ISSN 2238-1023
AGROENERGIA
em REVISTA
Esta é uma publicação da Embrapa Agroenergia
Ano IV, nº 10, dezembro de 2016
Microalgas
AGROENERGIA EM REVISTA EXPEDIENTE Esta é a edição nº 10, dezembro de 2016, da Agroenergia em Revista, publicação de responsabilidade do Núcleo de Comunicação Organizacional da Embrapa Agroenergia.
Chefe-Adjunta de Administração Elizete Floriano Jornalista Responsável Daniela Garcia Collares (MTb/114/01 RR)
Chefe-Geral Guy de Capdeville
Colaboração Elvis Costa e Stephane Paula
Chefe-Adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento Bruno dos Santos A. Figueiredo Brasil
Consultoria e Revisão Técnica Bruno dos Santos A. Figueiredo Brasil
Chefe-Adjunto de Transferência de Tecnologia Alexandre Alonso Alves
www.embrapa.br/agroenergia
Capa, projeto gráfico e diagramação Maria Goreti Braga dos Santos Fotos das capas Vivian Chies e Goreti Braga
Contato www.embrapa.br/fale-conosco/sac
ISSN 2238-1023 Tiragem: 1.000 exemplares Impressão e acabamento Embrapa Informação Tecnológica Todos os direitos reservados Permitida a reprodução das matérias desde que citada a fonte. Embrapa Agroenergia Parque Estação Biológica (PqEB), s/n° Ed. Embrapa Agroenergia. Caixa Postal 40.315 CEP 70770-901, Brasília, DF Fone: +55 (61) 3448-1581
issuu.com/embrapa
Assista ao vídeo em: https://www.youtube.com/watch?v=XBfeXnbeSO4
Microscopia de algas Foto: Bruno Brasil
twitter.com/cnpae
Panorama 4
Aposta na pesquisa com microlgas
6 Microalgas: Alternativas promissoras para a indústria
Pesquisa 12
Desenvolvendo supermicroalgas
16
Integração com a indústria petrolífera
18
Ganhando escala
24
óleos valiosos
26
Tratamento de dejetos suínos com microalgas
32
microalgas em efluentes das cadeias de biocombustíveis
36
Microalgas contra a gripe
Mercado 40
Negócio inovador
42
Microalgas nos cremes da Natura
Foto: Bruno Brasil
44 Uma startup no mercado brasileiro de microalgas 48
Captura de carbono
50
Nordeste já produz cianobactérias
54
Microalgas na dieta animal
Prezado Leitor,
ser um importante ator no novo cenário bioeconômico mundial, teremos que abraçar soluções
Tenho o prazer de lhe apresentar a 10ª edição
tecnológicas que realmente façam a diferença.
da nossa publicação Agroenergia em Revista,
Mas, como o leitor verá nos diferentes arti-
um periódico que trazemos à sociedade com
gos aqui publicados, apesar do grande poten-
o objetivo de divulgar temas de interesse para
cial das microalgas, ainda temos inúmeros desa-
diferentes públicos. Nesta edição, tratamos do
fios técnicos e científicos que precisarão serem
tema Microalgas – alternativas promissoras para
vencidos. O que nós da Embrapa Agroenergia,
a indústria. Aqui, são apresentadas matérias
junto com nossos importantes parceiros, como
sobre o potencial biotecnológico das microal-
a UFMG, a FURG, a UFRN, a UFSC, a UFPR, a
gas como biofábricas para produção desde bio-
UFSCar, entre outros, estamos fazendo é traba-
combustíveis, químicos, biomateriais e polímeros,
lhar intensamente para vencermos os desafios
até seu potencial de atuar como remediadoras
técnico-científicos que permitirão que o Brasil
de efluentes agroindustriais. As microalgas têm
consiga desenvolver tecnologias nacionais para
sido olhadas não somente como uma importante
colocarmos as microalgas no rol de estratégias
fonte de biomassa e de outros produtos, mas
nacionais que realmente trarão resultados para
também como uma excelente forma de aprovei-
a sociedade brasileira.
tar gases de emissões industriais (GEE) que são
Entretanto, além dos desafios técnico-cien-
importantes atores no aquecimento global, pois
tíficos a serem vencidos, teremos também que
as mesmas utilizam gases como o CO2 para pro-
atuar juntos às instituições públicas e ao Poder
dução de biomassa e biomoléculas. As microal-
Legislativo para criarmos políticas públicas de
gas têm despertado o interesse de indústrias de
estado que ajudem o País a de fato mudar de
diferentes setores como o setor de cosméticos,
uma economia de base fóssil para uma economia
farmacêutico, de nutrição animal e humana, de
de base renovável. Este é o movimento que está
energia, entre outros, pois são capazes de cres-
acontecendo em todo o planeta, e o Brasil, pela
cer em ambientes geralmente inóspitos à vida
sua natureza, deverá ter um papel de destaque
como águas salobras, áreas inaptas à produção
neste novo contexto econômico.
agrícola. O Brasil, além de ter a mais rica biodiversidade de microalgas em seu território, possui área
Desejo a você, leitor, um excelente proveito deste trabalho que a nossa equipe desenvolveu especialmente para você.
Foto: Priscila Borges
e insolação altamente favoráveis ao cultivo das mesmas. São essas características que tornam o
Guy de Capdeville
Brasil um importante player no cenário futuro de
Chefe-geral da Embrapa Agroenergia
utilização de microalgas com biofábricas para a produção de inúmeros ativos alinhados ao novo contexto de uma economia circular. Se quisermos
Agroenergia em Revista │ Edição 10 3
Panorama
APOSTA NA PESQUISA COM MICROLGAS Governo Federal investe em pesquisas com microalgas para biocombustíveis e bioprodutos Por: Daniela Collares, jornalista da Embrapa Agroenergia
C
om os resultados promissores
De acordo com ele, foram poucas as
da pesquisa e com o forte apelo
estudadas dentro de um contexto muito
na diversificação das matérias-
grande de possibilidades. Ele reforça a
-primas utilizadas na produção de bio-
importância do incentivo de pesquisa em
combustíveis e, atualmente, também para
desenvolvimento na identificação desse
bioprodutos e químicos renováveis, as
potencial real, tanto das microalgas de água
microalgas entram no rol da aposta do
doce e quanto daquelas de águas salgadas.
Governo Federal.
Uma das ações específicas do Ministério é
O País tem as condições edafoclimáticas favoráveis para que as microalgas se
para identificar o potencial das microalgas para produção de biodiesel.
tornem umas das principais fontes para os
Já foram investidos mais de 26 milhões de
biocombustíveis. “O Brasil tem área, sol e
reais em pesquisas com microalgas, vários
água e uma grande diversidade de algas
projetos estão em andamento e, certamente,
que podem atender a diversas deman-
ressalta Menezes, o Ministério vai aumentar
das”, diz Rafael Menezes, Coordenador
os investimentos nessas pesquisas, não só
de Inovações em Tecnologias Setoriais do
na parte de microalgas, como a produção de
Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação
biodiesel como um todo.
e Comunicações (MCTIC). “Eu vejo isso
Com o aumento gradativo da mistura de
como uma vantagem competitiva do País,
biodiesel ao diesel, é importante o incen-
ser tão rico em diversidade de espécies,
tivo à pesquisa para encontrar novas fon-
onde você tem toda uma biodiversidade a
tes de matérias-primas na produção do
nosso favor”, destaca Menezes. “Ainda se
biocombustível. “Um dos grandes garga-
tem uma diversidade e o potencial enorme
los na produção do biodiesel é a diversi-
de microalgas para se conhecer“.
ficação de matérias-primas graxas, hoje
4 Agroenergia em Revista │Edição 10
quase todo o biodiesel produzido no País é
cerca de 10 instituições, justamente em um
a partir da soja e do sebo bovino”, comple-
esforço concentrado em pesquisar essa via-
menta. “Temos que encontrar novas fontes
bilidade técnico-econômica”. Foram abertos
de matérias-primas graxas para diversificar
alguns editais e chamadas públicas, por meio
o rol de possibilidades”, disse.
do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Tudo isso se torna necessário devido
Cientifico e Tecnológico (CNPq), que apoia-
ao alto custo de produção, em que cerca
ram vários projetos no País. “Hoje temos
de 70% a 80% é o custo da aquisição da
projetos espalhados por diferentes regiões
matéria-prima. Nesta lógica, o investimento
do Brasil”, destacou.
em novas fontes de matérias-primas graxas
Um dos desafios é incentivar parcerias
mais produtivas é fundamental para reduzir
entres instituições públicas e privadas. Rafael
o custo do biodiesel.
citou como exemplo a parceria da Peugeot
Menezes destaca que a literatura cien-
e Citroën com a Universidade Federal do
tifica e as pesquisas em desenvolvimento
Paraná. Um trabalho que incentiva a produ-
já mostram que as microalgas têm um
ção de microalgas a partir de fotobioreatores.
grande potencial de produção por hectare.
Ele complementa que ainda está muito inci-
Resultados de pesquisas já apontam que
piente, mas a tendência e aumentar.
esta matéria-prima pode chegar até 6 tone-
“O que percebemos, é que não é somente
ladas de óleo por hectare, o que vem a ser
o Governo que está investindo em microal-
uma grande vantagem em relação à soja.
gas, mas também empresas privadas, tanto
Os dados são preliminares e as pesquisas
no potencial energético, como para outros
financiadas no Brasil estão caminhando com
bioprodutos”. Menezes salientou que as
o objetivo de alcançar a viabilidade técnica
microalgas estão sendo vistas como maté-
e econômica dessa produção. Se comparar-
ria-prima dentro da lógica de biorrefinarias,
mos com a soja, que produz, somente, 340 a
onde você pode ter produtos como combus-
400 quilos de óleo por hectare, as microalgas
tíveis, pigmentos, fármacos, ácidos graxos
estão muito além dessa produção.
polissaturados, tem uma gama de produtos.
Segundo o coordenador, entre 2007 e
O MCTIC acredita que as microalgas têm
2008, por meio do Ministério, foram incen-
potencial para entrar não só na produção
tivados projetos em rede de pesquisa para
de biodiesel, como na produção de bioque-
otimizar os esforços públicos entre as univer-
rosene de aviação, que é outro mercado que
sidades e empresas de pesquisas, como a
desponta com potencial interesse nas micro-
Embrapa. “Nós estruturamos um grande pro-
algas. “Enfim, nós estamos incentivando e
jeto em rede de pesquisa no País, envolvendo
vamos continuar”, conclui Rafael Menezes.
Agroenergia em Revista │ Edição 10 5
ARTIGO
Panorama
MICROALGAS: ALTERNATIVAS PROMISSORAS PARA A INDÚSTRIA
Foto: Goreti Braga
Por: Bruno dos Santos Alves Figueiredo Brasil e Lorena Costa Garcia
6 Agroenergia em Revista │Edição 10
A
indústria de base biológica deve
agregado que são produzidos em pequena
desempenhar papel de destaque
e média escala, principalmente na China, no
no século 21. Os desafios relacio-
Japão e nos Estados Unidos. O ramo mais tra-
nados às mudanças climáticas globais e à
dicional do cultivo de algas utiliza espécies de
dependência excessiva de fontes energéticas
macroalgas vermelhas (Rodophyta) e pardas
fósseis tradicionais fomentam, cada vez mais,
(Phaeophyta) para produção de espessantes
investimentos em tecnologias inovadoras com
(ficocoloides), como alginato, carrageninas e
maior sustentabilidade ambiental. Além disso,
ágar-ágar, ou de nori, utilizado na culinária orien-
as projeções para o crescimento populacional
tal. Esses mercados movimentam mais de US$
mundial indicam que haverá um forte aumento
10 bilhões por ano.
na demanda por energia e alimentos ao longo das próximas décadas.
