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Queridos Alunas e Alunos Estimada s Famíli as Caros Docent es to com grande alegria que vos entregamos os manuais de Educação Moral e Religiosa Cató lica. que foram preparados para lecionar o novo Programa da disciplina. na sua edição de 2014. O que aqui encon tra reis procura ajudar, cada um dos alunos e das alunas que frequen tam a disciplina, a «posicionar- se, pessoalment e, f rente ao fenóm eno religioso e agir com responsabilidade e coerência», ta l como a Conferência Episcopa l Portu guesa definiu como grande finalidade da disciplina' . Para tal, realizou-s e um extens o tra balho que pretende, de forma pedagogicame nte adequada e cient ificamente signif icat iva. co nt ribuir com seriedade para a educação int egral das crianças e dos jovens do nosso País. Esta ta refa, realizada sob a super ior orient ação da Conferência Episcopal Portuguesa, a responsabilidade da Comissão Episcopal da Educação Cristã e Dout rina da Fé e a dedicação permanente do Secretariado Nacional da Educação Cristã, envolveu uma extensa e motivada equipa de tr abalho. Queremos, pois. agradecer aos auto res dos textos e aos artistas que elabo raram a montagem dos mesmos, pelo seu entus iasmo permanen te e pela qualidade do resultado fi nal. Também referimo s, com apreço e grat idão, os doce ntes que experimenta ram e comenta ram os manuais, ainda durante a sua execução, e o co ntr ibuto insubst ituível dos Secretariados Diocesanos responsáveis pela disc iplina na Igreja local. E a todos os docentes de Educação Moral e Religiosa Católica. não só entregam os estes indispensáveis inst rum entos pedagógicos co mo aproveitam os esta feliz ocasião para sublin har a relevância do seu fundame ntal pape l. nas esco las e na formação das suas alunas e dos seus alunos. e test emunhamos o nosso reconhecimento pelo seu exten so compromisso pastoral na sociedade port uguesa. Do mes mo modo, est amos agradec idos às Famílias, porque desejam o melhor para os seus filhos e f ilhas e, nesse contexto , escolhe m a discip lina de Educação Moral e Religiosa Católica como um import ant e cont ributo para a formação e o desenvolvimento pleno e feliz dos seus j ovens. Os jovens co nformam o nosso f ut uro co mum e o empenho sério na sua educaçã o é sempre uma garantia de uma sociedade mais bondosa, mais bela e mais justa. Finalmente, queridas crianças e queridos jovens, a Igreja quer ir ao vosso encont ro. estar con vosco , aj udar-vos a viver bem e, nesse sent ido. colaborar com o esforço de const rução de um mundo melho r a que sois chamados. enraizados e f irmes (cf. Cal 2, 7) na proposta de vida que Jesus Cristo tem para cada um de vós. to esse o horizonte de vida, de missão e de f utu ro. a const ruir convosco , que nos propomos realizar co m a disciplina de Educação Moral e Re ligiosa Cató lica. Em nome da Conf erência Episcopal Portuguesa e no noss o próprio, saudamos t odas as alunas e todos os alunos de Educação Moral e Religiosa Cat ólica de Portuga l com alegria e esperança, Comissão Episcopal da Educac êo Cristã e Doutrina da Fé Lisboa, 19 de março de 2015,
Solenidade de S. José. Esposo da Virgem Maria e Padroeiro da Igreja Universal
... Conferência Episcopal Portuguesa , (2006),EducoçdoMoral e Religiosa Católico - Um valioso contributo pora o tonrocoo da personalidade. n. 6.
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A Civuízacão do Amor
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Educação t.torel e Religiosa Católica
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Educec ão Mo ral e Religiosa Católica
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1. As Civilizações
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2. Elaboração do conceito de Civilização do Amor
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1.2. Signif icado de civilização 1.3. História da humanidade como história das civilizações 1.4. Conf lito de civilizações?
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2.1.lncivilização? 2.2. Civilização feliz e eterna
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3. Os Papas e a Civilização do Amor
4. Critérios e princípios da Civilização do Amor
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5. Uma Civilização alicerçada no amor
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6. Mensagem bíblica acerca do amor
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7. A regra de ouro nas t radições relig iosas
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8. Os que já vivem na Civilização do Amor
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Bibliog rafia
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3.1 . O Papa João Paulo II 3.1.1. O perdão que supera ódios e injustiç as 3.1.2. O perigo dos nacionalismos 3.1 .3. A cultura da mort e 3.1.4. Diálogo, solidariedade e out ros valores 3.2. O Papa Bento XVI e a Civilização do Amor 3.3. O Papa Francisco
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4.1 . O que deve ser uma civilização? 4.2. Uma civilização impossível?
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5.1. "Amor", palavra cheia e vazia 5.2. O amor segundo o Papa Bento XVI 5.3. Amor que tu do t ransforma 5.4. Amor com marca católica
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6.1 . Deus é Amor 6.2. Sentimen tos vão e vêm 6.3. Outras manifestações bíblicas do amor
- 7.1. Cristã~spe;;,egu ido~ - -
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7.2. Religiões e violência 7.3. Valorizar o que une, não o que separa - - - - - - - 8.1. Um "sim" diário 8.2. Vidas comuns marcadas pela sant idade 8.3. Comunidade do amor
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1. As Civilizações
- -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- 1 1.1. Uma civilização identificada em 1970 As civilizações nasc em, cr escem, declinam e morrem. E uma vez mortas, morta s para sem pre. As civilizações não ressuscitam. Foi assim com a civilizaçã o surn éria, a egípc ia, a grega, a romana e tod as as outras. As civi lizaç ões alca nçam po nto s sub lime s, mas tê m limites , pontos fracos que as levam a soço brar. Poderá alguma de las aproxima r-s e da perfeição? No pas sado, nenhuma delas. E no pre sente e no futuro? Poderá alguma delas realizar a ut opia? Aproximar-se da etern idad e? Pode rá alguma civilização ser o espaço, a sociedade, a cultura, a economia, a politi ca onde o ser hum ano se realize verdadeiram ent e? No dia 17 de ma io de 1970, o Papa Paulo VI afirmou a exist ência de uma civilizaçã o até então descon hecida, pelo menos por t al nome: a Civilizaç ão do Amor. Naq uele dia celebrava -se o Pentecostes. Todos os anos, cinquent a dias depois da Páscoa , os cristãos celebram a Descida do Espírito Santo . O primeiro Pentecostes, em Jerusalém , por volta do ano 30, significo u o início da Igreja, pois a parti r da í a primei ra comu nidade dos seguidores de Jesu s começou a sua expansão através do anúncio da salvação operada po r Jesus Cristo . Segundo Paulo VI, o primei ro Pentecostes foi a inauguração da "civi lização do amor e da paz".
Educaçao Morale Rel igiosa Católica
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"Embora possa parecer estranho, o Pentecostes é também um acontecimento que interessa ao mundo profano; pois dele deriva, pelo menos, uma nova sociologia, penetrada pelos valores do espírito, que determina a hierarquia dos valores e se polariza nos verdade iros e mais elevados destinos do homem; aquela sociolog ia que tem o sentido da dignidade da pessoa humana e da moral social, e que tende, decididamente, a superar as divisões e os conflitos entre os homens, e a fazer da humanidade uma única família de filhos de Deus, livres e irmãos. Recordamos, como símbolo e início desta difícil história, o milagre da diversidade das línguas, tornadas, pelo Espírito Santo, comp reensíveis a todos. Foi a civilização do amor e da paz que o Pentecostes inaugurou. E tod os sabemos se, ainda hoje, o mundo tem ou não necessidade de amor e da paz!" Paulo VI, 17 de maio de 1970. Regina ccen
A presente Unidade Letiva cent ra-se na Civilização do Amor, seus princípios e valores. Antes de ent rarmos no tema em si, convém t er uma visão geral do conceito de civi lização e uma perspetiva histó rica de algumas das grandes civilizações .
1.2. Significado de civilização Civilização é uma socie dade humana que se desenvolveu cultur almente ao longo de séculos, tem uma organização política e económica contínua, parti lha sist emas de valores e contra valores em que geralmente predom ina uma religião, domina técnica s e exprime-se at ravés das art es. Não se pode falar de civilização quando uma soci edade tem uma organização tr ibal, não conh ece a esc rit a nem dom ina os met ais e assegura a subsistência recolhend o o que a natu reza dá espontaneamente . Os povos que assim vivem, cert amente têm uma cultura, mas não são civilizados. A civilização (palavra que deriva do termo latino civitas, cidade) press upõe vida urbana, estad o est rut urado, leis escritas, expressões culturais estáveis, em suma, uma socie dade complexa. Numa civilização, ao longo de séculos, pode dom inar um império e uma língua ou coexist irem várias nações, povos e línguas, sucedem -se os líderes e as dinast ias, há crises e revoluçõ es, mudam os regimes polít icos e económicos , mas mantém- se uma cont inuidade geográfi ca e cultural sustenta da por uma mundividência em que o fator religioso tem grande relevo.
1.3. História da humanidade como história das civilizações A história da human idade é fértil em civilizações . Os Sumér ios (milénios VII-II a.C.)e os Egípcios (do milénio III ao séc. VII a.C) são as civilizações mais antigas. Os Gregos (séc. XX-II a.C) e os Romanos (do século VIII a.C, ao séc. V d.C. no Ocidente, porque cont inuou no Oriente até ao ano 1453) são as mais influentes na Europa. Os Maias, os Azt ecas e os Incas são as civilizações chamadas pré- colombianas. Existiram, enquant o tal, até à descoberta do Novo Mundo por Crist óvão Colombo. Foram dizimadas pelos europeus do séc. XVI, embo ra os Maias já se enco nt rasse m em decadência. O maior estu dioso das civilizações foi Arn old J . Toynbee (1 889-1975), auto r de Um Estudo de Histó rio (A Study of History). Nesta obra de 12 volum es, examina o proce sso de nasci mento, desenvo lvimento e queda de 26 civilizações . O historiador inglês cons idera precisamente que o estud o da história deve ser feito por civilizaçõ es e não por estados e nações, que são apenas parte de um to do maior. O mesmo
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A Ci\ ilização do Amor
- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -, pens a Samuel P. Hunt ington (1927-2008) : "A história da humani dade é a história das civilizações. ~ im possível pe nsar-s e no desenvolvimento da Huma nidade em quaisqu er outros termo s". Toynb ee afirma va que a caus a com mais peso na queda das civilizações era sem pre int rfnseca. ou seja , nas cida no seio das próprias civilizações, ainda que haja um motivo imediato exte rior como uma invasão ou um desa stre nat ural. Mo rrem por que estã o enfr aquecidas a par t ir de dentro. Morrem na sequênc ia de um declfnio económico e cultural. Por out ras palavras , as civilizações morrem de suic fdio e não de ass ass inato , como defen deu o historiador René Grouss et (1885-1952). O Império Romano se mp re esteve cerc ado po r povos bá rb aro s, mas Roma só cai no séc . V, po rqu e estava economicam ente debilita da desd e o século III (a moed a esta va desgastada pe la inflação promovida pelos imperadores) e os seus exérc itos já não t inham a organização e o poder de outrora. Para Toyn bee, a morte de uma civil ização deve -se ao fr acasso de uma mino ria criativa, inc apaz de im pedir o declfnio mo ral e religioso. Por outras palavras, uma civilização morre quando não é capa z de se reinve ntar. Não é possível resumir em poucas linhas o essencial de uma civilização, mas na realidade elas ob edecem a padrões co muns. Comportam uma cultura e uma cosmovisão , seguem ce rtos prin cípios e valo res e es t ão unidas na prossecução de de ter m inados fi ns. A civil ização egípc ia, construída nas imediações do Nilo e ten do como base económica os cer eais cu lt ivados nas margens , endeuso u os fara ós, co nc entrand o neles a riqueza e o esplen do r. Por outro lado, po r acred ita r na vida depois da morte, desenvo lveu téc nicas para pre servar os co rpos dos seus dirig ent es. Tamb ém eram mum if icados os gatos, que pa ra a mito logia egípcia eram enca rnac ão da deusa da ferti lidade - o qu e se com preen de num a civili zação que pode ria ser post a em c ausa pe los roed ores. A civilização grega valorizou a beleza física , o inte lecto, a arte e a part icipação dos home ns livres na adm inist raç ão da cidade. A ideia e a prát ica da de mocracia - um homem, um voto - nasceu nas ci dades-estado gregas, aind a que apenas uma mino ria de cida dãos votasse. Os metecos (não nas ci dos na pó lis, mas hom ens livres, pelo qu e pagavam im pos tos), os escravos (um cidadão livre t inha dois ou t rês esc ravos; um ric o tinha uma dúzia) e as mulheres não vot avam. A civilização romana de senvolveu o poder militar, ce ntra lizou o govern o, cr iou leis complexas que ainda hoje inspiram os sistemas jurídicos (direito romano) e construiu uma notável rede de vias para uso do s seus adm inis tradores, reco letores de impostos e legiões. Deixou um alfabeto que é o mais utilizado no mundo. Concebendo -se como "imperium sine f ine" ("império se m fim "), pela vastidão no espaço (do no rte da Europa ao norte de Áf rica , da Ibér ia ao Médio Oriente) e no tempo, é emulado por grandes naçõ es, como os Est ados Unidos da Amé rica , e por regim es de má memória, co mo o fascis mo, o nazismo e o regime soviét ico.
TESE S PAR A UM M UN DO INSTÁVE L As teses do ' f trn da História" e do "contnt c de civilizaç ões" surgiram para explicar a nova ordem mundial - ou ausência dela - depo is do fim da Guerra Fria. Ent re o fim da Segunda Guerra Mundia l (1945) e a Queda do Muro de Berlim (1989) e a extinção da União Soviética (1991), a política mundial esteve sempre enquadrada na oposição militar, económica, social e ideológica entre Estados Unidos e União Soviétic a. E depo is do colapso da União Soviética? Francis Fukuyama escreveu em 1989 o ensaio The End of History?, na revista The Nationol Interest, afirmando que "podemos estar a chegar ao fim da evoluç ão ideológica da humanidade e à universalização da democracia liberal como forma de gove rno ". Samue l P. Huntington lançou o conceito de conflito ou choque de civilizaçõ es em 1993. na revista Foreign Affairs. Os artigos deram origem a livros, ambos com eotcac em português {O Fim da História e o Último Homem e O Choque de Civilizações e o
Mudança na Ordem Mundial}.
