Educação Moral e Religiosa Catól ica
Ensino Secundário
Unidade Letiva 08
A Comunidade de Crentes em Cristo www.educris.com
... U .... O A Ç A. O
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Cara Aluna, Caro Aluno Frequentar o Ensino Secundário e matricu lares-te em Educação Mora l e Religiosa Católica, diz alguma coisa sobre ti. .. Talvez tu não tenhas a certeza do que diz, ta lvez ten ham sido os teus amigos a desafiar-te - e ainda bem - ou porque o professor ou a professora é alguém que t u aprecias, o que é excelente, ou ... e nada disto se exclui, escolheste EMRC porque tens vontade de pensar, de discutir, de construir novas ideias sobre alguns temas que parecem ser importantes ... ou interessantes ... ou, tu lá sabes! Nós estamos aqui para isso. Propomos-te um cam inho, um Caminho que podes organ izar em conj unto com o teu professor ou professora, passando pelas segu intes dez etapas: UL 1 _ Política, Ética e Religião; UL 2 - Valores e Ética Cristã ; UL 3 - Ética e Economia; UL 4 _ A Civilização do Amor; UL 5 - A Religião como Modo de Habitar e Transformar o Mundo; UL 6 - Um Sentido para a Vida; UL 7 - Ciência e Religião; UL 8 - A Comunidade dos Crentes em Cristo; UL 9 - A Arte Cristã e UL 10 - Amor e Sexualidade. Provavelmente, já tens aulas de EMRC há alguns anos, mas também podes ter acabado de chegar... Em qualquer dos casos, se deres uma vista de olhos no Programa da discip lina, f icas a sabe r que fizemos todo este traba lho tendo uma grande Finolidode em vista : ajudar os alunos, ajudar-te a ti, a «Aprender a posicionar-se, pessoalmente, frente ao fenómeno religioso e agir com responsabilidade e coerência». A partir desta primeira página do teu manua l, ou melhor, de cada um dos fascículos, que, no todo, cons tituem o manua l de EMRC do Ensino Secundário, podíamos começar já a explicar-te tudo isso. Mas não. Tu, em conjunto com os te us am igos, os teus colegas e com a ajuda dos teus professores, é que vais encontrar essa explicação, muitas das explicações que te fazem falta, que queres e que procuras. Depois, t alvez queiras partilhá- Ias com os outros amigos e - quem sabe? - em t ua casa, com a tua família. E quando for a hora certa, vais ter de começar a fazer algumas escolhas, daquelas que têm mesmo importância para aresto da tua vida. O ensino secundário tem, por isso, uma importante compo nente vocaciona l, con tribuindo para que definas quem é que tu queres ser e o que é que queres fazer com a tua vida. Nessa altura, esperamos que estes manuais, com os seus textos, as suas imagens, as suas vozes, as suas sugestões e as suas «janelas» sobre a realidade próxima e longínqua, te possam ajudar. Entretanto, deixamos a palavra ma is importa nte para quem sabe mesmo dizer isto, os artistas. Fica connosco, f ica com a poes ia, fica bem : EMRC é para t i e para te ajudar a escol heres um f uturo de beleza, de bondade e de j usti ça, uma vida boa e fel iz!
Escuto Escuto mas não sei Se o que oiço é silênc io Ou Deus Escuto sem saber se estou ouv indo O ressoar das planícies do vazio Ou a consc iênc ia atenta Que nos con f ins do universo Me decifra e fita Apenas sei que cam inho como quem É olhado amado e conhecido E por isso em cada gesto ponho Solenidade e risco Sophia de Mel lo Breyner And resen Obra Poética I, 199 2, Lisboa, Cfrcuto de Leitores. Geografia , 2004. Lisboa, Editoria l Caminho, p. 30 .
Com votos de um ótimo trabalho, agradecemos a tua confiança! A eq uipa de Autores
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AComu rudade
de Cre ntes e m Cristo
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Not a Introdu tó ria
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1. A Ig rej a, realidade
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prese nte na sociedade
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1.1 . Diversidade de perspetivas e de leit uras sobre a Igreja 1.2. O olhar crente sobre a Igreja 1.3. O lugar da Igreja no Credo
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2.1. A Igrej a como realidade histó rica 2.2 . No Império Romano 2.2.1 . Os t rês primeiros séculos 2.2.2. O significado da "viragem co nstantiniana " 2.3. Na Idade Média 2.3.1. A sit uação de cristandade 2.3.2. Da luta pela liberdade da Igreja à sua hegemonia 2.4. No tempo da Refo rma 2.4.1 . O signif icado da Reforma 2.4.2. Contra-Refo rma e suas consequências 2.5. Na modernidade 2.5.1. Os desa fios da modernidade 2.5.2. Igreja co mo "insti t uiç ão" e "sociedade" 2.6. Na contempora neidade 2.6 .1. Elementos de renovação eclesio lógica nos sécu los XIX e XX 2.6.2. Impulsos decisivos a camin ho do Vaticano II 2.7. O Conc ílio Vat icano II 2.7.1. Aspetos mais sign if icativos da visão concil iar da Igreja 2.7.2. A receção do Conc ílio como tarefa atua l
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3.1 . A Igreja prep arada na história do Povo de Israel 3.1 .1. A relação particu lar entre juda ísmo e crist ianismo 3.1 .2. A Igreja enraizada na experiência crente de Israel 3.2. Igreja de Jesus Cristo - a origem da Igrej a no acontecirnento Jesus 3.2.1. A origem da Igrej a em Jesus 3.2.2. O anúncio do Reino de Deus, seus sinais e suas consequências 3.3. Igreja, realidade pós -pasca l 3.3.1. O significado dos aco nteci mentos pasca is 3.3.2. A consciência de se r comun idade definitiva da salvação
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4.1. A Igreja, Povo de Deus na histór ia 4.1 .1 . "Povo de Deus" co mo figura fundamen tal da Igrej a 4.1.2. Povo de Deus e inter pelaç ões atua is 4.2. A Igreja, Corpo de Cristo 4 .2.1. Comunidade de discípulos no segu imento de J esus 4.2.2. Corpo de Cristo - a comunhão existencial com Cristo 4.3. A Igreja, Templ o do Espírit o 4.3.1 . O Espírito Santo co mo fu nda mento permanente da vid a da Igreja 4.3.2. Igrej a na força do Espírito
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2. O cami nha r ela Igrej a na hist óri a - diversas
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"image ns" e "mod e los "
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da Igrej a
3. A o ri ~ e m da Igreja na hist oria de sa lva çao
4. A ref lexa o da Igreja so l» e ) sua ide nt idaríe e m issào Povo de De LIS, COi po de Cristo, Temp lo do Espírito
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b.lgrcja , co mun ida de de c re ntes, na pluralidade ele caris mas, se rv iços e min istérios
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5.1. A vocação fu ndamental de todos os batizados 5.2. Diversidade de carismas, serviços e ministérios 5.3. O lugar estrutu ral do ministério ordenado na Igreja 5.4. Sinodalidade/co rresponsabilidade na vida da Igreja
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6.1 . Igreja peregrina, sempre neces sitada de renovação 6.1 .1. Os "sinais dos temp os" co mo interpelação à missão da Igreja 6.1 .2. Uma Igreja no mundo e aber ta ao diálogo com o mundo 6.1 .3. Igreja ate nta aos "lugares" de presença de Deus no mund o 6.2. A Igreja ao serviço do Reino de Deus 6.2.1. A Igrej a, sacramento universal de salvação 6.2.2. A Igreja ao serviço da human ização do mund o
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7.1. Os símbolos como expressã o-s íntese dos conteúdos da fé 7.2. A unidade da Igreja como dom e t arefa 7.2.1. A compreensão católica da unidade da Igreja 7.2.2. A tare fa da receção do Conc ílio em term os ecuménicos 7.3. Sant idade da Igreja e pecado na Igreja 7.3.1. A sant idade como dom irrevogável de Deus à sua Igreja 7.3.2. O pecado na Igreja e suas con sequências 7.4. Catolicidad e da Igreja como desaf io permanente 7.4.1. Catolicida de e seu sent ido 7.4.2. A tare fa da cato licidade à luz dos seus fundamentos 7.5. Igreja f iel a Jes us, assente no testemunho dos apó stolos
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Com uma presenç a mais signif icativa ou menos visível, co nforme as regiões e os países onde o crist ianismo tem esta do presente ao longo dos sécu los, a Igreja é uma realidade bem percetível no quot idiano das pessoas , sobret udo num país de tradição cristã co mo o nosso. Constituind o neste mome nto cerca de um sexto da human idade , a Igreja catól ica é uma instituição não só extremamente significa tiva em termos numéricos , como se apresen ta també m com impo rtante peso nos diversos lugares e circu nstâncias da vida em sociedade. Isto não significa, porém, que haja uma só leit ura do que a Igreja é e representa. Pelo cont rário, para quem não é membro ativo da Igreja católica e a olha de fora, mesmo sendo religioso (isto é, pertencend o a uma out ra Confissão cris tã ou a outra religião), a realidade da Igrej a cató lica nas situações conc retas em que ela est á presente é vist a e avaliada de maneiras diversas. Para uns, é uma inst itui ção bem organizada, donde result a tod a a sua força, designada ment e pela sua unidade cent rada no bisp o de Roma (Papa). Out ros apreciam a sua at ividade soc ial e caritat iva, t ant o no quot idiano da v ida das pessoas como em situações de emergência, e olham para ela mais co mo uma úti l, até indispe nsável, Organização
Não Governam ental (ONG). Outros ainda admiram o seu património histórico e cultural, visível no que te m deixado ao longo dos séculos como marcas de relevo na história. Outro s manifest am cetic ismo q uant o às suas intençõe s verdadeiramente religiosas, avaliand o antes o seu enquadramento político, social ou eco nómico. E assim por diante. Estes olhares e est as leituras, não correspondendo emb ora ao que a comunidade dos crentes pensa sobre si mesma, não deixam de co nter alguns aspetos (ainda que parcelares) de verdade. Consti t uída po r pessoas que, na sua humanidade e na sua cid adania, não se distin guem das out ras, a Igr eja é uma re alidade social e cultural que pode ser analisada do ponto de vista sociológico , histórico, organizacional, psicológico, etc . Essas leitu ras, mesmo que incompletas e porventura até completamente inadequadas, pode m, no entanto, ajudar os crentes a perceberem melhor a sua própria realidade, marc ada ta mbém por limites, def iciências e amb iguidades : por exempl o, no modo como os cató licos lidam com O poder, na tra nsparência que dão ou não à sua presença e acão na soc iedade, na credibilidade que merece a sua identid ade de comunidade religiosa.
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Todavia, a experiência crente vivida de for ma consc iente tem uma vis ão diferente, mais pro fu nda e co nsentânea com O modo como a Igrej a se entende a si mesma . Para o cris tão, a Igreja tem de ser vista, simultânea e estrutura lmente, como rea lidade que é f r ut o da iniciat iva salvadora de Deus e como resultado da liberdade humana, isto é, como comunidade em cuja existência se unem, de modo misterioso mas verdadeiro, a aç ão de Deus e a dimensão humana de pessoas livre s e responsáveis. Tal co mo a adesão da fé cristã, que está na origem da co munidade crent e, é dom de Deus e resposta livre de cada pessoa, a Igreja é "mi st ério de fé", ela só é compreensível dentro de uma hist ória de salvação onde os do ns de Deus e a respos ta humana, hist oricament e contextu alizados, se entre laçam. A palavra "mist ério" quer dizer aqui isso mesm o: uma realidade humana que, em última análise, só é co mpreensível no seu sentido à luz da fé. Pressupo r um olhar de fé não signif ica - sublinha-se de novo - que se possa prescind ir também, para uma análise de aspetos co ncretos da vida da Igreja, de uma leitura basead a num conhecimento de t ipo empírico - racional (morm ente de ord em soc iológica), em ordem a ca ptar a realidade humana da Igreja da forma o mais completa poss ível. Uma visão da Igrej a que olhasse só para os seus f undamentos divinos, que ignorasse e não foss e capaz de integrar as suas dim ensões humanas, seria uma visão idealist a, desaju stada para a co mpreensão do agir
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de Deus na histó ria. Mas se , por outro lado, na consideração da Igreja a pessoa não se abr ir a um entend imento crente, não integrar no mesmo olhar o element o divino e a vertente humana, cai inevitavelmente numa visão redut ora da Igreja, fixando -se unilatera lmente nos seus aspetos humanos . A compreensão católica da Igrej a caracteri za-s e prec isamente por est e esf o rço de manter unidas, num equilíb rio de tensão, a origem d ivina e a configuração humana da Igrej a, a sua dime nsão esp iritual e a sua expressão visível, sendo certo que na origem e na quo tid iana vida da Igreja cabe uma inquest ionável prior idade à iniciati va e aos do ns de Deus. [Texto Complementar 1]
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o que se acaba de refer ir permit e comp reender o lugar que a Igreja ocupa no Credo, na profissão de fé dos cristãos. Como é sabido, a f é cristã é uma entrega confiante de toda a vida ao Mistério de Amor qu e chamamos Deus , que se nos man ifestou defi nitivame nte em Jes us Cristo e nos é dado co ntinuamen te na força do seu Espírit o, que é tam bém o Espírito do Pai. Em sentido estrito e absoluto, fé cristã só pode referir- se a Deus, é uma relação pessoal, uma ent rega radical de confiança e de amor ao Deus Uno e Trino. Compreende-se assim que a Igrej a, ob ra de Deus co nf igurada pela liberda de huma na, não é, não pode ser "objeto de fé" nesse senti do estrito e absoluto. A Igrej a ent ra na adesão pe ss oal de f é e pertence ao Credo fundam enta lm ente em razão do agir amoroso de Deus acolhido na ex istência crente. Dent ro da estru t ura t rinit ária do Credo (Creio em Deus Pai ... Creio em Jesus Cristo... Creio no Espírito Sonto) a profis são de fé na Igreja est á em relação co m a fé na ação do Espírito Santo co mo dom de Deus à comunidade dos que acreditam em Jesus Cristo, como prolongamento da ação de Cristo na história, como agir continuado de Deus na história huma na e no coração das pessoas. Isto é, a Igreja não é um objeto de fé em si mes ma, isoladamente; a Igreja faz parte d o objeto da fé enquanto é fr uto da ação de Deus em Jes us Cristo e vive na fo rça do seu Espírito . Na linguagem tradicional, a diferença aqui referi da traduz-se na dist inção entre credere Deo (crer em Deus: dativo em lat im, complemento indi reto , entrega de confiança a alguém) e credere Ecclesiom (crer a Igreja : acusativo em latim, com plemento direto, algo que se crê em razão de Outro). Acreditar na (a) Igreja é crer na ação de Deus e na indefectível promessa do Espír it o que a sustenta no seu v iver e na verdade da f é, não obstante as f ragilidades e incertezas do seu caminhar histór ico. Mas, reco nhec ida a dist inção que se tem de fazer entre "crer em Deus" e "crer no (a) Igreja", há que t irar todas as conseq uênci as do facto de que a Igreja é "um fruto essencial da atuação salvífica de Deus" e, por isso mesmo, tam bém um conteúdo da fé .
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I "A palavra reconcili adora de Deus não pode exist ir - ass im há que dizê-l o, recolh endo uma f amosa expressão de Lut ero - sem povo de Deus, do mesm o modo que t ão pouco pode haver povo de Deus sem Palavra de Deus, pela qual é convocado e em cuj a co nf issão de fé f ica unid o." W. KASPER, La te que exced e todo conocimiento, San tan de r 1988, p. 111.
Na sua expressão autên t ica, a fé é sempre "credo Deo in soncta ecclesia" ("creio em Deus dentro da sant a Igreja": ablativo em latim , lugar ond e), no que ressa lta com maio r ênfase a dime nsão ecle sial que estrut ura a fé . Ent ende-se melhor, então, porque a Igreja, comunida de de crentes na busca de seguimento de Jesus, per tence constitutivamente ao acon tec ime nto da revelação , pois só nela e através dela a revelação de Cristo ati nge o seu obje tivo . E assim ressalt a igualmente que a Igrej a fa z parte também, ou até antes de ma is, como "sujeito" (não como "objeto") do Credo , ist o é, enquanto comunidade de pesso as que partilham a mesma f é cristã . Cada cristão crê em Jesus Cristo part icipando pessoalmente na "fé da Igreja", que é o suje ito que supor t a e pro fessa a fé. A Igrej a, não obstante a distânc ia que a separa do seu Senhor, é para o crente lugar e mediação da presença de Cristo, é a "mãe" que gera para a fé . [Texto Comp lem entar 2]
Texto Complementar 1
A Const it uição Dogmática Lumen Gentium do Concí lio Vaticano II sublinha como perspet iva fun dam ent al na co mpreensão da Igreja esta relação entre a dimensão divina e os elementos hum anos que a constit uem: "Cristo, mediador único , esta belece e co nt inuame nte sustenta so bre a terra, co mo um to do visível, a sua santa Igreja, co munidade de f é, de espe rança e de amor, por meio da qual difunde em t odos a verdade e a graça . Porém , a sociedade organizada hierarqui cament e e o Corpo místi co de Cristo, o agrupa mento visível e a co munidade espiritual, a Igrej a te rrestre e a Igreja ornada co m os do ns ce lestes não se devem co nsiderar co mo duas entida des, mas co mo uma única realidade co mplexa, f orm ada pelo dup lo eleme nto humano e divino. Aprese nta por esta razão uma grande analogia co m o mistér io do Verbo enca rnado. Pois, assim co mo a natu reza assumida serve ao Verbo divino de instrument o vivo de sa lvação, a Ele indissoluvelm ent e unid o, de modo seme lhante a est rut ura social da Igreja se rve ao Esp írit o de Cristo , que a vivif ica , para o cresc imento do co rpo (cf. Ef. 4, 16)" LG, no 8 .
Texto Complementa r 2
"É a Igrej a que nos gera, educa , alimenta, co rrige, anima e co nduz para Deus e para os irm ãos. Mas é impor t ant e que esta verdade brote da nossa própria existê ncia de cris tãos, não co mo af irmação alheia que repetim os, mas co mo vivência pessoal que expressa mos . Só assim amaremos a Igreja co mo mãe, só assi m nos alegraremos co m o t est emu nh o de muit os de seus f ilhos, só ass im se ntiremos em nós os ata ques fe itos a ela, só assim sofreremos as f alhas humanas que aco ntece m e m seu interior. Só ass im, fin almente, seremos autê nt icos suje itos ecles iais" M . de F. MIRANDA. ( É pos sível um suje ito eclesial?», in Perspectiva Teológic a 119 (20 11), p. 80 .
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Ecl esiologia (Do grego ekkle s;o, "assembleia con vocad a" e logos, "palavra", "estudo"), Eclesiologia é o tratado teológico sobre a Igrej a. Na hist ória da teologia cristã , trata-s e de um tra tado relat ivamente recent e. Isso não quer dizer que na Bíb lia e na tradição patrística não te nha havido refl exões sign if icat ivas sobre a real idade da Igreja . Essa s ref lexõe s oc upam, por exemplo, um lugar im -
portante em : Sant o Inácio de Antioq uia (séc . I) - em cuj as cart as encontramos indi caçõe s fun damenta is so bre a unidad e da Igreja e so bre a sua estrutu ra hierárqu ica; Santo Ireneu de Lyon (séc . II) - que dese nvo lve amplamente o t ema da apo stol ic idade da Igreja; Santo Ago sti nh o (séc. IV-V) - que co nceb e uma teologia muito elaborada sobre a Igreja , nomeadamente na sua ati vidade homilética e ep istolar. O se u tema carac t er fstico , de cl ara in spira ção paultna , é o de Igreja co mo corpo de Cristo . Em gera l, a ecle sio lo gia dos padres da Igreja expressa-se so bre tudo através de uma mul tipl icid ade de im agens, da s q uais se deduz um sen tido muito vivo de Igreja (mãe, esposa, mes tra ,...). Post er ior ment e, os teó logos co meçaram a interessar- se po r algu mas ques tões ec lesio lógicas em partic ular: o poder universal do Papa, Vigário de Cristo (um te ma muito dese nvo lvido pelas orde ns . mendicantes) e as relações entre o Papa e o co ncüio.
Depo is da Refor ma, altura em que se pôs em ca usa to da a med iação ec les ial (papa, bi spos, sace rdóc io, t radição, sac rame ntos ), a eclesiologia ca iu so b o domfnio da apo logética: do lado católico, ins ist indo na dime nsão jurídica e visfvel da Igreja; do lad o protest ante, na sua realida de universal e invisfvel. Na teo logia p ós-trld entln a (católica) desenvol veu - se uma ccncecão de Igreja co mo socie dade org anizada segundo um modelo pira mi dal (uma societas perfec ta ).
2.1. A Igreja como realidade histórica Todo o viver humano, também a existência crente, é marcado pelas circu nstâncias da história. O que vale t anto em ter mos de cada pes soa como a nível das com unidades. O lugar estrut ural que tem a historici dade huma na na vivência da fé e na vida da Igreja exige que olhemos para os diversos rostos e configurações que a mesma e única Igreja de Jesus Cristo foi mostra ndo ao longo dos te mpos, em fu nção das circu nstâ ncias muito diversas de época e de espaço, das diferen tes cond icionantes de ordem social e polít ica, da inserção cultural nos contextos diferenciados em que os cristãos fo ram (e co ntinuam a ser) chamados a viver. Em inúme ras das suas face tas concretas a Igreja que hoje conhecemos, mante ndo embora uma fide lidade fu ndamenta l à sua or igem e à sua razão de ser, só se co mp reende à luz dos desenvolvimen tos históricos e suas co nseq uências.
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No séc. XIX, a eclesio logia rece be um novo impu lso , sublinhando outras linh as de refl exão e recuperando as refl exões eclesiológic as bfblicas e pat r fst icas , valo rizando a ideia de Igreja co mo Corpo (mfst ico) de Cristo viv ificado pel o Espírito. Esta ideia, que ainda não foi ass umida refl examente pelos padr es co nc iliares no Vati ca no I, ser ia fundament al no Conc ílio Vat ic ano II. Essas co rre ntes t eológicas propu nh am aind a o aba ndo no do jurisdi ci smo excessivo, para subli nhar a reali dad e sac rame nt al da Igreja , co mo institui ção simult aneame nte divina (carismática) e hum an a (est rutura visfve l). Hoj e a ideia e a vivência do que é ser Igreja (comunidades dos crentes em Cristo, ca minhando e f azendo história) devem o-I a à ec les io logia do Vat ica no II, pa rticula rmente presente na Const ituição Lumen Gentium (1964).
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t assim que, olhan do retro spetivam ente, podem os captar, conforme os tempos e as sit uações , tendências dominante s diversifi cadas na vida da Igreja ao longo da história. O que sucede também no presente que estamos a viver, ainda que, mergulhados nos aconteci mentos diários , nem sempre tenhamos uma visão abrangente e reflexa disso. Para descrever est e facto costuma falar-s e de "imagens" e "modelos" de Igreja . Quando falamos de "modelos", não estamos a indicar "formas exemplares" de vida eclesial, mas a designar "ideias-força" e elementos estruturais que refletem numa determinada fase da história o modo como se viveu o mistério da Igrej a. Referida ao passado, a expressão "modelo" de Igrej a é a forma (enquanto orienta ções dominantes, tra ços marcantes, valores e contravalores...) como ao longo de um determinad o período de tempo a Igreja defin iu ou procurou concret izar a vida comun itá ria, os seus elementos inst itucionais, o relacionamento com a sociedade e a esfera política, etc. Na perspetiva da experiência eclesial que fazemos no presente, "modelo" tem natura lmente t amb ém, além dos aspetos refer idos, uma dimensão programát ica-i deal, isto é, sinaliza valores que a Igreja é chamada a realizar (isso acontece, por exemplo, quand o falamos de "Igreja como com unhão" ou de Igreja como "fam ília de Deus no mundo"). A expressã o "imagens" pode ser entendida aqui também num sent ido muito semelhante: aquilo que result a do modo como a Igreja se sit ua e configura numa determinada époc a da história. Mas de si mesmo o termo sublinha igualmente uma out ra faceta: aponta para a perceção dom inante que as pessoas num dado moment o t iveram ou têm da Igreja. Por exemplo , e isso ta nto para o passado como para o presente , pode perguntar-se pela "imagem" que ressalta hoje da vid a da Igreja ta nto a nível universal como nacional (por exemplo: uma Igreja sensível aos problemas das pessoas, com um discur so at ualizado em term os de linguagem, etc .?).
Escatologia -1. O termo 'esca t ologia ', de orige m grega, signif ica discurso (Logio) sobre o q ue é final, def init ivo (Eschoton) para o ho mem e par a o mu ndo . O de finitivo é Deus. Ele é o Escathon. e a morte, a ress urreição do Filho eterno de Deu s e o env io d o Espfrita Santo trouxeram à huma nidade e ao cosmos a possibilidade de esperar , nesta história, e mesmo depois del a, algo de definitivo. Até aos anos 70 do sécul o XX. a Escatologia, d esignada, em lati m e no plural, De Nov;ssimis, era O tratado sobre as realidad es que existiam depoi s da m o rte: j uizo, purgató rio, infe rno e pararso. Essa ref lexão não es tava isent a de precisões coisificadas que popularm ente se comunicavam com grande carga irnag ética . 2. O ce ntro do Eecototogio é o mistério pascal de Cristo. ~ porqu e Ele morreu por nós e nos deu uma vida nova na Sua Ressurrei çã o que podemo s aceitar viver,já na história, ce nt rado s no defin iti vo (o Escolho n) cristológico e pneumato ló gico, e es perar permanecer nesse defi niti vo para além da hi stória, na comunhão dos santo s,"
M. MANUELA DE CARVAL HO, Escola/agia, in Enciclopédia Verbo Luso -Brasileiro de Cu/Wro - Ediçôo Sécu lo XXI, 10, Li sboa-São Paulo 1999, 687 s.
Este percur so pela história, ainda que muito sintético, parcelar e algo simplif icado, esti mula-nos a co mpreender melhor a realidade da Igreja, ta l com o ela é percetível hoje na realidade quotidiana dos cristãos e das comun idades eclesiais. O passado está de algum modo semp re presente na realidade atual da Igreja que conhecemos e de que fazemos parte.Emcada temp o e lugar nunca há um único e exclusivo "modelo" de Igreja (isso também acontec e hojel), antes coexist em vários "modelos" - ainda que um seja porventura dominan te - no mesmo espaço cultura l e no mesmo tempo histó rico. A realidade concreta da Igreja é tecida por situa ções diversas em te rmos de pessoas e grupos, culturas e cond icionamento s soc iais, idades e sensibilidades ecles iais diferentes.
2.2. No Império Ro ano 2.2.1.05 três prim i
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Os t rês prim eiros séc ulos da Igreja caracte rizam-se pela co nsciência viva de que a Igreja, fr uto do plano salvífico de Deus para a humanidade, é "mistério da fé" (cf. Ef 5,32). Três condicionantes básicas marcaram de forma predominante este período da Igreja nascente, minoritá ria na sociedade, durante alguns períodos fortemente perseguida: uma inte nsa con sciência escatológica (a consciência de que, com Jesus Cristo, chegaram os t empos definitivos da salvação), o que fomento u alguma relat ivização das ta refas e questões tempo rais; o sentido da dimensão comun itária da vivência da fé cristã num mund o globalmente adverso; a importâ ncia da decisão pessoal na base da adesão à fé e da pertença à comunidade ecles ial. Neste cont exto a Igreja é mais existencialmente "vivida" do que teoricamente "refleti da" em termo s teológicos. Isso explica a prevalência que cabe às imagens bíblicas para expressar a experiência crente comunitá ria: "Povo de Deus ", "Corpo de Cri sto ", "Templo do Espírit o Santo". Do mesmo modo fala-se da Igreja
sobret udo através de símbolos e alegorias, na med ida em que essa linguagem simbóli co-me tafórica se apresen ta como mais adequada para dizer uma realidade que não se deixa abarcar pelo mero esforço de co mpreensão racional: a Igreja é mysterium funae (misté rio da lua, que não te m a luz por si própria, mas recebe-a de Cristo); é a arca (de Noé) que salva da mor te do dilúvio; é a barca (de Pedro) onde se viaja at ravés das onda s, por vezes altero sas, do mar; é a Mãe que gera para a vida e sustent a na verdade (a Igreja é "coluna e sustentáculo da verdade"cf. 1 Tm 3,15).
Misté rio de fé, a Igreja ente nde-se, prim ordialm ente, como commun ío sanctorum (comu nhão do s santos). Esta é a fórmula mais antiga que mostra co mo a Igreja é vista à luz da fé. Com esta expressão (sanc torum, genit ivo em latim, pode ser genit ivo masculino ou neutro) dizem-se duas coisas: a Igrej a é commun ío nas soneta (genit ivo neutro: co munhão nas realidades santas - a Palavra de Deus, os Sacramentos e, em particular, a Eucaristia ; mas é tamb ém commun;o dos sancti (genitivo masculino: comun hão dos santo s), isto é, comunhão pessoal daqueles que foram santifi cados (esco lhidos, chamados, eleitos) por Deus em Cristo e na força do seu Espírito , sem que isso signif ique ignorar a realidade do pecado na Igrej a.
Este sentido e exigência de comunhão exprime-se não apenas a nível pessoal mas t ambém na relação entre comunidades. A única Igreja de Jes us existe, de facto, em Igrejas locais, qu e atualizam cada uma por si a realidade essencial do seu mist ério. Do mesm o modo que cada Igreja local é uma com unhão (communio) de crentes, assim tamb ém as diversas Igrej as locais, conscien tes da pertença à mesma Igreja, vivem da comunhão na única Palavra, na única mesa eucaríst ica, no único amo r f raterno : a Igreja de Jes us é vivida como com unhão de Igrejas (communio eclesiorum), o que se exprim e nalguns sinais visíveis (po r exemplo, a ajuda fraterna material - cf. 1 Cor 16,1-4; 2 Cor 8-9; Rm 15,25-33 - ou, mais tard e, a participação dos bispos das Igreja s locais vizinhas na ordenação de um novo bispo).