Já a produção de microalgas constitui vertente mais recente e crescente do cultivo de
Frente a esse cenário, a utilização de maté-
algas. A produção anual mundial de biomassa
rias-primas renováveis e a integração de proces-
de microalgas triplicou no período de 2004 a
sos industriais em um conceito de biorrefinaria
2013, quando atingiu a marca de 15 mil tone-
são vistas como soluções potenciais susten-
ladas/ano (peso seco). As principais espécies
táveis para suprir parte da demanda por ener-
cultivadas pertencem aos gêneros Arthrospira
gia, alimentos, químicos e materiais. Em uma
(Spirulina) e Chlorella, sendo utilizadas como
biorrefinaria, processos convertem a biomassa
fontes de pigmentos para a indústria de cos-
em vários produtos comercializáveis e energia,
méticos ou como suplementos proteicos para a
otimizando o uso dos recursos e minimizando a
alimentação humana e aquicultura. As espécies
geração de resíduos. Assim, existe uma neces-
Dunaliella salina e Haematococcus pluvialis são
sidade de ampliar o leque de produtos de base
usadas como fonte de pigmentos e antioxidan-
biológica, de modo a substituir os derivados de
tes, como os carotenoides astaxantina, canta-
petróleo, tais como as commodities químicas e
xantina e betacaroteno, cujo valor de mercado
materiais. A consciência desses desafios tem
pode atingir US$ 8 mil por quilo. Ácidos graxos
direcionado investimentos para a pesquisa e a
poli-insaturados ômega-3 e ômega-6, tais como
produção comercial de matérias-primas alterna-
EPA (ácido eicosapentaenoico) e DHA (ácido
tivas, como as microalgas.
docosahexaenoico), também são produzidos
O mercado de produtos derivados de algas Atualmente, os produtos produzidos a partir
a partir de microalgas e compõem formulações nutricionais infantis, bebidas e suplementos dietéticos. O mercado atual para esses produtos é avaliado em cerca de US$ 6,25 bilhões.
de algas abastecem principalmente os merca-
Todavia, a viabilidade econômica do cultivo
dos de cosméticos, higiene pessoal, nutrição
em larga escala de microalgas para produção
humana e animal. Trata-se de produtos de valor
de produtos de baixo valor agregado (como
Agroenergia em Revista │ Edição 10 7
Aplicações - Nutrição Humana e animal - Biomédica (corantes)
Aplicações - Nutrição Humana e Animal - Cosméticos (antioxidantes)
Aplicações - Cosméticos (filtros solares)
Exemplos - Astaxantina / Cataxantina - Ficocianina
Exemplos - EPA - DHA
Pigmentos
Ácidos graxos poli-insaturados
Aminoácidos tipo micosporinas
Aplicações - Alimentos (estabilizantes) - Biomédica /farmacêutica
Aplicações - Nutrição Animal (aquacultura)
Aplicações - Nutrição Humana e Animal
Exemplos - Ágar - Carragenina / Alginato
Exemplo - Fitosterol
Ficocoloides
Esteróis
Aminoácidos e proteínas
Aplicações - Etanol - Bioplásticos - Blocos construtores químicos
Aplicações - Biodiesel e bioquerosene - Surfactantes - Lubrificantes - Polímeros
Aplicações - Biogás e energia - Fertilizantes - Biofixação de CO2 e tratamento de efluentes
Carboidratos
Lipídeos
Biomassa
Exemplo - Porphyra
Exemplos - Chlorella - Spirulina
Tamanho de mercado
Valor agregado do produto
ARTIGO
Panorama
Mercado para produtos derivados de algas
commodities químicas, biomateriais e energia)
controle de pragas e na otimização dos proces-
ainda não foi atingida.
sos de colheita. Visando superar esses gargalos,
Assim, embora já tenha sido demonstrada a
investimentos consideráveis e crescentes em
viabilidade técnica de se produzir bioplásticos,
pesquisa e plantas industriais demonstrativas
polímeros e biocombustíveis, como biodiesel,
(pré-comerciais) estão sendo realizados em
etanol e bioquerosene, por meio de microalgas,
diversos países, incluindo o Brasil.
tais processos ainda não apresentam custos
A expectativa é que a produção de micro-
de produção competitivos com derivados da
algas no mundo continue a crescer nos próxi-
indústria petroquímica. Os desafios tecno-
mos anos, levando ao aumento de escala dessa
lógicos atuais consistem principalmente no
indústria e à superação dos gargalos atuais.
melhoramento genético de cepas, no desen-
O ganho de escala, por sua vez, possibilitaria
volvimento de métodos eficientes de cultivo, no
o abastecimento de mercados maiores com
8 Agroenergia em Revista │Edição 10
subprodutos ou excedentes da produção. Um
biodiesel ou etanol, respectivamente; (iv) cul-
exemplo seria a extração do óleo de microalgas
tivo em água do mar, água salobra ou mesmo
para produtos de alto valor agregado (Ex: ácidos
em águas residuais e (v) produção sobre ter-
graxos poli-insaturados) e o aproveitamento da
ras não agricultáveis. As microalgas também
biomassa residual para geração de produtos de
podem ser colhidas continuamente ao longo
menor valor agregado, mas que abastecem mer-
do ano em regiões tropicais, sem período de
cados maiores, como o de nutrição animal. Algo
entressafra. Além disso, o cultivo e o proces-
similar já ocorre nas cadeias produtivas atuais
samento de microalgas podem ser realizados
de soja, cana-de-açúcar e milho, em que essas
em um mesmo local, uma característica que
plantas servem de matéria-prima para produção
favorece a produção integrada e sequencial de
concomitante de alimentos, biocombustíveis e
vários produtos e reduz os custos de logística
outros bioprodutos. Em um horizonte de médio/
nas instalações de biorrefinarias.
longo prazo, modelo semelhante poderia ser
Assim, há oportunidades para o desenvol-
estabelecido para a produção em larga escala
vimento de uma indústria sustentável baseada
de microalgas, como Chlorella, visando à obten-
em microalgas cuja produtividade é indepen-
ção simultânea de produtos como betacaroteno,
dente da fertilidade do solo e menos depen-
ração animal e biocombustível, por exemplo.
dente da pureza da água. De fato, são várias as iniciativas em andamento no mundo que
O potencial biotecnológico das microalgas As microalgas são organismos unicelulares ou coloniais fotossintéticos que estão naturalmente presentes em diferentes ambientes aquáticos/úmidos, incluindo rios, lagos, oceanos e solos. Elas podem ser usadas como fonte
buscam integrar a produção/processamento de microalgas à indústria de combustíveis, além do tratamento de águas residuais municipais, industriais e rurais.
A pesquisa e a produção de microalgas no contexto nacional
para síntese de vários bioprodutos, tais como
O Brasil possui uma grande área costeira
combustíveis, químicos, materiais, cosméti-
tropical e conta com 12% do abastecimento de
cos, ração animal e suplementos alimentares.
água doce mundial. Além disso, recebe níveis
A biomassa de algas possui vantagens consi-
de insolação altos e constantes ao longo do
deráveis sobre matérias-primas tradicionais,
ano na maior parte do seu território. O País tam-
como: (i) alta produtividade - geralmente de 10
bém é lar da flora mais rica do mundo e possui
a 100 vezes maior do que as culturas agrícolas
mais de 3,5 mil espécies de algas catalogadas.
tradicionais; (ii) captura de carbono altamente
Todas essas características garantem vanta-
eficiente; (iii) elevado teor de lipídeos ou amido,
gens consideráveis ao Brasil para a produção
que podem ser utilizados para produção de
em larga escala de microalgas.
Agroenergia em Revista │ Edição 10 9
ARTIGO
Panorama
iniciou a criação de uma coleção de microrganismos fotossintéticos isolados de vários biomas brasileiros, como Pantanal, Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado. Em seu programa de pesquisa, liderado pela unidade Embrapa Agroenergia, a empresa objetiva o melhoramento Foto: Bruno Ramos
genético de microalgas nativas visando à produção e aproveitamento industrial da biomassa algal no contexto de biorrefinarias. Ainda Biomassa de algas O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) investiu mais de R$ 26 milhões durante os últimos oito anos em programas de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a produção de biodiesel e bioprodutos a partir de microalgas. Esses investimentos fomentaram a estruturação de redes de colaboração entre várias universidades e institutos de pesquisa do País. Atualmente, mais de 40 laboratórios/instituições de pesquisa brasileiros mantêm coleções de algas (microalgas, macroalgas e cianobactérias). Um dos destaques é coleção da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), que mantém centenas de cepas de microalgas e cianobactérias isoladas de corpos d’água localizados no Estado de São Paulo e regiões adjacentes. Além disso, em 2012, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa)
em 2012, a Petrobras, em parceria com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), iniciou testes de cultivo de microalgas marinhas para a produção de biodiesel em uma planta-piloto construída no Município de Extremoz, RN. Empresas privadas de biotecnologia também estão buscando atingir a produção comercial de microalgas no Brasil. Um dos destaques é a joint venture entre a Bunge e a empresa americana TerraVia1, que investiu US$ 120 milhões na construção de uma planta comercial na cidade de Orindiúva, SP. Em operação desde 2014, a Bunge-TerraVia utiliza algas que consomem a sacarose produzida na usina de cana-de-açúcar adjacente para produzir óleos de alto valor agregado para fins não energéticos. Esses ácidos graxos são vendidos a empresas como Natura e Unilever, para utilização em formulações cosméticas e de higiene pessoal. Já a startup brasileira Algae, sediada em Piracicaba, SP, atua na biofixação
1 TerraVia é nome atual da empresa americana anteriormente denominada Solazyme.
10 Agroenergia em Revista │Edição 10
de emissões de carbono e biorremediação
próximo, para mercados maiores e de menor
de efluentes líquidos industriais por meio do
valor agregado como o de biocombustíveis,
cultivo de microalgas, cuja biomassa é poste-
energia e biomateriais. Embora barreiras tec-
riormente aproveitada para nutrição animal. O
nológicas e mercadológicas ainda precisem
Instituto Fazenda Tamanduá é pioneiro no cul-
ser superadas para que esse cenário se torne
tivo comercial de Spirulina no Brasil. A empresa
realidade, os ganhos potenciais oriundos da
está localizada na cidade de Patos, PB, e tem
exploração dessa matéria-prima estimulam,
como principal vantagem estar muito próxima
cada vez mais, investimentos nessa área.
à linha do Equador, o que garante calor, insolação forte e dias longos, durante todo o ano. atores abertos (tanques tipo raceway), de 25
Fo to :
O cultivo das microalgas é feito em fotobiorre-
ig dr Ro
erreira oF
mil litros cada, que rendem em média 20 kg de biomassa seca por semana. É importante destacar que a produção nacional de Spirulina é insuficiente para atender à demanda doméstica e a maior parte dessa matéria-prima é importada da China. Por outro lado, algumas iniciativas precisaram realinhar seus objetivos no trabalho com microalgas. É o caso da empresa Brastax, que foi criada com foco no tratamento de efluentes industriais utilizando microalgas
Bruno dos Santos Alves Figueiredo Brasil Biólogo, com mestrado e doutorado em Microbiologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é pesquisador e Chefeadjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Agroeneregia
e também na produção de bioprodutos, como o antioxidante astaxantina. Além da mudança redirecionou seu plano de negócios para a
s ta
El vi
Co
Fot o:
de nome, sendo agora Ocean Drop, a empresa
s
venda de Spirulina e Chlorella. Portanto, observam-se, atualmente, no Brasil, investimentos no desenvolvimento tecnológico e o início da exploração comercial de microalgas, começando pelos produtos de alto valor agregado obtidos a partir delas. Espera-se que a consolidação e o crescimento dessa indústria abram caminho, no futuro
Lorena Costa Garcia Engenheira de Alimentos com mestrado e doutorado na mesma área pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É analista da Embrapa Agroenergia
Agroenergia em Revista │ Edição 10 11
Pesquisa
DESENVOLVENDO SUPERMICROALGAS Os passos da engenharia genética de microrganismos fotossintéticos no Brasil Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia
Fotos: Bruno Brasil
12 Agroenergia em Revista │Edição 10
T
oda a produção agropecuária comercial
gasto energético e um processo de conversão
está baseada em espécies domestica-
baseado em liquefação hidrotérmica. Ao lado
das que passaram por anos ou déca-
dessa última, a obtenção de novas linhagens
das de melhoramento genético. Mais recente-
por modificação genética foi a que alcançou
mente, o desenvolvimento de novas cultivares
melhor resultado: 85% de redução de custo.
e estirpes ganhou celeridade e ampliou possi-
As outras duas estratégias não conseguiram
bilidades com as ferramentas de engenharia
diminuir mais do que 16%.
genética, que permitem a expressão ou o silen-
Qualquer programa de engenharia genética,
ciamento de genes para obter características
contudo, precisa primeiramente de conheci-
de interesse. É de se esperar que o mesmo
mento sobre a espécie com que se pretende
trabalho tenha de ser feito com as microalgas
trabalhar. No caso das microalgas, essa base
para que se atinja a viabilidade comercial dos
ainda está em construção. Basta comparar:
cultivos, seja para o mercado de commodities,
o primeiro genoma completo de bactéria foi
seja para produtos de alto valor agregado.
apresentado em 1995, o humano foi concluído
Mais do que uma expectativa baseada na observação do que já funciona, a necessidade
em 2003, mas só em 2007 foi sequenciado o DNA de uma microalga.
de investimentos na modificação genética foi
Com o aumento do interesse por esses
comprovada por um grande estudo sobre
organismos, mais genomas estão sendo
microalgas para produção de biocombustíveis
divulgados e vários programas de sequen-
e bioprodutos financiado pelo governo dos
ciamento estão em andamento. Na Embrapa
Estados Unidos. Esse trabalho analisou a efe-
Agroenergia, quando começaram a ser estru-
tividade de quatro estratégias de inovação para
turadas as ações de pesquisa com micro-
redução do custo de produção de microalgas:
algas, logo se colocou a genética e a bio-
desenvolvimento de novas estirpes, melhorias
tecnologia como um dos pontos centrais.
no cultivo, tecnologias de colheita de baixo
O pesquisador Bruno Brasil explica que a
Foto: Vivian Chies
Embrapa Agroenergia fez o sequenciamento do genoma de duas microalgas nativas do Brasil
Agroenergia em Revista │ Edição 10 13
Pesquisa
decisão visava aproveitar uma das grandes
desenvolver esse pacote tecnológico”, conta o
vantagens competitivas do País: a rica biodi-
pesquisador da Embrapa Agroenergia.
versidade. A estimativa é que ¼ das espécies de microalgas de água doce do planeta ocor-
Cianobactérias
ram em águas brasileiras.