1.4. Conflit o de civilizações? Nos últ imos anos , o conceito de civi lização tem sido rep rop osto sob a fórmula de "desenc ontro" e "conf lito de civilizações". Sam uel P. Hunt ington, no livro O Choque dos Civilizações e a Mud ança na Ordem Mundial, afi rma que existem oito civilizaçõe s pós -1990 (fim da Guerra Fria): a oc idental (Euro pa Ocidenta l, América do Norte, Aust rália e Nova Zelând ia), a af ric ana (Áfr ic a su bsariana), a islâmica (Norte de Áf rica, parte da Áfri ca Orien tal e Médio Oriente), a chi nes a (China, Vietname e Core ia), a hind u (subc onti nent e indiano), a ortod oxa (Rúss ia e Lest e da Europ a), a lat in o-americana (América Cent ral e do Sul) e a japo nesa
(J ep àol, Segundo o po litólo go, nesta configuração mun dial resu lta nte do f im da Gue rra Fria, "os co nflit os mais abrange ntes, impor t antes e pe rigo sos não se darão entre class es soc iais, ricos e pobres , ou ent re grupos definidos em termos econó micos , mas sim entre povos per ten ce ntes
Educação t.torer e Religiosa Católica
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a diferentes entidades culturais . C..) E os conflitos mais perigosos são aque les que oco rre m ao longo das linhas de f ratu ra ent re civilizações ". O auto r susten ta ainda, como muitos outros, que as religiões são elementos fundamenta is na ident idade de uma civilização. À tese do "conf lit o de civilizações", que uns contest am e outros dizem confi rmada na acao te rrorista à escala global que tem com o orige m os fundamentalismos isl âmicos, contrapõe-se a do "f im da Histó ria", de Francis Fukuyama. Segundo este ideólogo, a democracia liberal é o último modelo de governo. Ou seja, os regimes evoluem até alcança r a democracia liberal e a econom ia de mercado. Depois deste regime, não há outro - defende Fukuyama. É a isto que se refere "o f im da história" e não à ausênc ia de factos históricos:
"A ideia de que existe um «fim da história» era compartilhad a pelos marxistas, que acreditavam, como eu, em evolução a longo prazo da soc iedade humana . A diferença é que eles achavam que o fim da história seria a vitó ria da utop ia comunista. Depois da queda do Muro de Berlim quase ningué m ainda acred ita nisso . A minha tese é que, diferentemente do que pensavam os marxistas, o ponto final da história é a democracia liberal. Não considero plausível imaginar que estávamos no rumo de uma fo rma mais elevada de civilização. Podemos retroceder ao fascismo, à monarquia ou ao caos puro e simples. Nunca vamos ter, contudo, um modelo de sociedade melhor do que a democracia orientada pela economia de mercado. Essa é a ideia básica de «O Fim da História». Nada do que ocorreu desde então, nem mesmo os atentados de 11 de setembro de 2001, mudou isso." Fukuyama. Francis, 17 de novembro de 2004, revist a Veja.
As teses do "f im da história" e do "choque de civilizações" são acerrimament e defend idas, mas t ambém muito contesta das. Não ent ramos na discussão. Mas coloca mos algumas questões nest e contexto: Podemos co ncebe r uma civilização que não se afirme por conflitos ou cho ques com outras? Uma civilização em que o regime polít ico e eco nómico procu re realmente o bem de to dos? Uma civilização alicerçada no valor que tudo tr ansforma? Esta civilização já existe , ainda que não plenamente desenvo lvida. É a Civilização do Amor. Foi inaugurada, como afirmou o Papa Paulo VI, no primeiro Pentecostes.
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A Civilização do Amor
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2. Elaboração do conceito de Civilização do Amor
Os homens e as mulheres são os únicos seres capazes de civil ização. O ser humano com unica, relacio na-se, tenta compreende r o mun do à sua volta, intervém no ambiente, é um ser cultu ral, constrói civilização. Mas nem semp re tem sucesso nos seus empreendi mentos. A par dos éxitos individuais e co let ivos, soma fr acassos , desilusões. A histó ria humana é um desf ile admirável de conquistas para o bem de todos, mas as notícias cont inuam cheias de guerras, sof rimento, impotência perante o mal. A humanidade consegue feitos adm iráveis, como ir à Lua, enviar satél ites para os co nfins do siste ma solar, mas não resolve prob lemas como a fome, enquanto uma parte dos homens sofre de obes idade. Descobre medicam entos para doenças que noutras eras dizimavam populações intei ras, mas mata milhões de seres humanos ainda no vent re das mul heres que os geraram . Transporta multidões pelo ar, por te rra e por mar, para qualquer parte do mundo, mas não deixa de guerrear por ter ritórios e fronteiras. Retira do inter ior da te rra ou do fu ndo do mar riqu ezas incalculáveis e co munica inst ant aneamente com o outro lado do planet a, mas ignora populações ati ngidas pela subnut rição, pelo analfabet ismo e por doenças curáve is ou entreg ues a governos despóticos. Cria redes de comunicação com milhares de amigos, conhecidos e desconhecidos, mas ignora o idoso ou o doente que até pode viver na porta ao lado. Admira e eleva ao estrelato pessoas que se dist inguem no des porto, na arte, na tecnologia , mas priva muitos outras de contribu írem para a sociedade, condenando-as ao desemprego. E sobre todos paira a possibilidade de uma catástrofe eco lógica , se não mudar o relacionamento dos seres humanos com a natureza. Imaginemos, como sugeriu o padre espanhol Martín Descalzo, que nos era dado o "dom ter rível" de, durante cinco minutos apenas, numa noite de silênc io, escutar todos os choros que a essa hora se choram no mundo , todos os ais de todos os hosp itais, de todas as inj ust iças sofri das , de todos os desem pregados do mundo, da fome dos milhões e milhões de fa mintos ... "Só cinco minutos. Quem o suportaria? Quem seria capaz de carregar sobre os seus ombros todas as lágrimas que se chorariam no mundo apenas esta noite?"
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I 2.1.lncivilização? I Podemos legitimamente perguntar: Que civilização estamo s a construir? Que civilização falta I
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construir? Outro mundo é possível? Que caracte rísticas desejaríamos numa civilização melhor para todos os seres humanos? Não estaremos a constr uir uma "incivilização", como questionou .João Paulo II?
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"A humanid ade e nco ntra-se numa e nc ru zil hada. O desafio da liberda de c onstitui desde se mpre a gran deza e o perigo do homem. Mas hoj e a interde pend ên cia dos povos dá a est e desafio um c a rá c t er novo globa l, p lanetário. Uma pergunta int erp ela p rof unda m ent e a nossa resp o nsabil idad e: q ue c ivilização se im po rá no futuro do planeta? Co m ef eit o, depende de nó s q ue t riunfe a c iv ili za ç ão do amor, como Paulo VI gostava de lhe cha mar, ou a civi lização que mais correta m ente se deveria cha mar «inc ivilização», do ind iv id ualis m o, d o utilitarismo, dos int eresses opostos, dos nacio na lism os ex aspe ra d os e dos ego ísmos elevados a sistema." João Paulo 11,13 de fevereiro de 1994, Aoge/us.
Sào João Paulo II refere que a civilizaçào em que vivemos é, em muitos aspetos, uma "incivilização". Rei nam o individualismo, que não deixa ver o outro ser humano como um irmão, o utilitarismo, que avalia tudo pelo prazer e pelo benefício próprio e relativiza os valores mais nobres, os interesses opostos e conflituosos na economia, na política, nas relações internacionais, os nacionalismos exasperados, que continuam a provocar guerras entre países, mas também discriminações e perseguições étnicas no int erior de um mesmo país, os egoísmos elevadosa sistema, isto é, reconhecidos como constitutivos da sociedade, na medida em que podem estar no centro do consumo e, por essa via, serem o motor da economia, ou no centro do sistema moral e, consequentemente, minarem a estabilidade das relações, a família, a vida, os seres mais frágeis, incluindo a natureza. A cultura moderna em que nos inserimos, de facto, é marcada por valores e contravalores, alguns dos quais apontado s no início deste apartad o. Que outros valores e contravalores caracterizam o nosso tempo?
r -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - Desenvolvimento do homem todo e de todos os homens l ouis-Jo seph Lebret
Na escrita da encíclica Papu/aTum Progreesio, sobre o desenvolvimentodos povos, Paulo VI inspirou-se no cientis ta social e filósofo l ouis- Josep h Lebret (1897-1966) . que de senvolveu o seu conceito de
desenvolvimento integral e de economia ao serviço do ser humano. Frade dominicano francê s. Lebret
criou em 194 2 o centro de pesquisas em assuntos económicos "Economia e Humantsmo". Este cen t ro funcionou em Lyon (França) até 20 07, com relevante pape l nas temát icas do te rce iro mundo, do urban ismo, da economia e dos sindicato s.
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O Papa Paulo VI cunhou em 1970 a express ão "civilizaçào do amor", que se tornou o principal tema do seu pontificado, principalmente na fase final. Todos os Papas seguintes usaram a expressão e contribuíram para o enriquecimento do seu conteúdo. Será a civilização do amor, na perspetiva crist ã, o melhor espaço geográfico e cultural para o ser humano se realizar? Mas em que consiste a civilização do amor? Uns anos antes, em 1967, Paulo VI publicou a encíclica social Pop ulorum Progressi o ("Sobre o desenvolvimento dos povos"), em que expôs um conceito fundamental para o desenvolvimento da Civilização do Amor. Trata-se do conceito de "desenvolvimento integral".
"As ini c iativas locais e ind iv idua is j á não bastam. A situação atual do mund o exi ge uma acã o de conjunto a pa rtir de uma visão c la ra de todos o s aspetos ec o nó m ic o s, socia is, cult u ra is e es p ir it uais. Fundada para estabelecer j á neste mundo o reino do céu e não para conqu istar um po d er t er restre, a Igreja afirma claramente que os dois domínios são distintos, como são soberanos os dois poderes , eclesiástico e civil, cada um na sua ordem. Porém, vivendo na história, deve «estar atenta aos sinais dos tempos e int erpret á - los à luz do Evangelho». Comungando nas melhores aspirações dos homens e sofrendo de os ver insatisfeitos, deseja ajudá-los a alcançar o pleno desenvolvimento e, por isso, propõe -lhes o que possui como próprio: uma visão global do homem e da humanidade.
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o desenvolvimento não se reduz a um simples crescimento económico . Para ser autêntico, deve ser integral, quer dizer, promover todos os homens e o homem todo, como j ust a e vincada mente sublinhou um eminente especialista: «Não aceitamos que o económico se separe do humano; nem o desenvolvimento, das civi lizações em que ele se inclu iu. O que conta para nós, é o homem, cada homem, cada grupo de homens, até se chegar à humanidade inteira»." PauloVI. 1967, Popu!orum Progressio, 13 e 14.
--- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - , Num outro documento, a carta apostólica Octogesima Adveniens, de 1971, o Papa, preocupado com as mudanças culturais e as injustiças, fala de uma "civilização nova".
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"A nossa finalidade (. ..) é chamar a atenção para algumas questões que, pela sua urgência, pela sua amplitude, pela sua complexidade, devem estar no centro das preocupações dos cristãos, para os anos que vão seguir-se, a fim de que, juntamente com os outros homens, se apliquem a resolver as novas dificuldades que põem em causa o próprio futuro do homem. Importa saber equacionar os problemas sociais, postos pela economia moderna - condições humanas de produção, equidade nas permutas de bens e na repartição das riquezas, significado das crescentes necessidades de consumo e compartilha das responsabilidades - num contexto mais amplo, de civilização nova. Nas atuais mutações, tão profundas e tão rápidas, cada dia o homem se descobre como algo novo e inte rroga-se, a si mesmo, acerca do sentido do seu próprio ser e da sua sobrevivência colet iva. Hesitante em recolher as lições de um passado, que reputa superado e demasiado diferente, ele tem, não obstante, necessidade de lançar luz sobre o seu porvir - porvir que ele antevê t ão incerto quanto instável - pelo recurso a verdades permanentes e eternas, que certamente o transcendem, mas das quais pode , se o quiser fazer sinceramente, encontrar por si mesmo os vestígios." Paulo VI, 1971,
c ctogeeima Advenien s, 7.
Neste documento, que assinala os 80 anos da Rerum Novarum (encíclica que Leão XIII publicou em 1891, sobre os prob lemas colocados pela Revolução Industrial, a chamada "quest ão operária"), o Papa fala da perda de vigor da civi lização agrícola, do êxodo rural e do crescimento indu stria l. Refere as "megalópoles" com dezenas de milhões de habitantes, mas onde o homem se pode sentir isolado. "No seio da sociedad e indust rial, a urbanização transtorna os modos de viver e as est rutu ras habitua is da exist ência: a família, a vizinhança e os próprios moldes da comun idade cristã. O homem exper imenta, assim, uma nova forma de solidão, não já fre nte a uma natureza hosti l, que ele levou séculos a dominar, mas no meio da mult idão anónima que o rode ia e onde ele se sente como um estranho", escreve Paulo VI (AO, 10), presse ntind o a necessidade de uma civilização nova que não deixe o ser humano desamparado.
"No sentido de poder vir a ser inscrita na ordem da ação prática e nas estrutu ras esta dupla aspiração, alguns progressos foram feitos já, tanto no enunciado dos direitos do homem, como na procura de estabelecer acordos internacionais para a aplicação destes direitos. Mas, entretanto, as discriminações, étnicas, culturais , religiosas, políticas... renascem cont inuamente. Na realidade, os direitos humanos permanecem ainda muitíssimas vezes sem serem reconhecidos, se não são mesmo ludibriados, ou então, o respeito que se lhes vota é puramente forma l. Em muitos casos, a legislação acha-se atrasada, em relação às situações reais. Depois, muito embora necessária, ela demonstra-se insuficiente para estabelecer verdadeiras relações de justiça e de igualdade. O Evangelho, ao ensinar-nos a caridade, inculca-nos o respeito privilegiado pelos pobres e faz-nos ver a sua situação particu lar na sociedade: os mais favorecidos devem renunciar a alguns dos seus direitos, para poder colocar, com mais liberalidade, os seus bens ao serviço dos outros. Se, efetivamente, para além das regras jurídicas, falta um sentido
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profundo do serviço de out rem, mesmo a legalidade perante a lei poderá servir de álibi para flagrant es discriminações, para se manterem explorações e para um desprezo efetivo. Sem uma renovada educação, no que se refere à solidariedade, uma excessiva afirmação da igualdade pode dar azo a um individualismo em que cada qual reivindica os seus direitos, sem querer ser responsável pelo bem comum. Quem não vê a co ntribuição capit al, neste cam po, do espírito cristão, o qual, de resto , vai ao encontro das asp irações do homem a ser amado? O amor do homem , primeiro valor da ordem t errestre, garante as condições da paz, t anto social como int ernacional, ao afirm ar a nossa f ratern idade universal." Paulo VI, 1971, Octogesima Adveniens. 23.
2.2. Civilização feliz e eterna No f inal de 1975, primeiro na hom ilia de Natal e depois na audiência geral do último dia do ano, o Papa Montini realça o que está no ínti mo da nova civilização:
"A sua força e razão de ser não se rá o ódio, não será a luta, não será a ganânci a, mas o amo r, o amor gerador de amor, o amor do homem pelo homem, não por um prov isóri o e equ ívoco interesse, ou por alguma ama rga ou tolerada condescendência, mas por amor a Ti; a Ti, ó Cristo des coberto no sofrimento e na necessidade de cada um dos nossos semelhantes. A civilização do amor preva lecerá na ânsia das imp lacáveis lutas sociais, e dará ao mundo a son hada transfiguração da humanidade f inalmente cristã." Paulo VI, 25 de dezembro de 1975. Homilio de Nato/.
