comparado com 2005). No âmbito das negociações multilaterais na OACI (Organização Civil Internacional), os combustíveis alternativos para aviação constituem contribuição para cesta de medidas dos Países, em negociação, com vistas a atingir essas metas. Nesse contexto, é

para superar obstáculos iniciais de mercado. AR - Quais as dificuldades que estão sendo encontradas para cumprir as metas? Embaixadora: Os principais desafios identificados até o momento para o uso de biocombustíveis de aviação são as dificuldades técnicas para obtenção do produto a custos competitivos com combustíveis fósseis, garantir o grau de pureza necessário ao funcionamento nas turbinas existentes e assegurar capacidade de fornecimento e distribuição do novo combustível.

importante buscar apoio, inclusive financeiro, para

INDICADORES DE SUSTENTABILIDADE DO GBEP PILAR AMBIENTAL

• Ciclo de vida de emissões de gases de efeito estufa (GEE); • Qualidade do solo; • Níveis de extração de recursos madeireiros; • Emissões de poluentes atmosféricos que não são GEE, inclusive gases tóxicos; • Uso e eficiência da água; • Qualidade da água; • Diversidade biológica na paisagem; • Uso da terra e mudança no uso da terra relacionados à produção de matéria-prima para bioenergia.

PILAR SOCIAL

• Distribuição e posse da terra para a nova produção de bioenergia; Preço e oferta de uma cesta de alimentos nacional; • Mudança na renda; • Empregos no setor de bioenergia; • Mudança no tempo não remunerado dedicado por mulheres e crianças à coleta de biomassa; • Bioenergia usada para ampliar o acesso a serviços modernos de energia; • Variação da mortalidade e carga de doenças atribuíveis à fumaça em ambientes fechados; • Incidência de acidentes, doenças e fatalidades no local de trabalho.

PILAR ECONÔMICO

• Produtividade; • Balanço líquido de energia; • Valor adicionado bruto; • Mudança no consumo de combustíveis fósseis e no uso tradicional de biomassa; • Capacitação e requalificação da mãode-obra; • Diversidade energética; • Infraestrutura e logística para distribuição de bioenergia; • Capacidade e flexibilidade do uso de bioenergia.

 15


 Panorama

BIOQUEROSENE JÁ É PAUTA NO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA Por: Daniela Collares, jornalista da Embrapa Agroenergia, e Priscila Botelho (estagiária)

U

ltimamente, o bioqueresone de aviação

e nos estudos da matéria-prima. “Não pode ter desa-

(BioQAV) tem sido debatido no setor

bastecimento, tem que escolher bases confiáveis de

público e privado como solução para

produção e não pode ter competição com alimen-

redução de poluentes. Mas, para o combustível verde

tação. As pesquisas demoram, principalmente, com

entrar no mercado, há alguns questionamentos em

culturas perenes”, diz João Abreu, Coordenador-

torno da produção: matéria-prima, tecnologia e

Geral de Agroenergia do Ministério da Agricultura,

preço - o bioquerosene é mais caro que o combustí-

Pecuária e Abastecimento (MAPA). A produção do

vel já utilizado.

querosene verde tem que ser totalmente sustentável.

Em 2012, durante a Conferência das Nações

Mais de 40% do custo do combustível de aviação

Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20),

vem da matéria-prima. Qualquer outra fonte que

foi lançada a plataforma do BioQAV. Desde então,

entrar, que é o caso dos biocombustíveis de aviação,

várias empresas buscam estruturar essa plataforma,

precisa ser competitiva, porque a matriz energética

sob a liderança da Curcas e da Gol Linhas Aéreas,

brasileira é equilibrada. Por que investir nesse novo

em parceria com várias instituições, como Boeing,

mercado sendo que o País já tem uma boa base de

Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR),

energia renovável? Esse foi um dos questionamen-

União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene

tos que João Abreu explicitou à equipe da Revista

(Ubrabio), Amyres, Empresa Brasileira de Pesquisa

que está em debate no governo brasileiro. Abreu

Agropecuária (Embrapa), Solazyme, General Electric

salienta que o Brasil possui uma matriz energética

(GE), entre outras.

com 41% de fontes renováveis, em 2014. Ao contrário dos Países europeus, por exemplo, que têm na

Brasil, as empresas têm se empenhado nas pesquisas

matriz energética cerca de 8% de renovável. Mesmo

Foto: Goreti Braga

Apostando no bioquersone e no potencial do

16  Agroenergia em Revista


Foto: Gregor Schlaeger

O custo das matérias-primas é um dos desafios para aumentar o abastecimento de aviões com biocombustíveis

assim, os biocombustíveis de aviação, que ainda não fazem parte dessa porcentagem, já são realidade nas articulações do governo. É preciso decidir a matéria-prima, a tecnologia e o custo que será gerado para cada fonte de produção. Há um valor diferente e o maior gargalo do bioquerosene é o valor que será gerado. O bioquerosene beneficia não só o Brasil, mas o mundo inteiro. Ainda não existe nenhum governo que possua políticas públicas para o querosene de aviação. “Muitos Países estão colocando este tema na pauta de discussões”, salienta Abreu. Ele enfatiza que o MAPA vê o potencial para a produção do BioQAV no Brasil. “É preciso criar uma política para este biocombustível e não deixar a responsabilidade apenas Hoje, as empresas aéreas reclamam do preço do querosene. Voar no Brasil, muitas vezes, fica 30% mais caro do que viajar para o exterior. Isso, no querosene que já está no mercado, imagine um bioquerosene que tem o valor de produção mais elevado, questiona Abreu. “Então devemos ser cautelosos e buscar baixar

Foto: Daniela Collares

para o nosso País”.

o custo do biocombustível e torná-lo produzível”, conclui. João Abreu, Coordenador-Geral de Agroenergia do MAPA: "Há muito imposto sob o querosene de aviação. É preciso reduzir este preço e colocar o bioquerosene no mercado".

 17


 Panorama

COPA DO MUNDO ABRE “PORTAS” PARA BIOQUEROSENE DE AVIAÇÃO Durante o evento esportivo aeronaves utilizaram 10% do biocombustível para fazer trechos entre as cidades-sede Por: Daniela Collares, jornalista da Embrapa Agroenergia, e Priscila Botelho(estagiária)

O

ano de 2014 representou um avanço importante para o

hidrocarboneto e outros. Em 2012, o Brasil, consumiu cerca de 600 mil m3,

Brasil: a Copa do Mundo e a

de acordo com a Petrobrás. Neste mesmo

utilização do bioquerosene para aviação

ano, os voos comerciais emitiram 689

(BioQAV), que foi usado pela companhia

milhões de toneladas de CO2. Para redu-

aérea Gol em 200 voos. O biocombustível

zir esse índice, as companhias aéreas sela-

não é novidade por aqui. Há alguns anos,

ram o compromisso de diminui-lo pela

o País e algumas companhias aéreas têm

metade, até 2050.

investido em pesquisas no combustível

A preocupação é válida, mas será que

alternativo à base de macaúba, cana-de-

o Brasil está preparado para entrar na

-açúcar, pinhão-manso, óleo de cozinha

produção do bioquerosene? Em 2011, o

reciclado e outras matérias-primas.

governo decretou, pela Lei nº 12.490 a

O querosene, combustível utilizado

definição e atribuiu à Agência Nacional do

nas aeronaves, é um dos responsáveis pelo

Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis

aquecimento global devido à emissão de

(ANP) a competência de regular e fis-

poluentes, como dióxido de carbono,

calizar a produção, armazenagem,

18  Agroenergia em Revista


comercialização, distribuição, revenda, importação tidão de nascimento do BioQAV”, afirma Ricardo Gomide, do Ministério Minas e Energia (MME).

e exportação. “Essa lei pode ser considerada a cer-

Foto: Daniela Collares

Apesar da lei, ainda há muito trabalho a ser feito até que esse novo combustível esteja pronto para entrar da matriz energética nacional, do ponto de vista técnico, econômico e normativo. “Ainda se está estudando uma política pública desse biocombustível, todos os Países estão em processo de avaliação. A produção desse biocombustível é mais cara, o governo tem que ver como vai fazer com os impostos. Mesmo assim, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) vê grande potencial no bioquerosene”, afirma João Abreu, Coordenador-geral de Agroenergia do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O MME acompanha, apoia e participa de iniciativas, fóruns e ações de cooperação com outros Países, alinhadas em acelerar o desenvolvimento do bioquerosene. Em 2011, o Governo Brasileiro, representado pelo MME e pelo Ministério de Relações Exteriores (MRE), e o governo norte-americano, firmaram parceria em biocombustíveis de aviação. “Em outros Países, por ser um combustível ainda em desenvolvimento, o foco das ações tende a ser maior na área

Boeing 737-800, da Gol, estilizado pelos artistas plásticos OSGEMEOS. Esta aeronave foi utilizada para transportar os atletas da seleção brasileira durante a copa do mundo, abastecido parcialmente com bioquerosene. (Foto: Divulgação/Gol)

 19


 Panorama

de tecnologia e inovação, com desenvolvimentos de

tecnológicas e econômicas, mas o esforço é nítido,

processos de produção e uso experimental”, ressalta

nos mais diversos elos da cadeia de produção, comer-

Gomide.

cialização e uso. Uma característica similar que vejo

Outra linha de ação é pelo instrumento de plane-

no Brasil e em outros Países: as companhias aéreas

jamento, no qual o Plano Decenal de Energia (PDE)

brasileiras e internacionais têm conduzido ações con-

do MME incorpora visão integrada da expansão da

cretas para usar o bioquerosene”, completa Gomide.

demanda e da oferta de diversos energéticos no hori-

Ele reforça que a participação desses consumidores

zonte de dez anos, observadas as projeções de cres-

é fundamental para criar as condições de mercado,

cimento econômico do País. O plano vigente (PDE

demanda, e assim viabilizar o produto. Para Abreu,

2021) ampliou a abrangência de estudos e inovou ao

o BioQAV é uma boa proposta, mas estão deixando a

sinalizar, pela primeira vez, que a introdução de bio-

responsabilidade para o Brasil. “Por que o Brasil tem

querosene de aviação poderá acontecer nos próximos

que produzir esse biocombustível? Nossa frota de

dez anos, em volumes modestos e em caráter experi-

aviação é menor do que a Delta Airlines, por exem-

mental. “Com a maior maturação do bioquerosene, as

plo. Vamos produzir um combustível que nasce glo-

próximas revisões do Plano Decenal poderão trazer

balizado e que vai beneficiar outros Países”, ressalta.

novidades positivas”, avalia Gomide.

