ISSN 2238-1023
AGROENERGIA
em REVISTA
Esta é uma publicação da Embrapa Agroenergia
Ano IV, nº 9, dezembro de 2015
Florestas Energéticas
AGROENERGIA EM REVISTA EXPEDIENTE Esta é a edição nº 9, dezembro de 2015, da Agroenergia em Revista, publicação de responsabilidade do Núcleo de Comunicação Organizacional da Embrapa Agroenergia Chefe-Geral Manoel Teixeira Souza Júnior Chefe-Adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento Guy de Capdeville
Chefe-Adjunta de Transferência de Tecnologia Marcia Mitiko Onoyama Chefe-Adjunta de Administração Elizete Floriano Jornalista Responsável Daniela Garcia Collares (MTb/114/01 RR) Consultoria Técnica e Revisão Mônica Caramez Triches Damaso Capa, projeto gráfico e diagramação Maria Goreti Braga dos Santos
www.embrapa.br/agroenergia
Sementes de eucalipto Foto: Fabio Torresan
Fotos das capas: Rosana Clara Victoria Higa e Helton Damin ISSN 2238-1023 Tiragem: 1.000 exemplares Impressão e acabamento Embrapa Informação Tecnológica
Embrapa Agroenergia Parque Estação Biológica - PqEB s/ n°, Av. W3 Norte (final) Edifício Embrapa Agroenergia Caixa Postal: 40.315 70770-901 - Brasília (DF) Tel.: 55 (61) 3448 1581
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Foto: Elvis Costa
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Pesquisas feitas entre a Embrapa e parceiros com Florestas Energéticas
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Carvão vegetal: de problema a solução
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Bio-óleo: alternativa para extrair combustíveis líquidos e químicos renováveis do eucalipto
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Etanol dá em árvore?
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Taxi-branco: espécie florestal para energia na Amazônia
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Geração de hidrogênio por gaseificação de biomassa em água supercrítica integrada com unidade termoelétrica
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Projeto utiliza geotecnologias para estimar estoque de carbono em plantios florestais
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Softwares simulam manejo de precisão para plantios florestais
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Energia da silvicultura: pesquisas buscam tecnologia para cultivo em novas regiões, reduzindo a pressão sobre as matas nativas
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Seleção genômica ampla vem acelerar o ciclo de melhoramento genético de eucalipto
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Manejo do eucalipto auxilia a regeneração de florestas nativas
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Energia renovável a partir de eucalipto ganha força em diferentes regiões do Brasil
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ILPF: escolha de espécie e manejo de árvores são essenciais para qualidade da madeira
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Resíduos agroflorestais e industriais para produção de lenha ecológica são alternativas de sustentabilidade e renda
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Rumo ao desenvolvimento sustentável moderno de energia da madeira
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Menos volume, mais valor: pesquisador defende a lógica de biorrefinarias
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Nanotecnologia pode revitalizar o setor florestal
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Potencial da indústria de papel e celulose no contexto de biorrefinaria
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Celulose proveniente de fibras alternativas: uma solução viável?
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Aplicações para valorização da lignina
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esde que o homem descobriu o fogo (e lá se vão milhares de anos), galhos, gravetos, folhas secas e outras frações de árvores são fonte de calor e energia para pessoas, famílias, comunidades, cidades, países. Ainda hoje, a lenha é um importante componente da matriz energética de várias nações, muitas vezes associada ao atraso, a tecnologias rudimentares. O que acontece é que a economia baseada no petróleo foi dominante no século XX e persiste dessa forma nesses primeiros 15 anos do atual milênio. Com isso, boa parte dos avanços tecnológicos em combustíveis ficaram concentrados nos derivados fósseis, que respondem por mais de 80% da matriz energética mundial.
Foto: Zig Kock
Editorial
No Brasil, temos um cenário mais favorável para os renováveis de maneira geral, com destaque para o papel das hidrelétricas e a energia obtida da cana-de-açúcar tanto na forma de energia elétrica quanto no etanol. Este é um dos biocombustíveis mais ambientalmente eficientes do mundo e motivou a criação aqui dos automóveis com motores flex. Na área florestal, o País também tem uma experiência positiva no uso do carvão vegetal como alternativa ao equivalente fóssil na mineração, o que nos permite produzir o aço verde. Esse combustível tem sua imagem associada ao desmatamento e ao uso de mão de obra ilegal, o que tem que ser combatido. Contudo, o carvão vegetal em si é mais um alternativa de energia derivada da biomassa que, corretamente explorada, pode contribuir não só para incrementar a participação de renováveis na matriz brasileira como para gerar renda e conferir um diferencial ao nosso aço.
Falar em florestas energéticas, no entanto, é falar em necessidade de avanços – avanços em políticas públicas e avanços em desenvolvimento tecnológico. Neste quesito, há muito por fazer: incrementar a eficiência dos fogões a lenha e fornos para produção de carvão vegetal; recuperar e aproveitar os gases gerados na queima; obter combustíveis líquidos de espécies florestais para abastecimento de automóveis e aviões. Algumas soluções já existem, mas precisam ser amplamente adotadas. O Brasil é um país privilegiado pelas condições de solo e clima, além da abundância de terras disponíveis, o que coloca à nossa disposição diferentes biomassas para uso energético. Com as metas ambiciosas de redução de impactos ambientais estabelecidas pela COP-21, nenhuma delas pode ser descartada. Somos o país com a 7ª maior economia do mundo e o 5º em território e população. Nossa responsabilidade é muito grande. Com tecnologias disponíveis na produção de eucalipto e pinus e outras em desenvolvimento para novas espécies, o Brasil certamente pode utilizar as florestas energéticas para cumprir seu papel no caminho para uma economia global menos dependente do petróleo. Nesta edição da Agroenergia em Revista, abordamos as oportunidades e desafios para que isso aconteça. Como instituição pública de pesquisa, estamos também trabalhando para o desenvolvimento tecnológico nessa área e sempre abertos a parcerias que nos permitam alcançar mais rapidamente soluções eficientes e eficazes. Boa leitura!
Manoel Teixeira Souza Júnior Chefe-Geral da Embrapa Agroenergia
PESQUISAS FEITAS ENTRE A EMBRAPA E PARCEIROS COM FLORESTAS ENERGÉTICAS DA BIOMASSA À CONVERSÃO DE PRODUTOS ENERGÉTICOS Por: Daniela Collares, jornalista da Embrapa Agroenergia
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s florestas sempre estiveram presentes na vida do homem ao longo da história da humanidade, como fornecedoras tanto de produtos como de serviços ambientais. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), cerca de 30,5% das terras mundiais são ocupadas por florestas, sendo o Brasil o segundo maior país, com cerca de 60% do território nacional coberto com essa vegetação. Mesmo sendo mundialmente conhecido por dominar a parte silvicultural de florestas plantadas, o Brasil ainda precisa promover ações voltadas para o desenvolvimento de ferramentas destinadas ao aumento da produção e da qualidade da biomas-
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sa, com o objetivo de melhorar o processamento e a conversão em produtos energéticos. Seguindo esse viés, a Embrapa e parceiros, desde 2007 mantém o projeto “Florestas Energéticas” com o intuito de expandir a cadeia produtiva florestal e a participação das fontes renováveis na matriz energética brasileira. A primeira fase do projeto já terminou e, em 2012, foi aprovada a segunda fase. Sob a liderança do pesquisador Antônio Belotte, da Embrapa Florestas (Colombo/PR), o projeto em rede, financiado pela Embrapa, reúne diversas instituições públicas e privadas subdivididas em cinco projetos componentes: Germoplasmas para expansão da base florestal energética; Tecnologias silviculturais para pro-
dução de florestas energéticas; Avanços tecnológicos no uso da lenha e carvão vegetal; Avanços tecnológicos na produção de bio-óleo, gás de síntese, hidrogênio e etanol a partir de biomassa florestal; e Avaliação socioambiental e econômica da cadeia produtiva das florestas energéticas e a sua inserção na economia brasileira. As ações vão desde a análise e o desenvolvimento de tecnologias destinadas ao aumento da produção e da qualidade da biomassa e obtenção de seus produtos que de valor agregado.
Há muito espaço para aumentar a participação da energia florestal na matriz energética nacional em diversas formas, na geração e cogeração de energia”, destacou o pesquisador. De acordo com as
Foto: Goreti Braga
Como fonte renovável, a biomassa florestal contribui bastante para a preservação do meio ambiente, diminuindo o efeito estufa, ao mesmo tempo em que se torna uma espécie fixadora de elementos como o carbono. “Já temos o domínio sobre a silvicultura de florestas plantadas e estamos avançando no desenvolvimento de tecnologias para diversificar a produção de biomassa”, diz Antônio Belotte. E o que é fundamental: o País possui áreas disponíveis para expandir as florestas sem que haja a necessidade de extinguir áreas nativas.“
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ações de pesquisa contempladas no projeto, a biomassa pode ser usada em gasogênios a lenha ou carvão vegetal e em fornos a lenha mais eficientes na cocção de alimentos. Além disso, também pode ser usada na obtenção de produtos de maior valor agregado, como: combustíveis líquidos (diesel, gasolina, etanol e metanol), sólidos (resíduo sólido carbonoso) e gasosos (gás combustível, gás de síntese e hidrogênio). Outra vantagem é a possibilidade de construção de unidades geradoras de energia em pequena e média escala, facilitando a logística e reduzindo custos de transporte, proporcionando acesso à energia em comunidades mais remotas e reduzindo a dependência de fontes cuja geração ou rota de conversão esteja atrelada a mega estruturas como refinarias e usinas hidroelétricas. Foto: Rosana Higa
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A versão que está sendo desenvolvida atualmente do projeto “Florestas Energéticas” é composta por cinco projetos componentes (PC) com desafios que ainda existem e precisam ser enfrentados.
Foto: Goreti Braga
PC1 e PC2: Concluir os estudos da rede experimental, incluir novas espécies florestais ao sistema produtivo, desenvolver sistemas integrados de produção com a agricultura e a pecuária e gerar tecnologias para aproveitamento de áreas alteradas no país, em bases sustentáveis, visando à expansão de plantios florestais no País. PC3: Avançar nos estudos sobre qualificação da madeira e suas aplicações como lenha e carvão vegetal, levando-se em conta os aspectos tecnológicos dos processos, definição de um sistema de classificação energética da madeira e coprodutos; desenvolvimento de equipamentos para cocção e para pequena indústria; identificação da origem da madeira para produção de carvão vegetal e aproveitamento dos gases da carbonização. PC4: Propõe desenvolver e avaliar novas rotas tecnológicas para conversão da madeira em energia por meio dos processos de pirólise e de gaseificação; da produção de etanol celulósico, utilizando madeira e resíduo da indústria de papel e celulose e a viabilidade de obtenção de H2 por gaseificação de biomassa por água supercrítica, integrada com geração termoelétrica.
Foto: Vivian Chies
PC5: A expectativa é avaliar a cadeia produtiva do carvão vegetal nos principais polos de produção, realizar diagnóstico social, econômico e ambiental e avaliar o Ciclo de Vida dos Sistemas de Produção Florestal (SPF), além de propor a inserção da cadeia produtiva das florestas energéticas na economia nacional.
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Foto:José Dílcio
CARVÃO VEGETAL:
DE PROBLEMA A SOLUÇÃO SOB HOLOFOTES NEGATIVOS POR CASOS DE PRODUÇÃO EM CONDIÇÕES INADEQUADAS, BIOCOMBUSTÍVEL PODE CONFERIR SUSTENTABILIDADE À PRODUÇÃO DE AÇO Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia, e Katia Pichelli, jornalista da Embrapa Florestas 10
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do e há espaço para crescer. Dos altos-fornos a carvão vegetal saem 25% a 30% do ferro-gusa nacional, de acordo com o documento “Siderurgia no Brasil 2010-2025”, do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE). Ou seja, ainda há 70% da produção baseada em carvão mineral que pode ser pelo menos parcialmente substituído pelo vegetal. Isso sem contar que o Brasil possui a quinta maior reserva de minério de ferro no mundo, que se destaca pela pureza em termos de ferro contido.
A aplicação mais significativa do carvão vegetal está na indústria siderúrgica, que o utiliza ao mesmo tempo como fonte de calor e agente para a redução do minério de ferro a ferro-gusa, principal matéria-prima do aço. Justamente por empregar o carvão vegetal em boa parte da produção, substituindo o combustível mineral, o aço brasileiro produzido nessas condições pode ser chamado de aço-verde.
Além de ser um insumo renovável, o carvão vegetal é isento de enxofre, elemento que, na forma de dióxido, é um dos gases mais poluentes, responsável pela ocorrência de chuva ácida. “A composição do carvão mineral é muito mais complexa e tem elementos químicos muito mais variados e com capacidade poluente maior do que tem na madeira”, comenta o professor da Universidade de Brasília, Waldir Quirino.
A indústria siderúrgica é, atualmente, o destino de cerca de 90% do carvão vegetal. A experiência brasileira em utilizar o produto de origem renovável na cadeia produtiva é única no mun-
Contudo, o carvão vegetal tem tido seu caráter sustentável ofuscado pelas condições em que muitas vezes é produzido, empregando mão de obra sem atender às leis trabalhistas,
Foto: José Dílcio Rocha
nquanto o restante do globo substituiu o carvão vegetal pelo carvão mineral e outras fontes não renováveis de energia, o Brasil se destaca como maior produtor desse biocombustível. Ele é um dos responsáveis por manter a matriz energética brasileira quase 50% renovável, enquanto no resto do globo a média fica em torno dos 13%. Hidroeletricidade, geração de energia a partir da cana-de-açúcar e derivados, bem com da madeira, são outros fatores de peso nesse resultado favorável.
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matéria-prima de origem desconhecida e até ilegal, além de processos com baixa tecnologia. Nesse último quesito, chama a atenção o aproveitamento quase zero dos gases e da água que sobram da carbonização.