No Natal de 1975, o Papa conclu iu a celebração do Ano J ubilar ("ano santo" que a Igreja cató lica celebra de 25 em 25 anos ou em ocas iões espec iais, como em 1983, nos 1950.0 anos da morte e ressurreição de Jesus). No últ imo dia do mesmo ano, avançou que "civilização do amor " era uma "expressão progra mática". ou sej a, encerra ideias e intenções. Depois de um ano de "plenitude espir itual e de empenho mora l", o Papa falou do seu son ho para a humanidade. Não tinha ainda um "plano raciona l e org ânico" para a Civilização do Amor. Uma civilização não se constrói de um dia para o outro. Mas lançou algumas pedras para os alicerces da nova civilização : • "civilização" entende-se como "comp lexo de cond ições mora is, civi s, económ icas, que permite à vida humana uma melhor possibi lidade de existê ncia, uma razoável plenitude, um desti no feliz e eterno"; • começa em Deus, que é Amo r; • tem como primeiro dever o amor ao próximo, "o princ ipal objeto do programa renovado e renovador "; • caracteriza-se por uma grande "sensibi lidade pela human idade que sof re, f isicamente, socia lmente. mora lmente". • denuncia as dores, as desordens, os perigos, "aos quais não podemos f icar indiferentes". No f inal da sua intervenção, o Papa interrogou- se sob re se estava a ser ingénuo : "Será que sonhamos quando falamos de Civ ilização do Amor? Não, não sonhamos. Os ideais, se autênticos, se humanos, não são sonhos; são deveres. Para nós , cr istãos, especialmente. (oo.) E são energia e espe rança ". E conc luiu com uma frase de um teólogo do século II, Ireneu de Lyon: "A glória de Deus é o homem v ivo ".
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A Civilização do Amo r é, afinal, a concretização do sonho de Deus para a humanidade. E os Papas encarregar-se -iam de continuar a difund ir e edificar esta civilização.
• Olhando para o mundo atual, que realidades encontramos de clara oposição à Civilização do Amor ou de "lncfvilize ç êo"? • Que sinais encontramos na nossa sociedade que revelam ou apontam para a Civilização do Amor?
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3. Os Papas e a Civilização do Amor
3.1. o Papa João Paulo II Ninguém como João Paulo II pode ria falar com mais expe riência e conhecimento so bre os confro nto s cu lturais, religiosos e po lítico s e mesmo sobre os choq ues de civilizações. Nasci do na Polónia, em 1920, viu o seu país ser invadido pela Alemanha nazi. Karol Wojty la t inha 19 anos e est udava na univ ersidade quando, no dia 1 de set em bro de 1939, as tropa s de Hit ler invadem a Polónia, inici ando a II Guerr a Mundial. O proje to do "im pé rio dos mil an os", o III Reich , baseado na pureza da raça ariana e no domínio do partido nacio nal-soci alist a sobre to dos os âmb itos da vida, fracassou, derrot ado pe los Aliados e pela URSS. Mas a Polónia não ficou livre. Passou para a ór bita do regime soviético, igualmente to tal itário, mas de base co munist a. Na Polónia , so b o regime comunista, J oão Paulo II desenvolve u a sua missã o de padre, foi orde nado bispo e nomeado cardeal. Eleito para a Cátedra de Pedro em 1978, "o Papa que veio do Leste" apo iou a part ir de Roma o movimento soc ial Solidariedade ("Solidarnosé"), que depo is de uma dé cada de ação n ão-v iolenta co nse guiu a realização de eleições quase livres , em j unho de 1989, determinantes pa ra a liber tação da Polónia do j ugo soviético e com influência na Queda do Muro de Ber lim, em nov embro do mes mo ano.
3.1 .1 . O perdão que supera ódios e injustiças J oã o Paulo II, num do s seus pri meiros documentos, Dives in Misericord ia ("Rico em mis ericó rdia"), de 1980, apontou para uma car acterística central na Civilização do Amor: a misericórdia que supera a ju sti ça, qualidade que viri a a ser im prescindível pa ra a reconciliacã o naciona l na Polón ia e nos outros países saídos do ju go soviét ico :
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"Se Paulo VI, por mais de uma vez indicou que a «civilização do amor» é o fim para o qual devem tende r todos os esforços ta nto no campo social e cult ural, como no campo económico e polític o, é preciso acrescentar que est e fim nunca será alcançado se nas nossas conceções e nas nossas atuações, relat ivas às amplas e complexas esferas da convivência humana, nos det ivermos no critério do «olho por olho e dente por dente», e, ao contrário, não tendermos para transformá -lo essencialmente, completando-o com outro espírito. (oo .) O perdão é a cond ição fundament al da reconciliação, não só nas relações de Deus com o homem, mas també m nas relações recíprocas dos homens entre si. Um mundo do qual se eliminasse o perdão seria apenas um mundo de justi ça fria e irrespeitosa, em nome da qual cada um reivindicaria os próprios direitos em relação aos demais. Deste modo, as várias espécies de egoísmo, latentes no homem, poderiam transformar a vida e a convivência humana num sistema de opressão dos mais fracos pelos mais fortes, ou até numa arena de lut a permanente de uns contra os outros." João Paulo II, 1980 , Dives ln Misericordio, 14.
I Mais tarde, em 1994, interrogou-se sobre se não estamos a cam inhar para a "incivilização" do individualismo, do ut ilit arismo, dos interesses opostos, dos nacionalismos exasperados e dos egoísmos elevados a sistema , co mo já foi referido.
Dialogue a Civilization n.. lnlem.11illo. t Con'ltl"enc:e
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23-26 Apri12001
3.1.2. O perigo dos nacionalismos
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Em 2001, para o Dia Mundial da Paz (1 de j aneiro), João Paulo II escre veu a impor tan te mensagem "Diálogo ent re as cu lt uras para uma Civ ili zação do Am or e da Paz". Aquele ano havia sido proclamado pela Organização das Nações Unidas como "Ano internacional do diálogo entre civil izações". Tragicamente, viria a ser o ano da queda das Torr es Gémeas de Nova Iorque (11 de setembro), o acontecimento que muitos con sideram precisamente um sinal de que há choque de civilizações, no caso, ent re a civilização islãmica e a ocidental. Nesta mensagem, o Papa polaco convida "os crentes em Cristo, j unt amente com to dos os homens de boa vont ade, a refleti rem a propós ito do diálogo entre as diferentes cult uras e trad ições dos povos, vendo nele o caminho que é necessário seguir para a edifi cação de um mund o reconciliado, capaz de olhar com serenidade o seu futuro". João Paulo II considera que a cult ura própria de cada pessoa é um elemento estruturante da sua personalidade e que o amor da pát ria "é um valor a cult ivar", mas sem "est reiteza de espírito" e nacionalismos , racismos e xenofob ias. As diferenças cultura is, afir ma, "hão de ser ent end idas na perspetiva fundamental da unidade do género humano, dado histó rico e onto lógico primário à luz do qual é possível apreender o signif icado profundo das diversidades próprias. Na verdade, só a visão global dos element os de unidade e das diferenças é que permite a co mpreensão e inte rpretaçã o da verdade plena de cada cult ura humana."
3.1.3. A cultura da morte Por outro lado, o Papa observa que a par da radicalização das cultu ras e dos funda mentalismos, há o risco de uma escravidão cultura l. Certos aspetos da cultura ocidental, a qual se desenvolveu num con texto cr istão mas que hoje se opõe às suas raízes, est ão a globalizar-se . Mas tr ata -se de uma "cultu ra de morte".
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"Se é motivo de grande preocupa ção a radicalização das identidad es culturais que as torna impermeáveis a qualquer inf luxo exterior benéfico, não o é menos o risco da homologação servil das culturas, ou de alguns dos seus aspetos relevantes , a modelos cultura is do mundo ocidental que, levantando ferros do ancoradouro cr istão, foram inspirar-se numa conceção secu larizada e praticamente ateia da vida e em fo rmas de individualismo radical. Trata-se dum fenómeno de vastas proporções, apoiado por poderosas campanhas nos meios de comunicação social, nas quais se procura transmitir estilos de vida, projetos sociais e económicos, e, em última análise, uma visão global da realidade que corroem por dentro diversos sistemas culturais e civilizações nobilíssimas. Devido à sua elevada conotação científica e técnica, os modelos culturais do Ocidente apresentam-se atraentes e sedutores, mas revelam infelizmente, de forma cada vez mais clara , um progressivo empob recimento humanista, espiritua l e moral. A cultura que os gera caracteriza-se pela dramática pretensão de realizar o bem do homem pondo Deus, o sumo Bem, de lado. Mas, como adverte o Concílio Vaticano II, "sem o Criador, a criatura não subsiste», Uma cultura que recusa referir-se a Deus perde a própria alma e orientação t ornando-se uma cultu ra de morte, como o testemunh am os trágicos acontecim entos do século XX e os result ados niilistas hoje prese ntes em notáveis setores do mundo ocidental." João Paulo II, 8 de dezem bro de 2000, Didfogo entre os culturas paro uma CiviUzaçdo do Amor e da Paz. 9.
Noutro momento, o Papa já havia falado das manifest ações da "cultura da morte ", surgida na soc iedade ef icient ista e individualista. Por ser eficient ista, a sociedade co nsidera "demasiadamente gravoso e insuportá vel o número crescente das pessoas idosas e debilit adas". Por ser individualista, "exalta o indivíduo de modo absolut o e não o predispõe para a solidariedade". Nesta socie dade, a supressão da vida nascente ou terminal aparece "mati zada com um sentido equivocado de alt ruísmo e de com paixão humana". Ou seja, não se consi dera moralmente grave a interrupção voluntária da gravidez, a eutaná sia e mesmo a eliminação de pessoas portadoras de def iciência . "Tal cultura de morte, no seu todo, man ifesta uma conceção da liberdade totalmente individualista que acaba por ser a liberdade dos «mais fortes» contra os débeis, destinados a sucumbi r", af irmou João Paulo na encíclica Evonge/ium Vitoe .
3.1.4. Diálogo, solidariedade e outros valores Na mensa gem de 2001, João Paulo II deixou algumas ideias para cons tru ir a civilização do amor. Em síntese : • o diálogo é inst rumento privilegiado, assenta ndo na co nsciência de que há valores comuns a todas as cultu ras. Neste aspeto, as várias religiões devem dar um contri buto . • dar prioridade ã solidariedade, perante as desigualdades crescentes no mundo, o que é indissociável da promoção da justiça. "Não se trata apenas de dar o supérfluo a quem passa necessidade, mas de ajudar povos inteiros, que dele estão excluídos ou marginalizados, a ent rarem no círculo do desenvolvimento económico e humano. Ist o será possível não só fazendo uso do supérfluo, que o nosso mundo produz em abundância, mas sobretudo alterando os est ilos de vida, os modelos de produção e de consumo, as estruturas conso lidadas de poder que hoje regem as socie dades". o não deixar de falar da necessidade da paz nas com unidades nacio nal e internacional. Infelizmente, o Papa estava demasiado ce rto quando antevia "uma cu ltura da com petição e conflito, que envolve não apenas os Est ados mas também entida des não institucionais, como grupos paramilitares e organizações terror ist as".
• realçar o valor da vida porque a "vida humana não pode ser vista como um objeto de que se possa dispor arbitrariamente, mas como a realidade mais sagrada e inviolável que exist a sobre a face da terra". "O nosso t empo conhece exemplos luminosos de generosidade e dedicação ao serviço da vida, mas t ambém o triste cenário de centenas de milhões de homens expostos, por
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r - - - - - - -- - - - - - - - -- -- - - - - -- - - - - - - - - crueldade ou por indife rença, a um dest ino doloroso e brut al. Trata-se de uma tr ágica espiral de morte que compreende homicídios, suicídios, abortos, eut anásia, e ainda as prát icas de mut ilação, as t ort uras físicas e psico lógicas, as formas de inju sta coação, a prisão arbitr ária, o recurso desnecessário à pena de mort e, as deporta ções, a escravat ura, a prost ituiç ão, o comércio de mulheres e de crianças. A esta lista há que acrescentar as práticas irresponsáveis de engenharia genét ica, tais como a clonagem e o uso de embriões humanos para a investigação, procu rando j ustificá-Ias com um apelo ilegít imo à liberdade, ao avanço da cultura, ao fom ento do progresso human o". • uma educação que realce o respeit o pela diversidade e esteja contra o egoísmo etnocêntrico. "Esta educação deve transmiti r aos sujeitos a consc iência das suas próp rias raízes e proporcionar pontos de referência que lhes permitam definir a sua colocação pessoal no mundo. Ao mesmo tempo, deve empenhar-se no ensino do respeit o pelas outras culturas. ~ preciso estender o olhar para além da experiência individual imediat a e aceitar as diferenças, desco brindo a riqueza da hist ória dos outros e dos seus valores". • a prát ica do perdão e da reconciliação. "~ um requisito significativo t ambém no ãmbito da com plexa temática do diálogo ent re as cu lturas . Com efeito, muitas vezes o diálogo torna -se difícil, porque sobre ele pesa a hipoteca de trág icos legados de guerras, conflitos, violências e ódios , que a memória cont inua a alimenta r. O caminho a percorrer para superar as barreiras da incomunicabilidade é o do perdão e da reconciliação. Em nome de um realismo desencantado, muitos consideram est a estrada utó pica e ingénua. Na perspet iva cristã, pelo contrário, é o único caminho para se alcançar a meta da paz." O Papa conc luiu a mensagem de 2001 com um ape lo aos j ovens. "Sois o futuro da humanidade e as pedras vivas para construir a civilização do amor', disse. Aliás, nas diversas jornadas mund iais da j uventude, deixou bem claro que a Civilização do Amo r depende muito dos jovens.
3.2. O Papa Bento XVI e a Civilização do Amor Bento XVI pronunciou-se diversas vezes sobre a Civilização do Amor, reforçando a convicção de João Paulo II de que os jovens devem esta r especialmente empenhados na sua construção. Na mensagem para o Dia Mundial da Juventude de 2010, preparando a j ornada mund ial de Madrid (201 1), o Papa que escreveu: L
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"Crist o chama cada um devós a compromete r-se com Ele e a assum ir as próprias resp onsabilidades para construir a civilização do amor. Se seguirdes a sua Palavra, tam bém o voss o caminho se iluminará e vos conduzirá rumo a metas elevadas, que dão alegria e sentid o pleno à vida". Bent o XVI, 2011, Mens agem para o XXV Jo rnada Mundi al da J uventude . 7.
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O Papa Ratzinger insisti u na constr ução da Civilização do Amor em diversos enco ntros, cartas, com unicações . Na mensagem para o Dia Mund ial das Comunicações Sociais de 2006, abordou o contributo das comun icações para o diálogo, a solidar iedade e a paz. Ou seja, os meios de comunicação social são um "recurso apreciado' para construir a Civilização do Amor. Ao nomear cardeais, nesse mesmo ano, disse-lhes que a cor escarlate das veste s deve ser sinal do amor ardente, em especial para com os pobr es e necessitados, o que "constit ui um poderoso sinal da Civilização do Amor'. E à presidente da Academia Pontifícia das Ciências Sociais escreveu que os invest igadores sociais não devem ignorar nas suas pesquisas sobre a juventude a import ãncia da fé, ' element o essencial para a construção de um f uturo melhor, para a salvaguard a da solidariedade entre as gerações, uma vez que serve de alicerce para todos os esforços que o homem rea li za em v ista da edificação de uma civilização do amo r na reve lação de Deus Cria do r, na criação dos hom ens e das mulh eres à sua imagem, e na vi t ória de J esu s Cristo sobre o mal e a morte'.
