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Queridos Alunas e Alunos Estimadas Famílias Caros Docentes É com grande alegria que vos ent regamos os manuais de Educação Mora l e Religiosa Católica, que foram preparados para lecionar o novo Programa da discip lina, na sua edição de 2014. O que aqui encontrareis procura ajudar, cada um dos alunos e das alunas que frequen ta m a disciplina, a «posicionar- se, pessoalmente, frente ao fenómeno religioso e agir com responsa bilidade e coer ência», tal como a Conferência Episcopal Portuguesa definiu como grande finalidade da discip lina*. Para tal, realizou-se um extenso t rabalho que pretende, de forma pedagogicamente adequada e cientificamente significativa, contribu ir com seriedade para a educação integ ral das crianças e dos jovens do nosso País.
Esta ta refa, realizada sob a supe rior orientação da Conferência Episcopal Port uguesa, a responsab ilidade da Comissão Episcopal da Educação Cristã e Dout rina da Fé e a dedicação permanente do Secretariado Nacional da Educação Cristã , envolveu uma extensa e mot ivada equipa de trabalho. Queremos, pois, agradecer aos autores dos t ext os e aos art istas que elabo raram a montagem dos mesmos , pelo seu entusiasmo permanente e pela qualidade do resultado fina l. Também refer imos, com apreço e gratidão, os docentes que experimentaram e comenta ram os manuais, ainda durante a sua execução, e o contributo insubstituível dos Secretariados Diocesano s responsáveis pela disciplina na Igreja local. E a todos os docentes de Educação Moral e Religiosa Católica , não só entregamos estes indispensáveis instrumentos pedagógicos como aproveitamos esta feliz ocasião para sublinhar a relevância do seu fundamen tal papel, nas escolas e na formação das suas alunas e dos seus alunos, e testem unhamos o nosso reconhecimento pelo seu ext enso comp romisso pasto ral na soc iedade portu guesa. Do mesmo modo, estam os agradec idos às Famílias, porque desejam o melhor para os seus filhos e filhas e, nesse conte xto, escolhem a disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica como um import ante contributo para a fo rmação e o desenvolvimento pleno e feliz dos seus jovens. Os jovens conformam o nosso futuro comum e o empenho sério na sua educação é sempre uma garantia de uma socied ade mais bondosa, mais bela e mais justa. Finalmente, queridas crianças e quer idos jovens, a Igreja quer ir ao vosso enco ntro, esta r con vosco , ajudar-vo s a viver bem e, nesse sentido, colaborar com o esforço de construção oe um mundo melhor a que sois chamado s, enraizados e firmes (cf. Coi 2, 7) na proposta de vida que J esus Cristo tem para cada um de vós. É esse o horizonte de vida, de missão e de fut uro, a construir convosco, que nos pro pomos realizar com a disc iplina de Educação Moral e Religiosa Católica . Em nome da Conferência Episcopal Port uguesa e no nosso próprio, saudamos todas as alunas e todos os alunos de Educação Moral e Religiosa Católica de Port ugal com alegria e esperança , Comissão Episcopal da Educação Crist ã e Dout rina da Fé Lisboa , 19 de março de 2015, Solen idade de s. José , Esposo da Virgem Maria e Padroeiro da Igreja Universa l
* Conf erência Episcopal Portuguesa, (2006), Educação Mora l e Religiosa Católica - Um valiosa contributo para a formação da personalidade, n. 6.
Cara Aluna, Caro Aluno Frequentar o Ensino Secundário e matriculares-te em Educação Moral e Religiosa Católica, diz alguma coisa sobre ti. .. Talvez tu não tenhas a certeza do que diz, talvez tenham sido os teus amigos a desafiar-te - e ainda bem - ou porque o professor ou a professora é alguém que tu aprecias, o que é excelente, ou... e nada disto se exclui, escolheste EMRC porque tens vontade de pensar, de discutir, de construir novas ideias sobre alguns temas que parecem ser importantes ... ou interessantes ... ou, tu lá sabes! Nós estamos aqui para isso. Propomos-te um caminho, um Caminho que podes organizar em conjunto com o teu professor ou professora, passando pelas seguintes dez etapas: UL 1 - Política, Ética e Religião; UL 2 - Valores e Ética Cristã; UL 3 - Ética e Economia; UL 4 - A Civilização do Amor; UL 5 - A Religião como Modo de Habitar e Transformar o Mundo; UL 6 - Um Sentido para a Vida; UL 7 - Ciência e Religião; UL 8 - A Comunidade dos Crentes em Cristo; UL 9 - A Arte Cristã e UL 10 - Amor e Sexualidade. Provavelmente, já tens aulas de EMRC há alguns anos, mas também podes ter acabado de chegar... Em qualquer dos casos, se deres uma vista de olhos no Programa da disciplina, ficas a saber que fizemos todo este trabalho tendo uma grande Finalidade em vista: ajudar os alunos, ajudar-te a ti, a «Aprender a posicionar-se, pessoalmente, frente ao fenómeno religioso e agir com responsabilidade e coerência». A partir desta primeira página do teu manual, ou melhor, de cada um dos fascículos, que, no todo, constituem o manual de EMRC do Ensino Secundário, podíamos começar já a explicar-te tudo isso. Mas não. Tu, em conjunto com os teus amigos, os teus colegas e com a ajuda dos teus professores, é que vais encontrar essa explicação, muitas das explicações que te fazem falta, que queres e que procuras. Depois, talvez queiras partilhá-Ias com os outros amigos e - quem sabe? - em tua casa, com a tua família. E quando for a hora certa, vais ter de começar a fazer algumas escolhas, daquelas que têm mesmo importância para o resto da tua vida. O ensino secundário tem, por isso, uma importante componente vocacional, contribuindo para que definas quem é que tu queres ser e o que é que queres fazer com a tua vida. Nessa altura, esperamos que estes manuais, com os seus textos, as suas imagens, as suas vozes, as suas sugestões e as suas «janelas» sobre a realidade próxima e longínqua, te possam ajudar. Entretanto, deixamos a palavra mais importante para quem sabe mesmo dizer isto, os artistas. Fica connosco, fica com a poesia, fica bem; EMRC é para ti e para te ajudar a escolheres um futuro de beleza, de bondade e de justiça, uma vida boa e feliz!
Escuto
Escuto mas não sei Se o que oiço é silêncio Ou Deus Escuto sem saber se estou ouvindo O ressoar das planícies do vazio Ou a consciência atenta Que nos confins do universo Me decifra e fita Apenas sei que caminho como quem É olhado amado e conhecido E por isso em cada gesto ponho Solenidade e risco Sophia de Mello Breyner Andresen Obra Poética I, 1992, Lisboa, Círculo de Leitores. Geografia, 2004, Lisboa, Editorial Caminho , p. 30.
Com votos de um ótimo trabalho, agradecemos a tua confiança!
A equipa de Autores
Arte Cristã 8
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Arte Cristã Arte e espiritualidade 1. A arte int erpret a o mundo e a condição humana: nem só de pão vive o ser humano 2. Que arte? Uma proposta gradativa para dizer o indizível: arte sacra,arte religiosa, arte cristã 2.1 A necessidade de ref letir sobre os co nce itos 2.2 As imagens da Imagem 2.3. "Deus connosco": a cultura artística como manifestação de Deus 3. Artes do Espaço: o espaço transfigurado 3.1 . Visita ao lugar da reunião entre Deus e os home ns: as pedras visíveis que falam da tra nscendência 3.2. A manei ra de visita guiada 4. A arte cr istã na Época Antiga e na Época Medieval 4.1 . O discu rso da arte paleocris tã e os primeiros cenários da fé 4.2 O discu rso românico e a omn ipresença de Deus sobre o cosmos 4.3. O discurso gótico e a humanização de Deus 5. A arte cristã na Época Mode rna 5.1 . O discurso renasce nt ista e a nova proporção entre o homem e Deus 5.2. O discurso maneirista e a nova perceção da relação entre os homens e Deus 5.3. O discurso barroco e o triunfo da Igreja 5.4. O discurso rococó e a ambiência ref inada 6. A arte cristã na Época Contemporânea 6.1 . O discurso neoclássico e a ambiência áulica 6.2. O discurso român tico e a consciência de uma nosta lgia da época de ouro 6.3. O discurso do modernismo, dos estilos de vanguarda e do pós-modernismo e a polifonia visual da interpretação do mundo nos sécu los XX e XXI 7. A arte no quotidiano cristão 7.1 . Joias da Fé: a ourivesaria 7.2. As vestes da celebração 7.3. Os diferentes dispositivos cénicos que formam o espaço da celebração 7.4. As páginas das iluminuras 7.5. Os marcos da 'Via Crucis' 8. Em favor de Deus e dos home ns: patrimón io da Igreja, cult ura da human idade - moste iros, cated rais, conven tos e santuá rios 9. Criar a partir da Palavra: as fontes para as narrativas plásticas
Música 83
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1. Introd ução: te rminologia e abordagens 1.1 . Quatro conce itos e te rmos 1.2. A liturgia 2. Uma história resumida da música sacra 2.1 . Os primórd ios 2.2. O canto gregoriano 2.3. A música polifónica 2.4. A Reforma 2.5. A Contra-Reforma 2.6. As tendências "operáticas" 2.7. O sécu lo XX 3. Missa e motete 3.1. A lit urgia da Missa 3.2. As secções da missa musicada e a sua est rutura 3.3 A evolução da música destinada à missa 3.4 O motete 4. Os ofícios 4.1 Os ofícios e a sua origem 4.2 Os conteúdos 4.3 A importância de Vésperas 4.4 Matinas 4.5 O vilancico nas tradições ibero -americanas 5. A música e as litu rgias dos defun tos 5.1 . As três lit urgias 5.2. O ofício dos defuntos 5.3. A Missa dos defuntos e o Requiem 5.4. Alternativas ao Requiem t radicional 6. Observâncias marianas 6.1 . Ant ífonas marianas 6.2. Ave Maria 6.3. Stab at mater 6.4. Novenas de N. Senhora 7. Te oeum e a procissão de Corpo de Deus 7.1. A Ação de Graças e o hino Te Oeum laudamus 7.2. A festa de Corpo de Deus 8. A música lute rana 8.1 . Lutero e a Música 8.2. A cantata 8.3 A missa 9. A música anglicana 9.1 . A importância dos ofícios 9.2. O hino 9.3. Os hinos de Natal 9.4. O anthem 10. O órgão 10.1 A construção do órgão 10.2 Tradições nacionais de organar ia 10.3 O órgão na lit urgia e fora dela 11 . Paixão, oratória e ópera sacra 11 .1 A paixão de Cristo 11.2 A oratória 11.3. A ópera sacra Epílogo Leit ura supleme ntar
í Literatura Cristã 109
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110 113 114 116 117 118 119 121 122 124 126 128 129 130 132 133 135 137 139 141 142 144 146
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1. Literatura, literatura sagrada, literatura religiosa, literatura cristã e lit erat ura de cris tãos 2. Os Evangelhos 3. A lit erat ura epistolar e episto las papais 4. A lit erat ura catequética 5. A lit erat ura apo logética 6. A literatura martiria l e hagiográfica 7. A lit erat ura autobiográfica e auto-hagiográfica 8. A literatura lit úrgica 9. Comentários bíblicos 10. A literat ura devocional ou esp iritual 11. A literatura mística 12. A literatura cristo lógica 13. A lit erat ura confessiona l e conciliar 14. A lit erat ura histórico-ec lesial 15. A literatura poética 16. Apotegmas e regras monásti cas 17. A lit erat ura monástica 18. A lit eratu ra pastora l 19. A literatura homi lét ica 20. A literatura missionária 21 . A lit erat ura tratadística 22. A litera tura pen itencia l 23. A literatura ficc ional
Religião e Arte 148
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Palavra de Manoe l de Oliveira no encontro de Bento XVI com o mundo da cultura
A Igreja e os artistas 150
150
Relação, tensão e diálogo
159
Ler uma obra de arte através do s elementos mais expressivos .