Para cada tonelada de madeira carbonizada são obtidos aproximadamente 400 kg de carvão vegetal e 600 kg de gases e água, calcula o professor José Otávio Brito, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP). O conjunto água e gases constituem o chamado licor pirolenhoso, que contém mais de 150 produtos químicos. Brito lamenta a baixíssima taxa de aproveitamento desse material. No contexto mundial, ele conta que, até meados do século passado, existia uma “química fina da fumaça da madeira”, que dava origem, por exemplo, a aromatizantes para a indústria alimentícia. “Essa tecnologia, lógico, não evoluiu, não foi inovada e sofreu abandono", analisa o professor. No Brasil, houve significativo interesse sobre tais produtos nos períodos das crises do preço do petróleo, durante a segunda metade do século passado, com iniciativas importantes de várias empresas do setor siderúrgico. Porém, não houve sequência nas iniciativas, por conta da acomodação que se observou nos
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Foto: José Dílcio Rocha
O carvão vegetal é obtido por um processo termoquímico, ou seja, a madeira é transformada por reações químicas que ocorrem em alta temperatura. A carbonização difere da combustão porque há muito pouco oxigênio disponível no forno, o que gera uma “queima incompleta”. As reações químicas, então, modificam a estrutura da biomassa, resultando no carvão, além de água e gases.
preços daquele energético fóssil. Apesar de incipiente, ainda em escala reduzida e em processos conduzidos por pequenos e médios produtores, tem sido dada atenção para a recuperação do licor pirolenhoso, visando a sua aplicação como insumo na agricultura. No âmbito dos grandes produtores de carvão vegetal para siderurgia, o interesse tem sido concentrado na combustão dos gases para a geração de calor/termoeletricidade, contudo, ainda em escala experimental. Um dos gases liberados em volume considerável na carbonização é o metano, cuja contribuição para o aquecimento global é reconhecida. No caso da produção de carvão vegetal no Brasil, ele representa cerca de 3% das emissões nacionais de gases de efeito estufa. Mas esse gás não precisa ser poluidor. A aplicação mais imediata pode ser a queima para a geração de energia. Na rede de pesquisa em florestas energéticas liberada pela Embrapa está em desenvolvimento um forno com tecnologia simples para que pequenos e médios produtores possam fazer o aproveitamento energético dos gases da carbonização. A tecnologia já se encontra disponível. O pesquisador da Embrapa Agroenergia José Dilcio Rocha diz que os métodos disponíveis para produção mais limpa de carvão vegetal são mais caros, sobretudo considerando-se os grandes volumes de produção. “Mas eles evitam emissões e aumentam a rentabilidade do setor porque recuperam outros produtos”, ressalva. “O carvão vegetal, se produzido com agregação de tecnologia, respeito às leis trabalhistas e biomassa de florestas plantadas certificadas, é um combustível fantástico”, conclui o pesquisador.
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Foto:Anna Leticia Pighinelli
BIO-ÓLEO:
ALTERNATIVA PARA EXTRAIR COMBUSTÍVEIS LÍQUIDOS E QUÍMICOS RENOVÁVEIS DO EUCALIPTO Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia
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uso de espécies brasileiras de eucalipto para a produção de bio-óleo é um dos principais temas de estudo da Embrapa Agroenergia envolvendo florestas energéticas. Os experimentos têm sido feitos nos Estados Unidos, por meio de uma parceria entre a instituição brasileira e o Servi-
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ço de Pesquisa do Departamento de Agricultura (ARS/USDA) daquele país. As investigações começaram em 2013, quando a analista Anna Leticia Pighinelli passou pouco mais de um ano com a equipe do pesquisador Akwasi Boateng, no Eastern Regional Research Center
(ERRC), caracterizando a biomassa e conduzindo testes em reator de escala piloto, utilizando o processo de pirólise térmica. Agora, em 2015, o pesquisador Emerson Leo Schultz, também da Embrapa Agroenergia, está trabalhando com a mesma equipe norte-americana em experimentos com a pirólise catalítica. Anna Leticia explica que a pirólise nada mais é do que a queima de biomassa ou resíduos agroindustriais na ausência de oxigênio. O bio-óleo é um dos principais produtos desse processo. Tem um aspecto viscoso e é constituído de uma mistura complexa de moléculas de diferentes tamanhos, derivada da despolimerização e fragmentação da celulose, hemicelulose e lignina - os três componentes principais da biomassa. Pode ser utilizado diretamente em caldeiras para gerar energia – com ajustes nos equipamentos e com o bio-óleo dentro de especificações técnicas pré-estabelecidas. Também pode ser convertido em produtos como gasolina, querosene de aviação e químicos de origem renovável. Para a conversão do bio-óleo nesses combustíveis mais nobres, contudo, é necessário isolar as frações mais nobres. Algumas delas podem ser aproveitadas como químicos, ou outros produtos de valor agregado. “As possibilidades de aproveitamento são enormes”, destaca a analista. Um dos desafios para o aproveitamento energético do bio-óleo é o alto teor de oxigênio, decorrência de ser um derivado da biomassa. Em cada 100 gramas de bio-óleo, há em torno de 30 a 40 gramas de oxigênio, o que diminui o poder calorífico quando comparado com os hidrocarbonetos do petróleo, além de ocasionar reações químicas que deterioram o produto durante o armazenamento. O oxigênio pode ser reduzido utilizando catalisadores na etapa de refino do bio-óleo ou durante o próprio processo de pirólise.
É justamente nesta última estratégia, a pirólise catalítica, que consiste o trabalho do pesquisador Emerson Léo Schultz no ARS/USDA. Ele explica que a adição de catalisadores visa a melhorar propriedades do bio-óleo, tais com acidez, estabilidade oxidativa e poder calorífico. Isso porque eles desencadeiam reações químicas responsáveis pela remoção do oxigênio da biomassa. Os principais catalisadores utilizados, atualmente, em estudos foram desenvolvidos para o processamento do petróleo, que tem composição química diferente da biomassa, com teor de oxigênio muito menor. “Na pirólise catalítica, o desafio é remover o oxigênio contido na biomassa, produzindo compostos de interesse como combustíveis ou produtos químicos”, diz o pesquisador. Ele conta que, embora muitos estudos já tenham sido feitos, ainda é preciso desenvolver novos catalisadores e começar a ampliar a escala dos testes, normalmente realizados em laboratório. “As zeólitas que foram desenvolvidas para o processamento do petróleo precisam de modificações, para promover as reações de deoxigenação e craqueamento dos vapores obtidos na pirólise, sem que haja diminuição do rendimento do bio-óleo e a desativação do catalisador pela formação de coque (carbono) na superfície do catalisador”, explica. No trabalho no ARS/USDA, previsto para durar um ano, Emerson vai justamente trabalhar com o aumento de escala, conduzindo experimentos também em um reator de leito fluidizado desenvolvido pela equipe do pesquisador Akwasi Boateng. Trata-se de um grupo de pesquisa com anos de dedicação ao tema nos Estados Unidos, país que, junto com a Europa, concentra o maior número de trabalhos desenvolvidos na área.
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ETANOL DÁ EM ÁRVORE? PODE DAR. PESQUISAS BUSCAM APRIMORAR PROCESSOS PARA OBTER O BIOCOMBUSTÍVEL DE ESPÉCIES FLORESTAIS Por: Vivian Chies, da Embrapa Agroenergia, e Katia Pichelli, jornalista da Embrapa Florestas
Foto: Ronal Rosa
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o Brasil, a produção de automóveis flex fuel supera a dos movidos a gasolina desde 2006. No entanto, nos postos de abastecimento da maior parte dos estados, o derivado de petróleo é preferido pelos motoristas pela relação custo-benefício mais favorável, considerando o rendimento. Normalmente, o etanol ganha a concorrência apenas nas regiões produtoras. A diversificação de matérias-primas é uma das alternativas para expandir os locais de produção do biocombustível e o volume obtido nas regiões em que já é produzido.
Bagaço e palha de cana, sorgo sacarino e milho são as primeiras biomassas que começam a ser inseridas na produção de etanol brasileiro, baseada hoje na cana-de-açúcar. Pesquisas estão investigando também outras fontes, entre elas, as espécies florestais. O Brasil possui uma das melhores tecnologias do mundo para cultivo e exploração de florestas plantadas de eucalipto. De acordo com a associação Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), elas ocupavam mais de 5 milhões de hectares no Brasil, em 2013. Se somarmos a área de pinus, outra espécie florestal importante no País, chega-se a 7 milhões de hectares com florestas plantadas.
Em 2010, a Embrapa Agroenergia conduziu experimentos com diferentes biomassas em um processo modelo de produção de etanol 2G. Foi justamente com o eucalipto que a equipe obteve os resultados menos satisfatórios no prétratamento. O processo modelo testado utilizava um método ácido. Um segundo trabalho, desta vez específico com madeira, conseguiu maior eficiência associando um pré-tratamento ácido a um básico. Mas, para a pesquisadora Silvia Belém, da Embrapa Agroenergia, as experiências mostraram que o pré-tratamento de madeira para produção de etanol precisa ser diferente do exigido para gramíneas.
De fato há uma concentração de florestas nas regiões Sudeste e Sul, mas a presença também é significativa nas demais regiões, o que coloca as espécies florestais entre as possibilidades de regionalização da produção de etanol. Ele poderia ser obtido não apenas a partir da madeira bruta, mas também dos diversos resíduos da silvicultura: cavacos, tocos, serragem, maravalhas etc.
A rede de pesquisa em florestas energéticas da Embrapa está investindo em dois processos de pré-tratamento: o químico, por via alcalina, e outro físico-químico, por explosão a vapor. Este último tem sido utilizado pelas primeiras usinas de etanol 2G no Brasil para o pré-tratamento de bagaço e palha de cana. Nessa tecnologia, a biomassa é colocada em um reator pressurizado com vapor d’água. Depois de um tempo sob alta temperatura e pressão, o reator é subitamente aberto e, com isso, a biomassa sofre uma expansão, que favorece a separação da lignina.
O desafio é extrair com eficiência os açúcares contidos na estrutura vegetal das árvores, para então encaminhá-los ao processo de fermentação que dá origem ao biocombustível. Neste caso, é chamado de etanol de segunda geração (2G), por utilizar material lignocelulósico. A primeira etapa desse processo que antecede a fermentação é o pré-tratamento. Para entender esse processo, é preciso saber que a parede vegetal é composta basicamente de três elementos ― lignina, celulose e hemicelulose ― e apenas os dois últimos contêm açúcar. Então, é necessário promover uma “desorganização” da estrutura celular e remoção da lignina. Nisso consiste o pré-tratamento. Depois dele, ocorre a hidrólise enzimática, momento em que as moléculas de celulose são “quebradas” sucessivamente até que se obtenha glicose e xilose.
Experimentos para identificar as condições ideais desse processo para o pré-tratamento da madeira estão sendo conduzidos na Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (USP), pela equipe do professor Flávio Teixeira da Silva. Os testes devem avaliar também a adição de reagentes e catalisadores, buscando as melhores condições para gerar um substrato apropriado para a hidrólise, além de resíduos passíveis de aproveitamento. Na Embrapa Florestas, os pesquisadores Cristiane Helm, Washington Magalhães e Patrícia Zanoni estão investindo na adaptação de tecnologias
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PRÉ-TRATAMENTO
ZOOM
1 Biomassa Compactada
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Biomassa Compactada
Biomassa Afrouxada
Solução Aquosa
Aquecimento Lignina
e no uso de resíduos da indústria de papel e celulose para a produção de etanol 2G. Está sendo testado um pré-tratamento alcalino baseado no mesmo princípio de deslignificação utilizado para obtenção de polpa de celulose, o processo Kraft. Ele consiste em um processo químico em que a biomassa passa por um tipo de cozimento com o chamado licor branco, que contém principalmente hidróxido de sódio e sulfeto de sódio. Além de estar consolidado, o processo Kraft conta com uma tecnologia eficiente de reciclo de produtos químicos: após extrair a lignina pelo cozimento, o licor branco torna-se licor negro. Este produto é queimado para geração de energia na indústria, transformando-se no licor verde que, então, passa por uma caustificação e pode novamente ser utilizado como licor branco. Os pesquisadores estão estudando tanto o uso do licor branco como o do licor verde para o prétratamento de madeira, visando à obtenção de
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Hemicelulose
Celulose
etanol 2G. Uma das perguntas que se quer responder é se podem ser utilizadas condições mais brandas no processo, já que não seria preciso obter uma polpa tão deslignificada quanto para a fabricação de papel. Com menor temperatura e pressão, por exemplo, seria possível reduzir custos, um dos desafios para que o etanol celulósico ganhe competitividade. Durante os testes, os pesquisadores estão avaliando quatro variedades de madeira, com duas idades de corte. Além de buscar as condições de processo com melhor relação custo / benefício, avaliam a geração de inibidores, que podem comprometer o rendimento nas etapas seguintes da rota de produção do etanol – a hidrólise enzimática e a fermentação. Os indicativos são de que o pré-tratamento alcalino gere menos inibidores do que a explosão a vapor. Também pensando na integração da indústria de celulose e papel à produção de etanol 2G, a Embrapa Florestas está avaliando a obtenção do biocombustível a partir de resíduos. O principal
HIDRÓLISE ENZIMÁTICA
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5a Lignina
Enzimas
Solução Aquosa
Infográfico: Mariana Brito / Embrapa
Filtração
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Biomassa Afrouxada
deles é o lodo do tratamento de efluentes da reciclagem de papel. Esse material contém fibras de celulose muito curtas, que não servem para a fabricação de papel, mas poderiam ser matéria-prima para o etanol. E com uma vantagem: pode-se dispensar a etapa do pré-tratamento, partindo direto para a hidrólise e a fermentação. “Ela seria uma celulose prontamente disponível para ser usada”, explica Patrícia. A conversão a etanol poderia ser uma solução para o descarte do lodo. Hoje, ele é disposto em aterros impermeabilizados. Além de gerar custos para as empresas, isso inviabiliza o uso dos terrenos, que se tornam improdutivos, conta Cristiane. Um problema para a geração de etanol a partir desse resíduo é a carga de substâncias inorgânicas: metais das tintas de impressão do material que foi reciclado e até mesmo insumos da própria fabricação do papel, como carbonato de cálcio, caulim e talco. Esses compostos comprometem o rendimento por dois motivos. Para começar, eles alteram o pH, dificultando o trabalho das
Hemicelulose + Glicose + Água
enzimas, substâncias responsáveis pela hidrólise. Além disso, os inorgânicos podem formar complexos com as enzimas, desativando-as. Os pesquisadores estão testando lodos com características diferentes. Um efluente da indústria de celulose, por exemplo, teria menos cargas inorgânicas do que os da reciclagem ou da fabricação de papel. Outra preocupação é com a destinação do resíduo que ainda sobra desse aproveitamento. Uma atividade no projeto de pesquisa lida justamente com essa questão. A ideia por trás do esforço de utilizar processos e produtos da fabricação de celulose e papel é integrar a produção de etanol a uma indústria já existente e consolidada, fortalecendo a lógica de biorrefinarias. Patrícia explica o porquê: “A produção de etanol a partir de madeira ainda é muito cara; acreditamos que só será viável dentro de um contexto muito bem estruturado de biorrefinarias”. Dentro dessa lógica, a empresa poderia diversificar seus produtos conforme o cenário atual de mercado.