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Em 2007, pediu aos jovens para serem testemu nhas da caridade , isto é, do amo r:
"Queridos jovens, cult ivai os vosso s ta lentos não s6 para conqu istar uma posição soc ial, mas também para ajudar os outros «a crescer», Desenvolvei as vossas capacidades, não s6 para vos tornardes mais «competitivos» e «produtivos», mas para serdes «t est emunhas da caridade». J unt ai à form ação prof issional o esf orço de adq uirir conhec imentos religios os úteis para pode r desemp enhar a vossa missão de modo respo nsável. Sobretu do, convido-vos a aprofundar a doutrina soc ial da Igrej a, para que avossa ação no mundo seja inspirada e iluminada pelos seus pr incípios. O Espírit o Sant o faça com que sejais inovadores na caridade, perseverantes nos compromissos que assum is, e audaciosos nas vossas iniciati vas, a f im de que possa is oferecer o vosso contributo para a edifi cação da «civilização do amor», O horizont e do amo r é verd adeiramente infi nit o: é o mundo int eiro!" Bento XVI, 27 de ja neiro de 20 07,
Mensagem paro o XXII Dia Mundial do Juventude (1 de abril de 2007).
Num enco ntro com jove ns europeus e americanos, em maio de 2008, disse- lhes que podem renovar am bos os cont inentes com base no amor, na verdade, na liberdade e na j ustiça, pois são "jovens co nstru to res da Civilizacão do Amor ", E com os líderes de movimentos ecles iais e com unidade s insist iu que "Cristo é a pedra angular sobre a qual const ruir a autêntica civiliza ção, a civüizac ào do amor ". No Nat al de 200 9, insistiu na origem desta nova orde m: "A ent rada do Filho de Deus no mundo dá or igem a uma nova c ivilizaç ão, a civilização do amor, que não desiste diante do mal e da violência e rompe as bar reiras ent re os hom ens, tornando -os irmãos na grand e família dos f ilhos de Deus". Em Turim, em 2010, apelou ao cultivo de uma "civilização de amor" que torne a cidade "cada vez mais humana para as fa milias, para os j ovens, os doe nte s e os imigrantes".
As Encíclicas do amor Foi na sua primeira e mais marcante enc íclica, Deus coritos est ("Deus é amor"), que deixou o contributo mais impo rtante ao falar do amor, que Deus é, "num mundo em que ao nome de Deus se associa às vezes a vingança ou mesmo ao dever do ódio e da vio lência". Não falou propriament e da civilizaçã o. Mas falou da realid ade que a determ ina. . Volta remos a este assunto. No docume nt o social Coritos in Veritote ("A caridade na verdade"), de 2009, pub licado quando já se sentia a cr ise fi nanceira e económica mais importante - e devasta dora - das últ imas décadas, Bento XVI preconiza uma nova regulação das f inanças int ernacionais (ver unidade letiva "Ética e Economia"), e acresc ent a que a globalização, sendo um "ímpe to mundial" que "pode conco rrer para cria r risco s de dano s até agora descon hecidos e de novas divisõe s na fa mília humana", precisa de um "guia" para não se t resma lhar. "Trata -se de dilata r a razão e torná -Ia capaz de co nhecer e orientar esta s novas e impo nentes din àrnicas , animando-as na perspe t iva daq uela «civilização do amo r», cuja semente Deus colocou em to do o povo e cultu ra" (CV, 33).
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3.3. O Papa Francisco o Papa Francisco veio do "fim do mundo", mas não do f im da civilização que, cent rada no amor, não tem realmente um centro geográf ico. O tema da Civilização do Amor já estava presente nas suas reflexões de bispo, como em 2004, quando, ao encerrar um congresso sobre o ensino moral da Igreja, afir mou que "é possível constru ir uma nova civilização centrada no amor e na vida". Como Papa, recebendo no dia 14 de junho de 2013 os redatores e funcion ários da revista Civi/tó Cotto/ico (o título pode traduzir-se precisamente por "Civilização Católica"), que é uma revista dir igida por padres jesuít as que funciona quase como órgão do próp rio Vaticano, realçou que a "civilização católica " é a civilização do amor, da misericórdia, da fé. No mês seguinte, na Jornada Mundial da J uventude no Rio de Janeiro, despediu-se dos jovens pedindo-lhes que façam fl orescer a Civilização do Amor :
"Muitos de vocês vieram como discípulos nesta peregrinação; não tenho dúvida de que todos agora partem como missionários. A partir do testemunho de alegria e de serviço de vocês , façam florescer a civilização do amor. Mostrem com a vida que vale a pena gastar-se por grandes ideais, valor izar a dignidade de cada ser humano, e apostar em Cristo e no seu Evangelho. (...) Através dos jovens, Cristo está preparando uma nova primavera em todo o mundo. Euvi os primeiros resultados desta sementeira; outros rejubilarão com a rica colheita!" Francisco. 2013, Discurso do Santo Padre - Cerimónia de despedida.
De uma maneira ou de out ra, os Papas insistem na construção da Civilização do Amor. Todavia, nem sempre a mensagem chega aos destinatários, como reconhece Carl Anderson no livro A Civilizotion af Lave (Uma civilização de omar, com o subtítulo O que todos os católicos podem fazer para transform ar o mundo): ~
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"Os Papas estão entre as pessoas mais conhecidas na Terra. À luz desta grande visibilidade, surpreende como é tão pouco conhec ida a visão destes Papas. As suas viagens são largamente difundidas, mas essencialmente como eventos históricos ou fontes de inspiração geral. Quase nunca são discutidas pelo que realmente são: a apresentação concreta e específic a de como podemos criar a chamada Civilização do Amor." Anderson, Carl, 2008, A Civilization of l ave, Nova Iorque, HarperOne, XV.
r - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - -- - - - - • Quais os valores apontados por João PauloII para a construç ão da Civiliza ção do Amor?
• Quais os valores apontados por Bento XVI para a
ccnstrucêc da Civilizaç ão do Amor?
• O que pretende o Pap a Francisco ao afirma r que
"muitos vieram como discípulos [...], todos partem como missionários"?
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4. Critérios e princípios da Civilização do Amor
A maior crític a que se pode fazer à Civilização do Amo r é que ela é uma utop ia, no sent ido de ideal inalcançável, de quimera . Podemos pensar que ela é algo t ão elevado, que é irrealizável ou, por outro lado, reduzi-Ia a um sentime nto, a um desej o sem signif icado, a um chavão que enfeita discursos, a um calorzinh o no coração, a uma expressã o de ideias contraditórias, já que se junta a solidez da civilização com a eventua l efemeridade do amor. Poderá uma civilização alicerçar-se no amor? Na verdade, a Civilização do Amor é a sociedade das pessoas que acreditam e vivem o Evangelho, as que, apesar de todos os pecad os, falhas e sofr imento s, aceitam o Reino de Deus em Jesus Cristo . Isto tem necessariamente consequênc ias políticas, sociais, econ ómicas, culturais - como os Papas não se cansam de realçar. Pergunt amos , por isso, como é a sociedade da Civilização do Amor. Como vivem nela as pesso as? O que é necessário alcançar para sermo s, esta rmos, vivermo s na Civilização do Amor? Muitas pessoas já viveram e vivem na Civilização do Amo r, ou melhor, vivem a cultura do amor, os seus valores, as suas exigências.
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Queremos neste apart ado identi f icar algumas áreas essenciais da Civilização do Amor. Sendo uma civilização tot alizante sem ser totalitár ia, porqu e preza a liberdade individual e comunit ária e é construída pela adesão livre das pessoas e não por impos ição exte rior, tem algumas metas típ icas que impl icam condições, objetivos que implicam percursos, bandeiras que não pode m ser escondidas e são efetivamente marcos desta civilização.
4.1. O que deve ser uma civilização? Sem usarem a palavra amor, diversos líderes e pensadores pensaram sobre uma civilização nos moldes que se aproximam do sonho de Paulo VI e dos Papas seguintes. O estadista indiano Mahatma Gandhi quest ionou o caráter da civilização dominante: "Como defender uma civilização que somente o é no nome, já que representa o culto da brutalidade que existe em nós, o culto da matéria?" Na mesma linha, o médico, músico, te ólogo e missionário Albert Schweitzer disse que "a nossa civilização está condenada porque se desenvolveu com mais vigor materialmente do que espiritualmente". Já o líder russo Mikhail Gorbachev alertou para o aspeto ecológico: "O maior desafio tanto no nosso século quanto nos próximos é salvar o planeta da destruição. Isso vai exigir uma mudança nos próprios fundamentos da civilização moderna, o relacionamento dos seres humanos com a natureza". Outros foram mais posit ivos. A escr itor a Pearl S. Buck disse que "o teste de uma civilização é o modo como ela cuida de seus membros inúteis", enquanto o médico e psicanal ista Wilhelm Reich dizia que "a civilização vai começar no dia em que a preocupação com o bem -estar do recém-nascido preva lecer sobre todas as outras coisas". Arnold Toynbee, o grande historiador das civilizações, defendeu que a "civilização é um movimento e não uma condição, uma viagem e não um porto". Por últ imo, nesta breve recolha, houve quem associasse "civilização' a "amor' antes de Paulo VI.Oescritor Stendhal, na primeira metade do séc. XIX, escreveu que "o amor é o maior milagre da civilização". Julgamos que não é milagre, ao cont rário do autor de O Verme lho e o Negro e de A Cortuxo de Pormo, porque o amor pode ser milagre, mas é principalmente tarefa, empenho pessoal. t: condição e instrumento, ponto de partida, percurso e meta. t: possibilidade e experiência. t: opção e realidade. • A Dignidade humana Na Civilização do Amor, a dignidade de todos os seres humanos é reconhecida, respeitad a, realçada, favorecida. Não é dada porque ninguém dá a dignidade a ningué m. A dignidade reside em cada pessoa pelo simples facto de se ser pessoa. Para os crentes, cada pessoa é criada à imagem de Deus, mas a dignidade do cristão não é maior do que a de qualquer outra pessoa. Ao cont rário dos sistemas tota litários, na Civilização do Amor as pessoas não existem em função do coletivo. Aliás, estão antes da sociedade. A organização social deve existir para as pessoas, não o contrário.
"A pessoa humana não pode e não deve ser inst rumental izada por est rutu ras sociais, económicas €i políticas, pois todo o homem tem a liberdade de se orienta r para o seu f im último". Consel ho Ponti fício "Justiça e Paz", 2005, Compêndio do Doutrino Social do Igreja, 48.
Esse fim últ imo é Deus.
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A Cio-lüzecêo do Amor
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• Destino universal dos bens Na Civilização do Amor, os bens são para todos . Os bens da terra têm um destino universal. Mas, ao cont rário do que aconte ce em todas as ut opias e em alguns tot alitarismo s, não há supressão da prop riedade privada.
"«Deus deu a Terra a todo o género humano, para que ela sustente todos os seus membros, sem excluir nem privilegiar ninguém . Está aqui a raiz do destino universal dos bens da terra. Esta, pela sua própria fec undidade e capacidade de satisfazer as necessidades do homem, constitui o primeiro dom de Deus para o sustento da vida humana». A pessoa não pode prescindir dos bens materia is que respondem às suas necessidades primárias e constituem as condições basilares da sua existência; estes bens são-lhe absolutamente indispensáveis para se alimenta r e crescer, para comunicar, para se associar e para poder atingir as mais altas f inalidades a que é chamada ." Conselho Pontifício "J ustiça e Paz", 200 5, Compê ndio da Doutrina Socia l da Igreja , 17 1.
• O Trabalho para todos Em linha com o dest ino universal dos bens est á o pleno emprego. Na
Civiliza ção do Amo r, todos os que pod em t rabalhar, t rabalha m.
"O t rabalho é um bem de todos, que deve estar dispon ível para todos aqueles que são capazes de traba lhar. O «pleno emprego» é, portanto, um objetivo obr igatório para todo o ordenamento económico orientado para a justiça e para o bem comum. Uma sociedade em que o dire ito ao trabalho seja esvaecido ou sistematicamente negado e no qual as medidas de política económica não cons intam aos t rabalhadores alcançar níveis satisfatórios de emp rego «não pode conseguir nem a sua legit imação ética nem a paz social»." Conselho Pontif ício -Justiça e Paz". 20 0 5, Comp êndio da Doutrina Social da Igreja 288.
• O Respeito pela vida e pela família Na Civilização do Amor, há res peito pela vid a. Pela vida dos novos e dos velhos, dos frágeis e dos port adores de def iciência, dos não prod utivos, dos "inúteis". Com o João Paulo II notou, a "cultura da morte" op õe -se fron talmente à Civiliza ção do Amo r. O respe ito pe la vida não se refer e apenas aos seres humanos. A natu reza também deve ser res peitada e amada. Temos sem pre de considerar que as gerações futu ras têm direito à casa bela que é o planeta Terra.
Não há "Civilização do Amor " sem a pro teçã o do sant uário da vida que é a família, "o lugar onde a vida, dom de Deus, pod e ser conveniente mente ac olhida e proteg ida", com o afirm ou João Paulo II (Centesim us onn us, 39).
Educa ção r fora l e Religiosa Católica
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"Determinante e insubstituível é e deve ser considerado o papel da fa mília para promover e const ruir a cultu ra da vida contra a dif usão de uma «antl clvillzac ão» destruidora do amor nos vários âmbitos em que se exprime, com inevit áveis repercussões sobre o conjunto da vida social." Conselho Pontifício "Justiça e Paz", 2005. Compêndio do Doutrino Social da Igreja, 231.
• A Promoção da paz Na Civilização do Amor, a paz não é let ra mort a. 10 condição para a realização humana, mas é ta mbém f ruto do desenvolvimento e da ju sti ça. A Civilização do Amor é pacifica, ainda que não seja pacif ista . "Uma guerra de agressão é intr insecamente imoral", mas no "tr ágico caso em que esta se desenca deie, os responsáveis por um Esta do agredido têm o direito e o dever de organizar a defesa, inclusive recorrendo à força das armas" (COSI, 500). O Estado tem o dever de protege r os seus cidadãos, pelo que pode entrar em guerra. Mas a Civilização do Amor propõe um "desarmamento geral, equilibrad o e cont rolado", como disse João Paulo II no 40.0 aniversário da ONU, em 1985. O apelo do prof eta Isaías, de t ransformar espadas em arados e lanças em foices (Is 2,4), ou tanques em t ratores e mísseis em computadores, con t inua a ser o mais admirável projeto de reciclage m.
• O Perdão como condição A Civilização do Amor, não sendo uma utop ia em que tu do é perfeito, pois é const ituída por seres falíveis, valoriza o perdão individual, comunit ário e mesmo internacional. Este último é condição para a paz.