Conclusão 152 Bib liografia 157 Anexo 159
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C is ã Os cristãos acreditam que o Universo é criado por Deus de uma forma que o faz «muito bom e belo» (Gn . 1,31)1, com «peso, conta e medida» (Sb. 11 ,21) e amado profundamente pelo Criador a ponto do próprio Deus-Filho Se ter feito ser humano neste mesmo Universo. Quer dizer, ter vindo habitar corporalmente neste Universo para, como o «Belo Pastor» (Jo. 10,11) que permitiu dar a contemplar e representar o próprio Deus até aí «invisível» (Coi. 1,15), o salvar, com a colabora ção das nossas «belas obras » (Mt. 5,16)2, de tudo o que poderia impedir a comunhão de amor com o Deus-Amo r, os demais e a restante Criação. A palav ra hebr aica tov que, normalmente. ape nas Devido a isto, o Crist ianismo tem uma relação absolutamente única se traduz por "bom", signif ica , igualmente, "belo". com todas as formas de uma Arte sempre louvada pela Bíblia - esse 2 A palavra grega , ko/ós , que, nes t as dua s últi mas passagens bíbl icas se t raduz freque nteme nt e pulmão de textos através dos quais os cristãos também respiram espisomente por "bom", signi fi ca, igual e pri meiraritualmente. Quer dizer, com todas as formas de realizar, com destreza mente, "belo ". e criatividade, algo dotado de beleza e, ao mesmo tempo, este mesmo algo; pertença este aos mais diversos âmbitos: da literatura à pintura , passando pela arquitetura, música, teatro, escultura, cinema, etc .. 1
Este facto é de tal modo marcante, que a Civilização humana, que desde a sua origem anda de mãos dadas com a Arte, seria totalmente diferente daquilo que é sem o que, inspirados no que dissemos no parágrafo anterior, tantos e tantos cr istãos sonharam, trabalhara m e criaram . Talvez, porventura por darmos tudo isso por adquirido até que alguém o come ce a destru ir fruto das suas convicções ideológicas ou religiosas, não pensemos nisso . Talvez. Mas que seria deste Mundo , tão amado por Deus, sem, por exemplo , as pinturas de Michelangelo na Capela Sistina? Ou sem a Catedral de Chartres? Ou sem o Senhor dos Anéis de J.R.R.Tolkien? Ou sem A Paixão segundo São Mateus de Johannes Sebastian Bach? Ou sem a estátua em bronze de David de Donate llo? Ou sem o filme "A Missão" de Roland Joffé? É difíc il, senão mesmo impossível, imaginar esse cenário , mas, de todos os modos, seria, sem dúvida alguma, um Mundo infinitamente mais triste, mais feio , mais desumano e, por conseguinte, menos divino. Para a visão cristã da realidade, inclusive no que esta estima ser a correta relação dos seres humanos ent re si e com Deus, a Arte verdadeira não é algo de acessório, ou meramente tolerado. Ela é essencial a essa mesma visão. E é-o, não só por, naqui lo que geralmente nos apercebemos em primeiro lugar, fazer as emoções, que também proclamam a fé e lhe dão uma amplitude humana integra l, exprimíveis e palpáveis. De modo algum: é-o também, por um lado, porque é uma ampla porta para - por formas, cores, sons, textos, etc. - podermos lograr uma intuição e um conhecimento mais integral de uma realidade repleta de Deus e, assim e por outro lado, pois coloca ante os nossos corações novas perspetivas para aquelas convicções, decisões, atitudes e comportamentos que desejamos e queremos viver. Com efeito, toda a Arte verdadeira carrega, em si mesma, ideias que, embora repletas do captável pelos sentidos corporais, apontam para o que está para além destes. A saber e por exemplo: o amor, a ternura, a misericórdia e a beleza de Deus que, de alguma forma , como que podem ser pressentidas no silênc io que surge entre duas nota s perfe itame nte harmónicas; no vazio entre duas curvas de mármo re que se j untam delicadamente; na porção a branco , de uma pintura , entre outras pinceladas com cores mais quentes , mas que são salientadas, precisamente, por aqueloutra; no espaço sem tinta num qualquer livro de poesia que convida a ler o, sempre mais importante, que ficou por ser dito; enfim, por aquele instante fugidio de extraordinária naturalidade que surge numa fotografia. Depois da Páscoa de Jesus, todo o Universo tornou-se, pela bondade de Deus, como uma imensa relíquia. Cristo Jesus, com efeito, veio restaurar, pelo Seu amor, a beleza original e apontar para a definitiva. Compreender ta l amor infinito é impossível, mas o mesmo pode ser contemplado (cf. Jo. 11,40), sendo que a Arte genuína é um dos mais singulares meios para isso. Todavia, isto pressupõe dois elementos que devem convergi r: por um lado, cada artista precisa deixar transparecer, através daqu ilo que cria, um ideal de amo r que o supera; e, por outro, aquele que a contempla necessita de ascender aos cimos do seu coração para, aí, cuidar dos seus sent idos . Aqueles sentidos que permitirão que a beleza da Arte envolva a sua vida espir itual de um modo muito mais inte nso e fecundo do que todas as palavras juntas lograriam . É, jus tamente, desta última realidade que surge a enorme expressividade de uma Arte que, quando é verdadeira, brota das mais banais realidades finitas e perecíveis e volta-se para o infinito, o eterno e o divino, tentando, de modo temático ou atemático, pôr em si todas as interpenetráveis dimensões da verdade, da beleza e do bem. Se assim é, a Arte autêntica em geral e a Arte cristã em particular, que de certo modo é aquela levada à sua máxima expressão por decorrer daquela inspiração em que Deus e o ser humano se beijam maximamente, recorda, transmite, clarifica e antecipa valores que superam
Educação lvioral e Religios a Cato lica
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, - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -o que pode ser avaliado . E este facto, porquanto, no fu ndo, o que inspira a cr iação, sempre testificado ra das mudanças na mentalidade humana , de uma obra de Arte genuína, já chega ao artista sob a fo rma da doce melodia de ta is valores . Provavelmente seja por isto mesmo que tanta gente viveu, de um modo ou de outro e ante esta ou aque la expressão de Arte cristã, experiências de conversão espiri tual, iniciais ou a níveis mais profundos, para o Deus verdadeiro que não é senão Amor. Aque le Deus-Amor que criou , e cria, o nosso cor ação como uma espécie de máquina que só se move com um combustível que é o próprio Deus (cf. Sal. 42,2s) e, dessa forma, envolve os afetos, motiva o pensa mento, orienta a vontade, fomenta a acão e, em consequência disto t udo, susci ta relações que t ambém podem , e devem , ser celebradas pela Arte cristã . Por tudo o que foi mencionado, a educação e formação cristã para a apreciação e valorização da Arte verdadei ra, bem como para a assunção dos códigos cristãos do que é a Arte cristã , não deve ser algo de despiciente na educação para uma saudável vida cristã multi-abrangente. Uma que, também pelo contacto com a Arte e - por que não? - a própria criação de Arte marcada pelo sorriso de Cristo Jesus, poderá desenvo lver no aluno a experiênc ia da fé, da esperança e, sobretudo, de um amor que darão a conhecer melhor os ensinamentos de Jes us. E tudo isto de modo a, um dia, o mesmo poder, mais e melho r, «contemplar a beleza do Senhor» (Sol. 27,4) e «resplandecer o conhecimento da Sua manifestação que está na face de Cristo » (2Cor. 4,6).
Sacrária, igrej a do Mos teiro de Singeverga. Padre Paulino Luís de Castro .
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i\ A rte Cristê
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A te e e piritualidade
Cruz alta da recinto de oração do Santuário de Fátimo . Robert schao, 2007. Santuário de Fátima .
Educação Morai e Religiosa Católica
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1 A arte interpreta o mundo e a condição humana: nem só de pão vive o ser humano Q
Analisada a produção artística que a humanidade, ao longo de milhares de anos, crio u e continua a criar, os est udiosos inclinam-se cada vez mais para assoc iar a arte ao pens ame nto e, na maioria das vezes, a não dissociarem estes co nceitos de uma outra realidade que é a da interpretação sagrada da exper iência humana. Arte e ação humana andam assim ligadas desde os primórdios da humanidade, possibilitando que uma e outra se possam dete rminar ao ponto de se encontra rem na expressão ritual que faz transcender o quotidiano humano.
Ao tentar interpretar o absoluto, o pensamento humano t ranscende-se nas lógicas interpretativas e promove a criação de invulgaridade , a fim de rasgar o quotidiano e de penetrar nout ros patamares que elevam a existência biológica à existência t ranscende nta l. Assim o testemu nham as elaborações fixadas na rocha de t ant os lugares arq ueológicos , ainda antes da invenção da escr ita, que perm item aos invest igadores encontra rem formulações de âmbito estético-s imbólico do homem pré-histó rico. As estatuetas representativas de figuras femininas, interpret adas como símbolos de fertilidade, assim como tantas outras realizações figurativas e abstratas , procuravam evocar e invocar o inf inito, uma ideia de t ranscendência que, à medida que a cronologia do mundo avança para a História Ant iga, não se perde, mas parece ainda mais adensar-se porquanto também mais densas são as produções culturais das sociedades do chamado Crescente Fértil , historiograficamen te tomado como berço da civilização da humanid ade. Também o contexto cristã o não repudia a obra de arte, assim co mo nenhuma outra das religiões do Livro. Ao contrá rio do que popularmente se encontra veiculado, os estudos têm confirmado que nem a religião judaica nem a religião islâmica prescindiram da criação artística, embora tomada no context o do específico pensamento doutrinário: «enquanto no Islão e no Judaísmo, a partir do século III ou IV depois de Cristo , a postura a respeito da proibição de imagens era radical, de modo que apenas representações geométricas e não figurativas tenham sido concedidas como ornamentos de santuários, o Judaísmo no Tempo de Jesus e até ao século III apresentava uma interpretação da questão das imagens muito mais generosa» (Josep h Ratzinger, 2001).
Vénu s de Willenda rf.
Herdeiros de ta ntas expressões da era ju daica, os primeiros cristãos entenderam também a criação artística como manifestação pró pria do pensamento humano votado ao culto consagrado a Deus, à maneira do episódio narrado por João (12,3), em que Cristo deixa claro que a dignidade divina comporta também o que rompe a forma quotidiana de agir quando elogia o derramamento de perfume sobre os seus pés. Por extensão de sent ido, bem se pode aplicar à reflexão sobre o papel da arte no seio do Cristianismo a expressão do episódio das tent ações, pois o ser humano não vive apenas do aliment o terreno, mas, outrossim , da palavra inspirada - do pensamento e da arte que a substanciam - que vem de Deus (Mt 4,4; Mc 14,3- 6). Os cristãos, na sua experiência multiforme, desenvo lveram ao longo dos tempos uma arte que comungou das características do próprio contexto soc ial, político, económico, institucional e filosófico . A sua arte comungou das necess idades da arte de cada tempo e foi umas vezes protagonista e outras subsidiária de linhas de pensamento que a conduziram para determinada formula ção.
Estatu eta Feminino de Samarra, 6.000 AC.
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A Arte Cristã
Assim , uma síntese acerca da função da arte no contexto religioso pode admitir que a sua missão foi sempre t ripla - home nagem do ser humano a Deus como ato de adoração; explicação humana de Deus como narrativa para a transm issão da fé - mediação entre o ser humano - e Deus como lugar teo lógico da experiê ncia do sagrado.
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2. Que arte? Uma prop sta gradativa para dizer o indizível : arte sacra , arte religiosa, arte cristã
Só Deus. Francisco Metrass, 1856 . Museu Nacional de Arte Contempor ânea.
2.1 . A necessidade de reflet ir sobre os concei tos o pensamento humano é de tal forma poliédrico que igualmente poliédrico é o modo de apreensão da ideia de Deus e da ideia de dizer Deus, o que tem levado a uma vastíssima produção artística que se posiciona perante o sagrado a partir de objetivos e intencionalidades várias, normalmente ditadas pela definição. Não negando a máxima da Escritura de que o «vento sopra onde quer» (Jo 3,8), surgem, assim, adjetivações divers as para a arte, almejando chegar à defin ição de formas que, muitas vezes, se sob repõem . Tem sido mú ltip la a produção dos estudiosos na ten tativa de definição dos terrenos t ão co mplexos, mas não há conse nso suficiente para que se tome um léxico seguro que, inclusivame nte, esbar ra na dif iculdade das traduções. Não está , porta nto, universalmente aceite uma ta xonomia rigorosa para exprimi r a produção artíst ica em to rno da ideia de Deus e, de for ma comum, as expres sões são usada s como sinónimas e/ou comp lementa res. Contudo , analisadas a part ir da sua etimologia, pode, de facto, trilhar-se um caminho de ref lexão que leva a distinguir a sua semântica, embora não resolva, por comp leto, a diversidade de interpretação de cada peça artística quando avaliada 'de per si'.
Educação Moral e Reiigiosc Catól ica
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o cam inho que segue desde "arte sacra " até "art e cristã", passando por "art e religiosa", pode contribuir para entender a existênc ia de uma formulação que abranja o pensamento artístico que se detém e, ao mesmo tempo, constrói a representação do transcendente, ainda que esse posic ionamento não exija uma ligação instituciona l que implique a ideia subjacente a 'religio'. O conceito de "art e sacra ", por exemplo, t em não somente uma aplicação clara às fo rmas de sagrado dos primórdios da existência humana, como tam bém, por exemplo , às fo rmas de representa ção da ideia de Deus que, não esta ndo ligadas a uma interpretação pessoal ou espir itua lizante da fé, existem na cultura cont emporânea. Por esta ordem de ideias, entender-se-á a "arte religiosa" como lugar de pensamento já ligado a um corpo doutrinário inst ituído por uma religião, fixado na regra, firmado na práxis de uma sociedade que organiza o seu pensamento a partir das verdades da fé fixadas num dete rminado câ non. A "art e cristã " será já uma expressão conotada com a específica teologia dos seguidores de Cristo, não apenas porque nela se representam os mistérios da sua vida, mas porque ela ajudará à vivência desse s mistérios, permanentemente atualizados na práxis celebrativa e vivencial. Longe de se entender como campo de reflexão fechado, a proposta que alguns investigadores seguem não descarta que se entendam linhas de fronte ira e de sobreposição, porquanto se torna difícil, na práxis religiosa, separar a realidade em segmentações estanques. A esta s categorias poderia ainda somar-se uma outra int rinsecamente relacionada, sobretudo, com a arte religiosa e com a arte cristã: a de "arte litúrgica", normalme nte usada para referencia r a arte produzida e ut ilizada como apo io à ação sagrada, ao agir cultual da comunidade quando se reúne para celebrar. Os mais diversos autores assinaram peças que podem ser incluídas em qualquer uma destas categorias. Mesmo no universo cristão, são muitos os exemplos que apenas poderão ser tomad os a menos que a reflexão teológica se torne cada vez mais inclusiva - como expressadores de uma religiosidade natural. Todas as manifestações de inspiração religiosa que procuram, a partir da experiência art ística, aludir à ideia de bondade e de bem são, obviamente, conotáveis com a experiência que transcende a forma quotidiana de viver e, por conseguinte, com lugares de belezaque as diferentes cultura s leem como obra de Deus. Por exemplo, a obra "Só Deus" (1856), de Francisco Metrass (1825 -1861), interpretada segundo o contexto da sua época de produção, faz pensar, de facto, no Deus do Ocidente Cristão, mas o autor do quadro faz questão de deixar o horizonte aberto a outro tipo de reflexão. Por outras razões, pode analisar-se a arte de inspiração nos quadros ou figuras da religião cristã como demonstradora dessoutra categoria a que poderíamos chamar arte religiosa ou de evocação religiosa. Assim acontece com todas as obras que, sobretudo no século XX, colocam em causa a leitura canónica dos episódios bíblicos, recorrendo sobretudo a fontes apócrifas ou à derivação de conceito para outras soluções: Max Ernest (1891-1976), por exemplo, quando represent a "A Virgem Maria a castigar o Menino Jesus perante três testemunhas: André Breton, Paul Eluard e o pintor" (Museum Ludwig, Colónia), está claramente a lembrar a importância da encarnação de Deus numa criança, mas também a beliscar a forma tradicional de entendimento da figura de Maria, aqui castigado ra, e do próprio Menino, aqui castigado, pelos seus devotos.
A Virgem Mar ia a castigar o Menino J esus perante três test emunhos: André Bretan , Paul Eluard e o pint or, Max Ernest , 1926. Mus eum Ludw ig, Colón ia.
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.A IVte Cristã
Embora de temática religiosa, dificilmente se considerará adentro do campo da sacralidade a pintura que Amadeo de Souza-Cardoso faz em 1913, quando representa a Procissão do Corpus Christi de Amarante, pois a sua amb iência é mais testemunhai do que apropriadora do sagrado.