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TAXI-BRANCO: ESPÉCIE FLORESTAL PARA ENERGIA NA AMAZÔNIA Por: Izabel Drulla Brandão, jornalista da Embrapa Amazônia Oriental
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o Norte do País, o taxi-branco (Tachigali vulgaris L. G. Silva & H. C. Lima) é o principal foco no âmbito do projeto “Florestas energéticas – produção e conversão sustentável de biomassa em energia”. É espécie nativa da Amazônia brasileira, com madeira de considerável poder calorífico e de capacidade para recuperar a condição produtiva do solo considerada excelente. Conhecido na região do cerrado brasileiro como “carvoeiro”, sua nomenclatura botânica até recentemente era Sclerolobium paniculatum Vogel. Os estudos da Embrapa com a espécie ocorrem atualmente no Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Roraima, tanto em áreas experimentais quanto em parceria com empresas. Entre estas estão o Grupo Amaggi, no Amazonas, e a Jari Celulose, Papel e Embalagens S/A, no Pará (onde estão sendo feitos testes de progênies, experimentos de adubação e de densidade, ensaios em viveiros e testes em campo). O principal resultado dessas pesquisas será estabelecer um protocolo para a produção em escala operacional e comercial do taxi-branco, cujo
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corte é estimado para um período de cinco a sete anos de idade, informa Delman de Almeida Gonçalves, pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental (Belém-PA), responsável pelo projeto na Região Norte. “Um dos nossos desafios é a produção de mudas de boa qualidade em tempo economicamente viável - 90 a 115 dias em fase de viveiro - para possibilitar que o ciclo de corte desta espécie seja feito de forma produtiva, no máximo, a cada sete anos. Questões como dormência, umidade, substrato e nutrição em viveiro, por exemplo, precisam ser definidas e/ou resolvidas”, afirma o pesquisador. A opção pelo taxi-branco como alternativa silvicultural energética aumenta a oferta de madeira para esse fim, ao mesmo tempo em que minimiza os efeitos do desmatamento na Amazônia. Sabe-se que as características tecnológicas, ecológicas e silviculturais da espécie fortalecem o próprio potencial para expansão em plantios energéticos na região e em outros biomas brasileiros. “Mesmo em condições de baixo nível tecnológico e de melhoramento genético, esta espécie
apresenta rápido crescimento, elevada produção de biomassa, e sua madeira, além de possuir boas características para uso energético, serve também para carpintaria, marcenaria, construção civil, embalagem, paisagismo e arborização”, comenta o pesquisador.
Poder calorífico Leguminosa arbórea de ocorrência ampla em áreas de transição entre o cerrado e a floresta, o taxi-branco também é recomendado para produção de álcool e coque. Estudos anteriores ao atual projeto já revelaram que a produção de carvão de taxi-branco, após oito anos de plantio, pode chegar a 140 metros cúbicos por hectare.
Documentos técnicos publicados pela Embrapa indicam que a espécie pode atingir de oito a 30 metros de altura e de 23 a 100 centímetros de DAP. Já as mudas, a contar da semeadura, alcançam o tamanho ideal para plantio (20 a 25 cm de altura) dentro de cinco a seis meses.
Foto: Delman Gonçalves
Com poder calorífico (7,6 kcal/kg) semelhante ao do eucalipto (espécie exótica), o nativo taxi-branco tem outras características vantajosas, além de crescer rápido e produzir muita biomassa. O pesquisador Delman Gonçalves cita algumas: alta sobrevivência, ocorrência em vários tipos de solos, boa forma, alto vigor das árvores e grande capacidade em recuperar solos antropizados (alterados pelo homem), neste caso tanto por sua alta capacidade de fixação de nitrogênio no solo quanto pela significativa deposição de biomassa de folhas e ramos que realiza no solo.
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GERAÇÃO DE HIDROGÊNIO POR GASEIFICAÇÃO DE BIOMASSA EM ÁGUA SUPERCRÍTICA INTEGRADA COM UNIDADE TERMOELÉTRICA
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◄ Rosa Conte possui graduação e mestrado em Física pela Universidade Estadual de Campinas e doutorado em Ciência e Engenharia dos Materiais pela Universidade Federal de São Carlos.
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Foto: arquivo pessoal
Foto: arquivo pessoal
Por: Rosa Ana Conte e Daltro Garcia Pinatti
◄ Daltro Pinatti é Engenheiro Civil
pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo. Concluiu o mestrado e doutorado em Física pela Rice University Houston Texas - USA.
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programa Integração Total das Energias Renováveis e Fósseis – ITERF - visando a um sistema energético limpo e sustentável baseia-se na geração de H 2 por gaseificação de biomassa em água supercrítica (H2-GBASC) de baixo custo (USD 3,00/kg H2 = USD 21,40/MBTU, PCI = 141,7 MJ/kg), sua utilização no hidrocraqueamento (HDC) e hidrotratamento (HDT) de petróleo, carvão mineral e outras aplicações (NH3, gases industriais, células a combustível, etc.). A figura abaixo mostra o fluxograma da H2-GBASC e o diagrama de fases pressão-temperatura da água para máxima
produção de H2 (100 kg H2/TBS), que opera com vaso de pressão (VP; 25 MPa, 700 °C) composto dos seguintes componentes: • Anel de concreto de alto desempenho (CAD) protendido com cabo de aço; • Isolamento térmico com concreto refratário revestido internamente com uma casca corrugada de titânio para conter a água supercrítica (ASC) e resistir à corrosão. Dentro do vaso de pressão é instalado o reator de ASC, recuperador de calor entre a água de alimentação e a saída de água/H2/CO2 e o préaquecedor da lama de biomassa esfriando
PA 3 Estudo de viabilidade da obtenção de H2 por gaseificação de biomassa por água supercrítica, integrada com geração termoelétrica (H2-GBASC/UTE)
Fluxograma da H2-GBASC e diagrama p-T da água
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ART O IG
a saída da salmoura (na ASC os orgânicos são decompostos em 30 s e os inorgânicos são cristalizados e drenados na forma de salmoura para um ‘spray dryer’ – SD). A ASC a 700°C é fornecida por uma caldeira e parte da água de alimentação da H2-GBASC (25 MPa, 510 °C) vai para o turbogerador de alta e baixa pressão com reaquecimento. A água/H2/CO2 que sai do VP é expandida de 25 MPa para 12,5 MPa numa válvula de expansão (V1), para o separador gás líquido (SGL1), liberando apenas H2 que, após lavagem e/ou purificação por ‘pressure swing adsorption’ (PSA), vai para o H2-duto para estocagem e consumo. Fora da ponta de consumo elétrico (das 21:00 às 18:00 h do dia seguinte) a água/ CO2 é estocada em tanques pressurizados (TP) e na ponta (das 18:00 à 1:00 h), é expandido na TURBINA Pelton hidráulica (PTH) indo para uma piscina (PIS) à pressão atmosférica e liberando o CO2. Os TPs são similares ao VP (fabricação padronizada) e formam as paredes da piscina. A figura na página ao lado mostra o layout da planta de demonstração (PD). A água da unidade termoelétrica (UTE) é pré-aquecida a 4 MPa, 250 °C nos coletores parabólicos térmicos solares (CPTS) instalados como cobertura da PD e dos imóveis industriais, comerciais ou residenciais próximos. Ar ou gás de combustão (GC) é comprimido e aquecido em CPTS adicionais para secagem da biomassa da UTE. Esta é feita em silo-torre (ST, ∅ = 7,1 m, H = 100 m), cumprindo as seguintes funções: • Secagem de 35 % até 12 % de umidade com ar ou GC aquecido pelo CPTS nos 40 m inferiores do silo; • Pré-secagem de 50 % para 35 % de umidade pelo GC nos 40 m intermediários; • Filtro de mangas (FM) e dessulfuração (DGC) nos últimos 20 m;
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• Turbina eólica (TE) no topo do silo-torre em regiões com potencial eólico, ou outras aplicações (antena de celulares, etc.); • Instalações complementares de tubulações, moega de basculamentos (MB) das carretas com elevador de canecas (EC) de biomassa, roscas transportadoras (RT), e outras. Um segundo conjunto de MB, EC, RT e silo de biomassa limpa (SBL) é instalado para o cavaco de tronco de eucalipto descascado (padrão cavaco limpo de celulose) para ser moído (MBL) e formar a lama de 5% BS que é bombeada para a H2-GBASC. O condensador do turbogerador (TG) é refrigerado por uma torre de refrigeração (TR) ao ar com gotejamento de água tratada coletada no compressor do GC e também água da chuva. A PD tem três salas de controle com suas subestações elétricas: térmica, hidráulica e eólica. As capacidades da PD são: UTE = 30 MWe; hidráulica = 6,7 MWe durante as 3 horas na ponta; eólica = 7,5 MWe máximo e 1300 kg H2/h. Considerando os diferentes fatores de carga e 8760 h/ano, os faturamentos serão: Energia elétrica = (30 MWe x 80% + 6,7 MWe x 12,5% + 7,5 MWe x 35%) x 8760 h/ano x USD 80.00/MWh = USD 19,245,720/ano e Hidrogênio = 1300 kg H2/h x 8760 h/ano x 80% = USD 27,331,200/ano. O consumo de biomassa é de 8,54 kg/s (215.454 TBS/ano) na UTE e 3,61 kg/s (91.076 TBS/ano) na H2-GBASC, totalizando 306.530 TBS/ano (7663 ha de floresta energética de curta rotação de 40 TBS/ha.ano), resultando numa taxa de geração de riqueza de USD 5495.00/ha.ano. A taxa de geração de riqueza teórica do H2 é de 40 TBS/ha.ano x 100 kg H 2 /TBS x USD 3.00/kg H2 = USD 12,000/ha.ano. Este valor viabiliza a economia, a intermitência da energia elétrica da biomassa, solar, eólica e a estocagem de energia.
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Lay out da planta de demonstração da H2-GBASC/UTE
PROJETO UTILIZA GEOTECNOLOGIAS PARA ESTIMAR ESTOQUE DE CARBONO EM PLANTIOS FLORESTAIS Por: Graziella Galinari, da Embrapa Monitoramento por Satélite
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magens de satélite e sistemas de informação geográfica são fontes importantes de informação para amparar políticas públicas de ampliação da matriz energética nacional de forma sustentável. A Embrapa vem investindo no desenvolvimento de métodos baseados em geotecnologias para estimar a biomassa e o estoque de carbono de florestas naturais e plantadas. Pesquisadores estão aprimorando protocolos de mapeamento com custo inferior aos tradicionais em diferentes biomas. A iniciativa é liderada pela Embrapa Monitoramento por Satélite e integra a rede de pesquisa Saltus, criada pela Empresa com o objetivo de avançar no conhecimento sobre a dinâmica da emissão de gases de efeito estufa e dos estoques de carbono das florestas brasileiras. Entre outras metas da rede está a de avançar no uso de téc-
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nicas de sensoriamento remoto para produzir estimativas de emissões e remoções de gases de efeito estufa gerados pela atividade florestal no Brasil, apoiando a formulação de políticas públicas para implementação de sistemas de produção voltados à agricultura de baixo carbono. De acordo com o pesquisador Édson Bolfe, o uso de imagens de satélite e sistemas de informação geográfica na estimativa do carbono florestal se apresenta como uma importante estratégia, em função do tempo menor que é requerido para este trabalho e a possibilidade de extrapolar características obtidas em inventários locais para grandes extensões. “Essa iniciativa deve ter ainda impactos na governança com a geração de uma base de dados sobre os gases de efeito estufa e estoque de
Imagem: Embrapa, GeoEye
carbono de forma espacialmente explícita, subsidiando tomadas de decisões governamentais e políticas públicas de desenvolvimento sustentável”, completa. Um dos objetivos principais do projeto é sistematizar um banco de dados geográfico com as emissões de gases de efeito estufa e o estoque de carbono das florestas das áreas de estudo nos biomas Cerrado, transição Cerrado/Amazônia, Pantanal, Mata Atlântica e Pampa. Dentre os resultados alcançados pelo projeto, está a classificação digital das diferentes formações florestais das áreas de estudo, utilizando-se de imagens de satélite de alta resolução espacial. O sensoriamento remoto é uma excelente ferramenta para auxiliar na tomada de decisão visando à melhoria dos sistemas produtivos. Além do monitoramento da cobertura vegetal, as geotecnologias ajudam na avaliação de parâmetros como biomassa, carbono e demanda de água e possibilitam associar essas informações com análises de fertilidade do solo, compactação, clima, relevo, entre outros. Um dos produtos desenvolvidos no âmbito do projeto é o WebGIS GeoSaltus (http://mapas. cnpm.embrapa.br/geosaltus/). O sistema tem como proposta reunir informações geradas pela rede Saltus e outras bases de dados geoespaciais provenientes de diferentes fontes, como informações sobre relevo, hidrografia, logística e potencial agrícola. Com interface web de visualização e consultas dinâmicas, o usuário é capaz de interagir com diferentes planos de informação. A primeira fase de desenvolvimento do sistema já permite fazer diferentes análises visuais e métricas que apoiam a gestão do projeto. Nas próximas etapas, serão inseridos outros planos de informações resultantes das análises feitas em relação à biomassa e ao carbono florestal.