Há uma preocupação em relação às matérias-

O desenvolvimento da produção e do uso em

-primas. Há muitas opções, mas tem que analisar

larga escala depende do equacionamento de duas

diversos fatores: viabilidade da matéria-prima, velo-

questões fundamentais. A primeira questão é a velo-

cidade de resposta da cultura, custo e qualidade do

cidade de resposta da área tecnológica em sinalizar o

produto resultante. E, claro, se o agricultor vai plan-

processo ou o conjunto de processos industriais ade-

tar determinada cultura. “Uma coisa é expandir 1

quados, viáveis técnica e economicamente, capazes de

milhão de hectares com soja ou com cana-de-açúcar,

produzir um biocombustível que atenda aos diversos

outra é expandir o mesmo 1 milhão de hectares com

requisitos de qualidade exigidos pela indústria da

camelina, pinhão-manso ou outra opção cujo conhe-

aviação mundial. A segunda questão é a necessidade

cimento e pacote tecnológico ainda não estão prontos

da expansão da produção da biomassa adequada para

do ponto de vista agrícola”, avalia Gomide. A produ-

essa rota tecnológica e, ao mesmo tempo, sustentável

ção mundial de óleos e gorduras vegetais e animais é

do ponto de vista econômico, social e ambiental, e

de aproximadamente 160 bilhões de litros por ano,

que ainda seja ofertada em quantidades compatíveis

já comprometido para atender ao consumo humano,

com a demanda da aviação. Tudo isso precisa ser

industrial, farmacêutico, químico e para fabricação

trabalhado em conjunto. “Tanto pelo lado gover-

do biodiesel. A demanda de querosene para aviação,

namental e privado brasileiro, percebo o empenho

por outro lado, é duas vezes maior.

em tornar mais fácil a introdução comercial desse novo biocombustível. São muitas barreiras, inclusive

20  Agroenergia em Revista


A cada dia são mais relatos e notícias relacionadas ao uso de biocombustíveis de aviação, em diferentes Países. Mas é possível observar que são normalmente Países de renda mais elevada. Nos Estados Unidos, para ilustrar, há um forte esforço nas mais diversas direções, nas distintas possibilidades de alternativas tecnológicas. De acordo com a equipe técnica do MME, por ser um combustível ainda em desenvolvimento, o foco das ações tende a ser maior na área de tecnologia e inovação, principalmente, na área de processos de produção, uso experimental, entre outras. Destaca-se o interesse das forças armadas norte-americanas, que muito apoiam o desenvolvimento do BioQAV, assim como de fabricantes de motores e companhias aéreas. Na Europa, muitas companhias tem experimentado o bioquerosene em suas aeronaves, com regularidade ou frequência cada vez maior. O Brasil tem testado o uso de BioQAV, em caráter experimental, tal como vários outros Países. As principais companhias aéreas nacionais voaram rotas específicas com o biocombustível durante a

Conferência Rio +20. Durante os grandes eventos esportivos, como a Copa e as Olimpíadas, há a oportunidade de mostrar as vantagens desse novo biocombustível devido à grande visibilidade. A primeira especificação do BioQAV, junto com as primeiras regras de comercialização, a ser lançada pela ANP num futuro próximo, ainda que para uma rota tecnológica específica, facilitará o desenvolvimento de mais voos experimentais e abrirá espaço para alguns voos comerciais. Abrirá também o caminho para novas especificações e rotas. “Vários institutos têm desenvolvido tecnologias para o bioquerosene, mas este biocombustível ainda tem um custo muito alto. Como baixar esse custo e tornar o bioquerosene produzível? Isso necessariamente tem que ser estudado”, ressalta Abreu. No atual estágio de desenvolvimento do bioquerosene, o MME tem se pautado muito no sentido de ouvir, entender e conciliar diferentes forças e atores envolvidos. “Por se tratar de uma área em desenvolvimento, ainda requer conhecimento nos setores energéticos, econômicos, geopolíticos, agrícolas, ambientais, industriais e de inovação”, afirma Ricardo Gomide.

Foto: Divulgação Gol

Onde estamos

 21


ARTIGO

 Pesquisa

O DESAFIO DA PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL DE BIOMASSAS PARA BIOCOMBUSTÍVEIS DE AVIAÇÃO Por: Guy de Capdeville, Chefe-Adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Agroenergia

A

demanda energética mundial,

nas emissões de dióxido de carbono de

apesar das inúmeras alternati-

50% até o ano de 2050. Para atingir esta

vas que vem surgindo como a

meta o setor vem investigando o poten-

energia eólica, a solar, a energia da bio-

cial de uso de combustíveis provenientes

massa, entre outros, é ainda quase que

de fontes alternativas como a utilização

totalmente dependente dos combustíveis

de biomassas vegetais oleaginosas para

de origem fóssil. O desafio para se con-

produção de bioquerosene, objetivando a

seguir diversificar as fontes de energia e,

substituição do querosene (fóssil) de avia-

ainda assim, garantir a sustentabilidade

ção por aquele biocombustível. A princi-

ambiental e econômica com redução das

pal vantagem do bioquerosene, produzido

emissões de gases de efeito estufa (GEE),

a partir de biomassa, sobre o querosene

entre outros impactos sobre o ambiente,

de origem fóssil, é que o primeiro é res-

não é um desafio trivial. Entre os setores

ponsável por emissões muito menores

preocupados com a sua contribuição para

que o último. O dado real de redução nas

a emissão de GEE está o setor de Aviação

emissões pela adoção de biocombustíveis,

que contribui hoje com cerca de 2%

obviamente, irá depender de qual matéria

das emissões provocadas pela atividade

prima será utilizada, bem como de qual

humana e há previsões de que até 2030 as

processo de conversão será adotado para

emissões atinjam a casa dos 3%, podendo

a sua produção. Outra questão que se

atingir níveis ainda maiores até 2050 se

torna um desafio para o setor é a necessi-

nenhuma ação for tomada no sentido de

dade de que o bioquerosene seja do tipo

reduzir tais emissões.

“Drop in”, ou seja, que este combustível

Entretanto, recentes ações do setor

seja produzido de forma a ser utilizado

de transporte aéreo têm mostrado cla-

pelo setor sem a necessidade de mudanças

ramente a sua preocupação com este

nos componentes das aeronaves (motor,

cenário e, por iniciativa do próprio setor,

tanque de combustível, tubulações, etc.).

está-se propondo uma meta de redução

Adicionalmente, tem sido dada ênfase à

22  Agroenergia em Revista


produção do chamado “diesel verde” que é produ-

Desde sua origem há 41 anos, a Embrapa vem

zido através de hidrocraqueamento de matérias-pri-

trabalhando com inúmeras culturas promovendo

mas biológicas, tais como óleos vegetais e gorduras

ações de pesquisa para o desenvolvimento de estraté-

animais. O processo de hidrocraqueamento é um

gias que permitam a sua produção em escala comer-

método que usa elevadas temperaturas e pressão, na

cial. Dentre estas culturas podem-se citar culturas

presença de um catalisador, de forma a quebrar molé-

para alimentação (frutas, cereais, grãos) bem como

culas maiores como os óleos vegetais, em cadeias de

para produção de outros produtos, incluindo ener-

hidrocarbonetos mais curtos utilizados em motores

gia (palmeiras e grãos oleaginosos). Com as cres-

a diesel. O diesel verde também pode ser chamado

centes preocupações com o potencial conflito em se

de diesel renovável e tem as mesmas propriedades

utilizar biomassas dedicadas à alimentação para a

químicas do diesel proveniente de fontes fósseis, mas

produção de energia, a Embrapa Agroenergia vem

não tem sido produzido a um custo que seja compe-

coordenando junto à rede de Unidades de Pesquisa

titivo com o diesel produzido a partir de petróleo.

da Embrapa projetos focados no desenvolvimento

Recentemente, Pesquisadores da Unicamp junta-

de culturas com potencial para produção de ener-

mente com representantes da Embraer e da Boeing

gia como a Macaúba, o Pinhão-Manso, o Babaçú,

organizaram, com apoio da FAPESP, um estudo

a Fevilha (andiroba de ramo), o Inajá, o Tucumã,

(Road Map) para avaliar quais os desafios e pers-

entre outras. Tais culturas apresentam características

pectivas que o Brasil tem em termos tecnológicos,

muito interessantes que as tornam culturas altamente

logísticos, econômicos, de políticas públicas e de

promissoras para a produção de energia, químicos

sustentabilidade ambiental para adoção e produção

e novos materiais. Entretanto, muita pesquisa ainda

de biocombustíveis de aviação no País. A partir deste

precisa ser desenvolvida para trazer tais culturas para

estudo foi produzido um documento denominado

um nível de exploração comercial que permita aten-

“plano de voo para biocombustíveis de aviação no

der ao volume de combustíveis demandado pelo setor

brasil: plano de ação” (http://www.fapesp.br/publi-

de transporte aéreo, bem como por outros setores

cacoes/plano-de-voo-biocombustiveis-brasil-pt.pdf)

como os de transporte terrestre, fluvial e marinho.

que mostra claramente o potencial e os desafios para

Trata-se de um volume gigantesco, na ordem dos

a produção destes biocombustíveis no Brasil. A partir

bilhões de litros. Dentre alguns dos desafios que pre-

dos aspectos levantados neste estudo ficou claro que

cisarão ser vencidos para atender a esta demanda

ainda existem consideráveis desafios a serem venci-

estão: i) a necessidade de estabelecimento de progra-

dos, entre eles, poucos processos para produção de

mas de melhoramento consistentes contendo grande

bioquerosene disponíveis bem como poucas matérias

diversidade genética e sustentado por ferramentas

primas disponíveis para uso na produção, apesar da

biotecnológicas (uso de marcadores moleculares e

existência de inúmeras culturas que se prestam à sua

seleção genômica) que permitam reduzir o tempo

produção, mas que não estão preparadas para forne-

para obtenção de cultivares com as características

cimento dos volumes necessários. É neste ponto que

necessárias à sua adaptação a diferentes regiões e cli-

o papel da Embrapa se torna relevante.

mas; ii) o desenvolvimento de sistemas de produção

 23


sustentáveis adaptados a diferentes regiões, prin-

destino sustentável aos resíduos urbanos, permite a

cipalmente aquelas próximas às plantas de produ-

agregação de valor aos mesmos, reduzindo drastica-

ção e para as áreas de expansão e iii) a adaptação

mente o passivo ambiental por eles causado. Outra

ou desenvolvimento de processos de conversão em

ação que tem sido foco da Embrapa Agroenergia é o

biocombustíveis e outros produtos a partir destas

uso de microrganismos e microalgas para a produ-

novas biomassas.

ção de diferentes tipos de biocombustíveis, além de

Adicionalmente aos estudos com culturas poten-

outros produtos de interesse comercial. Para tanto,

ciais, a Embrapa Agroenergia vem concentrando

tem-se utilizado técnicas de melhoramento clássico

esforços em estudar o potencial de resíduos agrícolas,

e biotecnológico, além da biologia sintética, como

agroindustriais e urbanos para a produção de diferen-

ferramentas para se obter destes microrganismos os

tes tipos de biocombustíveis entre outros produtos de

produtos de interesse incluindo, no futuro, biocom-

valor agregado. A título de exemplo, recentemente a

bustíveis para aviação.

equipe de pesquisa da Embrapa Agroenergia produ-

A despeito dos esforços envidados pelo setor aéreo

ziu uma proposta de solução para dar destino sus-

definindo metas de adoção de soluções mais ambien-

tentável a estes tipos de resíduos pela sua conversão

talmente amigáveis e pelas instituições de pesquisa

em produtos como novos biocombustíveis, novos

como a Embrapa para disponibilização de pacotes

materiais, biofertilizantes, químicos para a indústria,

tecnológicos voltados à disponibilização diversificada

entre outros. Para tanto, propôs-se o uso de processos

de biomassas é fundamental que tenhamos políticas

químicos, físicos e termoquímicos para a obtenção

públicas bem definidas que regulem e estimulem os

destes diferentes produtos. Tal solução, além de dar

diferentes setores demandantes.

Possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Viçosa (1992), Mestrado profissionalizante em proteção de plantas (1995), Mestrado "stricto sensu" em Fitopatologia pela Universidade Federal de Viçosa (1996), Doutorado em Plant Pathology Cornell University - USA (2001) e Pós-doutorado em citogenética vegetal - Wageningen University - Holanda (2008). Atualmente é Pesquisador da Embrapa Agroenergia.

24  Agroenergia em Revista

Foto: Daniela Collares

ARTIGO

 Pesquisa


Foto: Daniela Collares

Foto: Daniela Collares

Matérias-primas potenciais para biocombustíveis de aviação

PINHÃO-MANSO (Jatropha curcas)

MACAÚBA (Acrocomia aculeata)

POTENCIALIDADES

POTENCIALIDADES

• •

• •

Elevada produtividade de grãos (> 4.500 kg/ha – 9.000 Kg/ha) Elevada produtividade de óleo (> 2.000 kg/ha – 3.000 kg/ha) Elevada qualidade de oleo para biodiesel - Palmítico 12,4%; Oleico 44,8%; Linoleico 34%; Stearico 7,8% (C16 to C18) – (C10-C14) Diversificação da agricultura Adaptação ambiental

DESAFIOS PARA A PESQUISA • • • • • •

Necessidade de ampliar a diversidade genética dentro dos programas de melhoramento. Falta de cultivares adaptadas a diferentes regiões. Falta de sistemas de produção. Amadurecimento desuniforme de frutos. Toxicidade da biomassa residual. Custo de produção elevado.

• • • • • •

Potencial para elevada produtividade de óleo (4.000 kg/ha) Rusticidade e adaptação a diferentes climas Tolerância à seca Evolução em áreas com grande densidade populacional (resistência) Possibilidade de colheita sustentável Passível de uso em sistemas agroflorestais Resíduos livres de compostos tóxicos

DESAFIOS PARA A PESQUISA • • • • • • •

Inexistência de cultivares (diversidade genética desconhecida). Inexistência de tecnologia agronômica. Desuniformidade de germinação de sementes. Produção de frutos somente após 4 a 5 anos. Plantas muito altas (Problemas com a colheita). Ponto de colheita x Maturação desuniforme. Necessidade de processamento rápido dos frutos.

 25


Foto: Ninton Junqueira/Embrapa Cerrados

Matérias-primas potenciais para biocombustíveis de aviação

Foto: Daniela Collares

ARTIGO

 Pesquisa

BABAÇU (Orbignya spp.)

FEVILHA (Fevillea cordifolia)

POTENCIALIDADES

POTENCIALIDADES

• • • • • • •

Elevada qualidade de oleo para produção de bioquerosene (500 a 1000 kg/ha) Rusticidade e adaptabilidade a diferentes climas Resistência a seca Evolução em áreas densas Possibilidade de colheita sustentável e fácil (planta de porte baixo) Passível de uso em sistemas agroflorestais Resíduos livres de compostos tóxicos

DESAFIOS PARA A PESQUISA • • • • • •

Inexistência de cultivares (diversidade genética desconhecida). Inexistência de tecnologia agronômica. Produção de frutos somente após 4 a 5 anos. Necessidade de processamento rápido dos frutos para manutenção da qualidade do óleo. Plantas muito altas (Problemas com a colheita). Ponto de colheita x Maturação desuniforme.

26  Agroenergia em Revista

• • • • • •

Potencial para elevada produtividade de óleo (1.500 kg/ha) – sementes com até 70% de óleo na sua composição. Rusticidade e adaptação a diferentes climas Potencial tolerância à seca Evolução em áreas com grande densidade populacional (resistência a estresses) Possibilidade de colheita sustentável Passível de uso em sistemas agroflorestais Resíduos livres de compostos tóxicos

DESAFIOS PARA A PESQUISA •

• • •

Necessidade de estabelecimento de programas de melhoramento genético (diversidade genética desconhecida). Inexistência de cultivares disponíveis. Inexistência de sistemas de produção. Necessidade de caracterização desta biomassa para definição do seu potencial para produção de ativos de valor agregado (materiais, combustíveis, químicos, etc).


Fotos: Patrícia Barbosa e José Dilcio Rocha

Matérias-primas potenciais para biocombustíveis de aviação

RESÍDUOS AGROINDUSTRIAIS E URBANOS POTENCIALIDADES •

Diversidade na composição permite produção de inúmeros produtos de valor agregado (biogás, biofertilizantes, polímeros, químicos, biocombustíveis, energia elétrica, briquetes entre outros). Volumes muito grandes disponíveis.

DESAFIOS PARA A PESQUISA •

Baixíssima adoção de formas de aproveitamento deste tipo de resíduo apesar de processos biológicos e termoquímicos estarem disponíveis. Necessidade de políticas municipais e estaduais para adoção manejo sustentável de resíduos envolvendo pesquisa científica. Há ainda necessidade de desenvolvimento de pesquisas para definir a composição dos diferentes tipos de resíduos produzidos em diferentes regiões bem como para propor novos usos. Uso de coleta seletiva pode facilitar o manejo destes resíduos.

 27


ENTREVISTA

 Pesquisa

ANP TEM ESPECIFICAÇÃO PARA COMBUSTÍVEIS ALTERNATIVOS DE AVIAÇÃO Por: Daniela Collares, jornalista da Embrapa Agroenergia

A Agência Nacional do Petróleo, Biocombustíveis e Gás Natural (ANP) é responsável por regulamentar os combustíveis de aviação desde a etapa de produção ou importação até a distribuição. Na entrevista a seguir, a superintendente de biocombustíveis e qualidade de produtos, Rosângela Moreira, fala sobre a atuação da agência para o uso de biocombustíveis no Brasil. Foto: Divulgação/Gol

AR - A ANAC e a ANP irão criar uma certificação brasileira voltada ao setor de biocombustíveis na área de aviação. Como funcionaria isso? Seria mandatório ou um diferencial para o fabricante? Em que pé está?

Rosângela: ANAC e ANP estão em meio a tratativas para estabelecer um acordo de cooperação com vistas a estimular o desenvolvimento dos biocombustíveis de aviação no País. A questão de se definir uma certificação brasileira para condições específicas, restritas e de acordo com os interesses nacionais tem sido objeto de discussão em alguns fóruns, alguns dos quais com a participação da ANP e ANAC. A grande preocupação que tem sido trazida por representantes do mercado é de que as aprovações internacionais, atualmente consideradas pela ANP no processo de especificação dos combustíveis de aviação, são normalmente bastante demoradas. O que se busca nesses comitês técnicos internacionais é a aprovação de um novo combustível para uso em qualquer tipo de aeronave existente no mundo.

Foto: Divulgação/ANP

Foto: Divulgação Embraer

Essas avaliações consideram um amplo espectro de aeronaves (de vários anos, modelos, marcas etc.). Além disso, os combustíveis especificados podem ser obtidos a partir de diversas matérias-primas e de processos distintos. Por isso, o risco deve ser minimizado, ampliando o foco da avaliação o que reflete no tempo para aprovação. É bom ressaltar, no entanto, que este assunto ainda precisa ser melhor debatido, antes de se confirmar a real necessidade/

28  Agroenergia em Revista


possibilidade do Brasil desenvolver e adotar uma

Vale comentar ainda que a ANP realizou o

certificação própria para os combustíveis de aviação.

Seminário Internacional de Combustíveis de Aviação

AR - Há outras medidas sendo tomadas pela

em abril de 2012 e que no último dia conduziu uma

agência para fomentar os biocombustíveis?

reunião com os governos da América Latina para

Rosângela: A ANP publicou, no ano passado, a

discutirem sobre as regulamentações de cada País no

Resolução ANP nº 20/2013, que estabelece as espe-

âmbito dos combustíveis de aviação. Todos seguem

cificações dos Querosenes de Aviação Alternativos

as especificações da ASTM (American Society for

e de suas misturas com o querosene de aviação con-

Testing and Materials).

vencional. O HEFA (querosene parafínico sintetizado de ácido graxos e ésteres hidroprocessados),

AR - Do ponto de vista da qualidade do combustível, ainda há desafios a serem superados?

que com a publicação do referido regulamento passa

Rosângela: Os combustíveis de aviação são pro-

a ser considerado um combustível comercial para

dutos internacionalmente harmonizados e os Países

mistura no querosene de aviação convencional em

seguem, normalmente, as especificações da ASTM

até 50%, é um biocombustível de aviação já utilizado

e da UK Defence Standartization, órgãos ameri-

em outros Países.

cano e britânico de normalização, respectivamente.

Adicionalmente, vale comentar que foi aprovado,

Entretanto, a ASTM tem sido a única instituição que

em junho deste ano, na ASTM, a inclusão do bioque-

vem avaliando e aprovando os biocombustíveis de

rosene de aviação obtido a partir de cana-de-açúcar,

aviação. Diante disso, os querosenes de aviação alter-

chamado SIP (iso-parafina). O SIP é produzido no

nativos aprovados pela ANP já passaram por todas as

Brasil. A ANP está revisando a Resolução ANP nº

etapas de aprovação na ASTM, incluindo testes em

20/2013 para incluir este produto como Querosene

aeronaves e atendimento dos parâmetros de quali-

de Aviação Alternativo, permitindo sua utilização

dade. Apesar de ainda não ser competitivo do ponto

nos combustíveis de aviação no Brasil.

de vista do custo, os biocombustíveis para aviação

AR - Qual o papel da ANP na questão dos biocombustíveis de aviação?

“drop-in” têm sido demonstrados em vários voos testes e comerciais em muitas partes do mundo. Alguns

Rosângela: Cabe à ANP regular as atividades de

importantes desafios incluem o escalonamento com-

produção, importação, exportação, transferência,

binado da produção de matérias-primas com as rotas

transporte, armazenagem, comercialização, distri-

tecnológicas de refino e a adaptação logística para a

buição, avaliação de conformidade e certificação de

inclusão do novo produto na cadeia de abastecimento

qualidade do bioquerosene de aviação. As atividades

nacional. Adicionalmente, vale mencionar que ainda

de importação, distribuição, revenda e mistura de

não há uma metodologia analítica capaz de identifi-

bioquerosene de aviação até o limite máximo de 50%

car com precisão a presença desse produto misturado

ao querosene de aviação convencional já se encon-

ao querosene de aviação convencional. Entretanto,

tram regulamentadas.

estudos estão sendo realizados no âmbito da ASTM

 29


ENTREVISTA

 Pesquisa

para alcançar esse objetivo. Por fim, outras questões podem ser apontadas com a avaliação dos regula-

combustíveis de aviação?

mentos atuais e a identificação de outros necessários

Rosângela: Os biocombustíveis de aviação pode-

à criação de um ambiente favorável ao desenvolvi-

rão contribuir para fortalecer ainda mais a partici-

mento dos biocombustíveis, à formação e dissemi-

pação das fontes renováveis na matriz de transpor-

nação de competências para a sua certificação, bem

tes brasileira. Além disso, será possível alavancar a

como à criação de uma rede de laboratórios prepa-

atividade econômica e a criação de empregos nas

rada para analisá-lo. Enfim, são muitos os desafios

localidades onde se instalarão as unidades de pro-

que envolvem direta ou indiretamente a qualidade

cessamento, contribuindo para o desenvolvimento da

do produto.

economia regional (na medida em que são utilizados

AR - Como as agências estão interagindo com

insumos locais). Outra questão favorável e de amplo

outros Países para que as especificações sejam

conhecimento relaciona-se à mitigação das emissões

únicas?

de poluentes que afetam a qualidade do ar, em parti-

Rosângela: No âmbito do setor de aviação, é

cular, SOx e material particulado.

importante destacar que as especificações brasileiras

Tais poluentes podem contribuir para o desen-

de bioquerosene de aviação encontram-se alinhadas

volvimento a doenças respiratórias e são os maiores

às especificações internacionais, o que constitui uma

responsáveis para a ocorrência de chuva ácida, polui-

forma de mitigar as barreiras técnicas e promover a

ção atmosférica e visibilidade reduzida.

comercialização internacional desse produto.