Procissão do Corpus Christi de Amarante. Amadeo de Souza-Cardoso, 1913. Centro de Arte Moderna Jos é de Azeredo Perd igão - CAM-JAP.
Ao longo da história, a expe riência de vivenc iar Deus deu origem a objetos vários destinados a servir o ser humano nessa acã o cultual destinada a servir também o culto divino, pelo que estes testemunhos materiais, múltiplas vezes art ísticos, levam a perceciona r, através do vetusto axioma "Iex orandi, lex credendi ", o pensamento humano perante a realidade do louvor. Com esta chave de leitura pode, com efeito, perceber-se como as obras de arte foram importantes instrumentos para a celebração da fé e como foram lugar de plasmação das verdades dessa fé celebrada . Evangeliários e custódias, casu los e toalhas de altar, retábulos e pinturas murais mostram as verdades em que o ser humano acred itou, usadas muitas vezes como suporte da transmissão da fé e como lugar do acontecimento dessa atualização celebrativa da fé , sendo não raras vezes protagonistas da assemb leia reunida em to rno do altar. Tradicionalmente, toda a géstica ritual está envolvida pela arte, não apenas pela arte visual mas outrossim pelas artes que, no mundo moderno, se vieram a chamar de performativas. Segundo a lógica ritua l do catolicismo, só o cruzamento de todos os elementos informativo-sensoriais poderá levar a essa experiência de Deus. Mesmo os elementos que se afiguram, 'a priori', predom inantemente informativos, como será, a t ítulo de exemplo, a arte do vitral , contê m em potência múltiplas formas de fazer sentir Deus: de facto, as assembleias que se reuniam debaixo das suas cores beneficiava m não apenas das histó rias bíblicas que ali se encontram plasmadas mas t ambém dessa festa cromática que inundava o ambiente celebrativo e que para os fiéis que ali se juntavam falava de Deus.
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mesmo se poderá dizer de todas as ações orantes que para a expressão da fé sentem neces sidade de fazer recurso de objetos que, por cont act arem de um modo direto com o Deus presente de forma real, começa ram a ser apelidados de objetos sagrados: assim aconteceu com as alfaias usadas para o sacrifício eucarístico como são os cibórios ou as píxides, as patenas e os cálices e todos os restantes utens ílios que tocavam ou ajudavam a acontecer a Eucarist ia (turíbulo e naveta , cruzes pracessionais, tocheiros, etc .). A este grupo ju ntaram-se, ainda, as custódias usadas para expor diante dos fié is o próprio Corpo de Cristo , também levado pelas ruas da cidade debai xo de dispositivos cénicos que ajudavam a dizer ao mundo a fé em Cristo como Senhor do tempo e da História. 1 - Estante de missa l. 1588-1600. Museu Nacional de Arte Antiga ; 2 - Custódio . Sé de Braga; 3 - Cáli ce e patena . 1501-1520. Museu Nacional de Machado de Castro; 4 - Patena . Oficina portuguesa, séc ulo XVIII/X IX. Paróquia de São Brás da Romeira, em depósito no Museu Diocesano de Santarém; 5 - Crucifixo (pormenor). Sé do Funchal; 6 - Alta r portátil. Sécu lo XVIII. Museu Nacio nal de Arte Antiga; 7 - Cálice barroco. Sé de Braga; 8 Oratório relicário. 1588-1600 Mus eu Nacional de Arte Antiga ; 9 - Relicário com moldura representando o Êxtas e Místico de San to Teresa . Sécu lo XVII. Museu Naciona l de Machado de Castro ; 10 - Relicá rio do Santo Lenho. Oficina portuguesa, sécu lo XVI (finais). Diocese de Sant arém (Seminário de Santarém/ Fundo Ant igo); 11 - Ostensório. Oficina portuguesa, sécu lo XVIII/X IX. Paróquia de São Brás da Romeira, em depósito no Museu Diocesano de Santarém.
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2.2. As imagens da Imagem Assim se assiste a que a arte possa, inclusi vamente , ser apropriadora do sagrado, porquanto se faz especial imagem e especial presença de Deus junto de quem a contempla . Mais do que as peças que encenam o ambiente da oração , são as imagens sagradas, muitas vezes contendo relíquias dos santos, que represent am, que se fazem efígie dos mediadores da relação com o divino. Nesta categoria têm lugar especial os ícones dos "amigos de Deus", expressão pela qual a Liturgia trata os santo s. Embora não tendo sido assumi da de forma pacífica, pois durante alguns períodos foi olhada com verdade ira desconfiança, a imagem - nome adamente a imagem artística - tem um valor extremo na experiência orante da igreja cristã, assumida pelos diferentes concí lios, inclu indo o do Vaticano II. Vencendo de forma categó rica a desconfiança do movimento iconoclasta, a Igreja reunida em concílio na cidade de Niceia no ano 787, na esteira do que havia já sido defe ndido por João Damasceno (675Escrituras) comdos intervalos, ao igreja, passo aque a figuícones: «Na leitura (das -749), elogia proclama-se a acão duradoura ração dos ícones nos narra e transmite por si mesma a verdade dos factos permanentemente, à tarde, de manhã e ao meio-dia ... » (II Concílio de Nice ia, sessão VI). De facto, nesta época, e nas épocas que se seguiram, a Igreja acred ita que «a invenção e a capacidade dos ícones não é dos pintores, mas da legislação aprovada e da autêntica transmissão da veneranda memória eclesial ...», aclarando , ainda , que «a penetração e a tradição são dos Padres, não do pintor ; do pintor é apenas a arte... » (idem).
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Presbitério da Basílica da Sant íssima Trindade. 2007. Santu ári
O que na sessão VI e VII do Concílio de Niceia ficou fixado serviu de alicerce a toda a produ ção art ística subsequente, assum indo-se, inclusivamente, que «os ícones foram transmitidos na Igreja como os Evangelhos» (idem). O registo chegava mesmo a comparar a compreensão da Mensagem, operada através do ouvir, com a compreensão da Mensagem operada através do ver: «na verdade, tal como a inteligência compreende a leitura escutada pelos ouvidos, do mesmo [modo] a inteligência é iluminada pela imagem vista pelos olhos, e, com as duas coisas interdependentes, isto é, a leitura das Escrituras e a visão da pintura, aprendemos a mesma notícia e chegamos à memória da história » (idem). Não houve, contudo, co nfusão entre a substâ ncia que materializa e a substâ ncia que se evoca. Os padres da reunião de Niceia que temos vindo a citar escreviam que «a veneração prestada a uma imagem se dirige àquele que ela representa», pois «quem venera uma imagem venera a pessoa que nela está represen tada» (II Concílio de Niceia, sessão VII). No entender do mesmo concíl io, a arte figurativa levava a esse sentido de comunicação entre a comunidade terrestre e a comunidade celeste: não deixando de acentuar que o culto de latr ia era apenas devido às realidades representadas e não à matéria que as representava, o texto fi xava que, «quant o mais frequentemente se olha para as imagens, t ant o mais facilmente os que as contemplam se sentem elevados à memória e aspiração dos seus originais» (II Concílio de Nice io, sessão VI). É este, de facto, o entendimento que justifica a presença de figuração em todos os cenários históricos da Igreja, desde a Alta Idade Média ao Renascimento, desde o Concílio de Trento (1545-1563) ao Concílio Vaticano II (1962-1965), que a afirma digna da «veneração dos fiéis », aconselhando manter-se «o uso de expor imagens nas igrejas» (Sacrosanctum Concilium, n. 111 e 125), desde que o seu número seja compatível com a ortodoxia da fé, e exortando à sua preservação enquan to património artístico do passado . O mesmo documento, preocupado com a destrinça entre o assessó rio e o essencia l, legisla que as imagens devem ser «em número comedido e na ordem devida , para não causar estranheza aos fiéis nem contemporizar com uma devoção menos ortodoxa» (Sacrosan ctu m Concilium, n. 125).
Deve-se a este senti r da Igreja dos finais do século XX a ati t ude obser vada por inúmeros auto res que projetam espaços de culto desp rovidos de iconografia, a maioria das vezes, contudo, interpretad os com estra nheza pelas popu lações que têm inscrita de forma natural e cultural a t radição imagética na forma de rezar.
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Fátima .
A arte contemporânea, longe de se encontrar afastada do intere sse das comunidades, enfrenta, de facto, desafios muito grandes, pois é chamada a responder a essa múlt ipla fu nção de ser mais do que a «transcrição iconográfica da mensagem evangélica» (Direc tório sobre o Piedode Popular e o Liturgia, n. 240) e mais do que ser matéria int rínseca ao pensamento espiri tua l que tem no Evangelho a luz do caminhar.
2.3. "Deus connosco": a cultura artística como manifestação de Deus Entre as mais claras manifesta ções cult urais que ao longo de múlt iplas gerações marca de forma solene a ideia de Deus no espaço humano está a Procissão do Corpus Ctuistl, gesto celebrati vo comunitário que pode ser entendi do como verdadeira metáfora da presença de Deus na cidade dos homens. Para que aconteça esta manifestação pública de fé saem à rua, na formulação t radicional, todas as representações sociais que marcam de forma visível, através de símbolos e outros sinais, a diversidade da com unidade que t em como Deus Jesus Cristo humanado que, feito alimento, se reparte pela humanidade. Como este, existem múltiplos outros sinais visíveis que, ao longo da história, foram edificados pelos cristãos como imagens da presença de Deus no seio da comunidade humana : igrejas e capelos, hospedarias e escolas, mosteiros e conventos e tantas outras estruturas como cruzeiros, nichos ou orotórios são, no espaço púb lico, marcos tratados com os cuidados da arte em ordem à evangelização. De forma mais ou menos explícita, a arte em contexto eclesial tem sido, para os cri stãos, portadora de Deus quer quando fala de Deus quer quando expõe a Palavra de Deus quer quando serve a ação votada a Deus. O património multissecular que a Igreja foi cons truin do e que fixou em cada época o pensamento humano acerca de Deus é hoje considerado, múltiplas vezes, como património da própria humanidade , consequê ncia clara de que no univer so cri stão o culto é inseparáve l da cult ura e a produção artística a ele associada é, por isso, refle xo dessa cult ura e testemun ho vivo do pensamento que criou. Muitos dos museus que hoje abrem as portas aos seus visitantes têm nos respe tivos acervos inúmeras obras de arte que, originariament e, foram criadas para o serviço divino. Segundo os doc umento s da Igreja - sejam museus de inst it uições religiosas ou sejam museus civis - essas peças continuam a falar de Deus, e quem as contem pla continua a ter diante de si narrativas plásticas que tr anscrevem, evocam e ajudam a viver as mais diferenciadas páginas da Escritu ra, das vidas dos santos, da história da própria aç ão evangelizadora da Igreja .
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----- ------------ ------------ -- ---, Mesmo que algumas delas t enham sido criadas segundo os parâmetros que ao pensamento teológico atual surjam como arca icas , elas cont inuam um discurso que, todavia noutros cenários, se devidamente expos to segundo as exigências da museo logia int erpretat iva, perpe t ua essa primeva missão de "dizer Deus" ou de anunciar a boa-nova . Ass im, os cá lices e as patenas, os tu ríbul os e as navetas, as cruzes processionais e as custódias e outros ostensórios como são os relicários, j untamente com as peças de paramentaria e com as obras de pintura, de esc ultura e do que t radicionalment e se chama de artes deco rativas são hoje nos museus uma voz muito clara a fazer ecoar o mandato de Cristo no respeitante à evangelização. Com efeito, não apenas neste lugar, mas um pouco por t oda a paisagem construída - des de a forma de organização urbanística das atuais cidades e à consequente topo nímia até às marcas indeléveis no agir quoti diano - são muitos os lugares da cultura (erudita e popular) que aludem e se f irmam na interpretação cristã da vida muitas vezes most rada at ravés das artes. Pode dizer-se que o diálogo entre a Igreja e o mundo da cultura tem como platafo rma de privi légio o mundo da cr iação artística, como tem sido repetidamente afi rmado por pensadores de dentro e de fora da Igreja quando se ju ntam no que metaforicamente se t em chamado "Át rio dos Gentios ".
Mosa ico bizanti no da abside da Basíli ca de San Clemen te , em Roma. As escavações rea lizadas sob a atua l basílica descobriram uma basílica do séc . IV e. num nível ainda ma is abaixo, os restos de uma co nstrução do séc I. Escavaçõ es pos teriores mostraram ainda uma quarta camada de edifícios, dest ruídos no fogo de Nero (64 dC). O motivo cen tral no mosaico da abs ide é uma cr ucificação. com Maria e João. A cruz está enraizada em um grand e arbus to de acan to e doze pombas brancas decoram a cruz como símbo lo dos apóstolos .
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3. Artes do Espaço: o espaço transfigurado I
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Queda; Quem és Tu, Senhor? Álvaro Siza Vieir a, 200 7. Galil é dos Após tol os S. Pedro e S. Paul o, Basílic a da Santíssim a Trindade, Santuár io de Fát im a.