"Não é fácil perdoa r diante das consequências da guerra e dos confl it os, porque a violên cia, especialmente quando condu z «até aos limite s do desumano e da angústia », deixa sempre como herança um pesado fardo de dor, que só pode ser aliviado por uma reflexão profun da, leal e corajosa, com um aos contendores, capaz de enfrenta r as dificuldades do presente com uma atitude purifi cada pelo arrependiment o. O peso do passado , que não pode ser esquecido, só pode ser aceite na presença de um perdão recipro camen te ofer ecido e receb ido: t rata -se de um percurso longo e difícil, mas não imposs ível." Conselho Pontlffcio "J ustiç a e Paz", 2005, Compêndio da Doutrino Social do Igreja, 517.
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A Civilizaç ão do Amor
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Papa Francisco tem sido incansável na prom oção da solidariedade, do perdão, do diálogo e da paz, como quando se deslocou à Ilha de Lampedusa (julho de 2013), que acolhe imigrantes que tentam alcançar a Europa, quando promoveu um j ejum mundial pela paz na Siria (setembro de 201 3), ou quando acolheu em Roma o Presid ente da Autoridade Palesti niana e o Presidente de Israel (junho de 2014). Talvez o exemplo do sucessor de Pedro inspire outros.
"Recordo que no dia em que morreu João XXIII, um taxist a desconhecido disse: " Pobrezinho, é prec iso ver o t rabalho que lhe está cust ando morrer! À noite, pus-m e a pensar em que podia ajudá-lo e lembrei-me de que há um ano não falava com o meu cunhado. Chamei-o. Ceámos ju ntos. Voltámos a ser amigos e deitei -me feliz pois t inha ajudado em algo o Papa. No f im de contas, se ele recebeu o genro de Kruschev, porque é que eu não podia receber o meu cunh ado?»" Descalzo, José Luís Martín, 1991, Razõesdo outra margem, Cucujães, Editorial Missões, p. 235.
4.2. Uma civilização impossível? Estas características- objetivos da Civilização do Amor são impossíveis de alcançar?
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Trata-se de exemplos que concretizam aquele slogan do Maio de 68, "sê realista , pede o impossivel"? Atendamos à crit ica de Roger Scruton:
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-- --- - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - --- -- -- j A Civ ili zação do Amo r pode te r algo de utópico no sentido de ideal , mas não é uma evasão da rea lidade. Há quem recuse o real e se empenhe em substituí-lo pela f icção, há quem negue a existência vivida em nome de outra inventada, há quem afirme o sonho sob re a vida objetiva, como notou Mario Vargas L1osa, apontando o caso do poeta que disse esta r "contra todas as leis, começando pela lei da gravidade ". A Civilização do Amor é empreendimento difícil, mas não irreali sta. Parte da realidade do ser humano e apresenta metas que em alguns ãmbitos, mesmo que limit ados no tempo e no espaço, têm sido alcançadas. A Civilização do Amor tem em conta a fragilidad e, as limitações, o pecado dos seres humanos (e daí o realce para o perdão). A Civilizaçã o do Amor não é utópica. Na realidade. ao longo da história, foram imensos os que já a viveram e nela vivem. A história está polvilhada de pessoas que assumiram a Civilização do Amor, mesmo sem lhe darem ta l nome, a começar por Je sus Cristo. I
I • Que características realistas deverá ter uma sociedade que se aproxime da perfeição?
• Investiga sobre as diversas utopias de escritores
e filósofos e compara as suas características com os critérios, princípios da Civilização do Amor.
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5. Uma Civilização alicerçada no amor
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5.1. "Amor", palavra cheia e vazia o principal valor da Civilização do Amor é, como não pode ria deixar de ser, o amor. Uma difi culdade surge, porém, quando se tr ata de saber o que se entende por amor. Provavelmente, nenhuma palavra é t ão abusada como esta . Se, por um lado, o crist ianismo elevou esta palavra ao ponto de com ela qualif icar Deus - "Deus é amor" (1 Jo 4,16) e no amor ao próximo amamos a Deus, mesmo que disso não t enhamos consciência (Mt 25) -, por out ro, a mentalidade conte mporãnea como que esvaziou a palavra por tanto a usar na literat ura e no cinema, nas telenovelas, nas conversas do dia a dia, na publicidade. Como alguém disse, a palavra "amor" est ã inf lacionada. Ama-se o/a namorado/a, a mulher, o marido, o pai, a mãe, os fiihos . Mas também se ama o carro, a praia, o cão, o ator preferido, o clube do coração, o futebolist a, o f ilme, a marca. "Amo est a cam isola". "Ontem jant ámos fora . Amei."
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A c r ilizac áo do Amor
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Por outro lado, de positam-se demasiadas expectativas no amor- paixão. Woody Allen dá cont a da confusão ã volta desse amor: "Amar é sofrer. Para evit ares sofrer, não deves amar. Mas, dessa forma vais sofrer por não amar. Ent ão, amar é sofrer, não amar é sofrer, sofr er é sofrer. Ser feliz é amar, ser feliz, então, é sofrer, mas sofrer torna- nos infelizes, então, para ser infeliz temos que amar, ou amar para sof rer, ou sofrer de demasiada felicidade - espero que estejas a perce ber". Timothy Keller, no livro Folsos Deuses, mos tr a com o a busca de amor, de um ce rto t ipo de amor, pode levar ã destru ição de quem o busca:
"Para algumas pessoas, sem uma relação romêntica de algum t ipo, até mesmo do tipo errado, as suas vidas parecem carecer de sentido. Idolatrar o trabalho pode significar que se trabal ha até arruinar a própria saúde, ou que se transgridem as leis para se progredir. Idolatrar o amor pode significar deixar que o amante nos explore e abuse de nós, ou provar uma cegueira terrível, frente às pato logias que caracterizam a relação. Pode levar-nos a violar todos os limites bons e recomendáveis . Praticar a idolatria é ser escravo. Vivemos numa cultura que torna ainda mais fácil confund ir o amor com Deus, ser ofuscado por ele e fazer repousar nele todas as esperanças de felicidade. Alime ntamos a fantas ia de que, se encontrarmos a nossa única e verdade ira alma gémea, tudo o que há de errado em nós será curado. Mas nenhum amante, nenhum ser humano, está habilitado a desempenhar esse papel. Ninguém consegue estar à altura disso . O resultado inevitável é uma amarga desilusão." Keller,Timothy, 2012. Falsos Deuses, Prior Velho. Paulinas, pp. 51 ~ 5 7 (adaptado).
5.2. O amor segundo o Papa Bento XVI Mas qual o amor em que se fun damenta a Civilização do Amo r? Para responder a est a ques t ão, sigamo s o Papa Bento XVI na sua encícl ica Deus coritos est ("Deus é amor"). Vamos sinteti zar os primeiros números da sua encíclica em oito pontos. 1) Muitos sig nif icados. A palavr a "amor" tem um vasto campo semântico. Fala-se de amor ã pátr ia, amor ã prof issão, amo r entre amigos, amor ao t rabalho, amor entre pais e f ilhos, ent re irmã os e fa miliares, amor ao próximo e amor a Deus . Todas as formas de amor são manifestações de um só amor ou utiliz amos a mesma palavra para indicar realidades diferent es? 2) Ar q uétipo. O amor ent re homem e mulher, amor físico e espirit ual, no qual se abre uma pro messa de fe licidade que parece irresistivel, sobressa i com o arqu ét ipo de amor por excelênc ia. Compa rados co m ele, todos os dema is tipos de amo r se ofuscam . Na ant iga Grécia, ao amor entre homem e mulher deu-se o nome de "eros". Tal palavra não apa rece no Novo Test ament o, que usa a palavra "philia" (amor de amizade) para expr imir a relação ent re Jesus e os seus discípulos e a palavra "agapê" noutras sit uações. 3) Cristianismo inimigo do eras? Nos últimos séculos, o cristian ismo foi acusado de destrui r o "eros" com um manto de proibições. Dizem que a fé cristã teria estragado aquilo que nos oferece uma felicidade que nos faz pressent ir algo do divino. Mas não foi isso que aconteceu. Nas religiões antigas, o "eros" traduzia-se nos cultos da fertilidade, aos quais pertence a prost ituição "sagrada", que prosperava em muitos temp los. O Antigo Testamento opôs-se a este t ipo de religião, politeísta, porque a falsa divinização do eras priva-o da sua dignidade, desumaniza-o. "De facto, no templo, as prostitutas, que devem dar o inebriamento do Divino, não são tratadas como seres humanos e pessoas, mas servem apenas como instrumentos para suscit ar a «loucura divina»: na realidade, não são deusas, mas pessoas humanas de quem se abusa. Por isso, o «eros» inebriante e descontrolado não é subida, «êxta se» até ao Divino, mas queda, degradação do homem". Para a religião da Bíblia, o "eras" necessita de disciplina, de purificação para dar ao homem, não o prazer de um instante, mas uma certa amostra do vértic e da existência, daquela felicidade para que tende tod o o nosso ser. 4) Rel ação. Ent re o amor e o Divino existe uma relação. O amo r prom ete inf inito, etern idade, uma realidade maior e totalmente diferente do dia a dia da nossa existênc ia. Mas o caminho para t al meta não consiste em deixar-se simplesmente subjugar pelo instinto. São necessárias purificações e amadurecimentos, que passam também pela est rada da renúncia. Não se trata da reje ição do "eras" ou do seu "envenenamento", mas da cura em ordem à sua verdadeira grandeza.
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5) União corpo-alma. ~ o ser humano, a pessoa, que ama. Nem o espírito ama sozinho, nem o corp o. Soment e quando ambos se fundem numa unidade é que o ser humano se torna plenamente ele própr io. Sempre houve tendências para a recusa da cor poreidade. O crist ianismo, no passado, assum iu algumas delas. Contud o, o modo como hoje se exulta o co rpo t ambém é enganador. "O «eros» degradado a puro «sexo» torna-se mercadori a, torna-se simplesmente uma «coisa» que se pode comprar e vender; aliás, o próp rio homem torna-se merca doria". 6) Cuid ado do outro. A palavra "agapê " (que autores como Piatã o usaram para talar do amor a membros da família ou de uma comu nidade) exprime a nova visão do amor presente no Novo Testamento . "Agapê" é o amor não em fase de procura, mas que se torna verdade iramente descoberta do outro , superando o carác t er egoísta que ante s claramente prevalecia. "Agapê" é o cui dado do outro e pelo outro . O amor não se busca a si próp rio, não busca a imersão no inebriamento da felicidade: procura, ao invés, o bem do amado: torna -se renúncia, está disposto ao sacri fício. 7) Subida . No "agapê", o amor evolui para níveis mais altos, em sent ido dup lamente definitivo ("apenas esta única pessoa" e "para sempre"). O amor com preen de a totalida de da existência em toda a sua dimensão, inclusive a temporal. O amor é êxtase, não como um insta nte de inebriamento, mas como cam inho, como êxodo permanente do eu fechado em si mesmo para a sua liberta ção no dom de si e, precis amente dessa forma, para o reencontro de si mesmo, mais ainda para a descobe rt a de Deus. «Quem procurar salvaguardar a vida, perd ê-la-a, e quem a perder, conserva-la-a- (Lc 17,33), disse Je sus. Partindo do centro do seu sacrifício pessoal e do amor que aí alcança a sua plenit ude, Ele, com tais palavras, descreve a essência do amor e da existência humana em geral.
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8) Duas dimensõe s. A experiê ncia do amor humano e a mensa gem sobre o amor da Bíblia e da Igreja não se opõe m. Considera-se o amor-eros como mundano, ascendente, possessivo e o amor-agapê com o f undado sobre a fé, descendente, ablativ o. Os dois amores foram colocados em oposição, mas "eros" e "agapê" nunca se deixam separar completamente um do outro .
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"Quanto mais os dois encontrarem a justa unidad e, embora em distinta s dimensões, na única realid ade do amo r, tanto mais se realiza a verdadeira natureza do amor em geral. Embora o eros seja inic ialmente sob retudo ambicioso, ascendente - fasc inação pela grande promessa de felicidade depois, à med ida que se aproxima do outro, far-se- á cada vez menos perguntas sob re si próprio, procurará sempre mais a fel icidade do outro, preocupar-se-a cada vez mais dele, doar-se-a e deseja rá «existir para» o outro. Assim se insere nele o momento da agapê; caso contrário, o eros deca i e perde mesmo a sua própria natureza. Por outro lado, o homem ta mbém não pode viver exclusivament e no amor obl ativo, descendente. Não pode limit ar-se sempre a dar, deve também receber. Quem quer dar amo r, deve ele mes mo recebê- lo em dom . Certamente, o home m pode - co mo nos diz o Senhor to rna r-se uma fonte donde correm rios de água viva (cf. Jo 7,37-38); mas, para se to rnar seme lhante fonte, deve ele mes mo beber incessant emente da fonte primeira e originária que é Jesus Cristo, de cujo coração t respassado brota o amor de Deus (cf. Jo 19,34)." Bento XVI, 2005, Deus centos est, 7.
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Em resumo, escreve Bent o XVI,
I "o amor é uma única realidade, embora com distintas dimensões; caso a caso, pode uma ou outra dimensão sobressair mais . Mas, quando as duas dimensões se separam completamente uma da outra, surge uma caricatu ra ou, de qualquer modo, uma forma redut ora do amor". Bento XVI, 2005, Deus caritos est , 7.
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A Civilização do Amor
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Concretude do amor versus filantropia telescópica Se o amor corre um risco de redução ao erotismo, cor re igualment e o risco da generalização e abstração que o torna praticamente inútil. Wislawa Szymborska, a poetisa polaca que ganhou o Nobel da Literatura em 1996, afirmava-se arrependida por ter perte ncido a cer tas ideologias "por amor à humanidade ". "Estava equivocada", afirmou. "Depois entendi que não se deve amar a humanidade, mas sim as pessoas". De modo similar, Charles Dickens já havia criticado os que amam quem est á longe, geralmente esquecendo-se de quem está perto. A Sr.' Je llyby, dizia Dickens, estava marcada por "f ilantrop ia telescópica , porque não conse guia ver nada mais perto do que África". Já no séc. XII, Aelredo de Rivaulx advertia os religiosos do seu mosteiro contra "um amor que, dirigindo-se a todos, não alcança ninguém". Hoje, quem não f ica comovido com uma notíc ia que vê na televisão ou certos casos relatados nas redes sociais? Mas a f ilantropia focebookion a limita -se quase semp re a um "gosto" ou uma partilha. Nada mais acontece. Precisamos de ouvir o Papa Francisco comentando a passagem da Carta de João em que se lê que "aquele que permanece no amo r, perm anece em Deus e Deus permanece nele".
"Cuidado, pois o amor de que fala João não é o amor das novelas! Não, é outra coisa. O amor cristão tem sempre uma qualidade: a concretude. O amor cristão é concreto. O próprio Jesus, quando fala do amor, fala-nos de coisas conc retas: dar de comer aos famintos, visitar os doentes e tantas coisas concretas. O amor é concreto. E quando não há esta concretude, pode-se viver um Cristianismo de ilusões, porque não se entende bem onde está o centro da mensagem de Jesus . E esse amo r não chega a ser concreto: é um amor de ilusões, como as ilusões que tinham os discípulos quando, olhando Jesus, pensavam que era um fantasma." Papa Francisco , 9 de ja neiro de 20 14, Homilio.