Geoinformação apoia a tomada de decisão O avanço das tecnologias da informação, o número crescente de satélites e sensores e a ampliação da capacidade de processamento e armazenamento de dados e informações geoespaciais contribuíram para a popularização das geotecnologias e da geoinformação. Hoje elas oferecem um gama enorme de aplicações, tanto na agricultura e pecuária, quanto no setor florestal. Além de mapear as áreas de floresta plantada e natural, a geotecnologia pode ser utilizada para avaliar as condições de sanidade da vegetação, apoiando a identificação e o controle de pragas, a deficiência de nutrientes e o desenvolvimento dos plantios florestais a partir de taxas de crescimento e estimativas de produção, incluindo o volume de madeira produzido. O planejamento e gerenciamento também podem ser beneficiados, considerando por exemplo o plantio em locais planos ou acidentados, as operações de corte e reforma de talhões e a definição de áreas de reserva legal e de preservação permanente nas propriedades. As geotecnologias também contribuem para cálculos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), mensurando biomassa e carbono da cobertura vegetal das florestas em termos econômicos, que podem ser comercializados na forma de créditos no mercado internacional.
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Foto: Rodolfo Buhrrer
SOFTWARES SIMULAM MANEJO DE PRECISÃO PARA PLANTIOS FLORESTAIS Por: Katia Pichelli, jornalista da Embrapa Florestas
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nteressados em plantios florestais com fins econômicos têm agora acesso gratuito a softwares de manejo de precisão e análise econômica de florestas plantadas, com modelagem de crescimento e produção. Desenvolvidos desde a década de 1980 pela Embrapa Florestas (PR), e em uso por mais de 300 empresas, as versões básicas da Família SIS estão disponíveis para acesso no Portal da Embrapa. “O aumento do interesse por plantios florestais por pequenos e médios produtores rurais e também a universalização da base de dados que constituem os sistemas, já amplamente testados e validados, possibilitaram que tomássemos essa iniciativa”, explica o pesquisador Edilson Batista de Oliveira, da Embrapa Florestas, responsável pelo desenvolvimento dos sistemas.
quer idade, além de também simular desbastes e testar qualquer regime de manejo que se deseja aplicar nos povoamentos. À medida que um plantio florestal cresce, aumenta a competição entre suas árvores por água, luz e nutrientes. Por esse motivo, é recomendada a realização do manejo florestal utilizando desbastes com o objetivo de reduzir o excesso de competição e antecipar alguma renda ao produtor. O manejo florestal envolve desbastes de diferentes tipos, intensidades e épocas, e variações na idade do corte final das árvores. O mais comum é remover aquelas de qualidade inferior (dominadas, bifurcadas, tortas e doentes). Quando a competição ocorre de forma mais intensa,
Para operacionalizar os simuladores, o usuário fornece os dados de inventário da floresta e os softwares preveem o crescimento das árvores e a produção, indicando a quantidade de madeira que a floresta produz, em qual-
Foto: Karina Pulrolnik
Os softwares da Família SIS são simuladores para manejo, análise econômica, modelagem e de crescimento e produção de florestas plantadas utilizados para auxiliar no planejamento dos desbates (colheitas parciais, retirando-se linhas e/ou árvores selecionadas). “Os usuários podem utilizar os softwares para testar todas as opções de manejo da floresta para cada condição de clima e solo, fazer prognose de produções presente e futura, efetuar análises econômicas e, depois, levar para o campo apenas a melhor alternativa”, orienta o pesquisador. Usuários que quiserem versões aprimoradas específicas para suas realidades ainda vão poder contar com o trabalho de adaptação dos softwares via comercialização, mas a ideia é tornar acessíveis essas ferramentas, em seu nível básico, ao maior número de usuários possível.
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novos desbastes devem ser realizados, preservando as árvores de melhor qualidade. Os desbastes variam por causa de fatores como: objetivo industrial da produção (papel, celulose, madeira, energia), qualidade do local (solo, clima), material genético, espaçamento e densidade. “Basta que apenas um desses fatores seja alterado para que o regime ideal de manejo seja diferente”, explica o pesquisador.
Família SIS
Foto: Karina Pulrolnik
Os softwares são denominados por “SIS”, seguidos pelo nome popular do gênero ou espécie contemplada: SisEucalipto (Eucalyptus grandis, E. urograndis e E. dunnii); SisPinus (Pinus caribaea, P. elliottii e P. taeda); SisTeca (Tectona grandis); SisAcacia (Acacia mearnsii); SisAraucaria (Araucaria angustifolia); SisBracatinga (Mimosa scabrella) e SisCedro (Toona cilliatta - Cedro-australiano).
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Todos podem trabalhar associados ao Planin, um software que gera parâmetros para análise econômica da produção florestal. Ao incorporar essa questão, é possível uma visão conjunta de variáveis biológicas e econômicas, e isso permite uma configuração de cenários para o planejamento da produção florestal com otimização da produção madeireira e dos retornos financeiros. “Qualquer atividade hoje necessita conhecer melhor os fluxos de caixa, a sensibilidade do negócio, os custos envolvidos, entre outros. A atividade florestal, por ser de médio a longo prazo, precisa estar associada a esse tipo de planejamento, que é fundamental para o sucesso do negócio”, orienta Oliveira. Uma das empresas que utiliza os softwares é a Arauco do Brasil, que atualmente maneja cerca de 56 mil hectares de Eucalyptus e 80 mil hectares de Pinus utilizando os simuladores. Os plantios atendem a produção de 1,5 milhão de m3 de painéis de MDF e MDP por ano, que são painéis de madeira de média densidade muito
utilizados atualmente para movelaria. Segundo Roberto Trevisan, diretor florestal da empresa, “utilizamos os softwares como ferramenta auxiliar para simular a produção de plantios futuros e para avaliação de ativos biológicos segundo as normas internacionais de Contabilidade (IFRS). Também é útil na avaliação de ativos florestais ofertados para venda e nos quais a empresa vê interesse estratégico”. Associações de produtores e técnicos extensionistas também têm utilizado os sistemas. Um grupo de 30 extensionistas da Emater(PR), por exemplo, foi capacitado para usá-los em apoio a produtores rurais atendidos pelo órgão e que estão trabalhando com plantios florestais. Os softwares já são utilizados em outros países, como Argentina, Chile e Estados Unidos. Recentemente, produtores em Gana e Uganda passaram a utilizá-los, como parte da política da Embrapa de levar tecnologias que auxiliem esses países. Nos Estados Unidos, tradicional em plantio de pínus, John C. Welker, diretor de Serviços Internacionais da American Forest Management e codiretor de Gestão Florestal para a América
Latina, explica que a empresa usa o SisPinus para verificar e comparar projeções de rendimento e planejamento de colheita.
Manejo com base científica Uma ideia muito presente hoje no setor de base florestal é o manejo de precisão, que utiliza as bases da agricultura de precisão com a inclusão do uso das dimensões das árvores para descrever a variabilidade da floresta. Com isso, critérios para o manejo adequado são aprimorados, auxiliando na definição de tratos silviculturais em cada árvore (poda, desbaste imediato ou futuro, ou permanência até a colheita final), considerando fatores como as distribuições de diâmetro e a altura de todas as árvores, sua qualidade, ocupação do dossel e área da copa. Há 20 anos, quando os softwares começaram a ser desenvolvidos, essa ideia ainda não era difundida, mas já era certo que florestas conduzidas sem base científica levam a um grande desperdício de recursos econômicos e ambientais. O primeiro passo para construção dos simuladores foi o acesso às bases de dados dos inventários florestais de empresas. “A participação das empresas florestais tem sido fundamental para a validação e atualização constante dos sistemas”, explica o pesquisador da Embrapa Florestas. Segundo dados da Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ), que congrega o setor de base florestal brasileiro, o País possui hoje 7,74 milhões de hectares de plantios florestais com fins produtivos, sendo 71,9% com eucalipto, 20,5% com pínus e o restante com acácia, teca, seringueira e paricá. “A Família SIS hoje atende 98% dos plantios florestais brasileiros, incluindo espécies nativas, tais como araucária e bracatinga”, comemora Oliveira.
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ENERGIA DA SILVICULTURA PESQUISAS BUSCAM TECNOLOGIA PARA CULTIVO EM NOVAS REGIÕES, REDUZINDO A PRESSÃO SOBRE AS MATAS NATIVAS
Foto: Rosana Higa
Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia
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mbora a produção florestal advinda de plantações de espécies arbóreas de rápido crescimento seja uma atividade consolidada no Brasil, com produção eficiente de biomassa, a pesquisa continua trabalhando no melhoramento genético, no aperfeiçoamento de sistemas de produção e na busca de novas espécies fornecedoras de madeira para diversos fins. Não seria diferente no mercado de agroenergia. Por isso, a rede de pesquisa em Florestas Energéticas da Embrapa tem como um de seus projetos componentes o desenvolvimento de germoplasmas para ampliação da participação de espécies florestais na matriz energética brasileira. Além dos
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eucaliptos, que são originários da Oceania, estão em estudo espécies da nossa flora nativa com potencial para uso energético, com ênfase no taxi branco e no mulateiro para formação de plantios na região Norte do País. O pesquisador Paulo Eduardo Telles dos Santos, da Embrapa Florestas, explica que a necessidade maior é disponibilizar germoplasmas e sistemas de manejo adaptados para as novas fronteiras da silvicultura, a exemplo de áreas nos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Tocantins e Piauí. “Um dos maiores desafios é adaptar o eucalipto para a região do semiárido”, afirma Santos.
Entre as áreas que apresentam essa condição climática, as atenções estão voltadas para a Chapada do Araripe, onde o polo gesseiro tem exercido pressão sobre a vegetação nativa da caatinga. Daí a necessidade da introdução de florestas plantadas para fornecer alternativa de madeira à região de onde sai 95% do gesso utilizado no País. Os resultados iniciais indicam que o eucalipto pode gerar entre 20 e 25m³ de lenha por hectare naquele local. Isso é menos do que o obtido nas regiões Sul e Sudeste do Brasil, por exemplo, consideradas tradicionais no cultivo do eucalipto e onde as condições climáticas são mais favoráveis. O desenvolvimento de cultivares e sistemas produtivos adaptados à caatinga, contudo, pode elevar gradativamente os patamares de produtividade. Espécies florestais já são fonte de energia renovável importante no Brasil: a madeira, especialmente na forma de lenha e carvão, responde por cerca de 10% da matriz energética, à frente da geração eólica e da solar. A alta produtividade é o primeiro ponto a favor das florestas plantadas. Mas Santos aponta outras vantagens. Do ponto de vista ambiental, têm alta capacidade de sequestro de carbono e são mais eficientes na proteção do solo contra erosão. Além disso, permitem ao produtor controle de época de colheita, podendo decidir postergar o corte por razões mercadológicas ou outros fatores. Tal como qualquer outro produto do campo, dependendo do mercado a que se destina, diferentes características são desejadas. Para ser uma fonte de energia eficiente, alta densidade e bom poder calorífico são diferenciais dos materiais indicados para plantio. “Quando se combina a produtividade florestal com a densidade básica e o poder calorífico, consegue-se uma variável que é a produtividade energética”, explica Santos.
Essas são questões relacionadas aos usos energéticos tradicionais da madeira – lenha e carvão vegetal. Há que se pensar também nas aplicações com maior valor agregado, como o bio-óleo e o etanol. “Quais seriam as particularidades dos germoplasmas e dos sistemas de produção para esses usos específicos denominados produtos energéticos de alto valor agregado?”. Essa é uma indagação feita pelo pesquisador da Embrapa Florestas cujos trabalhos conduzidos na rede de pesquisa estão empenhados em responder. Outros problemas a solucionar, cenários a se adaptar e características a melhorar não são exclusivos das florestas destinadas à energia, mas desafios que se impõem à silvicultura e até à produção agrícola nacional. Mudanças climáticas certamente constituem um deles. “Agentes biológicos que causam doenças à cultura do eucalipto ou que utilizam partes das plantas como alimento, como é o caso dos insetos, por exemplo, podem ser favorecidos com essa questão das mudanças climáticas”, explica. Nas regiões climaticamente mais críticas para o cultivo de eucalipto e de outras espécies, um alvo da pesquisa é estabelecer condições para a produção de sementes de alta qualidade. A propagação clonal, que é o método mais almejado para multiplicação de mudas, confere uniformidade à plantação florestal, mas a deixa muito suscetível a perdas de produção por doenças ou estresses abióticos (seca, calor, frio etc), já que não há nenhuma diferença genética entre as plantas. A propagação por sementes bem controlada continuará sendo uma alternativa tecnicamente atrativa para determinadas condições, possibilitando manter não só a uniformidade mínima necessária para o bom manejo das áreas de plantio, mas estabelecendo uma pequena variação genética que reduziria eventuais impactos de doenças ou outros fatores indesejados.