Com o século IV inicia-se um novo período que, a pouco e pouco, século após século, vai conf igurar a Igreja de modo muit o diferente. Em 311, um édito de Galera, augusto do Oriente, que até então perseguia os cristão s, permitia a religião cristã, desde que ela não fosse contra a disciplina do império. Em 313, Constantino e Licínio, pelo rescrito de Milão, concediam a todos os súbditos do impér io a liberdade de religião e de culto. Este acontecimento, ligado à vitó ria de Constantino sobre Licínio e designado como "viragem con stantiniana", trouxe uma profunda t ransform ação do lugar do cristianismo na socieda de. Da sit uação de religião parcialment e tolerad a ou perseguida, dispersa e sem legit imidade política, o cristianismo passa em poucas décadas a religi ão dominante no Imp ério - nos fins do século, numa população duns 50 milhões de habita nte s, os cristãos seriam já uns 7 a 10 milhões') e a Igreja torna-se "Igreja do Império" ("Igreja de Estado"). Ist o repercute-se não só nos mod os de pensar, mas também na organização inst itucional da Igreja, que adota as divisões administr ativas do Impéri o e assum e modos de agir mold ados no contexto imperial. A par tir daqui, num muito longo período de tem po que atravessa toda a Idade Méd ia e vai até à Reforma prote stante do século XVI, o "modelo" de Igrej a que prevalece, ape sar de sit uações muito diversas, é a visão e prátic a da Igreja co mo "poder espirit ual à ima gem do imp ério". Situados agora num ambiente favorável, vendo nest e novo co ntexto de existê ncia a impl ementação do Reino de Deus na terra, os cri stãos assumem uma outra at itud e relativamente ao seu mod o de estar no mundo: a consc iência escatológica atrás referida passa a segundo plano em favor de uma progre ssiva ident ifi cação da Igreja com o mundo, tid o ou esperado como cris tão. Progress ivamente e em cada vez maior núm ero nasc e-s e cristã o no seio do povo cristã o como meio social de suporte: a ades ão à fé deixa de ter de ser uma decisão tomada na co nsci ência das suas exigentes consequências. A relação ent re autor idade po lítica e autoridade religiosa cruza -se muitas vezes até ao po nto da (quase) ident if icação. Ent ramos numa "sit uação de cri stand ad e", em qu e o "p oputus christ ianus" (povo cristão) se t orna esse ncia lment e num conceito sociológico, cultural e político.
As grandes invasões dos séc ulos IV e V vieram tr ansforma r profunda mente o mundo romano em processo de cristia nização. E, desde logo, a sit uação de cr ista ndade nascente adquire fisio nomia própria diferenciada com a divisão do Império em Império Romano do Oriente e do Ocidente e com a queda deste últ imo em 476.
Império Romano do Ocidente
Godos
Império Romano do Oriente Godos
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Partilhado Império em 395
"" Áreas germânicase suasrotasmigratórias
BRITÂNIA
Gép ldas
OCEANO ATLÂNTICO
Héru los
Visigodos
CÁUCASO MAR CÁSPIO
Tarragona • Constantinopla
HISPÂNIA
(Blzândo)
IM P~RIO
• Mérida
SASSÂNIDA
Sic/lia
PONTO
Cartago
MAR MEDITERRÂNEO • Jerusalém Alexandria
ÂFRICA
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EGITO A Divisão do Império Romano (Cf. Georges Duby, Atlas hlstor ique , Pari s, Larrou sse, 198 7).
Depois da mor te do imperador Teodósio I (395), o Oriente segue o seu própr io caminho, marcado por uma teol ogia e uma espirit ualidade próprias, assentes em pressupostos socia is e cu lturais diferentes. A elevação de Bizâncio- Const antinopla ("Nova Roma") a capi tal e residência imperial vem acomp anhada pela importância progressiva do seu bispo e pela autoridade exercida pelo imperador na linha de um crescente cesaropapismo (para o imperador, a existê ncia da Igreja é parte integrante da realidade do Império), chegando â teocracia (autor idade política e religiosa) do imperador Just iniano I (527-56 5). No Ocidente a decadência do poder do Estado (culminada na referida ext inção do Império) era acompanhada pela ameaça proveniente da migração dos povos bárbaros , provocan do também a decadência das cida des e a ida para os campos. Nessas circunstâncias, os bispos e, de modo par t icular, o bispo de Roma viram -se cada vez mais na necessidade d e assumir tarefas político-administrativas, ao ponto de a Igreja aparecer como suces sora e herde ira do Império Romano. A ta refa evangelizadora dos diversos povos europeus na segunda meta de do primeiro milénio é suportada també m pela convicção do papel unificador imprescindível da religião. Nesse sent ido se ente nde também a ligação dos papas com os Carolíngios e, mais t arde, no séc ulo VIII, com o reino dos Francos, co nduzindo à co nst itu ição do Estado eclesiástico. Estes desenvolvimentos favorecem o progressivo alheamento ent re o Oriente e o Ocidente, até à cisão def initiva de 1054.
No seio da crist andade ocidental emerge cada vez mais a questão da relação entre os dom ínios temporal e espiritual, a luta pela superioridade entre o imperador e o papa, entre o poder temp oral (regnum) e o poder espiritual (sacerdotium) . Também na sua versão oc idental, o cesaropapismo manifestava- se como pretensão do poder político a integrar em si a Igreja, os hierarcas tornavam-se quase funcionários políticos, o cristianismo era valorizado sobret udo co mo fo rça de coesão social. Nesta sit uação, que predomina no período que vai dos séculos IX ao XI, a cristandade oc ident al apresent a-se subj ugada pelo poder político e, mu itas vezes, ao seu serviço.
Sujeita à prepond erãncia do pode r político (imperador e príncipes), suas te nt ações e seus tentáculos, a Igreja sente a necessidade de se libertar em busca da sua verdadeira identidade. Este esforço de liberta ção da t utela feudal, est e movimento de libertação do espi ritual face ao pr edomínio do político, desencade ia-se sobret udo no século XI com a reforma de Cluny pelo Monge Hildebrando, que viria a ser o Papa Gregório VII (eleito papa em 1073). A lut a pela liberdade espirit ual da Igrej a cont ra a int romissão dos chefes te mporais vai delinear-se em expressões marcantes da cristandade med ieval e conduzir afirma ção do primado do poder espiritual sobre o t emporal, à pr eval ência do Sacerdotium sobre o Imperium , do papado sobre os detentores do pode r políti co. à
Há, sem dúvid a, a preocupação pela libert ação da decadênc ia moral e religiosa em que se encont rava a cristandade (renovação da vida monást ica nos séc ulos X e XI, através da restaura ção do genuíno ideal monástico segundo a regra de São Bento). Mas, em te rmos de clarif icação do pode r e desenvolvendo a teoria das duas espa das (prete nsamente co m base em Lc 22,38 e segundo o pensamento do Papa Gelásio I, 492-496), o pode r espiritual afirma-se cada vez mais com o superior ao poder te mp oral. ou seja, o poder do papad o situa-se acima da fun ção imperial ou do poder político em geral. A afirma ção da supremac ia papal é feita em termos cada vez mais absolutos de soberania ilimitada : o Dictatus Pap ae de Gregório VII fala do papa como "origem, cabeç a e raiz" de todo o poder; o Papa Inocêncio III (1 189-1216) af irma que "o Papa é meno s que Deus, mas mais que um homem"; Bonifácio VIII, com a Bula Unam Sonetam (1302), entende o seu primado universal como co ntendo a exig ência de sujeição universal ao Papa, e isso como co ndição para a salvação. No século XIII a sociedade medieval marcada pela ideia de cristandade e sua força de co esão atinge o seu cume. Eram percetíveis ao mesm o tempo profunda s t ransformaçõe s verifícadas na visão da Igreja e sua missão. Assim, por exemplo, a vi são sacramental-eucarística da Igreja, que predominava nos primeiros séculos (uma visão assente na imp ort ãncia crucial do batismo e da eucarist ia como expressões dos dons de Deus e fontes de vivência ecle sial), cede u lu gar a uma vi são mais jurídica e centralizada da Igreja como instituição de direito divino, em que os elemento s inst itu cionais prevalecem sobre os aspetos sacramentais-espi rit uais. Nessa linha, impulsionada pela canoníst ica nascente (a part ir do século XII), aparece em prim eiro plano uma compreensão corporativa- sociológica da Igreja, ou seja, a Igreja é vista sobret udo como co rpo soc ial organizado. Paralelamente vai -se perdendo t ambém o sen tido primitivo da ligação estreita entre ministério e comunidade. A ordenaç ão/con sagração aparece co mo um poder que o minist ro recebe pes soalmente e que é chamado a exercer independentemente da comuni dade. Consequente mente, a vida da Igreja é marcada pela progressiva
divisão entre clérigos e leigos. A ant iga tensão entre Igreja e mundo desloca-se agora para o interior da própria Igreja: os clérigos est ão por cima dos leigos , ocupados com as coisas do mundo. A Igreja, instit uição de direito divino f undada uma vez por todas por Cristo , é representada sobret udo pelos clérigos, a quem cabe o verdadeiro poder espir itua l. A identificação entre Igrej a e hierarquia (clero) vem acompanhada pela acentuação da dimensão jur ídica do min istério e seu poder. A vida da Igreja não se esgotava certamente nos aspetos acabados de referir. A já referida renovação da vida moná stica, a fund ação das ordens mendican tes (franciscanos e dominicanos) no sécu lo XIII e os diversos movimentos míst icos na Idade Média tar dia pro curavam sublinhar, de diversos modos, a ident idade radical da Igreja co mo Igreja pobre e servidora , cent rada numa espi ritual idade de seguim ento de Jesus. No entan to , prevalece globalmente nest e longo período a imagem imperial da Igreja como instância de domínio e de poder.
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f inal do sécu lo XV e os princípios do séc ulo XVI represent am o dealbar de um período novo, normal mente caracterizado como sendo o iníc io da Idade moderna. Como pr incip ais t ransformações verificadas e fatores condi cionante s dessas tr ansf ormações podem apont ar-se os seguintes: a dissoluçã o da " cri st andade medi eval" à vol t a do papad o, não só em razão da queb ra da unidade cristã pela Reforma protesta nte mas t ambém pela progr essiva dissolução da unidade entre religião e soc iedade (na seq uência do Iluminismo) e pelo nasci mento progre ssivo de parti c ularismos nacionalistas (a rivalidade dos reinos sucede à relativa unid ade do s temp os anteriores); o despertar do movimento laical em diversas expressões, também no âmbi to politico (reis, imperadores e prínci pes secu lares); a emancipação do "suj eit o", do indivíduo, com um novo sentido da liberdade pessoal e a consequente possi bilidade de exercício de uma atitud e cr ítica (cf., por exemplo, a figura de Erasmo de Roter dão); o Renascimento e o Humanismo co m o seu voltar-se para a ant iguidade que se redescobr e de novo, dando origem a uma nova ordem de valores (uma nova ant ropologia); a Ref orma protestante do sécu lo XVI (Lutero: 1483-1546; Calvino: 1509-1564; Zuínglio: 1485-1531) co mo o acontecimento porventura mais determinant e pe la dissolução que ela significou da Igreja medieval e pelas profundas transfo rmações que t rouxe no proce sso de identif icação pessoal do s cristãos e na própria valoração das est ruturas eclesiais. Globalmente pode dizer-se que a Reforma, na sua intenção primeira de renovar à luz do Evangelho a Igreja face às desordens e abusos que se verif icavam, significou um confronto co m o sist ema religioso de então, assente na necessidade de muitas "obras" para alcançar a salvação. De há muito era notór ia a necessidade de uma revit alização espiritua l da Igreja. Os apelo s e iniciativas reformi sta s surgiam um pouco por to do o lado: bast a lembrar John Wycliffe (1324-1384), na Irlanda, e Jan Hus (1369-1415), na Boémia (este último reabilit ado, em palavra s do Papa João Paulo II, quan to à intencio nalidade evangélica das suas preocu pações). Nessa linha, a compreensão da Igreja no movimento da Reforma caracteriza-se pela acentuação do ele me nto espir itual, int er ior, em detrimento dos aspetos visíveis, vist os po r vezes de fo rma caricat ural e polémica, ten do como referência o modo como eles se concret izaram na Igreja medi eval e sob o domínio ilimitado do papado. Na Confissão de Augsburgo, VII, do ano 1530 (Confessio Auguston o), oferece-se uma descrição co ncisa da identidade da Igreja :
o Dictatus Papae, manuscrito. ArqUIVOSVaticano.
"A Igreja é a asse m b le ia dos c re ntes , n a q ua l o Eva ngelho é e ns ina do d e form a pura e os Sac ra me nt os ad m in ist rados d e f o rm a recta [e m co nfo rm ida de co m o Evan gelh o]".
Consequentemente, para a verdadeira unidade da Igreja basta esta r de acordo com a doutrina do Evangelho e a administração dos Sacramen tos (entende ndo-se comummente que aqui está impl icitamente admitido também o ministério ecles ial). Na Apologia da Confissão de Augsburgo, VII, do ano de 1531, explicita-se:
"M a s a Igrej a não é só uma com u n ida de de co isas e r ito s ex te r io res, co mo o utros Estad o s, m a s s im e sse nc ia lme nte um a co m u n ida de d a f é e d o Es p ír ito Sa n to nos co rações, qu e t od avi a t em sina is ex t e r iores p ara q u e se po s sa reconh e c ê - Ia, a sa be r, a d outrina pura do Evan gel h o e a a d m in ist ração dos sac ra me ntos e m co nfo r m ida de co m o Eva nge lho d e Cr isto . Esta Ig rej a é c ha ma da , p oi s, Co rpo d e Cr is t o, o qu al Cr is to renov a, sa nt if ica e co n d uz pe lo se u Es p ír ito [,..]".
Insiste -se, pois, na dimensão espiritua l, invisível da Igreja, em contraponto às suas expressões visíveis, consideradas como estruturas humanas, e assim também re lativizáveis . Como é conhec ido, a Reforma protesta nte significou uma altera ção profunda do modo como o cristianismo se passou a apresentar na Europa e no mundo. Para além das guerras religiosas subsequentes e suas consequências para a valoração da realidade cristã, o cri stiani smo não mais aparece como uma unidade, mas surge, a partir daí e até hoje, marcado por perspetivas confessionais, por determ inadas formas de professar a fé e de a viver de acordo com a comun idade confessiona l a que se pertence. Fala-se assim de "Igrej a como con f issão ": Igreja catól ica romana, Igreja luterana , Igreja reformada ou calvinista, etc . Isso não tinha sido sent ido assim na cristandade aquando
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da rut ura entr e o Oriente e o Ocidente no século XI: cert amente em razão das distãncias geográf icas, históricas e cultu rais existe ntes, mas não menos pelo facto de que perma necia substanc iaimente a afirmação co mum da mesma fé, o que é reconhecido ainda hoje.
Na sua respos ta ao questi onamento protestante, uma resp osta que deve ser ente ndida co mo busca de renovação mas também de Cont ra-Reforma, a Igreja católica desen volve-se a parti r do Concílio de Trento (1545-1563) co m um determ inado perfil anti -r eform ador: privilegia-se progressivamente a visibilidade ins titucional da Igreja (a Igreja co mo uma realidade social tão visível e organizada co mo a socie dade políti ca de ent ão); põe-se em primeiro plano o aspe to hierárquico em reiação com o ministér io ordenado (em contraste com a insistê ncia luterana no sacerdóci o co mum dos fié is e o questionamento do significado do minist ério orde nado); valorizam -se particularmente as rea lidades sacramentais (em cont raposição à acentuação protest ante da Palavra de Deus, em co nj unto co m a crítica do "sacrament alismo" t radicional). Esta acent uação do momento inst itucional na compreensão e prát ica da Igreja, com a co ncomit ant e sobrevalorização do lugar da hierarquia, levou a que se chegasse a dizer que a ecles iologia foi subst ituída pela "hierarcologia". A expressão mais nítida desta conceção eclesiol ógica enco ntra mo -Ia nas Controvérsias (1576-1588) de S. Roberto Belarmino (1542-1821) e sua descrição da Igreja:
"Comunidade das pessoas ligadas pela profissão da mesma fé e com unhão dos mesmos sacramentos, sob o regime de legít imos pastores e principalmente do único vigário de Cristo, o pontífice romano".
E noutro passo explicita-se:
"A Igreja é uma comunidade de pessoas humanas tão visível e palpável como a comun idade do povo romano ou o reino de França ou a república de Veneza". Cita ção segundo H. FRIES. «Modificaç ão e evolução histór ico-d ogm áti c a da imagem da Igrej a», in J . FEINER - M. LOHRER (ed.), Mysrer ium Sol uri5. Compêndio de Dogm á tica Histórico-Salvífico. Petr6polis 1975. p. 36 .
A Igreja defin e-se, poi s, pela sua vis ibilidade institucional, pela objetivação do s conte údos da fé e dos set e sacramentos, pelo governo através dos legíti mos pas tores. Seria injusto ver aqui uma maneira de conceber a Igreja exclusivamente a partir dos seus elementos visíveis, exteriores. Como não podem desvalorizar-se os enormes impulsos de renovação ecles ial provenientes do Concílio de Trento . Mas, nesta orientaç ão global de oposiçã o à Reforma protes ta nte, caiu-se inevitave lmente numa hipertrofia do momento inst itucio nal, da dimensão hierárquica e da perspetiva papal- romana co mo elemento s nucleares da Igreja de Jesus Cristo, exclusivame nte ident if icada co m a igreja cató lica romana. E a part ir daqui a vivência "confessional" da fé aparece como cont raposição, com o negação da out ra maneira de ser cr istã o (ser católico signif ica, antes de mais, não ser protestante e vice -versa).
Ul ric h Zuín gli o (1484 -153 1)
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Humanista e padre aufço,
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este reformador fundou, em Zurique , uma teocr acia que
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se estendeu a Berna, Basileia
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e Estrasburgo. Apeland o ao regresso da Igrej a à simplicidade orig inal, a sua do ut rina teológica radicalizou -se mai s do que a de Lutero, especialmente ao negar a presença de Cristo na Eucaristia. Os anabatista s, assim chamados por defenderem um novo bati smo para os adultos, já que as crianças não podiam rece ber a graça que só se transmitia pela fé, vinc ularam-se às doutrinas de Zuínglio . Concílio de Tr ent o (de 1545 a 1563) No início do séc. XVI, Mar tinho Lutero lan ça uma dura críti ca à Igreja, que se debatia, desde há mui to , c om uma longa crise mora l int erna, bem expressa no Cisma do Ocid ente e nas tend ências conciliar ista s do séc. XIV. A essa crítica lute ra na importa ainda acrescent ar ten sõe s de cara te r p olít ico que ameaça vam a unidade da crista ndade. Só um co ncílio po der ia resolver problemas tão graves. Ape sar do s muitos ped ido s, provenientes de várias p artes, o papa Paulo III (1534 -1549) tin ha rec eio de co nvoca r um co ncilio . Fê-lo cont udo em 1537, para a cid ade de Mân t ua (e, um ano de po is, para Vicen za), mas a falt a de ade são do s protestantes ale mães obrigou a um adiamento. En t retanto, o imp er ador Carlos V t ent ou salvar a unidade da cr ista ndade at ravés de enc ontros infor mais, qu e se revelaram infrutíferos. O co ncílio foi então novam en te convoc ado em 1542, para a cidade de Trent o. No enta nto , este não c omeçaria antes de 1545. Em Trento, os t rabalhos dec orreram durante dois anos (se ssões 1 a 8), tendo sido de pois su sp ensos, devido a uma epidem ia, e t rasladados a Bolon ha, ond e se realizaram alguma s sessões es po rádicas entre 1547 e 1549 (sessõe s 9 a 11). Os tr abalho s em Trent o seriam retomados em 1551, sob o pontifi cado de J úlio II (1550-1555), mas dura riam apenas um ano (sessões 12 a 16), sendo interrompidos devido à guerra entre as tropas imperiais e os prot esta ntes, então alia dos com França. O concflio só viria apenas a co ncl uir os seus t rabalhos em 1562 -1563 (sessões 17 a 25), durante o ponti f icado de Pio IV (1559 -1565). O Conc ilio de Trento te ve, funda me nta lmente , dois objetivos. O primeiro de caréte r dogmático: responder sistematicam ent e aos desaf ios e posiç ões teológicas (heré t icas) do s protestantes, nomeadamente a ques tão da jus tificação pela fé, a autoridade da Bíblia e a teo logia sacrame ntal (sobre tudo em relação à Eucaristia) . O segundo, pastoral e disciplinar (a "reforma católica" propriamente d ita): ref orma da Cúria roma na, obrigaçã o de resid ência por parte dos bispos, formação do clero (criação de sem inários), criação de sínodos dio ce sanos, reforma do culto e da liturgia. Os resultados mai s duradoiro s do c oncili o trident ino prendem-se c om a te ologia fundamen tal e a pastoral. Na teologia fundamental, o concílio fixa def initivamente o c âno n bíb lic o e os sac ram ent os. Mas mais impo rtante é o est abelecime nto de uma t radição no rmativa (pat ríst ica e conciliar) para a interp retação da Bíblia , num cla ro posicio namen to c ont ra a solo scrip tu ro prot est ante. Imp õe-se deste m odo a "tradiç ão" c omo segunda f ont e da ref lexão t eológica. Os ano s po ste riores ao c onc ilio são de uma grande riqueza a nível p astor al. A "cura de almas" assume claramen te um papel ce nt ra l na vida da Igrej a católica, sendo favoreci da p ela refor ma lit úrgic a. A pregação adquire um novo dinam ismo e a f orm ação sac erdotal torn a- se ce nt ral. Uma no va geração de bispos-p ast or es t est em unha o cuidado pastora l deseja do p or Trento. O dom inicano por tu guês Frei Bartolom eu dos Mártlres (1514-1590) teve uma participaç ão not ável nest e co ncf lio. Bispo de Br aga, aplicou na diocese as decis ões conc iliares, preparou um c atecismo para as pe s soas e f undou um seminário para a formação do clero. Bibli ografia: J. Wicks, (199 2) "Trent o",;n Ren ê Lat ourelle -Rln o Fisiche lla (eds.), Diccionor io de Teol ogia Fundamen tal, San Pablo, Madrid.
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.5. N 2.5.1.
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s desafios da modernidade
Os tempos moderno s revelam-se como profunda interpelação à Igreja, suas convicções e sua organização. O processo de secula rização t rouxe a progressiva libertação das insti tu ições da t utela ecle sial. Por out ro lado , na sequência da mentali dade humanista emerge nte a partir do séc ulo XVI e da consciênc ia da lib erdade individual que a própria Refo rma protestan te ass umiu e desenvol veu, a cultura europeia vem a ser decisivamente marcada pe lo chamado " Iluminismo" (Aufkarung) nas suas várias e prolongadas expressões e consequências (sécul os XVII a XIX). O Iluminismo t inha a prete nsã o básica de libertar o ser huma no da sua menor idade, esti mulando o uso da própria razão e a progressiva autonomia das pessoas face à autoridade ec lesial. Ao mesm o tempo, o insucesso das discussões doutrinais na pe rspetiva de uma possível reunião dos crist ãos e, sobretudo, as sangrent as guerras de religião (term inadas com a Paz de Vestfá lia, 164 8) mos travam empiric amente a conveniência , se não mesmo a necessidade, desse uso da razão na busca daqui lo que é ou pod e ser com um, sobretudo em term os ét icos, independentement e da co nfissão religiosa a que se pert encia ou da visão do mundo que se tinha. A af irmação de valo res e at it udes básicos comuns, que servisse m de fundame nto para uma convivência pacífica ent re as pessoas e os povos , só podem ser encon trados - pensa-se - de for ma racio nal na própria pessoa hum ana e sua nat ureza, sem qua lquer introm issão do factor religioso-confessional (aspiração a uma religios idade natural que unisse para lá das diferent es con f issõe s). Tudo isto encont rou part icular expressão soc ial, política e cultu ral na Revolução francesa (1789) e suas consequênc ias. Caminhou-s e assim para a (ind ispensável) separação entre poder espiritua l e poder tempora l, mesmo que a prete nsão da Igreja nest a matéria (por exemplo, a afirmação da manutenção de um "poder indi reto sobre as co isas temporais") permanecesse para além do que o próp rio poder político acei ta va e do qu e a missão específic a da Igreja exigia. De fact o, só muito tarde, j á em pleno séc ulo XX, é que se co nseguiu chegar a uma perceção j usta da realidade, a parti r da com preensão do sentido mais original e profundo da missão esp ecifica me nte religiosa da Igreja e do respeito pela legítima laicida de do Estado.
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m "lnsti ui ii "
" ociedad."
Como se perce be, estes e out ros desafios foram ent endido s globalmen te como quest ionamento da Igrej a, da sua autoridade, do seu lugar na socie dade . Emergiu ass im a exigência de um a resposta da Igreja, que se j ulgava dever passar por um reforço da sua coesão interna, com base em crité rios e ati tudes forta lece do ras da sua presença e organização institucionais. A imagem que guiava a Igreja ia no sent ido de se ent ende r a comunidade ec lesial como uma institu ição moral e uma sociedade perfeita, hierarquicamente bem estruturada , complet a na sua capac idade de se organizar nos diversos dom ínios de uma sociedade análoga ao Estado. Nesta ordem de ideias conside ra-se que é cont ra a essência da Igreja pensar-se que ela precisa de refor ma, como se a Igreja estivesse exposta a def iciências que necessita riam de ser co rrigidas (assim pensava Gregório XVI, 1831-184 6). Aacen t uação hierár quica expressa -se parti cul ar ment e no facto de que o clero const it ui o verdad eiro "sujeito " da Igreja que, em últ ima análise, é "uma sociedade de desiguais'", São célebres as palavras de Johann Adam Mõ hler (1796-1838) co mo síntese desta visão da Igreja:
Cf. PIO X, Encfcllca Vehementer Nos, no 22.
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Esta af irmação do ce nt ra lis mo rom ano surge tam -
bém como resposta contra tendências episco pa-
"Deus criou (no princípio) a Hierarquia, e a Igreja se vê suf icientemente garanti da até ao fim do mundo". Cito segu ndo H. FRIES, Modificação e evcruc õo históric a-dogmâtica , p. 41 s.
Natura lmente, na compl exidade e diversidade que apresentava m, os desafios e interpelações da modernidade suscitaram também reaçõ es diversas, por vezes mesmo marcad as por alguma tensão e co nt radição dentro da própri a Igreja. Se em termos cult urais a abso lut izac ão da razão vai susc it ar e favore cer como respost a a emergência do roman tismo, se as novas ideias enco nt ravam algum eco em expressões de liberalismo católico, a co ntestação laicist a da Igreja, seus princípi os e seu papel na sociedade vai impulsionar o surgimento da contra-revolução católica e de tend ências resta uracionist as no própr io seio da Igreja. No movimento restauracionista , de que é exemplo marcante o chamado "ult ramontanismo" (para além das montanhas, ist o é, dos Alpes, em direção ao Papa), manifest avam-se sintom as de reação defensiva face a pretensões absolut ista s que ameaçavam não respeitar a plena liberdad e na vivênci a comunit ária da fé católica na sociedade moderna. Acentuava-se assim, como resposta, uma visão da Igreja restau radora da velh a ordem da cristandade medieval, cent rada à volta do papa, como uma espéc ie de for tal eza cont ra as confusões e os erros do temp o. A Igreja é entendida prior itari amente com o uma inst ituição visível de salvação , orde nada hierarquicamente e dirigida pelo papa. Esta acent uação unilateral da perspetiva papa l, hierárqu ica, centralizadora, tem como pressupost o complementa r a nivel de pensamento teológico o esforço de rest auração da esco lást ica (neoesco lást ical.? O Concílio Vat icano I surge com a prete nsão de unir o mund o católico numa demon st ração pode rosa contra os erros do te mpo que se opõem à verdade cristã (condenad os por Pio IX, já em 1864, no Sy/labus erro rum, catálo go de oite nta afirma çõe s mais ou menos libe rais que aco mpanhou a publicação da Encíclica Quanta Curo) e tornar a Igreja mais capaz de responde r às novas condições da sua presença na soc iedade. Para isso era fund amental a unidade da Igreja sob um só comando, e esse comando devia esta r dotado da ca pacidade de afirm ar, com autoridad e ineq uívoca, a doutrina da Igrej a. Estavam assim criadas as co ndições para a afirmação do primado de jurisdição universal do bispo de Roma e para o reconh ecimento da possibilidade do exercício infalível do seu magistério (ensino) em determinada s circunstâ ncias.
lista s, mar cadas generica me nte pela af irmação da
autonomia própria das Igrejas em contexto nacional, mais ou menos em estreita ligação com o pode r polít ic o loca l. São exem plos di sso, nos sécu los XVII e XVIII - assinalam- se apenas expressõ es e datas mais significativas - o galicanismo (1682),o f ebr onianismo (1763) e o josefinismo (1768). A reac ão a estas ten dê ncias, em partic ula r ao gatica nls mo, vai esta r presente no pró prio Con cnio Vat icano I (1869/1870).
Vat icano I (1869 -1870) O Concilio Vaticano I, anunciado e convocado (Bula Aetem; PaUis, de 29 de junho de 1868) pelo Papa Pio IX, rea tizou-se ent re 8 de dezembro de 1869 e 20 de outu bro de 1870, altura em qu e as t ropas italianas invad iram Roma e o concülo teve de ser interrompido. O objetivo exp resso des te encont ro de bispos, era o combat e aos princip ais erros da modernidade: atersmo. material ismo , pente fsm o, agnos cltlsmo, racion ali sm o e tiders mo . Durante os tr aba lhos, po rém, os bispos presentes no cone mo manifestara m a sua preocup açã o pelos efe itos p olülco -soctals da negaç ão da autori dade di vina , ped indo uma formulação mais pos it iva da dou trina cristã, em vez de se limitarem a condenar os erros modernos. Essa preocupação f icou bem espelhada nas duas ún ic as co nstituições dogm áti c as apr ovada s: a Dei Fi/ius, s obr e a revel açã o (font es da revelaç ão e nece ssidade de um a revelação sobrenatura l) e a fé (relação entre fé e razão, necessidade dos motivos de credibilidade e lib erda de de as sentimento aos mis té rios da fé revelada), e a Pastor Aet ernu s, sobre o primado do Bispo de Rom a (a sua ins t it uição por Cristo, a sua continuidade na história, a sua jurisdição sup rema e un ivers al e, enf im, o caráter inf alível das suas def inições ex cathedra - quando fa la sob determindadas co ndições formuladas pelo con cilfo - em matéria de f é e de costumes). Os res ultados mais evidentes do Concílio Vaticano I são, por um lado e graças à Cons t it uição Dogmá tica Pas tor Aeternu s, uma resposta co rajos a às tendências t eológ icas do co nci liarismo (um tem a que vinha já da Idade Mé dia) e do galica nismo, ainda que a auto ridade do Papa sobre os bis pos tenh a sido sobr eval orizada e seja nec essário esperar pelo Concilio Vati cano II para enc ontrar um novo equiHbrio; por out ro lado, e graças à Cons ti t uição Dei Filius, o cone mo dá uma respost a equilibrada aos desafios do racionalismo e do ucersm o, te ndo grande im pac to nos tratados de t eologi a fundamental elaborados post eri or mente, at é ao Conc ilio Vat ica no II. Podes apro fundar em: M. Chappi n, (1992) "v atlc ano I·, in René Latourelle - Rino Fisich ella (eds.), Diccionorio de Teologia Fundam ental , San Pablo, Madrid .