Foto: Divulgação Embraer

AR - Qual a opinião da agência sobre os bio-

AR - Atualmente, 75% do querosene de aviação

A ANP acompanha as discussões acerca das espe-

consumido no Brasil é produzido internamente.

cificações dos diversos produtos regulados, inclusive

Qual a expectativa de aumento ou redução da par-

os de bioquerosenes de aviação no âmbito da ASTM,

ticipação da indústria nacional nesse mercado?

fórum internacional composto por especialistas do

Rosângela: No Brasil, a demanda por combustí-

setor e que contam com a participação das maiores

veis de aviação em 2011 foi de 7 milhões de metros

companhias aéreas do mundo, além dos principais

cúbicos (cerca de 2,8% da demanda global) dos

fabricantes de turbinas, aeronaves, combustíveis,

quais 75% originaram-se da produção nacional. O

representantes do governo americano, dentre outros.

restante foi importado de vários Países. Segundo

As especificações brasileiras de bioquerosene de avia-

o Sindicom, o consumo de combustível para avia-

ção observam as mesmas características e limites das

ção deve alcançar 12 milhões de metros cúbicos até

especificações ASTM. Em relação à movimentação

2020, enquanto o número projetado pela EPE é de 11

do produto, a regulamentação brasileira está alinhada

milhões de metros cúbicos para o mesmo ano, com

com os procedimentos adotados internacionalmente

um crescimento anual de cerca de 5%. O volume de

de garantia da qualidade do produto para entrega ao

produção projetado pela EPE terá um forte cresci-

consumidor final.

mento por volta de 2015, quando novas refinarias deverão entrar em operação. É importante ressaltar,

30  Agroenergia em Revista


entretanto, que segundo os planos de investimento da

e preparado para estabelecer regras que facilitem a

Petrobras recentemente divulgados poderão ocorrer

construção e fortalecimento desse setor. A indús-

adiamentos. Logo, serão necessários alguns anos até

tria de aviação requer combustíveis "drop-in". Em

que o equilíbrio entre oferta e demanda ocorra.

outras palavras, biocombustíveis sustentáveis, com

AR - Acredita que o uso dos biocombustíveis de

características de desempenho equivalentes às dos

aviação pode aumentar os custos das companhias

combustíveis fósseis atualmente utilizados nas tur-

aéreas e impactar o preço das passagens?

binas de aeronaves. Nos últimos anos, houve grande

Rosângela: O combustível representa o custo ope-

investimento no parque de refino do País, tanto em

racional mais importante de uma companhia aérea.

termos de melhoria nos processos de produção

Como média mundial, ele responde atualmente por

existentes, como na instalação de novas unidades.

34% dos custos operacionais (ante 10-15% na última

Entretanto, a perspectiva de qual produto passará ter

década). No Brasil essa participação é ainda maior,

mais participação nacional no mercado dependerá

representando cerca de 40% do custo operacional das

do custo de produção e da maior ou menor oferta

empresas aéreas. Além de sua elevada participação, a

no mercado nacional e internacional. Esforços para

volatilidade associada à variação dos preços do petró-

alcançar a redução de custos a níveis competitivos

leo é outra preocupação, introduzindo dificuldades

estão em curso em muitas partes do mundo. O Brasil

consideráveis para o planejamento e administração

tem a grande oportunidade de se tornar um impor-

dessas companhias. A precificação do combustível

tante ator global nessa área. Há consideráveis desa-

de aviação é geralmente feita de acordo com três

fios a serem superados para criar a base dessa nova

modelos: fórmula baseada no mercado, paridade de

indústria emergente. O Brasil não pode perder essa

importação e preço fixado. O preço doméstico do

oportunidade.

combustível de aviação é 12% mais alto que a média regional e 17% mais alto que a média global. De qualquer forma, é importante destacar que o uso dos biocombustíveis de aviação se dá em caráter voluntário, ficando a critério da companhia aérea optar pela sua utilização ou não. AR - Na sua visão, o que falta para os bicombustíveis de aviação “decolarem”? Rosângela: O desenvolvimento e a consolidação dos biocombustíveis de aviação no País dependerá da atuação conjunta de mercado e governo. O primeiro inovando e apostando nessa nova opção que se apresenta e que tem despertado a atenção mundial.

A Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) conta que também acompanha atentamente a evolução dos biocombustíveis e a possibilidade do seu uso. Também participa dos fóruns nacionais e internacionais de discussão dos requisitos relativos aos combustíveis e suas emissões. Para a Anac, “os biocombustíveis podem ser, no futuro, uma solução ambiental, mas que precisa ser bem avaliada nos seus aspectos sociais e econômicos”.

O segundo, estando atento aos avanços tecnológicos

 31


 Pesquisa

Foto: Divulgação Nestoil

CONVERTENDO ÓLEOS VEGETAIS EM HIDROCARBONETOS Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia

32  Agroenergia em Revista


O hidrotratamento de óleos vegetais (HVO, na sigla em Inglês) e gorduras animais é um processo que permite a produção de biocombustível de aviação já certificado pela ASTM (American Society for Foto: Vivian Chies

Testing and Materials). Foi por meio deste método que a empresa finlandesa Neste Oil produziu o bioquerosene utilizado pela Lufthansa durante seis meses, em 2011. A Nesteoil já utiliza o processo para produzir diesel de fonte renovável. O produto é diferente do matérias-primas. “Em 2013, a parcela de biomassa

este pode ser misturado ao diesel fóssil na proporção

residual utilizada pela companhia foi de 52%”, conta

de até 20% sem modificação nos motores, o biocom-

a gerente de combustíveis de aviação da empresa,

bustível gerado pelo hidrotratamento pode ir puro

Virpi Kröger.

para os tanques dos veículos.

biodiesel utilizado desde 2005 no Brasil. Enquanto

A Nesteoil já produz esse diesel renovável em qua-

A tecnologia consiste no uso de hidrogênio para

tro unidades de produção: duas na Finlândia, uma

remover o oxigênio das moléculas de óleos vegetais

em Cingapura e outra na Holanda. Juntas, elas têm

triglicerídeos e dividi-las em três cadeias, criando

capacidade de produção de até 2 milhões de tonela-

hidrocarbonetos similares aos existentes no diesel

das por ano. De acordo com Virpi, embora tenham

fóssil. Como resíduo do processo, forma-se apenas

sido desenhadas para gerar diesel, elas podem ser

água. A empresa afirma que a quantidade de maté-

empregadas também na fabricação de bioquerosene.

ria-prima utilizada é semelhante à do processo de

A executiva acredita que o mercado de aviação

transesterificação, mas que a emissão de gases de

vai se desenvolver e crescer nos próximos anos. “Nós

efeito estufa é ligeiramente menor. Já quando a com-

vemos o desenvolvimento e o uso de biocombustí-

parado com o equivalente de origem fóssil, a redução

veis de aviação como um passo muito importante em

de emissão de gases fica entre 45% e 91%.

direção ao tráfego aéreo limpo”, opina.

Outra vantagem do combustível renovável produ-

Atualmente, as pesquisas da empresa estão foca-

zido é a ausência de aromáticos, compostos presentes

das na obtenção de ovas matérias-primas, principal-

nos produtos fósseis que desfavorecem a combustão.

mente óleos obtidos de algas e microalgas. Para Virpi,

Tal como a transesterifição, este processo também

“o maior desafio é elevar o volume de produção a

permite o uso de óleos e gorduras residuais como

níveis industriais, de milhões de tonelada por ano”.

 33


 Pesquisa

DO ÁLCOOL AO BIOQUEROSENE Empresa investe na produção de álcool com baixo custo, de olho no mercado de aviação Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia

A

caminho da certificação está

com Gonsky, enquanto processos catalíti-

um combustível para aviação

cos como o de Fischer-Tropsch são muito

produzido a partir de etanol,

sensíveis a impurezas, os fermentativos

Foto: Goreti Braga

que está sendo chamado de ATJ (alcohol

tendem a ser mais tolerantes.

to jetfuel), na sigla em inglês. De acordo

Neste momento, as atenções estão

com uma das principais empresas que

voltadas particularmente para os gases

investem nessa tecnologia, a Lanzatech,

emitidos pelas siderúrgicas, que são maté-

esse combustível teria uma vantagem

ria-prima para duas unidades de demons-

sobre os demais alternativos que estão

tração já instaladas na China, além de

surgindo. Ele já contém aromáticos, o que

uma planta piloto na Nova Zelândia. Há

dispensaria a mistura com querosene de

também uma planta piloto móvel nos

fonte fóssil.

Estados Unidos operando com gás de

A aposta da Lanzatech concentra-

síntese proveniente de biomassa. Nesse

-se em uma etapa anterior à obtenção do

mesmo País, está em projeto (ainda está

combustível de aviação por essa rota: a

em projeto?) a instalação de uma unidade

produção do etanol. A tecnologia por ela

comercial que utilize como insumo gás de

desenvolvida consiste na fermentação de

síntese obtido de madeira.

gases provenientes da biomassa, de resí-

A fermentação que dá origem ao eta-

duos urbanos ou industriais. Na opinião

nol ocorre em um biorreator no qual,

do gerente de desenvolvimento de negócios

além dos gases e dos microrganismos, há

da empresa, Jared Gonsky, a variedade de

água com uma mistura de nutrientes, sais

matérias-primas possíveis é um dos pon-

e metais. Segundo a Lanzatech, a tecnolo-

tos fortes desse processo. “Ter flexibilidade

gia exige purificação mínima dos gases e

reduz os riscos de gargalos na obtenção de

não gera materiais particulados; o próprio

matérias-primas e permite utilizar recursos

processo remove a maior parte das impu-

sustentáveis e de baixo custo encontrados

rezas. Os gases que ainda sobram são fonte

ao redor do mundo”, argumenta. De acordo

de energia para a planta industrial.

34  Agroenergia em Revista


Estados Unidos – US$ 2,36 – e até mesmo do que o nosso produto derivado da cana-de-açúcar – US$ 1,61. A empresa acredita que a tecnologia pode ganhar espaço até mesmo no Brasil, País com disponibilidade de terras e forte vocação agrícola. Gonsky lembra que a indústria siderúrgica brasileira está entre as maiores do mundo e cresce 5% ao ano. “Nosso proFoto: Daniela Collares

cesso permite a simbiose industrial, a oportunidade de uma indústria utilizar o resíduo de outra como matéria-prima chave. Essa relação resulta em alta eficiência e sustentabilidade para sistemas industriais como as siderúrgicas”, comenta. Outro potencial é o Jared Gonsky, gerente de desenvolvimento de negócios da Lanzatech

aproveitamento dos resíduos sólidos urbanos. Mas, tal como em outras tecnologias, a produção de etanol e biocombustíveis de aviação a partir da tec-

O objetivo de todo esse processo é gerar etanol barato, uma vez que são necessários dois litros para produzir um de bioquerosene. De acordo com a Lanzatech o custo de produção é de US$ 1,50 por galão, mais baixo do que o do etanol de milho dos

nologia da Lanzatech também terá de disputar espaço com produtos de maior valor agregado. As plantas industriais são flexíveis e podem originar também outros produtos, tais como i-propanol, n-butanol, i-butanol, isopreno e ácido succínico.