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SELEÇÃO GENÔMICA AMPLA VEM ACELERAR O CICLO DE MELHORAMENTO GENÉTICO DE EUCALIPTO TÉCNICA TRAZ INOVAÇÃO AO SETOR DE BASE FLORESTAL Por: Katia Pichelli, jornalista da Embrapa Florestas
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ma das principais fontes de inovação no setor florestal é o melhoramento genético, um elemento-chave para a manutenção da competitividade do setor. Por isso, o investimento em pesquisas neste campo é condição básica para sua evolução e, atualmente, a seleção genômica ampla (SGA) pode ser considerada um novo paradigma para este setor. Segundo o pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, Dario Grattapaglia, "podemos reduzir o ciclo do melhoramento de 12 a 15 anos para perto de 6 anos. Isso representa um enorme avanço". A SGA se baseia na premissa de que todo o genoma atua na definição das características 34
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de interesse do melhoramento e se baseia na análise simultânea de milhares de marcadores moleculares, capturando todos os efeitos gênicos. "Existe uma premissa equivocada, e de certa forma ingênua, porém ainda comum em alguns círculos científicos, de pensar que um ou poucos genes podem ser responsáveis por grandes efeitos sobre os fenótipos complexos como crescimento, tolerância à seca, qualidade da madeira e outros. As evidências experimentais vêm se acumulando de uma forma muito consistente nos últimos 10 a 15 anos em dezenas de espécies de plantas, não apenas florestais, de que fenótipos complexos são na verdade controlados por centenas a milhares de genes e de segmentos de DNA reguladores, distribuídos
Foto: Luiz Costa
por todo o genoma, cada um com um pequeno efeito, e as múltiplas interações entre eles e com o ambiente", explica. A capacidade de alterar ou predizer fenótipos complexos com base em genes individuais é uma ideia atraente, mas, infelizmente, improvável pela própria natureza evolutiva destas características. Com a abordagem da SGA, é possível desenvolver modelos estatísticos preditivos que levam em consideração todos os milhares de efeitos do genoma e assim quantificar não só a acurácia preditiva, mas também a incerteza associada com a predição. Ou seja, uma abordagem inovadora porém com os pés no chão. Estes modelos permitem a prática da seleção precoce, analisando os marcadores de DNA nas mudas ainda no viveiro, e assim identificar os indivíduos superiores ainda nesta fase, levando-os a campo para a validação em testes clonais, conseguindo desta forma ganhar muito tempo no processo de seleção. Os impactos da SGA são, portanto, o ganho de tempo e precisão da seleção de características
difíceis ou caras de serem mensuradas, e uma redução no número de árvores que são levadas para os testes de campo resultando no desenvolvimento mais rápido de novas variedades clonais de eucalipto. Outro ganho é a possibilidade de seleção para diversas características de interesse, como forma, casca, produtividade, qualidade da madeira, resistência a doenças, entre outros. As pesquisas também têm sido realizadas com coníferas, com destaque para o pínus. Toda a pesquisa da SGA na área florestal tem sido realizada em parceria com diversas empresas da base florestal desde 2008, com vários testes e validações em campo e publicações científicas demonstrando experimentalmente o sucesso da metodologia. A técnica tem avançado em especial com o desenvolvimento de plataformas inéditas de análise genômica de alto desempenho construídas pela Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia a partir do sequenciamento completo do genoma do eucalipto realizado por pesquisadores de diversos países, liderados pelo Brasil, África do Sul e Estados Unidos e publicado na revista Nature, em 2014. Agroenergia em Revista
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MANEJO DO EUCALIPTO AUXILIA A REGENERAÇÃO DE FLORESTAS NATIVAS Por: Graziella Galinari e Alan Rodrigues dos Santos, da Embrapa Monitoramento por Satélite
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lantios comerciais de eucalipto podem contribuir com a conservação da biodiversidade e exercer importante papel de indutor da recomposição de florestas nativas. A necessidade de atender a demandas legais e de sustentabilidade tem levado empresas do setor florestal a investir em medidas para recomposição da vegetação nativa em áreas selecionadas da propriedade, anteriormente ocupadas por talhões de eucalipto. Estudos mostram que no interior dos eucaliptais é possível encontrar uma diversidade considerável de espécies de árvores. Se manejadas cor-
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retamente, essas áreas podem se transformar em novos fragmentos florestais, destinados, por exemplo, à formação de Reserva Legal ou de Áreas de Preservação Permanente. “As empresas estão sempre interessadas em pesquisas que orientem sobre um manejo mais adequado, que favoreça a regeneração da vegetação em áreas de interesse”, afirma o pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite Carlos Cesar Ronquim. Ele coordenou um estudo em uma propriedade da empresa de papel e celulose International Paper do Brasil, em Bro-
tas (SP), onde foi analisado, ao longo de quatro anos, o potencial dos sub-bosques, vegetação de pequeno porte abaixo da copa dos plantios, na recomposição florestal nativa. A pesquisa foi realizada em parceria com a Universidade Federal de São Carlos.
O estudo mostrou, ainda, que a maioria das espécies que germinaram era de arbustos e árvores que surgiram e cresceram em condições de sombra dos eucaliptais e apresentavam características de dispersão por animais, como aves e morcegos ou animais silvestres. Por meio do levantamento da fauna, a equipe do projeto identificou 61 espécies presentes nas plantações de eucalipto e nos remanescentes florestais do entorno. Outro fator observado foi a idade de corte dos talhões de eucalipto. “O atraso na colheita, ultrapassando o prazo de sete anos, pode possibilitar a presença ainda maior de plantas e espécies diferentes, aumentando as chances de sucesso na formação da vegetação quando a área for aberta”.
Foto: Alcides Okubo
A propriedade foi monitorada em visitas e por meio da utilização de imagens de satélite e sistemas de informações geográficas (SIG), que possibilitaram a espacialização das áreas e forneceram subsídios para o planejamento ambiental. A pesquisa verificou a presença de espécies nativas no interior do plantio e, após o corte, testou a influência de diferentes tipos de manejo. Concluiu-se que a recomposição de vegetação nativa por meio da regeneração natural, sem utilização de insumos químicos, traz resultados satisfatórios. “Depois do corte do eucalipto, muitas espécies arbóreas ou arbustivas se desenvolveram naturalmente, sem manejo, contribuindo para a minimização de custos e favorecendo a sustentabilidade ambiental, sem o lançamento de substâncias poluentes no ambiente”, explica o pesquisador.
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ENERGIA RENOVÁVEL A PARTIR DE EUCALIPTO GANHA FORÇA EM DIFERENTES REGIÕES DO BRASIL
Foto: Lourival Vilela
Por: Daniela Collares, jornalista da Embrapa Agroenergia, com colaboração de Stephane Paula, estagiária
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onte de lenha para gerar calor e energia há séculos, as árvores podem também dar origem a outros combustíveis. As folhas, cascas, galhos e finos do eucalipto, considerados resíduos florestais derivados da produção de celulose ou papel, podem ser usados na cogeração de energia elétrica, pois, assim como o etanol e o biodiesel, o carvão vegetal também é um produto energético renovável. Dentro do tema florestas, a Embrapa vem trabalhando em pesquisas com projetos dentro do sistema de Integração Lavoura, Pecuária e Florestas - ILPF, cujo objetivo é implantar princípios de integração envolvendo produção de grãos, fibras, madeira, energia, leite ou carne na mesma área. O sistema funciona basicamente com o plantio de culturas agrícolas anuais ― arroz, feijão, milho, soja, sorgo ― e de árvores, associadas a espécies forrageiras como braquiária ou panicum. Há várias possibilidades de combinação entre os componentes agrícola, pecuário e florestal, considerando espaço e tempo disponível, resultando em diferentes sistemas integrados, como lavoura-pecuária-floresta (ILPF), lavoura-pecuária (ILP), silvipastoril (SSP) ou agroflorestais (SAF). Com foco na parte de energia sustentável, a prioridade é a aplicação dos ensaios desenvolvidos dentro do projeto, como os que já estão sendo feitos no estado do Pará, acompanhados pela Embrapa Amazônia Oriental, feitos com a castanheira e a andiroba. Ambas, segundo o pesquisador da Embrapa Florestas, Jorge Ribaski, são espécies que possuem crescimento lento e são utilizadas principalmente em serraria. O pesquisador diz que existe também, dentro desse mesmo arranjo, o taxi-branco. “Nossa ideia principal é recuperar áreas degradadas. Dessa forma, o taxi-branco entra no sistema para ser cortado em torno de 6 a 7 anos para energia e as outras continuam se desenvolvendo para essa mesma finalidade". →
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Expansão do sistema e experimentos de ILPF De acordo com Ribaski, os projetos dentro do ILPF buscam regiões que ainda não possuem tradição em florestas plantadas, como o Nordeste, Norte e Centro-Oeste. Nesses lugares, estão sendo desenvolvidos protocolos silviculturais para estabelecer plantios com materiais de qualidade. Entre as ações, estão os ensaios feitos em florestas energéticas na primeira fase do projeto “Florestas Energéticas”, liderado pelo pesquisador Antônio Belotte, da Embrapa Florestas, testando principalmente o material genético do eucalipto. “A ideia é recuperar áreas degradadas, usando um sistema que se diz ‘energético-madereiro’”, salientou Ribaski. No Mato Grosso, existe Urophylla floridiana, espécie excelente para geração de energia. Por isso, também já há testes voltados para espaçamento e adubação, visando ao desenvolvimento de um protocolo silvicultural para essa espécie, nesses locais.
Foto: Fabiano Bastos
O projeto possui cinco planos de ação, sendo um voltado para ações técnicas, e os demais para desenvolver sistemas integrados em cada uma das cinco regiões brasileiras.
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Cada uma apresenta elementos diferentes que podem favorecer a geração de energia a partir do eucalipto ou pinus, pois apresentam arquiteturas diferentes. O eucalipto, por exemplo, possui uma série de vantagens que o diferencia das demais espécies florestais. Mesmo assim, nos estados do Paraná e de Santa Catarina, prevalece o plantio do pinus. “No Rio Grande do Sul, em uma parceria com as unidades da Embrapa Clima Temperado (Pelotas) e Pecuária Sul (Bagé) e a Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária – Fepagro, temos experimentos implantados em solos altamente suscetíveis à erosão que não são adequados para a agricultura e que predomina a pecuária extensiva” diz Ribaski. Todas essas ações buscam cada vez mais quebrar as barreiras ainda existentes em relação à implantação desse Sistema, promovendo o desenvolvimento de tecnologias destinadas ao aumento da produção e qualidade da biomassa, em paralelo com a melhoria no processamento, transformação e aplicações dos produtos derivados da pecuária, agricultura e floresta.
Confira os documentários produzidos pela Embrapa em parceria com a Fundação John Deere, utilizando recursos do Governo Federal e Lei de Incentivo a Cultura. Na primeira obra (2011), cerca de 15 famílias de todo o Brasil, que trabalhavam com agricultura, foram acompanhadas no processo de adoção do sistema ILPF. Em 2014, a mesma equipe volta para retratar os resultados de três dessas famílias com o reflexo do sistema dentro de suas rotinas.
Assista os documentários
Patrocínio
Vida no Campo Realização
Cinco histórias Brasileiras
https://youtu.be/4BlI_iW_v60
https://youtu.be/xHCNxEkN8TQ
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ILPF:
ESCOLHA DE ESPÉCIE E MANEJO DE ÁRVORES SÃO ESSENCIAIS PARA QUALIDADE DA MADEIRA
Foto: Andre Dominghetti
Por: Kadijah Suleiman, jornalista da Embrapa Gado de Corte
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finalidade de uso da madeira que vai ser produzida, assim como o manejo das árvores, são aspectos essenciais a serem considerados durante o planejamento de um sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). Como explica o pesquisador da Embrapa Gado de Corte André Dominghetti Ferreira, a qualidade da madeira é influenciada por vários fatores e entre os principais estão: espécie arbórea, manejo silvicultural, desrama e desbaste. “Entre as características desejáveis das árvores a serem cultivadas em sistemas de ILPF, pode-se citar fuste alto, copa pouco densa, crescimento rápido, capacidade de fornecer nitrogênio e nutrientes à pastagem, adaptação ao ambiente e tolerância à seca, ausência de efeitos tóxicos sobre os animais, capacidade de fornecer sombra e abrigo, bem como controle da erosão”, diz André. O destaque para o eucalipto como componente arbóreo decorre de, apesar de ser uma espécie exótica, apresentar rápido crescimento e ser bem adaptada às condições de clima e solo do Brasil. “São mais de 600 espécies e nesses cerca de 80 anos de pesquisas no País, vários experimentos de melhoramento genético foram desenvolvidos dando origem a vários clones melhorados de acordo com a demanda”, acrescenta o pesquisador. Segundo ele, vários clones são indicados para produção de celulose ou carvão, por exemplo. Para ILPF, são usados clones que apresentam multiplicidade de uso e densidade da madeira intermediária, podendo ser utilizados para movéis, lenha, carvão ou outros produtos, dependendo da necessidade. Outras vantagens do eucalipto como componente arbóreo nos sistemas agroflorestais são: rápido crescimento e considerável produtividade de madeira, cultivo em elevado estágio tecnológico em algumas regiões brasileiras e potencial para capitalizar os sistemas agroflorestais, pois funciona como uma “poupança-verde”. “Apesar da vasta possibilidade de uso da madeira de eucalipto em ILPF, o agricultor deve dar ênfase às formas de uso mais nobres como postes, madeira serrada e laminados para a produção de móveis, obtendo assim maior lucratividade no sistema. Quanto mais nobre for o emprego da madeira, mais longo será o período para corte e maior será a complexidade do manejo a ser adotado”, informa o pesquisador. →
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Outras espécies No Brasil existem espécies nativas com boa qualidade de madeira, porém com crescimento mais lento que o apresentado pelo eucalipto. Enquanto com o eucalipto é possível retornar os animas para a área cerca de 12 a 14 meses após o plantio, com as nativas o prazo aumenta consideravelmente para entre 24 e 36 meses, ou mais dependendo da espécie, obrigando o pecuarista a deixar a área fechada durante esse tempo.
Foto: Andre Dominghetti
Caso o produtor não tenha pressa, pode-se citar como opções de nativas o baru, a canafístula, o cedro rosa e o paricá. “Quanto maior a qualidade da madeira, maior o retorno financeiro. A madeira de algumas espécies é comercializada por
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valores bem superiores às de outras espécies, mas tudo depende da demanda pela matéria-prima. Apesar do maior retorno financeiro, estas espécies demandam maior investimento inicial, em função principalmente do valor de aquisição da muda e manejo pós-plantio”, diz André.
Manejo A produção de madeira de qualidade depende da aplicação de algumas técnicas como a desrama e o desbaste. A desrama consiste na retirada dos ramos laterais para a obtenção de madeira sem nós, aumentando o aproveitamento das toras das árvores. Alguns cuidados são necessários para a realização das desramas, como por exemplo, realizar a primeira desrama quando o
Além de propiciar a produção de madeira de boa qualidade, outra função da desrama é permitir a entrada dos animais na área e aumentar a incidência da luz do sol, que favorece a produção simultânea de forrageiras. O momento ideal da primeira desrama dependerá de fatores como água, adubação e temperatura, pois influenciarão no desenvolvimento inicial das plantas.
A segunda técnica - o desbaste - é utilizada para reduzir o número de árvores por hectare visando a aumentar a área útil das árvores remanescentes. Além disso, é uma forma de injeção de renda no sistema, pois antecipa uma parte da renda adquirida com a madeira. A madeira proveniente dos desbastes intermediários pode ser comercializada como lenha, carvão, escoras para a construção civil, entre outras possibilidades. Podem ser realizados um ou dois desbastes, e as taxas de retirada de indivíduos são variáveis, pois dependem de fatores de crescimento e qualidade das árvores. “A decisão para realização dos desbastes deverá sempre ser tomada com o auxílio de um responsável técnico que acompanha o sistema”, orienta o pesquisador.