Mesmo assim, dada a interrupção premat ura do Concílio (devido à invasão dos Estad os Pontifícios pelas t ropa s it alianas, na sequência da guerra fran co -pru ssiana), é de admitir que alguma unilate ralidade temáti ca e de pensam ent o que caracter iza o Vatic ano I em termos eclesiológicos poderia ter sido atenuada se o Concílio seguisse o seu percur so norma l. A visão da Igreja subsequente ao Concili o Vaticano I ficou marcada , em consequência de todo este contexto, por uma mentalidade fortemente apologética, que se opõe ao espír it o da época do mesmo modo e na medida em que este contradiz a fé e a Igreja . inegável que, nest a mentalidade defensiva e reativa, há também pou ca capacidade para o reconh ecimento dos próprios limi tes de pensamento e de prática , bem co mo para uma perceção mais pro fu nda de interpelaçõ es que neces sitavam de uma maior ref lexão e de uma mais ampla abertu ra de esp írito . Isso pôd e observar-se aind a com Pio X (1903-1914) e sua condenação do "modern ism o" (1907) como sendo o "recetáculo de tod as as heresias". É
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A renovação ecles iológica que amadureceu no séc ulo XX é fruto de alguns impulsos que se f izeram sent ir já no século XIX, em grande parte sob o influxo do espírito do rom antismo, com o seu sent ido dos organismos vivos, co m a atenção às dimensões do sent ime nto e do coração , com o reconheciment o da impo rtância da tradição e da história, com a valor izaçâo do comunitário, com a ideia da vida como movime nto tota l que une a diversidade na unidad e. Nalguns contex tos de pensamento teológic o, isso permit iu ult rapassar uma visão unilateralmente jurídico -in st itu ci onal da Igreja, e reabrir cam inhos para um a consideração da Igreja mais claramente numa perspetiva teológica e sobrenatural. Joh ann Ada m Móhler, da "Escola de Tübingen", é um dos nomes incontorn áveis: imp ulsionou uma visão da Igreja co mo realidade fu ndamentad a na enca rnação do Filho de Deus e no envio do Espírit o, co mo mist eriosa união do divino e do hum ano, segundo uma est rut ura de encarnação. Em Itália, a chamada "Escola Rom ana" refl et iu globalme nte no mesmo sentido dos teó logos de Tübingen e reconhec eu também a necessidade de se acentuar o aspeto míst ico e vita l da Igreja. Assim, nos f inais do século XIX, estavam abe rtas vias de pen same nto teo lógico no sentido de ver a Igreja como "Corpo Mist ico de Cristo", com unidade na qual Cristo se torna visível no mundo e realiza no presente a sua obra redentora. A Igreja é assim ent endida com o o prolongam ent o de Cristo , animada por Ele e pelo seu Espirito, a Igreja é como que a "encarnação cont inuada".
4 Cf. H. FRIES, Mod,f,cação e evolução hlstórico -dogmática , p. 49.
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De qualquer modo e em termos maioritários, pode dizer-se que, no dealbar do século XX - e isso manté m-se pratic amente até ao Conc ílio Vaticano II - , a ec lesiologia católica apresentava-se ma is como fruto de reações e de atitudes defensivas face a diversas pos ições "adversár ias" ou, pe lo menos, consideradas inadeq uadas ao longo d e séculos do qu e propriamente como um a visão própria positiva, equili brada e completa do mist ério da Igreja . No seu cerne e não obstante os pri ncípios de renovação apontados, a conceção da Igreja que prevalecia era marcad amente "cristomonista" : privilegiando os aspetos cristológicos da Igreja (por exemplo, na ideia de "encarnação continuad a") tendia a acentuar a sua dimensão visível, insti t ucio nal , sociedad e organizada e dotada de pa rticular autoridade, não conseguindo formu lar um anúncio teologicamente mais posi t ivo e mais fundamentado do mistério da Igreja.
Ir Não obstante a originalidade criativa que marcou a reflexão eclesiológica do Concílio Vaticano II, essa ref lexão não se compreende sem algumas expressões de renovação teol ógica e eclesial emergentes na primeira metade do século XX. Desde logo, os desaf ios da chamada "crise mode rnist a", ainda que com unilateralidades e desvios, despertaram a consciência católica para o problema real da relação ent re a vivênc ia da fé e as transformações cu lturai s nas circunstâncias da história. Simult aneamente , foi cresce ndo a percec ão de que urgia uma renova da tomada de consciência da dimensão sobrenat ural da exi stência crente e da vida da Igreja, de que pode ser exemp lo a int ensif ica ção da piedade euca rística (impulsionada particularmente por Pio X).
É ent re as duas Guerras, após duras experiências de t ragédia humana e de desm oronamento da sociedade, que se dá uma nova desc ob erta da Igreja como grand eza viva e realidade significativa para a vida das pessoas. Neste co ntex to se enquadra a célebre afirmaçã o de Romano Guardini, vinda a púb lico em 1921 (aliás , de algum modo em paralelo com uma outra seme lhante da autoria do protestante Mar t in Dibelius) e que apon tava para um "despertar da Igreja nas almas",
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Mas dete rminant es para a renovação da vida e da conceção da Igreja na primeira metade do século XX, com importãncia decisiva para o aco nt ecimento concili ar, foram diversos movimentos de renovação teológica que, sent indo as limitações do pensament o neoescolást ico, procuraram ir de novo ãs fo ntes da grande t radição cristã. Dest acam-se aqui o movimento litúrgico em suas diversas expressões, os esforços de refon tali zação bíb lica e patrística, os primei ros passos da recec ão cató lica do movimento ecum énico nascido no seio do protestantismo. Significado ext remamente relevante, porque realidade presente ao nível da vida concreta das pessoa s e das comunidades cató licas, foi a acentua ção do pape l ativo do laicado, part icu larmente at rav és das diversas expre ssões da Ação Cató lica (Pio XI, Quos Primos, 1925). Exprime-se aqui não só uma nova consciênc ia do que significa ser membro da Igreja, mas igualmente um modo global de ser Igreja e de entender a sua presença no mundo: ultr apassa-se uma atitude meramente defensiva para se apelar ao envolvimento ativo e con st rutivo nos diversos ãmbitos da soc iedade. Este s diversos estímu los - teológicos e prát ico- existencia is conduziram a um quest ionamento mais inc isivo duma co mpreensão da Igreja em que os elementos soc ietários e jurídicos permaneciam predominantes. Neste co ntexto, emergem como polos principais de refl exão a relação da Igreja co m o mist ério da encarnação e a consideração da Igreja como "Corpo míst ico de Cristo". Esse processo de renovação eclesiológica exprime- se a nível de magisté rio na encíclica Mystici Corpo ris (1943) do Papa Pio XII. Na Igreja, Corpo místi co de Cristo, a dimensão invisível (espiritua l) e a dimensão visível (inst itucional) são indissociáveis. Não se pode separar - acent ua a encíclica - a Igreja inst itu cio nal e juridicamente const it uída e a Igreja como busca da vivência comunitária do amor (surpreende posit ivament e neste texto pont ifício o papel dado ao Espírit o Santo e aos carismas). Ao mesmo temp o, na sequência da refontalização bíblica e patrística , a reflexão teológica ti nha começa do a propor a noção de "povo de Deus" como sendo o conceito mais abrangente e mais próximo da realidade no que co ncerne à visão da Igreja. Esta nova sensib ilidade para o sent ido da Igreja como Povo de Deus e para a dimensão histór ico- salvíf ica do acontec imento da revelação e da vida eclesial vai marcar a visão eclesiológic a conc iliar.
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Nunca é dem ais sublinhar a importância t ranscendente que o Concílio Vat icano II tem para a co mpreensão e a vida da Igreja no nosso te mpo, uma importâ ncia que se conc retiza em af irmações e orientações pontu ais conc ret as, mas que assu me so bret udo signif icado na sua globalidade co mo "acontecimento" de renovação e de c ri atividad e. A intencionalidade fundament al que lhe foi dada pelo Papa João XXIII no senti do de vir a ser um concílio pastorai, quer dizer, preocupado com o modo como a Igreja é chamada a anunc iar o Evangelho aos homen s e mulh eres do nosso temp o, deu-lhe um imp ulso e um alcance renovadores que, à partida, não era previsível e que torna a sua receção um processo por vezes complexo, mas de enorme signif icado para o fu turo da Igreja . Em breve síntese podem d elinear-se os aspetos principai s d a renovação concil iar em termos ecl esio ló gico s.
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a) O sentid o do mistério da Igreja Co mo po nto de pa rt id a f undament al para a sua co mpree nsão (capít ulo I da Lum en Gentium - "O mistério da Igr ej a"), a Igreja é vis ta à luz do M istér io d o Deus Trinit ár io e do se u agir amoroso numa história de sa lvação . b) A visão da Igreja como "po vo de Deus" Foi de cap ita l impo rt ãn cia a decisão, tom ada no d ecurso do p róprio processo co nc iliar, d e an tep or a visão globa l d a Igr eja co mo "Povo de Deus" (capít ulo II), à reflexão so bre a cons ti t uição hierá rq uica da Igrej a e, em especial, do ep iscop ado (capítulo III).
c) Eclesiologia de comunhão Na reflexão conc il iar fo ram lançadas as bas es de uma ecl esiologia d e comunhã o, nas diversas d im ensões e nos vár ios níveis qu e t al co mport a. Uma das vá rias co nsequênc ias prát icas daqu i decorre nt es é a af irmação da iguald ad e fundam ental de todos os cre ntes (cf. LG, no 32).
d) O lugar e o papel d os fié is leigos Salient a-se igualment e a d im ensã o emi ne nt emente positiva com que se passa a ver o f iel c ristão na Igreja (cf. LG, nO' 10-12; 30-38), sub linhada pe la afi rmação (cf, o capítu lo V da Lumen Gentium) da vocação u niversal à santi dade.
e) Compreensão sacramental do episcopado Pela p rim eira vez , em te rmos de magistério, o episcopa do é ente ndido co mo se ndo a plenitud e do sacramento da o rde m (cf. LG, no 22). Esta cla rif icação possibilit a uma ma is consiste nte fun dam en t ação d o lugar do bispo den t ro do co lég io ep isc o pal e na presidênc ia duma Igrej a local (Igreja Particular, Diocese).
f) A co legia lidade episcopal
O Concílio sublinha o senti do e o ca rát er estrutu ra l da co legialidade episco pa l, co rr igindo uma co nce nt ração exclusiva no lugar do papa e seu pri m ad o, t al co m o d e cert a forma d ecorria do Conc ílio Vaticano I. O papa é vis to como ca beça do colég io ep iscopa l, não se sit ua por ci ma e à margem dele (cf. LG, nO' 18-29, es pecialme nte 22 e 23). g) A importãncia das Igrej as locais Em liga ção co m ist o e embora se trat e ainda d e uma ref lexão inci pie nte , valoriza-se de form a inovad ora (mas na linha da t radi ção o rigi nal da Igrej a) a co nsistê nc ia t eol ógica e p rát ico-p astoral das Igrej as Loca is ou Part icul ares (Dioceses), "fo r ma das à im agem da Igr eja unive rsal, das quais e pelas quais existe a Igr eja c ató lica , una e ún ica" (LG, no 2 3; cf. ainda LG, nO' 13 e 26 e t am bém Christus Dom in us, no 11).
h) A Ig reja como sacramento universal da sa lvação Superando de f ini t ivament e a ma neira de pe nsa r co nt ida no axiom a "for a da Igr eja não há salvação", o Co ncil io a prese nta a Igrej a como "sacram ent o un iversa l de sa lvação" (LG, nO' 1, 16 e 48; GS 22).
i) Abertura 00 diá logo ecum énico e inter-religi oso Dentro duma at itude dia lógica glob al (c f. GS, no 92), o Con cílio dist ingue- se pe la abe r t ura ecu mén ica , q ue coloca ex plici t a me nte so b o ut ro s ho rizontes a relação da Igr eja cat ó lica com as outra s Igrej as e Comunidades eclesiais (cf. LG, no 8 e no 15 e UR, no 3), e pela af irmação de um a nova at itude face às diver sas re lig iõ es (Declara ção Nostra A etote).
j) O reconheci mento da li berdade religiosa Na De claração Dignitatis Huma nae o Co nc ílio reco nh eceu, em razão da dignidade inali en ável da pessoa hu mana, o d ireito social e civil à liberdade reli giosa (libe rda de d e coação em mat éria re ligiosa, t ant o no que respeit a à vivência re ligiosa como re lativa mente à possi bilidad e de não aderir a q ualqu er religião). É com base na liberdade r eligiosa que a Igreja passa a entender a sua inserção na sociedade hum ana e procura d ar um t este munho crível d a verd ade d o Evangelho.
I) Igrej a ab erta ao mundo e em solidariedade com o mundo Finalm ent e, eme rge no conj unt o do pen sam ento co nc iliar - particul arm ente na Const it uição Pasto ra l Gaudium et Spes - a co nsciênc ia de uma Igreja q ue pro cu ra est ar em so lidariedade com o mund o em qu e vive e de que faz parte.
A receção de um Concílio é um processo muito longo no tempo e sempre inev itavelmente marcado por tensões, conflitos de interpretação, avanços e recuos. O que vale também, obviamente, para a rece ção do Concíl io Vaticano II. O pós-Concíl io que estamos a viver é um "período de aprendizagem" (Christoph Theo bald), uma aprendizagem que continua e que tem a ver decisivamente com a institu ição de uma nova figura do cato licismo, inter pelado progr essivamente no tempo e nos diversos espaços por novos desafios (muitos deles ainda imprevisíveis na altura do Concílio). [Texto Complementa r 3] No Vaticano II, a Igreja católica tornou-se verdadeira mente, pela pri meira vez na sua história, uma Igrej a mundial (Karl Rahner). t: normal , pois, que novas interpe lações e tarefas surjam, tais como as te nsões entre o ãmb ito local e o nível universal, as dificuldades de vive r pratica mente a unidade na divers idade , as várias consequências do desloca mento do peso, dentro da Igreja, do mundo ocidental europeu para os países da América Latina, da África e da Asia. Na receção do Concí lio, os problemas complexos da global ização do mu ndo são também , inevitave lmente, os problemas da Igrej a. Nesse sent ido algumas das aqu isições conciliares precisam de ser explicitadas e concretizadas na vida das Igrejas locais espalhadas pelo mundo . A " eclesiolog ia de comunhão" carece de impl ement ação efetiva tanto na vida das com unidades como na relação entre Igrej as locais . A consciência da identidade e do papel dos fié is le igos está longe de ser assumida por uns (os leigos) e reconhecida por outros (os que exercem o min istér io ordenado) em todas as suas potencial idades. A sinodalidade (o saber caminhar em conjunto) em todos os níveis da vida da Igreja ainda é um desiderato sem correspondência coerente e constante na vida eclesia l. Apesar de todos os avanços verificados em termos teológicos e práticos, a relação ent re a co legia lidade dos bis pos e o primado do bispo d e Roma continua a ser um problema pen dente nalgumas das suas vertentes (cf. Evangeli; Gaudium, no 32). As questões colocadas pe la ab ertura ecuménica e pelo d iálogo lnt er- rellgloso tornaram-se, entretanto, das mais incisivas na vida dos crentes, umas vezes pelo reconhecimento da sua urgênc ia e prioridade em termos existencia is e de evangelização, outras vezes pela dificul dade real de tornar percetível ao comum dos cristãos o que verdadeiramente está em causa na tarefa de busca da unidade da Igreja e nos desafios colocados pelo diálogo inter-religioso.
Texto Complementar 3 Em term os eclesiológicos, o Vaticano II foi naturalment e palco t ambém de um certo co nf ronto de tendênc ias, que se manifest ariam nalgumas tensões e buscas de equilíbrios. Isso pode observar-se em algumas mat érias nos própri os text os fin ais. "O Concílio Vati cano II é, pois, o ponto de partida par a a eclesiologia, mas deve ter-se em conta que nele 'conflu em' duas orient ações, dimensões ou ace nt os ecles iológicos que de alguma maneira resumem os dois milénios da história da Igreja. Por um lad o, parte-se da ecles iologia da unidade da Igreja universal, co mum durant e o segundo milénio e forj ada part icularmente em chave apo logét ica e juríd ica, que teve os seus inícios com os prim eiros tr atados autónomos sobre a Igreja (século XIV) e chegou ao seu cume no Concílio Vaticano I co m a definição dos dogmas papais; e, por outro, recupera-se de for ma inovadora a eclesiologia sacramenta l da Igreja como com unhão de Igrejas locais, que foi a mais comum durante o primeiro milénio, durante a etapa da Igreja indivisa (ano 1054), e que se alarga até à grande esco lást ica" S. PIÉ-NINOT, Eclesio logío. La sac ra me ntalidad de la co m unid ad cr istia na, Salam anca 2007, p . 27.
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Igreja preparada na história do Povo de Isr el relação particular entre judaísmo e crfstianismo o reconhecimento da relação particular do cristianismo com o [udaisrnc traduz-se, do ponto de vista institucional, no facto de a "Comissão da Santa Sé para as relações religiosas com o .Judarsm o" estar integrada no "Conse lho Pontitrclo para a Promoção da Unidade dos Cristãos" (e não no "Conselho Pcntlffclo para o Diálogo lnter-rellg loso", como aconte ce com as outras religiões).
A Igrej a só se compreende à luz duma história de salva ção que Deus qui s e quer co nc ret izar na hist ór ia da huma nidade. Nesta per speti va históri co- salvíf ica reside, possivelmente, o as pecto mais determinant e da renov ação do Concílio Vat icano II em termos de visão da Igrej a. Como j á se apontou, o Capít ulo I da Lumen Gentium - "O mistério da Igreja" - sinaliza isso mesmo: "mistério" (do grego, mysterion) aponta para o plano salvífico escondido em Deus e que se revela na histó ria humana , de forma ple na e definitiva em Jesus de Nazaré. Como se sublin ha logo em LG, no 2, a Igreja,
"pref igurada já desde o princípio do mundo e admiravelmente preparada na hist ória do povo de Israel e na Ant iga Aliança, foi co nst it uída no fim dos tempo s e manifestada pela ef usão do Esp írito, e será gloriosamente consumada no fim dos séculos".
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Assim, a origem da Igreja t e m de ser sit uada no conj unto da Revelação de Deus Uno e Trino, ou seja, na eleição de Deus que escolhe o povo de Israel, na história de Jesus, que é a defin it iva manifestação do mesmo Deus, e na ação do Espírito Santo, que atua liza o significado e a força salvíf icos do acontecimento Jesus no início da Igreja e ao longo da histó ria. Daqui ressa lta m do is aspetos, ambos inte rligados ent re si. Por um lado , Deus, Criado r e Salvador, di rige-se no seu agir salv ífico a cada pessoa , mas semp re integ rada numa dime nsão comunitária, num povo (cf. LG , no 9). Por outro, result a daqui uma ligação única, indissol úvel, da Igreja à histó ria de Israel, ponto de referência origi nário dess a histó ria espec ial de salvação (cf. Nostra Aetate, no 4) [Texto Compleme nt ar 4] Reconhece-se assim a import ância do Antigo (ou Primeiro) Test ament o para a compre ensão do mist ério da Igreja e a existê ncia de uma parti cular relação entre o judaísmo e o cristianismo. Uma relação part icu lar que, não obs ta nte todas opac idades e contrad ições da história, se ma ntém hoje como desafio e inte rpelação. Como po nto de part ida neste âmb ito - e este é um aspecto de consciência renovada no campo católico nas últimas décadas - há a necessidade de mant er express amente a especificidade dessa história da salvação e o significado religioso permane nte do judaís mo. A aliança de Deus co m o povo judeu, f ruto de uma eleição nos seus desígnios insondáveis , não foi anulada (cf. Rm, 11-13). A consciência dis to ob riga a repe nsar o modo como se enten de a Igreja na sua relação com o povo de Israel. Não se pode dizer, pura e simples me nte que a Igreja , "novo" povo de Deus substituiu ou absor veu o "antigo" Povo de Deus. Há uma con t inuidade , uma comple mentaridade que prec isa de ser respeitada. Certa mente , essa relação com Israel não pode ignorar a rut ura sinalizada pela reje ição da pessoa de Jesus e sua mensagem. E permanece intocável a prete nsão cristã de que em Jesus Cristo se realizou o acontecime nto culminante e definitivo da manifestação do amor de Deus pe la humanida de . Mas há que olha r para a unidade do plano salvífico de Deus, atravessado pelas circunstânci as reai s de uma história da salvação, na qual está necessariamente implicada a liberdade hum ana, com t udo o que isso significa de possib ilidade de aco lhimento ou de rejeição. Em síntese, é important e reconhecer, por um lado , que à essência da fé cr istã e da Igreja pertence necessa riamente um relacionamento pos it ivo com o j udaísmo, diferente do que acontece com out ras religiões. De fac to, a Igreja tem a sua raiz no j udaísmo, e sem essa raiz não seria Igreja: Jesus era judeu, os f undadores apostó licos das primeiras co munidades cristãs eram judeus, os Escritos Sagrados do j udaísmo pertencem à Sagrada Escritura do cristianismo. Mas à essê ncia da fé cr istã e da Igreja perte nce, por outro lado, também uma diferença fundamen tai em relação ao j udaísmo : na cruz de Jesus Cristo ultrapassa-se a separação ent re judeus e não j udeus, de modo que todos os povos do mundo têm agora a poss ibilidade de ser introduzidos no novo "povo de Deus" (cf. Rm 9-11 ; GI 2-3).
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Na sequência do que se acaba de refer ir e olhando a experiência crente de Israel, encont ramos elementos fundamentai s para a com preensão da Igrej a e de diversos aspetos est ruturantes da sua realidade ao longo dos tempos, também no nosso. Desta cam-se aqui seis aspetas. [Texto Complementar 5]
a) A consciência de ser " pavo de Deus" Na consciência de ser "povo de Deus" exprime- se um tra ço nucl ear da ident idade de Israel, o próprio coração da fé israeli t a: "Eu sou o vosso Deus e vós sereis o meu povo" (cf., por exemplo, Ex 6,7; Jr. 7,23). "Povo de Deus" é, no Antigo Testamento, uma expressão cen tral qu e inte gra e sublin ha a ident idade mais prof unda do povo eleit o. Isso encont ra co rrespondência na própria singularidade da expressão hebraica - 'om 'Elohim - q ue a Versão dos Setenta tra duziu siste maticamente por loós tõu Theãu (povo de Deus). Ou seja, na maioria dos casos, a palavra hebraica 'om (povo, co munidade populacional) é rese rvada para a designação do povo de Israe l (os povos pagãos são designados por goj/gojim, termo que o grego t raduz por 'éthnos/'éthnê)S Na consciência que aqui se manifesta, "povo de Deus" não é um mero conceito "sociológico", mas é um conceito eminentemente "te ológico". Isto é, exprime-se deste modo a realidade de um povo escolhido por Deus no meio dos outros povos, um povo que, por isso mesmo, não é definido tanto por aspetos de ordem sociológica, cultural, étnica, etc., mas por uma identidade própria radicada no agir salvífico soberano de Deus. Isso vale também de modo eminente para a Igreja: A Igrej a, "povo de Deus", só existe e tem razão de ser co mo comunidade de crente s que tem a sua ident idade a par t ir da iniciativa de Deus e que existe ao serviço do amo r salvíf ico de Deus por tod a a humanid ade. b) Uma re lação particular entre Deus e Israe/ Se Israel é "povo de Deus" no senti do referido, isso deve- se ao facto de viver uma relaç ão particular com Deus, por ele iç ão do mesmo Deus. Assim, na linguagem bíblica, Israel é, antes de mais, propriedade de Deus, ou seja, vive para o seu Deus por que existe graças ao agir de Deus que o escolhe e salva, libertando- o da escravidão do Egipto (cf. Is. 43,21; Os 11,1.4; Dt 4,20; Lv 20,26). O que se funda menta no fact o de Israel ser, devido à sua eleição , parceiro duma alian ça com o mesmo Deus, que se t raduz num amor e num co mpro misso recíprocos, na obrigação de mút ua lealdade e solidariedade. No meio das infidelidades do povo israelita, o própr io Deus to rnará possível a renovação dessa aliança, de modo qu e o povo de Deus possa fi nalmente correspon der à sua vocação , à sua missão (Ez 36,26 s.; Jr 31,31-34). Israel é, enf im, santuório de Deus. Deus manifesta -se e to rna -s e presente no seu povo, que é, de ce rt o modo, o lugar primeiro, privilegiado, da presença de Deus neste mun do (Ex 29,45 s.; cf Lv 26,11).
À identidade d a Igreja per tence nuclearmente a consciência de uma relação par t icular com Deus, tornada possível pelo próprio Deus . Diversas imagens, ut ilizadas para o entendiment o do mist ério da Igrej a (cf. a este propósito LG, no 6), t raduzem esta pertença da Igreja a Deus, sublinhando que tud o na Igrej a se decide pela abert ura aos dons de Deus e seu senhorio. c) Isra el como comun idade cu /tua/ Não obstante a diversidade dos escritos do Antigo Testamento, com tendências teológicas diferentes, ressalta a convicção fun damental de que Israel vive e exprime a sua identidade sobretudo como comunidad e reli giosa-cultu al, como comunidade na qual ocupa lugar cent ral
a celebração da f é. A assembleia do Sinai aparece como o protótipo da comunidade cultual. No caminho do deserto, o povo das doze tribos, ordenado à volta da Tenda da Reunião, encont rando assim as forças necessárias para prosseguir o seu caminho em direção à terra prometida, lembra e atualiza o acontecimento da primeira Páscoa, em que Israel se tornou povo da aliança e comunidade cultual.
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Na celebração da fé, a "comu nidad e" renova a sua consc iência de que deve a sua existência à convocoção de Javé. Este é o significa do bíbli co originário da expressão qohol, q ue a Versão dos Setent a traduz sistematicamente por ekklesío - Igreja . Reunida na presença de Javé (cf. Nm 16,1 -20), a comunidade escuta a proclamação da Palavra de Deus como realidad e fun dam ental para a sua vida, par a o seu caminhar na fé.
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A centra lidade desta dim ensão cultua l vale para a Igreja, que encontra na celebração da fé agora à luz de Jesus e do significado dos acont ecime nto s pascais - um elemento estruturante do seu viver: o Senhor convoca e reúne sempre de novo a sua comunidade, torna -se pre sente nela para lhe comunicar a sua Palavra e oferecer os Sacr amentos da salvação como sinais mais d ensos da sua presença e ac ão. Não é por acaso que o uso cristão da palavra 'ekklesío/ /Ig reja' tem ma is a ver com a sua ut ilização na trad uçã o grega do Ant igo Testa mento (versão dos Setenta) do qu e co m a etimologia grega, que aponta para a assem bleia dos "cidadãos" reunidos para di scutir e decidir os assuntos da "cidade". Na vers ão dos Setent a, a palavra 'ekklesía' aparece cerca de 100 vezes e q uase semp re para traduzir precisamente o conce ito hebraico da qahal Yahwe , entend ida como a comun idade convocada por Deus .
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d) Uma comunidade organizada, estruturoda em diversos serviços e funções O povo de Israel vive uma unidade e sol idariedade fundamentais em term os juríd icos e de comunidade religiosa, mas não é uma com unidade indiferenciada, antes apresenta-se como uma corporação ordenada. Dentro dessa solidariedade orgânica de comunidade - tod o o povo é chamado a viver as dim ensõ es profét ica, sacerdotal e real/se rvicial da sua existência crente - , há uma diferenciação de funções e tarefas específicas indiv idualment e assum idas e rea lizadas. Esses diferentes serviços e funções concretos (hoje diríamos "ministérios") aparecem em grande parte co nfigurados pelas épocas e sit uações históricas qu e a comunidade vive. Mas, tanto na sua expressão plural co mo na relação de tensão pola r que os caracteriza, apont am para algo de estrutural em toda a comunidade crente. Encontramos, ass im, serviços institucionais (o rei e o sace rdote) e serviços carismáticos (o co ndu tor do povo, o prof eta); serviços marcados por uma tarefa governativa/pastoral (o rei) e serviços orientados para o anúncio da Palavra e a celebração da fé (servi ços proféticos e sacerdotais); serviços de t ipo monárqu ico-patriarcal (exercidos pelo chefe de família, da tr ibo ou do povo - o rei) ou colegia is (o grémio dos anci âos que dirigem colegialme nte a t ribo e a comunidade sinagogaI). A Igreja de J esus co nhece tam bém um a diferenciação de carismas, serviços e ministérios. Mais basicamente ainda, ente nde-se co mo uma comu nidade com uma dim ensão proféti ca, sacerdota l e real que, não obs tan te essa diferenciação, é voc ação para cada membro do povo de Deus, chamado a ser profet a, sacerdote e rei/servidor na sua exist ência conc reta de pessoa chamada por Deus a ser memb ro da Igreja. e) A missão de Isra el A pergunta pela ident idade e missão da Igreja é também prefigurada e iluminada pelo modo como o povo de Israel foi perce bendo , aliás de forma não linear, no meio de sit uaç ões e posiçõ es co nt rastantes, em moment os de consciência diferenciados e até de algum a te nsão, a sua ident idade e missão .
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Antes de mais, naturalmente, Israel vive e percebe-se como um povo entre outros povos.Apesar de tendências part icularistas, baseadas no facto de se saber um povo escolhido entr e outros povos, Israel percebe progressivamente que, na sua eleiç ão, não se trata de algo que acont ece com significado exclusivo para si, mas tem relevância para os outros povos. Nesta linha, Israel entende-se como um povo intermediário : a eleição nunca é um fim em si mesmo, mas acontece a favor dos outros povos . Mesmo que não seja claro o que tal significa exatamente e como é que isso se realiza, Israel entende que tem uma missão salvífica a favor dos outros povos e vai tomando consciência dos caminhos possíveis por onde passa essa missão. Assim, pela sua simples existência, Israel é motivo de interpelação e de bênção para os outros povos (cf. Gn 1-12; Gn 12,2 s.); é mediação salvífica no plano de Deus para a humanidade (Dn 7,13 s.; Is 53,3 ss; Is 42,6 ss; livro de Jonas; Ex 19,5 s.): mais ainda, na certeza de que o Criador de Israel é o Criador de todos os outros povos, no horizonte final da esperança de Israel está presente uma perspet iva universalista: a eleição de Israel é um meio ao serviço dessa acão salvífica universal de Deus. Nessa linha e como horizonte final emerge a esperança escatológ ica da peregrinação dos povos para o Monte de Sião, a esperança de uma orientação última dos povos para o Deus de Israel acolhido como salvação definitiva da humanidade (Is 2,2 s.; Mq 4,1).
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A semelhan ça da experiência de Israel, a Igrej a de todo s os tempos conf ronto u-se, em contextos socia is e culturais diversos , com a quest ão do seu papel ao serv iço do amor salvífico de Deus por toda a humanidade. No Concílio Vat icano II form ulou-se a identidade e missão da Igreja como "sacrament o universal da salvação".