Gaseificação

Fermentação

Do álcool ao bioquerosene

Biomassa

Gás

Etanol

Bioquerosene

Ilustração: Goreti Braga

 35


 Pesquisa

GASEIFICAÇÃO COMO ALTERNATIVA Conversão de biomassa em gás de síntese pode ser a chave pode viabilizar os combustíveis de aviação Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia

C

onsiderado o “lego da indús-

de gaseificação de biomassa em Piracicaba/

tria”, o gás de síntese é uma

SP.

aposta de ponto de partida para

Ett explica que a tecnologia de gaseifi-

a produção de bioquerosene. A questão

cação é antiga. O primeiro gaseificador de

é que, para ser “bio”, o gás precisa ser de

sucesso foi desenvolvido pela Siemens, em

origem renovável, mas, atualmente, tem

1861, e, partir daí, outros modelos surgi-

como principais fontes o carvão mineral

ram. Durante a Segunda Guerra Mundial,

e o petróleo.

com a dificuldade de acesso ao petróleo, a

Plantas piloto ou de demonstração

Alemanha adotou essa tecnologia e o pro-

estão instaladas em vários Países, testando

cesso de Fischer Tropsch para obter com-

a gaseificação da biomassa para

bustíveis para automóveis e aviões a partir

gerar o produto, mas ainda

de carvão mineral. Atualmente, a China,

não há produção comer-

por exemplo, usa estratégia semelhante

cial. No Brasil, diversas

para suprir suas necessidades de energia.

instituições desenvolvem

O desafio é substituir carvão mineral e

estudos nessa área, a

subprodutos do petróleo pela biomassa.

Foto: Goreti Braga

Foto: Anna Letícia Pighinelli

36  Agroenergia em Revista

exemplo do Instituto de

O processo começa pela secagem da

Pesquisas Tecnológicas

biomassa para retirar a umidade. Depois

(IPT). O engenheiro

de disso, há duas rotas possíveis. A pri-

químico Gerhard Ett

meira é a pirólise, da qual se obtém o

participa

bio-óleo, líquido com alta densidade

do projeto

energética; a segunda, a torrefação, é um

que pretende

tratamento térmico que permite, depois,

construir uma

reduzir a biomassa a partículas submili-

planta piloto

métricas com formato arredondado. O


bio-óleo ou as partículas torrefadas serão o com-

convertida em um produto com o qual a indústria

bustível do gaseificador. Ett pontua que o bio-óleo,

já saber lidar – o gás de síntese. Além disso, não há

por ser líquido, tem como vantagens a facilidade de

dependência de insumos como bactérias ou levedu-

transporte e a maior densidade energética. A pro-

ras de uma linhagem específica, a exemplo do que

dução do torrefado, em contrapartida, exige menos

ocorre nos processos bioquímicos. Apesar dos ajustes

energia, já que é obtido a cerca de 250ºC, enquanto

ainda necessários para o processamento da biomassa,

a pirólise ocorre a 650ºC, em média.

a gaseificação já é uma tecnologia consolidada.

Há três tipos principais de gaseificadores, sendo que 97,5% dos projetos são do tipo leito fixo ou leito fluidizado. O terceiro, o fluxo de arraste, é o objeto de estudo do IPT. De acordo com Ett, pesquisas têm demonstrado que essa é a tecnologia que dá melhor retorno para plantas com capacidade maior do que metano nem de alcatrão, o que gera um gás de alta pureza. Trabalhando com alta temperatura e pressão, o a tecnologia também elimina a necessidade de comprimir o gás para o processo de Fischer Tropsch. “A vantagem do fluxo de arraste é a qualidade do gás

Foto: Daniela Collares

100 megawatts. Além disso, não há formação de Gerhard Ett, engenheiro químico do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT)

obtida para o processo de Fisher Tropsch”, resume o engenheiro químico. No gaseificador ocorre uma queima com baixa concentração de oxigênio, que tem como objetivo produzir não o dióxido, mas sim o monóxido de carbono e hidrogênio – que constituem o gás de síntese. Depois da limpeza do gás, é feito o ajuste da relação entre hidrogênio e monóxido de carbono. A partir daí, o gás de síntese pode ser utilizado em rotas tecnológicas como a do metano e a da amônia, que dão origem a diversos produtos. Para a síntese do bioquerosene, a aposta está no processo de Fischer Tropsch, uma reação catalítica em temperaturas que variam de 200ºC a 350ºC. Para Gerhard, uma das vantagens da gaseifi-

Pirólise A Embrapa Agroenergia também está investindo nas pesquisas com pirólise e gaseificação de biomassa. Em um acordo de cooperação técnica com o Agricultural Research Service do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (ARS/USDA), a analista Anna Letícia Pighinelli estudou a pirólise rápida de duas biomassas abundantes no Brasil: a palha da cana-de-açúcar e o eucalipto. Durante o trabalho, foram avaliadas as condições operacionais do processo em escala laboratorial e piloto. Novos estudos com gaseificação estão previstos nos projetos de pesquisa da Unidade em parceria com diversas instituições.

cação é a rapidez: em três segundos, a biomassa é

 37


 Pesquisa

AUMENTANDO A OFERTA DE ÓLEOS Empresa desenvolve tecnologia para converter açúcares em óleos utilizando microalgas Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia

Foto: VideoMakers

E

ntre os processos possíveis

Substituindo o óleo de soja pelo de palma

para produção de biocom-

(dendê), o espaço necessário cairia para

bustíveis de aviação, os mais

23% do território. Por sua vez, o cultivo

simples e baratos são os que utilizam

de microalgas para o mesmo fim ocuparia

óleos como matérias-primas. Em con-

menos do que 4% da área daquele País.

trapartida, essas matérias-primas são

O desafio dos pesquisadores que

as que apresentam custo mais elevado.

atuam nessa área ainda é reduzir custos

Além disso, a principal oleaginosa

de produção. No entanto, algumas empre-

cultivada no Brasil tem rendimento

sas já começam a colocar essa tecnologia

relativamente baixo: aproximada-

no mercado. É o caso da norte-americana

mente 500 kg por hectare. Pesquisas

Solazyme, que, numa joint venture com

apontam que o dendê poderia obter

Bunge, instalou uma unidade de produ-

produtividade até 12 vezes maior, mas

ção em Orindiúva, no norte do estado de

é uma solução de médio prazo. Sendo

São Paulo.

uma espécie perene, plantios novos

A maioria das microalgas produzem

levariam pelo menos cinco anos para

seus próprios nutrientes por meio da

entrar em produção estável.

fotossíntese e apresentam teor de óleo

Contudo, na relação quilos de óleo por

que varia de 5% a 10%. A tecnologia da

hectare, nenhuma espécie vegetal supera

Solazyme utiliza linhagens de microalgas

as microalgas. Para que se tenha uma ideia

que crescem em ambiente escuro, alimen-

do ganho de produtividade, estimativas

tando-se de açúcares. A empresa garante

apontam que, para substituir todo o petró-

elas alcançam rendimento de óleo supe-

leo consumido nos Estados Unidos por

rior a 80% em poucos dias, crescendo em

óleo de soja, seria preciso cultivar o grão

equipamentos de fermentação industrial.

em uma área três vezes maior do que todo

Esse processo dá origem a óleos trigli-

o território continental norte-americano.

cerídeos, que podem ser produzidos com

38  Agroenergia em Revista


Fotos: Solazyme

Algas microscópicas produzem óleo, que serve de matéria-prima para o biocombustível que abastece grandes aeronaves

diferentes características. “Essa capacidade de perso-

são adaptáveis à infraestrutura de refino e distribui-

nalizar óleos é algo inédito e vantajoso para a indús-

ção já existente e já comprovaram que funcionam

tria e abre muitos caminhos”, defende a Solazyme.

comercialmente, além de produzir emissões menores

Além do bioquerosene, o produto pode ser empre-

de gases de efeito estufa, acreditamos que atender o

gado na produção de outros combustíveis, produtos

mercado de combustíveis de aviação é um caminho

químicos e alimentos, entre outros.

natural e faz todo o sentido”, avalia a Solazyme.

Batizado como SolajetTM, o biocombustível produzido pela empresa para aviões foi testado pela Marinha dos Estados Unidos em um helicóptero Seahawk, misturado na proporção de 50% ao com-

Foto: Daniela Collares

bustível fóssil. Foi utilizado também em voo comercial de um Boeing 737 com passageiros da United Airlines, em novembro de 2011. As turbinas giraram com 40% de SolajetTM e 60% de bioquerosene tradicional. A Solazyme afirma que, apenas neste voo, deixaram de ser emitidas 10 a 12 toneladas de dióxido de carbono. Para as operações no Brasil, a empresa pretende utilizar a sacarose da cana-de-açúcar como matéria-prima. A unidade de produção instalada no interior paulista tem capacidade de produção de 100 mil toneladas de óleo renovável por ano, mas Bunge e Solazyme já consideraram ampliá-la para 300 mil

Microalgas na Embrapa Agroenergia As microalgas também fazem parte do escopo de pesquisa da Embrapa Agroenergia. Os cientistas da Empresa e das várias instituições parceiras querem aproveitar resíduos das usinas sucroenergéticas para cultivar microalgas, gerando biomassa que pode servir de matéria-prima para biocombustíveis, carotenóides e outros pigmentos de alto valor agregado.

toneladas/ano até 2016. ”Como nossos combustíveis

 39


Foto: Embraer

 Mercado

A CAMINHO DE UM NOVO MERCADO Custo, logística e políticas públicas são desafios para os biocombustíveis de aviação Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia

E

m 2011, o Brasil alcançou a marca

crescimento anual 3,5 vezes maior do que

histórica de 1 milhão de voos na

a do Produto Interno Bruto (PIB). Nesse

soma dos mercados doméstico e

mesmo período, a oferta de voos interna-

internacional. Esse número é apenas um

cionais que tinham o Brasil como origem

dos vários que atestam o impressionante

ou destino dobrou.

crescimento do setor, que já transporta

Para atender a essa demanda, o consumo

mais passageiros do que os ônibus. Nos

de querosene pelo mercado brasileiro

últimos dez anos, a demanda por voos

ultrapassou os 7 milhões de m³ em 2012

domésticos triplicou, com taxa média de

e deve chegar 11 milhões em 2020. É parte

40  Agroenergia em Revista


desse mercado que os biocombustíveis de aviação podem atender, contribuindo não só para melhorar o desempenho ambiental do setor, mas também para torná-lo menos sensível ao preço do petróleo. Os produtos com origem na biomassa podem também ajudar a reduzir as importações do querosene fóssil: Foto: Daniela Collares

um em cada quatro litros vem de fora. Atualmente, os combustíveis são o principal componente dos custos e despesas dos voos. A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) calcula que, em 2012, o querosene tenha respondido por quase 40% dos gastos das companhias aéreas no Brasil. É um

Marcelo Gonçalves, da Embraer

número em crescimento. Desde 2009, a representati-

econômica e social do produto. “Para cada binômio

vidade desse item na conta dos voos teve alta de 29%.

matéria-prima e rota de conversão existe um desafio

E não é para menos. Em janeiro daquele ano, o barril

colocado”, destaca.

do petróleo valia menos de 45 dólares. A partir daí os

Diferente do biodiesel e do etanol, que movimenta

preços praticamente só subiram e permaneceram na

quase exclusivamente veículos que vão circular no

casa dos 100 dólares nos últimos três anos. No Brasil,

Brasil, o bioquerosene abastecerá também compa-

além da volatilidade do preço do petróleo atrapalhar

nhias estrangeiras que decolam e pousam aqui. Por

o planejamento das empresas, o custo do querosene

isso, terão de passar por critérios rígidos de avaliação.