A "co ncretude do amor", diz Francisco, fundamenta-se em dois critérios:
"Primeiro critério: amar com as obras, não com as palavras. As palavras são levadas pelo vento! Hoje são, amanhã não são. O segundo critério de concretude é: no amor, é mais import ant e dar do que receber. Quem ama, doa ... Doa coisas, doa a vida , doa-se a si mesmo a Deus e aos outros. Ao invés, quem não ama, quem é egoísta , procura sempre receber, procura sempre ter coisas, vantagens. Permanecer com o coração aberto, não como o dos discípulos, que era fechado, que não entendiam nada: permanecer em Deus e Deus permanece em nós; permanecer no amor." Papa Francisco, 9 de janeiro de 2014, Homilio.
5.3. Amor que tudo transforma É este amor concreto que dá dura bilidade às relações e à família . mesmo quando o amor-pa ixão perde a sua força. É este amor concreto que leva muitos cidadãos a empenhar-se nas causas públicas e na pol ítica, pelo sent ido do serviço ao bem comum e não por desejo de fama, dinheiro , poder ou outro benefício. É este amo r concreto que faz muitos voluntár ios partir para outro continente, ou para um bairro de lata dentro da mesma cidade, por vezes pondo em risco a própr ia vida, como quando se enfrenta uma doença perigosa ou grupos que exploram pessoas . É deste amor concreto que brotam as outras qualidades e valores necessá rios para a construção da Civilização do Amor : a verdade, a jus t iça, a libe rdade , a bondade, a esperança, a alegria. É este amor concreto que tudo t ransfo rma, como mostra o seguinte poema de autor desconhecido:
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Obrigação sem amor só desgosta; Obrigação por amo r dá constância. Responsabilidade sem amor faz agir sem brandura; Responsabil idad e por amor produz solicitude. Justiça sem amor é dureza de coração; Justiça por amor incute confiança. Educação sem amor suscit a contradição; Educação por amor dá paciência. Inteligência sem amor torna manhoso; Inteligência por amor torna compreensivo. Amabilidade sem amo r é apenas hipocrisia; Amabi lidade por amor é bondade.
Ordem sem amor to rna mesqu inho; Ordem por amor to rna magnânimo . Competência sem amor torna capc ioso; Competência por amor torna digno de confiança. Poder sem amor torna violento; Poder por amor dispõe a ajudar. Honra sem amor torna altivo; Honra com amor torn a modesto. Posse sem amor torna avarento; Posse por amor torna generoso. Fé sem amor torna fan át ico; Fé por amor to rna pacífico.
Autor desconhecido, citado por Kung, Hans, 2012,O Cristianismo. Essência e Hist6ria, Lisboa, Círculo de Leitores, pp. 69-70.
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Herança de Jesus Na últ ima noite da sua vida terrena, Jesus deixou aos seus discipulos como testamento um mandamento f undament al e novo:
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O filósofo existencialista Gabrie l Marcel, convertido ao cato licismo em 1939, escreveu:
"O único problema essencia l coloca -se pelo conflito de amor e morte. Há em mim uma certeza inabalável: um mundo abandonado pelo amor, vai mergulhar na morte; mas onde o amor perdura, onde triunfa sobre tudo aquilo que o poderia aviltar, a morte está definitivamente vencida". Gabriel Marcel, 1967,in Balthasar, Hans Urs von, Teodramático, Madrid. Ediciones Encuentros, 1990, p. 374.
Este amor que vence a morte ed ifica a Civilização do Amo r.
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5.4. Amor com marca católica Num mundo em permanente mudança, há novos desafios que exigem soluções criat ivas e audazes, que, para os cató licos, radicam sem dúvida no amor. Thomas E. Woods, Jr., no livro O que o civilização ocidental deve à Igreja Católica, faz notar que muito do que o Ocid ente tem de posit ivo se deve à Igreja Católica: "A Igreja bebeu do mundo antigo, cer tamen te que sim, mas fê-lo t ransformando para melhor a t radição clássi ca. Prat icamente não houve empreend imento do começo da Idade Média a que os moste iros não tenham dado o seu contr ibuto. A Revolução Cient ífica deitou raízes na Europa Ocidental, cujos f undamentos teológicos e fi losóf icos, de base indubit avelme nte cató lica, foram solo fér t il para o desenvolvimento da emp resa cient ífica. A matu ridade do direito internacional emergiu da Escolásti ca ta rdia, de onde proveio igualmente a econo mia como disciplina independente. Por sua vez, estes dois últim os contr ibutos foram uma consequência das universidades europeias, uma criação da Alta Idade Média que teve lugar sob os auspícios da Igreja" (pág. 240). De onde vem a cri at iv idade católica, cujos frutos Thomas E. Woods, Jr. apenas referiu e que poderíamos este nder à ar te em todas as suas áreas (a maioria da arte ociden ta l é de insp iração religiosa, e nenhuma co nfissão inspirou tanto a pintu ra, a escultura, a músi ca, a literatu ra, a arquitet ura e mesmo o cinema co mo o catolicismo ), à dimensão soc ial (com a invenção dos hospita is, dos bombeiros, dos centros sociais; apenas um dado exemplif icat ivo: segundo a ONU, um quarto de todas as inst it uições ligadas aos tratamento dos doentes de SIDA são iniciat iva da Igreja Católica), à cultura , à po lít ica , ao desporto (sabias que os jogos olímpicos modernos foram fundados por Pierre de Coubertin por influência do frade dom inicano Henri Didon? E foi este frade fr ancês que cunhou o lema olímpico, "cit ius, alt ius, fo rt ius", "mais rápido, mais alto, mais forte"), enfim, a todas as at ividade s humanas? Thomas E. Woods, Jr. afir ma que a criativ idade católica radi ca em quatro pon tos: a fé em um só Deus (os siste mas po liteíst as não inspiram um olhar racional sob re a natu reza); Deus absolutam ente soberana (não sujeito a nenhuma outr a força); Deus transcen dente (absolutam ente distinto da sua criaç ão); e Deus bom (relacionado e preocupado com os seres humanos; cujo Filho encarna por amor da humanidade). Out ros autores cons ideram determ inante para a criat ividade cató lica não só a huma nização da religião, patente nos preceitos de Jesus que dizem que o amo r ao próximo equivale ao amor a Deus, como a convicção de que o Espírito Santo guia (e sant ifica) a Igrej a. Neste contexto, cabe perguntar: Que desa f ios tê m hoj e de enf re nta r os cris tãos par a que a Civilização do Am or se co nc ret ize mai s? São imensos. Apontam os alguns, numa lista muito incompleta, para que também te sintas desafiada(o):
• a fome e ausência de condições mínimas para uma vida decen te (saúde, educação, habit ação) continua a ser um prob lema no dia a dia de uma grande parte da população mundial;
• a desigual distr ibuição de riqueza (exacerbada ou atenuada pela globalização, segundo as diferentes análises), as migrações em grande escala, o desemprego, o consumismo e todos os problemas relativos ao sistema económico;
• a desigualdad e de direitos entre sexos, mesmo tendo em co nta a suas diferenças específ ícas; a ausência de direitos das mino rias étnicas e religiosas;
• o diálogo entre as grandes religiões, para que todas se empen hem num bem comu m universal; o reconhecimento e construção de pontes entre povos e cultura s para que todo s sejam vacinados contra o ódio e a guerra;
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• o discernimento (valorização, avaliação e crít ica) das experiências tecnológicas de alto risco, principalme nte na saúde (reprodução humana, tratamentos de cura, fim de vida...) e de intervenção na natu reza (manipulação genét ica, possívei criação de novos seres...);
• o cuidado da natu reza, em todas as dimensões, para que possa ser a casa agradável (o "j ardim" do Génesis) para o ser humano e para as geraçõ es fut uras:
• a atenção aos problemas das sociedades avançadas como a solidão nos grandes cent ros, a exclusão dos idosos, a ausência de sent ido para a vida, o relat ivismo moral, o hedonismo, a inco municabilidade pessoal em popu lações paradoxalmente rodeadas de meios de com unicação digita is, o indiferenti smo religioso, a despersonalização da sexualidade, o aborto.
Muitos destes desaf ios são abordados nas diversas unidades letivas da discip lina de Educação Moral e Religiosa Católic a. Construir a Civilização do Amor exige que todos contribuam para os resolver. Porque o Amor tudo pode.
• A Palavra "amor" pode significar muito ou pouco. Porquê? • Como é, segundo o Papa Francisco, a "c oncretude do amor"?
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A Civuizaç ão do Amor
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6. Mensagem bíblica acerca do amor
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6.1. Deus é Amor Alguém af irmou que a Bíblia se resume na palavra amo r. E, de fac to, São João escreve:
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Como observou o poeta Paul Valéry, "a palavra amor só se viu associada ao nome de Deus desde Cristo". E diz Bento XVI que a frase "Deus é amor", que deu o tít ulo à sua primeira encíclica, exprime com singular clareza "o centro da fé cristã : a imagem cristã de Deus e também a consequente imagem do homem e do seu caminho". O amor é a meta e a at itude até lá chegar.
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Como se refer iu no apartado ante rior, a herança de Jes us Cristo, deíxada aos discípulos no últ imo dia da sua vida terren a, é o manda mento do amor. Nout ro mom ento (Mt 25,31-46), Jesus diz que, no j uízo f inal sere mos j ulgados em fu nção do amor ou da negação do amor ao próximo.
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"«Senhor, quando foi que te vimos com fo me e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber ? Quando te vimos peregrino e t e recolhemos, ou nu e te vestimos? E quando t e vimos doen te ou na pr isão, e fomos visitar-te?» E o Rei vai dizer-lhes, em resposta : «Em verdade vos digo: Sempre qu e fi zest es isto a um dest es meus irmãos mais pequeninos , a mi m mesmo o fiz estes .»" Mt 25.31-46
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Porém , é necessário co locar e responder a umas questões quanto ao mandame nto do amor. O amor pode ser mandado? Pode- se manda r alguém amar? O amo r mandado pode ser sincero? O Papa Bento XVI aborda est as questões nos números 16 a 18 da encíclica Deus car itas est ("Deus é amor "). No f undo, toda a Bíblia responde àquelas questões. Desde a Criação à ent rega de Jes us na Cruz, passando pela libertação do Êxodo, a Bíblia narra uma história de amo r em que Deus "vem ao nosso encontro, procu ra conq uista r-nos" (DCE, 17). A história da Igreja , com os sacramentos e especialmen te a Eucarist ia, com a oração e ac ão da comun idade viva dos crentes, é a continuação do amor de Deus. Ora, como Ele nos amou pr imeiro, e cont inua a ama r-nos, ta mbém nós podemos respond er com amo r.
"Deus não nOS ordena um sentimento que não possamos suscit ar em nós próp rios. Ele ama- nos, faz-nos ver e experiment ar o seu amor, e desta «ante cipação» de Deus pode , como resposta, desp ontar também em nÓS o amor." Bento XVI, 2005. Deuscoritas es t, 17.
Podemos acrescentar: Quem nunc a se sent iu apaixonado, depois de descobrir que algu ém ola) amava? Não anda longe disto aquela canção que afi rma que "saber amar é saber deixar alguém te amar".
6.2. Sentimentos vão e vêm
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O Papa Rat zinger not a que "os sent imentos vão e vêm". "O sentimento pode ser uma maravilhosa ce ntelha inicial, mas não é a tot alidade do amor ", afirma. O amor que Je sus nos propõe é algo que nunca está concluído, que pode cre scer sempre, que une senti mento, vont ade e intelecto. O livro do Deuteronómio af irma:
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A Cl vilizacão do Amor
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"A história do amor entre Deus e o homem consiste precisamente no facto de que esta comunhão de vontade cresce em comunhão de pensamento e de sentimento e, assim, o nosso querer e a vontade de Deus coincidem cada vez mais: a vontade de Deus deixa de ser para mim uma vontade estranha que me impõem de fora os mandamentos, mas é a minha própria vontade, baseada na experiência de que realmente Deus é mais íntimo a mim mesmo de quanto o seja eu próprio. Cresce então o abandono em Deus, e Deus torna-Se a nossa alegria (cf. Sal 73/72, 23-28). Revela-se, assim , como possível o amor ao próx imo no sentido enunciado por Jesus, na Bíblia. Consiste precisamente no facto de que eu amo, em Deus e com Deus, a pessoa que não me agrada ou que nem conheço sequer. Isto só é possível realizar-se a partir do encontro ínt imo com Deus, um encontro que se tornou comunhão de vontade, chegando mesmo a tocar o sentimento. Então aprendo a ver aquela pessoa já não somente com os meus olhos e sentimentos, mas segundo a perspetiva de Jesus Cristo . O seu amigo é meu amigo ." Bento XVI, 2005 , Deus coritas est, 17 e 18.
6.3. Outras manifestações bíblicas do amor Embora t enhamo s destacado o amo r a Deus e ao próximo, a Bíblia tem representadas todas as manif esta ções da "exper iência capital da vida humana" que é o amor. O ape lo da Bíblia nos diversos t ipos de amor que mostra, escreve o cardeal Gianf ranco Ravasi, é que "nunca se perca aque la ligação que nos une ao out ro e que faz co m que o Eu não seja um Ego fechado em si, mas se abr a a um Tu". O cardeal italiano apresenta sete rostos ou perfi s de amor: • O amor eclesial. Consiste em querer o bem da comunidade de fé a que se pertence. Está patente na igrej a nasce nte, quando dec idem pó r em com um os bens (Atas dos Apóstolos 2,42-47).
"Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fração do pão e às orações. Todos os crentes viviam unidos e pos suíam tudo em comum . Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um. Como se tivessem uma só alma, frequentavam diariamente o temp lo, par tiam o pão em suas casas e tomavam o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e tinham a simpatia de todo o povo. E o Senhor aumentava, todos os dias, o número dos que tinham entrado no caminho da salvação ." Ac t 2,42.43 - 47
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• O amor social. ~ buscado pelos profetas qu ando aponta m o dedo con tra as inj ust iças (Amós 2,7. por exemp lo: "Esmagam como pó da terra a cabeça dos miseráve is e impe dem os hum ildes de cam inh ar"): Jesus co nta a parábola do rico epulão e de Lázaro (Lc 16,19-3 1) para evidencia r a sua ausência .
• O amor nupcial . Surge com tod a a clare za e paixão no Cánt íco dos Cânticos . "O meu amado é meu e eu sou sua" (Ct 2,16). Na sua plenit ude, é sinal do amor de Deus (Os 2). • O amor paterno e materno. São muit as as histórias bíblicas de pais que amam os f ilhos. como Agar e o f ilho Ismael (Gn 21,15-16) ou o pai misericordioso (Lc 15,13-32).
• O amor famil iar. Podemos vê- lo na famí lia de Nazaré. na "quadra fabulosa" do Salmo 128 (fam ília reunida à volta da mesa) ou no "for te apego familiar " entre a viúva Noem i e a nora Rute (Rt 1). • O amor de am izade. Destaca -se a amizade ent re Jónatas e David (2 Sm 1,26), "capaz de supe rar até as divisões de classe e de poder". O apóstolo Paulo viverá inte nsas relações de amizade com as suas comu nidades e com colaboradores co mo Timóteo ou Tito.