3.2. Igreja de Jesus Cri a t cimento Je
3.2 .1 . A origem da Igreja em .Jesus Preparad a na hist ória de Israel, a Igreja tem a sua origem no acontecim ento Jesus, encontra o seu f undament o na vida, mo rte e ressurreição de Jesus. Esta relação est rut ural entre a pessoa de Je sus e a Igreja não se entende adequadamente se nos fixarmos apena s em deter minados gestos ou palavras testemunh ados pelos Evangelhos, vistos como ata s fu ndacionai s concretos da Igreja. Para se perc eber prof undamente a relação da Igreja com Jesus, é precis o olhar numa perspetiva de globalidade. Essa perspetiva não ignora o significado singu lar de determi nados gestos e acontecimentos para o (fut uro) aparecimento da Igreja, mas co nsidera, antes de mais, a vida de J esus no seu co nj unto, consumada e iluminada pela sua morte e ressurreição. A esta luz, ente nde- se que a Igreja é fruto de um processo histórico-s alvífico que se realiza em dive rsas fases. A origem da Igreja tem de ser situada no conj unto da Revelação de Deus Uno e Trino, ou sej a, na eleição de Deus que escolheu o povo de Israel, na história de Jesus, que é a definitiva manifest ação do mesmo Deus, e na acào do Espírito Santo, qu e atu aliza o signif icado e a força salvíficos do acontecim ento Jesus nos inícios da Igreja e ao longo da histó -
ria. Não há outra Igr eja se não a Igr eja de J esus Cri sto. Mas a Igreja con stitui -se, em definitivo, com a ent rada dos pagãos na comunidad e do novo povo de Deus. No sent ido rigoroso dos te rmos , a Igr eja é uma realidade pós-p ascal.
consequências . Nos Evangelhos - e este dado reforça o que se acaba de referir - o te rmo "Igreja" só aparece três vezes, co ncretame nte em dois versículos bem próximos do Evangelho de Mateus (em 16,18 e, duas vezes, em 18,17). Em co nt rapartida, a expressão mais usada por Jesus - aparece mais de cem vezes no conj unto dos quatr o Evangelhos - é "Reino de Deus/d os Céus" (ou, num a melhor tradução, "Reinado de Deus"). Não há que fazer opos ição entre estas duas realidades (Reino de Deus e Igreja), mas o sentido é cla ro: o anúncio do Reino de Deus constitui o centro da mensagem de J esu s, a razão de ser da sua vida, o pressuposto fundamenta l que mot iva as suas palavras e as suas açõ es, o elemento determinant e do seu agir livre e do seu horizonte de futuro. O sumário de Mc 1,15 (cf. Mt 4,17 e Lc 4,18) resume d e f orma program ática o essencial da mensagem de Jesus: Est á aqui um dado inqu esti onável: a Igreja só se entende à lu z do anúncio do Reino de Deus .
"Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo: arrependei-vos e acreditai no Evangelho". M e 1,15
Com o anúncio do "Reino/ Reinado de Deus" Jesus não está a falar de uma região ou de um lugar, de algo delimit ado e f ixo no tempo, mas de um a realidad e em movi mento, de um acon tecim ento. É o acontecimento do agir de Deus que co nstr ói a sua sobera nia, que age como Senhor e Rei. Reino/Reinado de Deus (poderia trad uzir-se por "Deus chegou") fala da soberania sa lvífica, amor osa e misericordio sa de Deus, é o co nceito-síntese do dom da salvação no presente e na sua dimensão escato lógica (def initiva), exprime a vont ade salvíf ica radical e universal de Deus. Jesus interpret a a cer teza do dom da salvação futu ra e definitiva como algo que, a part ir desse futuro esperado , diz respei to já à situação presente deste mun do, à vida
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das pessoas e suas esperanças, à possível renovação das estrutu ras deste mund o. O Reino de Deus é, pois, acontec im ento de salvaç ão, " Boa Nova" para os sere s humanos pecadores que entrem numa atitude de abertura radical a Deus e seu amor (metonóio - co nversão). Dele se fala em parábolas que mostram o que acontece quando se acolhe a soberania amorosa de Deus. Em causa está a consistência, a verdade, a plenitude de qualquer vida humana. O Reino de Deus é, assim, algo que simultaneamente está para vir (Mt 4,17; 6,10) e já se encontra no me io de nós (Mt 12,28; Lc 17, 21; Mc 9,1). É, ao mesmo tempo , uma realidade co le tiva e algo que tem a ve r com a decisão radical de cada pessoa no mais profundo da sua liberdade e na abertu ra a novos crité rios de vida (cf. as bem-aventura nças em Mt 5,1-12; LC 6,20-23). O acolhimento do Reinado de Deus não fica apenas no ínt imo do coração, mas te m visibilidade. Sinais do Reino são o perdão e a reconciliação, a disponibilidade para o serviço, a abert ura de coração, a at itude de simp licid ade e de dependência amorosa da cr iança (Mt 18,2 s.), a solidariedade para co m todo aque le que necessita de nós (Lc 10,29- 37), o amor concreto que se este nde mesmo àque les que são nossos inimigos (Mt 5,38-48 ; Lc 6,27-36; Jo 13,34). O Reino de Deus tem, assim, a ver com a conversão do coração e a transformação das estruturas, concret iza-se já neste mundo, apesar de to dos os limites das realizaçõ es humanas, em expressões de liberdade, justiça, amor, verdade e paz (cf. Prefácio da Missa de Cristo Rei). É à luz do anúncio e do testemunho atuant e do Reino de Deus, da soberania amorosa e salvadora de Deus que quer reunir e renovar definitivamente o seu povo, que devem ser lidos alguns momentos mais signific ativos da vida de Jesus. A Igrej a, surgida após a Páscoa na sequência da recusa de Israel, está em relação prof unda com o sent ido nuclear dessa mesma vida consagrada ao anúncio do Reino.
a) Desde logo, a mensagem do Reino de Deus anuncia da e testemunhada por Jesus, dirigida embora a Israel na sua totalida de, t raduz-se, de facto, na chamada e na formação de um grupo de discípulos co mo candida tos a acolherem o Reino de Deus que se manifesta já nas suas palavr as e açõ es. O grupo dos discípulos que se abre m ao acolh imento do Reino e procu ram seguir Jesus pode, deve ser vist o como a comunidade (embrionária) da futura Igreja . Ou seja, há no agir do Jesus te rreno uma preparação em ordem à co mun idade messiãnica defi nitiva, chamada a ser plenamen te realizada no Reino de Deus. b) Dentro do conju nto dos discípulos, a eleição e missão do grupo dos doze exprime a vontad e de Jesus de reunir de novo e defin itivamente o co njunto do povo das doze tribos. Embora com este significado simbólico no temp o de J esus, indicati vo de que a missão de J esus se dirige a todo o Israel, os doze serão as "colunas" da Igreja após a sua morte e ressurr eição. c) As refeições co nst it uem - juntamente com os sina is e prodígios realizados por Jesus um dos gestos mais expressivos do que signific a o aconteciment o da vinda do Reino de Deus. Estas refeições de Jesus com os pecad ores e com os seus discípulos devem ser vist as co mo ações simbólicas, como sinais eficazes da presença ativa do Reino que se espera e que é, antes de tudo, graça e perdão. Nessas refeições Jes us ult rapassa as barre iras est abelecidas pela religião j udaica, sinalizando o amor salvífico universa l de Deus que não se deixa demarcar pelos critérios humano s, mesmo que sob a forma religiosa. d) Na última ce ia Je sus afi rma a sua co nvicção crente de que a comun hão com os dIsc ípulos não será rompida pe la morte que está iminent e (Mc 14,22-25; Mt 26,26-29; Lc 22,1 5-20; Jo 6,51- 59; 1 Co 11,23- 26). Antes , a morte fará parte do cam inho seguido por Jesu s na sua f idelidade a Deus, reconhec ido e amado como Pai, e à conc reti zação do seu plano salvífico para a humanidade , apesar das e at ravés das circunstã ncias de pecado e de maldade que condicionam e afetam o viver humano na história. Um caminho que, at ravessado pelo sof riment o e apesar de toda a opacidade da morte, é passagem à glorif icação f inal, escato lógica: "Em verdad e vos digo: nã o voltarei a beber do frut a da videira até ao dia em que o bebo, novo, no Reina de Deus" (Me 14,25). Nas palavras e nos gestos da sua ceia de despedida Jesus olha para o Reino de Deus, isto é, Jesus espera que, com a sua mort e e como fruto dela, o Reino de Deus, atuante na sua palavra e no seu modo de viver, se manifeste agora na sua p lena verdade e força salvíficas. A ent rega da sua vida co mo consequência do seu anúncio do Reino de Deus entende-a Jes us, assim, como últi ma ofert a de aliança por part e de Deus a Israel (e, assim, a tod a a humanidade). A recusa da pessoa e mensagem de Jesus, culminada na sua morte, vai criar uma nova sit uação que se revela no seu pleno sent ido apenas no acontec imento da Páscoa. A Igreja nasce , pois, a part ir do grupo de discípulos constituído como f ruto do anúncio que Jesus faz do Reino de Deus. O movimento pré-pasca l de reun ião de discípu lo s feita por 6 S. WIEDENHOfER, Das katholische KirchenversJ esus é "a pré -hi stória imediata e a cond ição histórica , sociológica tandms. Elo Lehrbuch der Ekklesiolog/e, Graz-wiene teológica da Igrej a p ós -pasca l'" . -Ko ln 1992, p. 75
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Embora os fund am entos da Igrej a se situem no t empo hist órico de Jesus, na sua mensagem e em to do o seu viver, nos sinais que deixou e na preparaç ão que fez dos discípulos, em sentido rigoroso a Igreja só surge a partir do acont eciment o da Páscoa, na sequência da recusa da pessoa de Jesus por parte da maior parte de Israel. Como os Evangelhos deixam claro , o ac ontecim ento da morte de Je sus e suas circunstân cias não foram de leitura fácil para os discípulos, antes apon tavam para o f racasso da pret ensão de Jesus e do seu anúncio do Reino de Deus. Só a fé na ressu rreição é 'que perm ite encontrar uma resposta posit iva e iluminadora sobre o sentido da sua vida e sobre a própria pes soa de Jesus.
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Os f enómenos de visão, as aparições do Senhor Ressuscitado (primei rame nte , na Galileia, para onde os discípulos de Je sus te rão fugido, receosos de que lhes acontecesse o mesmo dest ino de Jesus - cf, Mc 14,27; 16,7; Jo 16,32) e a notícia do t úmulo vazio (os discíp ulos regressam a Jeru salém, impulsionados pela crença ju daica de que os aconte cim entos f inais t inham de ter como centro a cida de sant a) convergiram na indicação de que a morte não foi a última palavra de Deus sobre a vida de Jesus: pelo contrário, emerge a experiênci a e a certeza da fé de que o Senhor está vivo. A fé que reúne os discípulos de Jesus é a fé na ressurreiçã o. ~ a partir dessa experiência do Senhor co mo Aqu ele que vive, uma experiência supo rtada pela ação do Espír ito, que é o Espírito de Jesus ressuscit ado, que a Igreja vai começar a exist ir '. Na leitura crente que os discípulos de Jesus fazem dos acontecimentos da Páscoa , vem ao de cima a certeza de que fora m cu mpridas em Jesus, sua vida, morte e ressurreição, as promessas de Deus (At 2,22 -24; 3,18; 13,32 s.; cf. ainda 8,26 -38; Lc 24,25 ss), Doi s sinais que só podem vir de Deus convergem no mesmo sentido, ind icand o e co nfirmando que essas pro messas se cumpr iram: - a ressurreição de Jesus "conforme a prom essa feita pelos profetas" (cf. Jo 20,9; Lc 24,44; At 2,24; 13,22; 1 Cor 15,4), ou seja , o sinal por excelência do cumprimento tot al das promessas; - a difusão do Espírito (JI 3,1-5 , citado em At 2,16-21), visto po r sec tores do j udaísmo como um fenóm eno dos últ imos te mpos : Deus tinha prometi do renovar o espírito e o co raçã o do seu povo (Ez 36 ,26; cI. Jr 31,31-34). Até então - co mo se lê nos Atas dos Apóst olos - o Espírito não t inha ainda sido dado :
7 Cf. G. LOHFINK, Oer Ablauf der Oste rereignisse und die Anfange der Urgemelnde, in Theologische Quarta lsc hrift 160 (1980) 162-176 [tr adução algo sintet izada em ffngua espanhola: EI desarrollo de los aconte cimientos pasca/es y los co mienzos de lo comunidad primitivo, in Se lecciones de Teologia
81 (198 2) 17-25): A. BARBI. Ascensão
"Mas ides receber uma força, a do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém, por toda a Judeia e Samaria e até aos confins do mundo," At 1,8 .
e Pentecos-
tes. Etapas significativos no história da salvação, ln Co mmunio 18, 2 (20 11) 147-166; S. WIEDENHOFER, Das kathofische Kirchen verstãndnis, 82-87.
[Texto Complementar 61 A Igrej a nasc ente proclama, pois, que a ressurreição de Je sus é não só o regresso de Jesus à vida nova junto de Deus pela vitória sobre a morte, mas o sinal de que estão chegados os últimos tempos e de que a esperança de todo um povo é reali zada no dom do Esp írit o. Sob o pano de fundo das pro me ssas de Israel, os disc ípulos de Jesus eram interpelado s a compreender (em certo sentido, "t inham de" compreender) est a nova experiência do poder de Deus e da sua força recriadora de nova vida como expres são da difusão esc atoló gica do Esp irit a Santo . Convém sublinhar que estes dois sinais - o da ress urreição e o do Espírito - estã o estreita me nte unidos e reforçam -se mu tua men te: a Igreja nascente proclama "Senhor" a J esus Cristo ressuscitado e glo rif icad o (Rm 10,9), mas não o pode fazer senão pela acao do Espír ito Santo (1 Cor 12,3).
Os aconteci mentos da Páscoa, dizendo respeito à pessoa de Jes us, signif icam também o dom definitivo do Espírit o. Estamos perante uma nova autocomunicação sa lvífica de Deus no seu Espírit o, quer di zer, um modo novo de Deus Uno e Trino se manifestar no seu ser e no seu agir na comunidade cr ente. A ressurreição de Jes us é a fonte do Espírito para a comu nidade: os disc ípulos fizeram a experiê ncia do Crucificado Ressuscitado como Aquele que está inteiramente na dimensão de Deus, particip ando no seu poder cr iador de vida, e como Alguém que entra novamente na sua histó ria, fundando uma nova comun idade, renovando as suas vidas e dando força à sua esperança. No enc ont ro com Cristo ressuscitado acontece, assim , simultaneamente , uma nova revelação de Deus e uma nova experiência dos discípulos consigo pró prios: a experiência de ser transformado s interiorme nte, tornados novas criatura s, capazes de serem t estemunhas do amor salvífico, libertador de Deus.
No plano salvífico de Deus para a humanidade inicia-se um novo te mpo, o "tem po da Igreja", que é t ambém o "tempo do Espírito" (de Jesus e do Pai), como sinaliza o Livro dos Atas dos Apósto los (chamad o, por vezes, o "Evangelho" da Igreja ou o "Eva ngelho" do Espírito Santo). a Espírito Santo, Deus na sua relação interior e imediata à nossa consciência pessoal, pode ser descrito como a presença permanente na história da ação salvífica de Deus em J esus. O Espírito Santo é Aquele que, como mediação permanente da ação do Pai e do Filho, realiza e to rna eficaz essa ação ao longo de toda a história da salvação, interioriza e universaliza a revelação histó rica de Deus em Jesus Cristo" A esta luz percebe-se como a vida de Jesus na sua tot alidade e a efusão do Espírito não podem ser cons iderados sim plesmen te como dois moment os sucess ivos e sem relação ínti ma um com o outro, antes co nsti tuem a expressão, mutuament e depen dente nos seus dois aspetos, do único agir salvífico de Deus que se dirige aos seres humanos, os co ngrega no novo povo e os envia em missão. O Espírito Santo é - co mo exprime incisivamente Y. Congar - "co-fun dador" ("co-institu ant") da Igreja, ou seja, ele não é simples vigário de Cristo, mas a Igreja e as suas estrutu ras fundamentais são fr uto per manente da unção do Espírito' .
8 Cf. TH. SCHN EIDER, Das Bekenntnls zum Heillgen Geist ais Rede von der Kirche. Zum theologiscen Drt der Kirche im Glaube nsbekenn tnis , ln Una Sanc ta 36
(198 1) 216.
, Cf Y. CONGAR , Je crais en f'Espr lt-Salnt , II est Selgneur et II donne la vle
Cf. aind a l G, n O I 4 e 5.
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Paris 1980 , 13-24.
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Os aconteci mentos da Páscoa são com preendidos como sinal antecipador da soberania amorosa de Deus (Reino de Deus) já presente em Jesus. Isto é, os discípulos entendem que na pessoa de Jesus e por Jesus a salvação definitiva at inge já a todos os que o acolhem. Ao compreenderem a sua existência pessoal e a sua experiência comun itár ia como fruto do dom escato lógico do poder de Deus criador de vida, os seguidores de Jesus percebem igualmente o caráter definitivo do dom que receberam: a comunidade dos discípulos é a comunidade salvífica dos últimos tempos, é aquela comunidade na qual a soberania amorosa de Deus é particularmente sinalizada e está significat ivamente presente nas circunst âncias da histó ria, como interpelação de Deus ao cora ção das pessoas e possibil idade de um mundo diferente. A consciência, por parte dos primeiros discípulos de Jesus, de serem a comunidade definitiva do Ressuscitado e objeto da eleição de Deus, emerge nalguns aspetos já referidos: a concentração em Jerusalém; a experiência do Espírito como realidade vinculada aos últi mos tempos; a importância que se dá aos "doze" como representan tes do Israel escato lógico autênt ico. Mas essa consciência manifesta-se de modo expresso e inovador nalguns sinais que ganham forma identificadora da Igreja na vida das primeiras comunidades cristãs: o batismo como rito de purif icação e incorporação na comunidade escatológica, separada de Israel; as refeições comunitárias (fração do pão) celebradas em ambiente de alegria; as orações e súplicas de claro conteúdo esca tológico (o uso da expressão "Morano tho" : "Vem, Senhor" - ct. 1 Cor 16,23); a ut ilização de termos como os "santos" ou os "santificados" (At 9,1 3.32.41 ; 26,10; Rm 1,7; 1 Cor 1,2; Ef 1,4 s.), os "eleitos" (Mc 13,22.27; CI 3,12) para falar dos primeiros cristãos (cf. At 11 ,26);sobretudo, a designação da com unidade cristã como "Igreja de Deus" - ekklesío tau Theã u - (cf. GI1 ,13; 1 Cor 15,9; FI 3,6; 1 Ts 2,14; At8, 1.3; 15,4.22; 18,22), expressão que manifesta a pretensão da comunidade cristã primitiva de ser a verdade ira assembleia de Deus, chamada a congregar to dos quantos acreditavam em Jesus e aderiam ao seu Evangelho; enfim , a decisão, tomada em fidelidade ao Espírito de Jesus, de não se impor a circuncisão aos pagãos que aderiam à fé (cf. At 15,28). A consciência de ser " Igrej a" - o verdadeiro povo de Deus dos tem pos def init ivos pelo cump rimento das prom essas de Deus, a comunidade separada de Israel em razão do acont ecimento Jesu s e aberta aos pagãos - não foi algo de imediato, mas exigiu um processo de amadurecimento que durou o seu tempo. Não é por acaso que, nos Ato s dos Ap óstolos, Lucas util iza a palavra 'ekkl esío pela primeira vez em At 5,11, ou sej a, antes da viragem que represent a a narração de Estêvão, e pela segunda vez em At 8,1 , isto é, depois desta narração e ante s da per seguição que caiu sobre a Igreja de J erusalém, apare cendo depois com certa regularidade.
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Texto Complementar 4
"Sond and o o mist ério da Igreja, este sagrado Concílio recorda o vínculo com que o povo do Novo Test amento está espirit ualmente ligado à descendência de Abraão. Com efeito , a Igreja de Crist o reconhece que os prim órdi os da sua fé e eleição já se encont ram, segundo o mistério divino da salvação, nos patri arcas, em Moisés e nos profeta s. Professa que tod os os crist ãos, filhos de Abraão segundo a fé, estão incluídos na vocação dest e patri arca e que a salvação da Igreja foi misticamente pr efigurada no êxodo do povo escolhido da terra da escravidão. A Igreja não pode, po r isso, esquece r qu e fo i por meio desse povo, com o qual Deus se dignou, na sua inefável misericó rdia, estabelece r a ant iga Aliança, que ela recebeu a revelação do Anti go Test amento e se alimenta da raiz da oliveira mansa, na qual foram enxerta dos os ramos da oliveira brava, os genti os. Com efeito, a Igreja acredita que Cristo, nossa paz, reconciliou pela cruz os jud eus e os gent ios, de ambos fazendo um só, em Si mesmo" Nostra Aetate, no 4 .
Texto Complementa r 5
"Em t odos os tempos e em todas as nações foi agradável a Deus aquele que O teme e obraju st ament e (cfr. At. 10,35). Contudo, aprouve a Deus salvar e sant if icar os homens, não individu alment e, excluída qualquer ligação ent re eles, mas co nst it uindo-os em povo que O co nhecesse na verdade e O serv isse sant ament e. Escolheu, por isso, a nação israelita para Seu povo. Com ele esta beleceu uma aliança; a ele instruiu gradualme nte, manifes ta ndo-Se a Si mesmo e ao desígnio da própri a vonta de na sua histó ria, e sant ificando -o para Si. Mas to das estas coisas aco nteceram como preparação e fi gura da nova e perfeita Aliança que em Cristo havia de ser estabelec ida e da revelação mais completa que seria t ransmit ida pelo própri o Verbo de Deus feito carne. Eis qu e virão dias, diz o Senhor, em qu e estabelecerei com a casa de Israel e a casa de Judá uma nova aliança ... Porei a minha lei nas suas ent ranhas e a escreverei nos seus corações e serei o seu Deus e eles serão o meu povo... Todos me conhecerão desde o mais pequeno ao maior, diz o Senhor (Je r. 31,31-3 4). Est a nova aliança instituiu -a Crist o, o novo te stamento no Seu sangue (cf r. 1 Cor. 11,25), chamando o Seu povo de entre os judeus e os gent ios, para for mar um to do, não segundo a carne mas no Espírito e to rnar-se o Povo de Deus. Com efe ito, os que crêem em Cristo, regenerados não pela força de germe corrupt ível mas incorru ptível por meio da Palavra de Deus vivo (cfr. 1 Ped. 1,23), não pela virt ude da carne, mas pela água e pelo Esp írito Santo (cfr. Jo. 3,5-6), são f inalmente const it uídos em «raça escolhida, sacerdóc io real, nação sant a, povo conquist ado... que outrora não era povo, mas agora é povo de Deus» (1 Ped. 2,9-10)" Lumen Gentium, no 9.
iTexto Complementar 6
"Mas tudo isto é a realização do que disse o profeta Joel: 'Nos últimos dias, diz o Senhor, de o meu Espírito sobre toda a criatura. Os vossos filhos e as vossas filhas hão de profetizar; o jovens terão visões, e os vossos velhos terão sonhos. Certamente, sobre os meus servos e as servas derramarei o meu Espírito , nesses dias, e eles hão de profetizar. Farei ver prodígios, no cé u, e sinais, em baixo na terra: sangue, fogo e uma coluna de fumo. O sol será transfor trevas e a lua em sangue, antes de vir o dia do Senhor, grande e glorioso. E, então, todo aq invocar o nome do Senhor será salvo'"
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Formulada embora a part ir da ligação irrenunciável da Igreja ao Povo de Deus do Ant igoTestamento, a expressão "povo de Deus" como tal ocupa, e todavia, um lugar reduzido no Novo Testamento. ~ certo que, nos Escritos paulinos (os mais antigos), a ideia nele traduzida está presente sob outras formas linguísticas - o verdadeiro Israel de Deus (GI 6,16; Rm 9,6); a verdadeira descendência de Abraão (GI 3,2 e 7; Rm 9,7); os verdadeiramente circuncidados (FI 3,3) -, mas, em Paulo, a expressão como tal [/aós tõu Theõul é usada sobretudo em citações do Ant igo Testamento: Rm 9,25-26 (Os 2,25); 2 Cor 6,16 (comb ina LV 26,12 e Ez 37,27; cf. Ex 6,7). A ideia e o termo "povo de Deus" aparecem, no entanto, já com relativa frequência nos escritos mais tardios do Novo Testamento, em textos que, na sua maior parte, são provenientes de contextos lit úrgicos: 1 Pe 2,9-10; Heb 13,1 2; Tt 2,14; Ap 1,5- 6; 5,9 s.;At 15,14 ss. Para fala r da Igreja, a expressão utili zada preferencialmente nos escri tos paulinos é, como já se referiu, 'ekk/esía tõ u theõu - "Igreja de Deus", expressão qu e é usada ta nto no sentido de co munidade local como de Igrej a Universal, emb ora com uma incidência maior no primeiro aspet o (cf. 1 Cor 1,2; 10,32; 11,16.22; 12,28; 15,9; GI1 ,13; 1 Ts 2,1 4; 2 Ts 1,1-4). Há para isso uma ju stificação. Por um lado, Paulo tem consciência da ligação específica e originária da expressão "povo de Deus " à identidade e missão do povo de Israel. Por outro lado, a expressão 'ekkle sía tõu teõu aparece-lhe como um conceito de algum modo mais pleno para falar da Igreja como novo povo de Deus convocado em Jesus Cristo (record e-se o uso do term o na Versão dos Setenta, traduzind o qaha/ = a assembleia convocada por Deus). Deste modo, ainda que num processo gradat ivo no tem po e com alguma diversidade de linguagem, as primeiras comunidades cristãs reconhecem a importância estrutural da noção de Povo de Deus como categoria histórico-salvífica . Sob esta figura, como acent uou no nosso tempo o Concílio Vaticano II, exprimem-se vár ias dimen sõe s de fundamental importâ ncia para o ente ndimento da ident idade e missão da Igreja (cf. LG, nO' 9-17; CIC 781-786). Assim: - sublinha-se, antes de mais, a prioridade e o caráter gratuito da iniciativa de Deus que elege e chama o povo crente . A Igreja deve a sua existência exclusivamente à misericórdia de Deus revelada em Jesus Cristo, não a realizações e obras hum anas; - salienta-se, por outro lado, a relação entre o Antigo e o Novo Testamento e a continuidade de uma história da salvação, assent e na Promessa de Deus e na sua Palavra que, ta nto na origem da comunidade eclesial como ao longo da sua história, gera a fé; - destaca-se, ao mesmo tempo, a comunhão solidária e a igualdade fundamental de todos os membros deste povo, sem prejuízo da diversidade de dons, serviços e funções que necessariamente acompanham e estruturam a vida comunitária (cf. LG 9- 11 e 39 -40); - exprime-se a consciência da Igreja como comunidade a caminho no meio do mundo e das circunstâncias do viver histórico, em solidariedade com a humanidade no seu conjunto e sujeita às vicissitudes , mudanças e interrogações desse mesmo caminhar histórico; - af irma-se, enf im, o caráter de grandeza pública que cabe à Igreja, na consciênc ia de que, na Igreja, est á em primeiro pla no o sent ido e a vivênc ia co munit ários (não uma visão privada individualist a), pelo qu e a sua exist ência na soc iedade represent a sempre uma proposta de convocação e uma interpelação de caráter púb lico (a Igreja nunca é nem pode ser uma "seita" mais ou menos voltada para o foro privado).
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A redescoberta da noção de "povo de Deus" no Concílio Vaticano II como pers peti va eclesiológica central significo u - desde logo pela já referida inversão , no âmbito do debate concilia r, da ordem dos capítulos II e III - uma prof unda mudança de paradigma que custou, custa ainda a assimilar por muitos crentes. Mais do que uma imagem entre outras, "povo de Deus" constitui, como se acaba de sugerir e até em razão do seu enraizamento histórico-salvífico, uma desc rição-síntese particularmente apta para pôr em evidência programaticamente alguns aspetos fundame ntais do seu mistério. Ao ver a Igreja, antes de mais, co mo povo de Deus, o Vaticano II convida a que olhemos, em primeiro lug ar, para o qu e é comum a t od os os crent es e valori za assim d eci sivame nte o dom e a vocação funda mentais que a chamada de Deus a ser cristão em Igrej a representa. A pertença comum ao mesmo Povo de Deus é o elemento basilar do fiel cristão, daí resultando uma igu aldade fund am en t ai de todos os cren tes, na diversid ade de dons, serviço s e ministér ios. Nessa convocação pessoal de Deus dentro de uma com unidade crente radica que cada um sej a chamado (como dom e como dever) a ser "sujeito ativo" da sua f é, num a histó ria únic a, irrepet ível, de vida. Compreende-se, por isso, que a visão da Igrej a como povo de Deus tenha sido eleme nto cata lisado r do proces so de renovação eclesial na sequênc ia do Concílio (pense -se, por exemplo, na revalor ização do laicado ou no dese nvolviment o das form as de co rres ponsab ilidade eclesial).
~ certo que, na receção do Vat ica no II, esta f igura da Igreja foi objeto també m de alguns equ ívocos: por vezes, opôs -se os leigos - superfi cialme nte ident ificados sem mais com o "povo de Deus" - à hierarquia (como se os min ist ros ordenados não fossem, ante s de mais e sempre, também mem bros do único povo de Deus); mais grave ainda , foi a tend ência, nalguns setores ecles iais e âmbitos geográficos, a olhar para a noção de "povo" (de Deus) numa linha marcadam ente sociológ ica e ideo lógica, com tra ços de pensamento marxist a, ent ão (anos sete nta) ainda com significativa influência planetária.
Perante ess es riscos, sur gira m alg uma s res ervas f ace ao uso pr eponder ante da no ção de " povo de Deus ", aplicada à Igreja. Isso explica que o Sínodo Extraordinár io dos Bispos, realizado em 1985 para avaliar e fomentar o acolhimento do Conc ilio, ten ha optado por fazer a receçã o da doutrina eclesiológica conciliar através do uso preferencial da linguagem da Igreja como " misté rio d e comunhão", deixando novamente, de cert a forma, na penumb ra a noção de povo de Deus. Todavia, a conceção da Igrej a com o mi stério de comunhão, por mais cen t ral qu e sej a, correria o ri sco de se tornar um a visão ab strata-idealista , não adequadame nte traduzida em pressuposto s, est ruturas e prát icas ecles iais co rres pondentes, se não t ivesse co mo uma das suas referências fundamenta is a noção de povo de Deus e tudo o qu e ela implica. ~ verdade que a ideia de povo de Deus, pert encendo a um enquadrame nto espec ifica mente teológico, não se pode associar, imed iatamente e sem sentido cr ítico, às modern as conceções soc iopol íti cas cent radas no conce ito de "povo". Sem dúvida, a Igreja como " povo de Deus " não é lugar da "sobera nia do povo" (de mocracia co mo forma de organização política da sociedade e do Estado). Mas a Igreja não é t amb ém um a "monarquia" ou uma "aristocrac ia": antes , deve co nc ret izar a sua vida int erna co mo "es paço de comunhão" em mod os de agir e est rut uras de f raternidade, liberdade, particip ação, diálogo (o que, na linguagem e na expe riênci a atua is, sugere aspetos humanam ente relevantes da de moc racia como "for ma de vida"). ~ assim fu ndament al reconh ecer que, apes ar de tod os os equívoc os e riscos sempre pos síveis, a noção de povo de Deu s, pel a sua fundam entação t eológica e pela sua rel evân cia prática pastoral, po ssu i valid ad e permanente e não pod e ser ignorad a na sua forç a fund am ent al de impuls o de f ide lidade evangé lica e d e renovaç ão eclesial. Sem a sensi bili-
dade cons tante a esta imagem central e aos indicat ivos nela contidos a Igreja perderia um elemento referenc ial extremamente impo rtante como lembrança das suas raízes, do seu cam inhar na história, da sua indispensável inserção nas realidades concretas deste mundo. " Povo de Deus" sugere e exige t odo um programa de v ida e de estruturação da Igreja em que o sen tido da própr ia vocação, a corresponsabilidade at iva, a d imen são comunitária têm de marcar a consciência dos crentes e o ritmo dos processos ec lesiais.