3.1. Visita ao lugar da reunião entre Deus e os homens: as pedra s visíveis que falam da t ransc end ência Criado para, dentro dos seus muros, albergar o culto que a Igreja presta ao seu Senhor, o templo, seja ele a sede de uma igreja particular (a cate dral) ou a igreja de uma paróquia , de um mos teiro ou de qualque r outra comunidade religiosa, mostra-se sempre imagem clara daq ueles que ali to mam lugar. Independent em ent e da profundidad e da reflexão artíst ica que lhe decidirá a f ácies, a igreja , quer mais próxima do co nce ito de "casa da assembleia" ('domus ecc lesiae') quer mais pró xima do conce ito de "casa de Deus" ('dom us Dei'), é um dos lugares mais se ns íveis da imagem do próprio Cristo e da sua Igreja . O Catecismo da Igreja Cató lica exp rimiu de forma mu ito clara esta fo rmu lação: «I...] Os cristãos constroem edifícios destinados ao culto divino. Estas igrejas visíveis não são simples lugares de reunião, mas significam e manifestam a Igreja que vive nesse lugar, morada de Deus com os homens reconciliados e unidos em Cristo» (Catecismo do Igreja Cató lico, n. 1180). Por esta razão, o ritual da dedicação das igrejas d iz claramente que a casa destina da à oração é «const ruída pe lo tra ba lho hu man o» e co nsagrada ao Deus que fez «de todo o u niverso o t emplo» da sua glória. Nesse lugar consagrado à «celebração dos divi nos mistérios » f az-se tamb ém memória do te mp lo maior que é, na teo logia cristã , o próprio Cristo Ress usc itado que ordena q ue se des trua o te mp lo ant igo e, em t rês dias, reedi f ica o te mp lo novo (Jo 2,19): «nest a casa se anuncia o mistério do Templo verdadeiro e se prefigura a imagem da celeste Jerusalém» (Rit ual da Dedicação das Igrejas, pr ef áci o). . Embora a form ulação dat e do séc ulo IV, a Igrej a entendeu semp re que a Casa de Deus e, simu lt an eam ent e, Casa da Assemb leia se trata de um lugar de exceç ão, co mo bem fi ca documentado, po r exem plo, com as pala vra s de J oão Crisóstomo: «a igreja não é uma loja semelhante às da praça , mas lugar de Anjos, de Arcanjos , reino de Deus e o próprio Céu... Se não acreditas nisso, olha para esta mesa; lembra-te da causa por que está aqui; pensa n'Aquele que vem aqui... Levanta-te e eleva-te ao próprio Céu, antes de veres estendidas as toalhas e o coro dos Anjos que vem à frente» (São João Crisó stomo, Hom ilia 46). As imagen s que são evocadas, mais ant igas ou mais recent es, são expressão c lara do sig nificado da igrej a que é for mada por pedr as dispostas de modo cu idado pa ra ser sinal dessa Igreja construída de pedras vivas , isto é, da comu nidade que ali se reúne e ce lebra na f é os mist érios divi nos . Embora nem sempre t rat ados com igual protagonismo, há elementos q ue na igreja se mat erializam sempre com os cuidados ar tísti co s, acen tua ndo-se em ma ior ou em menor grau, conform e o pensamento teológico e estético de cada época.
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A Arte Crista
Pórt ico Principal do Mosteiro da Batalha . David Huguet, séc . XV. 1 e 2 - Detalhes do Portal da Glória do Mosteiro da Batalha. 3 - Detalhes do Pórtico da Sé de Évora. 4 -Igreja de Nossa Senhora de Fátima. Porf ir io Pardal Monteiro, 1934 -1938, Lisboa . 5 -Igreja de Santa Maria . Álvaro Siza Viei ra, 1996. Marco de Canaveses .
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, - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 3.2. À maneira de visita guiada Na fachada da igreja, entre os elementos visuais mais significativos que, consoante a formulação estética, estão mais ou menos enfatizados (torres, coruchéus, janelões, campanários, cruzes, estatuária e outras formulações escultóricas) encontra -se a porta. Elemento enfático por natureza, ela é o lugar da passagem e imagem do próprio Cristo que se definiu precisamente deste modo: «Eu sou a porta» (Jo 10,9). Qualquer que seja a materialização plástica, a porta tem sempre uma atenção especial por parte do projetista, sejam os arcos reentrantes dos portais românicos como os da Sé Velha de Coimbra ou os cenográficos pórticos do gótico bataIhino, sejam as portas depuradas de elementos decorativos como acontece na catedral de Leiria ou os típicos portais de formulário barroco e rococó de que pode servir de exemplo a capela de Santa Madalena (Falperra) ou, inclusivament e, as portas da época contemporânea , como são o portal que Pardal Monteiro desenhou para a igreja de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa, ou Álvaro Siza Vieira concebeu para a igreja de Santa Maria, de Marco de Canaveses. Não raras vezes ornadas com a ideia do apostolado, à maneira de colunas da igreja (sé de Évora, portal da glória do mosteiro da Batalha, igreja de Fátima, de Lisboa, basílica da Santíssima Trindade do Santuário de Fátima) as portas, mesmo as dos santuá rios e capelas mais modestas, são sempre um elemento enfático no discurso geral do edifíc io.
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Sendo historicamente um lugar de grande relevo na planimetria das igrejas cristãs, o batistério teve diversas formulações plásticas conforme a época construtiva. Entre os mais antigos espaços destinados à administração do batismo encontra-se a piscina da basílica paleo-cristã de Conímbriga, datada do século VI. As capelas batismais, deixando contudo de ter esta formulação que exigia o batismo por imersão, não deixaram de transmitir essa importante força retórica: as pias para a administração do primeiro dos sacramentos não perderam a formulação fixada através de planta centrada e, por diversas vezes, a sua inscrição no espaço é feita em cota inferior, à qual se acede por degraus, marcando esse movimento de descida e de subida referido por São Paulo na carta que dirige aos cristãos de Roma: «pelo Baptismo fomos , pois , sepultados com Ele na morte, para que, tal como Cristo foi ressuscitado de entre os mortos pela glória do Pai, também nós caminhemos numa vida nova» (Rom 6,4). A arquitetura contemporânea fez uso frequente desta ideia como se denota, por exemplo , na igreja de Nossa Senhora de Fátima, de Lisboa, em que a capela batismal se encontra rebaixada relativamente à cota do pavimento da igreja, ou na igreja de Santo António, em Moscavide, também do patriarcado de Lisboa, onde audazmente se impl antou a pia batismal no eixo axial da nave da igreja, como memória de que o batismo é o sacramento de entrada no cristianismo. O lugar dos fiéis tem tido na história da arquitetura religiosa tratamentos diversos , conforme a teologia de cada tempo interpreta a presença do povo reunido. A maioria das igrejas fez uso da ideia de nave que se prolonga até à capela-mor, onde se instalava o altar da celebração. As igrejas mais nobres tinham essa cabeceira reentrante e, muitas vezes, ladeada por outras absides. Em determinados períodos fizeram-se outras experiências, como aconteceu no Renascimento em que, mercê do cruzamento do pensamento humanístico com a reflexão acerca da ideia depérfeicão, se tentaram plantas centradas, como acontecea t ítulode exemplo rio mosteiro dos Cónegos Regrantes de -, Santó A gost inho,-' dà Serra de Vila Nova de Gaia. Esta forma de planta, também 'experiment ada no período barroco, de que é exemplo tanto a capeia do Senhor dos Milagres, de Tábua, como a igreja de Santa Engrácia em Lisboa, verificou-se sempre como dificilmente coadunável com a prática ritual, mas como ideia sempre perseguida para demonstrar a centralidade dos mistérios do altar. A viragem na forma de entender a celebração a partir do Concílio do Vaticano II - e já antes a linha de reflexão de toda a centúria de Novecentos acerca da arquitetura religiosa - fez com que se voltasse a colocar cuidada atenção na planta centrada, tendo a perceção, porém, das dificuldades já enunciadas. A basílica da Santíssima Trindade , no Santuário de Fátima , pretende conciliar essa dupla intenção de que o altar seja o centro e de que a assembleia espelhe, também na forma de se dispor fisicamente, a sua condição de reunião dos convivas chamados à Ceia de Cristo.
Capela da Senhor dos Milagre s. Século XVII. Tábua.
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Igreja de Santa Engrácia . João Antunes , séc ulo XVII. Lisboa .
Interior da Basílica da Santíssima Trindade, Ale xandro s Tombazis , 2007. Santuário de Fátima. I
É na capela-mar, nos documentos da Igreja denominada de presbitério, que toma lugar aquele que preside, aí desenvolvendo toda a géstica ritual. Este lugar teve, ao longo da história da Igreja, uma atenção especial por parte dos que cuidavam dos espaços e, por isso, a sua cobertura distingue-se quase sempre por empregar materiais mais nobres ou por conter um programa decorativo mais rico. Um dos mais avultados investimentos que, ao longo dos tempos, se promoveu nos espaços celebrativos foi de facto no lugar dos oficiantes, designadamente no espaço do altar, normalmente enfatizado por um baldaquino (como se vê nas basílicas romanas de São Pedro, São João "de Latrão , Santa Maria Maior e São Paulo Fora de Muros) ou por uma grande estrutura retabular como servem de exemplo a maioria das igrejas do mundo católico até meados do século XX. Entre os retábulos mais ant igos do património religioso em Portugal tem lugar de preponderância o da Sé Velha de Coimbra, feito de madeira dourada e policromada. Existem muitos outros retábulos construídos com difere.ntes materiais como são a pedra calcária (de que é exemplo o da Sé da.Guarda) ou marmórea (como se pode ver na basílica de Mafra, a título de exemplo). As estruturas antigas, sobretudoa partir do s éculo XVII, eram edificadas a pensar num dos -
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Pio botisl71ol da Igrej a de Stv Antón io, em Moscavide, colocada no eixo axia l da nave da igreja.
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Capela botismal da igrej a de Nossa Senhora de Fát ima, Lisbo a.
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Baldaquino. Gian Lorenzo Bernin i, século XVII. Basílica de São Pedro, Roma.
Retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra. Olivier de Gand e Jean d'Ypres , séculos XV-XVI.
Baldaquino. Basílica de Santa Maria Maior, Roma.
mais importantes atos de piedade para a igreja que saía do Concílio de Trento (1545-1563): a adoração solene ao Santíssimo Sacramento. Os tronos cenograficamente desenvolvidos que os camarins dos retábulos albergam eram usados para expor, rodeada de velas e de flores, a Custódia com a Hóstia consagrada, potenciando essa apoteose que a Igreja do século XVII e XVIII defendia em torno da ideia que Trento reaf irmou acerca da presença real de Cristo nas espéc ies eucarísticas. Diferentemente deste entendimento, a leitura que a Liturgia do século XX toma a partir da constituição "Sacrosanctum Concilium" levou a defin ir o presbitério como «o lugar onde sobressai o altar, onde se proclama a palavra de Deus e onde o sacerdote, o diácono e os outros ministros exercem as suas funções». Segundo o mesmo texto, o presbitério «deve distinguir-se oportunamente da nave da igreja, ou por uma certa elevação, ou pela sua estrutura e ornamento especial. Deve ser suficientemente espaçoso para que a celebração da Eucaristia se desenrole comodamente e possa ser vista » (Instrução Geral do Missal Romano , n. 295).
Capela-mor da Basílica de Mafra . João Freder ico Ludovice, século XVIII.
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A Arte Cr istã
Dentro do espaço lit úrgico, ocupa especia l destaq ue o «altar, em que se torna presente sob os sinais sacramentais o sacrifício da cruz ». Segundo o espírito do Concílio, o alt ar «é também a mesa do Senhor, na qual o povo de Deus é chamado a partici par quando é convocado para a Missa» e «o cent ro da ação de graças celebrada na Eucaristi a» (ide m, n. 296). Embora t enha sido, no contexto do II Concí lio do Vaticano, escr ito de forma mais clara, foi sempre este o entendimento da Igrej a ao longo dos tempos, embora fosse o concílio da Igreja contemporânea a perceber que o altar dentro de uma edificação deve ser único , ao contrário do que foi a práxis const rutiva nas igrej as ao longo dos tempos. No decorrer da história, o altar variou a sua configuração, tendo sido múlt iplas vezes desenhado a partir da ideia de sepultura , de urna, evocando, de forma esti lizada, a mo rte dos que padeceram pela fé, os mártires . A ref lexão da Igrej a conte mporânea levou a que se envidassem esfo rços a fim de tornar o altar a peça mais imp ort ant e de todo o espaço lit úrgico, ao ponto de o aponta r como «centro da ação celeb rada». Os arquitetos esforçaram -se assim de um modo muito empenhado para que o altar fosse realmente o centro psicológico de todo o espaço celebrativo, mesmo em intervenções que, porventura , tenham sido sentidas como polémicas, mas que traduzem essa intenção como se observa no altar da catedral de Viseu, da autoria de Luiz Cunha.
Presbitério e Copelo -mor da Catedral de Viseu . I
Ambão. Egino Weinert , 1994. Capela S. Est evão, Calvário Húngaro, Fátima .
Ambão do mos teiro de Singeverga. © J L Queirós
Ambão da Basílica da Santíss ima Trind ade. Alexand ros Tombazis, 2007. Santuário de Fátima.
Verdadeiramente reabilitada pela cultura moderna que deriva da "Sacrosanct um Concilium", a «dignidade da palavra de Deus requer que haja na igreja um lugar adequado para a sua procl amação e para o qual, durante a liturgia da palavra, convirja espontaneamente a atenção dos fié is» (idem , n. 309). A este pressuposto terá de corresponder, no projeto de arquitetu ra de uma nova igreja, o ambão , o lugar com a responsabi lidade inerente à palavra encarna da, primeira parte da celebração da missa que acontece, nas palavras do concí lio, na «mesa da palavra». Os do cumentos dizem que «em princípio, este lugar deve ser um ambão estáve l e não uma simples esta nte móvel». Entre os t emas mais fre quentes para a concretização plásti ca desta parte do mobiliário litú rgico de uma igreja estão , no caso do ambão, os evangelistas (figurados quase sempre através dos símbolos dos tetramor fos) ou a próp ria cena do anjo que anuncia a ressurreição, como acontece no ambão do mosteiro beneditino de Singeverga. Alguns auto res ten tam incluir mais cenas apresentadoras da Palavra, como acontece com os trabalhos
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de Egino Weinert de que é exemplo o ambão da capela de Santo Estêvão, em Fátima, também conhecida por capela do Calvário Húngaro. Particularmente interessantes são os ambões que colhem a sua proporção na necessidade de serem habitados por vários ministros, o que manifesta claramente que , mais do que peças de mobiliário eles são lugares litúrgicos de habitação. O exemplo mais evidente deste tipo de preocupação encontra-se no ambão da basílica da Santíssima Trindade, no Santuário de Fátima. Para além destes sinais físicos fundamentais para que decorra a acão litúrgica, as «imagens do Senhor, da bem-aventurada Virgem Maria e dos Santos » (idem, n. 318) têm também muita preponderância no espaço celebrativo , não apenas como paisagem, mas muitas vezes como protagonistas. A representação dos santos patronos, por exemplo, é um forte apelo à vivência eclesial, de tal forma que, mesmo em edifícios modernos, os especialistas têm optado por manter as obras de arte antigas cuja figuração está já incorporada na devoção dos fiéis, em detrimento de representações modernas (exemplo da igreja de Marco de Canaveses), escolha que, obviamente, tem consequências de estagnação no evoluir da iconografia religiosa e do diálogo entre as artes da figuração e o pensamento da Igreja. Contudo, há casos de sucesso relativos a redefinições de iconografias antigas por autores contemporâneos. Um dos mais bem sucedidos aconteceu com a escultura da Rainha Santa Isabel que António Teixeira Lopes criou em 1896 para o convento de Santa Clara, em Coimbra. O mesmo autor, porém, não teve a mesma fortuna quando, em 1931, idealiza a figuração de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, obra que não teve aceitação como peça cultual.