Educação Mora l e Religiosa Católica
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r - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - . o amor pátrio. Refere-se ao patriotismo e à guarda dos valores da identidade cultural e religiosa. Está muito presente nos livros dos Macabeus. Também Paulo, embora consciente da novidade do cristianismo, nunca renega as raízes hebraicas: "Da estirpe de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu filho de hebreus" (FI 3,5). "Se Deus é amor, a caridade não deve ter limites, porque Deus não pode estar confinado dentro de quaisquer fronteiras", afirmou o Papa Leão Magno (séc. V). Pa ra perceber a importãncia do amor e a diferença na vida de cada um quando tudo é tocado pelo amor, Paulo apresenta um "caminho que ult rapassa todos os outros". Começa assim: "Ainda que eu fale as línguas dos homens e dos anjos, / se não tiver amor, sou como um bronze que soa / ou um címbalo que retine". Vale a pena ler o resto em 1 Cor 13,1 -1 3. Deixamos aqui uma atualização desse hino pelo bispo Pedro Casaldáliga:
Se eu tivesse em mim t odas as emi ssoras, os palcos de rock do mundo inte iro, os altares e cátedras e os parlam entos todos, mas não t ivesse Amor, seria... apenas ruído, ruído no ruído . Se t ivesse o dom de adivinhar e o dom de encher os estádios e de fazer curas miiagrosas e uma suposta fé , capaz de transportar qua iquer montanha, mas não tivesse Amor, eu seria apenas... um circo religioso. Se eu di stribuísse, em cabazes do Natal e em badaiados gestos car itativos, os bens que ganhei - bem? mal? quem sabe? quem não sabe? e fosse até capaz de gast ar a minha saúde para ser mais eficiente, mas não tivesse Amor, eu seria apena s... ima gem entre imagens. Paciente é o Amor e disponível, como um regaço materno. Não tem inveja nem se vangloria. Não procura tira r juros como os Banc os, sabe ser gratu ito e solidário, como a mesa da Páscoa. Não pac tua com a inju stiça , nunca! Faz a festa da Verdade. Sab e esp erar, forçando impertinente as portas do futuro. O Amor não passará, m esmo que passe Tudo o que não é ele. No entardecer da vida O amor nos j ulgará. Criança é a ciência e anda de gat inhas; criança é a lei; o dogma, brinquedo.
O Amor j á tem a idade sem idad e de Deus. Agora é um espelho a luz que contemplamos; um dia será o Rosto , fac e a face . Veremos e amaremos como Ele nos vê e ama. Agora sã o as três: A fé , que é noite escura; a pequ ena esperança, t ão tenaz; e ele, o Amor, que é o maior. Um dia, para sempre, para lá da noite e da espera, será só o Amor. Pedro Casaldáliga, 1996, www.servicioskoinonia.org
. o amor pode ser mandado? • Quais as manifest ações bíblicas do amor que encontras na t ua própria vida?
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A Civilização do Amor
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7. A regra de ou ro nas tradições religiosas
7.1. Cristãos perseguidos "Não acho que seja necess ário qualquer t ipo de convicção religiosa ou int eresse co nfessional para dar-se cont a de que a defesa dos cr ist ãos persegu idos merece ser a prioridade mundial número um com respeito aos direitos humanos", af irma o jo rnaiista John Allen, Jr, autor do livro The Global Wor on Christions ("A Guerra Mundial Cont ra os Cristãos"), E acrescenta : "Não era preciso ser jude u nos anos 1970 para preocu par-se com a realidade dos ju deus diss identes na União Soviét ica; não era necessário ser alguém de raça negra nos anos 1980 para preocupar -se com o siste ma de segregação racial na África do Sul; da mesma forma, também não é prec iso ser um crist ão nestes dias para reconhece r que este é o grupo religioso mais perse guido do planet a", O jo rnalista norte-america no indica, com dados de organizações internacionais, que, na primeira década do século XXI , cerca de 100 mil cr istãos foram assassinados por ano, o que dá um novo márt ir por cada hora que passa, Nos últim os anos, por serem cristãos, ainda que possa haver outros mot ivos associado s, há pessoas perseguidas e por vezes assassinadas no Iraque, na Siria, na Nigéria, no Sudão, em regiões da China e da lndía, na Coreia do Norte, no Pa quistão, Mesmo nos paises ocide ntais, onde a liberdade religiosa está consagrada, há por vezes uma "perseguição cultural", Thomas Woods, no livro O que o civilização ocidental deve à Igreja Católico , af irma que existe um "últ imo precon ceito aceitável": "Quando se t rata de parodiar a Igreja Católica, poucas coisas são consideradas excessivas pelos meios de comunicação e pela cultu ra popular americana", Não só na Amér ica,
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7.2. Religiões e violência o cristianismo é sem dúvida a religião mais perseguida e combat ida pelas outras religiões e a mais criticada pelos movimentos secularistas e ateus. Causou polémica, mas tem um fun do de verdade aquela afirmação, de um político norte-americano, segundo a qual, enquanto certo fundamenta lismo religioso manda mata r o próximo em nome de Deus, o cristian ismo manda dar-se até à morte pelo próximo. ~ certo que, noutros tempos, também o crist ianismo perseguiu e combateu com violência, mas hoje tal perspe tiva é indefensável. Aliás, é claramente conden ada pelos líderes cristãos. Tal não impede, no entanto, até pela história , que também o crist ianismo se veja associado à violência com origem religiosa. O frade dominicano Timothy Radcliffe, reportando-se ao nosso mundo, "esfrangalhado pela violência", muita dela radicada "na crença religiosa belicosa", afirma: "É verdade que a violência sem precede ntes no último sécu lo se deveu, em grande parte, a regimes ateus chefiados por Estaline, Lenine, Hit ler, Mao Tsé-Tung, Pol Pot e outros, mas a violên cia está hoje assoc iada ao ressurgimento da religião". Muitos contemporãneos unem as palavras "religiões" e "violência" e, por isso, afirma Bento XVI no início da encíclica Deus é omor:
"Num mundo em que ao nome de Deus se associa às vezes a vingança ou mesmo o dever do ódio e da violência, esta [Deus é amor] é uma mensagem de grande atualidade e de signif icado muito concreto". Bento XVI, 2005, Deus caritas est, 1.
o Papa pelo diálogo entre religiões Enquanto algumas façõ es fun damentalistas semeiam o ódio e o sofrimen to, geralmente com a alegação de que estão a proteger a sua ident idade religiosa e os interesses das suas comunidades, out ros líderes religiosos tê m procura do o conhecimento e o convívio entre religiões. Muitos estão conv ictos de que só o diálogo e a união de esforços das religiões permitirão alcança r a paz duradou ra e enf rentar prob lemas comuns, como o desenvolvimento de todos os povos e uma relação amiga com a natureza . Recordamos alguns passos importantes do diálogo ent re religiões: • Encontro de Paulo VI com o Patriarca Atenágoras I de Constantinopla, na cidade de Jerusalém, no dia 5 de janeiro de 1964, um gesto muito importante para o diálogo ent re cató licos e orto doxos. • Encont ro de oração pela paz com líderes das religiões mund iais, em Assis (Itália), no dia 27 de outubro de 1986, convocado por João Paulo [I. "Aqui estamos como arautos da consciência moral da humanidade, humanidade que quer paz, precisa de paz", disse então o Papa polaco . • João Paulo II voltou à terra de S. Francisco em 1993, para rezar com líderes judeus e muçulmanos pela paz nos Balcãs, e encontrou-se com represe ntan tes de outras religiões na Praça de São Pedro, em 1999. • Em 24 de janeiro de 2002, depois da queda do World Trade Center (11 de setembro de 2001), o facto que muitos interpret aram como sinal mais evidente do confronto religioso e civilizacional, o Papa voltou a Assis. Em sinto nia com o Papa e os representantes de 48 confissões religiosas, o então Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, convocou para a capi tal portuguesa um encont ro inter-religioso de oração pela paz, no mesmo dia. Part iciparam no encont ro de Lisboa 12 confissões religiosas, que leram textos sagrados e mensagens pela paz. No f inal, na "Palavra de compromisso em favor da Paz", as várias religiões concordaram co m a "constr ução duma paz duradoira" e afirmara m: "Animam-nos valores comuns como a defesa da sacralidade da vida, o res-
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peito pela dign idade humana, a atenção à família, a luta contra a pobreza, a proteção da natureza e a red ução do armamento". • Encontro de Bento XVI com líderes religiosos, no dia 27 de outubro de 2011 , nos 25 anos do encon tro promovido por João Paulo II. Na ocasião, Bento XVI disse:
"A crítica da religião, a partir do Iluminismo, alegou repetidamente que a religião seria causa de violência e assim fomentou a hostilidade contra as religiões. Que a religião motive de facto a violência é algo que, enquanto pessoas religiosas, nos deve preocupar profundamente. De modo mais subtil mas sempre cruel , vemos a religião como causa de violência também nas situações onde esta é exercida por defensores de uma religião contra os outros. O que os representantes das religiões congregados no ano de 1986, em Assis, pretenderam dizer - e nós o repetimos com vigor e grande firmeza - era que esta não é a verdadeira natureza da religião. Ao contrário, é a sua deturpação e contribui para a sua destruição. (.oo) Como cristão, quero dizer, neste momento: É verdade, na história, também se recorreu à violência em nome da fé cristã. Reconhecemo-lo, cheios de vergonha . Mas, sem sombra de dúvida, tratou-se de um uso abusivo da fé cristã, em contraste evidente com a sua verdadeira natureza. O Deus em quem nós, cristãos, acreditamos é o Criador e Pai de todos os homens, a partir do qual todas as pessoas são irmãos e irmãs entre si e constituem uma única família . A Cruz de Cristo é, para nós, o sinal daquele Deus que, no lugar da violência, coloca o sofrer com o outro e o amar com o outro. O seu nome é «Deus do amor e da paz» (2 Cor 13,11). É tarefa de todos aqueles que possuem alguma responsab ilidade pela fé cristã , purificar continuamente a religião dos cristãos a partir do seu centro int erior, para que - apesar da fraqueza do homem - seja verdadeiramente instrumento da paz de Deus no mundo." Bent o XVI, 27 de out ubro de 2011. Mensagem do dia de reflexão, diálogo e oraçã o peja paz e ajusti ça no mundo "Peregrinos da Verda de, Peregrinos do Paz".
• Encontro do Papa Francisco com Shimon Peres, pres idente de Israel, e Mahmud Abbas, presidente da Auto ridade Palest iniana , um judeu, outro muçulmano. O encontro de oração pela paz deu-se no Vatica no, no dia 8 de ju nho de 2014. Tinha sido sugerido pelo Papa Francisco durante a viagem à Terra Santa, no dia 25 de maio de 2014, em Belém, na Praça da Manjedou ra, onde "nasceu o Príncipe da Paz". No Vaticano, est iveram també m líderes religiosos judeus e muçulmanos e o Patriarca Barto lomeu . ortodoxo. "Para fazer a paz é prec iso co ragem, muita mais do que para fazer a guerra. 10 prec iso cora gem para dizer sim ao encontro e não ao con f ronto ; sim ao diálogo e não à violência; sim às negoc iações e não às hostil idades; sim ao respe ito dos pac tos e não às provo caç ões", afi rmou Francisco.
Diálogo com o Islão Na exortação apostó lica A Alegria do Evangelho, o Papa Francisco defende explicitamente o diálogo com o Islão. Nesta religião têm surgido os grupos fu ndamentalistas que mais confl itos causam .
"Para sustentar o diálogo com o Islão é indispensável a adequada formação dos interlocutores, não só para que estejam sólida e jubilosamente radicados na sua identidade, mas também para que sejam capazes de reconhecer os valores dos outros, compreender as preocupações que subjazem às suas reivindicações e fazer aparecer as convicções comuns. Nós, cristãos, deveríamos acolher com afeto e respeito os imigrantes do Islão que chegam aos nossos países, tal como esperamos e pedimos para ser acolhidos e respeitados nos países de tradição islâmica . Rogo, imploro humildemente a esses países que assegurem liberdade aos cristãos para poderem celebrar
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... o seu culto e viver a sua fé, tend o em conta a liberdade que os crentes do Islão gozam nos países ocidenta is. Frente a episódios de fundamentalismo violento que nos preocupam , o afeto pelos verdadeiros crentes do Islão deve levar-nos a evitar odiosas generalizações, porque o verdadeiro Islão e uma interpretação adequada do Alcorão opõem-se a toda a violência." Papa Francisco, 2013. Evangelii Gaudium, 253.
7.3. Valorizar o que une, não o que separa Embora haja diversos con fli tos de base religiosa, podemos desco brir nas religiões tra ços comuns que possibilitem o diálogo, a tolerância, a co ncór dia, a união de esfo rços para resolver os problemas da humanidade. O mais signif icativo desses traç os comuns é a "regra de ouro", que diz que não devemos fazer aos out ros aquilo que não queremos que nos façam a nós. Ou, de forma positiva, devemos fazer aos outros o que gostar íamos que nos f izessem a nós. A regra, que sintetiza a ét ica da reciprocidade, está presente em t odas as religiões e cultu ras. Se as grandes t radições religiosas concordam nos mais element ares prlncfpios. como é possível que haja violência em nome da religião? Por um lado, sem dúvida que inte resses políticos e económ icos se escondem por detrás da religião, principalmente se nesse contexto não se deu a separação entre Igreja e Est ado (ou ent re política e religião). A religião pode estar a ser manipulada a part ir de fora para fins polít icos. ~ preciso esta r atento. Por outro lado. co mo refere o Papa Francisco , "tanto os intelect uais como os jornalist as caem, f requentement e, em generalizações grosseiras e pouco académicas , quando falam dos defeitos das religiões e, muitas vezes, não são capazes de distinguir que nem todos os crentes - nem todos os líderes religiosos - são iguais. Alguns polít icos aproveitam esta con fus ão para j ustif icar acões discriminatórias" (EG, 256).
Lei e Espírito No interior de uma religião, há sempre o risco de se olhar mais às palavras, à fo rmalidade dos ritos e ao rigor das tr adições do que ao senti do e à finalidade dos mesmos . São Paulo dizia que "a lei mata, mas o Espírito vivifica" (2 Cor 3,6). Referia-s e a uma religião preocu pada com o cumprimento da formalidade da lei mosaica em det riment o das implicações do mandamento do amor. Je sus, atingindo um dos aspetos mais sagrados do j udaísmo, afirmou que "o sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado" (Mc 2,17). Um dita do chinês diz que "quando um dedo apont a para a lua, o louco olha para o dedo". Talvez nas religiões haja louc os que olham mais para os dedos do que para a lua. Por isso, os budis tas zen dizem que, no árnago de cada religião, deve est ar o "sengyo", ou princípio da rede de cerco: "Uma rede de cerc o é feita para apanhar peixe: devíamos guarda r o peixe e esquece r a rede. Uma armadilha é montada para apanhar um coelho: devíamos guardar o co elho e esquecer a armadilha. As palavras servem para tra nsmitir o significado: devíamos guardar o signif icado e esquecer as palavras". A parábo la do Bom Samaritano (Lc 10,30-37), que Jesus contou para explicar quem é o "próximo", most ra, co mo no cristi anismo, deve ser o amor a Deus. "com to do o teu coração, com to da a tua alma, com
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- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -, to das as t uas fo rças e com todo o teu enten dimento ". As dife renças culturais, religiosas , políticas , sexuais, nacionais, nada valem quand o está em causa o auxílio de outro ser humano (o "próximo"). Na mesma linh a, conta -se no Tibete o seguinte apólogo: "Um dia avist ei qualquer co isa que mexia ao longe. Ju lguei que era um animal. Aproximei -me e apercebi-me de que era um homem. Ele aproximou-se mais e vi que era o meu irmão". Se no ãmago de uma religião não est iver este amor que faz do outro um irmão, ou ela est á a ser manipulada ou é falsa. Dizia um hindu que adm irava as Bem-Aventuranças, mas crit icava os cristãos por não as assumirem, Gandhi: "Se não encontrares Deus na próxima pessoa co m que t e cruzes, então estás a perder o teu te mpo". A Civiliz ação do Amor não exige exclusividade de reli gião. Pelo co nt rário, aceita a colabo ração de tod as as religiões. Estas têm na regra de ouro um ponto de enco nt ro, uma conc reti zação do amor ao próximo. Todas as religiões podem contr ibuir para a Civilização do Amor. I • Notas, no contex to em que vives, algum sinal de perseguição religiosa? • O que se pode fazer para promover o diálogo religioso?