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No conjunto dos escri tos do Novo Testamento, a relação da Igreja, de cada um dos cristãos, a Jesus é expressa sobretudo, em duas grandes figuras: a Igreja como comu nidade de discípulos que são chamados a seguir Jesus; a Igreja como Corpo de Cristo no mundo pela ligação profunda e vital dos cristãos a Jesus Cristo .
.2 1. Comunidade de discípulo no seguimento d Jesus Cons iderar a Igreja como a comunidade dos discípu los cha mados a seguir Jesus é a v isão decisiva qu e ressa lta dos quat ro Evangelhos. Como é conhec ido, os Evangelhos fo ram esc ritos não com o objetivo de uma me ra reconstrução histórica dos acontecimentos relac ionados com Jesus, mas são sobretudo releituras da vida de Jesus feitas depois da Páscoa com a fi nalidade de testemunhar o significado único da pessoa de Jesus, sua vida e me nsagem para os cren tes. Desse modo diz-se aos primeiros cristãos quem eles verdadeiramente são: d isc ípu los de Jesus. A realidade da Igreja consiste , antes de ma is e sempre, em ser a comunidade dos d iscípulos de Jesus. Compreende -se assim tam bém que , nos tex tos evangél icos, seja dado relevo a situações que pertencem ao esse ncial do ser cristão e que aparecem já de certa forma antec ipadas ou desenhadas na relação de Jesus com os seus pr imeiros disc ípulos. Desde logo, a chamada e a vocação dos di scípulos está inti mam ent e li gada com a chamada à fé e ao seguimento de Jesus que são agora pedidos aos crentes. O ensino feito aos discípu los deixa transparecer, em muitas situações , que os verdadeiros destinatários das palavras de Jesus são os pr imei ros cristãos, que olha m j á para Jes us e vivem a sua experiênc ia crente à luz do misté rio pasca l (cf., por exemp lo, a explicação da parábo la do semeador - Mc 4,13-20). As disputas de que os Evangelhos nos dão conta revelam f requentemente mu ito mais as dúvidas e discussões das pri meiras com unidades pós-pascais do que conflitos reais no tempo histórico de Jesus (por exemplo, a questão do imposto a César). No envio dos discípulos associa -se provavelmente a situa ção histórica do tempo de Jesus com as circu nstânc ias da missão nos inícios da Igrej a. Nos Evangelhos, sobretudo em Marcos, sa lienta - se em particu lar que o seguimento de Jesu s, acompanhado por persegu ições, event ualment e até à mo rte (cf. Mc 8,34-38; Mt 16,24-28; Lc 9,23-27; Jo 12,25), é um motivo fundamental de t od o o verdadeiro discipu lado. A existência cristã emerge, assim, globalmente como seguimento, como cam inho de busca de fidel idade ao que Jesus ensinou, ao modo como viveu e às razões fundamentais que conduziram à sua morte, modulada por cada evangel ista dentro do contexto espec ífico do seu texto. Em Marcos , por exemplo, a chamada e o seguimento dos discípulos são apresentados de forma exemp lar a toda a comunidade para que o seu caminho de vida cr istã siga passos seme lhantes (cf. Mc 1,16-20). Em Mateus, a Igreja aparece como discipulado de Jesus num hor izonte universal, aberta a todos os homens , constituída pelo bat ismo e pelo ensino dos apóstolos com base no mandato do Ressuscitado (Mt 28,16-20). Na sua ident idade mais profunda a Igreja é, para Mateus, uma comun idade na qual há certamente disputas e rivalidades, mas em que a verdadeira grandeza, cruzando todas as estruturas de autoridade hierárqu ica, é o estar ao serviço dos outros (Mt 20,26 s.), é a vivência da fraternidade: "irmãos" são os discípu los em razão da sua comum relação com Jesus (Mt 23,8-12). Nos escritos l ucanos (Evangelho e Atos) pretende-se apresentar o lugar da Igreja no quadro da históri a da salvação e sub linham -se as tare fas que ela tem a cumprir, segundo a vontade salvífica de Deus, neste tem po intermédio que vai da obra histórica de Jes us à parusia (fim dos tempos). Como j á se apontou, Lucas reconhece o tempo da Igreja - desde a ascensão de Jesus até à parusia - como o tempo da atuação eficaz do Espírito. Finalmente, também para o Evangelho de João, a Igrej a é a comun idade dos discípulos de Jesus, o Revelador divino. Há uma unidade profunda entre Jesus Cristo e a comunidade
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crente, uma unidade assente numa relação muito íntima e profunda com Jesus, o fundamento do seu viver (cf. a parábola do bom pastor em Jo 10,1 -30 ou a alegoria da videira em Jo 15,1-8). Em síntese: à luz dos Evangelhos , se r crist ão é procurar seguir a Jesu s nas po ssi bilidades reai s e nas círcun st ânci as próprias de cada história de vida. A abert ura aos apelos de Deus no conc reto histó rico, a fid elidade à própri a consciê ncia, os critér ios das bem-aventu ranças, a disponib ilidade para aceitar o mistério da cruz como dinami smo existe ncial de vida cristã , eis alguns dos indicat ivos que não pode m deixar de delinear os caminhos da existên cia cristã, qualquer que seja a modalidade de vida em que ela se conc ret ize.
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Perspet lva parenéti ca Parenética ou oratória sacra, designa o ato de tornar a
mensagem da salvação compreensfvel e eficaz. Veiculada pela pregação religiosa (meio de comunicação de massas) . socorre-s e da retór ica para exortar/ mover e deleitar pela
palavra, envolvendo os ouvintes. A linguagem parenética socorre-se da vivacidade da imagem e da exemplaridade do que se deve imitar. S. Paulo, o "Apóstolo" da Palavra", é disso um exemplo: serviu- se frequentemente da linguagem parenétlca como caminho para o 'aprofund amento da fé , designadamente através da imagem da Igreja como corpo de Cristo. As cartas de Paulo não foram enviadas para ser lidas em particular, por uma pessoa, mas para serem lidas e explicadas numa comunidade reunida para escuta- Ias. Nelas, o acontecimento unitário da morte e ressurreição de Cristo representa o fundamento de toda a eclesiologia. Ao fazer a difusão da Palavra de Deus pe lo imenso corpo da Igreja, Paulo exorta os fiéis a renove rem-se no Espirita, a deixarem o Homem velho para revestirem-se do Homem novo e a fortalecer na fé os que vivem desanimados. Usando a totalidade dos sentidos a perspeUva paren étlca faz uma interpelação constante à conversão do coração e a viver de acordo com a condição própria dos cristãos: de filhos da luz, redimidos por Cristo e ama dos pelo Pai. .
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A apresentação da Igreja como Corpo de Cristo enraíza-se na teologia pauli na, const ituindo mesmo uma nota característica da linguagem de Paulo sobre a Igreja. Enquanto em 1 Cor 12,12-30 e Rm 12,3- 8 ressalta o uso da imagem com uma intencionalidade parenéti ca (de exortação), em 1 Cor 6,1 2-20 e 1 Cor 10,16 s. sobres sai o nexo sac ramenta l (eucar íst ico) desta imagem. A expressão "Corpo de Cristo", literalmente em si mesma, só nos aparece uma vez: em 1 Cor 12,27 ["Vós sois o corpo de Cristo e cada um, pelo suo porte, é um membro"]. De resto, fala-se sobretudo de um "corpo " ou de um "corpo em Cristo". Na per spetiva parenética, de exortação a um modo de agir cooperante e abert o às necessidades de toda a com unidade, Paulo utili za uma Imagem usual na antig uidade, que via a organização do Est ado e da sociedade como um organismo , co mo um corpo que tem muitos membros. No próprio sent ido da imagem, mas agora em termo s eclesiais, sublinha-se assim a mútua interdep end ência que existe entre uns e outros na diversi dade de servi ços e funções, bem como a necessidade de cooperação e de integração de todos os membros numa acao unitá ria co mum.
Mas é evidente também que a expressão tem, inequivocamente, em Paulo (nas Cartas autent icamente paulinas) um sentido teológico mais profundo (cf. particularmente 1 Cor 12,12; Rm 12,4 s.). Paulo parte da convicção de que o corpo de Cristo cons t ituído pela Igrej a não é outr o senão o co rpo do Senhor crucificado e ressuscitado. Isto é , a palavra "corpo" é utili zad a em relação a
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Cristo não num mero sentido metafórico, mas de forma bem realist a, ou seja, como a corporeidade do Cruc ificado e Ressu scitado qu e se manifesta na Igreja , que é assim visibilidade hi stórica d e Jesus Cri sto. A inserção neste corpo acontece de modo sacramental, ou seja, pelo bat ismo e pela eucaristi a (cf. Rm 6,3-6 ; 1 Cor 12,13; 10,16). Assim , a Igreja pode ser vista como expressão visível do co rpo crucificado e ressusc itado de Jes us em tod a a sua amplitude co munitária, ou seja, a Igreja -corpo de Cristo é o ãmbit o exi stencial de vida no qu al se manifesta e torna eficaz o acontecimento da cru z e da res surreição de Jesus Cristo. Nesta maneira de pensar ultrapassa-se, pois, o nível da simples co mparação, para se at ingir uma compreensão mais profun da da relação Cristo- Igreja, tal como Paulo a pretenderá sugerir. Na visão do apóst olo, est abelece-se ent re Cristo e os cristãos uma união ínt ima, espiritual, ontológica (const itutiva do ser cr ist ão), e não simplesmente uma relaçã o j urídica, social ou moral". Ou seja: o Senhor Ressuscitado aparece como o fundamento pessoal da vida e da unidade ec lesial, a realidade originá ria que nos é dada previamente, suporta e dá vida à exis tência cristã . Não são os crentes qu e, pela sua associação, co nstituem a Igreja, mas é o corp o de Cristo preexist ente em relação aos 10 Cf. J . RIGAL, Le rnys tere de I't glise. Fonde me nts seus membros que cria espaço para uma tal realidade e unidade. Os théologlques et perspect ives past oro/es. Pari s 1992, p. 158. cristãos são, a part ir de Cristo, um corpo: [Textos Complementares 7 e 81
"O enraizamento cristológico deste modelo eclesiológico permite com preender - escreve J. Gnilka - a comunidade como algo que é dado de antemão, como algo grat uito. Se há comunidade, isso não se baseia em at ividades humanas, mas acontece sim porque Cristo acolheu seres humanos em comunhão consigo - no seu corpo". J. GNIU<A, Paulus von Torsus. Ap ost ei und Zeuge , Freiburg ln Breisgau 199 7. p. 272.
Text o Comp lementar 7 "A comparação da Igrej a com um corpo lança uma luz parti cular sobre a ligação ínti ma existe nte ent re a Igrej a e Cristo. Ela não está somente reunida à volta d'Ele: está unifi cada n'Ele, no seu Corpo. Na Igreja, Corpo de Cristo, são de salientar mais especificamente t rês aspetos: a unidade de t odos os membro s entre si, pela união a Cristo: Crist o, Cabeça do Corpo; a Igreja, Esposa de Cristo". Cate cis mo da Igreja Cat ólica, 789 ; cf. par a todo este t ema
787 ~796.
Text o Complement ar 8 "A unidade de Cristo e da Igreja, Cabeça e membros do Corp o, implica t ambém a distinção ent re ambos, numa relação pessoa l. Este aspeta é, muitas vezes, expresso pela imagem do esposo e da esposa. O t ema de Cristo Esposo da Igreja foi preparado pelos profetas e anunciado por João Bapt ist a. O próprio Senhor Se designou como «o Esposo» (Mc 2,19). E o Apóstol o apresenta a Igreja e cada f iel, mem bro do seu Corpo, como uma esposa «desposada» com Cristo Senhor, para formar com Ele um só Espírito. Ela é a Esposa imac ulada do Cordeiro imaculado que Cristo amou, pela qual Se entregou «para a sant ificar» (Ef 5,26), que associou a Si por uma aliança eterna, e à qual não cessa de presta r cuidados como ao Seu próprio Corpo". Cat ecismo da Igrej a Cat ólica, 796.
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Na sua identidade mais profunda de comu nidade no seguimento de Jesus e de test emunha da sua mensagem de salvação, a Igreja é constituída verdadeirame nte pelo envio do Espírito, que é o seu princípio de vida. É no Espírito - como já se sublinhou - que acont ece a relação crente a Jes us Cristo (cf. 1 Cor 12,3; Ef 2,8), é Ele que torna possível a perceção crente do acontecimento Jesus: "E paro que sem cessar nos renovemos n'Ele Icf. Ef 4,23), deu-nos do seu Espírito, o qual, sendo um e o mesmo na cabeça e nos membros, unifica e move o corpo inteiro, a ponto de os Santos Padres comparorem a suo ação à que o princípio vital, ou olmo, desempenha no corpo humano" (LG, no 7). O Espír it o Santo é, ass im, o princípio animador da vida da Igreja, é condiç ão fund am ental e fonte permanente da existência crente e da vida eclesial em todos os seus asp etos. Nada de eclesiologicamente relevante pode ser pensado sem essa referência estrutural ao Espírito Santo (ao dom de Deus que vem ao nosso encontro e nos salva em cada tempo e lugar).
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Desde logo e basicam ente, a existência "em Cristo" é acontecimento no Espírit o, qu e é concedi do a cada um dos membros da comunidade cr ente, capacit ando -nos para sermos "fil hos no Filho" (cf. Rm 8,14-17; cf. ainda 1 Cor 3,16; 6,19; 2 Cor 3,6; GI 5,25; 1 Cor 12,13; At 2,3 e 33-39). Sob a ação do Espírito, o Senhor Ressusc itado ganha corpo , ganha expressão histórica na comunidade dos que o procu ram seguir. O Espírito Santo emerge , assim, como "graça" que possibil ita a fé com um, como o dom e a for ça de Deus que dá identidade à existência cristã pela f idelidade a Jesus (cf. LG, no 14). [Texto Complementar 9]
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No caminho da existê ncia crente, o Espírito Santo é a força que dá eficácia aos sinais cristãos. É graças à ação do Espírito Santo que, na liturgia da Igreja e em part icular nas ações sacramentais, se cumpre o que a Palavra anuncia. Todos os sacramentos são, assim, "sacramentos do Espírito Santo", o amor de Deus personificado que se dá para nos pôr em comunhão com a vida divina trinitária. Na perspet iva da vida com unit ár ia, o Espírit o Santo é o princípio estruturador da comunidade eclesial enq uanto origem e fon te dos car ismas e minist érios. A ação do Espírito faz- se parti cularmente notar nos car ismas que são dados para o serviço e a construção da com unidade . É o Espírito Santo ainda que, obviamente atra vés de mediações humanas, garante a fideli dade à verdade da fé e a perman ência nela (cf 1 Cor 12,3; Jo 14,16 s.; 14,26; 16,13 s.; 1 Jo 2,2027; cf. ainda Jo 3,5; 1 Jo 5,5-8). Certame nte , o Espírito Santo não é portador de uma nova revelação independente do Verbo de Deus enca rnado, mas só Ele possibilita o aprofundamento, a plena compreensão, a assimi lação existencial f iel e mais autê ntica do signif icado do acon teci mento Jesus na diversidade de t empos e de esp aços , ao longo da histó ria.
O Espírito Santo é, por isso mesmo e enf im, fonte de comunhão, criador da unidad e na diver sidade. A ação do Espírito na vida da Igreja manifesta -se basicame nte como uma exper iênc ia de comunhão, como par tici pação na próp ria comunh ão que Deus é no seu Mistério trinitá rio e como nova relação de comun icação e amor mútuos ent re os crentes (cf. Rm 8,1 4-17; Ef 4,4-6). Mas o Espírito Santo une diversif icando , fazendo ressalta r a identidade e a vocação próprias de cada um.
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Texto Comple mentar 9
"A garantia decisiva de que a Igrej a primitiva, na atualização crente da mensagem de Jesus após a sua morte, não se desviou das suas intenções fund amenta is permanece no Espírito Santo. Por ele acred itamo s nós que ele é o mesmo em Cristo e nos crist ãos e que, por isso, ele os capacita para anunciarem sempre de novo em liberdade e, ao mesmo t empo, em fidelidade a mensagem de Jesus do Reino de Deus e a corporificá-Ia também em novas formas estr uturais comunitárias. Onde falta esta confiança bósica no agir histórico e presente do Espírito Santo, em última análise a pessoa torna-se dependente de hipóteses que surgem sempre de novo acerca do 'autênt ico' Jesus hist órico ou acerca da 'verdadeira' Igreja primitiva". M. KEHL, Die Kirche. fino katholische Ekklesiologie, Würzburg 211993, p. 279; tra dução e m língua espanhola: Lo Iglesia. Eclesiologia católico, Sala manca 1996, p. 254.
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A co nsc iência desta presença e açào do Espírito na vida da Igreja ao longo da históri a tornou-se de novo mais viva nas últi mas décadas. I: um fruto do processo de receção do Concílio, ainda que estimulado pela própria experiência e vida práti ca dos cristãos (por exemplo, nas expressões de "renovamento carismático"). Esta nova consciência do lugar do Espírito Santo na experiência pessoal de fé e na vivência da comunidade eclesial conv ida, antes de mais, a superar um cer to "c rist omonismo" que te m afetado a tr adição teológica e a prática eclesial ocident ais. Basicamente, o "cristornonisrno" consiste em ver de forma unilateral a Igreja em relação com o mistério da encarnação, de algum modo como seu prolongament o, sem inse rir plenamente a dimensão pneumatológica (ess a pr esenç a viva do Espírit o Sant o) na compreensão da Igrej a, com t odas as cons equênci as que daí res ulta m t anto em te rmos te órico s como prá t icos. Uma delas - como já se sugeriu - conduziu a que se acentua sse de forma unilateral os aspetos inst it ucionais da Igreja e, ao mesmo temp o, o lugar excessivamente preponderante do ministério ordenad o como elemento essencial da instit uição eclesial. Escreve H. J. Pottmeyer:
"Cristo monist a - pode ser chamada a eclesiologia por causa da sua fundamentaçã o e vrsao unilateralmente cristo lógicas da Igrej a. O Espírito Santo at ua sobretudo pela via hierárquica e na o bediência dos fiéis relativamente à hierarquia. O papa é o representante de Cristo, a cabeça visível da Igrej a. Da visão crist omonist a decorre uma quínt upla ord em de prioridade: a prioridade da Igreja universal sobre a Igreja local, do ministro sobre a comunidade, da est rutura monárquica sobre a colegial, do ministério sobre os carismas e, finalment e, da unidade sobre a diversidade. A isso corresponde um a comunicação de sentido único de cima para baixo". H. J. POTTMEYER, Die Rolle des Popsttums ím dritten Jahrtausend, Freiburg-Basel-wien 1999, p. 121.
Como correção das unilateralidades dessa visão. to rna-se necessá rio ter sempre presente que a Igrej a encont ra a sua origem fundante em Jesus Cristo, mas só existe como rea li zaçã o histórica na f orça do seu Espírit o. que é ta mbém o Espírit o do Pai. Por isso mesmo, se a Igreja está conc reta e irrevogavelmente ligada à sua origem no aconteci mento Jesus, só pode ser f iel na força e na liberdade da acão do Espírito que a capacita para uma atualização histórica cr iativa em fidelidade ao Evangelho. Tudo o que a Igreja transporta con sigo - palavra, sinais, estrutu ras, institu ições ... - só enco ntra o seu sentid o na medida em que é presença atu alizadora efi caz e form a de existênc ia histó rica crível do Espírito de Jesus Cristo. A Igreja é construção de Deus pelo seu Espírito, é criação do Espírito (cf. LG 4 e 6). Há uma anterioridade e prioridade da ação do Espírito na vida da Igreja que deve ser reconhecida como um elemento f undamentai da consciência cristã e da prática eclesial. Para a existê ncia crente indi viduai e co munitá ria decorre daqui uma sensibil idade esp iritua l aberta à dimensão cr iativa, inova dora, da vi da quotidiana da Igreja , nas suas diversas expressões. Na Igrej a há necessariamente lugar para a liberdade cr iativa, tra duzindo a indispe nsável fid elidade ao Evangelho na busca de respostas mais adequadas confor me os lugares. as épocas e as cu ltu ras. Ver a Igrej a como "criação do Espírito" é, pois, uma atitude fundame ntal para se compreender e aprofundar a vida da Igreja na sua const ant e necessidade de renovação e na sua busca de resposta aos " sinais dos tempos" . De cert a forma, a Igreja nunca est á totalmente feita , está a fazer-se num caminho que só termina no fim da história. Obviamente, não se trata nunca de "inventar" a Igreja - há valores evangélicos, princípios, est ruturas, orientações fund amenta is de que não se pode abdicar - , mas t em de haver capacidade criativa para se pod er responder de modo mais autêntico aos desafios de cada situação e às int erpelações das pessoas em cada época. Trata -se de inovar na fidelidade ao único e mesmo Evangelho, e isso tanto no que respeita à linguagem da fé como às est rut uras eclesiais, tanto no que se refere às form as de test emunho co mo às estruturas de ordem pastora l. A abertura à nov idade cr iat iva é, ass im, con dição de fidelidade.
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Convocada por Deus em Jesus Cristo e na força do seu Espírito para ser seu Povo - isto é, para ser comu nid ade de f é, de esperança e de amor peregrinando na história ao se rviço do Reino de Deus e a caminho da sua rea lização definitiva - , a Igreja é chamada a viver esse dom e essa responsa bilidade em todos os seus membros e em todas as sit uações humanas (cf. Ef. 4,7, FI 4,3; Rm 16,3 ss, 1 Cor 12,4-3 1). Toda a Igreja é chamada a acolher e a anunciar - pela palavra e pela vida, nas pessoas e nas comunidades - o amor salvador de Deus como esperança e sentido definit ivo de vida para os seres humanos e para a humanidade no seu co nj unto. Quando se fa la de Igreja, a comunidade fraterna dos cr entes na sua total idade ocupa, ass im, o pr imeiro p lano. Todos os membro s da Igreja - configurados a Cristo pelo dom do seu Espírito no bat ismo e no crisma (a raiz do sacerdócio comum de to do o cristão) são co nvocados para serem, por sua vez e em atitud e de fidelidade, "suj eitos" at ivos da sua f é: no processo de maturação da fé como projeto pessoal de vida, na co nsciê ncia da sua dignidade e autonomia próprias, na af irmação da liberdade cristã . Esta visão da Igreja co mo t oda uma comunidade que acolhe e pro clama os don s de Deus para salv ação do mundo pressupõe o reconheciment o basilar de que há - co mo já se referiu - uma igualdade fundamenta l de todos os crentes, não obstante a diversidade dos cari smas, serviços e ministérios nela existentes (cf. LG 42). O dom e a ta refa que represent am a chamada e a pertença a este Povo de Deus dizem respeito a todos, e nenhum cristão - semp re pressuposto um adequado cresc imento e amadureciment o da sua fé em liberdade e responsabilidade pessoais - pode considerar-s e menos abrangido por esta co nvocação pessoal de graça ou eximir-se a esta responsabilidade indeclinável. Há, pois, uma corresponsabilidade que interpela cada cr istão e que se te m de expressar numa partic ipação ativa, consciente e cri ativa em todos os domínios da v ida e missão ec lesiai s: no anúncio e testemunho do Evangelho, na celebração comunitá ria da fé, na cons trução da vida comunitária, no serviço co mum aos out ros, no esforço quotidiano no sentido de t ransfor mar o mundo à luz do Evangelho. A vocação de todos os bat izados - part icipação no sac erdócio comum dos fiéis - concreti za-se, explicit a-s e, ant es de mais e globalmente, em três grandes modalidades de vida que sinalizam dimensões nucleares da identi dade e missão da Igreja. São vocações que podemos designar de "típicas" porque, constituindo a base das concret izações individuais em cada história pessoal de vida, t raduzem dim ensões essenciais da ident idade e missão da Igr eja, Trata-se da situação laical, do min istério ordenado e da vida consagrada (tr adicionalmente designadas como "estados de vida").
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Cada uma destas modalidades de vida tem, de facto, um signif icado teol ógico em relação com a ident idade e missão da Igreja, diz algo sobre o que a Igreja é e é chamada a viver. Assim, o ministério ordenado, na co ntinuidade do ministério apostólico, exprime inst itu cional e existen cialmente a memória fundante da Igreja como dom salvador de Deus à humanidade , ou seja, lembra donde o Igreja vem ("ministé rio da memória"). Por sua vez, a vida con sagrada põe em relevo a dim ensão escatológica da exi stência cri stã e da vida ecl esial: sinaliza para onde a Igreja voi, lembrando que está a caminho da ete rnidade. Por seu turno, a modalidade de vida laical (vivida pela esmagadora maioria dos crist ãos) diz e procura concretizar o que a Igrej a é chamada a ser e a fazer neste mundo, ou seja , lembra a toda a Igrej a onde ela está (tem de estar) e que ela existe para a libertação, a salvação deste mundo. Não se t rat a aqu i, obviamen te , de uma divisão de funções em jeito de compartimentos estanques, mas sim de tendências ou moda lidades vocac ionais básicas de vida cristã co m específico sent ido teológico -ec lesial (expressões de uma realização vocacional significa tiva para a Igreja e para o mundo). Na vocação cristã de cada pessoa em co ncreto pode m cruzar- se duas ou até as três te ndências dom inantes referidas. Por outro lado, o signifi cado teológico- eclesial destas modalidades, dentro da globalidade da vocação e missão de t odo o Povo de Deus, exige que não se atribu a a nenhuma delas uma prima zia absoluta, antes se reconheça que cada uma, sob determinado ponto de vist a (a sua razão de ser eclesial), te m p rioridad e sobre
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as out ras. Se cabe ao ministério ordenado a prioridade em termos de anúnci o do Evangelho com autor idade, se os co nsagrad os são testemunhas qualif icadas da esperança escatológica pela vivência radical dos co nselhos evangélicos, os fiéis leigos são os primeiros agentes e teste munhas do signific ado co ncreto do Evangelho para a vida da sociedade e sua co nf iguração est ruturai mais confo rme ao plano de Deus para a humanidad e. [Texto Comp lementa r 10]. A esta luz percebe-se melhor o sentido positivo da ident idade laical, o signifi cado indispensável que tem para a missão da Igreja a vida do fi el cristão leigo, afin al a situação mais comum do ser crist ão. Enraizada no bat ismo e na confi rmação como expressõ es sacram entais do dom que é a fé, da chamada a ser membro ativo do Povo de Deus, dos dons que o Espírito concede para o serviço dos outro s, a vocaç ão e missão dos f iéis leigos entende-se, antes de mais, como expressã o e mo do de rea lização da única voc ação e missão da Igreja: serem testemunhas do Deus vi vo, seguindo a Jesus nas possibilidades reais e nas circunstãnc ias pró prias de cada história de vida. O cristã o (neste caso , o fiel leigo) sabe-se participante da mesma missão de Jesus de testem unhar Deus pela paiavra e pela vida (missão profét ica - cf. LG , nO' 12 e 35), de fazer de toda a sua existê ncia espaço disponível para Deus e para os homen s (missão sacerdotal - cf. LG, no 10), de agir quot idianament e a favor de condições de vida e estru tu ras mais correspondentes ao plano de Deus e, assim, mais humanas (missão real ou servicial - cf. LG, no36). Na conc retização dest a voc ação e missão , a existência laical caracteriza-se normalment e pelo empenhamento direto, imediato e envo lvente de toda a sua existência nas tarefas quo tidianas da con strução do mundo (cf. LG, no 31 ; ChL, nO' 15-17). A especificidade secu lar dos cristãos leigos co nsiste preci sament e em ser testemunha mais direta e inst rumento mais apto ao serviço da humanização deste mund o na força e à luz da salvação oferec ida por Deus. Nesta perspet iva - que não indica algo de absolutamente exclusivo (os ministros orde nados e os consagrados tam bém vivem no mund o e têm signif icado para a salvação deste mundo) - o cr istão leigo é, na sua forma mais co mum de existên cia, o "caso t ípico", a "s ituação-mode lo" da concreta inserção da Igrej a no mu ndo, do anúncio do Evangelho co mo fo rça transformadora nas diversas sit uações reais do viver humano. Nesse sent ido, a ident idade laical t raz co nsigo a exigência funda mental de os fiéis leigos ent enderem e realizarem a sua vocação como os pr ime iros evange lizado res , os t ransmissores e trad utores mais imediatos do Evangelho na sua relevância para a vida do mundo .
ministérios
Tendo em conta a reflexão feita sobre as moda lidad es bás icas de existê ncia crente, import a explicita r um pou co mais o sent ido pessoal e ecles ial das realizações vocac iona is conc retas. O Espírito Santo , que torn a possível a fé e a amadurece em f rutos de existência cristã, é dado a todos os crentes, na plurifor midade e riqueza de inúmeros dons, vocações , exper iênc ias, tes temu nhos, conc retizações em histórias singulares de vida. A existê ncia cristã como tal não se entende sem a capacitação e a configuração que lhe é dada pela graça de Deus, o mesmo é dizer, pela acão do Espírito. Cada cristão é, de fact o, capacitado com carismas (chorismo , de choris - graça), ou seja, com dons através do s quais se manifesta, mod aliza, concreti za em cada um a gr aça de Deus. Esses do ns - em co rres pondência a aptidões f undame ntais da pessoa, nas circunstâ ncias con cretas da sua vida e em resposta a necess idades da comun idade cr istâ e do mundo - individuam e espec ificam o modo de existência cr istã na Igreja e a fo rma concreta de o cristão servir o Reino de Deus nas dive rsas sit uações do mundo. [Tex to Co mp leme ntar 11]. Os carismas não devem ser entend idos, pois, co mo algo "extraordinário" (embora possa haver e haja carismas extraordiná rios), mas t rata-se de uma realidade "ord iná ria"- cf. Rm 12, 3-21 - , não reservada a um det erm inado círculo de pessoas: a sua explicitação e o seu reco nhecimento t êm a ver com a fid elidade crent e, o desenvolvimento da mat uridade humana , os processos de mat uridade cristã, a fo rma co mo a realidade eclesia l se configura. Os cari smas manifestam-se numa grande diversidade (no âmbito do anúncio, da celebração, do serv iço, da condução da co munidade), pelo que a pluralidade de car ismas e suas expressões é um indicat ivo da riqueza e vit alidade da realidade eclesia l. Est a dimensão carismática, que diz respeito a todos os membros do Povo de Deus enquanto crentes, é o elemento determinante e especificador da vocação e mi ssão de cada crist ão nas suas múltiplas realizações, como é igualmente a base es truturant e do s di versos serviços e ministérios existentes na Igreja, sejam eles ministérios bat ismais ou laicais - neste mo mento, como minist érios laicais inst it uídos a nível da Igreja universal, só existe m os ministé rios de leitor e acó lito - ou o ministér io ordenado na continuidade do ministério apostól ico (bispo, presbítero e diácono). No ca so dos minist érios estamos perante carismas in stitucionalizado s. De fact o, alguns dos serviços necessár ios na vida da comun idade ecles ial foram , no passado, e podem vir a ser ainda mais no fut uro reconhec idos como "mi nist érios" (como dete rmina dos ser viços ou ta refas qualif ica dos e inst itucionalizados). Fala- se de um "ministério" qu ando, no reconhecimento da exis tência de dons do Espírit o (fala-se norma lme nte da presença de uma "vocação"), esta mos diante de um serviço bem determ inado, exercido no âmb ito de um a tarefa nec essária e de importância vital para a com unidade cristã (por exemp lo, anúncio do Evangelho, celebração da fé ou serviço fraterno), taref a que uma pessoa é chama da a exercer em responsabilidad e pró pria consc ientemente assum ida du rant e um período de tempo razo ável (ou mesm o po r toda a vida). Mas, para que estej amos perante um "ministério", é f undament al que haja a chamada e o reconhecimento público por par t e da Igreja , um recon hecimento que pode t er densidade e expressões dife rentes (isso acontece dentro de uma celeb ração lit úrgica; no caso do ministério ordenado, o ministé rio é conferido por um sacramento, o sacramento da ordem) . Os min isté rios - ta nto o ministério ordenado como os minist érios batisma is ou laic ais - existem par a sinalizar inst it ucionalment e e reali zar mai s ef ic azme nte algo de fundamental para a vida e mi ssão da Igreja . Na vida da co mun idade existem inúmeras tarefas a realizar e vários ser viços que é necessário presta r. Em cor respond ência a ca rismas recebidos, o cris tão é chamado a estar dispon ível para prestar serviços de que a vida e missão da Igreja precisam. Mas só alguns desses serv iços - por aquilo que sinalizam, pela import ância da ta refa que ped em, pela dimensão públ ica que envolvem - é que devem ser reco nhec idos e inst itu ídos como ministérios.