Foto: Andre Dominghetti
diâmetro à altura do peito (1,30 m do solo) for de no mínimo seis centímetros; realizar a desrama em até no máximo 30% da altura total da árvore e fazer os cortes dos ramos bem rentes ao tronco. Geralmente, são realizadas três desramas, buscando atingir seis metros de fuste livre de ramos laterais.
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RESÍDUOS AGROFLORESTAIS E INDUSTRIAIS PARA PRODUÇÃO DE LENHA ECOLÓGICA SÃO ALTERNATIVAS DE SUSTENTABILIDADE E RENDA
Foto:Daniela Collares
Daniela Collares, jornalista da Embrapa Agroenergia, e colaboração de Stephane Paula, estagiária
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ustentabilidade e viabilidade para o reaproveitamento de matérias-primas são elementos que compõem o tripé para preservação do meio ambiente. E não é de hoje que pesquisadores do Brasil e do mundo trabalham no intuito de desenvolver projetos viáveis para ajudar a sociedade nesse sentido. Um exemplo disso é a transformação de resíduos em produtos de valor agregado, como químicos e biocombustíveis, dentre eles os briquetes. O briquete, espécie de lenha ecológica criada para substituir o carvão convencional, é produzido em uma máquina chamada briquetadeira, que aplica pressão e temperatura sobre resíduos lignocelulósicos. É possível produzi-lo a partir de qualquer resíduo vegetal, como por exemplo: resíduos de madeira, arroz, milho, café, algodão, cana-de-açúcar e diversos outros. Além dos benefícios do ponto de vista ambiental, os briquetes também servem como fonte de energia renovável, contribuindo de forma econômica para os próprios consumidores, já que possui um volume menor e sua concentração energética é maior do que a do carvão. Os resíduos lignocelulósicos podem ser encontrados em diversas regiões do País e muitas vezes acabam sendo desperdiçados. Em alguns estabelecimentos que possuem fornos ou caldeiras, como o caso de pizzarias, padarias, hotéis, olarias ou cerâmica, laticínios, frigoríficos, indústrias de gesso e de produtos químicos, o briquete já vem sendo utilizado com êxito. Na capital federal, por exemplo, a empresa Pizza Bessa faz uso do briquete desde 2008. O proprietário Paulo Bessa conta que, desde que começou a utilizar os briquetes, o ganho econômico foi de 50%. “A lenha convencional além de não ser ecológica, faz muita sujeira. O briquete foi a nossa salvação. Ele vem bem embalado, limpo, não tem cheiro, não traz insetos, o espaço para armazenagem é menor, e é vendido por peso e não por metro cúbico: 1 tonelada de briquete substitui 7 m³ de lenha convencional”, diz Paulo. Em muitos lugares no Brasil, os briquetes já são vendidos em supermercados e lojas agropecuárias para uso em lareiras e
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Foto:Goreti Braga
churrasqueiras. “O briquete é mais fácil de transportar, armazenar e manusear. A logística é mais eficiente, uma vez que o briquete apresenta densidade energética superior à lenha em até duas vezes“, ressalta a chefe de Transferência de Tecnologia da Embrapa Agroenergia, Marcia Onoyama Esquiagola. Ela salienta ainda que a Embrapa está incentivando o uso dessa tecnologia como uma solução inovadora e que se caracteriza como um processo sustentável. De acordo com o dono da fábrica produtora de briquetes RGM Ambiental, Milton Gonçalves, atualmente, São Paulo é o estado que mais consome o produto ecológico. Em contrapartida, Alagoas é o estado brasileiro que mais produz os briquetes, provenientes do bagaço de canade-açúcar, para serem comercializados no Brasil, tendo com referência a Usina Vitória, que foi pioneira no estado. A matéria-prima para produção dos briquetes depende da região onde está situada a fábrica. Milton já produziu briquetes a partir da casca de arroz em Dom Pedrito/RS, cidade na região produtora do grão. O Rio Grande do Sul é o principal produtor desse alimento no País, com mais de 60% do volume da produção brasileira. Estima-se que, na etapa
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de beneficiamento industrial, do total de grãos beneficiados e prontos para comercialização, sobram cerca de 50% na forma de resíduos, sendo 34% de cascas, 5% de quirera e 9% de farelo. Os dois últimos resíduos são utilizados na formulação de rações animais, enquanto cerca de 70% das cascas, em média, são utilizados para gerar calor no próprio engenho de arroz. Os restantes 30% têm diversos usos possíveis, mas, muitas vezes tornam-se um passivo ambiental, sendo jogados nas proximidades de rios ou em lixões. A quantidade destes resíduos representa um depósito de energia que pode ser melhor aproveitada, especialmente na forma de briquetes.
Vantagens e vertentes do briquete No processo de produção, os insumos para criação dos briquetes são compactados, destruindo a elasticidade natural das fibras. Esse processo provoca a plastificação da lignina, um dos principais componentes dos vegetais. Ela atua como elemento aglomerante natural das partículas dos resíduos durante a compactação, deixando de lado a necessidade de adicionar produtos como resinas, ceras, dentre outros. Para que a produção do briquete seja feita com êxito, é necessário que o mesmo possua uma
quantidade de umidade que varia de 8 a 15%, que o tamanho da partícula esteja entre 5 a 15 mm, e que o poder calorífico seja similar ao da madeira comum. Dessa forma, nasce uma peça sólida cilíndrica com dimensão aproximada de 100 mm de diâmetro e 300 mm de comprimento. As vantagens do briquete consistem no menor custo direto e indireto, na redução do impacto negativo sobre as florestas nativas para a retirada da lenha, no menor custo com mão de obra no manuseio. Eles são produzidos em tamanho padrão e fornecidos em embalagens também padronizadas. Uma tonelada de briquetes substitui de 6 a 8 m³ de lenha. Além disso, o seu poder calorífico é 2,5 vezes maior, apresentando regularidade térmica e maior temperatura da chama. Devido à baixa umidade (10% no briquete e 50% na lenha), a temperatura se eleva rapidamente, produzindo menos fumaça, cinzas e fuligem. Esse produto 100% reciclado, que é liberado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente – IBAMA, dispensa o pagamento de reposição florestal. É vendido por peso certo. Por outro lado, a lenha convencional é comercializada por m³, o que favorece perdas devido aos vazios no empilhamento.
Perspectivas O pesquisador da Embrapa Agroenergia José Dílcio Rocha salienta que, atualmente, é produzida cerca de 1,2 milhão de tonelada de briquetes por ano. Desse montante, 930 mil toneladas são de madeira e 272 mil toneladas de resíduos agrícolas. A taxa de crescimento da demanda por briquetes é de 4,4% ao ano, o que deixa claro a importância e o potencial da lenha no mercado de energia renovável. Rocha afirma também que o Brasil apresenta condições que são muito vantajosas para produzir com sucesso não só briquetes como também péletes, outro substituto da lenha com muitas aplicações. “Na prática, é uma boa opção para vários setores produtivos, no intuito de agregar valor aos resíduos que hoje são subaproveitados”, diz o pesquisador. Mesmo assim, ainda existem algumas dificuldades para expandir o mercado da lenha ecológica no País. E elas consistem, principalmente, na aceitação daqueles que fazem uso da lenha convencional. É o que pensa Milton Gonçalves. “Nossa maior barreira tem sido a divulgação dessa inovação. No início, as pessoas não acreditam no potencial da lenha ecológica, mas quando começam a utilizá-la, logo percebem como pode ser bem mais econômica”.
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RUMO AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL MODERNO DE ENERGIA DA MADEIRA Por: José Dilcio Rocha, da Embrapa Agroenergia
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om o objetivo de promover práticas sustentáveis de produção de florestas energéticas e o uso eficiente da madeira para a geração de energia, a FAO, a GIZ – Agência Alemã de Cooperação Internacional, e a Fundação das Nações Unidas (UNF), por meio da sua Aliança Global para Fogões (GACC) Limpos, prepararam para o GBEP – Parceria Global para Bioenergia um extensivo estudo com o título “Towards sustainable modern wood energy development” (tradução livre no título – A caminho do desenvolvimento de energia de madeira moderna e sustentável). A sua apresentação foi realizada por videoconferência em 24 de junho de 2015 e contou com a participação de pesquisadores de várias orga-
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nizações interessadas no tema e atuantes em diversos países. Estudos de casos em quatro países africanos e no Brasil são apresentados no relatório final datado de outubro de 2014, de autoria de Steve Sepp e colaboradores, que pode ser acessado em http://agriwaterpedia.info/wiki/ File:Report_Wood-energy_aktuell_26-03-15.pdf. A lenha e o carvão vegetal fornecem grande parte da energia para cocção e aquecimento, mas também para uso industrial. Seu principal competidor é o GLP (gás liquefeito de petróleo), que, embora seja de origem fóssil, apresenta melhores propriedades energéticas. As vantagens da biomassa estão na acessibilidade, economia e fácil manuseio, o que permite a produção e
uso descentralizado e flexível. Ainda existe um grande número de indivíduos dependendo exclusivamente da lenha, carvão vegetal e resíduos agrícolas. No mundo, são cerca de 2,6 bilhões de pessoas, com tendência a aumentar nos próximos 15 anos, devido ao crescimento populacional. Isso não seria alarmante se as condições de extrativismo, uso eficiente e emissões controladas que pudessem evitar problemas de saúde a seus usuários não fossem negligenciadas. Portanto, é urgente que boas práticas e tecnologias inovadoras possam ser correntemente usadas, principalmente na África, Ásia e América Latina, regiões nas quais essas populações estão concentradas. A produção da biomassa florestal usada como matéria-prima tem diferentes origens: as flores-
tas plantadas, os resíduos florestais resultantes do desdobro de madeira ou florestas primárias e secundárias de manejo sustentável. As tecnologias de conversão da lenha em carvão vegetal ainda necessitam de tecnologias inovadoras capazes de aumentar os rendimentos e aproveitar os coprodutos, conforme ilustrado na figura abaixo, que se encontra no relatório (Figura 18, página 54). Já existem várias tecnologias disponíveis no mercado brasileiro que poderiam ser aplicadas em países onde a produção de carvão vegetal é ainda de baixo rendimento (12%) devido ao uso de tecnologias tradicionais, como é o caso dos países africanos. As tecnologias de uso final para cocção, os fogões, também precisam ter alta eficiência para que os ganhos na produtividade de conversão não sejam perdidos no uso final. A maioria dos exemplos relatados
105 pessoas
Forno tradicional (12%)
210 pessoas 100 m3 de madeira
Forno melhorado (24%)
Retortas (33%)
289 pessoas
Cadeia produtiva do carvão vegetal com o uso de várias tecnologias, adaptado da Figura 18 do relatório, pág. 54.
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são relacionados com a realidade africana e sua extrema dependência da biomassa extrativista com uso em equipamentos de baixa eficiência. A promoção de uma cadeia produtiva da madeira energética com alta eficiência pode ajudar na mitigação dos danos à saúde das pessoas envolvidas nessas atividades, principalmente mulheres e crianças. As mulheres desempenham um papel fundamental no setor de bioenergia da madeira por serem usuárias, produtoras, coletoras e, muitas delas, comercializadoras de lenha. Assim, existem grandes oportunidades para a implementação de tecnologias via políticas de gênero. Com base no diagnóstico apresentado no relatório, as seguintes recomendações foram feitas para alavancar o setor de madeira para uso energético: • Abordar a questão de forma holística para realizar mudanças estruturais no setor, dando incentivos para a produção sustentável e o uso eficiente da madeira para energia, sendo o elemento chave nessa abordagem a taxação diferenciada para possibilitar o engajamento dos atores envolvidos; • Mudança de imagem pela criação de uma imagem positiva da madeira para uso como fonte de energia renovável e ambientalmente correta. Assim, a eventual imagem negativa da lenha e do carvão vegetal deverá ser alterada para a de um biocombustível sólido ligado ao uso de tecnologias limpas e eficientes, com aplicação de ciência e tecnologia e sua disseminação na forma de lições aprendidas via publicações de dados confiáveis; • Promoção das condições que viabilizem a integração de políticas dos diversos setores do país ou de uma região envolvidas no tema.
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Geralmente, as áreas de energia, floresta, agricultura, uso e ocupação do solo, saúde, transporte, entre outros, devem ser envolvidas de forma coordenada. A comunicação e a coordenação entre esses órgãos devem ser realizadas em caráter institucional; • Adotar um adequado marco regulatório para que seja possibilitada a correta implementação de políticas de incentivo efetivas, como taxação diferenciada, rastreabilidade da cadeia produtiva e identificação de cada etapa de produção e seus responsáveis; • Considerar a cadeia produtiva completa da madeira para energia, desde a sua produção dentro de boas práticas de silvicultura, colheita, logística do campo até os locais de preparo e conversão em fornos eficientes, no caso do carvão vegetal, até os mercados consumidores. Ao final do relatório, na seção Países em Foco, na qual são apresentados os estudos de caso, é citada a experiência das “Associações de reposição florestal como exemplo do Estado de São Paulo”. Conforme está descrito no website do Instituto Refloresta, operador desse mecanismo, e na figura da página ao lado (http://refloresta.org.br/reposicao.asp): “A Reposição Florestal Obrigatória é um mecanismo previsto em lei, (Lei Estadual nº 10.780), para que as empresas que utilizam produto florestal lenhoso, (lenha, carvão, tora), replantem de alguma forma o equivalente ao que foi utilizado em sua atividade. Ao recolher anualmente um valor equivalente ao que é utilizado, a empresa propicia ao Instituto Refloresta produzir as mudas de árvores que serão doadas aos produtores rurais inscritos no programa. Dessa forma, o mercado é abastecido e a oferta tende a aumentar.”
Produção de mudas
Recolhimento da reposição florestal
PLANTIO Agricultores cadastrados Viveiros Ecoar
Eucalipto e Pinus
Espécies nativas
Orientação técnica Recolhimento
Técnicos Ecoar
Produção de madeira
Restauração florestal
Abastecimento do mercado A reposição florestal obrigatória, fonte: http://refloresta.org.br/reposicao.asp.