é 17% mais caro do que a média de preço mundial.

O engenheiro químico Marcelo Gonçalves, também

Por enquanto, porém, o custo é justamente um dos

da Embraer, alerta que “os biocombustíveis para a

principais entraves à consolidação do uso de biocom-

indústria aeronáutica precisam ser drop in, ou seja,

bustíveis na aviação. Em outubro de 2013, o jornal

com características de desempenho equivalentes ao

Valor Econômico apurou com a Gol Linhas Aéreas

querosene de aviação de origem fóssil utilizado pelas

que o preço do bioquerosene chega a ser quatro vezes

aeronaves, além de terem sua produção certificada

maior do que o equivalente fóssil.

como sustentável”..

A indústria de bioquerosene ainda está nascendo

Um estudo produzido por Boeing, Embraer e Fapesp,

e já tem que fazer frente à consolidada e eficiente

em parceria com diversas instituições, aponta que

tecnologia de refino do petróleo. Além dos desafios

“políticas públicas são fundamentais para desenvolver

naturais de competitividade de produtos e proces-

a tecnologia agroindustrial para biocombustíveis para

sos novos, o setor ainda precisa reduzir custos mos-

a aviação”. Gonçalves diz que o documento resultante

trando sustentabilidade. O engenheiro mecânico Luiz

desse estudo (“Plano de voo para biocombustíveis

Nerosky, da Embraer, lembra que, para cada combi-

de aviação no Brasil: plano de ação”) aponta dire-

nação de matéria-prima e processo, é necessária uma

ções para potenciais ações do governo brasileiro. “As

série de estudos que avaliem a viabilidade ambiental,

ações para os biocombustíveis aeronáutico precisam

 41


Foto: Embraer

 Mercado

ser planejadas no longo prazo e de forma a integrar

O consumo de combustíveis de aviação concentra-se

este novo segmento à indústria de biocombustíveis

em cidades próximas ao litoral, enquanto as terras

existente no Brasil.”, afirma.

abundantes e baratas para produção de biomassa

Na opinião do colega Nerosky, uma política pública

estão no interior, a mais de 1.000 km de distância.

para o setor teria resposta rápida da iniciativa pri-

Apenas os quatro principais aeroportos de São Paulo

vada. “Atualmente, as movimentações ainda são tími-

e Rio de Janeiro – Congonhas, Guarulhos, Galeão e

das. As empresas tratam o tema com o devido rigor

Santos Dumont – respondem por 36,5% das decola-

técnico mas pouco avançam em termos de mercado”,

gens de voos domésticos no País.

comenta.

Apesar das dificuldades no Brasil e em outros paí-

Para viabilizar a cadeia produtiva de biocombustíveis

ses, a Associação Internacional de Transporte Aéreo

de aviação, o Brasil precisará vencer também barrei-

(Iata) prevê que, já em 2015, os produtos de origem

ras de infraestrutura e logística. Parte delas é seme-

renovável terão participação de 1% no mercado de

lhante à que atravanca diversos outros setores da eco-

combustíveis aeronáuticos. Além disso a entidade de

nomia – do agronegócio à indústria de eletrônicos.

classe ratificou a meta de chegar a 2020 com o mesmo

Há, no entanto, uma dificuldade adicional.

volume de emissões de carbono de 2005.

42  Agroenergia em Revista


A Embraer e os biocombustíveis de aviação integra o projeto Itaka - Initiative Towards Sustainable Kerosene for Aviation, que tem o objetivo de “exercitar” a cadeia de valor dos biocombustíveis de aviação. O papel da Embraer será dar suporte a um de seus clientes, que executará voos comerciais com bioquerosene , produzidos a partir de óleo vegetais e residuais. Os voos estão programados para ocorrer no segundo trimestre de 2015. “O projeto com a Fapesp e a Boeing aqui no Brasil tem muita similaridade com projetos que foram feitos na Europa, que neste momento, por meio do projeto Itaka, buscam testar a estrutura logística existente para fornecimento de um biocombustível aeronáutico sustentável”, diz o engenheiro químico Marcelo Gonçalves, da Embraer.

Foto: Embraer

A Embraer S.A. é pioneira no assunto biocombustíveis de aviação: foi a primeira a certificar uma aeronave movida 100% a etanol, em 2004. Trata-se do avião agrícola Ipanema, que é líder no mercado nacional, tendo alcançado, em 2012, a marca de 1.200 unidades vendidas. Agora, a companhia está participando de iniciativas dentro e fora do País para promover o uso de biocombustíveis na aviação comercial. No País, aliou-se à Amyris, à Azul Linhas Aéreas e à GE para levar o jato Embraer E-195 de Campinas/SP ao Rio de Janeiro / RJ com um biocombustível produzido a partir de cana-de-açúcar, em 19 de junho de 2012, durante a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável – Rio + 20. Na Europa, a empresa brasileira

 43


 Mercado

A QUERIDINHA DE TODOS No Brasil, a cana-de-açúcar é a matéria-prima preferida para diversos produtos renováveis em desenvolvido. Mas o setor está disposto a investir? Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia

N

a lista das matérias-primas de maior interesse para a produção de biocombustíveis de aviação, a cana-de-açúcar ocupa lugar de

destaque. A tecnologia de produção já está consolidada, o rendimento é alto e os açúcares do caldo estão facilmente disponíveis para os processos industriais. Além disso, ainda há grande quantidade de energia disponível no bagaço e na palha. O problema é que todas essas vantagens não atraem apenas os futuros fabricantes de bioquerosene. Diesel, produtos químicos, materiais, etanol celulósico. Em qualquer evento sobre a produção desses produtos a partir de fontes renováveis, a cana-de-açúcar é a matéria-prima preferida – pelo menos no Brasil. No entanto, a produção atual já está bastante comprometida com mercado internacional de açúcar e a demanda interna por etanol. “Hoje o setor não pensa em investimento em nenhum produto alternativo nem sequer em expansão da produção de etanol de primeira geração”, revela o presidente da União dos Produtores de Bioenergia (Udop), Celso Torquato Junqueira Franco. Foto: Goreti Braga

O empresário diz que os usineiros estão inseguros em

44  Agroenergia em Revista

fazer novos investimentos. “Existe um potencial enorme, indiscutivelmente, mas está faltando uma definição clara de política de governo”, opina. Ele defende que sejam


Evolução da Demanda por Combustíveis do Brasil Etanol hidratado Etanol anidro

Gasolina A X Total

47

Milhões m3 gasolina equivalente

50

44 41

40

30

27

10

29

28

29

32

8,6 7,8

11,3

10,0

8,4

11,5 7,3

9,7 7,9

10,3

3,4

4,0

5,0

7,3

7,5

7,6

5,2

6,2

6,6

6,4

17,0

17,6

17,7

18,8

18,6

18,9

19,1

22,8

27,1

31,8

31,4

2003

2004

2005

2006

2007

2008

2009

2010

2011

2012

2013

2,6

20

37

36

51

7,1

Foto: Daniela Collares

60

0

*exclui o GNV Fonte: EPE a partir de ANP [13] e MAPA [41]

estabelecidas fontes de energia prioritárias e criadas

que a usina, além de ser autossuficiente, coloque

medidas para elas ganhem o mercado.

energia na rede distribuição. “Hoje temos pratica-

Uma opção seria calcular quanto valem os bene-

mente uma Itaipu parada em termos de potencial”,

fícios dos chamados combustíveis limpos, tais como

comenta. “Mas o que é mais importante para o Brasil:

redução da emissão de gases de efeitos estufa, melho-

a energia do bagaço e da palha ser colocada no fio,

ria das condições de saúde da população, retarda-

como energia elétrica, ou nos tanques, como com-

mento da escassez de petróleo, descentralização da

bustível líquido?”. O empresário reforça: é necessário

produção e distribuição de renda. Isso facilitaria a

estabelecer prioridades e políticas de governo para

definição de políticas de redução de impostos, por

viabilizar investimentos.

exemplo. Para Franco, a medida abriria espaço para investimentos em outros mercados, como o de biocombustíveis de aviação. Ele acredita, contudo, que só será viabilizada a produção de bioquerosene derivado da cana, se forem firmados contratos de longo prazo. Se tivesse, no entanto, que eleger um produto ficaria com a bioeletricidade. Atualmente, já existem tecnologias para melhorar a eficiência do aproveita-

Celso Franco,

mento energético da queima do bagaço, permitindo

presidente da Udop

Foto: Udop

prioritário para novos investimentos do setor, ele

 45


Foto: Lenny Gonzalez;

 Mercado

BIOQUEROSENE É ALTERNATIVA DE NEGÓCIO PARA USINA DE BIODIESEL Por: Daniela Collares, jornalista da Embrapa Agroenergia, e Priscila Botelho (estagiária)

46  Agroenergia em Revista


O

biodiesel começou a ser comercializado oficialmente em 2005, com a mistura de 2%, e ao longo dos

anos passou por pequenas elevações. O Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel (PNPB) desenvolveu-se rapidamente entre 2008 e 2010, ano que atingiu os 5% de adição do biodiesel ao diesel, a denominada mistura B5. Em 2014 a mistura subiu mais um percentual em julho, e, novembro, para 7% Somente em 2013 foram adquiridos R$ 2,9 bilhões de matérias-primas da agricultura familiar como resultado de uma parceria inédita no mundo em que as indústrias de biodiesel asseguram capacitação e assistência técnica, resultando em efetiva inclusão

biodiesel seria a produção do bioquerosene de avia-

produtiva com geração de renda numa cadeia agroin-

ção (BioQAV)”, salienta o vice-presidente técnico

dustrial exigente em escala, tecnologia e eficiência

da União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene

produtiva. Para atender a essa demanda e à do bio-

(Ubrabio), Marcos Boff. O biodiesel é um “interme-

querosene, o Brasil possui um potencial inigualável

diário químico” do bioquerosene e o Brasil consome

em relação ao mercado dos biocombustíveis de forma

cerca de sete bilhões de litros QAV/ano e boa parte

geral, pela ampla biodiversidade, clima, terras, tecno-

desse consumo é de combustível importado. “O mer-

logia, entre outros. Além disso, de acordo com a ANP,

cado para o querosene verde é favorável”, reforça. O

existem no País 70 unidades produtoras de biodiesel

Brasil é um dos maiores produtores de óleos vegetais

distribuídas pelas cinco regiões, com uma capacidade

e o maior produtor de cana-de-açúcar do mundo,

instalada de produção de 8 bilhões de litros/ano para

o que o colocar na perspectiva de atender também

um consumo estagnado de 2,8 bilhões de litros/ano

esse mercado.

até então – o B5.