Paralelamente a esse trabalho de buscar solu-
Como resultado de um trabalho de três
ções na biodiversidade brasileira, a equipe
anos, a equipe da Embrapa Agroenergia
também começou a construir ferramentas
sequenciou o genoma de duas espécies de
para modificação genética de uma espécie
microalgas nativas do Brasil, selecionadas por
não nativa, mas que já tinha o genoma sequen-
crescerem de modo eficiente utilizando como
ciado. Nesse caso, o objetivo era fazer com
meio de cultura a vinhaça — resíduo abundante
que o organismo produzisse e secretasse
nas indústrias de açúcar e etanol. Uma dessas
betaglicosidases, um dos grupos de enzimas
espécies não está sequer descrita ainda na lite-
necessários para a produção de etanol celu-
ratura. A equipe, agora, vai se empenhar em
lósico, por exemplo. Outra diferença é que o
construir ferramentas moleculares que permi-
grupo trabalhou não com microalgas, mas com
tam a modificação genética dessas espécies
cianobactérias.
para potencializar o rendimento. “Nós sabía-
Conhecidas como algas azuis, as ciano-
mos que, trabalhando com espécies nativas,
bactérias também são seres unicelulares e
havia a chance de encontrarmos coisas novas
microscópicos capazes de realizar fotossíntese.
e mais produtivas do que materiais de outras
Porém, são organismos mais simples. O pro-
partes do mundo. Mas, ao mesmo tempo,
fessor Luis Fernando Marins, da Universidade
por ser novo, sabíamos que seria necessário
Federal do Rio Grande (FURG), compara o genoma delas. Enquanto o genoma de uma
Foto Bruno Brasil
das cianobactérias com que ele está trabalhando tem 2,6 milhões de pares de bases, o de uma microalga chega a 120 milhões, ou seja, é 60 vezes maior. Além disso, os meios de cultivo para as cianobactérias são geralmente mais baratos.
Cianobactéria do gênero Synechococcus modificada geneticamente pela Embrapa Agroenergia em parceria com a FURG
14 Agroenergia em Revista │Edição 10
Outra vantagem é justamente o fato
chegar aos resultados esperados não é
de muitas delas não acumularem com-
tarefa fácil. As microalgas e cianobacté-
postos dentro de suas células, mas
rias estão na Terra há milhões de anos,
secretarem no meio em que estão cres-
evoluindo e construindo mecanismos
cendo. Num sistema que utilize as micro-
para proteger seu próprio DNA. “Temos
algas ou cianobactérias para obtenção
maneiras de controlar isso, mas não é
de óleos ou compostos químicos, rom-
fácil”, diz Marins.
per as células para extrair de dentro dela
Em parceria com a Universidade
esses compostos é um dos desafios. Se,
Federal de Minas Gerais, a FURG tem
contudo, elas secretarem esses compos-
investido nas ferramentas de informática
tos no meio de cultivo, pode-se conse-
para ganhar eficiência e agilidade. Com
guir reduzir o custo e o gasto energético.
a modelagem computacional, estão con-
Este último, se muito elevado, pode até
seguindo identificar mais rápida e asserti-
inviabilizar a produção de biocombustí-
vamente regiões do DNA que podem ser
veis, do ponto de vista ambiental.
modificadas para chegar aos resultados
A equipe de Marins trabalha em parce-
esperados. “A gente já está sendo alimen-
ria com a Embrapa Agroenergia na pes-
tado por essas predições para a enge-
quisa para obter cianobactérias capazes
nharia genética. Problemas complexos
de produzir betaglicosidases e secretá-las
não podem ser resolvidos com um único
no meio de cultivo. A engenharia genética
ponto de vista”, comenta.
também permite à equipe modificar as
Algumas cepas produtoras de
características das enzimas produzidas.
betaglicosidases já foram obtidas e
Podem, assim, resolver problemas como
estão, agora, em testes na Embrapa
a instabilidade em altas temperaturas, por
Agroenergia. A equipe do professor
exemplo. “Além de manipular o organismo
Marins também atua com a Petrobras,
para ele produzir uma molécula exógena,
buscando o desenvolvimento de cepas
a gente também pode fazer com que ele
capazes de fazer o mesmo com ácidos
produza uma molécula ‘engenheirada’ do
graxos, com vistas à produção de biodie-
ponto de vista molecular para que ela seja
sel. “A nossa pesquisa está indo nesse
um produto melhor nesse nosso pacote
sentido: desenvolver um pacote tecnoló-
tecnológico”, conta o professor.
gico que viabilize a produção de biocom-
Se, por um lado, a engenharia gené-
bustíveis e faça com que eles possam
tica amplia as possibilidades, por outro,
ser competitivos no mercado”, explica.
Agroenergia em Revista │ Edição 10 15
Pesquisa
INTEGRAÇÃO COM A INDÚSTRIA PETROLÍFERA Resíduo abundante, água de produção de petróleo pode ser meio de cultivo para microalgas Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia
C
om financiamento da Petrobras Biocombustíveis, universidades brasileiras estão desenvolvendo uma solução baseada em microalgas para tratar um efluente da extração do
petróleo e, ao mesmo tempo, gerar matéria-prima para o biodiesel — combustível de origem renovável alternativo ao diesel fóssil. O resíduo em questão é a chamada água de produção de petróleo. Esse efluente é constituído de duas fontes: a água que fica represada nos poços junto com o petróleo e a água injetada pelas petrolíferas como parte do processo de extração. É um material carregado de minerais, óleo, produtos químicos e gases. Por isso, é um poluente e precisa ser tratado antes de ser descartado, o que pode ser um processo bastante dispendioso para as empresas. Em alguns casos, o volume de água chega a ser maior do que o de petróleo obtido. Em 2007, o problema foi apresentado à Universidade Federal do Rio Grande (FURG), já com uma possível solução a ser investigada: o cultivo de microalgas para reduzir a carga de poluentes do efluente. À primeira vista, o professor Paulo Abreu achou que aquela era uma “missão impossível”, dadas as características do meio em que elas teriam que crescer. Ainda assim, a equipe gaúcha aceitou o desafio e começou a busca por espécies adaptadas em regiões que já tivessem algum contato com esse material, no Rio Grande do Norte. “Pra nossa surpresa, de quase 20 microalgas que a gente isolou, 13 conseguiram crescer em água de produção e,
16 Agroenergia em Revista │Edição 10
dessas, seis espécies conseguiam crescer em
Novos investimentos já foram feitos na planta-
água de produção pura, sem precisar diluir. E,
-piloto experimental da UFRN que, de acordo
além de crescer, conseguiam retirar uma série
com Viana, foi considerada uma das melhores
de elementos ruins da água e ainda produzir
do mundo. Foram construídos mais dois tan-
biomassa e lipídeos”, relata Abreu.
ques, com 20 mil litros de capacidade cada um,
O trabalho na FURG terminou em 2010 e
que serão utilizados em novos experimentos.
teve como resultado a seleção de seis cepas
As áreas de Engenharia Sanitária, Biociências
que podem ser cultivadas diretamente na
e Química da universidade devem ser integra-
água de produção de petróleo. “Elas crescem,
das aos estudos, para atuar no melhoramento
produzem biomassa e ainda limpam a água,
genético de linhagens, na avaliação do efeito do
fazendo o que a gente chama de biodepura-
cultivo sobre a água de produção de petróleo e
ção”, diz Abreu. O trabalho continua agora, na
na aplicação das microalgas.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Tanto Juliana quanto Viana acreditam que
(UFRN), onde se estabeleceu o “primeiro cul-
o semiárido nordestino possa se tornar uma
tivo do Brasil em larga escala para extração de
região produtora de microalgas. “O Rio Grande
óleo e conversão a biodiesel”, conta a profes-
do Norte tem uma das melhores condições do
sora Juliana Lichston, que coordenou a inicia-
Brasil em termos de cultivo porque nós temos
tiva potiguar até 2012.
uma grande incidência solar, constante o ano
Estão instalados na UFRN seis tanques aber-
todo”, lembra Juliana. Outro ponto favorável no
tos com 4 mil litros de capacidade, em condi-
estado é a disponibilidade de água salobra. Por
ções de temperatura e pressão ambientes, nos
isso, a equipe da professora está empenhada
quais é estudado o cultivo de duas espécies de
em identificar espécies capazes de crescer
microalgas em água de produção de petróleo.
nesse meio.
A água utilizada nos tanques vem do campo
Desenvolver tecnologia que permita o apro-
de Guamaré, onde está instalada uma refinaria
veitamento de áreas improdutivas do semiárido
que faz do Rio Grande do Norte o único estado
para produção de microalgas é o objetivo dos
brasileiro autossuficiente na produção de todos
cientistas da UFRN. “A água salobra é um grande
os tipos de derivados do petróleo.
problema para a agricultura, mas não necessa-
O professor Graco Aurélio Viana, da UFRN,
riamente para o cultivo de microalgas”, justifica
conta que, em 2015, o grupo de pesquisa
Juliana. O trabalho envolve tanto a prospecção
obteve 1,2 tonelada de biomassa seca de
de microalgas quanto o levantamento de áreas
microalgas. O rendimento com o cultivo em
improdutivas aptas à produção. A expectativa
água de produção de petróleo chegou a supe-
da professora é começar a implantar os tanques
rar o de água salobra.
para os experimentos em dois anos.
Agroenergia em Revista │ Edição 10 17
Foto: www.npdeas.ufpr.br
Pesquisa
GANHANDO ESCALA Universidades brasileiras testam a produção de microalgas fora dos laboratórios Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia
18 Agroenergia em Revista │Edição 10
E
m 2007, o neozelandês Yusuf Chisti publicou um artigo em que afirmava que as microalgas pareciam ser a única fonte capaz de atender à
demanda global do setor de transportes por biodiesel. Ele comparava a extensão de terras necessária para gerar matéria-prima que suprisse com biodiesel 50% do consumo de combustíveis do setor de transportes norte-americano. Se a fonte dos óleos fosse a soja, seria necessário cultivar com essa planta 326% a área agrícola dos Estados Unidos. Em contrapartida, se fossem utilizadas as microalgas, não se ocupariam mais do que 2,5%. Contudo, fazer a produtividade surpreendente observada em microalgas nas bancadas de laboratórios repetir-se em escalas maiores não é tarefa fácil – às vezes, nem possível. E, quando se fala em matéria-prima para biocombustíveis, a escala é de milhões de litros. Na vidraria dos laboratórios, as microalgas estão protegidas de grandes variações de temperatura, pH e concentração de nutrientes, bem como da concorrência com outros microrganismos. Nos tanques a céu aberto, e mesmo nos sistemas fechados de cultivos, não há controle absoluto dessas condições e as algas gastam energia defendendo-se, adaptando-se. Resultado: crescem menos. Nas universidades brasileiras, grupos estão tirando as microalgas dos laboratórios e testando o comportamento delas em condições mais próximas do que seria a produção em larga escala. Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a equipe do Laboratório de Cultivo de Algas avalia o potencial das espécies em quatro etapas. As três primeiras vão de 1 a 200 litros de cultivo e são feitas em sistemas fechados com iluminação artificial, água filtrada e injeção de CO2. São tratadas “a pão de ló”, resume o professor Roberto Bianchini Derner. Quando passam para a próxima etapa, em tanques de até 10 mil litros, tudo muda. Um ponto crucial para dar melhores condições de desenvolvimento aos cultivos
Agroenergia em Revista │ Edição 10 19
Pesquisa
é a inoculação – a colocação das primeiras
determinada espécie pode acumular pouco
cepas de microalgas no tanque para que se
volume de óleo; no entanto, ao ser limitado
multipliquem e cresçam. “Se as trouxermos
o fornecimento de um nutriente ou alterado o
de um cultivo fechado a 25 °C de temperatura
pH, por exemplo, a situação muda. “O que dá
e passarmos para o exterior, com 35 °C, mui-
certo em quase 100% das vezes é uma ques-
tas células já não resistirão a essa mudança”,
tão nutricional. Ela precisa ter nitrogênio para
exemplifica Derner. É preciso, então, o cuidado
a produção de proteína. Quando a microalga
de escolher até o horário de inoculação. “Se o
percebe que não vai mais crescer porque está
estresse começa no momento zero do cultivo,
faltando nitrogênio, as células algais come-
a cultura não vai crescer.”