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De qualquer modo, não obsta nte o lugar singular, est rut ural, do ministério ordenado na Igrej a, é de enor me importãncia que haja ministérios bati smaisllaicais no âmbito das três funções fundamentais da Igreja (anúncio do Evangelho, celebração da fé, serviço fraterno dentro da Igrej a e no mundo). Os ministérios indica m, sinalizam, coo rdenam, realizam, potenciam o que todos são chamados a fazer na sua situação, ao seu nível, dent ro das suas capac idades, como realização quotidiana da sua vida cristã .
O minist ério ordenado situ a-s e na continu idade d o ministério apostólico que nos surge ínt ima e indissoluvelmente ligado ao acontecimento Jesus, sua vida, mort e e ressurreição, O minist ério apostól ico tem as suas raízes certamen te no tem po histórico de J esus, mas constitu i-se verdadeiramente com o envio dos apóstolos em missão pelo Senhor Ressusc itado e pelo dom do Espírito que os forta lece e torna testemunhas. O anúncio do Evangelho assenta em teste munhas, e esta dimensão não pode terminar com a morte dos primeiros apóstolos: é necess ário que outro s cont inuem esta missão, que haja pessoas que atua lizem a missão apostó lica através dos tempos . Assim, a miss ão de J esus como Cabeça e Pastor da sua Igreja - uma missão e uma auto ridade que, a part ir da sua Páscoa, Ele não exerce mais de maneira imediata e visível - conti nua de forma particular ao lo ngo dos tempos a ser sina lizada e co ncretizada pelo serviço particular de alguns. Este ministério não dispensa a respost a de seguimento e de anúncio do Evangelho por parte de todos os cristã os, mas sit ua- se precisamente em fun ção de que ta l sempre aconteça em co ndições de fide lidade e de autent icidade. O min istério na continu idade do ministério apostó lico é verda deiramente " minist ér io da memória", por isso mesmo elemento est rutu ral irrenunciável da Igreja de Jesus e sinal de uma realidade a atualizar sempre de novo ao longo dos tem pos, Nesta ordem de ideias e antes de mais, o ministério ordenado aparece como sinol instituído da anterioridade e gratuidade do dom da salvação. Nessa sua referê ncia original ao Senhor Ressusci ta do e ao dom do Espírito, o ministério ordenado é chamado a testemunhar a prioridade da in iciativa divina no acont eci ment o da sal vação, é o sinal estru tu ral permanente de que a salvação é dom de Deus e não co nquista humana, é expressão institucio nal da dep endência da Igreja em relação a Jesus Cristo. Ao mesmo tempo, o ministério ordenado entende-se e realiza-se co mo ser viço de mediação em representação de Cristo e em representação da Igreja. Por um lado, co mo ministério na co nt inuidade do ministério apostólico está dotado, ao serv iço da única mediação de Cristo, de uma particular representatividade de Jesus Cristo (representação simbólico-sacramenta l de Jesus Cristo): os bispos, como suces sores dos apósto los em sent ido pleno, e os presbíteros, como coo peradores do ministério episcopal, agem assim, como representan t es do pró prio Cristo em pessoa; através do serviço apostó lico Cristo está presente e exprime-se no anúncio autorizad o do Evangelho, na presidência da celebraç ão da fé, na direc ão da com unhão e no serviço fr aterno. Por out ro lado, enquanto membro da comunid ade eclesial e ao seu serviço, o ministro ordenado é também represent ant e da Igrej a: nele concentra -se de forma mais densa e exp ressiva aquilo que toda a comun id ad e é chamada a ser, a viver e a fa zer (ele preside à eucarist ia, mas é toda a co munidade que celebra). O minis-
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t ério ordena do eme rge, pois, como sinal sacramental daquilo que cabe a tod os os crent es, ou seja, a tarefa de atualizar o serviço salvíf ico de Cristo no co nc reto das circunstâ nc ias históricas d o viver hum ano. Entende-se, então, que o ministério ordenado situa -se "em relação", é de alguma maneira "subordinado": existe ao serviço do sacerdócio de Cristo e ao serviço do sacerdócio comum. Ele é part icipação ao nível sac ramenta l no sace rdóc io de Cristo e, ass im, serviço de m ediação a favor do sace rdóc io comum dos fi éis. Na linha do que se acaba de referir, o ministério ordenado está situa do, simulta neame nte , na comunidade e face à comunidade. Por um lado, em razão da sua origem , que o coloca numa referência pa rt icular a Jesus Cristo , o minist ério ordenado na Igrej a enco ntr a-se foce com unidade : o ministro ordenado não é um mero dele gado da comunidade, mas serviço com auto ridade fundado no próprio acontecimento Je sus em toda s as suas consequências. Mas, por out ro íado, esta posição específ ica do ministér io ordenado não elim ina a sua inserção no co mu nidade , antes a razão de ser do ministério ordenado é o serviço na e para a comunidade. à
Finalme nte, e de certo modo numa síntese de orde m existencial dos aspetos referidos, o minist ério or denado é est rut uralm ent e mar cado po r uma tríplice dimen são: pessoal, comu nitária e colegial. No seu exercíci o est á envolvida de mod o marcan te a dimensão pessoal da existência , estamos diante de um ministér io que é assumido pela pessoa num co mpromisso total da sua vida . Mas no mi nistér io sacerdotal está tamb ém est rut uralme nte implicada uma dime nsão colegial: a pessoa exerce este ministério fa zendo necessariamente parte de um corpo ministerial (o bispo faz par te do co légio episcopal, o presbítero do co légio pres bite ral). Mais ainda, o minist ério ordenado poss ui uma dimensão comunitária essencial para a sua identidade: o múnus do minist ro orde nado está est rut uralme nte inserido na vida da com uni dade, à q ual procu ra serv ir. Os mi nist ros orde nados não podem cumprir a sua vocação e missão independentem ente da comunidade, antes só a podem reali zar nela e para ela.
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A diversid ade de car ismas, serviços e ministérios entende-se e é chamada a praticar-se numa Igreja que procura viver a sua realidade fundamental de comunhão ao serviço da missão. A consciênc ia disto tem de se traduzir num sentido de respon sabilidade comum por parte dos crentes . Isso pede um espírito de corresponsabilidade eclesial a todos os níveis bem como a existência e o bom func ionamento de estruturas que concretizem e fomentem a cor responsa bilidade dos f iéis. Na tarefa de concretiza r esse sentido de responsabilidade comum e de foment ar indi spensáveis formas de partic ipação na vida da Igreja, a via sinodal, quer dizer, a busca de condições, métodos, expressões institucionais, etc., que favoreçam o "caminhar em conjunto" (este o sentido básico da palavra "sínodo") apresenta-se como exigênc ia iniludível e de pr imord ial importância. Trata-se, nomeadamente, de associar e articu lar equil ibradamente a autoridade própria dos pastores e a participaçâo o mais amp la e consciente possível da com unidade no sentido de se fome ntar diversos níveis de participaçâo, de encontrar modos de proceder mais adaptados à sens ibilidade atual e ao sentido da responsabilidade das pessoas. O caminho de renovação da tradição sinodal da Igr eja (part icularme nte, da Igreja antiga) posto em marcha neste aspeto pelo Concílio Vat icano II - e traduzido não só na realização de sínodos de âmb ito universal mas também, num movimento prog ress ivo e variável segundo as regiões , de sínodos diocesanos , regionais ou de um país, com ampla e determ inante partic ipação de cristãos leigos - precisa de ser aprofundado nos seus pressupostos e desenvolvido na sua prática efetiva. Isto vale para todos os níveis em que a Igreja se realiza, desde o âmbito universal ao nível da mais pequena comunidade cristã local (Conselho Pastoral Paroquial e Assembleia Paroquial). Se fo rem concretizadas adequada mente, as estrutu ras sinoda is dão lugar a uma participação representativa dos f iéis, conseguem uma articulação equil ibrada dos diversos serviços e ministérios, favo recem fo rmas de diálogo vivo e fomentam a liberdade de debate, estão abertas à presença de pessoas com sensibi lidades diferentes, amp liam o grupo de pessoas qua lificadas para ana lisar os problemas pendentes, possibilitam ass im uma visão mais profunda das questões em análise , esti mulam uma cultura de cor responsabilidade dos crentes na vida e na missão da Igreja.
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Sinodal idade como esforço de "camin har em conj unto" exprime o modo como a configuração comun iona l da Igreja se tem de realizar na comum escuta do Espírito, no testemunho at ivo da fé, na corresponsab ilidade de todos os membros e comun idades, na articulação dos diversos carismas e ministérios . Importante é perceber que a sinodalidade como at itude espiritual e prática é uma dimensão estrutural da vida duma Igreja que se sabe "mistério de com unhão" , na consciência da pr ioridade da missão, ou seja, na perceção de que a Igreja não vive para si mesma, mas para ser testemunha credível do Evangelho j unto dos homens e mulheres de cada tempo. [Texto Complementar 13]
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Texto Complementa r 10
"Na Igreja-Comunhão os estados de vida encontram-se de tal maneira int erligados que são ordenados uns para os outros. Comum, direi mesmo único, é, sem dúvida, o seu significado profundo: o de constitui r a modalidade segundo a qual se deve vivera igual dignidade cristã e a universal vocação à santidade na per feição do amor. São modalidades, ao mesmo t empo, diferentes e complementares, de modo que cada uma delas tem uma sua fis ionomia original e inconfundível e, simultaneamente, cada uma delas se relaciona com as outras e se põe ao seu serviço. Assim, o estado de vida laical tem na índole secular a sua especificidade e realiza um serviço eclesial ao t est emunhar e ao lembrar, à sua maneira, aos sacerdotes , aos religiosos e às religiosas, o significado que as co isas terrenas e temporais têm no desígnio salvífico de Deus. Por sua vez, o sacerdócio mini sterial representa a garant ia permanente da presença sacramental de Cristo Redentor nos diversos tem pos e lugares. O estado religioso testem unha a índole escatológica da Igreja, isto é, a sua tensão para o Reino de Deus, que é prefigurado e, de certo modo , antecipado e pregustado nos votos de castidade, pobreza e obediência. Todos os estados de vida, ta nto no seu conjunto como cada um deles em relação com os outros, estão ao serviço do cresci mento da Igreja, são modalidades diferentes que profundamente se unem no «misté rio de com unhão» da Igreja e que dinamicamente se coo rdenam na sua única missão". Christjfideles Loici, no 55.
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"Deve-se particularmente a S. Paulo esta conscie ncialização do que significa a ação do Espírito no crente, traduzida como seu efeito em dons que capacitam o cristão para servir a comunidade. De facto, o termo charisma (de charis - graça) é uma criação neotest ament ária, mais concretamente um conceito paulino, que nos aparece 17 vezes no Novo Testamento: 14 na Carta aos Romanos e as três resta ntes em textos de infl uência paulina - 1 Tm 4,14; 2 Tm 1,6; 1 Pe 4,10. Os carisma s são expressão do pode r da graça de Deus no Espírito, que chama alguém para um determ inado serviço na co munidade e, ao mesmo tem po, capac ita a pessoa para esse serviço. Trat a-se de dons diversos que podem ocasio nalmente te r um caráter extraordinário, mas que, mais habitu almente, são dons ordinários, comuns, sendo certo que o dom mais sublime é a caridade (cf. 1 Cor 12,4-11 -28-31; Rm 12,68; Ef 4,11 s.; 1 Cor 1,7; 7,7; 12,7; 13,1 -1 3; 14,1-40; 1 Tm 4,4; 2 Tm 1,6; 1 Pe 4,10). Os carismas emergem, pois , como a manifest ação da plenitude e diversidade do dom do Espírito à comunidade eclesial e da form a como essa ac ão do Espírito se concretiza a favor da sua edificação. «O carisma é um dom de Deus, cor respo ndente a uma apt idão profunda (mesmo desconhecida pelo sujeito), que é posta, deste modo, ao serviço de todos. É o Espírito que é dado e que faz que talou tal cristão ponha em ac ão como dom de Deus e ao serviço de todos, esta ou aquela poss ibilidade, este ou aque le ta lento, esta ou aquela competência»". POR UMA EQUIPA DE TEÓLOGOS, o Reinojó está entre nós , Apelação 2012. 120 - Reedição pela PAULUS Editora de textos publicados inicialmente em 1975; original fra ncês de 1974. Cf. ainda CIC 799-801 .
Texto Complementar 12
Num t exto de 1989, os bispos portugueses esc reveram: "Ent re nós, deveremos dar novos passos na inst it uição dos ministérios de leitor e de acólito, mesmo a candidatos que não se destinam ao presbit erado nem ao diaconado. Será preciso garant ir-lhes uma formação específica e pensar na sua int ervenção pastoral. Trat a-se de dois mini st érios que se inserem em duas coorde nadas decisiva s da nossa ac ão pastoral: a da evangelização e a da ação lit úrgica. Para além destes dois ministérios instituídos, e enquanto não vêm da Santa Sé as novas norma s prometidas, poderemos cultivar alguns serviços permanentes da com unidade, exercidos por leigos e que são, por natureza, f unções laicais, isto é, atribuições que decorrem da própria qualidade batismal. A lguns desses serviços permanentes poderão, um dia, desabrochar em mini st ério s instituídos. É-nos possível ident ificar, desde já , certas áreas onde esses serviços laicais se sit uam: a da catequese, a da pastoral sociocarit at iva, a da música litúrgica, a do acolhimento, a da administração dos bens ecles iást icos. Em toda s estas áreas poderão um dia surgir ministério s laica is instituídos, confirmando num a função aqueles que se preparam para esses serviços perman entes da comun idade e que estão d ispostos a exercê-los de fo rma estáve l e duradoura. É também importante que apareça m algumas dessas f unções permane ntes no âmbito da presença da Igreja no mundo. Áreas como a da assistência aos doentes e marginai s, da informação, compreendid a como um serviço, do ensino, da solidariedade, etc ., são propícia s a fazer surgir fun çõe s eclesiais com id ent idade própria". CO NFER~ NCIA EPISCO PAL PORTUGUESA, Car ta Pas toral "Oscristãos leigos na comunhã o e missã o da Igreja em Portugal".
Edição do Secretariado Geral do Episcopado. Lisboa 1989. 13, p. 18.
Texto Complementar 13
"A est rut ura da Igreja é sinodal, colegial e primacial. Na harmonia e equi líbrio ent re esses níveis e dimensões joga-se em grande medida a articulação que acompanhe a figura de Igreja que há de evangelizar a civilização mundial do te rce iro milénio". E. BUENO DE LA FUENTE, Panorama de la
ecteeioíogio actual, in Burgense 47 (200 7 ) p. 55 .
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Um dos elementos fundamentais da renovação eclesi al posta em relevo pelo Concílio Vaticano II foi a perceção de que a Igreja, peregrina na histó ria, vive inserida nas circun stâncias do mundo, com suas mudanças e evoluções, e assim está sujeita também necessariamente aos condicionamentos, limites e fragilidades do t empo que passa (cf LG, no 48). Nesta nova consciência da historicidade do caminhar na fé e do viver eclesial não se põe minimamente em causa aquilo que identifica a Igreja e é a sua razão de ser. Simples mente, entende- se que, na busca perm anente de fidelidade ao Evangelho, a Igreja tem de estar disponível para analisar e rever o seu viver quotidiano, para ir atualizando as forma s como transmite e testemunha a mensagem evang élica, para depurar as suas expressões inst it ucionais e examinar as suas prioridades pastorais. Ou seja, ao con trário do que se chegou a pensar noutros tempos, em que se tinha por absurda qualquer ideia d e "reforma" da Igreja, há agora a consc iência de que só no reconhecim ento dos seus limites e falhas e num esforço constante de renovação é que a Igreja pode cumprir a sua missão. O testemunho autêntico do Evangelho de Jesus não passa, pois, por uma atit ude f ixista e imóvel, voltada simplesmente para o passado, mas exige a disponibilidade ment al, espiritual e prát ica para uma atitude de "contemporaneidade" com o tempo (J. B. Metz), sem que isso signifique uma simples "adapt ação" ao tempo, isto é, um de ixar-s e levar por correntes e te ndências conju nturais do viver humano na história.
,
«O Regresso do Filho Pródigo», Fran k Wesley(lndlO, 1923-2002).
to nest e co ntexto que se enten de a afirmação do Concílio Vat icano II de que a Igreja tem de estar atenta aos "sinais dos tempos", isto é, àqueles acontecimentos e transform ações na sociedade que pod em ser não só indicativos de profundas e legít imas aspirações huma nas, mas tam bé m exp ressões sinalizadoras do plano de Deus para a human idade. Trat a-se de pres tar atenção a acontecimentos marcantes da história, susc etíveis de impulsionar m udanças pro fundas do viver humano (em termos sociais, culturais, etc .) e que se manifest am como sinais interp elati vos e pontos de orientação para a Igreja no anúncio do Evangelho. A leitura dos " sina is dos tempos" acontece na consciência crente da interdepend ência mú tua entre hi stória humana e história da salvação , procurando descobrir nos movimentos históricos e nos problemas e esperanças da humanidade que se manifestam atra vés desses acontecimentos traços do agir salvífico de Deus a favor dos seres humanos . Como afirma a Gaudium et Spes , a missão eclesial de proclamar "a sublime voc ação do homem" à luz de Deus, de atualizar em cada situação histórica o amor de Deus pela humanidade e ajudar a construir "a fraternidade universal" exige essa atenção permanente aos sinais dos tempos:
"Para levar a ca bo esta miss ão, é dever da Igreja I , inves tiga r a todo o mom ento os sinais dos tempos, e '~i n te rp retá - I os à luz do Evangelho; para que ass im possa -rssponder, de mo do adaptado em cada geração, às ete rnas pe rguntas dos homens ace rca do sent ido da vida presente e da futura, e da relação ent re ambas. t, por isso, necessár io conhecer e co mpree nde r o mundo em qu e vivemos , as suas espe ranças e aspirações, e o seu ca ráte r tanta s vezes dramáti co". Ga udium et Spes, 4.
«O Filho Pródigo) , Auguste Rodin (Fra nça, 1840·1917), Museu Rodin , Paris.
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A leitura crente dos sinais do s tempos como escuta da ação do Esp ír it o na história não é tarefa fác il em termos imediatos, já que os aco ntecimentos históricos são amb íguos e de inte rpretacão complexa, vêm habitualmente acompanhados por aspetos de tendência diversa ou até contrad itórios, com sinais de esperança mas também com marcas de risco ou negatividade. Nestas circunstanc ias, a resposta da fé exige um trabalho árduo e longo de di scernimento, a busca corajosa de fidelidade ao s critérios evangélicos, o esforço de perceber os verdadei ros sinais do Reino de Deus no meio da complexidade da história humana. Mas não há outro caminho na busca de fide lidade a Jesus:
"É dever de tod o o Povo de Deus e sobret udo dos pastores e teó logos, com a aj uda do Espírito Santo, saber ouvir, discern ir e interpr etar as várias linguagens do nosso te mpo, e ju lgá-Ias à luz da palavra de Deus, de modo que a verdade revelada possa ser cada vez mais intim amente percebida, melhor compreendida e apresentada de um modo conveniente". Gaudi um e t Spes , 4 4.
A Igrej a sabe que este caminho de busca, mesmo cheio de dificuldades, é acompanhado pelo Espírito de Deus que funda e anima o nosso cam inhar na fé.
6.1.
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Pressuposto fundamental nest a consciência da import áncia da atenção a prestar aos "sinais dos tempos" é o modo como a Igr eja compreende a sua relação com o mundo, o seu situar-se de Igreja no mundo. Neste aspeto a visão conc iliar carac teriza-se , antes de mais, pela superação de uma perspetiva simplesmente negativa sobre o mundo (na catequese tradicional insistia-se nos t rês inimigos da alma: "o mundo, o demó nio e a carne"), para, à luz da sua fé em Deus Criador e Salvador, assumir uma consideração positiva do mundo e do viver cristão nas circun stâncias do mundo. Ultrapassa-se assim, também, uma certa tendência a cons iderar "a fuga do mundo" como persp etiva única ou, pelo menos, predom inante, para, em últ ima análise, se poder preservar a identi dade e a auten t icidade cristas . Nesse sentido o Concílio sublinha mesmo:
"O cristão que descuida os seus deveres t emporais falt a aos seus deveres para com o próximo e até pa ra com o própr io Deus e põe em risco a sua salvação eterna". Goud ium
et Soes. 43.
Sem negar o mal e o pecado qu e envolve m o viver humano no m undo , mas ilum inados e fort alecidos pela sua fé no mistério da encarnação como o "sim" def initivo de Deus ao mundo e à hist ória (2 Cor 1,18- 20), os crentes cons ideram o mu ndo criado por Deus como uma realidade princ ipialmente boa (Gn 1,10) e chamada à salvação pelo mesmo Deus. Uma realidade que, no desenvolvimento das suas potenc ialidades, inte rpe la o compromisso cr istão na colaboração com Deus Criador e Salvado r (cf. GS, n' 34) e que se ap resenta como tarefa à libe rdade e responsabilidade humanas (visão teológica da expressão "mundo"). A partir desta visão do mu ndo como realidad e criada e salva por Deus, há mesmo lugar para uma legítima autonomia das realidades terrestres, as qua is têm as suas leis próprias (cf. GS, n" 36, 41 e 55; AA 7). Isto é, reconhece-se a legíti ma secularidade deste mundo ("m undaneidad e do mundo" - dirá J. B. Metz), perceb endo que não é a t utela religiosa por si só que dá cons istência e qualidade hum anas às coisas. O mundo como realidade criada por Deus é certamente lugar de possível e real recusa do mesmo Deus (não se nega, pois, a "opacida de" do mundo, a presenç a e as consequências do "pecado" existen tes na vida humana), mas na fé em Jesus Cristo sabe mos que ele já está radicalmente salvo por iniciativa do próprio Deus (Cl l,15-2D: Ef 1,3 ss).
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Neste modo de pensar, a Igreja conciliar percebe que não está simplesmente diante do mundo, mas que ela também vive no mundo, é parte do mundo como o quadro ind ispensável de vida e de ação da humanidade (sentido de scritivo, fenomenológico , do palavra "m undo"). Nesta perspetiva, a Igreja diferencia -se do mundo enquanto parte da humanidade que tem consciê ncia do amor concreto de Deus pelos seres humanos numa história de salvação, culminada em Jesus Cristo. Mas a Igreja, comunidade de pessoas situadas no tempo e no espaço , vive no mundo e é condicionada pelas circunstâncias conc retas de cada t empo e lugar. Est abelecem-se assim o pri ncípio e a necessidade de um diálogo constante entre a Igreja e o mundo. A Igreja não só tem algo a ensinar ao mundo, mas ta mbém aprende na sua relação co m o mundo, aprende do caminhar histórico do viver humano. Lê-se na Gaudiu m et Spes , no 44:
«Assim como é do interesse do mundo que ele reconheça a Igrej a como realidade soc ial da história e seu fermento, assim t ambém a Igreja não ignora quanto recebeu da história e evolução do género humano». O que vale, inclusive, face aos questionamentos e interpelações dos que não acolhem a missão da Igrej a: «Mais ainda, a Igrej a reconhece que muito aproveitou e pode aproveita r da própr ia oposição daqueles que a hostilizam e perseguem». Gaudrum et Spes. 44 .
A necessida de de assumi r uma mentalid ade e uma atitude tran sparentes de diálogo tarn a-se, assim, caminho irrecusável para a Igreja no nosso t empo em ordem ao cumpriment o da sua missão. "A Igr ej a - formu lou programat icamente Paulo VI na Encíclica Eccle siam Suam , no 67 - de ve entrar em d iálog o c o m o m un do em que vive . A Igrej a faz -se p ol avra , faz -se men sagem, faz -se co lóquio ". O que acontece - sublinhe- se - não apenas nem decisivamente em razão da pluralidade da soci edade modern a e seus press upostos. A atitude dialógica da Igr ej a e dos seus membros brota de algo muito mais profundo, tem a ver co m a compreensão de elementos fundamentais da revelação e da fé: desde o próprio Mist ério de Deus, que é comunhão dialogal, ao acontecime nto da revelação, aco ntecimento de diálogo ent re Deus e os seres humanos, â vida quotidiana da Igreja, chamada a ser com unidade de diálogo aos seus mais diversos níveis. Como se sublinha, num text o notável, no penúltimo número (no 92) da Goudium et Spes, a atitude de diálog o atravessa nuclearmente o processo da identi dade cristã e todos os caminhos da missão eclesial. [Texto Comp lementar 14]
Na atitude estr utural e prática de diálogo não se trata, para a Igreja e para cada cristão, de uma mera maneira externa de agir, mas de um modo de viver aberto e sensível aos " lugares" diversos, muitas vezes inesperados, de presença concreta de Deus no nosso mundo. A Igreja sabe que, por iniciativa e dom de Deus, no horizonte do plano salvífico universal do mesmo Deus, a sua identidade e missão está relacionada com toda a humanidade, mesmo não crente: 'Ao novo Povo de Deus todos os homens são chamados .." (LG, no 13; cf. ainda nO' 14-1 7). Traduz-se assim a cons ciência de que Deus está presente na nossa história, dá sina is do seu amor e da sua presença na vida das pessoas, tanto em termo s de atitudes praticadas como de valores afirmados no concreto viver humano. Por isso, a Igreja procura estar aberta a todos os homens e mulheres de boa vontade, na convicção de que, desse modo, não só cumpre a sua missão, mas também encontra o Deus Criador e Salvador em que acredita. Entre os muitos "lugares" de real e possível presença de Deus no meio do concreto viver humano emerge a busca humana de sentido para a vida , expressa em termos religiosos (as diversas religiões do mundo) ou traduzida na existência daquelas pessoas que, mesmo na ignorância do Evangelho de Jesus e do papel da Igreja, "procurom, contudo, o Deus com coração sincero, e se esforçam, sob o influxo da graça, por cumprir a Sua vontade, manifestada pela ditame da cons ciência (...]" (LG, no 16). A consciência pessoal - "o centro mais secreto e o sontuório do homem , no qual se encontro a sós com Deus" - é lugar privilegiado e int ocável de presença de Deus:
"Pela fid elidad e à voz da consc iência, os c ristãos estão unid os aos demais hom ens, no dever de b usca r a verd ad e e de nela resolver t antos prob lem as morais qu e surgem na vida individu al e soc ial". Gaudium et Spes , 16.
Colabo rando com todos os homens e mulheres na cons t rução hum ana do m undo e esforçando -se po r to rnar a vida mais hum ana. emergem como inte rpel ação para os crent es out ros inúmeros "lugares" da presença de Deus na hist ória do mundo. Isso acontece nas ci rcunstâncias comuns da vida, nas q ua is se geram frutos de justiça, de caridade e de paz (GS, no 36), na luta contra t ud o o que f ere a dignidade humana (GS, nO' 12 ss), no combate à pobreza, à doença , às t ribulações e sofrimentos que atingem o viver humano (cf. GS, no 41 ), na atenção e doação a todo aque le que , na sua sit uação de dif iculdade ou de necessidade, se tornou próximo de nós (cf. GS, no 27). O amor ao próximo é, de facto, lugar ess encial de de scoberta de Deus e de verdadeira real ização humana à luz de Deus .
[O Verb o de Deus] "revela-nos que 'Deus é amor' (1 J o. 4,8) e ensina-nos ao mesm o tempo que a lei fund am ental da per feição humana e, portanto, da transformação do mund o, é o novo mandamento do amor. Dá, ass im, aos que acreditam no amor de Deus, a certeza de que o caminho do amor está abe rto para todos e que o esforço por estabelecer a universal frat ernidade não é vão. Adverte, ao m esmo tempo , que este amor não se deve exercitar apenas nas coisas grandes, mas, antes de mais, nas circunstâ ncias ordinárias da vida". Gaudium et Spes, 38.