A aviação civil enfrenta crescente pressão mundial para melhorar seu desempenho ambiental e

No dia 1º de novembro de 2014, o B7 começou

de sustentabilidade, identificando fontes não fós-

a ser comercializado, mas a ociosidade nas usinas

seis de combustível. A Ubrabio, durante a Rio+20,

não acabou, apenas reduziu. De acordo com infor-

realizada em 2012, lançou a Plataforma Brasileira

mações disponibilizadas no site da Associação

do Bioquerosene (PBB), com o objetivo de unir

dos Produtores de Biodiesel do Brasil - Aprobio, a

governos, agricultores, associações, instituições de

ociosidade das empresas era de 60% a 65%; com

pesquisa, ONGs, empresas de aviação e químicas,

o B7 no mercado,cairá para cerca de 40% a 45%.

usuários de transporte aéreo e outros stakehol-

“Uma alternativa para a ociosidade nas usinas de

ders para promover ações integradas no sentido de

 47

Foto: Daniela Collares

em 2013, para atender ao único mercado existente

Foto: Arquivo Pessoal

em novembro do mesmo ano.


 Mercado

criar uma cadeia de valor sustentável global para

inclusão social de agricultores familiares com visão

o Bioquerosene de Aviação e Produtos Químicos

de agregação de valor em toda a cadeia produtiva,

Renováveis. “Precisamos urgentemente de um Marco

desde a domesticação de oleaginosas potenciais a

Legal tanto no biodiesel quanto no bioquerosene. Os

processos industriais mais complexos, capacitando o

investidores precisam ter bem claro qual será o hori-

Brasil para se tornar um dos líderes neste segmento

zonte de mistura desses combustíveis nos combustí-

à semelhança do etanol e do biodiesel. De acordo

veis fósseis. Precisamos modernizar a política fiscal e

com a equipe da Ubrabio é importante a instalação

fazer ajustes necessários no selo social”, esclarece Boff

de pequenas plantas-piloto para que seja realiza pes-

A PBB, por intermédio da Gol e demais compa-

quisa para ajustar os melhores catalisadores e con-

nhias aéreas que integram a Associação Brasileira das

dições de processo. “Seria muito favorável o finan-

Empresas Aéreas - ABEAR, pretende dar continui-

ciamento de pequenas plantas-piloto para os ajustes

dade de forma sistemática ao Projeto “Voando Verde”,

de melhores catalisadores e condições de processo.

iniciado pelos voos da Copa do Mundo, alcançando

Esse estudo é urgente caso queiramos ter tecnologia

as Olimpíadas de 2016 e consolidando a introdução

nacional nesse setor. Estamos propondo a criação

do Bioquerosene na Matriz Energética Nacional e

de Comitê Técnico–Científico, sob a coordenação

alinhado às metas da indústria mundial de aviação

do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação

de crescimento sem aumentar a emissão de CO2 a

– MCTI, que permita a consolidação de um sistema

O lançamento da PBB foi também marcado

envolvidos na pesquisa, no desenvolvimento e na

partir de 2020.

pelo envolvimento da Ubrabio na estruturação do

gerencial de articulação entre os diversos atores produção de bioquerosene”, salienta Boff.

primeiro voo, operado pela Gol Linhas Aéreas, em

“Na verdade, uma planta industrial de bioque-

19/06/12 , abastecido com uma mistura contendo

rosene é uma biorrefinaria”, reforça . Vários outros

50% de Bioquerosene em uma das turbinas. O voo

produtos como o diesel renovável e a nafta verde são

partiu do aeroporto de Congonhas/SP com destino

obtidos conjuntamente ao Bioquerosene. Existe tam-

ao Santos Dumont/RJ e contou com autoridades

bém uma demanda por hidrogênio numa planta com

nacionais e internacionais, além de representantes

essas características.

da Imprensa e do setor.

Para tanto, é necessária a aplicação de vários

Desde então, a Ubrabio vem divulgando e sensibi-

processos. A equipe da Ubrabio salienta que, além

lizando autoridades e a sociedade sobre a oportuni-

do hidroprocessamento de ésteres e ácidos graxos,

dade do Brasil estruturar um programa, nos moldes

existe o bioquerosene derivado da cana. O pro-

do PNPB, que induza ao surgimento de um novo

cesso é conhecido como DSHC (Direct Sugar to

setor - a cadeia de Bioquerosene e Biorrefinarias

Hydrocarbons), sendo a empresa Amyris, associada

como vetor de desenvolvimento regional sustentável,

da Ubrabio, a principal detentora dessa tecnologia.

48  Agroenergia em Revista


Em junho de 2014, ela instalou a primeira unidade de produção de bioquerosene do Brasil, localizada no município de Brotas/SP, recebeu a certificação internacional da ASTM - American Society for Testing and Materials, a maior entidade em nível mundial no desenvolvimento de normas técnicas. Esta certificação permite que o biocombustível produzido no Brasil, a partir da cana-de-açúcar, seja utilizado mundialmente em misturas de até 10% ao querosene convencional sem restrições na aviação comercial. Esta planta já opera em escala comercial e está fornecendo combustível para a Gol na rota Orlando – São Paulo.

Usina de biodiesel da Granol em Anápolis

 49


 Mercado

Matéria-prima Marcos Boff reforça a viabilidade das matérias-

está a soja com cerca de 74%; o sebo com cerca de

-primas brasileiras como também foi abordado no

20%; o óleo de algodão com 2% e outros: canola,

artigo “O desafio da disponibilização sustentável de

palma-de-óleo (dendê), gordura de frango, com 3%,

novas biomassas para a produção de biocombustíveis

e óleo usado com 1%. No caso do sebo bovino, a pro-

de aviação” que está nas páginas 6 a 11.

dução de biodiesel, além dos mercados tradicionais

Na aviação internacional, tem havido preferência

como o de sabão e cosméticos, está contribuindo para

por matérias-primas não-alimentícias como pinhão-

uma nova destinação sustentável de parte do volume

-manso, além de algas, camelina e óleos residuais

de sebo, um subproduto da pecuária de corte que não

de fritura. “A soja devidamente certificada quanto

conseguia colocação integral no mercado e acabava

à sustentabilidade pode ser também utilizada”, des-

se transformando num passivo ambiental.

tacou Boff.

O Brasil vem utilizando cada vez mais as áreas

A utilização da soja viabilizou o PNPB porque

já antropizadas por pastagens, como no caso da

possui uma cadeia estruturada ao longo das últimas

palma-de-óleo, para o qual foram zoneados mais

quatro décadas e o Brasil disputa com os Estados

de 30 milhões de hectares aptos ao cultivo, o que

Unidos a liderança da produção mundial dessa ole-

permitirá, ao longo do tempo, o aumento gradual

aginosa. A soja vem servindo como ponte para o

da palma e outras oleaginosas, ocupando o espaço

estabelecimento de novas cadeias de oleaginosas,

da soja e aproveitando as aptidões regionais diante

com oferta de novos óleos e seus subprodutos. O

da biodiversidade brasileira. “Tudo isso pode ser

principal produto da soja é o farelo (proteína) que

potencializado pela retomada da evolução do PNPB

resulta em 80% do grão após o esmagamento. A

e da estruturação do bioquerosene no País”, disse

demanda por farelo cresce a taxa de 7% ao ano. Em

Marcos Boff.

contrapartida, o óleo, que corresponde 20%, cresce

O desafio da ampliação do uso do bioquerosene

a uma taxa próxima a 2% aa. Portanto, o aumento

e a estruturação de um novo segmento calcado nos

da oferta de óleo vai a reboque do crescimento da

pilares econômico, ambiental, social e de inovação

demanda de proteína. O biodiesel passou a ser um

tecnológica passa pela permanente interlocução com

destino sustentável do óleo que “sobra” do processo

o governo federal. A Ubrabio acredita que a criação

da soja, funcionando como um catalizador da produ-

de políticas públicas voltadas para o Bioquerosene

ção alimentar em razão da relação de 1 litro de óleo

também passa necessariamente pela sensibilização do

para 4 quilos de farelo.

Congresso Nacional e de iniciativas de unidades da

O sebo bovino tem se destacado desde o início do

federação pela implantação de plataformas regionais

Programa como a segunda matéria-prima mais uti-

alinhadas com objetivos da PBB, a exemplo de Minas

lizada na produção de biodiesel. Em primeiro lugar,

Gerais e Rio Grande do Sul.

50  Agroenergia em Revista


Foto: Claudio

Be ze rra

O uso do biocombustível no transporte aéreo reforça o pioneirismo do Brasil em relação ao uso das energias renováveis e são fundamentais nas estratégias previstas pela IATA – Associação Internacional de Transportes Aéreos para manter o crescimento da aviação e simultaneamente, reduzir as emissões de GEE, utilizando parcela de bioquerosene adicionado ao querosene convencional a partir de 2015.

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 51


 Mercado

DOS CAMPOS BRASILEIROS PARA OS MOTORES DA AVIAÇÃO Por: Daniela Collares, jornalista da Embrapa Agroenergia, e Priscila Botelho (estagiária)

Estruturar a cadeia é necessário para que os biocombustíveis de aviação deixem de ser uma realidade somente em voos experimentais e passe a ser de uso constante

C

om o propósito de consolidar toda a cadeia

na produção do bioquerosene reside na articulação

desde a produção da matéria-prima até o

de projetos agrícolas sustentáveis, amparados pela

produto acabado, ou seja, do campo até a

pesquisa, que se utilizem de materiais domesticados

asa do avião, foi criada a Plataforma Brasileira Do

de alta produtividade e resistência a pragas e doen-

Bioquerosene (PBB), em 19 de junho de 2012 com

ças, integrados a uma cadeia de alto valor agregado e

os principais atores do segmento da aviação civil no

logisticamente otimizada. Na etapa inicial, Mike Lu

Brasil. Dentro deste programa, toda matéria para

salienta que, dentro da plataforma, serão enfatizadas

produção do bioquerosene de aviação (BioQAV)

a macaúba, o pinhão-manso, a camelina e os óleos

está sendo estudada: cana-de-açúcar, pinhão-manso,

e as gorduras residuais. Ênfase para a macaúba e o

camelina, macaúba, dendê, eucalipto e o óleo usado

pinhão-manso, pela característica dos óleos.

de cozinha para produção do bioquerosene e diesel

O Brasil se destaca por fornecer matérias-primas

verde . “Essa plataforma pretende implementar as

que atendam à demanda do bioquerosene, além das

primeiras cadeias de valor de produção de biomassa,

condições edafoclimáticas, disponibilidade de terras,

estudando o aproveitamento dessas biomassas. Toda

diversidade e financiamento agrícola. “Faltam apenas

possibilidade de produção para o bioquerosene está

as políticas públicas para o zoneamento, seguro agrí-

sendo avaliada, levando em consideração os crité-

cola, e financiamento para permitir o cultivo racional

rios de sustentabilidade da cadeia produtiva, logística

e comercial destas alternativas. E é isso que a plata-

integrada e sua integração as condições regionais”, diz

forma está buscando” afirma Mike Lu.

Foto: Goreti Braga

coordenador da PBB, Mike Lu.