Esse mecanismo tem sido adotado em outros estados brasileiros além de São Paulo e até mesmo em outros países latino-americanos como a Nicarágua. Além desse caso de sucesso na produção de matéria-prima florestal, o Brasil tem muitos outros casos de tecnologias inovadoras em processos industriais de carbonização de madeira para produção de carvão vegetal com altos rendimentos, aproveitamento, recuperação e valorização dos voláteis na forma de extrato ácido, alcatrão e também dos gases na integração energética e aumento de rendimentos globais da carbonização. Tecnologias não poluentes e geradoras de postos de trabalho de qualidade são experiências prontas para serem transferidas para outras partes do planeta, tornando realidade a mudança de paradigma. A imagem ao lado ilustra a realidade descrita acima.
Foto: José Dilcio Rocha
Fornos retangulares com carga e descarga mecanizada e recuperador de voláteis.
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Foto: Freeimages.com
MENOS VOLUME, MAIS VALOR PESQUISADOR DEFENDE A LÓGICA DE BIORREFINARIAS Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia, e Katia Pichelli, jornlaista da Embrapa Florestas
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o setor florestal, o Brasil deve investir principalmente na obtenção de produtos de alto valor agregado, com as indústrias operando no conceito de biorrefinaria. Essa é a opinião do pesquisador Washington Luiz Esteves Magalhães, da Embrapa Florestas (Colombo/ PR), que tem trabalhado com o tema. Uma das razões pelas quais ele defende a produção
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de materiais com alto conteúdo tecnológico é a geração de empregos melhores. “Isso significa altos salários, pessoas altamente qualificadas e melhor distribuição de renda”, explica. Atualmente, o Brasil destaca-se no setor florestal, ocupando o terceiro lugar no ranking dos produtores de celulose. “Nós somos bons em produzir árvore: esse é o verdadeiro negócio que temos”, conclui o pesquisador. O problema é que celulose é uma commodity, tem baixo valor agregado, e, mesmo com algumas indústrias nas mãos de grupos nacionais, a tecnologia, os equipamentos que compõem os parques fabris, são importados.
ção, fermentação ou hidrólise é outra via em que o pesquisador vê perspectivas. Também não pode ser esquecida a obtenção por rota enzimática de nanocristais de celulose, compostos que conferem maior resistência mecânica a diferentes materiais. Já há uma empresa no Brasil utilizando compostos semelhantes, as nanofibrilas de celulose obtidas por desfibrilação mecânica, para produzir, em escala piloto, um papel cartão diferenciado, seis vezes mais resistente do que o comum. Só que custa muito mais caro. “Esse mercado ainda não existe, mas muita gente acredita, e eu também, que ele vai ser importante”, opina.
Biocombustíveis e energia elétrica obtidos a partir de espécies florestais também se enquadram na categoria das commodities. Contudo, não seria necessário deixar de lado esse mercado. Parte da biomassa poderia atender à geração de bioenergia e a outra ser destinada à Química Fina, gerando aditivos para a indústria alimentícia, por exemplo. Muitos produtos vendidos como defumados têm, na verdade, apenas o sabor de defumados. Da própria fumaça da madeira poderiam ser extraídos compostos que conferissem essas características ao alimento, abrindo mais um mercado para a indústria de base florestal. Mas essa é apenas uma das possibilidades.
Mais perspectivas ainda ele vê na biologia sintética. As árvores utilizam processos que partem de açúcares simples para chegar à celulose. O que as biorrefinarias fazem, boa parte das vezes, é quebrar essa estrutura, “desperdiçando” energia gasta pela planta para gerá-la. “E toda vez que você vai lá e faz isso, você perde eficiência. Então, o que eu penso para o futuro é: e se eu começar a extrair esse açúcar da árvore antes de ela transformá-lo em celulose?”, conta Magalhães. Há potencial, inclusive, de chegar a um impacto ambiental ainda mais baixo, já que a desconstrução da estrutura da planta deixa pegadas de carbono.
Uma das linhas de pesquisa em que Magalhães atua é a obtenção de alfa-celulose por processos biológicos, utilizando enzimas. A alfa-celulose é um produto com valor agregado maior do que o papel, empregado, por exemplo, para fabricar viscose. Ela já tem um mercado, mas é produzida, hoje, por processos que empregam ácidos. A ideia em estudo é obter uma rota mais limpa, utilizando enzimas.
Investir nessas inovações pode ser mais do que ampliar o negócio ou ganhar selos de sustentabilidade. Magalhães tem observado fábricas fechando nas nações desenvolvidas e a expansão do setor ocorrendo apenas nos países emergentes. “Na minha visão, o volume de celulose produzido vai dar uma estagnada e o preço vai cair. Com isso, toda a cadeia produtiva vai ficar sob risco”, expõe. Para o pesquisador da Embrapa Florestas, a mudança de paradigma nas indústrias de celulose é uma questão de sobrevivência.
A engenharia genética de microrganismos para gerar produtos químicos por meio da degrada-
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NANOTECNOLOGIA PODE REVITALIZAR O SETOR FLORESTAL
Foto: Leonardo Valladares
Katia Pichelli, jornalista da Embrapa Florestas
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nanotecnologia está presente no cotidiano da sociedade muito mais do que se imagina. E o setor de base florestal pode utilizar muito este tipo de tecnologia, seja tendo a floresta como matéria-prima, seja melhorando seus processos fabris. “Precisamos desmistificar a nanotecnologia, pois ela pode ajudar a revitalizar o setor florestal”, explicou o pesquisador Washington Luiz Esteves Magalhães, da Embrapa Florestas. Entre os diversos exemplos citados pelo pesquisador estão o aumento da resistência de alguns tipos de papel a partir de nanofibrilas de celulose. A origem destas nanofibrilas pode vir tanto da polpa kraft quanto de resíduos florestais. Outros exemplos são o uso de nanotecnologia para produção de suplementos alimentares, embalagens comestíveis, uso em compósitos, tratamento nanométrico para tratamento de superfícies hidro-repelentes, cerâmica avançada, cimento de alto desempenho entre outros. “Para a nanotecnologia ser realidade, temos ainda alguns desafios pela frente, como dispersão, caracterização, custo de materiais e, em especial, saúde e segurança”, pondera. “Nosso gap para chegar ao mercado é a questão de recurso, pesquisa e gente capacitada”, completa. O pesquisador acredita que a nanotecnologia pode ser uma grande aposta para o desenvolvimento do setor florestal, deixando de trabalhar somente com uma commodity para produtos de valor agregado. “Quanto mais tecnologia temos, maior o valor agregado aos nossos produtos. Consequentemente, maior valor de venda, maior lucro, maiores salários. É uma cadeia que só vai fazer crescer o setor”, aposta Washington.
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Foto: Freeimages.com
Foto: Alcides Okubo
ART O IG
Por: Daniela Tatiane de Souza, Emerson Léo Schultz e Mônica Caramez Triches Damaso
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conceito de biorrefinaria tem ganhado grande relevância mundial, em virtude de propor o melhor aproveitamento de biomassa e da energia nela contida, em similaridade ao proposto para o petróleo, porém utilizando fontes renováveis. A integração de diversas rotas de conversão – bioquímicas, químicas e termoquímicas – possibilita a produção não somente de combustíveis e energia, mas também de químicos e de materiais. A concepção de se trabalhar como uma biorrefinaria, seja para produção de etanol, biodiesel, papel e celulose, dentre outros produtos, tem sido almejada mundialmente. O Brasil é um dos países com maior potencial para aplicação desta plataforma tecnológica e de mercado, pelo fato de sua grande extensão territorial e fortalecidos setores agroindustrial e florestal, o que reflete, na possibilidade de agregar valor às diversas matérias-primas, coprodutos e resíduos gerados. A produção de papel e celulose está relacionada à cadeia produtiva do setor de base florestal. Esta cadeia engloba, principalmente, a produção, a colheita e o transporte de madeira, além da obtenção de diversos produtos nos segmentos industriais de papel e celulose, painéis de madeira industrializada, madeira processada mecanicamente e siderurgia a carvão vegetal. Conforme dados divulgados pela Associação Brasileira de Celulose e Papel (BRACELPA), no Brasil, o setor de papel e celulose possui 2,2 milhões de ha de florestas plantadas para fins industriais, que representam somente 0,3% do total da área do país e 2,9 milhões de ha de florestas preservadas. As principais espécies nas florestas plantadas são eucalipto (81,2%) e pinus (18,4%). Segundo a BRACELPA e a FAO, em 2012, a produção mundial de celulose foi de 173,8 milhões de toneladas. O Brasil foi o 3° maior produtor de celulose com 14,4 milhões de toneladas e o 11° maior produtor de papel, com 10,2 milhões de toneladas, sendo produzidos por 220 empresas localizadas em 18 estados. A figura na página seguinte mostra informações sobre o posicionamento dos países na produção mundial de celulose. Em 2012, os Estados Unidos e Canadá lideraram o ranking com 40%
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Produção mundial de celulose em 2012 (em milhões de toneladas).
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da produção mundial, seguidos pelo Brasil, com 8,3%, pela Suécia (7,1%), Finlândia (6%), e China (5,1%). Já em relação ao segmento de papel, China, EUA, Japão e Alemanha respondem por quase 60% do total produzido mundialmente. Verifica-se que nos países desenvolvidos há sinais de esgotamento do dinamismo da demanda de alguns tipos de papel. Este panorama ocorre em virtude dos efeitos do progresso técnico e da evolução tecnológica, que têm favorecido a redução do consumo de alguns tipos de papéis, como o papel imprensa. Este esgotamento é um elemento fundamental a ser considerado nas políticas industriais a serem seguidas pelos países em desenvolvimento como o Brasil, dada a elevada representatividade desta indústria para a economia nacional. Neste contexto de transformações econômicas e de consumo, as biorrefinarias surgem como uma oportunidade para a diversificação da produção da indústria de papel e celulose. Além disso, poderiam atuar como uma estratégia para minimizar a redução do dinamismo da demanda de algumas categorias de papéis e reduzir os efeitos de uma elevada concentração produtiva em uma gama restrita de produtos. 60
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Atualmente, a indústria de papel e celulose brasileira tem usado a biomassa florestal não somente para produção no setor, mas também para geração de energia, utilizando, inclusive, o seu principal resíduo, o licor negro. Dentre os resíduos da indústria de celulose, estão os resíduos da madeira (cascas e serragem), licor negro, resíduos celulósicos, resíduos florestais, lodo biológico e cinza da caldeira. Estima-se que para cada 100 toneladas de celulose sejam produzidas 48 toneladas de resíduos. As fontes renováveis representam 85,2% da matriz energética do setor de papel e celulose, com licor negro representando 66,2% e biomassa 19,0%. A indústria de papel e celulose tem buscado ampliar a quantidade de produtos obtidos a partir da matéria-prima, a madeira, bem como a partir dos resíduos gerados no processo de obtenção de celulose e papel, pela aplicação do conceito de biorrefinaria. A madeira é uma fonte de carbono renovável com potencial de conversão em biocombustíveis ou bioprodutos, como produtos químicos, polímeros e demais materiais, empregando tecnologias sustentáveis. Diversos processos podem ser aplicados à madeira e aos resíduos da indústria de papel e
celulose, como processos bioquímicos, termoquímicos e químicos. Entre as potencialidades do uso da biorrefinaria no setor, podem ser mencionados: • Produção de químicos de alto valor agregado a partir de resíduos florestais ou gerados no próprio processo industrial;
• Remoção da hemicelulose antes da polpação kraft visando agregar valor a esta corrente de processo. A figura abaixo ilustra a concepção de uma biorrefinaria nas indústrias de papel e celulose. Resíduos de madeira e florestais, como cascas, folhas e galhos podem ser processados por piró-
Aplicação do conceito de biorrefinaria nas indústrias de papel e celulose (linhas pontilhadas). Operações das atuais fábricas de papel e celulose são indicadas pelas linhas sólidas.
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lise e gaseificação. Atualmente, a pirólise rápida para produção de bio-óleo, que pode ser estocado, transportado com maior facilidade e usado na produção de biocombustíveis e produtos químicos, é de considerável interesse. No processo de gaseificação é obtido o gás de síntese, constituído principalmente de CO e H2, que pode ser usado para geração de energia, produção de biocombustíveis e produtos químicos. Alguns resíduos da indústria de papel e celulose podem ter componentes de alto valor agregado na sua composição. Extratos lipofílicos da fração externa da casca de Eucalyptus grandis e Eucalyptus urograndis cultivados no Brasil são particularmente abundantes em ácidos triterpênicos, como ácidos oleanólico, ursólico e betulínico, os quais são compostos promissores para o desenvolvimento de novos agentes bioativos. O licor negro da polpação kraft é uma mistura complexa de componentes inorgânicos e orgânicos, que atualmente é usado somente para produção de energia nas caldeiras de recuperação. Entretanto, o licor negro também pode ser usado para produção de produtos químicos e biocombustíveis. As principais tecnologias envolvidas no processamento do licor negro são: remoção de constituintes do licor negro, gaseificação e processamento do tail oil para produção de biodiesel. Uma forma muito interessante de valorizar este resíduo consiste em utilizar a lignina para obtenção de macromoléculas de valor agregado, que atualmente são obtidos a partir do petróleo, como fibra de carbono, polímeros modificados, adesivos e resinas, bem como fenol, tolueno e benzeno. A lignina pode ser transformada por processos químicos, como hidrodeoxigenação e craqueamento catalítico, para obtenção de produtos químicos e combustíveis.
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A remoção de hemiceluloses da madeira picada antes da polpação pode fornecer polissacarídeos para produzir produtos de valor agregado, incluindo biocombustíveis. O desafio é desenvolver tecnologias otimizadas de pré-tratamento que forneçam uma corrente de hemicelulose para produção de biocombustíveis e bioprodutos e uma corrente para produção de celulose. A fração hemicelulósica, rica em pentoses, pode ser utilizada para produção de uma gama de substâncias, como xilitol/arabitol e os ácidos itacônico, levulínico e glutâmico. Estes bioprodutos fazem parte do seleto grupo das 12 principais moléculas oriundas do processamento de biomassa, que são utilizadas como componentes básicos ou iniciais, os conhecidos “building blocks”, para síntese de um grupo diverso e importante de derivados químicos. Portanto, distintos processos químicos, termoquímicos e bioquímicos podem ser aplicados na indústria de papel e celulose dentro do conceito de biorrefinaria. Esses processos se encontram em estágios diferentes de desenvolvimento. Em todos os casos, existem diversos produtos químicos e biocombustíveis que podem ser obtidos em uma biorrefinaria de papel e celulose, empregando tecnologias sustentáveis. Atualmente, existem muitas indústrias de papel e celulose sendo construídas em regiões remotas do Brasil, nas quais a venda de uma quantidade substancial de eletricidade não é uma boa opção, pois a conexão com a rede elétrica local é limitada. Assim, a aplicação do conceito de biorrefinaria para produzir biocombustíveis e produtos químicos pode ser mais vantajosa nesses locais. Diretrizes podem ser então concebidas para estimular a obtenção destes produtos a partir de madeira e resíduos florestais.