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8. Os que já vivem na Civilização do Amor
r - --- -- - - -- -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 8.1. Um "sim" diário No conto Retrato de Mónico, Sophia de Mello Breyner Andresen afirma a dado ponto: "A poe sia é oferecida a cada pessoa uma só vez e o efeito da negação é irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a sant idade é oferecida a cada pessoa de novo a cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obriga dos a repet ir a negação t odos os dias". Não é um abuso interpretativo observar que o amor a que se refere é o amor-paixão, enquanto a santidade remete para o amor a Deus e prin cipalmente para o amor ao próximo. Bento XVI afi rma precisamente que os santos são aqueles que quase esgotam a capacidade de amar o próxi mo:
"Os santos - pensemos , por exemplo, na Beata Teresa de Calcutá - hauriram a sua capac idade de amar o próximo, de modo sempre renovado , do seu encontro com o Senhor eucar ístico e, vice-versa, este encontro ganhou o seu realismo e profundidade precisamente no serviço deles aos outros. Amor a Deus e amor ao próximo são inseparáveis, constitue m um único mandamento. Mas, ambos vivem do amor preveniente com que Deus nos amou primeiro." Bento XVI, 2005, Deus contes
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Podemos ent ão afirmar que, longe de ser uma utop ia, a Civilização do Amor é uma realidade, pois nela já vivem algumas pessoas, os sant os. "Os santos são os verdadeiros portado res de luz dentro da história, porque são homen s e mulheres de fé, esp erança e caridade", diz ainda Bento XVI.
I: cert o que, para a mental idade contem poránea, paira sobre a ideia de "santo" um ar de sacristia que não a to rna atrativ a. Mas ter como sent ido e dest ino de vida a sant idade, que é essenc ialmente a amizade com Deus, é o melhor que podemos fazer da nossa existência. E é a isso que somos chamados no dia do nosso batismo. Timothy Radcliffe ajuda-nos a perceber que a santi dade é um convite ã vida em abundán cia:
"to difícil descrever a santidade, porque um santo é alguém que está a caminho de se torna r ve rdadei ramente ele próp rio. Os santos to rnam-se aquelas pessoas únicas, que Deus crio u para assim serem. Por isso, há t antos modos de ser santo quantos os seres humanos. Nós, pecadores, somos pessoas que ainda não nos atrevemos a tornar-nos plenamente únicas, mas uti lizamos identidades prefabricadas, carateres estereotipados, em vez de assumirmos o risco de ser alguém em particular: a pessoa rica, a pessoa bela, o atleta sexy ou seja lá o que for. to a diferença entre uma vida semelha nte a um fato comprado no pronto -a-vest ir ou a de um que é feito à medida. O herói do romance Freira s e Soldados, de Iris Murdoch, diz: «Os nossos vícios são gerais, abor recidos, o lixo ordinário e apodrecido da mediocridade humana, da cobardia e da crue ldade e do egoísmo e, até, quando são extremos, são iguaizinhos. Só somos originais nas nossas virtudes... Os v ícios são gerais, as virtudes são particulares». Para debelarmos o ceticismo dos nossos contemporâ neos seculares, tem os de testificar e comprovar a verdade da exigência de que «a única tragé dia na vida é não ser santo» [Ra'is sa Maritai n], Os santos não são f iguras de cartão, que vive m numa estu fa eclesiás tica . Dorothy Day reagia iradame nte às pessoas que a canonizavam: «Não me chamem santa, não quero ser despachada assim tão fac ilmente». Mas os santos, como ela, são pessoas realmente v ivas, amigas daquele cujo nome é «Eu SOUl>. Se as pessoas virem que esta santidade é a vocação de todo o cristão, então a nossa fé não será v ista como um código moral opressivo, que impede as pessoas de se divertirem, como o convite à plenitude da vid a." Radcliffe, Timothy. 2013, Imersosno vida de Deus, Prior Velho, Paulinas, pp. 242-243.
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8.2. Vidas comuns marcadas pela santidade A grande maioria dos santos , ao longo dos dois mil anos de história crist ã de const rução, por vezes t itubea nte, da Civilização do Amor (recordemos que Paulo VI afirma que o primeiro dia da Civilização do Amor foi o dia de Pentecostes), é anó nima. A Igreja venera alguns (isto é, indica-os como modelos do seguimento de Cristo , como marcos da esperança), que são apenas uma pequena parte, felizmente. Os santos est ão por to do o lado e em todos os âmbitos da vida. Parece que a Igreja "continua a privilegiar os clérigos e religiosos, em detr imento das vidas santas de fi éis leigos, em muitos casos não menos meritórias, nem menos exemplares", co mo observa P. Gonça lo Portocarrero de Almada, ta lvez porque "não é fá cil promover um processo de beati f icação e, por isso, só a Santa Sé, as dioceses e algumas inst ituições da Igreja podem disponibilizar os recursos necessá rios para esse louvável f im". E acrescenta:
"Faz falta uma missa comum das santas esposas e mães que, como Santa Joana Beretta Molla, se santificaram no exercício heroico dos seus deveres familiares e profissionais. A virgindade das religiosas é muito louvável, mas a condição matrimonial e maternal de tantas mulheres cristãs o não é menos. Fazem falta textos próprios para as missas de leigos santos, como os que se destacaram no cumprimento das suas obrigações profissionais e cívicas, como S. Tomás More , pois não são só os pastores e doutores da Igreja que devem ser exaltados pelos seus dotes de governo e de sabedoria. É ta lo desfasamento entre a realidade social e o seu reflexo lit úrgico que, na celebração lit úrgica dos pastorinhos de Fátima, não proce de o comum de pasto res, mas de sant os... À conta deste desabafo pós-conciliar e anticlerical, um voto que é t ambém uma oração: queira Deus que, se se provar um dia a santidade de vida dest es egrégios crist ãos, se possa celebrar lit urgicamente a fest a de São Balduíno, Rei dos belgas, comum de governant es; ou a de Santa Irena Sendler, leiga, comum de assistentes sociais; ou, ainda, a de São Lech Walesa, eletricist a e sindi calista , comum de operários." P. Gonçalo Portocarrero de Almada. 20 de julho de 2014, Vozda Verdade.
A afir mação da sant idade crist ã, que é a afirmação do cristianismo enquanto construtor de civi lização, é tanto mais necessária quanto hoje se assiste ao regresso do paganismo, que, no fundo nunca nos abandonou complet amente. Ou melhor, nunca o abando namos. "A noite pagã está a regressar. A não ser que o cristianismo traga luz para iluminar estes nossos irmãos e irmãs, a civilização ocidenta l está em perigo de ruir com consequências terríveis de imaginar", afirma Timot hy Radcliffe . O paganismo regressa com a cultura da morte, que descarta todos os fráge is no princípio e no f im da vida , com a co mpetição económica, que descarta pessoas, com o individualismo hedonista, com o relativismo moral. Ao mesmo tempo, assiste -se a uma glorificação do antigo paganismo . Algumas pessoas e movimentos como a newage pegam em valores, como a alegria, o amor pela natureza, a corporalidade e realçam-n os como pagãos,
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opostos ao crist ianismo. Mas subvertem os fa ctos. O ant igo paganismo era, na realidade, t riste, profundam ente fat alista , inimigo da liberdade e do corpo. Na Roma pagã, as vidas eram governadas pelos astros e as diversões eram sádicas. Tornar-se cr ist ão signif icava mudar de civilização. Era a renúncia a um mundo sombrio. Exigia-se aos candidatos ao batismo que abando nassem a adivinhação do f ut uro, mediante a leit ura das estre las ou a inspeção das entranhas de animais, do padrão do voo das aves, ou o pendurar massa a fermenta r. Os deuses pagãos não t inham mais pode r sobre quem se entregava a Cristo. Os cristã os renunciaram aos combates de gladiadores , aos sacrifícios humanos feitos aos deuses, às crucifixões e queimas da vida pagã quot idiana. "Em 389, um nobre cr istão ent rou no tem plo da Grande Mãe Cibele, na coli na do Palatino em Roma, e arrebatou o colar do pescoço do ídolo, sem ligar às maldições da últ ima virgem vesta l. Eis uma vitória sobre o medo e o destino" (Timoth y Radcliffe, 158).
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8.3. Comunidade do amor A Civilização do Amor não é um projeto polít ico-geográ f ico, é uma co munidade que se rege pelo amor. Contudo, ta l não será possível se esquecermos as raízes crist ãs da Europa, algo que corre o risco de acontecer nos nossos dias.
"Já O grande Goethe afirmava sem hesitar que a «língua materna da Europa é o cristianismo». Também o filósofo Kant estava convencido de que «o Evangelho é a fonte de onde brota a nossa civilização». Certamente que à primeira vista a Europa se revela como um mosaico, um verdadeiro arquipélago de culturas: existe a área latina, mas também a germânico-báltica; a área eslava e a céltica. A Europa quase nunca possuiu uma unidade cívica ou política ou histórica. Todavia, teve substancialmente uma unidade civil, cultural e espiritual. (...) Paulo VI tinha razão quando afirmava simbolicamente que a Europa «nasceu da cruz, do livro e do arado». Não é por acaso que quem restaurou o termo Europa (um nome de origem mitológica: era uma menina muito amada por Zeus), caído em desuso, foi precisamente um Papa, Nicolau V, em 1453, infe lizmente num momento trágico, em que - com a conquista de Constantinopla - ocorria a fratura entre o Ocidente e o Oriente Europeu. O cristianismo, com a sua celebração da pessoa e da dignidade humana, com a contemplação (ora) e o empenho social (labora) do monaquismo, com a reflexão da Idade Média e com a cultura gloriosa do Humanismo e do Renascimento constituía o «grande código» ideal da Europa, naturalmente a partir da base bíblica. Até o filósofo anticristão Nietzsche, nos materiais preparatórios para a sua obra Aurora, devia reconhecer que «para nós Abraão é mais do que qualquer outra pessoa da história grega ou alemã. Entre o que nós sent imos pela leitu ra dos salmos e aquilo que experimentamos ao ler Pínda ro e Petrarca existe a mesma diferença que entre a pátria e a terra estrangeira».
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C..) É subindo pelo curso do rio, da história europeia, até às suas origens que conseguimos volt ar a propor uma Europa que não seja apenas geográfi ca ou econó mica, e reencontrar uma sociedade mais ju sta e atenta aos valores humanos, espirituais e cultura is. E que est a peregrinação ideal, necessária para crentes e para agnósticos, seja decis iva, lembrava-o de modo sugestivo um dos maiores poetas do século XIX, Thomas S. Eliot, um ameri cano que escolheu a Europa como pátria : «Um cidadão europeu pode não acred itar que o cristia nismo seja verdadeiro , e toda via aquilo que diz brota da cult ura cri stã da qual ele é herdeiro. Sem o cristi anismo não teríamos t ido sequer um Voltaire ou um Nietzsche. Se o cristianismo nos deixar, perdemos toda a nossa cultura e acabamos ainda por perder a nossa própri a face»." Ravasl, Cardeal Gianfranco, 2014, Vive r no amor, Apelação, Paulu s, pp. 41-51.
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Fundad a em 1947 pe lo Padre Weren fried va n Straaten, inspirado na mensagem de Fát ima, a Fundação AIS é uma organ ização depen dente da Sa nta Sé, ten do por objetivo apoiar projetas de cunho past ora l em países onde a Igreja Católica está em dificuldades . No início, o traba lho da AIS consistia apenas em auxiliar os refu giados da Alemanha de Leste q ue fugiam da ocupação comunista , mas rapidamente se es palhou pelos campos de refugiados da Europa e da Ásia, pe las Repúblicas Populare s comunistas, pe la América latina e pe la África , Os de safios são mú ltip los: totalitarismo de esquerda ou de direita , fanatismo religio so, multi plicação de seitas, mate rialism o, fa lta de sacerdo tes, etc. A Fundação esforça-se por respo nder aos apeIas nume rosos e urge ntes que lhe chegam a todo mo me nto . A Fundação ma ntém atual izado um Observató rio da li berdad e Religiosa no mundo. Podes conhecer me lhor e apoiar em ww w.f undacao- ais.pt
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No f inal desta unidade, talvez já esteja claro que a Civilização do Amor é a sociedade (a cultura, a econom ia, os tempos livres, as art es, o despo rto, et c.) impregnada do amor a Deus e ao próximo, o amor cristão . "to preciso que Jesus reine", dizia São Paulo aos habitantes de Corinto (1 Cor 15,25). Quando ele reinar - já vai reinando - a Civilização do Amor acontece . Num magist ral poema de 1913, Evo , Charles Péguy relê a história da humanidade e a condição humana à luz da revelação cristã. Em todos os momentos da história encontra a presença de Jesus Cristo . Do mesmo modo, podemos reler a história das civilizações como uma caminhada - ora determ inada, ora indecisa, cont raditór ia, é certo para a Civilização do Amor.
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• Adota um Santo. Investiga a sua vida e inspira- te
no seu exemplo. • Relê as frases de Sophia citadas no início do capítulo. Como respondes ao apelo do amor, da
Por Ele marcharam os passos dos legionários, As velas dos barcos por Ele se tinham estendido Por Ele os grandes barcos de outono tinham luzido, Por Ele se dobraram as velas nos estuários. (.. .) Os passos de Dário tinham marchado por Ele, Era por Ele que esperavam no fundo da Pérsia, Era por Ele que esperavam numa alma dispersa, Ele é o Senhor de ontem e de hoje. (...) As regras de Aristóteles tinham marchado por Ele Do cavalo de Alexandre às épocas escolásticas. E o ascetismo e a regra luziram por Ele Das regras de Epicuro até às regras monásticas. (...) Ele iria herdar um mundo j á feito E portanto iria de novo refazê-lo . Iria proceder da causa ao efeito Como o Filho procede descendo do Pai.
poesia e da santidade?
Charles Péguy, 1913, Eva, in fr.wikisource.org
Educação t.toral e Religiosa Cató lica
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