•
b.2.1. A lgreja,
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Inserida no mundo e col aborando na construção do mundo à luz do seguimento de Jesus, a Igrej a entende toda a sua vida e todo o seu agir como te stemunho e serviço do Reino de Deus. Numa das suas grandes int uições em te rmos de perceção global do mistério da Igreja, sua identidade e missão, o Conc ílio Vaticano II relaciona a Igreja com a missão de Jesus Cristo e o Reino de Deus por ele anunciado sob a linguagem de "sacramento". Isso é referido logo no início da Lumen Gentium, onde se diz que, sendo Cristo a luz dos povos , a Igreja é, em Cristo, "como que o sacramento, ou sinal e a instrumenta da íntima uniõo cam Deus e da unidade de toda a génera humana (...l" (LG, no 1; cf. ainda nO' 8, 9, 48 e 59; Socra sonctum Concilium, nO' 2, 5 e 26; Ad Gentes, n" 1 e 5; GS, n" 43 e 45). A palav ra "sacramento" (tradução lat ina da palavra grega mysterion, que ta mbém foi vertida para o latim por misterium/mistério), f az referência ao plano salvífico de Deus e sua vi si bili dade num a história de salvação. Mysterion/ socramenta é, na linguagem paulina, o plano de salvação esco ndido em Deus e que se manifest a visivelment e na história humana, particul armente em Jesus Cristo, que é assim "sacramento do enco ntro com Deus" (E. Schillebeeckx). [Texto Complementar 151 Na visão da Igreja como mistério-sacramento está um dos pontos -c have da intencionalidade renovado ra do Concílio Vat ica no II. Indo para além duma visão ecles ial predominantemente institucional ou j urídica, sublinha-se a primazia de Cristo e da ação do seu Espír it o sobre a Igreja: em to da a sua existência a Igreja "é sina l 11 W. KASPER, La fglesia de .Jesucnsto. Escritos de que remete, para além de s i mesma, para Jesus Cristo e é instru Eclesiologia, p. 1 (Obra completa de Walt er Kasper, Va i 11). Santand er 2013 , 3 12. mento nas mãos de Jesus Cristo, que é o verdade iro sujeito de toda a ação salvífico na Igreja"". Acentua- se, assim, o ca ráter re lac iona l, se rvicial, da Igreja: a Igreja "re lativ iza-se" a si mesma, co loca ndo-se mais t ransparenteme nte em relação a Jesus Cr isto, sacramento primordia l da sal vaçã o. Tanto as suas est rut uras co mo as diversas expressões do viver da Igreja encont ram-se, assim, sob a exigente tarefa de serem sinal credível do amo r de Deus para com a human idade. Enf im, a Igreja nunca pode pensar-se ou agir como se fosse um f im em si mesma, esquecendo que est á ao serviço do Espirita que dela se serve numa missão universal que a ultra passa: o anúncio e o testemunho do Reino de Deus que vai irrompendo neste mundo. Deste modo o Concílio veio a exprimir, de maneira mais adequada e clarificadora, o papel que a Igreja é chamada a desempenhar em ordem à universalidade da salvação. Com esta visão fundamentai, o Vat icano II superou de vez a perspetiva negativa, redutora e exclusiv ist a do axioma "fora da Igreja não há salvação", para afirmar positivamente o papel da Igreja como "sac rament o universal de salvação". Ou seja, mantém-se a convicção de que há uma relação indissolúvel entre a Igreja e a salvação, isto é, de que a Igreja tem como identidade e missão sinalizar, servir de mediação, oferecer a toda a humanidade a salvação que nos é dada em Jesus Cristo, pelo que ela é nec essária pa ra a salvação. Mas, com a ideia de "sacramentalidade" quer- se dizer, j ustamente, que a Igrej a não se identifica sem mais com a sa lvação e o Reino de Deus, que ela não é simplesme nte " o lugar" da sa lvaçã o (só se salvaria quem entrasse consciente e for malmente nelal), mas sim sacramento, isto é, sinal e instr umento da salvação que é sempre dom de Deus e, assim, realidade sempre mais ampla que ela. Não obstante toda a af inidade existente, há uma diferença a salvaguardar ent re Igreja e salvação, entre Igreja e Reino de Deus. Escreve W. Kasper:
"A Igreja é só sacrament o, não é idênti ca sem mais com o espaço da realidade e da atividade do Espírito de Cristo , A realidade e atividade do Espírito de Cristo é mais do que a Igreja, A Igrej a pode e deve contar tranqui lamente com o facto de que o Espírito sopra também fora dos seus muro s, onde e como quer. A Igreja tem que ser Igrej a aberta, e est ar atenta aos 'sinais dos tempos', para, por eles, entender mais profunda e amp lamente a sua própria mensagem", W. KASPER, "Unicidad y universalidad de .Jesucrist". in A. VARGAS- MACHUCA (ed.l, Jes ucristo en la historia y en la
te.
Sem ana Internacional de Teologío, Salamanca 1977, p. 273.
[Texto Complementar 161
r Foi um verdadeiro passo de gigante o cam inho aberto pe lo Conc íl io nesta matéria e assumido pe la reflexão teológica das últimas décadas neste ponto. Um passo cujas consequências ainda estão longe de ser assi miladas e explicitadas em termos de consciê ncia individual, de ação evangelizado ra, de diálogo inter- religioso, de perceção dos caminhos insondáveis d o encontr o salvíf ico de Deus com cada ser humano. Ao situ ar a mediação eclesial no registo da sac rament alidade, a cons ciê ncia eclesial eme rge nte no Concílio apontou cr itérios decisivo s para se enq uadra r mais co nsc ie ntemente a mi ssão da Igreja a fa vor da sa lvação da hum anidad e. Assim, a Igrej a - e este é o ponto de part ida e a persp et iva fundame ntais - não se anun cia a si mesm a, mas está ao serviço da vont ade salv íf ica universal de Deus (1 Tm 2,4; J o 3,16 s.). A função históri ca salvíf ica da Igreja é, precisamente, ser o sinal, a servidora e o instrum ento do piano salvífico de Deus para a human idad e manifestada em J esus Cristo. Nesta ordem de ideias, a função da Igreja como comunidade querida por Deus ao serviç o da sua vontade salvíf ica universal é essencialmente uma f unçã o de or dem rep resent at iv a, não exc lusiva, isto é, a Igr ej a não é tudo nem é chamada a ser t udo, mas é pa ra t od os". Ao mesmo te mp o, a Igreja sabe que só é, só pode ser "sac ra me nto universal de sa lvaçã o" pela f o rça do Espír it o Sant o. ~ pelo Espírito - aliás, tanto dent ro como for a do espa ço visível da Igreja - que Cristo ati nge os seres humanos para os p ôr em relação salvíf ica com Deus (cf. GS. no 38). Só o Espír it o de Cristo (e do Pai) pode tocar o co ração de cad a ser humano qu e, nas cir cun stã ncias co ncretas da sua vida, se dispõe a uma at it ude de acol himento das exigências prof undas da sua consc iência , de abertura ao Mist ério que suporta a sua existência e que o impu lsiona ao dom de si mesmo aos outros. A esta luz, a missão especif ica e indispensável da Igreja pode ser caracterizada co mo sendo a tarefa de sinalizar e de at ualizar "o forma evangéfica da sa lvação"" , dand o rosto visível e ef icácia histó rica ao do m def initivo de si mesmo que Deus nos faz em Jesus e na for ça do seu Espírito. Ela própria fru to da ac ão redento ra de Jesus Crist o, a Igr ej a articu la, no me ia, testemunha o caminho da salvaçã o que o Evangelho d e Jesus ilumi na e possibil it a. Isto é, com a sua exist ência e no cum primento da sua missão, a Igrej a afirma e testem unha que a sa lvação é dom gratuito de Deus , oferecido a todo s 12 Cf. J . RATZINGER,o novo Povo de Deus, São Paulo os hom ens e mulheres da nossa hist ória, possib ilidade real na histó 1974, p. 331 5.; S. WIEDENHOFER, Das katholische Kirchenverstdndnis, p. 285 s. ria de vida de cada pessoa a camin ho da etern idade. A fé cristã d iznos igualm ente que, na fo rça do Espírito de Je sus (e do Pai), é possíIJ POR UMA EQUIPA DE TEÓLOGOS, O Reino está ve l a t od o o ser humano faze r uma experiênc ia gratuita de filiaç ão entre nós, Apelação 2012, p. 37 5 5 . e entrar em relação com o sentido mai s profundo do seu viver e do se u morrer, associando-se desse modo, ainda que de uma for ma só de Deus co nhecida, ao seu mistério pascal (cf. GS, no 22; LG, no 16). Fundament al é aqu i relembrar o que co nst itui o ce rne do Evangel ho de Jesus : no du plo mandamento do amor de Deus e do próximo c omo duas d imensões insepa ráveis da mesma at itude fundamen tai está a síntese nuclea r e programática do Evange lho de Jesus. Como nos testemunham várias passagens do Evangelho, o verdadeiro cu mprimento da vonta de de Deus, o caminho que co nduz à salva çã o passa, decis ivament e, pelo amor e serviço aos outros, especialm ent e para com aqu eles qu e estã o em maior necessidade e precisam da nossa ajuda (Lc 10,29-37; Lc 15,11 -32; Mt 12,28-34; Mt 22,36- 40; Mt 25,31-4 6). A missã o da Igrej a, sacramento do enco ntro com Deus e da f ratern idade hu man a, co nsi st e em p roc ura r ser lugar privile giad o do anúncio e testemu nho do amor de Deus e ao próximo, do s ign ificado e das repercussões que o Evangelho tem para a v ida humana na sua t otalidade.
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d) Neste contexto importa ressaltar o contributo que é dado pelo testemunho do valor incondicional da pessoa humana. A Igrej a é chamada a afirma r o valor absoluto da pessoa humana à luz de Deus: isso passa, por exemplo, pela af irmação de uma igual dign idade das pessoas, como cr iat uras e imagens de Deus, na divers idade das cult uras, das línguas, raças e na diferença de sexos ou perante novos desaf ios de ordem ét ica, etc . Nesse test emunho do valor incondi cional da pessoa humana em todas e quaisquer circ unstâ nc ias, a Igreja emerge - de form a não exclusiva, mas muitas vezes com um caráte r verdadeiramente proféti co - co mo "sinal e salvaguarda da tran scendência da pessoa human a" (GS, no 76).
e) O contributo humanizador da missão religiosa da Igreja passa pela defesa corajosa e constante dos mais pobres. A Igreja é chamada a ser sinal de uma opção privilegiada pelos mais pobres (nos mais diversos aspetos), e isso como condiçã o de credibilidade do seu anúncio de Deus. Está aqui uma prioridade absoluta para os cristãos, interpelando a sua consciência de fidelidade ao Evangelho, a sua espiritua lidade, o seu com promisso público, a ação pastora l da Igreja, a reflexão teológica e as próprias opções no governo da Igreja. f) Com o seu viver a Igreja procura favorecer o sentido do Bem Comum e a afirmação dos funda mentos da convivência humana em sociedade. Trata-se de cont ribuir para o reconhecimento colet ivo e progressivo das condições de uma co nvivência humana unida e em fraternidade, o que só pode acontecer com base num mínimo de valores comuns, de convicções fundamentais aceites por todos.
g) O contributo dos cristãos e da Igreja passa ainda pela apresentação de propostas de uma maneira diferente, mais humana de viver, ajudando a construir - de certa forma como consciência crítica e profética da sociedade - alternativas para as atuais formas de viver humano em sociedade. Trata-se, assim, de ser testemunha de uma esperança que, indo para além da história, se mostra significativa para o agir presente. A esperança cristã é força que nos impulsiona a tra balhar corajosa e persistentemente a favor de um mundo mais justo e de uma humanidade mais f raterna, na certeza de que não são vãs as nossas lutas e os nossos esforços e de que permanece na sua validade tudo quanto de bom form os fazendo nesta terra a favor da construção dum mundo mais de acordo com o plano de Deus para a humanidade.
Diz Gaudi um et Spes:
"A expect at iva da nova te rra não deve, po rém , enfraquec er, mas antes ati var a so licitude em ordem a desenvolver esta terra, onde cresce o cor po da nova família hum ana, que j á co nsegue aprese nta r uma certa configuração do mundo futuro". E o te xto prossegue: "Todos estes bens da dignida de humana, da comun hão f rate rna e da liberdade, fruto da natureza e do nosso t rabalho, depois de os termos difundido na terra, no Espírito do Sen hor e segu ndo o seu mandamento, volta remos de novo a enc ont rá- los , mas então purificados de qualquer manch a, iluminados e t ransfigurados, quando Cristo ent regar ao Pai o reino ete rno e unive rsal: 'reino de verdade e de vida, reino de sant idade e de graça, reino de ju st iça, de amo r e de paz' ". Gaudium et Spes, 39.
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Sm ues.
Texto Complementar 14
"Em virtude da sua missão de iluminar o mundo inteiro com a mensagem de Cristo e de reunir sob um só Espírito todos os homens, de qualquer nação, raça ou cultura, a Igrej a constitui um sinal daquela fraternid ade que t orna possível e fortalece o diálogo sincero. Isto exige, em primeiro lugar, que, reconhecendo tod a a legíti ma diversidade, promovamos na própria Igreja a mútua estim a, respeito e concórdia, em ordem a estabelecer entre todos os que form am o Povo de Deus, pastores ou fiéis, um diálogo cada vez mais fecundo . Porque o que une ent re si os fiéis é bem mais forte do que o que os divide: haja unidade no necessário, liberdade no que é duvidoso, e em tudo caridade. Abraçamos t amb ém em espírito os irmãos que ainda não vivem em plena comunhão connosco, e as suas comunidades, com os quais est amos unido s na confissão do Pai, Filho e Espírito Santo, e pelo vínculo da caridade, lembra dos de que a unidade dos cristão s é hoj e esperada e deseja da mesmo por muitos que não creem em Cristo. Com efeito, quanto mais est a unidade progred ir na verdade e na caridade, pela poderosa acão do Espírito Santo, tanto mais será para o mundo um presságio de unidade e de paz. Unamos, pois, as nossas força s e, cada dia mais fiéis ao Evangelho, procuremos, por modos cada vez mais eficazes para alcançar este fim t ão alt o, cooperar fraterna lmente no serviço da fam ília humana chamada, em Cristo , a tornar-se a famíl ia dos fi lhos de Deus. Voltamos também o nosso pensament o para todos os que reconhecem Deus e guardam nas suas t radições preciosos elementos religiosos e humanos, deseja ndo que um diálogo franco nos leve a to dos a receber com fidelidade os impulsos do Espírit o e a segui-los com entu siasmo. Por nossa parte, o desejo de um t al diálogo, guiado apenas pelo amor, pela verdade e com a necessária prudência, não exclui ninguém; nem aqueles que cultivam os altos valores do espírito humano, sem ainda conhecerem o seu auto r; nem aqueles que se opõem à Igreja, e de várias maneiras a perseguem. Como Deus Pai é o princípio e o fi m de todos eles, todo s somos chamado s a ser irmãos. Por isso, chamados pela mesma vocação humana e divin a, podemos e devemos cooperar pacifi cam ente, sem viol ência nem engano, na edificação do mundo na verdadeira paz". Gaudium et Spes, 92.
Texto Complementar 15
Há aqui um uso analógico (contendo algo de semelhante, mas em maior grau diferente) da palavra "sacramento". Antes de mais, a expre ssão "sacramento " utiliza-se em relação a Cristo co mo s acramento original, primordial, da salvação. Utiliza-se, depois, em relação à Igreja como sacramento fundam ental. A Igreja é a repres enta ção, a manifestação visível da presença ativa e em mist ério de Cristo; ela é o símbolo real, o sacramento fund amental da automunicação gratuita de Deus ao homem e ao mundo em Jesus Cristo , e cada sacramento é um aspeto dessa manifest ação. Finalmente, no u so aliás mais comum, a palavra uti liza-se refer ida aos sete sacramentos como sinais at ualizadores d a graça e da presen ça de Jes us, dom do Pai, pela ação do Espírito, celebrados na Igreja, comunhão d e batizados. Esta consciência do uso analógico da expressão ajuda a compreender que não há lugar para aplicar a Cristo e à Igreja como "sacramentos" todo s os traços que se verif icam em concret o nos sete sacramentos.
Texto Complementa r 16
"A universalidade da salvação em Cristo não significa que ela se dest ina apenas àqueles que, de maneira explícita, creem em Cristo e entra ram na Igreja. Se é dest inada a todos a salvação deve ser post a concretamente à disposição de todos. evidente, porém, que, hoje como no passado, muitos homens não tê m a possibilidade de conhecer ou aceitar a revelação do Evangelho, e de entrar na Igreja. Vivem em condições sacio culturais que o não permitem, e frequentemente fora m educados noutras trad ições religiosas. Para eles, a salvação de Cristo to rna-se acessível em virtude de uma graça que, embora dotada de uma mister iosa relação com a Igreja, todav ia não os int roduz forma lmente nela, mas ilumina suficienteme nte a sua sit uação interior e ambiental. Est a graça provém de Cristo, é fr uto do Seu sacrifício e é comunicada pelo Espírit o Santo: ela perm ite a cada um alcançar a salvação com a sua livre colaboração". É
Redemproris M issiv. 10.
Texto Complementar 17
"Certa mente,a missão própria confiada por Cristo à sua Igreja não é de ordem política, económica ou social: o fim que lhe propô s é, com efeito, de ordem religiosa. Mas dessa mesma missão religiosa deriva um encargo, uma luz e uma energia que podem servir para o estabelecimento e consolidação da comunidade humana segundo a lei divina. E também, quando for necessário, tendo em conta as circ unstâ ncias de tempo e lugares, pode ela própria, e até deve, suscitar obras destinadas ao serviço de todos, sobretudo dos pobres, tais como obra s caritativas e outras semelhantes" Goudium er Spes, no42; cf. ainda GS, no40 ; Evongelii Nuntiondi, 0<>518 e 31; RedemprorisMissio, nOS11; Corita s ln Veritote , n" 11;Aposrolicom Actuas itotem , n<>li 2 e 5.
Texto Complementar 18
"Com a mensagem evangélica, a Igreja oferece uma fo rça libertadora e criadora de desenvolvimento, exatamente porque leva à conversão do coração e da ment alidade, faz reconhecer a dignidade de cada pessoa, predispõe à solidariedade, ao compromisso e ao serviço dos irmãos, insere o homem no project o de Deus, que é a construção do Reino de paz e de ju st iça, já a partir dest a vida". Rede mptoris Missio, 59.
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Desde os primeiros temp os, e sob retu do em relação com a celeb ração do bat ismo, os discípulos de Jes us proc urar am expressa r e t ransmitir o essenc ial da sua fé em fórmulas breves , com valor normativo para a comunidade dos crentes:
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"A comunhão na fé tem necessidade duma linguagem comum da fé, normat iva para todos e a todo s unindo na mesma confissão de fé". Catecis mo da Igreja Católica, no 185.
Esta s "p rofissões de fé " (a fé que os cr istãos professam), "símbolos da fé"" (expressões que exprimem a identidade dos c rent es e criam ligação entre eles) ou " Cred os " (aquilo que cada cristão e todos acreditam em comum) surgiram em diversos contex tos históricos até aos nossos dias (por exemplo, o Credo do Povo de Deus de Paulo VI, em 1968). Mas dois Credo s - pela sua antiguidade e força express iva como síntese da fé - adquiriram e mantê m par ticular signif icado: o Símbolo do s Apóstolos (o antigo símbolo bat isma l da Igreja de Roma, considerado o resumo fi el da fé dos apósto los) e o Símbolo de Nice/o-Constantinopla (provenie nte dos dois primeiros Concilios ecu ménicos - Niceia, em 325, e Consta ntinopla, em 381 -, símbo lo ainda hoje co mum a todas as grandes Igrejas do Oriente e do Ocidente e, de um modo geral, a todas as Comunidades ecles iais que se designam co mo cr istã s). [Texto Complementar 19]
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Of., par a todo este ponto dos sfmbo los da fé, CIG 185-196.
Olha ndo mais de perto para estes Símbolos , verifica -se que a expressão fundamental da f é, enq uanto se ntid o e projeto de vida à lu z da revelação de Deus em Jesus Cristo e na força do seu Espírit o, se articula num "Credo trinitário ", a part ir de uma história de salvação em que se manifesta o que Deus fez por nós (economia da salvação) e, assim também, quem Deus, no seu Mistér io, é para nós. Há, por consegui nte , nesta s expressões sinté t icas da fé da Igreja um claro enr aizamento histórico: o Credo cristão não é um credo abstrato, f eito d e verd ades teór icas, é um "Credo histórico", isto é, f al a de acontecimentos na nossa história em que eme rg iu o agir salvífico de Deus. Essa experiência refle xa de um agir salvífico de Deus acontece já na história do Povo de Deus do Antigo Test amento (cf. Dt 26,5-10). Algo de similar aco ntece no início dos Ato s dos Apóst olos, quando Pedro proclama o que Deus fez em Jesus e o signific ado que isso tem para a nossa salvação (cf. At 2,22-24.32 s.). Do mesmo modo, o Credo formu lado pela Igreja prim itiva - é exemplar nesse aspeto, até por ser mais sintét ico, o Símbolo do s Apó stolos - mantém essa estrutura nuclear hist óri ca:
"Creio em Deus Pai todo pod eroso, Criador do Céu e da Terra. E em Jesus Cristo, seu único Filho, Nosso Senhor, que foi co ncebido pelo pod er do Espírito Santo, nasceu da Virgem Maria, padece u sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepulta do, desceu à mansão dos mortos, ressuscitou ao terceiro dia, subiu aos Céus, está senta do à direita de Deus Pai Todo-Poderoso, donde há de vir jul gar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo, na Santa Igrej a cató lica, na com unhão dos santos, na remissão dos pecados , na ressurreição da carne, na vida eterna".
Falamos de Deus, poi s, a partir da experi ênc ia da sua própria autocomunicação numa his tória de salvação, de uma relação f iel, misericordiosa e salvíf ica que culminou em Je sus Cristo , a "imagem do Deus invisível" (CI 1,1 5; cf. Jo 1,18) e que cont inua no dom e pela acão do seu Espírito como interp elaç ão renovadora e atualização sant if icadora no coraçã o das pessoas, na vida da Igreja e na história do mund o. Enraizada em experiências humanas vividas em circunst âncias concretas da história, o núcleo da f é cristã concentra-se no s acont ecimen t os pascai s (mort e e ressurreição de Jesus), que permitem recon hecer quem é, em defin itivo, a pessoa de J esus e o Misté rio de Deus que nele se revela e que continua atuante na forç a do
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Espírito Santo. Estamos assim diante da estr ut ura essencialmente tr initária do Credo. Tendo em co nta essa estru tu ra t rinitária, podemos sublinhar em termos co nfessionais (de conteúdo da confissão de fé) como elementos nuc leares, essenciais , os seguintes: a) Cremos em Deus que é Pai , Fil ho e Espírit o Santo e que na sua dedi cação amorosa à humanidade se manifestou de forma plena e defin itiva no Filho, Jesus de Nazaré. Quando dizem acreditar em Deus Pai todo-poderoso, Criador do Céu e da Terra, os cristãos não falam de um Deus distante e separado do mundo e da sua vida, por mais t ranscendente que Ele seja face à realidade do mundo e à nossa condição de cr iaturas, mas do Mistério d'Aquele qu e como Criador e Salvador é o fund amento primeiro da nossa v ida , um Deus que se mani festa nos acontecimentos da hi stória e que se revela num agir iluminado pela sua Palavra. Em Jesus, Deus é verdadeira e defin it ivamente o Deus conno sco, um "Deus humaníssimo" (E. Schillebeeckx), um Deus que nos quer definitivamente com o "f ilhos no Filho" (cf. Rm 8,14-17). b) A fé não é um acreditar vago, geral, em determina dos conteúdos, mas, antes de mais, ade são a uma Pessoa, J esus Cris to como revelação do amor definitivo e sa lvador do Deus Uno e Trino :
"Nós cremos no amor de Deus - deste modo pode o cr istão exprimir a opção fu ndamental da sua vid a. No início do ser cr istão, não há uma dec isão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, co m uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo". Bento XVI, Deus ce ntos Est , 1.
Assim. os crist ãos não só falam de um "Deus pessoal", mas percebem que o seu falar de Deus t em que ver decisivament e co m uma história de relação, com a descober ta e o acol himento de Alguém que instaura uma relação dialógica con nosco na história que vivemos. a nível pessoal e com unitário, um Deus a quem Jesus chama "Pai". c) Para entenderm os e expressarmos melhor quem é verdadeiramente Deus no seu Mistério e qual é o sent ido do viver humano à luz da fé temos de ir ao Evangelho de Jesus, que nos indica como dete rm inante a relação indissolúvel entre o amor a Deus e ao próx imo. O autêntico amor a Deus não pode reali zar-se à margem do con cr eto amor ao pró ximo (cf. 1 Jo 4,19-21). Passa por aqui - por fazer a vontade de Deus na ate nção dedic ada ao outro - o caminho decisivo da salvação co mo dom de Deus e realização de vida humana feliz. d) Acreditamos que Deus é Pai e Criador de todos os homens e mulhere s que vieram e vêm a este mundo . O Deus em que os cristãos acredit am não é realidade exclusiva deles, mas um Deus que, no seu Mistéri o de Amor, abraça toda a hum anidade e se dirige a ela. Na força do Espírito de Jesus (e do Pai) é possível a tod o o ser humano entrar em relação autê nt ica, no acolhimento do sentido mais profu ndo do seu viver e do seu morrer, com o Mistério que nós chamamos Deus (cf. GS, no 22). e) Dentro da estrutura trin itária já assinalada, a terceira parte do Credo afirma especificament e a nossa fé nos f r ut os da açã o renovadora e t ran sf ormad ora do Espír ito Santo no mundo e no coração das pes soas, com horizont es de etern ida de. A Igreja é posta em relação com o Espírito Santo e sua acão na história, do mesmo modo que o bati smo, o perdão dos pec ados e a ressurreição dos mor tos. Tem- se em vista o acontecimento de vida que é a ação do Espírito Santo em todas as suas con sequências. f) Na formulação do Credo Niceno -Constantinopolitano (381) profe ssam os, nest e contexto, a nossa fé na Igreja una, santa, católica e apost ólica. Trata-se de uma das maneiras mais densas de falar do misté rio da Igreja. Nest as quat ro "notas " da Igreja emergem aquelas característ icas ou dimensões da Igreja, nas quais se manifesta a relação estru tural da Igrej a com o misté rio de Cristo que está na sua origem e a suste nta. Por isso mesmo, elas const it uem realidades int imamente unidas entre si e inte rdependentes. Por outro lado, estas dim ensões apare cem, simu ltaneam ente , como dom li gado ao próprio acontecimento da Igrej a enquant o fruto do agir salvífico de Deus e como tarefa a cumprir ao longo da his tória em t ermos de fidelid ade na ex ist ência dos crentes e no modo co mo a Igreja no seu conj unto se estrutu ra e procura viver. São, assim, realidades simulta neament e presentes e, ao mesmo tempo, sempre ta mbém objeto de esperança escatológica no que se refere à plenitude da sua realização". IS
Cf. cic 811-870.
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A conf issão de fé na Igreja una af irma nucl earmente que há uma só Igreja de Jesus Cristo, e isto como pressuposto óbvio, só indiretamente ref let ido nos textos d o Novo Testamento face a conc retos problemas de ameaças de divisões nas comunidades primitivas. Mesmo assim, lê-se em Ef. 4,4-6 :
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Esta convicção de fé de que há uma só Igreja de Jesus-Cristo é- nos indicada desde logo também pelas pri ncipais figuras da Igreja: Povo d e Deus , Corpo de Cristo, Templo do Espír ito. O mot ivo mais profu ndo da unidade e da unicidade da Igrej a reside, pois, no própr io Misté rio de Deus, na fé em J esus Cristo co mo único Mediador e Salvador, no reconhecimento da ação do único Espírito . Nesta ordem de ideias, a fé católica professa a unidade e a unicidad e da Igreja, vendo nela o "lugar " do encon tro com Jesus Cristo, que é o caminho, a verdad e e a vida na busca humana de abertura ao verdad eiro Deus. Assim, é co nvicção católica qu e, ap esar das divisões ocorridas ao longo do s séculos, a unidade da Igreja nunca se perdeu completamente, ao ponto de não existir mais ou não ser percetível na história. Pelo co nt rário: a Igreja de Cristo existe e é identificável nesta hist ór ia, ela não se compreende co mo uma realidade que é meramente obje to de desejo e de procura por parte das diversas Igrejas e Comunidad es eclesiais atualmente existentes e divididas . Um dos princípios católicos do ecumenismo, enunciado pelo Concílio Vaticano II, é precisamente que a unidad e concedida por Cristo à sua Igreja é algo que nunca pod e pe rder-se, pois subsiste na Igreja Católica:
"Est a unidade, desde o início Cristo a concedeu à sua Igrej a. Nós cremos que esta unidade subsiste inamissível na Igreja cat ólica e esperamos que cresça de dia para dia até à consumação dos séc ulos". Unitatis Redintegro tio, 4.
A unidade da Igreja é vist a, pois, como dom irrevogável que permanece apesar da e para além da realidade das divisões crist ãs, dom ligado ao caráter definit ivo do acontecimento J esu s Cristo e ao si gni ficado qu e a Igreja t em nesse acont ecime nt o. Isso não quer dizer que a divisão dos cristãos não questione a consc iência católica e não afete a sua vivência da unidad e (cf, UR, nO' 3 e 7). Essa divisão con st itu i mesmo uma "f erid a" que afeta a plenit ude da universalidade que a Igreja catól ica crê possu ir e que é cha mada a viver e a testemu nhar. Trata -s e, no ent anto, de um a " f erid a", não no sen tido de que ela estej a privada comp letame nte da sua unidade, mas de um a realidade qu e con stitui ob st áculo para a rea lizaç ão pl ena da sua catolicidade. Por isso, a part ir dest a identi f icação substa ncial entre Igreja de Jesus Cristo e Igreja católica, a Igrej a católi ca nunca se compreende u t eologicamente co mo uma "Conf issão" crist ã ent re out ras, ant es ente nde -se a si própria co mo sujeit o histórico con creto da Igrej a de Jesu s Cris to. Natura lmente qu e esta autoconsciência catól ica de se r a verdad eira Igrej a de J esus Cristo nas circunst âncias da história não é uma af irmação exclusiva sua. Com a mesma intensidade isso acon tece, por exemplo, por parte das Igrejas or todoxas . E mesmo nas outras Com unidades eclesiais, por mais que esta questão possa ser enqua dra da num horizonte de
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compreensão algo diferente (ou seja, a acen tuação da legítima pluralidade de diversas Igrejas e Comun idades eclesia is a partir do próprio testemu nho do Novo Testamento), há certamente a convicção, pessoa l e comu nitária, de se esta r a seguir o caminho mais adequado em termos de verdade e de f idelidade ao Evangelho.
É preciso admiti r, po is, que há neste aspeto elementos subjetivos da experiência pessoa l na v ivênc ia da fé . Isso é, a questão da verdade ira Igreja não é totalmente dirimível à margem da própria confissão de fé e da consumaçào escatológica dessa mesma fé . Há aqu i uma pretensão que precisa de ser bem entend ida: uma vez que , nest a matéria , ent ra sempre um elemento subjetivo da experiência e história pessoais de vida ecles ial e da confissão de fé, a convicção de que na Igreja a que pe rtencemos se encontra a verdadeira Igreja que Deus quis realizada nesta nossa história não é exclusiva da Igreja católica .
7.2.2. A tarefa d
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Sem pôr em causa a convicção cató lica acabada de referir - ou seja, a consciência de uma identidade substancia l entre Igrej a de Jesus Cristo e Igreja católica -, o Concíl io Vaticano II trouxe aqui uma nova perspetiva , ao afirmar, em LG, no 8, que a Igreja de Cristo "subsiste" na Igrej a catól ica:
"Est a Igrej a, const it uída e organizada nest e mund o como sociedade, é na Igreja cató lica que se encont ra [subsist it in Ecclesia cat holica - subsiste , está present e na Igrej a católica], governada pelo sucessor de Pedr o e pelos Bispos em união com ele, embora, fora da sua est rut ura, se encont rem muit os elementos de sant ificaçã o e de verdade, que, por serem dons perte ncentes à Igreja de Cristo, impelem para a unidade cató lica". Lumen Gentium, 8.
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De facto, uma versão primeira do texto da Lumen Gentium repetia, sem mais, a posição tradiciona l, coloca ndo "est" (a Igreja de Cristo "é" a Igreja católica) onde na redação final se lê agora "subsistit" (a Igreja de Cristo "subsiste", "encontra-se" na Igreja católica). Com esta formu lação o Concílio procurou superar uma identificação pura e simples, exc lus iva, entre Igreja de Jesus Cristo e Igrej a católica (romana). A reafirmação da unidade de pr incípio entre a Igreja de Jesus Cristo e a Igrej a catól ica permanece, mas esta convicção não impede o simultâneo reconhecimento dos valores de eclesialidad e presentes nas outras Igrej as e Comunidades ec lesiais. A muda nça na formulação fo i prec isamente justificada com a necessidade de fazer concordar a afirmação da ident idade entre a Igreja de Cristo e a Igreja católica com a existência, fora da sua est rutu ra, de elementos eclesia is de santificação e de verdade nas Igrejas e Comunidades cristãs separadas.