çam a acumular compostos de reserva – pri-
Mas o estresse nem sempre é ruim para a produção de microalgas. Situações de estresse, embora indesejadas no momento da
meiro carboidratos e, depois, lipídios”, conta o professor.
inoculação, podem ser a chave para fazê-las
Contaminação
produzir óleo com a qualidade e o perfil deseja-
Como estratégia para evitar contaminação nos
dos. Derner conta que, em cultivos nos quais as
tanques, a equipe da UFSC tem adotado um
condições estão plenamente favoráveis, uma
sistema de cultivo semicontínuo, em que uma parte da população de microalgas é retirada em intervalos regulares de tempo, mas sempre mantendo uma alta concentração delas, evitando deixar espaço para que outros organismos se proliferem demais. “De vez em quando acontece (a contaminação com outros organismos), mas é menos frequente quando a gente toma esse cuidado”, diz Derner. Na opinião do cientista, em produções de larga escala, será muito difícil zerar a contaminação. “Eu acredito que, quando a gente partir para a escala de centenas de milhares de litros ou milhões de litros, vai ser quase impos-
Foto: Roberto Bianchini Derner
sível ter uma espécie só num tanque”, antevê. Derner ressalta que a escala em que trabalha seu laboratório é ainda muito pequena perto do que será necessário para a produção de biocombustíveis. “Para mim, 10 mil litros ainda é produção de laboratório, nem é piloto. Para
20 Agroenergia em Revista │Edição 10
biodiesel, teria que multiplicar por mil o que estamos fazendo aqui”, explica. Dos tanques da UFSC sai biomassa para uma rede de pesquisa fomentada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações com universidades em várias regiões. Parte das linhagens de microalgas investigadas vem da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), que tinha identificado ainda precisavam ter o desempenho em escala avaliado. Derner compartilha da visão de que a produção de biocombustíveis a partir de microalgas só será viável junto com os coprodutos, além dos coprocessos – tratamento de efluentes por
Foto: www.npdeas.ufpr.br
nelas um bom perfil de ácidos graxos, mas que
exemplo. Mas continua firme no propósito de chegar à viabilidade econômica do biodiesel.
NAS ALTURAS Fotobiorreator tubular da UFPR alcança oito metros de altura Uma sequência de tubos transparentes com um líquido verde, formando uma espécie de espiral quadrada que começa no chão e se eleva até alcançar oito metros de altura. Cinco estruturas dessas estão instaladas no pátio do Núcleo de Pesquisa e Desenvolvimento de Energia Autossustentável (NPDEAS), na
Foto: Roberto Bianchini Derner
Universidade Federal do Paraná. O verde do líquido que corre pelos tubos vem das microalgas que ali crescem. Elas integram as linhas de pesquisa do núcleo, mas surgiram ali de uma forma quase curiosa. O professor André Bellin Mariano, gestor do NPDEAS, conta que, desde a criação do núcleo
Agroenergia em Revista │ Edição 10 21
Foto: www.npdeas.ufpr.br
Pesquisa
a ideia era que o prédio ganhasse autossufici-
cultivo de microalgas. “A única forma de cres-
ência em energia, gerando biogás a partir dos
cer microalgas em um pátio muito pequeno
resíduos do centro politécnico da Universidade.
era com essa configuração”, afirma Mariano.
Logo se percebeu, contudo, que não haveria
O projeto foi feito pelo professor José
volume de material para gerar biogás suficiente
Vargas, engenheiro mecânico, usando a expe-
para manter toda a estrutura.
riência que tinha com trocadores de calor. O
Nessa época, em 2007, as microalgas des-
equipamento, que está patenteado no Brasil
pontaram como promessa de fonte abundante
e nos Estados Unidos, já foi remodelado para
de biomassa para várias formas de energia — e
uma estrutura modular. “A gente pegou um
o NPDEAS decidiu investir. O problema é que
equipamento de pesquisa e transformou num
o único espaço disponível para uma eventual
equipamento que a gente pode construir, colo-
instalação de tanques era apenas um pátio de 400 m2. Foi então que o grupo, constituído por
car dentro de um container e mandar para qual-
muitos engenheiros, concebeu essa estrutura, que ocupa apenas 10 m2, mas abriga 3,5 km
ner e monta o reator”, explica.
de tubos formando um sistema fechado de
resolver alguns problemas e desconstruir
22 Agroenergia em Revista │Edição 10
quer lugar do mundo. A pessoa abre o contaiMariano afirma que o NPDEAS conseguiu
alguns mitos sobre o cultivo em sistemas
obliquus. “É uma alga que está em Curitiba há
fechados. A alta concentração de microalgas
muitos anos, adaptada”, relata Mariano.
e a tendência de elas “grudarem” nas paredes
O grupo do NPDEAS começou a trabalhar
impede a passagem de luz – esse é um pro-
com microalgas na ordem inversa à costu-
blema que o professor garante ter conseguido
meira, iniciando pela produção em grande
resolver com a equipe. O grupo também está
volume. Hoje, contudo, conta também com
trabalhando em processos para a retirada das
um laboratório de microalgas e parcerias com
microalgas da água, utilizando operações uni-
outros departamentos da Universidade, como
tárias acopladas, como floculação e centrifuga-
os de Química e Biologia. Os estudos envolvem
ção. A automação do funcionamento é outro
sequenciamento de DNA e estudo do metabo-
desafio que ocupa, agora, os professores e alu-
lismo de microalgas, bem como a produção de
nos, todos trabalhando na evolução do reator.
biocombustíveis a partir do óleo e da biomassa
A escolha da principal espécie de microalga
delas. Para os trabalhos com biocombustíveis,
utilizada nas pesquisas do Núcleo também foi quase casual. Durante um trabalho de acompa-
há parceria com a Peugeot.
nhamento da variação da temperatura em um
Churrasco e microalgas
dos reatores, notou-se o aparecimento e o cres-
Em 2010, o NPDEAS fez um projeto de foto-
cimento de uma microalga que não havia sido
biorreator para atender uma churrascaria em
inserida ali intencionalmente — a Acutodesmus
Curitiba. O restaurante procurava uma solução para acabar com o cheiro de churrasco, que incomodava os vizinhos do restaurante.
Foto: www.npdeas.ufpr.br
Da saída da chaminé, tubos levavam a fumaça para o pequeno reator instalado no telhado — as microalgas absorviam os compostos que geravam o cheiro do churrasco, resolvendo o problema que até um equipamento para lavagem de gases não havia solucionado. Essa capacidade das microalgas faz delas também potenciais agentes de mitigação de emissões. No NPDEAS, um trabalho já constatou a redução de níveis de CO2, NOx e SOx dos gases gerados por um motor a diesel, após eles serem injetados no fotobiorreator. O núcleo também vai avaliar a capacidade delas de reduzir poluentes gerados na incineração de resíduos sólidos não recicláveis.
Agroenergia em Revista │ Edição 10 23
André Mariano, do NPDEAS
Pesquisa
ÓLEOS VALIOSOS Microalgas produzem lipídios em abundância e ricos em Ômegas; extraí-los, contudo, ainda é desafio Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia
E
m 2024, o consumo mundial de óleos vegetais deve chegar a 210,4 milhões de toneladas. Essa estimativa, feita pela Organização para o
Desenvolvimento e Cooperação Econômica (OCDE) e a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO/ONU), indica que a demanda será 17,6% maior do que foi em 2015. Microalgas podem compor o pool de matérias-primas que vão suprir essa demanda. O primeiro ponto a favor delas é a produtividade, maior do que a de qualquer espécie vegetal conhecida. As estimativas mais modestas apontam que o rendimento anual delas chegará a 20 mil litros de óleo por hectare. O dendê, que abastece 50% do mercado mundial de óleos e é considerado muito produtivo, atinge cerca de 6 mil litros na mesma área. Para indústrias que exigem fornecimento em grandes volumes, como a de biocombustíveis, essa característica das microalgas é uma grande vantagem. Soma-se a isso a possibilidade de fornecimento contínuo, independente de safra, outro benefício para as processadoras.
Foto: pixabay.com/pt
Contudo, extrair o óleo das microalgas não é um processo simples, carece ainda de tecnologia consolidada como as disponíveis para grãos e frutos. O professor Donato Aranda, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explica que as microalgas são
24 Agroenergia em Revista │Edição 10
organismos unicelulares e, portanto, todo o
vêm sendo feitas mostram que o teor de áci-
óleo que armazenam está dentro dessa célula,
dos graxos saturados e insaturados varia de
junto aos metabólitos que ela produz. “Com
acordo com a espécie, conta a pesquisadora
certeza, para qualquer microalga, a purificação
Itânia Pinheiro Soares. Nas linhagens analisa-
do óleo vai ser bem complexa, porque a gente
das nesse centro de pesquisa, os insaturados
encontra nele muito mais ácidos orgânicos do
têm correspondido a carotenoides precurso-
que em qualquer outro óleo”.
res de Vitamina A e antioxidantes, produtos
De acordo com o professor da UFRJ, uma
também muito valorizados.
alternativa que tem avançado para a extração
As análises para determinação de perfil
do óleo é o uso de um equipamento comum
de ácidos graxos para a produção de bio-
nos laticínios: o homogeneizador de leite. Ele
diesel mostram que o biocombustível pode
aplica pulsos de pressão sobre a biomassa, o
ser obtido do óleo de microalgas. Contudo,
que gera o rompimento das células das micro-
o alto valor agregado dos compostos encon-
algas. “A gente tem acompanhado por micros-
trados no produto torna — pelo menos neste
copia e comprovado realmente o rompimento
momento — o seu uso como matéria-prima
e o acesso ao interior célula”, conta.
para biodiesel um "desperdício".
Os testes têm sido feitos em parceria com
Na opinião do diretor-superintendente da
a Universidade Federal de Viçosa (UFV) e
Associação dos Produtores de Biodiesel do
mostram-se promissores. A principal vanta-
Brasil (Aprobio), Júlio César Minelli, esse é jus-
gem, de acordo com Aranda, é o baixo custo
tamente um fator que pode dificultar a adoção
do processo, que já conta com equipamentos
de óleo de microalgas como matéria-prima na
bem desenvolvidos e disponíveis no mercado.
indústria de biodiesel. O executivo teme que
“Mas precisamos avançar um pouco mais, tal-
aconteça algo semelhante ao que ocorreu com
vez adaptar um pouco esse homogeneizador,
a mamona: depositou-se muita expectativa de
já que foi projetado para o leite”, comenta.
que as usinas utilizassem o óleo da cultura
Não é só o volume de produção que chama
na produção do biocombustível, o que pouco
a atenção nas microalgas. Elas são capazes de
ocorreu por causa da alta valorização desse
gerar ácidos poli-insaturados do tipo Ômega 3
produto em outros mercados.
e Ômega 6, que chegam a custar 400 dólares
Minelli pondera, contudo, que o segmento
o grama. Isso faz delas matérias-primas para
está aberto a novas matérias-primas. Ter no
produtos com alto valor agregado, especial-
óleo de soja mais de 70% de sua matéria-prima
mente suplementos alimentares.
não é uma situação confortável para as indús-
Na Embrapa Agroenergia, a equipe da
trias, que perdem poder de negociação de
área química tem trabalhado na adaptação e
preço. “Se a microalga for viável, sustentável,
desenvolvimento de métodos para caracteri-
tiver preço competitivo, com certeza, o setor
zação da biomassa de algas. As análises que
vai utilizar”, adianta.
Agroenergia em Revista │ Edição 10 25
ENTREVISTA
Pesquisa
TRATAMENTO DE DEJETOS SUÍNOS COM MICROALGAS
Foto: Lucas Scherer
Por: Lucas Scherer Cardoso, jornalista da Embrapa Suínos e Aves
Alexandre Matthiensen Foto: Jairo Backes
Graduado em Oceanologia, é PhD em Ciências Biológicas pela University of Dundee, UK (2000), com revalidação na área de Ecologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). É pesquisador da Embrapa Suínos e Aves.