Foto: Sandy Carvalho
Daniela Tatiane de Souza Economista, doutora em Engenharia de Produção e
Foto: Daniela Collares
analista da Embrapa Agroenergia
Emerson Léo Schultz Engenheiro químico, doutor em Engenharia Química e
Mônica Caramez T. Damaso Engenheira química, doutora em Tecnologia de Processos Químicos e Bioquímicos e pesquisadora da Embrapa Agroenergia
Foto: Alcides Okubo
Foto: Vivian Chies
pesquisador da Embrapa Agroenergia
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Foto: www.bambu-urgente.flumignano.com/
CELULOSE PROVENIENTE DE FIBRAS ALTERNATIVAS: UMA SOLUÇÃO VIÁVEL?
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Por: Daniela Tatiane de Souza, Marcia Mitiko Onoyama e Paulo Sérgio Silva Santos
A
produção de celulose está relacionada notadamente à cadeia produtiva do setor de base florestal. Esta cadeia engloba a produção, a colheita e o transporte de madeira, além da obtenção dos produtos diversos nos segmentos industriais de papel e celulose, painéis de madeira industrializada, madeira processada mecanicamente, siderurgia a carvão vegetal e biomassa, entre outros. Nas indústrias integradas, as pastas celulósicas (fibras em meio aquoso) seguem diretamente para as máquinas de papel, enquanto nas indústrias não integradas, passam por um processo de secagem e, após a formação de folhas de fibras, são cortadas e empacotadas em fardos. A celulose de mercado, aquela destinada à comercialização, representa aproximadamente 25% da produção mundial.
produção mundial, seguida da Suécia (7,1%), Finlândia (6%) e China (5,1%).
Entre 1980 e 2012, a produção de pasta de celulose em nível mundial quase dobrou, enquanto no Brasil cresceu mais de quatro vezes. Em 2012, os Estados Unidos e o Canadá lideraram o ranking com 40% da produção mundial. Em terceiro lugar, situou-se o Brasil, com 8,3% da
O gráfico abaixo mostra a capacidade de produção de celulose de fibras alternativas no país em 2013 (bagaço, bambu e outras fibras). Verificase que a capacidade total de produção destas fibras foi de 165 mil toneladas. Estima-se que esta quantidade não se modifique até o ano de
As duas principais fontes de madeira utilizadas para a produção de celulose no Brasil são as florestas plantadas de pinus e de eucalipto, responsáveis por mais de 98% do volume produzido (BRACELPA, 2013). A celulose também pode ser obtida de outros tipos de plantas, não-madeiras, como bagaço de cana-de-açúcar, bambu, cachos de dendê e babaçu. Mas o mercado de celulose proveniente de fibras alternativas é bastante reduzido no Brasil. Ainda que muitos resíduos agroindustriais constituam mercados potenciais a serem explorados, para a grande maioria destes resíduos, não existem no Brasil iniciativas empresariais voltadas para a obtenção de fibras de celulose.
Celulose de bambu
Celulose de bagaço
Celulose de outras fibras 0
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Capacidade de produção de celulose de fontes alternativas no Brasil segundo diferentes processos (1000 toneladas). Fonte: FAO (2013).
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2017. Deste total, 77% correspondem à celulose de bambu, 14% à celulose de bagaço e o restante (9%) corresponde às outras fibras. A utilização de fibras alternativas de celulose ainda que não seja expressiva no país, situa-se acima das quantidades verificadas em alguns países, como Japão (8 mil toneladas), Hungria (30 mil toneladas), Irã (43 mil toneladas) e África do Sul (115 mil toneladas). Por outro lado, a produção de celulose de fibras alternativas, em 2013, no Brasil, foi inferior às quantidades verificadas no México (207 mil toneladas), Itália (215 mil toneladas), Colômbia (222 mil toneladas) e China (10.738 mil toneladas). Assim, as principais iniciativas da utilização de celulose de fibras alternativas são verificadas na China. Em 2013, a China foi o principal produtor de celulose de palha de trigo (5.916 mil toneladas), celulose de bambu (1.749 mil toneladas), celulose de bagaço (903 mil toneladas). Já na Colômbia destacam-se iniciativas da produção de celulose de bagaço, especificamente de bagaço de cana. Em relação ao bambu, apesar da excelente qualidade da celulose produzida a partir de muitas espécies de bambu, poucos países atualmente têm reservas naturais ou plantio de bambu suficientemente grande para sustentar a produção de fábricas de papel. Diversas fábricas brasileiras de pequeno a médio porte já tiveram no passado, sucesso no uso das fibras celulósicas de bambu, em diversos estados brasileiros, como Pernambuco, Rio Grande do Sul, Bahia e Maranhão. O maior plantio de bambu existente atualmente no Brasil é o do Grupo João Santos, localizado no município de Coelho Neto, no Maranhão. O bambu é matéria-prima para a produção de sacos de cimento e embalagens de leite longa vida. Já em relação ao bagaço de cana-de-açucar no Brasil, este tende a ser destinado à geração de 66
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energia elétrica em maior escala. Há iniciativas de utilizar este resíduo na produção de etanol celulósico. Destacam-se no Brasil os projetos da Granbio (São Miguel dos Campos/AL), da Petrobras Biocombustível (Goiás) e da Raízen (São Paulo). Por outro lado, a produção de celulose de bagaço para a produção de papel não é algo novo no País. Já em 1910, a Refinadora Paulista (atual Oji Papéis Especiais) construiu uma fábrica de papel, a fim de aproveitar a celulose do bagaço de cana-de-açúcar da usina. Outra empresa que também atua no segmento é a CE Papéis, produzindo o papel Ecoquality em escala industrial (460 mil t/ano). Neste contexto, a Embrapa Agroenergia tem atuado em pesquisas de purificação de celulose, utilizando, por exemplo, bagaço de cana, casca de coco, cachos vazios de dendê, etc. Ainda assim, no que se refere à produção em escala comercial de grande porte, os custos são muito elevados, principalmente quando se compara com os custos de produção de celulose baseado em madeira. Mesmo que algumas destas fibras possam ser advindas da geração de resíduos agroindustriais, como é o caso do bagaço da cana ― o que reduziria os custos com a matéria-prima ― os custos de processamento destes resíduos tornam-se muitas vezes impeditivos. A experiência de algumas empresas brasileiras com a produção de celulose de bagaço de cana revela que trata-se de um negócio viável em nichos de mercados bem delimitados, como a produção de papéis especiais. Por fim, soma-se a isto, que a viabilidade da produção de fibras alternativas no Brasil dependerá das condições de logística e infraestrutura. “A localização de resíduos em regiões próximas das regiões de processamento tende a viabilizar o transporte da matéria-prima, bem como o fornecimento destas fibras na condição de celulose de mercado às indústrias integradas”.
Foto: Sandy Carvalho
Daniela Tatiane de Souza É economista, doutora em engenharia de produção e analista da Embrapa Agroenergia
É engenheira de alimentos, doutora em engenharia de produção e analista da Embrapa Agroenergia
Paulo Sérgio Silva Santos É tecnólogo em processamento de dados, mestre em administração e analista da Embrapa Agroenergia
Foto: Claudio Bezerra
Foto: Stephane Paula
Foto: Vivian Chies
Marcia Mitiko Onoyama
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Foto: Rodrigo Ferreira
APLICAÇÕES PARA VALORIZAÇÃO DA LIGNINA Por: Daniela Collares, jornalista da Embrapa Agroenergia, com colaboração de Stephane Paula, estagiária
A
o lado da celulose e da hemicelulose, a lignina é o constituinte da parede celular das plantas, sendo o segundo polímero mais abundante na Terra depois da celulose. Ela é uma macromolécula com estrutura aromática polimérica tridimensional , ou seja, possui anéis
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benzênicos ― na forma de hexágonos ― interligados por átomos de carbono. A lignina é uma substância que garante a sustentação das fibras vegetais das plantas, e é tradicionalmente queimada na maioria dos
Fotos: Daniela Collares
A Embrapa Agroenergia desenvolve pesquisas com lignina
processos industriais de grande escala, para gerar energia, em virtude de seu alto poder calorífico, e com isso aumentar o aproveitamento da biomassa lignocelulósica. Durante o processo de polpação para a fabricação da polpa de celulose - base da produção do papel -, a lignina é extraída para evitar o amarelecimento da folha. O material obtido não tem um fim muito nobre. A aplicação mais comum é a queima em caldeiras para a cogeração de energia nas indústrias de celulose, porém o desenvolvimento da química de aproveitamento e valorização da lignina vem permitindo o uso como fonte de novas matérias-primas e insumos. É possível ter uma gama de produtos baseados em lignina e ter um complexo de biorrefinaria florestal que integra processos de conversão de biomassa em biocombustíveis, insumos químicos, materiais, alimentos e energia. O
objetivo é otimizar o uso de recursos e minimizar os efluentes, maximizando os benefícios e a lucratividade do setor. Outro elemento que também contribui nesse sentido são as biorrefinarias, que integram diversas rotas de conversão ― bioquímicas, microbianas, químicas e termoquímicas ―, em busca do melhor aproveitamento da biomassa e da energia. A Embrapa Agroenergia, em parceria com empresas do setor químico-industrial, desenvolve projetos transversais e esses projetos visam aplicar os conceitos da biorrefinaria para agregar valor à lignina e à cadeia de produção de indústrias que processam esse tipo de matéria-prima. Com essa temática, explica o pesquisador da Embrapa, Clenilson Rodrigues, inúmeras são as possibilidades de se alcançar produtos estratégicos para a balança comercial do País, principalmente
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Imagem da palestra "An introduction to Borregaard and the BALI process"
pelo fato de ser empregada matéria-prima renovável que pode suprir a dependência de insumos provenientes da cadeia petroquímica e que muitas vezes precisam ser importados. Nesse mesmo segmento, uma das empresas que utiliza esse recurso e transforma os produtos originados da lignina em materiais de alto valor agregado é a Borregaard. Instalada na Noruega, a empresa possui um grande aparato tecnológico utilizado na extração e no desenvolvimento de produtos à base de lignina, sua principal matéria-prima. Com 50 anos de história no ramo, ela se consolida na indústria como a biorrefinaria mais avançada no mundo. A mais nova tecnologia patenteada pela Borregaard é a Bali. Este processo garante a extração do material a partir das fibras vegetais de
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vários tipos de matéria-prima, como exemplo, madeira e bagaço de cana-de-açúcar. Com as fibras vegetais devidamente processadas, o objetivo é extrair uma lignina com qualidade que possa ser convertida em seus produtos, assim como obter açúcar que, como subproduto do processo, pode ser utilizado para a produção de biocombustível. Para a melhor destinação destes açúcares, a empresa busca parcerias potenciais para a construção de suas fábricas. Cerca de 99% das indústrias de papel utiliza a lignina como combustível para a queima, diz o CEO da Borregaard, Toger Togersen. Diferentemente dos seus concorrentes, a Empresa foca na obtenção da lignina como matéria-prima para obtenção de diversos produtos.
Imagem da palestra "An introduction to Borregaard and the BALI process"
“Na Noruega, a fábrica está integrada com os produtos de celulose e celulose especial. Nós utilizamos os subprodutos de celulose para produzir lignina e outros produtos. Produzimos, por exemplo, palmilina a partir de madeira e somos a única empresa no mundo que faz isso, além de produzirmos outros produtos na biorrefinaria”, conta Togersen.
É uma possibilidade usarmos eucalipto, pinus, e podemos usar bagaço de cana-de-açúcar também. Nenhuma possibilidade está sendo deixada de lado. Nós sabemos que existe uma área muito grande plantada com pinus e eucalipto no Brasil, da mesma forma que cana, então estamos considerando essa alternativa também.”
Mercado brasileiro
Para todas as fábricas que têm o processo de queima habitualmente usado, a melhor opção é queimar, pois o uso da lignina é muito limitado devido ao processo e à qualidade do licor negro da lignina, nos casos em que, por exemplo, os produtores aqui no Brasil usam o bagaço na queima ou a própria lignina.
“O Brasil é um mercado estratégico para nós”, afirmou Toger. Ele salienta que o País está sendo levado em consideração. "É um mercado muito interessante para nós, um mercado estratégico, e, com essa tecnologia, nós podemos continuar a desenvolver e a crescer, para atender ao mercado e nos mantermos na vanguarda da tecnologia, porque nós operamos a biorrefinaria mais avançada do mundo."
Mas no caso do processo sufito, que tem a formação da lignina com cozimento baseado em diferentes agentes químicos, tem uma opção
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para utilizar essa matéria-prima para produzir produtos de valor agregado, salientaToger. “Mas para fazer isso você precisa ter um conhecimento da tecnologia, um know-how de mercado, uma equipe de vendas que conheça os produtos, e que tenha capacidade para dar suporte técnico. Esse processo denominado Bali é uma tecnologia que permite extrair uma lignina de qualidade e obter produtos baseados em vários tipos de matérias-
primas. A lógica é a seguinte, conta Toger, no método Bali pode-se trabalhar com quase qualquer tipo de matriz vegetal, por exemplo, o bagaço de cana, uma biomassa abundante no Brasil. A proposta é instalar fábricas perto das usinas de cana e, em uma parceria, utilizar o bagaço para extrair a lignina, que é nosso foco, e devolver a celulose e hemicelulose para serem fermentados para produção de etanol.
Imagem da palestra "An introduction to Borregaard and the BALI process"
Exemplo de integração entre a tecnologia Bali e uma planta de etanol de 1ª geração
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