Nossa Senhora da Rosário de Fátima . António Teixeira Lopes . 1931. Santu ári o de Fátima.
Escultura de Nossa Senhora. Igreja de Santa Maria , Marco de Canaveses.
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Rainha Santa Isabel. Teixeira Lope s, 1896. Convento de Santa Clara. Coimbra .
Nossa Senhora do Monte. Museu de Arte Sacra do Funchal.
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4c A arte cristã na Epoca Antiga e na Epoca Medieval
Igreja de Nossa Senhora da Assunção. Mértola.
4 .1 . O discurso da arte paleocristã e os primeiros cenários da fé No século III a. C., os Romanos estendem o seu domínio à Península Ibérica, na esteira da ação que vinham desenvolvendo de con trolo sobre todo o ter ritó rio, quer política, quer militar, quer cultu ralmente . Embora de mat riz religiosa politeísta, ao ponto de absorver os cultos pagãos autóctones, o Império, sobretudo a part ir do século III, começou a sentir a influência do Cristianismo, o que, inevitavelmente, teve reflexos na produção artística . Os primeiros sinais desta infl uência são visíveis na utilização da simbó lica cristológica, incluindo a eucarística, tais como o cordeiro, a coroa e a videira . Tal facto dever-se -a. principalmente, às perseguições que os primeiros crist ãos sofreram no Império Romano e que t erminaram em 313, com o Édito de Milão, porquanto neste docume nto se reconhece a liberdade de culto aos seguidores de Jesus Cristo. A import ância do Cristianismo sai ainda refor çada, em 380, com o Édito de Tessalónica, no qual o Cristianismo é recon hecido como a religião oficia l do Império Romano. Tendo em conta este conte xto, não será de est ranhar que os primeiros vestígios arquitetónicos cristãos na Península Ibérica tenham datas posteriores a estes importa ntes marcos crono lógicos. Algumas construções resultam de adaptações de espaços
Basílica Paleocristã de Canímbriga . Século V.
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pré -e xistentes à utilização cultual cristã, como por exemplo os vestígios do edifício conhecido como a Basílica Paleocristã de Conímbriga (século V), que resultou da adaptação de uma 'domus', ou o caso do cenóbio de São Cucufate (c. do século VI), que na sua requalificação aproveitou elementos construtivos de uma 'villa'. A igreja -rnaus óleo de São Frutuoso de Montélios, em Real, Braga, albergou os restos mortais deste santo que foi bispo de Braga no século VII. O mausóleo datará do século VII e a igreja muito provavelmente do século IX. O primeiro possui uma planta em cruz grega e é um edifício de traça erudita, com uma escala de reduzida dimensão, à maneira do que se irá encontrar na produção arquitetónica românica de matriz mais rural.
Cenóbio de São Cucufate. C. do século VI.
Ainda do período paleocristão é de destacar a arte moçárabe, pro duzida pelas comunidades cristãs paredes-meias com outras formas de entender o sagrado. Já numa fase posterior, em algumas situações, foram reabilitadas para o culto cristão edificações concebidas para uso de outras religiões, como aconteceu com a Igreja de Nossa Senhora da Assunção, em Mértola. A cristianização da Bacia do Mediterrâneo foi acompanhada por manifestações artísticas que auxiliavam a caracterização da comunidade, ao ponto de os objetos que chegaram ao século XXI mostrarem, normalmente, signas clarividentes da identidade cristã.
4.2. O discurso românico e a omnipresença de Deus sobre o cosmos
São Frutuoso de Montélios. Século VII-I X. Braga
O Românico ficou em Portugal muito relacionado com o período da fundação da nacionalidade, quando ainda era um território periférico no contexto peninsular ou, após a independência, um reino em esforço bélico contra os reinos vizinhos, quer cristãos quer muçulmanos. Por causa deste desfavorável contexto, os recursos para investir em produção artística eram parcos, o que, pelo menos em parte, explicará o facto de o Românico em Portugal apresentar características marcada mente rurais, com as exceções de centros urbanos como Braga, Porto, Coimbra, Tomar, Lisboa e Évora. A igreja do Salvador, em Bravães, Ponte da Barca, é um dos exemplos , entre tantos outros, da arquitetura românica de matriz rural em Portugal , pois possui apenas uma nave e cobertura de madeira. O portai axial é constituído por arquivoltas de volta perfeita, assentes em colunelos, dois deles alusivos à Anunciação, e capitéis zoomórficos. A mandorla no tímpano possui uma das iconografias mais típicas: o Cristo Pantocrator que os historiadores têm lido como referência artística ao próprio período mental da sua edificação.
Igreja do Salvador. Bravães, Ponte da Barca.
Embora com características diferentes, a estilística do românico foi aplicada em edifícios religiosos monásticos e seculares quer em contexto rural quer em conte xto urbano. Em todas estas construções, os relevos e outras peças escultóricas (gárgulas, cachorradas, etc.) tinham uma função marcadamente catequética , de grande importância, sobretudo num conte xto de analfabetismo generalizado dos cristãos daquela época .
Sé Velha de Coimbra.
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Nos núcleos que mais tarde virão a constituir-se como sólidos centros urbanos, a produção arquitetónica românica está mais em consonância com a matriz europeia, com edifícios de planta em cruz latina, de três naves, com abóbadas de berço, com transepto e com cabeceira tripartida. As paredes robustas são rasgadas por vãos de reduzida dimensão e o portal possui arquivoltas de volta perfeita e colunelos com capitéis zoomórficos e vegetalistas, programa decorativo que se repete nos capitéis do interior. A Sé Velha de Coimbra é um dos exemplos mais claros desse tipo de arquitetura, talvez o que, de entre todos, denote mais o caráter robusto e fortificado da traça, muito influenciada pela arquitetura militar do seu tempo.
A Ar te Cri stã
--------------------------- -------, A escultura românica esteve muito associada à arquitetura, mais concretamente nos colunelos, nos capitéis, nos tímpanos, nas gárgulas, apenas para citar alguns exemplos. A temática é sobretudo cristológica, mariana, hagiográfica, zoomórfica e, menos comum, fitomórfica. Nos tímpanos dos portais, porta de entrada para a casa de Deus, a temática é quase sempre cristológica, mas no restante edifício também se encontram representações relacionadas com o fim do mundo, com a mitologia pagã, muito endémica na vivência religiosa de então, com o imaginário popular e com o bestiário fabuloso, misturando-se, deste modo, a representação da ideia de pecado com a representação dos mistérios da salvação. A escultura românica de vulto perfeito, com conotações devocionais, não teve uma produção muito significativa . A vivência religiosa desse tempo, particu larmente nas procissões, tinha uma preferência pelo culto de relíquias em detrimento das representações figurativas, a não ser que lhe fossem associados milagres, e das representações de Cristo Crucificado . A escu ltura românica possui, de uma forma geral, um tratamento muito rígido e com pouco rigor anatómico. Valorizava-se mais a ideia de sole nidade do que a plast icidade das vestes, das formas humanas e zoomórficas. Um desses exemplos é o anjo da fachada ocidental da Sé do Porto, atualmente, no Museu Machado de Castro . No contexto da produção escultórica românica, a escultura funerária é também um importante marco, como é exemplo o túmulo de D. Egas Moniz de Riba Douro, no Mosteiro de Paço de Sousa, em Penafiel, embora apenas o tampo seja original. No período fundacional de Portugal, também a arte tumulária faz mostra da consciência da vida além-túmulo, igualmente marcada pelo peso das linhagens e genealogias . Deve-se de facto ao valor conferido à linhagem - as distinções sociais eram efetuadas, em grande medida , tendo como base o contexto familiar em que cada indivíduo nascia e não o capital e outra riqueza que possuía - a encomenda de túmulos e de capelas tumula res de cape las, igrejas , mosteiros, conventos e catedrais. Anjo do fachada do Sé do Porto . Museu Nacio nal Machado de Castro, © Arna ldo Soares .
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Túmulo de D. Egas Moniz . Mosteiro de Paço de Sousa , Penafiel.
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No que respeita à pint ura românica são muito parcos ou pratica ment e inexistentes os vest ígios de pintura de cavalete ou de fres cos . Os arquivos preservam, dessa época , livros ou fó lios com iluminuras. Nas Bíblias, Missais, Evangeliários, Livros de Linhagens destaca-se, sobretudo as iniciais ornadas e historiadas, as representações pictóricas de cenas relacionadas com a temática do capítulo que se iniciava, que muitas vezes ocupavam a página inteira e que eram enrique cidas com mot ivos vegeta listas ricamente traba lhados . Tal como na escultura , as cenas representadas possuem rigidez anatóm ica e pouco realismo, como por exemp lo na Criação de Adão e Eva, do "Livro das Aves" do Mosteiro de Lorvão, em que as figuras tomam a dimensão de uma arcada . Além da arquitetura, da escultura e da pintura, é também de refer ir que a esté tica românica fo i aplicada noutras manifestações artísti cas, como são exemplo a ourivesaria ao serviço das alfa ias lit úrgicas, embora só parte da produção tenha chegado ao século XXI. A forma depu rada com que foram trabal hados os volumes nessa Idade Média nitidamente rura lizada exprime a leitura que de Deus fazem as gerações que vivem no "deserto" das florestas ou nos limites do ter ritório conquistado. A figuração do pantocrator, norma lmente ladeada dos símbolos dos evangelistas e quase sempre denunciadora de linhas de composi ção muito arcaicas , pode ser a imagem síntese de uma sociedade que coloca os olhos no juiz soberano que se senta no trono para julgar o mundo.
Cria ção de Adão e Eva, do "Livro das Aves" do Mosteiro de Lor vãa. Século XII. Arq uivo Nacional da Torre do Tombo .
4.3. O discurso gótico e a humanização de Deus Tomando desenvo lvimento a partir do território francês , o gótico parece ter nascido no deambu latório da Basílica de São Dinis, datado de 1144, como a primeira manifestação artística já com características gót icas. A grande difusão deste estilo no espaço europeu explica-se, sobretudo, pela dinâmica das cidades europeias a partir do século XIII, cujos habitantes - particularmente os burgueses - encaravam a cons trução de catedrais como uma fo rma de afirmação da sua importân cia e prosperidade. A valo rização do poder do bispo era uma forma de contraba lançar o poder dos mosteiros e da nobreza que não raras vezes tentavam interferir no governo das cidades . Junto de uma Sé realizavam-se algumas das principais at ividades económ icas, como os mercados e as feiras, e cultura is, como autos de teatro, o que transformava o espaço da catedral num autêntico centro nevrálgico. Se as sés ficaram indelevelme nte ligadas ao gótico, não signifi ca, contudo, que esta linguagem estilística não tenha sido aplicada noutro tipo de edifícios religiosos , como mosteiros, edifíc ios civis e construções militares . Aliás, em Portu gal os exemplos mais paradigmáticos da produção arquitetónica do gótico são, na sua quase maioria, conventos e mosteiros.
Basílica de São Dinis. Saint-D enis, Paris.
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No que respeita às suas características gerais, embora se mantenha a preferência pela planta basílical, de cruz latina, com t rês ou cinco naves, o tratamento das formas arquitetónicas difere muito do românico, além da introdução de elementos estruturais que permitem uma nova configu ração estética. Tais alterações procuravam responder, numa primeira fase, à teo logia que defend ia que Deus era luz, pelo que as igrejas, casa de Deus, deveriam perm itir a entrada de luz natu ral e assentar em paredes e pilares de aspeto menos robusto , objetivo difícil de alcançar pelas carac terísticas própr ias da estética arq uitetural do român ico, que resultava em edifícios mais compactos e robustos.
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Mosteiro de Santo Mari a de Alcobaça.
A substituição do arco de volta perfeita, típico do românico, pelo arco ogival e a utilização de abóbadas de cruzaria de ogivas reforçavam o sentido de verticalidade do edifício. Por out ro lado, a elevação da nave pri ncipal exigiu que o peso passasse a ser distr ibuído pelos arcobota ntes que o canalizavam até aos contrafor tes. Dessa forma os pilares e as paredes passaram a ser auxiliados, fazendo com que os pilares pudessem ser adelgaçados e as paredes rasgadas com grandes jane Iões que, muitas vezes, além de permitirem e entrada de luz, foram preenchidos com vitrais muitos deles historiados , tendo por isso, um valor catequético.
O Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça, cuja construção se iniciou no século XII , foi um cenóbio cisterciense, o que, em consonância com a regra delineada por São Bernardo, se traduziu num edifício mais despojado, simples e austero, com parca decoração. A planta desenvolve -se em cruz latina, com transepto e cabeceira com deambulatório.
A medida
que o gótico foi amadure cendo, quer a nível naciona l quer a nível interna cional, foi tornando- se mais elaborado e ricament e decorad o. A igreja de Nossa Senhora da Graça, em Sant arém, datada dos séculos XIV e XV, possui t rês naves e uma simplicidade espacial que já começa a ser rit mada por uma riqueza decorativa que anuncia o gótico final, ou flamejante, co mo f icou con hecido, mais concretamente no porta l com o alfiz e rosácea ricamente ornada. Igreja de Nossa Senhora da Graça . Santarém.
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Mosteiro de Santo Mario do Vitória. Bata lha.
o Mosteiro
de Santa Maria da Vitória, cujo patrocín io régio se deveu à vitória por tuguesa sobre os exércitos caste lhanos, foi um import ante estaleiro port uguês entre o fi nal do séc ulo XIV e Xv. Trata- se de um dos melhores exemp los da riqueza decorativ a do gótico, desde os vitr ais que preenc hem os diversos vãos, passando pelo portal axial profusamente decorado, at é aos pináculos e coruchéus que enobrecem o exterior. Um dos exemplos mais emblemáticos da arquitetura do Manuelino, designação atribuída ao gót ico final em Portugal, que corresponde sensivelmente ao reinado de D. Manuel I, é o convento de Cristo em Tomar, não tanto pela planta, até porque existem estruturas anteriores, como a charo la, mas sob retudo pelo programa decorativo de algumas par tes, entre as mais emb lemáticas o portal da igreja e a sala do capítulo. O grande janelão desta última sala é composto por motivos marít imos, como cordas entre laçadas e conchas, e por elementos heráldi cos, entre outros, que caracterizam as particularidades est ilísticas do Manue lino, tudo profusamente disposto. No período do gótico, a escultura de vulto perfeito volta a ser valorizada, não apenas como elemento decorativo, mas tam bém como objeto devociona l, acompanha ndo uma muda nça na vivência religiosa que se prendeu com uma maior aceitação da represen tação figura tiva, sobretudo com uma conotação devocional. Neste conte xto , a zona dos altares passo u a ser valorizada estetic amente , tendo surgido as primeiras máq uinas retabulares , muitas delas guarnecidas com imagens de vu lto. Ja nelão manueli no do Convento de Cristo. Tomar.