26 Agroenergia em Revista │Edição 10
Desde meados dos anos 1990, a Embrapa Suínos e Aves estuda o uso de microalgas para tratamento do volume de dejetos gerados na criação de porcos. Nesta entrevista, o pesquisador Alexandre Matthiensen fala sobre esse trabalho e outras aplicações das microalgas. Como as microalgas podem agir no
luz solar e nutrientes inorgânicos em matéria
tratamento dos dejetos gerados pela
orgânica (biomassa), que suportam as condi-
produção de suínos?
ções de cultivo e são robustas o suficiente para
Já há muito tempo é observada a ocorrência
não sofrerem com a contaminação eventual
natural de microalgas nas lagoas instaladas
por outras espécies ou outros microrganismos.
na sequência de biodigestores nas proprieda-
Hoje trabalhamos com algumas espécies de
des rurais no Oeste de Santa Catarina. Essas
clorofíceas, como Chlorella sp. e Scenedesmus
microalgas são organismos unicelulares fotos-
sp., e também cianobactérias, como Spirulina
sintetizantes que se alimentam das altas con-
sp. Mas a enorme biodiversidade das microal-
centrações de nutrientes presentes nos deje-
gas presentes nos corpos hídricos brasileiros
tos, principalmente compostos nitrogenados e
fornece uma variedade de espécies, e as pes-
fosfatados. Assim, seu crescimento pode ser
quisas estão ainda no começo.
controlado para que promovam a remoção dos nutrientes nos efluentes de dejetos de suínos, reduzindo a carga poluente ambiental.
O que é feito com essas microalgas depois que elas exercem a sua função? As microalgas podem ser utilizadas para
Quais espécies de microalgas são
quê depois de usadas no sistema de
eficientes para esse procedimento?
tratamentos desses dejetos?
São várias as espécies de microalgas que
Outro ponto importante que é levado em conta
podem ser usadas nesse processo. Em teoria,
durante a seleção das microalgas é o fato de
e de uma forma simplificada, todas as micro-
algumas dessas espécies oferecerem algo
algas funcionam do mesmo jeito: absorvem a
de interesse ao mercado. Além de “limpar” o
luz solar e capturam CO2 como fonte de carbono e utilizam os compostos de nitrogênio
ambiente, a sua biomassa pode ser utilizada
e fósforo presentes no meio líquido para seu
gestão, ou seja, podem ser colocadas dentro
crescimento. Porém, algumas espécies são
do próprio biodigestor para aumentar a capa-
mais eficientes nesse processo que outras.
cidade de geração de biogás, ou a biomassa
O nosso trabalho é selecionar as espécies
pode ser utilizada diretamente como biofertili-
que são mais eficientes nessa conversão de
zante, ou suplemento alimentar para rações de
em outra etapa do mesmo processo de biodi-
Agroenergia em Revista │ Edição 10 27
ENTREVISTA
Pesquisa
uso animal, ou mesmo como fonte de biodie-
no início. Pesquisas indicam que a produção
sel, nas espécies que produzem uma quanti-
de biodiesel a partir de microalgas poderá, no
dade razoável de óleo. As microalgas são uma
futuro, mudar o mercado de combustíveis. As
aposta para a oferta de biocombustíveis no
microalgas possuem potencial de produção
futuro, pois apresentam algumas vantagens em
de óleo muito superior, por área de cultivo, que
relação aos vegetais utilizados para a produção
as culturas terrestres tradicionalmente utiliza-
de combustíveis, como o milho e a soja: cres-
das na produção do biodiesel. Por exemplo,
cem mais rápido, não necessitam de grandes
a soja produz de 0,2 a 0,4 toneladas de óleo
espaços para cultivo, não necessitam de terra
por hectare; o óleo de palma produz de 3 a
agricultável, ou seja, o seu cultivo não compete
6 toneladas de óleo por hectare. No mesmo
com a área de produção de alimentos.
hectare, estimativas sugerem uma produção de
Ainda, algumas microalgas podem produ-
55 a 100 toneladas de óleo por uma microalga,
zir moléculas que possuem função biologi-
dependendo do percentual de óleo produzido.
camente ativa dentro das células, possuindo
O crescimento das microalgas não é um
interesse da indústria farmacêutica, nutracêu-
impeditivo à produção do biodiesel. Hoje em
tica e/ou cosmética para o desenvolvimento
dia já existe o conhecimento de espécies de
de compostos bioativos de alto valor, que pos-
microalgas capazes de produzir até 70% de
sam ser utilizados nos mais diversos campos
seu peso em óleo; e o tipo de óleo produzido
da indústria, como a extração de pigmentos
também varia muito de espécie para espécie.
antioxidantes.
Porém ainda existem alguns entraves tecnoló-
Assim, após ser realizado o isolamento das
gicos que precisam ser trabalhados para que a
microalgas e a manutenção de suas culturas
produção de biodiesel por microalgas saia da
em laboratório, essas culturas são testadas
fase experimental em que se encontra e atinja
em experimentos com modelos animais para
o mercado em escala satisfatória. Basicamente,
avaliação de toxicidade e busca de indícios
o óleo produzido pelas microalgas funciona
que possam levar ao desenvolvimento de com-
como uma “substância de reserva” da célula.
postos que poderão vir a ser, por exemplo, um
Assim, a célula de microalga produz mais óleo
novo antibiótico.
quando as condições para seu crescimento
Elas crescem de forma uniforme e/ou satisfatória para produzir biodiesel?
começam a ficar desfavoráveis. Ou seja, quando a microalga produz mais óleo, ela diminui sua taxa de crescimento e reprodução. Há
Há grandes iniciativas de pesquisa e desenvol-
iniciativas metodológicas para se disparar um
vimento de instituições brasileiras e do exterior
“gatilho ambiental” que aumente a produção
que atuam na produção de biodiesel a partir
de óleo nas células, mas nem todas as micro-
de microalgas, mas os resultados estão apenas
algas respondem do mesmo jeito.
28 Agroenergia em Revista │Edição 10
Foto: Jairo Backes
O que impede o uso das microalgas em
maior risco de contaminação e perda de todo
larga escala?
o trabalho. O escalonamento da produção de
As microalgas podem ser produzidas em dois
microalgas se mostra um problema a ser resol-
tipos de reatores: fechados ou abertos. Os
vido. Quando em pequena escala, em nível de
reatores fechados fornecem condições mais
bancada laboratorial, onde as condições de
precisas de controle ambiental e menor risco
cultura (como temperatura, concentração de
de contaminação por bactérias ou microalgas
nutrientes do meio, luminosidade, etc.) são as
de outras espécies, porém possuem custos
ideais para aquela determinada espécie, as
muito elevados. Os reatores abertos são mais
microalgas crescem muito bem e a produção
viáveis financeiramente, mas reduzem muito as
é muito promissora. À medida que se aumenta
condições de controle das culturas, além de ter
a escala do cultivo, e o volume de produção
Agroenergia em Revista │ Edição 10 29
ENTREVISTA
Pesquisa
passa de galões de 50 L para tanques de 500 L,
estabelecido, há ainda a necessidade de rea-
e depois para raceways de 10.000 L, fica mais
lizar a colheita e o processamento de todo o
difícil (e custoso) o controle das condições
material algáceo produzido, e isso também
ambientais. Quando se pensa em sistemas de
pode oferecer um problema metodológico, pois
cultivo envolvendo milhares de litros de meio
cada microalga apresenta particularidades em
de cultura, o custo da aquisição desses meios
sua membrana ou parede celular, fazendo com
de cultura pode, também, ser um impeditivo.
que normalmente uma metodologia para pro-
Boa parte das pesquisas realizadas com a
cessamento de uma microalga não sirva para
produção de microalgas é direcionada para a
o processamento de uma microalga de outro
solução dos problemas de cultivo resultantes
grupo taxonômico ou mesmo de outra espécie
do escalonamento de produção.
do mesmo grupo.
Quais as possíveis soluções para esses
Quais empresas e países estão mais
problemas?
avançados com relação a essa tecnologia
A seleção de espécies mais robustas e resis-
e o que podemos fazer para alavancar as
tentes à contaminação é uma possível solução.
microalgas aqui no Brasil?
Hoje em dia há trabalhos com manipulação genética de microalgas para selecionar genes
As tecnologias envolvendo tanto a seleção
de resistência que resultem em diminuição dos
das espécies de microalgas, quanto os sis-
riscos de contaminação. Ao mesmo tempo,
temas de cultivo, colheita e processamento
sistemas de cultivos semifechados, com con-
das microalgas ainda são tratadas como
trole parcial das variáveis ambientais, podem
segredo pela grande maioria das empresas
conferir situações de menor risco nas etapas
envolvidas no setor. Essas empresas envol-
de escalonamento. A busca por meios de cul-
vem grandes nomes como: TerraVia, A2BE
tura alternativos e mais baratos para produção
Carbon Capture, Sapphire Energy, Aurora
em larga escala deve ser considerada. Depois
Algae e Algenol. Mesmo a Petrobras, por
que o sistema de produção foi definido e
meio do programa de Redes Temáticas, tem
30 Agroenergia em Revista │Edição 10
apoiado projetos de pesquisa com microal-
biodiesel, e na busca por compostos bioa-
gas desde 2006. Assim, é consenso o cres-
tivos, etc.
cente interesse desse segmento de mer-
Outro esforço da Embrapa volta-se para
cado, tendo em vista a grande diversidade
a formação de um banco de germoplasma
de opções de direcionamento dos produtos
com as espécies de microalgas existen-
derivados da biomassa produzida.
tes no Brasil. A Embrapa Agroenergia, de
Em relação à produção conjunta com a
Brasília, DF, em colaboração com as demais
suinocultura, a Embrapa segue realizando
unidades da Embrapa, mantém um banco
pesquisas para avaliação de arranjos tec-
de culturas de microalgas coletadas nos
nológicos com maior eficiência na remoção
mais diversos biomas brasileiros, desde
de nutrientes dos efluentes da suinocultura,
a Amazônia até os pampas, funcionando
bem como direcionando a biomassa pro-
como uma coleção de microalgas disponí-
duzida para diferentes usos, como nutrição
vel para a realização de novas pesquisas
animal, biofertilizantes, geração de biogás,
nessas áreas.
Foto: Jairo Backes
Agroenergia em Revista │ Edição 10 31
Pesquisa
MICROALGAS EM EFLUENTES DAS CADEIAS DE BIOCOMBUSTÍVEIS Projetos de pesquisa da Embrapa utilizam vinhaça e Pome como meio de cultivo Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia
I
ntegrar as microalgas às cadeias de pro-
cultivo, as microalgas o utilizam na fotossín-
dução de biocombustíveis está no hori-
tese, promovendo a biofixação e reduzindo a
zonte das ações da Embrapa Agroenergia.
quantidade lançada na atmosfera. Vale lembrar
A integração está no cerne das ações de
que o CO2 é um dos principais causadores do
pesquisa, primeiramente, porque um dos obje-
efeito estufa e, por isso, organizações e polí-
tivos é desenvolver tecnologias de cultivo que
ticas internacionais têm cobrado a redução
gerem biomassa para a produção de biodie-
de suas emissões. As indústrias ganhariam,
sel, bioquerosene de aviação ou etanol. Além
com isso, mais uma possibilidade de utiliza-
disso, os estudos buscam espécies e siste-
ção da vinhaça, gerando um produto com alto
mas de produção eficientes na utilização de
valor agregado potencial, já que as microalgas
efluentes de indústrias agroenergéticas como
podem ser destinadas não só ao mercado de
meio cultivo. É o caso da vinhaça, resíduo das
combustíveis, mas também aos de nutrição
usinas sucroalcooleiras, e do Pome (palm oil
humana e animal, cosméticos e higiene pes-
mill efluente), resultante do processamento da
soal. Ao mesmo tempo, é uma ferramenta para
palma-de-óleo (dendê).
melhorar os indicadores ambientais, graças
A vinhaça é rica em Nitrogênio, Fósforo e Potássio (NPK) – nutrientes tão essenciais
ao aproveitamento de resíduos e à biofixação de CO2.
para as microalgas quanto para as plantas.
Utilizar a vinhaça como meio de cultivo
Atualmente, é utilizada na fertirrigação dos
para microalgas, contudo, tem seus desafios,
canaviais, mas o volume disponível é muito
explica o pesquisador Bruno Brasil, da Embrapa
grande: a cada litro de etanol produzido, são
Agroenergia. Se, por um lado, a concentração
gerados 10 a 12 litros do efluente. Outro resí-
de nutrientes favorece o crescimento dos orga-
duo das usinas sucroalcooleiras que pode ser
nismos, por outro, a coloração escura dificulta
aproveitado é o gás carbônico (CO2) eliminado na fermentação. Injetado nos tanques de
a passagem de luz, sem a qual não há fotossín-
32 Agroenergia em Revista │Edição 10
tese. Para minimizar esse problema, a equipe
Foto: Vivian Chies
da Embrapa Agroenergia utilizou métodos de clarificação química de baixo custo ou simplesmente diluiu a vinhaça em água. Outro desafio associado à vinhaça é a elevada carga de material orgânico. Ela favorece a proliferação de bactérias e leveduras, que se tornam contaminantes no meio de cultivo e prejudicam o crescimento das microalgas.