O Concíl io reafirmou, ass im, a conv icção do papel singular da Igreja cató lica, mas superou uma visão que excluía toda a ecles ialidade fora do seu espaço. Tornou, assim, plausível em termos redac ionais, a convicção trad icional católica (identidade substanc ial entre Igreja de Cristo e Igreja católica) com a existência, fora dela, de mu itos bens e riquezas da vida cristã e ec le sial. Tratou -se, po is, de reconhecer a presença, nas Igrejas e Comun idades cristãs não católicas, de elementos ecles iais própr ios da Igreja de Cristo, pelo que - como se veio a exprimir posteriormente a Ut Unum Sint, no 13 - fora da Igreja católica não existe o "vazio eclesial" (cf. ainda UUS, no 11).
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A mudança de visão aqui sinalizada tem sido objeto de uma difícil receção dentro da Igr eja cató lica, pois há aqui um verdadei ro desenvolvimento dogmático, ainda que em con tinuidade com a doutrina precedente: a convicção católica não é abandonada, mas apro fundada à luz de novos dados, redimensionada, expressa de uma forma mais complexa, mas també m mais precisa , justa e verdadeira no que respe ita à compreensão da eclesialidade das Comunidades cristãs separadas . Com esta fó rmu la, o Concílio quis dizer que só na Igrej a católica a Igrej a de Cri sto continua a existir, em plenitude:
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"com todas aquelas propriedad es e aqueles elementos est rut urais que não pode perder". Mas, ao mesmo tempo, "reconheceu que,forada Igrejacatólica,não há simplesment e 'elemento s ecles iais' dispersos, mas 'Igreja s parti culares', nas quais se constrói a Igrej a de Deus graças à celebração da eucarist ia, e há t ambém Comunidades eclesiais que são análogas às Igrej as part iculares cat ólicas, enquanto que a única Igrej a de Crist o está de algum modo presente e operante nelas para a salvação dos seus membros". F. SULLIVAN , "EI significado y la irnpor tan cia dei Vaticano II de oectr. a propósito de la Iglesla de Cristo, no "que ella 88", sino que ella "subsiste en" la Iglesia católica romana", in R. LATOURELLE Ied.). Vaticano /I : balance y persp ectivas . Veinticinco anos despu és (1962- 1987), Salamanca 1987, p. 607.
A Encícli ca Ut unum sint formu la assim esta perspetiva:
"Os elementos desta Igreja, j a presente, existe m, incorporados na sua plenitude, na Igrej a cató lica e, sem t al plenit ude, nas out ras Comunidades, onde certo s aspetos do mistério cristão têm sido, por vezes, mais eficazmente manifestados". Ut unum
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Está claro , pois, que a pretensão de plenitude por parte da Igreja católica se refere só à dimensão sacra menta l- inst ituc ional (aos meios de salvação, particularmente a nível dos sac ramentos e dos ministér ios) da vida da Igreja: não represen ta uma qualquer reivindicação de monopól io da salvação , nem está aqu i em ca usa o aco lhimento efetivo do dom da salvação na vida de cada um dos crentes. Pelo contrário , não se exclui a existênc ia, fora das estruturas visíveis da Igreja cató lica, de cristãos que procuram ser fié is ao Evangelho, antes reconhece-se também a ação do Espírit o Santo e a existênc ia de frutos de sant idade nas out ras Igrejas e Comunidades eclesiais (cf. UR, no 3). De facto, pelos próp rios limites e pecados dos crist ãos catól icos, alguns aspetos constitut ivos do ser Igreja podem realizar-se em maior fi delidade evangélica noutros cristãos e noutras Igrejas e Comun idades ecles iais. Na consciência de t udo ist o e do questioname nto da verdade e da credibil idade da Igreja que a divisão dos cr istãos inevit avelmente traz consigo, a Igreja catól ica tem reafirmado desde o Concílio Vaticano II - através de palavras e gestos dos diversos Papas e de muitas outras iniciat ivas oficiais - que a ta refa ecuménica, a busca da unidade visível da Igrej a é uma opção priori tá ria e irreve rsível. Mas o debate ecuménico acerca do que é exigido para a unidade da Igreja que é pos sível realizar na história - e isso a nível de confissão de fé, de realidades sacramentais e ministeriais, de estruturas da Igrej a - prossegue com grande s dificu ldades. Ocami nho percorrido até agora, apesar de todos os limites e obstácu los, ass inala avanços significat ivos nos últimos 50 anos. O diálogo teo lógico da Igreja católica com as diversas Igrejas e Comun idades ecle siais tem dado frutos ass inaláveis, ainda que careçam de uma ampla receção tanto por parte das autoridades eclesia is como dos fié is das diversa s Confissões . t: import ante sub linhar também que, da parte da Igreja católica, se abandonou uma visão uniform ista e absolutista da
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unidade da Igreja (no fim de contas, um simp les "regresso a Roma"), para se fala r de uma "unidade na diversidade" (cf. UUS, n" 50,54,55,56,60,61 ; cf. t ambém UR, n" 17) e da "unidade necessári a e suficiente" (cf. At 15,28, UR, n" 4 e 18) que importa co ncretizar em fide lidade bás ica ao Evangelho e à t rad ição original e vincu lat iva de testemunho do mesmo Evangelho.
Igualme nte são de assinalar os progressos ecuménicos globais havidos nas última s décadas no sentido de se pensar inequivocamente a unidade futura da Igreja como uma unidad e visível que se tem de expressar em elementos doutrinais e institu cionais básicos reconhecid os e vividos em co mum, ou sej a, uma unidade na mesma fé, no reconhecimento mútu o de ministérios, na celebraç ão comum da eucaristia, no serviço frate rno que decorre das exigências do Evangelho. Mas nunca se pode esquec er qu e a unidade da Igrej a nas circu ns til ncias des te mu ndo e co mo ta refa concreta vivi da por pessoas e comunidades é um proc esso histó rico e uma grandez a diversificada e che ia de tensões, no qual a acão do Espírito eme rge no meio dos limites e fal has, avanços e retrocessos , buscas de f idel idade e infidelida des , por parte dos crentes .
III ( I
1, \
A afirma ção crente da sant idade da Igreja radica nos frutos da ac ão do Espírito Santo e constitu i, desde os prim eiros séculos, um dos dado s basilares da visão da Igreja, sublinhada de novo pelo Concílio Vatic ano II:
"A nossa fé crê que a Igreja, cujo mistério o sagrado Concílio expõe, é indefe t ivelmente sant a," Lumen Genrium, 39. ''>
"Sant idade" é o mais ant igo predicado da Igreja - testemunhado em Inácio de Antioqui a, Pastor de Hermas, Hipólito de Roma e nos símbolos batismais -, do mesmo modo que, como já foi referido , uma das designações primeira s dos cristã os foi precisamen te a denomi nação "os santo s" (ou "sant ificados"). Estamos a falar, pois, de uma realidade que diz algo de muito importante sobre a identi dade da Igreja. De fact o, a afi rmação do Credo na "santa Igrej a" quer dizer, fundamentalmente, que a Igreja é santa e que os cristãos são santos por obra de Deus , enquanto santificados pelo amor de Deus que os esco lheu para uma missã o. Santidade é, por isso mesmo e ant es de mais, uma afirmação sobre a realidade de Deus e sua acão numa história de salvação: a Igreja é santa pela eleição de graça e pela fid elidade de Deus, que co nsti t ui a Igreja em nação santa e povo seu (1 Pe 2,9), pela obra redento ra de Cristo que se ent regou por ela (Jo 17,19; Ef 5,25), pela ac ão do Espírito Santo que habita os fiéis como num temp lo e os sant if ica e capacit a com os seus dons (1 Cor 3,16; 6,11.19; Rm 15,1 6; 1 Cor 12; Ef 4,1 1 s.; GI 5,22).
"Na medida em que a sant idade da Igrej a se enraíza em perman ênci a na sant idade do Deus Uno e Trino - assinala um texto do diálogo cató lico -luterano -, nós confessamos em conj unt o que a Igrej a é indest rutível na sua sant idade". COMMISSiON INTERNATIONALE CATHOUQUE- LUTHÉRIENNE, "êgnse et j ustlficatio n. La compréhension de l'Église à la lurniêre de la doctrine de la justificatian - 199 3 ~, in La Documentarian Cotholique 210 1 (1994) no 149. p. 833.
Na afirmação da santidade da Igreja prevalece, pois, a sua dimensão obj etiva: a Igreja é santa naquilo que a constitui estruturalmente, como resultado da revelação de Deus, da sua iniciativa salvadora culminada no acontecimento Jesus Cristo e no dom do seu Espírito. Trata-se de uma santidade percet ível nos frutos desse acontecimento: a Palavra de Deus escrita e proclamada, o depósito da fé, os sacramentos, os ministérios, etc. Nessa mesma ordem de ideias, a santidade da Igreja radica e manif esta-se na indissolubilidade da sua ligação a Jesus Cristo, com todas as consequências que daí decorrem: por dom de Deus a Igreja é indefetivel (ela permanece est rutu ralmente fiel à sua realidade original segundo o plano de Deus, não sendo destr uída pelo pecado e pela maldade humanos) e é infalível (ela não pode errar naquilo que é o fun damentai do Evangelho, mas permanece essencialmente fiel à verdade e ao dom da salvação que deve teste munhar e realizar).
Mas a sant idade da Igreja tem, obviament e, também uma dimen são subje tiva, ela tra duz-se e frut if ica na apropriação por parte dos crentes dos dons de Deus . A Igreja é também Igreja dos santos, ela produz, supor ta e continua a gera r santos no seu seio. Isso mesmo é uma realidade verificável ao longo de do is mil ano s de hist ória da Igreja e na vida de muitos crentes nos dias de hoje, apesa r de todas as fragilidades e pecados que os afetam . A afirmação crent e de qu e a Igreja é santa lembra, por isso e de modo particu lar, a ch am ada de t odos os crentes à sant idade como dado basilar para o ent end im ento da existência cristã e seu processo de maturação, na busca de seguim ento de Jesus (cf. LG, Cap. V e a Carta Apostó lica Novo Miflennio Ineunte, no 30). Esta chamada universal à sant idade ultrapassa , aliás, as fronte iras da Igreja cató lic a, pelo que importa também acol her e reconhecer os frutos de sant idade existentes nas outras Igrejas e Comunidades eclesiais e seu signific ado ecuménico na busca da unidade da Igreja.
Reaf irmando embora sem qualquer reserva a fé na santidade da Igreja, o Concílio Vat icano II mostrou-se, no entanto, mais consciente de que , na situação de peregrinação que a Igreja vive a caminho da eternidade , a sant idade é sempre uma santidade "imperfeita". Lê- se em Lumen Gentium, no 48:
"Enquanto não se estabelecem os novos céus e a nova terra em que habit a a ju sti ça (cf. 2 Pe 3,13), a Igreja peregrina, nos seus sacramentos e nas suas instituiçõ es, que pert encem à presente ordem t emporal, leva a imagem passageira deste mundo e vive no meio das criaturas que gemem e sofrem as dores de parto, esperando a manifestação dos filho s de Deus (cf. Rm 8,19-22)".
Mais ainda , reconheceu que a Igrej a, co ntendo pecad ores no seu seio, "simultaneamente sonta e sempre necessitado de purificação, exercito continuamente o penitência e o renovação " (LG, no 8). O Concílio sublinhou , consequentemente, que a Igreja peregrina é chamada por Cristo a uma "refo rma perene":
"Toda a renovação da Igrej a consiste essencialmente numa maior fid elidade à própri a vocação. Esta é, sem dúvida, a razão do movimento para a unidade. A Igreja peregrina é chamada por Cristo a essa reforma perene [perennis reformatio]. Como instituição humana e terrena, a Igrej a necessita perpetuamente desta refo rma" Unita tis Redintegratio, 6.
~ assim claro que falar da santidade da Igreja não é negar a exis tência d e infideli dades e de pecado no seu selo . A afirmação da fé não consiste em proclam ar de for ma "idealista" que a Igreja é santa, alheand o-se da fac t icidade histór ica e dos dad os empíricos quotidianos, mas engloba, com realismo, o reconh eci mento de que ela é ao mesm o temp o Igrej a consti t uída por pessoas pecado ras. Essa tensão dialét ica entre a sant idade como dom vivido na f ragilidade de pessoa s livres e nem sem pre fi éis tr adu ziu-se na expressã o "Igrej a sant a dos pecadores" (K. Rahner). ~ uma expressão que tenta man ter a presença simultânea dos dois elementos (sant idade e pec ado na Igreja), ainda que não estejam situa dos exatamente ao mesm o nível (há sempre a pr ior idade do agir sant ificador de Deus sobre a ação pecadora do s seres humanos).
Sem de ixar de ter presente esta pri orid ade , na receção do Concí lio e num pro cesso de ama dureci men to da fé em term os de consciência hist ór ica, te m vindo a verificar-se uma perceção e uma sensibilidade mais apuradas para o fact o de que a realidade da Igreja, sendo fr ut o da ação de Deus e da liberdade humana, constit uída por autê nticos "sant os" mas tamb ém po r pessoas peca do ras, não pode ser abso lut izada nos seus elementos insti t ucionais, nas suas realizações práti cas, na globa lidade dos co mpo rta mentos dos seus membros, mesm o dos qu e exercem f unções de maior responsabilidade. Ant es, t udo nela está suj eito à "reserva escatológ ica" (ao j uízo definitivo de Deus) que abarca todo o exist ir crente, individual e comunitá rio. Nessa linha têm surgido af irmações do magisté rio que cha mam a atenção para as falhas e pecados comet idos pelos membros da Igreja ao longo da histó ria, com consequências que marcam profu nda men te a Igreja e perd uram no tem po (cf., por exemplo, a Carta Apos tó lica Terti a Miflenni o Adveniente,
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nO' 34 e 35, ou a Encíclica Ut Unum Sint, no 34). Parti cularmente significat ivos têm sido os dive rsos ped id os de perdão por parte dos Papas nas últimas décadas, desde Paulo VI ao Papa Francisco. São gestos que sinalizam uma ati tude de veracidade, um esforço de aute nticidade, uma consciência crente realista do que a vivência do mistério da Igreja na histó ria significa. Nest a consciência, a ref lexão te ológica mais recente, na atenção aos aconte cimentos da vida real e também desperta pelo diálogo ecuménico co m as Igrej as e Comunidades eclesiais do Ocidente, fa la mesmo de " Igreja sa nta e pecad ora ", Com isso, mais uma vez, não se está a falar de duas dimens ões iguais ou equivalentes . Preten de-se, sim, sub linhar, com t odo o rea lismo e verd ade, que o pecado dos mem bros da Igreja afeta a próp r ia Igrej a: na sua cred ibilidade, na autoridade com que fa la, no testemu nh o da santidade de Deus que dela brota (ou não!). Mais ainda: reconhece-se que também na Igreja, e como fruto dos pecados pessoais ao longo dos tempos e nos nossos dias, há "pecados estruturais", isto é, realidades de pecado que nos cond icio nam, que afetam o rost o da Igreja e que não somos capazes de supera r de forma linear e efeti va (por exemplo, o problema da divisão dos crist ãos). Com isso acent ua-se de modo incisivo que o "indic ativo" da sant idade concedida grat uit amente por Deus anda assoc iado ao "im perati vo" consta nte do apelo à santid ade (1 Ts 4,3-7; 2 Cor 7,1) e que a Igrej a tem constantemente necessidade de pen itência, de purificação e de renovação.
A expressão "cató lica", referida à Igreja, não aparece no Novo Testa mento , mas encontra mo-Ia j á em Inácio de Antioquia (morto por volta do ano 110) para designar a Igreja intei ra, em diferen ciação das Igrejas locais episcopais, e na obra "Mart yrium Policarpi" (do ano 156). No uso da palavra não se tem em vista apenas a uni versalidade geográfica, mas também a plen itude de verdade e de salvação que brota da ac ão redentora de Jesus Cristo, testemunhada na vida da comunidade eclesial. Ainda que progressivamente, em parti cu lar no confronto com as seitas e as heresias, se apele ao signif icado relevante de a Igreja ser uma realidade com uma extensão geográfic a "universal" (dentro dos par âmetros de então) frente a comunidades mais delimit adas localm ent e, preva lece de um modo geral o se ntido pr imeiro e mais denso, que vê " Igreja católica" co mo exp ressã o sinónima de Igreja "verdadeira", "or todoxa'', "completa", "íntegra", na qual se manifesta a plenitude de graça e de verdade que nos foi dada em Jesus Cristo. Nesta ordem de ideias, no uso sucessivo da expressão, ainda que não se deixe de valorizar a dimensão " quant it at iva" do conceito (seja em te rmos geográficos, histó ricos, numéricos ou socio lógicos), ao ponto de os dois aspetos aparec erem frequentemente unidos, percebe-se como determinante o "sentido qualitativo" da palavra. Isto é, proc ura traduzir-se assim a co nsciência de se estar perante a verdadeira Igreja espalhada pelo mundo ou da com unidade local em união com ela. No Conc ílio Vat icano II, a dimensão da cato licidade da Igrej a emerge na Lumen Gentium intimamente ligada à legítima divers idade e à riqu eza de expressões teológ icas, li t úrgicas, esp irituais e canón icas da fé católica no seio das Igrejas parti culares:
r "Em virt ude desta mesma catolicidade, cada uma das part es traz às outras e a toda a Igreja os seus dons partic ulares, de maneira que o tod o e cada uma das partes aumente m pela comunicação mútua entre todos e pela aspiração comum à plenit ude na unidade". Reconhece-se assim que "na comunhão eclesial existem legitim amente Igrej as part iculares com tra dições própr ias, sem detri mento do primado da cátedra de Pedro, que preside à universal assembleia da caridade, protege as legítimas diversidades e vigia para que as parti cularidades ajudem a unidade e de forma alguma a prejudiquem". Lumen Gentium , 13; cf. ta mbém n- 17.
No Decreto Ad Gentes, a dimensão de catolicidade t raduz-se, para a Igreja, na nec ess idade de encarnar nas condições soc iais e cu ltura is dos diversos povos , de modo a pode r oferecer a tod os o mistério de salvação e a vida tr azida por Deus (AG, no 1O; cf. ainda no 22). No Decreto Unitatis Redintegratia, no 4, no contexto do problema ecuménico, ent ende-se a cato licidade da Igreja como vivência da comunhão que procura guardar "a unidade nas coisas necessárias", co nservando ao mesmo te mpo "o devido liberdade tonto nos vários formos de vida espiritual e de disciplino, como no diversidade de rito s litú rgicos e até mesmo no elaboração teológico do verdade revelado". (Cf. ainda Ad Gentes , nO> 4 e 15; Evangelii Nuntiandi, nO> 62-64).
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Dom de Deus e tarefa humana (pessoa l e eclesial) co mo as out ras notas da Igreja, a catolicidade fundam enta -se, antes de mais, no mistério de Deus Uno e Trino (comunhão plural) e no plano salvíf ico único e universal de Deus, manifestado em Jesus Cristo a favor de toda a humanidade (1 Tm 2,1 -6; cf. Rm 3,29 s.: 10,12; Ef 4,4 ss). A Igreja está ao serviço desta vont ade salvífica universal de Deus que, em Jes us Cristo , encont rou a sua expressão plena e def init iva e que est á present e e atuante no mundo pela acão do Esp írito . A catolicidade da Igreja é a expressã o hist órica de que o Espír ito Santo, fonte de unidade e de diversidade, const rói a comunhão assumindo, sem as destruir, as diversidades específicas, as particularidad es concretas da vida dos seres humanos no seu contexto existencial próprio. Pela ação do Espírito Santo cruzam-se, assim, a base da catoli cidade que brota da pluralidade real das pessoas, com suas culturas, histórias e desafios próprios, com a fonte primeira da cato licidade, enraizada na ini ciativa li vr e e gr atuita de Deus qu e chama as pes soas e as comunidades de acordo com as suas situações singulares. A cato licidade acontece e exprime-se, pois, no encontro da pl enitude dos dons salvíficos que nos são dados em Jesus Cristo com a enorme amp lit ude de possibilidades que existem nos seres humanos, pessoas inte rp eladas por situações histórico- cult urais muito conc retas e diversif icadas. Na vivência da cato licidade , como dom e tarefa qu e é, estão envolvidos diversos registos ou dimensões. Catol icidade ped e, antes de mais, busca permanente de fide lidade à identidade da Igrej a de Jesus Cri sto no meio dos desenvolvimentos histó ricos, sent ido da ident idade cristã mais plena face às nossas própr ias realizações pessoais e co munitárias. Est a preoc upação pela aute nt icidade fiel da Igreja na sua tota lidade, esta referência à plenit ude da existên cia cris tã em Igreja, q ualifica todos os níveis do viver ecies ial: a catolicidade é tanto tarefa da Igreja universa l como da Igreja local , cada realização de Igrej a e cada existência pessoal têm de trazer em si a atitude menta l e prática de abertura à catolicidade. Cato licidade co mo fruto da ação do Espírito exige, ao mesmo tempo, sens ibilidade atenta e aberta às riquezas diversas que tecem o viver humano, ta nto a nível individual co mo co munitá rio. A capacidade de comunhão no meio das diversidades legítimas é uma da s exp ressões indispensáveis de autêntica catolic idade. A catolicidade apresenta -se também como t aref a ecuménica . A experiência da div isão confe ssional mos t ra que todos os cristãos, também os católicos, são afetados na possibilidade de uma vivência mais autê ntica e plena da catolicidade: com a realidade das divisões atuai s perdemos ou não co nseguimos realizar coe rente e co nvincentemente eleme ntos impor tantes da mais plena iden tidade da Igreja . A Igreja é chamada, ainda e decisivamente, a ser católica no modo como entende a intencion alidade f unda menta l da sua razão de ser e da sua missão. O testemunho do Evangelho como propost a de salvação tem um horizont e unive rsa l, destina-se a ser concretizado em todos os temp os e lugares, na transparência da sinalização do amor de Deus para com todos os seres humano s. A catolicidade aparece assim como uma expressão e uma exigência da tar efa missionária da Igreja. A cato licidade tem de ser vivida , enfim, como afir mação da esperança cristã que aponta para um horizonte final de comunhão e de reconciliação de toda a humanidade junto de Deu s. A Igreja é católica na medida em que traz co nsigo a esperança e a prom essa de cont ribuir para a unidade de todo o género humano por caminhos de fraternidade, de j ust iça e de paz.
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A Igreja está para sempre ligada ao testemunho or iginal, fundante, dos apóstolos [Texto Complementar 20] . A apos tolicidade é a qualidade da Igrej a que procura viver em fide lidade à sua origem apostólica e ao testemu nho dessa sua origem transm itido de geração em geração. Lê-se num tex to do diá logo ecuménico:
"A tradição apos tó lica na Igrej a imp lica a co nt inuidade na perman ência das características da Igrej a dos após to los: t est emunh o da f é apos tó lica , procl amação e int erpr et ação renovada do Evangelho, celebração do bat ism o e da euc aristia, tr ansm issão das responsabilid ades minist eriais, comunhão na oração, no amo r, na alegria e no sof rime nto, serv iço ju nto do s do entes e necessit ados, un idad e das Igrej as locais e part ilha dos bens que o Senho r deu a cada um", CONSELHOPORTUGUÊS DASIGREJAS CRISTÃS (ed.), Baptismo. eucaristia e minis tério - Convergência da fé, Coimbra 1983, no34, p. 59 s.
Entend ida assim como f idelidade ao testemunho e à doutrina dos apóstolos, percebe- se bem que toda a Igreja é chamada a viver a apostolicidade, a ser fiel ao Evangelho testemunhado pelos apóstolos . Toda a Igreja, todos os membros da Igreja estão envolvidos nessa ta refa de fidel idade e na responsabilidade de testemu nho da fé apostólica .
[O bat ismo] "marca a ent rada de cada cristão na vida e na fé apostó licas da Igreja e a apropriação de stas . Enquant o elemento esse ncial na vida de t oda a Igrej a e de t odo o cristão , a aposto licidade não es t á, pois, absoluta mente reservada ou limit ada à esfe ra do ministéri o hierárquico. Porque do mesm o modo co mo, pelo bat ismo, t emos parte no sacerdócio real e profét ico, do mesmo modo, por est a co nf issão bat ism al, tornamo-nos, nós também, portadores da apostolicidade da Igreja". "L'apostohcrt écomme don de Dieu dans la vie de l'Egfise. Déclara tion com mune de la Commission consultative c at hoüq ue-orthodoxe des Etat s-U nis", in La Documentation Cotholique 1946 (1987) p. 872 .
Isto nada retira ao lugar específico, ao significado único, do ministério apostólico, do ministério na continuidade do ministério dos apóstolos. De facto, na continuidade do testemunho dos apóstolos e ao serviço da tradição apostó lica há a sucessão no ministério apostólico, sucessão em te rmos de min istério e missão (sucessão em sentido estrito). A sucessão epis copal histórica - sucessão dos bispos na co ntinu idade do ministério apostó lico - está ao serviço da apostolicidade de doutrina, do testem unho verdadeiro do Evangelho em todas as suas dimensões.
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A sucessão histórica no episcopado integ ra-se , pois, numa realidade mais ampla, ela está ao serviço da apostolicidade de toda a Igrej a e de todos os seus membros. Assim, a sucessão apos tólica não se pode separar com pleta mente da apos tolicidade de to da a Igreja, mas co ndicionam -se, garantem-se mutuamente . Escreve a Comissão Teológica Internacional:
':4 sucessão apostólica é, portanto, este asp eto da natureza e da vida da Igreja que mostra a dependência atual da comunidade em relação a Cristo através dos seus enviados. O ministério apostólico é, assim, o sacramento da presença atuante de Cristo e da Espírito no meio do Povo de Deus, sem que sej a minimizada por iss o a influência imediata de Cristo e do Espírito sobre cada fiel". COM MISS ION THI:O LOGIQUE INTERN ATtONAL E. "I 'apostolicité de l'Éghse et la suc ession ep ostolique", in la Document ar ion Cotholique 1657 (1974), p. 617.
Na perspetiva catól ica, a sucessão apostólica ministerial só é plenamente realizada pela sucessão no ministério episcopal, pois só ao bispo é dada - pela consagração episcopal, realizada pela imposição das mãos com a invocação do Espírito Santo (cf. LG, no 21)- a plenitude do sacramento da ordem. Nessa visão da importância estrutural da sucessão apostólica no ministério episcopal concordam com a Igreja católica também as Igrejas ortodoxa, anglicana e vet erocatólica. A sucessão apostólica no ministério episco pal não consiste, tod avia, simples e primeiramente numa cadeia ininterrup ta de bispos ordenados sucessivamente, mas sim numa sucessão no ministério de presidência de uma Igreja (iocal) que se encont ra na cont inuidade da fé apostó lica e sobre a qual o bispo vigia, para a manter na comunhão da Igreja católica e apostólica.
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Com a ordenação episcopal cada bispo passa a ser membro do colégio dos bispos (cf. LG, no 22), que, em continuidade com a missão dos apósto los, tem a missão de conservar na sua integridade a verdade da fé e a co munhão das Igrejas locais e da Igrej a inte ira. Segundo a con vicção católica, o episcopado como um todo, em união com o Romano Pontífice, sucessor de Pedro, mantém-se fiel à verdade fundamental do Evangelho. Neste sentido a Igreja cató lica ente nde a sucessão apostólica no ministério episcopal (a sucessão ininte rrupta dos bispos no ministério) co mo sinal e serviço da apostolicidade da Igreja (apostolicidade de doutrina) e como garantia, sob a condução do Espírit o Santo, da permanência na mesma fé ao longo dos t empos e em todos os lugares. A sucessão episcopal histórica apresenta-se, assim, como um elemento estr ut ural, inalienável da vida da Igreja, como a forma indispen sável para a tr ansmissão da sucessão apostó lica, em ordem a que a Igreja persevere na f idelidade ao Evangelho e na vivência da comu nhão na mesma fé.
Texto Complementa r 19 "A palavra grega «syrnbolon» signif icava a metade dum objeto partido (por exemplo, um selo), que se aprese ntava como um sinal de ident if icação. As duas partes eram justapostas para verificar a identidade do portador. O «símbolo da fé» é, pois, um sinal de identificação e de comunhão ent re os crentes. «Syrnbolon»t ambém signif ica resum o, coletâ nea ou sumário. O «símbo lo da fé» é o sumário das pr incipais verda des da fé. Por isso, serve de ponto de referência prim ário e fund amental da catequese". CIC 188 .
"Foram num erosas, ao longo do s séculos, e correspondendo sempre às necessidades das diferentes épocas, as profissõ es ou símbolos da fé: os símbolos das diferentes Igrejas apost ólicas e ant igas (7), o símbolo «Ouicurnque», chamado de Santo Atan ásio (8), as profissõe s de fé de certos concílios [(Toledo (9); Latrão (10): Lião (11) Trento (12)] ou de certos papas, como a «Fides Damasi» (13) ou o «Credo do Povo de Deus», de Paulo VI (1968)". e le.
no 192.
Texto Compleme ntar 20
No Novo Testamento, o te rmo "apóst olo" não é tot almente unívoco, tem alguma diversidade de sent idos. Designadament e, não se pode fazer uma identificação pura e simples ent re "Os Doze" e os "Apóstolos". De "apósto los" em sent ido rigoroso do t ermo só se pode falar depois da ressurreição e engloba-se dentro dest a expressão um conj unto diversificado de pessoas enviadas pelo Senhor Ressuscit ado como suas testemunhas. Além do grupo mais restr ito dos discípulos de Jesus e do Grupo dos Doze, o te rmo no Novo Testamento engloba todo um conj unto de missionários do Evangelho. De resto , na caracterização do que é "ser apóstolo" do conceito de apóstolo Paulo e Lucas não coincidem tota lmente. Para Paulo, apóstolo é aquele que é t estemunha da ressurreição (a póst olo é aquele a quem o Senhor crucificado se revelou como o Senhor vivo - para o seu caso é fundamentai a chamada de Damasco - cf. Gl 1,1 5-17) e que foi enviado pelo Senhor para o anúncio missionário (GI1 ,15-17; 1 Cor., 1,1.1 2; 1 Cor 9,1 s.; 15,7-11). Na perspetiva de Lucas (conceção inst itucional de "apóstolo ") apósto lo é aquele que é t estemunha de Jesus terreno e t estemunha da sua ressurreição. Mas essa diferença não toca em nada de esse ncial : na linguagem e na ment alidade da Igrej a primit iva, qu er considerado como embaixad or e represent ant e de Cristo (con ceção de Paulo), qu er como t est emunh a da vida de Jesus (conceção de Lucas), o apó sto lo mant ém uma relação de fi delidade para com aquele que o encarregou de o repr esent ar e do qual dá tes te munho. Em síntese, pode dizer-se que ser apóstolo, à luz do conj unto do Novo Test ament o e no seu significa do permanent e para o fu tu ro da Igrej a (nomeadamente para a caracterização f undamental do min ist ério orden ad o na co.ntinui dade do mini stéri o apost ólico), se carac teriza por t rês elementos fun dament ais: o facto de ser um a test emunha qualif icada do acontecimento J esus; o anúncio do Evangelho com autoridade; a fund ação e direção das com unidades cristãs.
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