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----------------------------------, A escultura passou a ter uma representação mais realista, com o requebro da anca que acentuou esse naturalismo, com o tratamento dinâmico dado aos panejamentos, que em conjunto ajudaram a quebrar a rigidez formal típica da escultu ra românica. Ainda neste sentido, as figurações ganharam uma correção anatómica cada vez maior e um tratamento mais humanizado. Prova disso é que muitos rostos demonstravam emoções que podem inclusivamente sugerir a dor e o sofrimento. Teologicamente, este tipo de produção anda associada a ideais, que tiveram uma repercussão muito grande ao longo dos séculos XIII, XIV e XV, relacionados com uma form a de entender a figura de Deus humanado na esteira do pensamento inaugurado pelas ordens mendicantes e pelos diversos pregadores que, em missão, levavam a imagem de Cristo humanizado e sofredor às populações. Um dos exemplos da escu ltura gótica é São Miguel Arcanjo do esc ult or João Afo nso, atualmente no Museu Naciona l de Arte Antiga, em Lisboa . Neste caso, tra ta -se de uma escultura em pedra, mas t ambém são com uns as representações em madei ra.
Túmulos de D. Pedro I e Inês de Costro , Mosteiro de Alcobaça .
Arcanj o São Miguel . Mestre João Afonso, séc. XV. Museu Nacional de Arte Antiga. © José Pessoa I I
Tal como no rorna ruco t ambém no período do gót ico a escu ltu ra esteve associada à arquitetura, embora a estética sej a divergent e, assim com o a densida de dec orativa que é muito maior. Ainda no contexto da esc ultura gótica, será de destacar a tumulária, que difere da român ica pelo tr at amento dado às fi guras jacent es, às quais são aplicados os cânones gót icos , assim como à densidade decor ativa dos relevos da arca t umu lar. Dois dos exemplos mais paradig máticos deste tipo de escul tura são os túmu los de D. Pedro I e de Inês de Castro , do sécu lo XIV, ambos no mos teiro de Alcobaça.
Painéis de S. Vicente . Nuno Gonçalves, c. 1940. Museu Naciona l de Arte Ant iga, Lisbo a.
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Na pintura do per íodo do gót ico, bem como na escultura, procurou -se que fos se conferido um maior realismo às cenas represent adas, particularmente nos rostos e nos panejam ent os. Os cená rios, sejam arquitetónicos ou paisagísti cos, aparecem em maior consonânc ia com a realidade. Além das pintu ras sob re tela ou sob re madeira. foram também com uns os frescos, algumas vezes aplicados em edifícios de períodos est ilísti cos anter iores . Uma das maiores obras- primas deste período são os desi gnados Painéis de São Vicente, de Nuno Gonçalves, atualmente no Museu Nacio nal de Arte Ant iga, sendo de destacar, além da qualidade de execução, o t rata mento individual do rosto de cada figu ra. o realismo da indument ária e da anato mia humana e, ao mesmo tempo. a dens idade das personagens, opção recorrent e no relevo arquite tóni co desta época . Apesar desta profusão fi gurativa. a iconografia do estrato social a que pertenciam não fo i descuidada. Os vitrais no período do gótico ti veram um grande desenvolvimento e serviram sobretudo os propósitos catequéticos da Igreja, pois as cenas representadas eram maioritariamente de tem ática religiosa. Os grandes vãos abertos nas paredes gót icas foram muitas vezes preenchi dos com vitra is historiados. A teologia finimedieval assenta na ideia de que Deus se encontra próximo do ser humano, desde o presépio de Belém, primeiramente encenado por São Francisco nest e contexto anterior à Idade Moderna, até aos Cristos na cruz, comp letamente humanizados na dor e no sofr imento . A agonia da figura do crucificado pode bem ser tomada como imagem de uma humanidade que vivia o drama das cidades em crescimento e que olhava para horizontes outros que haveriam de fazer configurar o sentir religioso a partir da experiência de homens e mulheres como Bernardo de Claraval, Domingos de Gusmão, Francisco e Clara de Assis, apenas para sublinhar os nomes que, dentro da ortodo xia eclesial, defendiam uma renovada maneira de entender o evangelho de Cristo.
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5.1 . o discurso renascentista e a nova proporção entre o homem e Deus
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Ermida de Nos sa Senhora da Conceição. Tomar .
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No decorrer do século XV e nos inícios do século seguinte assiste-se por toda a Europa a uma revolução nas mentalidades, com impactos profundos nos mais diversos campos , sejam sociais , políti cos, culturais ou religiosos . Denominador comum a todas as formas de pensar que levaram à transição entre o pensamento medieval e o pensamento moderno estão as tentativas de explicar e compreender o mundo através das capacidades humanas e já não em exclusivo através de um pensamento teocêntrico. Sem se afastar da esfera divina, assiste-se à valorização do ser humano e a um crescente interesse pelo saber cuja génese se encontra nas cátedras universitárias fundadas em conte xto medieval.
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Neste período, as cidades tinham conseguido um relevo significativo, pelo que as trocas comerciais, particularmente nas cidades italianas tiveram um aumento exponencial. Por outro lado, as descobertas de novos territórios, com matrizes culturais diferentes, e que ajudaram a revelar uma geografia diferente do próprio planeta, também contribuíram para tal mudança cultural e artística. O interesse pela Antiguidade Clássica, particularmente, pelos vestígios arquitetón icos e arqueológicos ainda existentes, influenciou de forma significativa toda a produção artística europe ia. Além disso, a arte do Renascimento foi influenciada pelo pragmatismo e erudição científica da Antiguidade Clássica, o que resultou, por exemplo , em edificações eruditas e académicas. Aliás, aproveitando a generalização da imprensa, foi possível difundir obras que muito ajudaram a divulgar os cânones artísticos do Renascimento. Foi também um período em que os artistas - arquitetos, escultores, pintores, etc. - passaram a ser conhecidos pela produção artística de que eram responsáveis. Em Portugal, a estilística góti ca teve uma implantação muito forte, prolongando-se temporalmente, o que gerou um foco de resistência à entrada da linguagem do Renascimento e que explica, pelo menos em parte, o reduzido número de 'exemplares deste gosto em Portugal , que datam sobretudo da primeira metade do século XVI. Na arquitetura, as edificações construídas de raiz tinham dimensões mais reduzidas, quando comparadas com as góticas , com uma escala mais em consonância com a humana. As construções espelhavam a erudição presente na tratadística muito divulgada na época e inf luenciada pelos cânones da Antiguidade Clássica. Por outro lado, também se utilizou a planta centrada,
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quebrando a hegemonia da utilização da planta longitudinal dominante no gót ico. Além disso , ao co nt rário do gót ico, na arqui tetura renascentista o programa decorativo to rnou-se mais simples e despojado, quase sempre composto por elemen tos arquitetónicos. Embora não tenha planta centrada, um dos exemplos da arquitetura deste período é a Ermida de Nossa Senhora da Conceição, em Tomar. Foram responsáveis por esta construção João de Castilho e Diogo de Torralva, nomes que , em para lelo com os de Francisco e Miguel de Arruda e Baltasar Álvares, formam a galeria dos principais arq uitetos do período do Renascimento em Port ugal.
Retábulo do Virgem com o Menino, também conhecido como Retábulo de São Silvestre. João de Ru ão, séc ulo XVI. Museu Nacional de Machado de Castro .
A escultura renascentista em Port ugal, muito à semelhança do que aconteceu além-front eiras, foi aplicada em pontos muito específicos da arquitetura , em retábu los e em nichos, alguns deles conceb idos para incl usão de esc ultura de vulto redon do. A produção esc ultórica deste períod o caract erizou-se por uma correta representação da anatomia humana, cujas características foram muito infl uenciadas pela produção artística da Ant iguidade Clássica , que também é percept ível em alguma da temáti ca, co mo por exemp lo nas escu lt uras alegóricas. Apesar da busca pelo realismo, é de notar, pelo menos na escultura de inspiração cristã, um idealismo no tratamento escultórico. Por exemplo, nas representações marianas deste período houve uma c lara prefe rência pela iconogra fia de uma mulher jo vem e bela [Virgem com Menino , João de Ruão, MNMC: 4086 ]. Os principais escultores do Renascimento em Portugal foram João de Ruão, Filipe Hodarte e Nicolau de Chanterene, homens que preferiram a pedra como suporte da sua criação. No período do Renasciment o em Port ugal, devido aos cânones decorativos depurados da arquitetura renascent ista, a pintura a fresco praticamente desapareceu, pelo que os exemplos conhecidos são sobre tudo de pintura de cavalete . Tal facto não impediu, no entan to, que várias telas te nham sido incl uídas em retá bulos. As obras pictóricas refletiram a valorização da natureza e do conhecimento científico, o que explica , pelo menos em parte , que as composições possuam paisagens e que tenham sido idealizadas de acordo com normas matemáticas e geométricas, de forma a garantir uma perspectiva rigorosa, como que à maneira de um erudito exercício. Dessa forma, foram conseguidas pinturas muito realistas e com uma dimensão humana . Além das paisagens, os pintores deste período também recorreram à recriação das estru turas arquitetó nicas do seu tempo [São Pedro, de Grão Vasco - Museu de Grão Vasco]. No caso português, é de referir também a influência da pintura da Flandres, território com o qual Portugal mantinha uma intensa relação
São Pedro . Vasco Fernandes, 1530. Museu de Grão Vasco.
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comercial neste período, e que é mais percetível pela humanidade e sentimento no tratamento das figuras e no fausto das vestes e dos interiores reproduzidos, características que já se faziam sentir na pintura gótica em Portugal. Os princ ipais pintores deste período estilístico em Portugal foram Vasco Fernandes, conhecido como Grão Vasco, Gaspar Vaz, Garcia Fernandes, Francisco de Holanda e Gregório Lopes. A ambiência cultural do renascimento, longe de perturbar o cânone religioso, interpreta-o através de uma linguagem erud ita e, por consequência, hermética. Assim acontece, por exemplo, na fonte do Claustro da Manga, do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, onde se observa uma metáfora do jardim do paraíso, à qual não faltam os quatro rios ali representados por braços de água que unem os templetes para a oração . Como noutras edificações, também neste lugar se assiste à inscrição da criação artística nas formas perfeitas, almejando chegar a essa geometria sagrada de que são imagem o quadrado e o círcu lo, as "medidas visuais" para trans mitir a ideia da perfeição humana e da perfeição divina.
1 - Adoração dos Reis Magos do antigo retábulo-mar da Sé de Viseu. Vasco Fernandes e Francisco Henriques, 1501-1506. Museu Nacional Grão Vasco 2 - S. Sebastião. Vasco Fernandes, 1530-1535. Museu Nacional Grão Vasco . 3 - São Jerónimo , Santo António e São Dinis . Diogo Contreiras, 1546. Museu de Évora.
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5.2. O discurso maneirista e a nova perceção da relação entre os homens e Deus Fruto de uma longa reflexão cujas raízes se podem fazer remontar aos finais da Idade Média, no século XVI, a Europa foi palco de fortes convulsões políticas, sociais e relig iosas . É este o período em que se massificaram as críticas, verbalizadas primeiramente por Martinho Lutero (1517), à ação do Papa e da Igreja, particularmente no que diz respeito às indulgências. Esta contestação acabou por ditar o fim da unidade religiosa na Europa Ocidental, com o surgimento das designadas Igrejas Protestantes, tais como a Luterana, a Calvinista e a Anglicana, que romperam com a ligação religiosa ao Papa, num movimento que ficou conhecido como Reforma. Este contexto acabou por ter repercussões no panorama artístico europeu, nomeadamente nos territórios maioritariamente católicos, até porque a Igreja Católica era um dos grandes mecenas naquele período . Lida por uma parte dos historiadores como reação à Reforma Protestante e por outros igualmente como ponto de chegada de uma reflexão que vinha já a acontecer dentro dos seus muros, a Igreja de Roma organiza o seu pensamento de múltiplas formas, inclusive através da convocação de um concílio, realizado na cidade italiana de Trento. Foi nesta conjuntura que se realizou a Reforma Católica, assente no Concílio de Trento (1545-1563), cujas diretrizes fixadas marcariam séculos de ação católica, e assente também em tantos outros pensadores como Inácio de Loiola, Teresa de Ávila e João da Cruz, Filipe Nery, Vicente de Paulo, entre outros.
1 - S. Vicente atada à coluna . Nuno Gonçalves, 1450-1490. Museu Nacional de Arte Antiga . © Luísa Oliveira e JP Ruas. 2 - Os milagres de São Inócio de Loya/a. Peter Paul Rubens, 1617-1618. Kunsthistorisches Museum. 3 - Êxtase de Santa Teresa de Ávila . Século XVII-XVIII. Museu da Guarda . © Jos é Pessoa. 4 - São João da Cruz. 5 - São Francisca de Assis. Século XVIII. Museu Nacional Machado de Castro © JP Ruas.
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A arte do maneirismo foi fortemente influenciada pelo conte xto hist órico e religioso do início do século XVI, mot ivando o abandono da rigidez formai e canónica do classicismo e exponenciando a imagem como elemen to catequético que serve para sublinhar os dogmas da fé.
Em Port ugal, a esti lística do maneirismo teve uma forte implantação crono lógica, dominando a produção artística da segund a metade do século XVI e grande parte do século segui nte.