Para tanto, dentro da plataforma está sendo

A matéria-prima para a produção é outra questão

montada, a cadeia de valor, que é representada pela

dentro da PBB. O grande desafio é produzi-las de

pesquisa, matérias-primas, processos, logística e uso

forma sustentável, em cadeias regionais estrutura-

final. Para cada etapa, há uma empresa responsável

das para fornecer com competitividade o BioQAV

dentro do conselho gestor e executivo, do qual fazem

aos aeroportos “verdes” do Brasil. O desafio maior

parte: Gol Linhas Aéreas Inteligentes, Curcas Brasil

52  Agroenergia em Revista


Plataforma Gaúcha de Bioquerosene,

(Embrapa), Associação Brasileira das Empresas

integrados à realidade agropecuária de

Aéreas, Boeing, União Brasileira do Biodiesel e

cada estado e à biodiversidade regio-

Bioquerosene, Amyris, Camelina Company do Brasil,

nal. Em São Paulo, a Plataforma tra-

Byogy, General Eletric, Instituto Interamericano

balha em um projeto de instalar uma

de Cooperação para a Agricultura, Solazayme e

biorrefinaria em Guaratinguetá/SP,

Universidade Federal do Rio de Janeiro. O conselho

apoiando um projeto de coleta de óleo

pretende fazer um planejamento nacional, focando

usado de cozinha entre Rio de Janeiro e São Paulo.

nas vocações regionais, respeitando cada biodiver-

“Ao destinar este óleo de cozinha usado para a pro-

sidade. “Nós, como Curcas, fazemos a integração

dução de BioQAV, estamos reduzindo o problema

dessa cadeia. Desde seu lançamento, os coordena-

da poluição ambiental”, esclarece Mike Lu.

da Gol, para agregar mais parceiros” diz Mike Lu.

dores estão estruturando a plataforma, sob liderança

Foto: Daniela Collares

Ltda., Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

As cadeias estaduais foram planejadas mais pró-

ximas do pólo de consumo para reduzir o custo

A proposta é montar, de forma integrada, um

logístico da matéria-prima e do produto final. A

conceito logístico e econômico para competitividade

Plataforma Pernambucana em constituição, está

de cada região. A logística deve estar no radar das

baseada na cana-de-açúcar para produção do SIP-

empresas que irão produzi-lo, ou seja, próximos aos

isoparafínicos sintéticos, com tecnologia Amyris,

polos de consumo. A PBB esta apoiando três platafor-

aproveitando a infraestrutura sucroalcooleira do

mas estaduais: Plataforma Mineira de Bioquerosene,

Estado, e macaúba e pinhão-manso para a rota de

Plataforma Pernambucana de Bioquerosene e a

lipídeos, buscando a inclusão da agricultura familiar.

Ilustração: Mike Lu

 53


 Mercado

“Hoje, o querosene fóssil representa 43% dos custos operacionais. O BioQAV tem condição de eliminar o efeito da volatilidade dos preços dos combustíveis fosseis e da variação cambial. A escalabilidade, a logística otimizada e a alta produtividade ajudam a tornar o BioQAV competitivo, conclui Mike Lu. No Rio Grande do Sul, a Plataforma Gaúcha de Bioquerosene busca tecnologia inovadora para produção de bioquerosene a partir do óleo de soja, e etanol a partir de resíduos agrícolas, principalmente a casca de arroz e eucalipto.

Minas Gerais No estado de Minas Gerais, essa proposta já está se firmando. Em comemoração ao Dia Mundial do Meio Ambiente deste ano (05 de junho de 2014), um Boeing 737-800 decolou do Aeroporto Internacional Tancredo Neves rumo a Brasília, abastecido com bioquerosene produzido a partir da macaúba, levando convidados, representantes do governo de Minas e demais empresas envolvidas no projeto, em uma parceria da Gol Linhas Aéreas e da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico (SEDE) com a plataforma. Além disso, em março de 2014, foi assinado um Memorando de Entendimento com o intuito de promover parcerias estratégicas com entes públicos e privados para lançar o Programa Mineiro de Desenvolvimento da Cadeia de BioQAV, cujos eixos principais envolvem desenvolvimento de biomassa, desenvolvimento de uma rede integrada de refino e pré-refino, estruturação de um centro de referência em certificação de BioQAV, apoio ao desenvolvimento da infraestrutura aeroportuária para uso do BioQAV e planejamento estratégico. Minas elegeu a macaúba como uma das suas principais fontes de matérias-primas para esse combustível, que está em ascensão, pelos benefícios ambientais, sociais e econômicos. Além disso, é uma cultura energética com produção de óleo em grande quantidade, com excelentes características para produção de biocombustíveis, grandes maciços da palmeira e diversas iniciativas para torná-la comercialmente viável já ocorrem entre instituições de pesquisa, como a Universidade Federal de Viçosa e a Embrapa. O Governo já está articulando com o Ministério da Agricultura a elaboração 54  Agroenergia em Revista

Foto: Patrícia Barbosa

alta adaptabilidade e coprodutos com valor agregado. O Estado tem


do zoneamento agroecológico da macaúba. “Essa ferramenta é de fundamental importância quando se pretende implantar uma estratégia de desenvolvimento em bases Minas Gerais”, disse André Merlo, secretário de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais.

sustentáveis, como é o caso aqui em

O principal objetivo é transformar o Estado na primeira plataforma integrada de produção de BioQAV do País, e o Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em primeiro aeroporto "verde" do Brasil. A Plataforma Mineira de Bioquerosene está sob o conceito "from farm to fly" (do campo à asa do avião), ou seja, passando pela pesquisa, refino, certificação e utilização do combustível pelas empresas aéreas que operam no Aeroporto Internacional Tancredo Neves (AITN). Busca alavancar as oportunidades da biodiversidade mineira, sua tradição agropecuária, e construir uma cadeia altamente competitiva para fornecer biocombustíveis e renováveis para o mercado nacional e global. O Aeroporto Internacional Tancredo Neves, e seu entorno serão preparados para se tornarem o ponto focal para beneficiamento final, distribuição e abastecimento de BioQAV para rotas nacionais e internacionais, fechando o ciclo da cadeia. Dentro da proposta, o Estado tem foco em implantar e validar dois arranjos produtivos locais, tanto para os agricultores familiares, na região de Dores do Indaiá, e para o agronegócio, em João Pinheiro. Nesse período de estruturação da Plataforma Mineira de BioQAV, foi desenvolvido um RoadMap para mobilização do setor privado, órgão governamentais, sociedade civil, instituições de pesquisa e universidades. “Todas essas articulações são para preparar Minas Gerais para o desafio de tornar a cadeia de valor do BioQAV uma realidade”, ressalta Luiz Antônio Athayde, subsecretário de Investimentos do governo de Minas Gerais.

 55


 Mercado

PINHÃO-MANSO É A APOSTA PARA O BIOQUEROSENE Por: Daniela Collares, jornalista da Embrapa Agroenergia, e Priscila Botelho (estagiária)

Foto: Daniela Collares

700

milhões de litros de

Com as pesquisas, os mexicanos desenvol-

combustível para

veram um pacote tecnológico, já sabem plantar

avião é a demanda

e fertilizar a cultura. Com estudos avançados, é

do México. Este foi um dos motivos que

possível obter mais variedades e fazer seleções

impulsionou o País a pesquisar o pinhão-

de materiais com ganho genético, para assim,

-manso como matéria-prima para a produ-

iniciar o processo de difusão do pinhão-manso.

ção de biocombustível de aviação. Há sete

A partir de um processo de seleção individual

anos, cerca de 30 pesquisadores estudam a

serão geradas diversas variedades, que passarão

oleaginosa e buscam a sua domesticação.

posteriormente pelo sistema de certificação

Primeiramente, o México investiu em pes-

de sementes do México. O Inifap está focado

quisas, coordenadas pelo Instituto Nacional

na energia da biomassa para a produção de

de Pesquisas Florestais, Agrícolas e Pecuárias

biocombustíveis a partir de espécies agríco-

(Inifap) e apoiadas pelo Governo. Devido ao

las, pecuárias ou florestais. Aproveitando as

foco inicial ser em pesquisa, os mexicanos

qualidades do óleo, os mexicanos apostam na

não possuem ainda produtores comerciais de

utilização do mesmo para o bioquerosene. A

pinhão-manso. As pesquisas deram resultado

matéria-prima para biocombustível de avia-

e o País é pioneiro em voos com bioquerosene.

ção no País está baseada em pinhão-manso. A

Agora, há um projeto para o cultivo no estado

mamona não tem a mesma qualidade, salienta

de Hidalgo para a produção de biocombustível

o líder.

de aviação. “Queremos produzir combustível

O País tem uma politica nacional que

de aviação, temos uma demanda enorme”, diz o

impede o uso de espécies destinadas à ali-

coordenador nacional das pesquisas no Inifap,

mentação para a produção de biocombus-

Alfredo Colmenero. A iniciativa conta com o

tíveis, por isso, foca em espécies agrícolas

apoio de algumas empresas privadas.

como o pinhão-manso, a mamona e palmeiras. “Estamos em processo de pesquisa para

56  Agroenergia em Revista


produção de biodiesel a partir de oleaginosas

O Inifap tem muito interesse em colabo-

e produção de etanol a partir de cana-de-açú-

rar com a Embrapa e sabemos do conhe-

car e sorgo doce, principalmente”, esclarece

cimento cientifico e a qualidade de seus

Colmenero. O pesquisador salienta ainda

estudos. A parceria sempre ajuda a chegar

que, para o biodiesel, o México tem colocado

mais rápido a uma meta, compartilhamos

esforços na pesquisa de dez espécies agrícolas.

conhecimento e métodos, isso nos ajuda a ir

A parceria com o Brasil Para aprofundar os estudos, pesquisadores do Inifap, vieram ao Brasil para um intercâmbio cientifico com a Embrapa Agroenergia. Três pesquisadores vieram para acompanhar a missão técnica, que foi articulada pela Procitropicos/IICA, no final de 2013. As pesquisas desenvolvidas pelo Inifap foram apresentadas para a Embrapa durante a visita ao Brasil. O Instituto busca uma parceria com a Embrapa Agroenergia, que visa a mesclar variedades genéticas do Brasil e do México. “Teremos mais variedades em curto tempo. Se unirmos nossos trabalhos, teremos melhores resultados”, destaca Colmenero. Em contrapartida, pesquisadores brasileiros já fizeram várias visitas técnicas aos experimentos com a cultura naquele País, o que resultou em avanços científicos benéficos para ambos os Países, conta Bruno Laviola, pesquisador da Embrapa Agroenergia e coordenador dos trabalhos com pinhão-manso. No Brasil, temos o Banco de Ativo de Germoplasma, com vários acessos de diferentes regiões brasileiras. A proposta é enriquecer o banco com acessos de outros Países,

mais rápido. Queremos fazer uma colaboração em melhoramento genético do pinhão-manso. A ideia é selecionarmos variedades em conjunto, combinando os materiais genéticos selecionados no Brasil com os do México, disse o pesquisador mexicano. “Essa parceria é muito estratégica para a América Latina e, com certeza, para a produção de bioquerosene”, adianta Laviola. O pinhão-manso é uma cultura promissora devido ao seu potencial energético e ao óleo de boa qualidade. Diferente das demais culturas, o pinhão-manso pode ser cultivado em solos pouco férteis e de clima desfavorável. Além disso, a planta é resistente a doenças, tem o crescimento rápido e vida longa. Em contrapartida, suas sementes são tóxicas devido à presença dos ésteres de forbol, fator que impede a utilização da torta para a alimentação animal. Para os mexicanos, o elemento tóxico não é problema. O que importa é o valor agregado da torta. Tóxica ou não, a torta pode ser utilizada como fertilizante e isso pode gerar um lucro de mais 300 dólares/ano. No País existem muitas variedades de materiais comestíveis e não tóxicos.

como o México, diz o pesquisador brasileiro.

 57


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