Biomas brasileiros O trabalho começou com a prospecção. Equipes coletaram amostras em corpos d’água de três biomas brasileiros — Amazônia, Cerrado e Pantanal —, além de efluentes e esgoto rural. Isso gerou uma coleção com mais de 100 cepas, entre as quais foram detectadas pelos menos três novas espécies. Buscando microalgas capazes de crescer em vinhaça, o grupo de pesquisadores identificou duas com maior potencial, realizando testes em fotobiorreatores. As espécies são mixotróficas, ou seja, realizam fotossíntese, mas também utilizam
A coloração escura da vinhaça é um dos desafios para o cultivo de microalgas
a carga de material orgânico do efluente para crescer, principal-
para a produção de etanol do que de biodiesel,
mente o glicerol.
quando o assunto é biocombustíveis. Podem
A análise dos componentes da biomassa
ser adequadas, ainda, para ração animal.
delas indica maior concentração de carboidra-
Mesmo utilizando a vinhaça como fonte
tos (amidos) e proteínas do que de lipídeos e
de nutrientes, essas duas espécies pouco
carotenoides, o que as torna mais adequadas
reduzem a carga de matéria orgânica que ela
Agroenergia em Revista │ Edição 10 33
Pesquisa
contém. Por um lado, isso as torna inaptas para
Por isso, o trabalho do centro de pesquisa
biorremediação do efluente. Por outro, con-
de busca de microalgas capazes de crescer
tudo, permite que a vinhaça ainda seja apro-
nesse material envolveu tanto experimentos
veitada para fertirrigação dos canaviais após o
com cepas já testadas para a vinhaça quanto
cultivo das microalgas.
novas coletas de amostras, em ambientes diferentes. Duas espécies mostraram-se eficien-
Pome
tes. Elas têm capacidade de crescimento tão
O segundo efluente com que a Embrapa
quase preta do Pome colocando no lugar o
Agroenergia está trabalhando para cultivo de
verde intenso característico das microalgas.
microalgas, o Pome, tem características polui-
Além disso, após o cultivo algal, o efluente sai
doras muito parecidas com as da vinhaça, mas
tratado, sem carga poluidora.
elevada que fazem desaparecer a coloração
a composição química é diferente. Enquanto
No caso do trabalho com o Pome, o cultivo
esta é resultante de uma rota de produção com
tem sido feito em material com carga orgânica
uma matéria-prima rica em açúcares, aquele
já reduzida. Nas indústrias processadoras do
tem origem no processo para extração de óleo
dendê, esse efluente passa por etapas para
de dendê.
descontaminação em lagoas de estabilização: a primeira é uma lagoa anaeróbica em
Foto: Bruno Brasil
que bactérias consomem o material orgânico; depois vai para uma segunda lagoa (aeróbica), para redução da carga inorgânica (NPK, por exemplo). É no material que sai dessa primeira lagoa (anaeróbica) que a equipe da Embrapa Agroenergia está cultivando as microalgas. Com isso, minimiza-se a contaminação/competição com bactérias durante o cultivo das microalgas, haja vista a ausência de matéria orgânica. Inserida em um grande projeto de pesquisa da Embrapa para a cadeia produtiva do dendê, a equipe quer estudar a integração da produção de biogás a partir do Pome com a produção de microalgas. Neste caso, a redução do material orgânico seria feita pelo processo de biodigestão anaeróbica, que daria origem a biogás para gerar energia. O líquido residual, ainda rico em NPK, serviria então de meio de
34 Agroenergia em Revista │Edição 10
cultivo para as microalgas.
Foto: Daniela Collares
Para o pesquisador Bruno Brasil, as ações já mostraram que é possível isolar e selecionar microalgas que crescem em efluentes industriais tão bem quanto em meios de cultivo tradicionais. Agora, a Embrapa Agroenergia está investindo no sequenciamento genômico e no desenvolvimento de protocolos de modificação genética das microalgas identificadas como promissoras (leia mais na "Desenvolvendo supermicroalgas" na página 12). O pesquisador antecipa os próximos passos do centro de pesquisa: “Do ponto de vista de processos industriais, o que falta? Escalonamento de sistemas de cultivo, processos de colheita e processo de conversão. Os próximos projetos vão focar exatamente esses três pontos”.
Hidrocarbonetos de algas Para os processos para transformação da biomassa das microalgas em produtos, uma das apostas é a conversão por processos termoquímicos em um óleo denso e escuro que está sendo chamado de biocrude. “Ele funciona como um análogo do petróleo”, explica Bruno Brasil. O produto é convertido a hidrocarbonetos que, então, podem ser inseridos nas rotas de produção já consolidadas para derivados do petróleo. Um grande estudo sobre microalgas para produção de biocombustíveis e bioprodutos financiado pelo governo dos Estados Unidos mostrou que, ao lado da engenharia genética, essa estratégia, chamada de liquefação térmica, é a mais promissora para viabilizar as microalgas no mercado de energia, entre outros. Agroenergia em Revista │ Edição 10 35
Pesquisa
MICROALGAS CONTRA A GRIPE Cientistas investigam compostos que possam combater doenças por novas vias
Foto: pixabay.com/pt
Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia
36 Agroenergia em Revista │Edição 10
Foto: Gutemberg Brito
vírus já começam a apresentar. A segunda é o fato de esse fármaco ter efeito apenas sobre a última etapa do ciclo reprodutivo do agente patológico. “Quanto mais cedo no ciclo a gente conseguir parar a replicação, melhor”, avalia Milene. “Buscar mediMilene Dias Miranda
A
camentos que atuem em diferentes etapas do ciclo replicativo também é bastante
Fiocruz está buscando, nas
interessante para ter uma gama maior de
microalgas, novos agentes con-
medicamentos que atuem contra um vírus
tra o vírus da influenza A, cau-
que tem potencial pandêmico”, completa.
sador da gripe. No Laboratório de Vírus
Embora a literatura científica ainda não
Respiratório e Sarampo da instituição,
registre atividade de microalgas especifica-
no Rio de Janeiro, RJ, foram testados,
mente contra o vírus da influenza, já foram
até o momento, extratos de 40 espécies
identificadas cepas com atuação sobre
de microalgas. Desses, três mostraram
outros, como o da herpes. Compostos
ação sobre o vírus e, mais do que isso,
com aplicações diferentes na área da
dois parecem deter o ciclo reprodutivo
saúde, como antitumorais e anti-hiperten-
do agente patológico por caminhos dife-
sivos, também já foram encontrados nesse
rentes do que faz o principal fármaco uti-
organismo. Na verdade, lembra Milene, as
lizado hoje para combater a doença.
atividades biológicas das microalgas ainda
A bióloga Milene Dias Miranda, que
foram pouco exploradas. Mesmo assim, já
está à frente desse trabalho na Fiocruz,
há cerca de 15 mil moléculas identificadas
explica que esse fármaco, o oseltamivir,
no metabolismo desses organismos. Com
tem origem sintética e atua sobre uma
a imensidão de espécies ainda não carac-
enzima do vírus chamada neuraminidase.
terizadas, o potencial de descobrir nelas
Ela tem papel vital na dispersão do vírus,
muitos outros compostos com aplicações
tanto pelas vias respiratórias do paciente
diversas é também gigante.
quanto pelo ar, modo como contamina outras pessoas.
O trabalho na Fiocruz começa com a coleta de amostras de vários ambientes,
Há duas principais motivações para a
separação das microalgas e preparo de
busca por novos compostos capazes de
extratos a partir delas, o que está sendo
combater a gripe. A primeira é a resistência
feito pela Universidade Federal do Rio de
ao oseltamivir que algumas linhagens do
Janeiro, em duas unidades parceiras do
Agroenergia em Revista │ Edição 10 37
Pesquisa
projeto: o Laboratório de Microbiologia Marinha e o Instituto de Pesquisa de Produtos Naturais. As 40 espécies que passaram pelos primeiros testes foram encontradas nos lençóis maranhenses. Outras coletas estão sendo feitas na expectativa de encontrar mais espécies
NA GENÉTICA, A BUSCA POR OUTROS PRODUTOS PARA A SAÚDE
promissoras. Ao mesmo tempo, será intensificado o trabalho com as três cepas de
Na Fiocruz, há outro grupo de pesquisa
microalgas que demostraram efeito sobre
estudando microalgas para produção de
o vírus da gripe. Os primeiros testes foram
fármacos e antígenos, mas, neste caso, o
feitos com os extratos delas. Agora, os
foco é a genética dos organismos. Dois
cientistas vão fracionar esses extratos e
caminhos estão sendo explorados. O
fazer mais experimentos até identificar
primeiro é a busca de compostos já pro-
quais moléculas são responsáveis por
duzidos naturalmente por algumas espé-
interromper o ciclo replicativo do vírus.
cies que possam ter aplicação na área da
“O trabalho é longo”, adianta a bióloga.
saúde. A segunda linha de investigação
Se os resultados continuarem evo-
é a manipulação de microalgas para que
luindo bem e os cientistas chegarem a
elas produzam moléculas com proprie-
uma molécula com eficiência suficiente
dades já conhecidas e em utilização no
no combate ao vírus para ser colocada
mercado.
no mercado, existem duas formas de
O professor Win Degrave, que lidera
produzi-la. Uma é a via sintética, ou seja,
os trabalhos, diz que, neste momento, o
a reprodução dela em laboratório sem
grupo está focado em desvendar os dife-
necessidade de cultivo das microalgas. A
rentes mecanismos genéticos das micro-
outra possibilidade é justamente estabe-
algas e cianobactérias para, então, definir
lecer a produção em larga escala desse
quais biofármacos e antígenos poderiam
microrganismo para dele extrair o com-
ser mais adequadamente expressos nes-
posto de interesse. Nesse caso, Milene
ses organismos. “Cianobactérias, por
acredita que será necessário um trabalho
exemplo, têm uma variabilidade genética
de engenharia genética a fim de que haja
extremamente grande, são adaptadas às
grande concentração dessa molécula e os
mais variadas condições de crescimento
cultivos sejam produtivos o suficiente para
e têm uma variedade de metabólitos inte-
alcançar viabilidade econômica.
ressantes para novas drogas”, analisa.
38 Agroenergia em Revista │Edição 10
A capacidade de secretar compostos
Foto: Gutemberg Brito
no meio de cultivo é uma das características que desperta o interesse da equipe da Fiocruz. Degrave também acredita que pode ser explorada a capacidade de microalgas e cianobactérias atuarem como biofábricas, convertendo compostos
Win Degrave
Foto: pixabay.com/pt
em outros que possam ser empregados no tratamento de doenças. “Como elas
cumprem essa função. Há, no entanto,
têm vias metabólicas muito particulares,
alguns antígenos que não se consegue
são capazes de executar algumas etapas
produzir com esses microrganismos. As
de biossíntese química que são interes-
microalgas e cianobactérias, então, pode-
santes para produção de alguns fárma-
riam ser utilizadas como alternativas à sín-
cos”, explica.
tese química.
O pesquisador ressalta, contudo,
Degrave mostra muito entusiasmo no
que ainda são necessários muitos estu-
trabalho com microalgas e cianobactérias:
dos para que o cultivo de microalgas e
“É realmente fascinante a diversidade de
cianobactérias com essas aplicações
organismos que a gente conseguiu obser-
seja viável. Resultados mais rápidos são
var”. Para ele, os obstáculos encontrados
esperados dos trabalhos visando à pro-
agora para o uso em escala das micro-
dução de antígenos para testes diagnós-
algas serão vencidos com o avanço do
ticos. Atualmente, bactérias ou leveduras
conhecimento.