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A arquitetura maneirista em Portugal pautou-se pela utilização menos canónica das ordens clássicas, fazendo, assim, uma int erpretação menos rígida da tratadística (por exemp lo na utilização de pilastras da ordem gigante, que se prolongam por vários níveis) e no aumento da escala das construções (os edif ícios aumentaram de dimensão, quando comparativamente com o que se constru ía no período do Renascimento). As igrejas tornaram- se espaços privilegiados de pregação, o que servia os interesses da Igreja Católica num período em que esta enfrentava fo rte contestação no territó rio europeu . Em Portugal , à seme lhança do que aconteceu em países que se mantiveram na órbita da Igreja de Roma, optou -se, de uma forma geral, por uma planta basílical de nave única, com abóbad as de caixotões, capelas intercomunicantes ao longo do seu cump rimento, t ransepto de reduzidas dimensões . A cabeceira da igreja é geralmente composta por uma abside com a capela-mor. Um dos exemplos deste t ipo de edificação é a Sé Nova de Coimbra , datada de cerca de 1598, cuja traça é atribu ída a Baltazar Álvares. Além de Baltazar Álvares, Filipe Terzi, Pedro Nunes Tinoco e Teodósio de Frias for am alguns dos principais arquitetos a t rabalhar em Portu gal aplicando os cânone s do mane irismo.
Sé Nova d e Coimbra.
Os escultores do maneirismo em Portugal , à seme lhança do que aconteceu em vários territórios europeus, aplicaram de forma mais livre a gramática clássica . A preocupa ção primordial deixou de ser a represent ação anatóm ica rigorosa e o pendor racional , mas ante s a valorização dos senti mentos e a mensagem que se pretendia t ransmit ir - servindo , dessa form a, os interesses da Igreja Cat ólica. As escultu ras deixaram de ser unifaciais - pensadas para serem obs ervadas apenas de uma perspetiva - e de serem concebidas a part ir de um só bloc o lít ico. Umas das inovações da escultura maneirista emPortuga l foi o regresso à utilização da madeira como matéria-prima esc ultórica. Os principais escultores deste período foram Gaspar Coelho, Gonçalo Rodrigues e Pedro Vaz Pereira. A produção pictórica em Portugal teve for te impulso nos séculos XVI e XVII, tendo-se caracterizado sobretudo por pintura sobre tela. As composições torn aram-se mais comple xas, mais movimentadas e compostas com recurso a contrastes cromáticos . Tal como na escu ltura maneirista, tam bém se abandonou o rigor anatóm ico - por exemp lo com recurso ao alongamento dos corpos - e valorizou- se a expressividade das figuras. Alguns dos principa is pinto res foram Diogo Teixeira, Simão Rodrigues, Fernão Gomes e Pedro Nunes.
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1 - Anjo Gabrie l do Tríptico do Aparição de Cris to à Virgem. Garcia Fernandes , século XVI. Mu seu Nacional de Mac hado de Castro. © Manuel Palm a. 2 - Santa Bárbara. Francisco Viei ra de Matos, mais conhecido como Vieira Lusit ano, séc ulo XVIII. Museu Naciona l de Arte Antiga . © José Pessoa. 3 - Cristo no Hor to do ant igo retábulo do Convento de Santos-a -Novo . Of icin a de Gregó rio Lop es, 1539-1541. Mus eu Naciona l de Arte Antiga. © Luísa Oliveir a. 4 - Sagrada Família . Franc isco Vieira de Matos, mais conhec ido com o Vieir a Lusit ano, século XVIII. Museu Nacio nal de Arte Antiga . © Jo sé Pessoa. 5 - São João Baptista . Gregór io Lopes, 1530 -1555 . Mus eu Nacional de Ar te Ant iga. © José Pessoa. 6 - Santa Mar ia Madalena Penitente. Simã o Rodri gues, século XVII. Mus eu Nacional Grão Vasco . © Jos é Pessoa.
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No período maneirista , a talha portuguesa teve um forte desenvo lviment o, baseando o seu desenho nos cânone s apl icados nas fachadas das igrejas . Est as máquinas retabulares combinavam muitas vezes esculturas e pintu ras, como é o caso do retáb ulo da Sé de Leiria, possivelmente gizado por Gaspar Coelho e com pinturas de Simão Rodrigues. Deste período artístico é igualmente digno de nota a azulejaria e os seus exemplares f igurat ivos - infl uenciados pelos cânones pictóricos - e de padrão repetição de elementos decorativos concretizados através da junção de um determinado número de placas azulejares . Geradas em contexto reformista , as novas igrejas constru ídas nesta época evidenciam uma racio nalidade de discu rso muito severa e veem-se enri quecidas com dispositivos cénic os que mostram, à maneira de galeria ilust radora, a narrativa da histó ria da salvação. Assim acontece, de facto, com os retábu los que albergam peças pintadas e que pretendem ser catequeses visuais da ilustração e da reafirmação da doutri na tridentina.
Retábulo-mar do Sé de Leiria.
5.3. O discurso barroco e o triunfo da Igreja Pelas suas característica s de triunfalismo, o estilo barroco serviu os interesses da retórica do poder, quer do poder dos monarcas absolutos que r a própria retórica consolidada durant e os séculos XVII e XVIII relati va à forma de entende r a presença de Deus em te rritó rios em que pululavam convu lsões polític as, religiosas e sociais .
Educação Moral e Religiosa Catól ica
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,---------------------------------As edificações barrocas, sobretudo os palácios e as igrejas, tornaram-se autênticos palcos cénicos de glorif icação dos monarcas absolutos e de afirmação da doutrina e cânones do cristian ismo católico que procuravam, também através das artes, afastar os fiéis das propostas dos movimentos refo rmistas. No caso português, sobretudo devido à forte imp lantação do manei rismo, a entrada da linguagem barroca foi mais tardia comparativa mente à restante Europa. A esta razão est ética juntam-se também motivos políticos relacionados com a união dinástica dos estados ibéricos (Espanha e Portuga l sob a mesma coroa) e a consequente lut a pela indepen dência do país que se prolonga em amb iente de conflito. A linguagem barroca fo i fazendo a sua introdução no território nacional em f inais do século XVII, sendo um dos primeiros edifícios deste esti lo a igreja de Santa Engrácia, em Lisboa, da traça de Jo ão Nunes Tinoco e de João Antunes, com planta centrada, de vulgar utilização no tempo barroco, e decoração policroma no interior, co ncretizada atra vés da aplicação de diferentes materiais pétreos .
Interior do Basílica do Palácio Convento de Mafra. Jo ão Freder ico Ludovice, século XVIII.
Santuário da Senhor Jesus da Pedra . Rodrigo Franco, 1747. Óbidos. I
Entre as mais icón icas edificações barrocas em Portugal, está o Palácio Convento de Mafra, construção régia promov ida por D. João V, no encal ço da disponibilidade fi nanceira motivada pelo fl uxo de ouro e de diamant es oriundos do territó rio brasile iro. O edifício foi traçado por Joã o Freder ico Ludovice (1673-1752) e as obras iniciaram-se em novembro de 1717, tendo sido um dos mais importantes estale iros construtivos do seu tempo. À maneira do Mosteiro do Escorial, em Espanha, t ambém ele ilust rador da linguagem absolutista, o Palácio Convento de Mafra articula espaços com diferentes propósitos: um palácio, uma grande igreja, que foi agraciada com o título de basílica, e um convento. Além disso, esta grande mole é parad igma da arquitetura barroca pela sua monumenta lidade, pela riqueza dos materia is utilizados, pelo programa decora t ivo que artic ula diversas disciplinas art ísticas, pela fo rma com o t rabalhou a luz, por exempl o, pela presença de uma cúpu la na igreja. Por outro lado, os elementos arquitetónicos como pilastras, colunas e frontões tinham um tratamento clássico . Outra das característica s típicas da arquitetura barro ca é a simetria , facto que se pode atestar pelos dois torreões co locados nas extremidades da fachada . Todo o tratamento dado ao edifício, apesar da sua opul ênc ia e riqueza, apresenta uma sobriedade decorativa, sobretudo no exterior. Na arquitetura barroca portuguesa foram articuladas as inf luênc ias est rangeiras , mais dominantes nas obras de mecenato régio, com as trad ições locais, aplicadas em edifícios civis ou religiosos enriquecidos por materiais pétreos nobres , por talha dourada e por elementos azulejares, apenas para referir alguns casos . Será importante salientar que nas ob ras de mecenato régio se optou, de uma forma gera l, pela ut ilização de mobi liário e de elementos decorativos pét reos, enquanto no resta nt e pano rama arquitetónico nacional, mormente no religioso, a esco lha recaiu sobret udo em sup ortes de madeira dourada e policromada .
Pietà. Frei Cipria no da Cruz, 1685-1690. Museu Nacional Machado de Cast ro. © Carlos Monteiro .
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As constru ções barrocas portuguesas, à seme lhança do que aconteceu além-fronteiras, tanto possuem planta centrada, como é o caso do Santuário do Senhor Jesus da Pedra, em Óbidos, como planta em cruz lat ina, de que é exemplo a Basílica do Palácio Convento de Mafra .
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No que diz respeito à escultura barroca em Port ugal, esta esteve, numa primei ra fase, mais ligada aos cânones barrocos espan hóis, sobre t udo co m os escultores Manuel Pereira (15 88-1 683) e Frei Cipriano da Cruz (1645-1716). Já numa fase post erior a grande infl uência veio dos mode los italianos, sobretudo devido à vinda de artist as com formação naquelas paragens. Nessa época é de destaca r Claude Laprad e (1682-1738), Jacinto Vieira (ativo de 1723 a 1725), Alexandro Giusti (1715-1799) e Cario Monaldi (1683-1760), estes dois últ imos com produção artística no estaleiro de Mafra .
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I Corde iro Místico. Jo sefa de Óbido s, séc ulo XVII. Palácio Nacional de Ajuda.
A escultura barroca apresenta como principais características o t ratamento dado aos panejament os, que são volumosos, agitados e des composto s, a exp ressividade das personagens e a represe ntação das fig uras em moviment os, o que lhe confere dinamismo. No conte xto nacional , a produção pictórica barroca teve como princi pais artistas André Reinoso (ativo ent re 161 0 e 1641), Josefa de Óbidos (1630-1684), André Gonçalves (1692-1762), Vieira Lusit ano (1699-1783) e Domenico Duprá (1689-1770), e foi a primeira disciplina a abrir-se aos cânones barrocos . No te rritório port uguês, seguindo a linha do que se verif icou em outras paragens europeias, os pinto res desta época produziram pintu ra de cavalete , mas ta mbém frescos que enriqueceram as edificações barrocas , como é o caso da Sé de Lamego. Recorrendo à técnica do 'trompe I'oeil', reprodução em perspetiva de espaços arquitetónicos com recurso às técn icas da pintura , foram concebidos espaços arqu itetón icos fing idos em edifícios civis e religiosos . As principais temá ticas na pint ura móvel foram a religiosa, os ret ratos e as natu rezas- mortas. Privilegia-se , ta l como na escu lt ura, a captaç ão do momento carac terizador do que está a ser retrata do e a expressividade das personagens. São ainda particularidades da pintura desta época o tratamento dado à luz, que resulta em composições com con t rast es entre luz e somb ra e também entre as co res, maioritariamente
Anunciaçã o do Virgem . Josefa de Óbid os, 1676. Museu Nac ion al de Arte Antiga .
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quentes (sobretudo o vermelho e o amarelo). Os elementos figurativos que integram as composições são concretizados através de contrastes cromáticos e os seus contornos são pouco definidos. No panorama artístico barroco destaca-se ainda a talha, cuja primeira fase é tradicionalmente designada de Talha Nacional, por reproduzir na essência os portais românicos, típicos do período fundacional português, e cuja segunda fase, mostrando cânones barrocos mais consolidados, se tem designado de Talha Joanina, na qual se denota mais a influência da gramática barroca italianizante. Outra das disciplinas artísticas que teve grande desenvolvimento foi a azulejaria, também dividida em duas grandes fases: o ciclo dos mestres e a azulejaria Joanina. Uma das grandes inovações da azulejaria barroca foi o regresso às composições figurativas, concretizadas através do contraste entre vários tons de azul e o branco do esmalte, em cujas representações foi aplicada a maioria dos cânones da pintura barroca.
Santo Agostinho. Francisco Vieira de Matos, mais conhecido como Vieira Lusitano. c. 1770. Museu Nacional de Arte Antiga. © Carlos Monteiro.
A lógica construtiva e decorativa da igreja barroca, que usa diferentes materiais conjugados em formas mais eruditas ou mais populares, é a da edificação de um grande cenário para a exaltação do mistério. De forma teatral, bem ao gosto da estética barroca, todos os elementos do espaço litúrgico concorrem para a grande festa em torno do Santíssimo Sacramento, solenemente exposto nos tronos que os camarins dos retábulos albergam, visível na custódia rodeada de castiçais com velas e de jarras com flores. Todas as paredes do templo, revestidas com talha, com azulejaria ou com painéis pétreos policromos (num 'horror vacui' que retoricamente fala de uma Igreja em adoração ao seu Deus, mas também de uma Igreja que mostra, de forma militante, o seu Deus no Santíssimo Sacramento) se encontram grávidas de elementos sensoriais que permitam a experiência de Deus.
5.4. O discurso rococó e a ambi ênci a refinada O rococó, designação atribuída ao estilo artístico que surgiu em França por volta de 1715/1720, atingiu o seu esplendor na década de 30/40 do século XVIII. A gramática desta forma artística deriva de uma mudança conjuntural que abandona o fausto da festa barroca ligada aos palcos do absolutismo para dar lugar, após a morte de Luís XIV, a uma vivência social menos áulica, menos teatral e mais intimista, porventura , mais influenciada pela mentalidade burguesa que se instalava na sociedade. Embora a corte de Luís XVI continue a ser um centro nevrálgico em termos culturais e sociais, outros círculos se formaram, sobretudo nas habitações particulares de aristocratas e burgueses, em cujos salões se divulgava o característico conhecimento enciclopédico desta época.
Capela de Santa Maria Madalena. André Soares . 1753-55. Falperra, Braga.
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Devido à forte implantação do barroco em Portugal, a introdução da linguagem rococó foi mais tardia . Os edifícios deste período, de dimensões mais reduzidas, têm muitas vezes fachadas mais depuradas, o que de uma maneira geral contrasta com o elaborado programa decorativo dos interiores, pensado para proporcionar um ambiente de comodidade e de intimidade sublinhado pelo mais usual ornato desta gramática, a concha (palavra de onde deriva, na língua francesa,
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Palácio Naciona l de Queluz. Mateus Vicente de Oliveira . Manuel Caetano de Sousa , João Baptista Robillon, segunda metade do século XVIII. © PSML-WP.