Agroenergia em Revista │ Edição 10 39
Mercado
NEGÓCIO INOVADOR
Foto: Divulgação TerraVia
Empresa com origem norte-americana forma joint venture para operar no Brasil, acoplada à indústria da cana-de-açúcar Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia
D
o Vale do Silício, região da Califórnia,
dentro de castanheiras na Alemanha e alimentam-
Estados Unidos, que virou símbolo de
-se dos açúcares contidos na seiva dessa árvore.
inovação em informática e eletrônica,
Não têm o verde característico da maior parte das
surgiu uma empresa também inovadora, que
microalgas; são naturalmente brancas.
tem nas microalgas a base de todo o seu negó-
Nas unidades de produção da TerraVia,
cio. Com um modelo de cultivo que necessita
são cultivadas em tanques fechados de fer-
de açúcar como insumo, a TerraVia — que se
mentação. “A fermentação ajuda a acelerar
chamava Solazyme até março de 2016 — ins-
os processos biológicos naturais das micro-
talou sua unidade de produção no Brasil, junto
algas, permitindo que se produzam grandes
a uma usina sucroalcooleira, numa joint venture
quantidades de um determinado produto em
com a Bunge.
uma questão de dias”, afirma o presidente da
O açúcar é a principal fonte de carbono para
joint venture formada com a Bunge, Walfredo
as espécies de microalgas utilizadas pela compa-
Linhares. De acordo com o executivo, a efici-
nhia, que não realizam fotossíntese e, portanto,
ência do ambiente de produção compensa o
não necessitam de luz. Na natureza, elas vivem
custo do açúcar.
40 Agroenergia em Revista │Edição 10
Óleos com diferentes aplicações constituem
peixes. Em março de 2016, a TerraVia anunciou
o produto que a empresa oferece ao mercado.
a assinatura de um acordo de cinco anos com
A TerraVia afirma que a emissão de gases de
a Unilever para fornecimento de óleos para pro-
efeito estufa de seus óleos “é menor do que
dutos de cuidados pessoais. A multinacional,
quase todos os outros principais óleos vegetais
contudo, já vem utilizando os insumos deriva-
comercialmente disponíveis”, mesmo conside-
dos de algas desde 2014. Tanto o Ômega-3
rando o uso da terra para o cultivo da cana que
para ração animal quanto os óleos para a
vai gerar o açúcar utilizado no cultivo. Uma das
Unilever estão saindo da unidade de produção
razões apontadas para justificar esse resultado
conjunta com a Bunge, em Orindiúva, SP. Em
é a relação óleo/hectare utilizado, semelhante à
agosto, quem anunciou parceria com a Terravia
do óleo de palma (dendê) e muito acima dos de
foi a Nestlé, para incluir ingredientes ricos em
soja, girassol e canola. Outros motivos seriam
Ômega-3 em produtos para o mercado pet.
a baixa pegada de carbono da cana-de-açúcar
Mesmo tendo se desvinculado do mer-
e a autossuficiência em energia tanto da usina
cado de biocombustíveis, a TerraVia continua
quanto da unidade de produção dos óleos a par-
atrelando seus negócios à sustentabilidade.
tir de microalgas, graças à queima do bagaço.
Walfredo Linhares acredita que os compromis-
O diesel e o combustível de aviação obtidos
sos assumidos no Acordo de Paris vão fomen-
a partir do óleo de microalgas, o Soladiesel
tar os negócios da companhia. “Já estamos
e o Solajet, eram destaque entre os produtos
observando uma crescente consciência por
oferecidos pela tecnologia da empresa até o
parte da indústria e consumidores da importân-
início deste ano. A mudança de nome da com-
cia de se investir em soluções inovadoras para
panhia marcou a colocação em segundo plano
ajudar a enfrentar os desafios globais. Hoje,
do mercado de biocombustíveis e o foco em
o mundo depende de óleos. Com uma popu-
alimentos, rações e cosméticos. “Esses mer-
lação global prevista para chegar a 9 bilhões
cados podem se tornar maiores e rentáveis
em 2050, precisamos encontrar soluções para
no futuro e ainda são ativos valiosos para nós.
produzir comida, combustíveis, roupas e outros
Porém, com os níveis de preços atuais do barril
produtos em quantidade suficiente para aten-
de petróleo, combustíveis nesse momento não
der a essa demanda”, comenta.
são o principal driver econômico para nós. A Solazyme fez recentemente uma transição e tornou-se TerraVia para focar exclusivamente Foto: Divulgação TerraVia
em alimentos, nutrição animal e ingredientes especiais para o mercado de cuidados pessoais”, explica Linhares. Em outubro de 2015, foi anunciada a expansão da parceria com a Bunge com foco na produção de Ômega-3 para compor rações de Agroenergia em Revista │ Edição 10 41
Mercado
Fotos: Divulgação Natura
MICROALGAS NOS CREMES DA NATURA Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia
Óleos de microalgas já estão presentes em duas linhas de cosméticos da brasileira Natura: TodoDia e Chronos. A empresa também tem estudos para ampliar a utilização desse insumo, especialmente, com foco em cremes e loções. Nessa entrevista, o diretor de desenvolvimento de produto da Natura, Daniel Gonzaga, fala sobre o assunto. O que motivou a Natura a investir na
de óleos que permitisse aumento de produti-
substituição de óleos de seus produtos por
vidade e redução de impacto ambiental nos
óleos oriundos de microalgas?
motivou a investigar a performance dos óleos
A possibilidade de trabalhar com uma nova pla-
de microalgas com a empresa Solazyme (atual
taforma tecnológica sustentável para produção
TerraVia).
42 Agroenergia em Revista │Edição 10
Quais os principais óleos que devem ser
os pequenos ajustes necessários para conse-
substituídos e em quais tipos de produtos?
guir melhoria de performance e eficácia nos
A gama de aplicação dos óleos de microalgas
produtos sem comprometer ganhos ambien-
hoje na Natura está focada em produtos de
tais e financeiros. Outro desafio é comunicar
cuidados pessoais como emolientes (cremes e
ao consumidor final, de forma clara, toda tec-
loções). Os critérios escolhidos para substitui-
nologia e inovação que está por trás dessas
ção baseiam-se nos quesitos que direcionam
matérias-primas.
a inovação na Natura: sustentabilidade (óleos que apresentem menor impacto ambiental, como menor emissão de CO2 e menor consumo de água na produção), viabilidade econômica e melhor performance. Os óleos de microalgas também apresentam benefícios em relação à sazonalidade e reprodutibilidade de composição e rastreabilidade de cadeia. Utilizando a microalga como uma biofábrica, podemos ter sempre óleos com baixo desvio de qualidade e especificação e com origem comprovada. Já há produtos da empresa no mercado com óleos de microalgas na composição? Sim. No portfólio atual da Natura, óleos de microalgas estão inseridos em produtos das linhas TodoDia e Chronos.
Além do óleo, a empresa tem projetos para utilização de outros insumos derivados de microalgas? Não. Atualmente temos projetos para estudo apenas de óleos que apresentam cadeias graxas diferenciadas que possam trazer benefícios reais aos consumidores finais. Que avanços nas pesquisas com produção de microalgas entende serem necessários para o mercado de cosméticos e higiene pessoal? Seria interessante ouvir as necessidades dos consumidores finais e procurar entender como entregar cada vez mais tecnologias sustentáveis acessíveis a todos. Utilizando-se uma biofábrica (microalga), é possível produzir uma gama variada de matérias-primas que mime-
Do ponto de vista das características
tizam óleos encontrados na natureza. Utilizar
dos óleos, quais acredita que são
a natureza como inspiração para criação de
vantajosas à produção de cosméticos?
óleos de oleaginosas de difícil cultivo e que
E quais constituem desafio para o
possam trazer benefícios reais aos consumi-
desenvolvimento de produtos?
dores seria um desafio para essa área.
Além de promover melhorias das características sensoriais dos produtos, alguns deles apresentam outros benefícios atualmente em estudo na Natura. Para a área de desenvolvimento de produtos, os maiores desafios são
Agroenergia em Revista │ Edição 10 43
Mercado
UMA STARTUP NO MERCADO BRASILEIRO DE MICROALGAS Algae Biotecnologia investe principalmente no tratamento de efluentes Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia, e Elvis Costa, estagiário de jornalismo
Foto: Luiz Felipe Pacheco
44 Agroenergia em Revista │Edição 10
E
m 2009, quando o engenheiro agrô-
efluente muito abundante no Brasil: a vinhaça
nomo Sergio Goldemberg batia à porta
gerada nas usinas de açúcar e álcool. O fator
das empresas e começava a apresen-
motivador desse projeto e da própria criação
tar seus projetos com microalgas, a reação dos
da startup era a geração de óleo de microalgas
interlocutores era a de quem estava ouvindo
para servir de matéria-prima na produção de
falar de ETs. Sete anos depois, o cenário
biodiesel. “Em 2008, estava muito animado
mudou. Quando chega às empresas, quem o
para iniciar alguma atividade relacionada à
recebe já leu um artigo, viu uma reportagem,
cadeia de produção do biodiesel, embora
tem algum conhecimento sobre o assunto.
não soubesse exatamente o quê”, conta o
Melhor do que isso, a startup fundada por
empresário.
ele no Parque Tecnológico de Piracicaba, SP,
O uso da vinhaça como meio de cultivo
a Algae Biotecnologia, já começa a ser pro-
para microalgas obteve bons resultados em
curada por empresários, principalmente em
laboratório e continua no portfólio da empresa,
busca de soluções para tratamento de efluen-
que busca agora a parceria de uma indústria
tes baseada em microalgas.
do setor sucroenergético para iniciar o esca-
O primeiro projeto da Algae consistia justa-
lonamento. Em contrapartida, a produção de
mente no cultivo de microalgas utilizando um
óleo de microalgas como matéria-prima para
Foto: Saulo Coelho
Atualmente utilizada na irrigação de canaviais, a vinhaça pode ser meio de cultivo para microalgas
Agroenergia em Revista │ Edição 10 45
Mercado
biodiesel deixou de ser foco da Algae. Na visão
principais projetos. Um deles, com uma indús-
de Goldemberg, a inserção de microalgas no
tria de bebidas de Piracicaba, SP, deve entrar
mercado de biocombustíveis exige projetos
em testes de escala piloto.
de médio e longo prazo e investimentos finan-
O que está mais avançado é a iniciativa
ceiros muito altos. “Se a gente fosse apostar
com a fabricante de cimentos Intercement. A
somente em biocombustíveis, precisaria de um
estratégia aqui é utilizar as microalgas para
dinheiro que não tinha”, explica. Não só a Algae, mas outras empresas ao
biofixar o grande volume de CO2 gerado nesse segmento industrial. Nos laboratórios
redor do mundo redirecionaram seus negó-
da Universidade Federal de São Carlos e da
cios com microalgas para outras aplicações.
Universidade Federal de Santa Maria já foram
No caso da startup brasileira, o tratamento de
selecionadas cepas capazes de consumir o
efluentes e emissões hoje está no centro dos
gás de combustão dos fornos da cimenteira.
Foto: Luiz Felipe Pacheco
46 Agroenergia em Revista │Edição 10
Elas também se mostraram eficientes em planta-piloto e devem, agora, ser levadas para a escala pré-comercial (leia mais sobre este projeto na "Captura de carbono" na página 48). A instalação de fotobiorreatores de cultivo de microalgas para tratar efluentes ou biofixar carbono vai gerar grande volume de biomassa. A nutrição animal é a aplicação para essa biomassa em que a Algae tem apostado. Os primeiros investimentos estão sendo feitos na aquicultura, especialmente com camarões, em parceria com o Instituto de Ciências do Mar (Labomar) da Universidade Federal do Ceará. O objetivo, contudo, é atuar na cadeia de produção animal como um todo. Para Goldemberg, a associação do serviço de mitigação de impactos ambientais com um produto com razoável valor agregado como as rações é capaz de viabilizar economicamente a produção de microalgas. “Você duplica suas fontes de receita e tem possibilidade muito maior de equilíbrio financeiro”, explica. A empresa tem trabalhado com microalgas de água doce em sistemas de cultivo heterotróficos, ou seja, aqueles em que elas crescem realizando fotossíntese e não utilizando açúcar, por exemplo, como fonte de Carbono. No entanto, começou a investir também nas espécies mixotróficas, que crescem das duas formas, permiopinião de Goldemberg, “é a fronteira do conhecimento”.
Foto: Bruno Brasil
tindo flexibilidade nas formas de cultivo. Na
Agroenergia em Revista │ Edição 10 47
Mercado
CAPTURA DE CARBONO Indústria de cimento busca nas microalgas solução para reduzir emissões Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia
A
alta capacidade das microalgas de
combustão dos fornos em tanques com micro-
fixar CO2 pode ser uma alternativa de redução de emissões para seg-
algas, de forma que elas absorvam o Carbono,
mentos da economia nos quais a formação
conjunto com a empresa Algae, além de contar
do gás é parte do sistema produtivo. É no
com a parceria das universidades federais do
que está apostando a Intercement, indústria
Ceará, de Santa Maria e de São Carlos.
evitando as emissões. A iniciativa é feita em
brasileira que ocupa a segunda posição no
Um dos desafios é fazer as microalgas cres-
mercado nacional de cimento e detém a lide-
cerem utilizando, em vez do CO2 puro, o gás de
rança em Portugal, Argentina, Cabo Verde e
combustão, que contém também vapor d’água
Moçambique.
e outros elementos químicos. Para tanto, um
Muitos segmentos têm conseguido reduzir
dos trabalhos foi a busca de espécies capazes
as emissões de CO2 tornando mais eficiente o
de utilizar esse insumo no crescimento que já
processo de produção ou substituindo fontes
habitassem as regiões em que as fábricas da
fósseis de energia por renováveis. Contudo,
empresa estão instaladas. A preocupação é
nas cimenteiras, apenas 1/3 das emissões vêm
evitar um problema ambiental, caso aconteça
do gasto energético. O gás associado ao efeito
um vazamento de tanque contendo linhagens
estufa vem principalmente da reação química
de microalgas exóticas.
que gera o clinquer, matéria-prima que dá ori-
A equipe do projeto também está avaliando
gem ao cimento. “Na indústria de cimento, o
a melhor configuração dos tanques, bem como
CO2 não é um problema de ineficiência, é um problema de química”, explica o diretor de
o arranjo de mais de um tipo deles nas plan-
inovação e sustentabilidade da Intercement,
uma instalação piloto no Parque Tecnológico
Adriano Nunes.
de Piracicaba, SP, onde está a Algae, e a previ-
tas industriais em que forem colocados. Já há
Uma vez que a possibilidade de reduzir
são é que uma unidade acoplada a um parque
a formação do CO2 é limitada, a solução é investir em formas de evitar que ele chegue à
fabril da Intercement entre em operação até o
atmosfera. É aí que entram as microalgas. O
que temos uma tecnologia bem diferente da
projeto da indústria prevê a injeção do gás de
que está por aí”, diz Nunes.
48 Agroenergia em Revista │Edição 10
início de 2017. “Hoje nós estamos seguros de
Mesmo com o desenvolvimento tecnoló-
essa enormidade de biomassa que a gente
gico bem encaminhado, integrar a produção
vai gerar”, diz Nunes, ressaltando que, na
de microalgas às fábricas não será tarefa
indústria de cimento, os volumes são sempre
fácil. O diretor da Intercement diz que, teori-
muito grandes. Ele acredita que a produção
camente, os cultivos teriam capacidade para
de microalgas para captura de carbono pode
absorver até 100% das emissões de carbono
ser lucrativa se estiver no contexto da eco-
da indústria. Para isso, contudo, a estrutura a
logia industrial, em que os resíduos de uma
ser montada seria quase equivalente a outra
empresa servem de matéria-prima para outra.
fábrica. O que facilita é que o investimento
A alternativa em que mais se tem investido
pode ser feito por módulos. “Provavelmente,
nesse projeto é o uso da biomassa como fonte
a gente vai começar com módulos que são
de proteína para ração — testes na alimenta-
capazes de compensar 5% do CO2 da fábrica.
ção de camarões têm sido feitos em parceria
Parece pouco, mas estamos falando de 60 mil
com a Universidade Federal do Ceará (UFC).
toneladas de CO2”, pontua.
Esse projeto para o uso de microalgas inte-
Para isso, no entanto, é preciso ter um
gra um portfólio da Intercement que busca
destino para as 30 mil toneladas de micro-
soluções para reduzir a pegada de carbono,
algas que serão geradas. Se elas simples-
integrada à iniciativa para sustentabilidade
mente forem descartadas no meio ambiente,
do cimento do World Business Council for
geram outro problema ambiental. Além disso,
Sustainable Development. Para Nunes, tendo
nenhum rendimento seria obtido delas e todo
em vista as metas globais de redução de
o investimento no cultivo representaria um
emissões de carbono, antecipar-se pode ser
custo tão alto para a empresa que dificilmente
estratégico. “Em algum momento, isso vai
se viabilizaria. “Então, um desafio é encon-
ter um custo muito alto e vai ser um fator de
trar um destino de alto valor agregado para
competitividade”. Foto: Luiz Felipe Pacheco
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Mercado
NORDESTE JÁ PRODUZ CIANOBACTÉRIAS Spirulina cultivada na Paraíba e no Ceará atende mercados de alimentação humana e animal Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia, e Elvis Costa, estagiário de jornalismo
Foto: Jose Franciraldo
50 Agroenergia em Revista │Edição 10
C
ianobactérias já são produzidas e
necessitam de tempo para se adaptarem.
comercializadas no Brasil, inclusive
“Muitos projetos não vão pra frente porque
como alimento ou suplemento ali-
as microalgas precisam de um tempo para
mentar humano. Só que os usuários a conhe-
se adaptar. Nós trabalhamos com os reatores
cem como spirulina, que é também o nome
abertos. Elas se adaptaram ao nosso cultivo,
do gênero das espécies mais cultivadas. A
mas ao longo desse processo, a gente foi
Fazenda Tamanduá, no sertão da Paraíba,
vendo as necessidades e o que poderíamos
começou a atuar nesse segmento há 13 anos
fazer para que elas adquirissem uma resistên-
e foi a primeira a obter registro da Agência
cia maior e, com isso, nós aprendemos a tra-
Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para
balhar com ela”, lembra.
oferecer o produto como alimento.
Para que esses microrganismos produzam
A produção começou de olho no mercado
bem é necessário cuidado diário por pessoas
de rações para animais, mas logo migrou para
capacitadas para observar os tanques, identi-
a alimentação humana. Acostumada a atuar
ficar problemas e tomar decisões. “Não dá pra
em nichos de mercado, a empresa foi além e
você medir o pH seis vezes por dia em todos os
investiu no cultivo orgânico da spirulina, que é
tanques, mas tem que passar ali, bater o olho e
comercializada em cápsulas ou em pó, princi-
ver se está com algum problema. Só quando é
palmente em lojas especializadas em produtos
um problema que você não sabe o que aconte-
com apelo de benefícios nutricionais. “Eu tomo
ceu é que vamos para a parte bioquímica e, na
spirulina e acho um produto maravilhoso: há
bancada de pesquisa, analisamos o que está
oito anos, não sei o que é uma gripe. Não é
acontecendo”, explica.
um milagre, mas se você toma todos os dias vai sentir uma melhora na sua saúde, pele,
Orgânico
cabelo”, testemunha o biotecnólogo José
Além da adaptação, também foram necessá-
Franciraldo de Lima, responsável técnico pela
rios anos para desenvolver um hidrolisado à
produção.
base de soja, para tornar o cultivo orgânico e
No município de Santa Terezinha, PB, onde
certificado. Essa ração tem que passar por um
está a Fazenda Tamanduá, as cianobactérias
tratamento, por dias, até que se chegue aos
encontram condições favoráveis: dias longos,
nutrientes ideais. A Fazenda Tamanduá possui
alta insolação e poucas chuvas. Isso permite
19 tanques, sendo 7 com capacidade de 25 mil
que os tanques utilizados sejam 50% mais pro-
litros, 12 de 10 mil e 3 de 500 mil. Estes últimos
fundos do que em outras localidades.
foram instalados recentemente e ainda estão
Relatando a experiência da empresa, Lima
em fase de adaptação.
mostra que paciência e observação são essen-
A colheita é feita por filtragem, processo em
ciais para cultivos comerciais de microalgas e
que uma tela é usada para separar a spiru-
cianobactérias. No início, os microrganismos
lina da água. Essa etapa também precisa de
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Foto: Jose Franciraldo
Mercado
atenção constante. “Ao longo do ano, a spirulina perde o seu formato em espiral, fica reta e passa a tela, dificultando a colheita. Quando isso acontece, a gramatura da trama tem que ser adaptada”, explica Lima. Embora todos os tanques de cultivo da Fazenda Tamanduá estejam destinados ao cultivo da spirulina, a empresa mantém em laboratório duas espécies de microalgas para projetos futuros. Lima acredita que o desenvolvimento tecnológico vai permitir o uso de microalgas e cianobactérias em diversas áreas: biorremediação, alimentos, biocombustíveis etc. “Quando você utiliza o esquema de biorrefinaria e você faz o aproveitamento fracionado de todo o material, sem descartar nada, aí você consegue viabilidade”, opina.
Spirulina para aquicultura No Ceará, a professora aposentada da Universidade Federal do Ceará Francisca Pinheiro decidiu transformar em negócio o conhecimento adquirido na academia, estudando microalgas e cianobactérias. O que começou com aquários, em casa mesmo, continuou com a conversão de tanques de tilápia em espaços para cultivo de microalgas, em uma chácara em Cascavel, CE. E nasceu, assim, a Spirulina Brasil. O empreendimento conta com sete tanques, que têm profundida de 60 cm e são constantemente aerados. A produção da spirulina é relativamente pequena: 80 quilos por mês, que têm como destino a alimentação de camarões, peixes ornamentais, alevinos e tilápias, graças
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Foto: Jose Franciraldo
Foto: Jose Franciraldo
ao elevado teor de proteínas (60% a 70%). Francisca acredita que incentivos governamentais poderiam estimular a produção. A própria empresa dela teria capacidade de empregar mais pessoas e triplicar a produção. A professora aposentada, agora empresária, acredita também no futuro da produção de microalgas. “É um mercado consumidor crescente, autossustentável, com potencial no mercado interno e externo”, analisa. Ela acredita, ainda, que a spirulina pode ser utilizada pela indústria de alimentos, sendo adicionada, por exemplo, a massas e biscoitos. A empresária pretende consolidar seu método de cultivo e, a partir daí, iniciar um projeto para transferência de tecnologia para comunidades do Nordeste.
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Foto: Divulgação Alltech
Mercado
MICROALGAS NA DIETA ANIMAL Rações ricas em Ômega 3 já estão no mercado pet e de aquicultura brasileiros Por: Vivian Chies, jornalista da Embrapa Agroenergia
U
ma das dez maiores empresas do
proporciona à saúde humana. “O pet é um
mundo em nutrição animal, a All
membro da família”, lembra o gerente-técnico
Tech, está produzindo rações à base
da empresa, Fernando Rutz.
de microalgas em sua maior unidade fabril,
O produto também já está sendo inserido
em Kentucky, nos Estados Unidos. No site
na criação comercial de animais, começando
da companhia, o conteúdo sobre essa plata-
pela piscicultura. Rutz diz que a ração à base
forma de trabalho está sob a aba “Futuro da
de microalgas pode compor a alimentação de
Agricultura”. O produto, contudo, já está pre-
qualquer espécie, com impactos na saúde dos
sente nos Estados Unidos, na Europa, na China
animais e na composição dos produtos deles
e na América do Sul.
obtidos. É das algas que os peixes obtêm o
No Brasil, o produto foi introduzido há quase dois anos pela All Tech, primeiramente no
Ômega 3, que os torna alimentos tão associados à boa alimentação.
mercado pet. Rica em Ômega 3, a ração atrai
De acordo com o gerente-técnico da
pessoas que buscam para animais de estima-
empresa, estudos mostram que introduzir
ção os mesmos benefícios que o composto
rações à base de microalgas na dieta dos
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animais promove o fortalecimento dos ossos e do sistema imunológico. Nas galinhas poedeiras, o ácido graxo chega aos ovos, mesmo que a ração de microalgas constitua uma parte muito pequena da alimentação das aves. Ainda de
Foto: Divulgação Alltech
acordo com Rutz, uma dieta com 0,5% de microalgas resulta em ovos com 100 mg de Ômega 3. “É claro que isso pode ser obtido no peixe, mas muitos, principalmente crianças, não gostam de peixe, mas gostam de ovo”, lembra. O ácido graxo também passa a estar presente na carne de suínos e aves. No caso de animais ruminantes, como bovinos, o sistema digestivo diferenciado tem capacidade de alterar os ácidos graxos poli-insaturados, transformando-os em saturados, mas, ainda assim, uma parcela é absorvida no intestino e passa tanto para o leite quanto para a carne. Isso abre caminho para que produtores possam explorar mercados de nicho, agregando valor aos seus produtos. O diretor comercial da All Tech, Clodys Menacho, conta que a diferenciação de itens com informações na embalagem para conseguir preços mais altos já é uma prática comum na Europa. “Na América Latina, ainda estamos começando com isso”, observa. As microalgas utilizadas pela All Tech são de dois gêneros: Chlorella e Schizochytrium. O cultivo delas é do tipo heterotrófico, ou seja, não realizam fotossíntese, mas recebem alimento para crescer, em fotobiorreatores, com condições controladas. De acordo com Menacho, os projetos de expansão da empresa nessa área são consistentes. No Brasil, já há parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina para ampliar os estudos sobre o efeito do uso de microalgas na produção de peixes. Agroenergia em Revista │ Edição 10 55
Foto: Priscila Borges