A escultura rococó em Port ugal não teve for te difusão , embora alguma da que foi produzida revele a assimi lação das carac terís ticas próprias do estilo, tais como a delicadeza e o alongamento dos corpos, a preocupação de inserir os grupos escultóricos no cenário criado para o efeito, de preferência, com reproduções de elementos naturais. Neste período passou a ser mais recorrente a produção de estatuária de pequeno porte, muitas vezes de materiais como a argila e porcelana, até aí destinadas, sobretudo, à utilização civil. Um dos principais escultores deste período foi Machado de Castro (1731 -1822), com produção escultórica, entre outros espaços, no Palácio Nacional da Ajuda (início do séc. XIX) e no Palácio do Marquês de Pombal, em Oeiras, para onde riscou a Cascata dos Poet as.
Palácio Nacional da Ajuda . Século XVIII-XIX
Tal como a escultura, também a pintura rococó não teve uma for te implantação em território nacional. As composições passaram a ser tratadas de forma mais del icada, com recurso à utilização de cores mais suaves e marcadas por uma forte presença da natureza, de preferência o mais intocada poss ível pelos seres humanos, numa espécie de anúncio do que, mais tarde, virá a ser o período romântico.
Cascata dos Poetas . Machado de Castro, segunda metade do sécu lo XVIII. Palácio do Marquês de Pomba l, Oeiras. © Hugo Henrique.
Cúpula da Igreja do Seminário Maior da Sagrada Família de Coimbra. Pascoa l Parente . segunda metade do século XVIII.
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Os principais pintores deste período foram Pedro Alexandrino, que na segunda metade do século XVIII pintou para o Palácio Nacional de Sintra uma Nosso Senhora do Conceição, e Pascoal Parente, autor do fresco da cúpula da Igreja do Seminário da Sagrada Família, de Coimbra, também da segunda metade do século XVIII. Embora tenham assimilado muito dos cânones do rococó, sobretudo ao nível da composição, estes pintores mantêm-se ligados ao barroco. A talha rococó corta com a unidade nacional presente no barroco, dando lugar a uma multiplicidade regional, que vai desde a chamada "talha gorda" da zona de Braga, que se mostra muito escultórica e com uma volumetria assinalável, ao classicismo da talha do círculo de Lisboa, que se observa nas máquinas retabulares de madeira pinta das de forma a reproduzirem elementos pétreos.
A azulejaria, no período rococó, além da introdução no programa decorativo das características aletas e concheados, regressa a policromia , sendo abandonado o monocromatismo azul-branco, típico do período barroco em Portugal.
Nossa Senhora da Conceição. Pedro Alexandrino, último quartel do século XVIII. Palácio Nacional de Sintra .
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A exceção das igrejas da zona de Braga - que mostram uma talha característica - as igrejas deste período tornam-se menos escultóricas e cada vez mais depuradas das volumetrias típicas do barroco. Algumas delas evidenciam uma ambiência depurada, sublinhada por cores que tendem para uma sensibilidade devocional normalmente traduzida em tonalidades róseas coadunáveis com a semântica do Coração flamejante de Jesus.
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Teatro Nacional de São Carlos . Jo sé da Costa e Silv a. 1792. Porto.
o panorama cultura l europeu na segunda metade do século XVIII sofreu uma mutação significativa e procurou reagir aos cânones do barroco e do rococó . Operada uma leit ura das convulsões socia is que alguns terr itórios europeu s vivenciaram - cujo exemplo mais clássico é a Revolução Francesa de 1789 - , percebe-se que na génese do movime nto revolucionário que caracterizou o século XIX europeu estão os ideais do Iluminismo, corrente filosóf ica e política que defendia a razão, a liberdade e o progresso de uma sociedade e dos indivíduos que a comp unham, colocando em causa a estru t uração social do Antigo Regime. Est a forma de pensamento levou, inclusi vamente, a olhar para o passado, percebendo os vestígios das chamadas idades de ouro e analisando os testemunhos materia is e imateriais da Ant iguidade Clássica (o sistema pol ítico e social, sob retudo o romano , assim como as manifestações culturais, mais austeras e racionais , motivaram um aumento do int eresse pela comp reensão deste período hist órico). É nest e contexto polít ico que surge o gosto pelo regresso a uma arte mais racional, mais inte lectualizada e inspirada nas correntes de mat riz greco-latina e renasce ntista: o neoclássico. Em Port ugal, assim como noutr os lugares da Europa, a linguagem neoc lássica teve de conq uista r t erreno ao gosto barroco. cuja estética se encon trava fortemente enraizada porquanto foi muito bem aceite em todos os amb ientes, mais eruditos ou mais popula res.
Igrej a da Ordem da Trindade . Carlos Amara nte . 180 3. Por t o.
Também a for te conso lidação do absolutismo em ter ritório nacio nal foi verdadeira resistência à entrada dos ideais iluministas, como, por out ro lado o fo ram, as dificu ldades eco nómicas e as co nvulsões socia is e políti cas do sécu lo XIX, resulta ntes das Invasões Francesas e dos confrontos bélicos conseq uentes à revolução liberal de 1820, apenas verdadeiramente sanados depo is de 1851. Para além destas razões deve ainda considera r-se que a linguagem neoclássica, por ser mais racional, teve maiores dificuldades em penet rar nos ambientes religiosos , forte mente reformulados pela estética barroca .
Pregação de São João Bap tis ta. Domin gos António de Sequ eir a, 1793. Paço Ducal de Vila Viços a.
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A arquitetura neoclássica em Portugal caracterizou-se pela utilização de materiais pétreos, pela simplicidade estrutural , pela utilização mais canónica da gramática fo rmal clássica (grega e romana) e pela decoração marcadamente arquitetónica, apesar de no interior muitas vezes se recorrer a elementos mais elaborados para a concretização do programa decorativo. A aplicação destas opções resultou em edifícios mais sóbrios e exibidores de ideia de monumentalidade . Apenas a título de exemplo, é possível destacar, no campo civil, o Teatro de São Carlos (c. 1792), da traça de José da Costa e Silva (1747-1819). Na arquitetura religiosa, será de referir a Igreja da Ordem da Trindade, no Porto, datada de 1803 e projetada por Carlos Amarante (1748-1815).
Coroo ção da Virgem. Domingo s Antón io de Sequeira, 1830. Museu Nacional de Arte Antiga . I
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Tal como na arquitetura, também a arte clássica serviu de inspiração à escultura deste período, razão pela qual as figurações humanas aparecem muitas vezes representadas com poses e indumentária semelhante à dos deuses da Grécia e da Roma Antigas. Os escultores desta época garantiram às suas obras um grande rigor anatómico, embora o resultado final se mostre, nalguns casos, frio e distante da carnação humana . Pelas suas características, a escultura deste período teve pouca difusão no universo da arte sacra . A escultura erudita neoclássica abdicou quase sempre da madeira enquanto suporte, preferindo o mármore que lembrava o cânone clássico. Deste período será de destacar o escultor João José de Aguiar (1769-1841).
As representações pictóricas neoclássicas em Portugal são, quando comparadas com as barrocas e rococós, mais sóbrias, austeras e simples, evidenciando composições de desenho mais rigoroso, com claro predomínio da linha e do cont orno sobre a cor. A temática da produção pic tórica estava sobretudo relacionada com assuntos históricos, alegóricos e mitológicos, sendo também de salientar a difusão do retrato. Os principais pintores deste período foram Cirilo Volkmar Machado (1748-1823), Domingos António de Sequeira (1768-1837) e Vieira Portuense (1765-1805), embora os dois últimos tenham feito incursões por outras linguagens estéticas , como o romantismo. No universo dos pintores do neoclassicismo é Domingos Sequeira o que mais se aproxima da temática religiosa, em diferentes períodos da sua produção artística, mas sobretudo no final da sua vida , em que experimenta já linguagens pictóricas relacionadas com o romantismo. Ainda no conte xto da arte neoclássica em Portugal, é de referir a retabulária, que teve bastante difusão no território nacional, e a azulejaria, tradicionalmente denominada de "pombal ina", que assimilou alguns dos elementos decorativos típicos do neoclássico, como são as grinaldas de flores já bem depuradas e menos volumosas que os festões do período anterior. Na arte religiosa, este período estilístico, para além dos edifícios construídos segundo essa 'forma mentis ', teve explanação em alguns cenários de interiores de igrejas que se relacionam, múltiplas vezes, com a reconstrução ou nova construção de mobiliário e equipamento litúrgico (retábulos, caixas de órgãos, guardo-ventos, etc .).
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6.2. O discurso romântico e a consciência de uma nostalgia da época de ouro Nos finais do séc ulo XVIII e durante grande parte do século seguinte , o território europeu foi asso lado por fortes convulsões que moti varam mudanças significa tivas nos sistemas polít icos vigentes . Impulsionados pelos ideais de liberdade e de igualdade do Libera lismo (sistema de pensamento fortemente inf luenciado pelo Iluminismo), a burgues ia e outros grupos de populares dinamizaram revolt as contra as elites políticas e socia is de então, co locando em causa , sobretudo, o próprio sistema político abso lutista e sublinhando a importância do sentimento de individ ualismo em detrimento da forma generalizada de sentir. Est a forma que privilegia sobremaneira a int erpretação subje tiva perpassou as diferentes áreas da produção cultural (a arquitetura, a esc ult ura, a pintura, as artes decorativas, a música, a literatu ra), no co ntexto do que é consid erado o último grande esti lo artís tico unit ário da Hist ória da Arte . Assumi ndo uma rut ura com os racio nalismos e, por conse quênc ia, com a ordem e a sobriedade típicos do neoclássico, o romantismo promoveu, de facto, a exaltação dos sent imentos e a valorização das emoções do indivíduo. Foi também um períod o em que se proc urou encont rar no passado as raízes fundac ionais de cada cultura , de cada língua e de cada circunscrição polít ica, fosse ela independent e ou não, o que mot ivou um interesse muito forte pela Idade Média, considerada a época fu ndacio nal de muitas pátrias.
, Palác io da Pena. Barão de Esch wege , Guilherme von Eschwege, 1839-1860 . Sintra .
Paface-Hatel do Buçaco . Luigi Manini, 1888-190 7.
Os autores românticos valorizaram ainda a natureza, tomando- a não apenas como paisagem mas como protagon ista dentro do campo visual das suas criações, sublinhando a import ância da paisagem imacu lada, no seu estado selvagem, sem intervenção da ac ão humana . A atribulada conjuntura política do Portuga l do século XIX, não favo rece ndo, 'a prio ri', a ref lexão artística, não deixou de ser pontuada por manifestações claras deste estilo. A arquitetura do romantismo em Portugal inspirou-se sobremaneira na gramática arquitetónica e decorativa dos esti los dominantes no período medieva l - o românico e o gótico -, tomando como esti lo identi tário sobretudo a fase manue lina do gótico por t uguês, a arte que co rresponde , no ideário românt ico, ao perío do áureo da hist ória port uguesa, os Descobriment os.
Palácio da Rega/eira . Luigi Manini, 1892-1910. Quinta da Regaleira, Sintra .
A utilização de elementos artísticos característicos de esti los anteriores, medievais ou não (em Coimbra, por exemplo, faz-se uso de modo muito erud ito do formulário renascentista), era efetuada de forma livre e eclética , pelo que se tornou comum que numa mesma construção aparecessem elementos de diferentes épocas. Por esta razão, a ter minologia "arquit et ura eclética" considera -se mais segura para carac terizar alguns edifícios. No panorama da arquitetura romântica, umas das primeiras construções, e ta mbém uma das mais importantes, foi o Palácio da Pena, em Sintra. Fruto do mecenato do então rei-consort e D. Fernando de SaxeCoburgo-Gotha , as obras, sob projeto da responsabilidade do Barão Guilherme von Eschwege, iniciaram-se em 1839, num antigo cenóbio jerónimo. Da edificação pré-existente foi preservada a capela, a sacristia, o coro e o claustro do mosteiro, sendo a nova parte construtiva conso lidada pelas muralhas e pela couraça envolventes. Neste últ imo espaço do palácio estão presentes elementos decorativos neomouriscos, neogóticos, neomanuelinos, apenas para referir os principais. A profusão deco rativa, os motivos utilizados, de pendor pitoresco , e o dinamismo dos planos resultam numa constr ução que proc ura apelar aos senti mentos . Engrossam o caudal dos exemplos das edificações ecléticas em Port ugal edifícios como o Palace-Hotel do Buçaco (1888-1907), de Luigi Manini (1846-1936), a Est ação do Rossio, de José Luís Monteiro (1848-1942), o Palácio da Regaleira (1892-1910), de Luigi Manini, e o Palacete de Monserrate (c. 1863), de James Knowles (1831 -1908).
Estação do Rossio. José Luís Monteiro, 1891. Lisboa.
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Pafácio de Monserrate. Jam es Knowles, século XIX. Sintra.
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A escultura romântica em Portugal não teve grande desenvolvimento; as obras escultóricas criadas nesta linha estilística apresentam corpos anatomicamente corretos, mas cujas expressões e gestos espelham sentimentos dramáticos, como acontece com António Soares do Reis (1847-1889), por exemplo com a sua obra o "Desterrado" (1871-75), e António Teixeira Lopes (1866-1942), entre outras, com a escultura intituladada "A Viúva" (1893). Este último escultor avançou, numa fase posterior da sua produção artística, para além dos cânones românticos. A pintura romântica em Portugal, à semelhança do que aconteceu além-fronteiras, possui muitas vezes representações dramáticas, com composições agitadas e movimentadas, cujas pinceladas tinham o objetivo de acentuar o sentido trágico da cena retratada. Outras das características presentes na pintura romântica é o tratamento especial conferido à natureza, tendo sido muitas vezes, mesmo em paisagens bucólicas, realçado o seu aspeto mais selvagem e intocado. Por outro lado, ao contrário do que foi prática no neoclassicismo, a mancha de cor prevaleceu sobre o desenho na concretização das formas. Tomás da Anunciação (1818-1879), autor de "Vista da Penha de França" (1857), ou Metrass (1825-1861), que pintou "Só Deus" (1856), estão entre os principais autores desta estética que não dispensa a ideia de Deus, mas pode usá-Ia como referência a um sagrado natural em contraste com o sagrado religioso ligado ao cristianismo. Desterrado. Soare s dos Reis, 1871-1875 . Museu Nacional Soare s dos Reis. I
6.3. O discurso do modernismo, dos estilos de vanguarda e do pós-modernismo e a polifonia visual da interpretação do mundo nos séculos XX e XXI Fruto da aliança entre a técnica e a ciência, o século XX, e o que lhe segue, torna-se no século mais acelerado da história da humanidade. As alterações tecnológicas, aliadas às transformações políticas, económicas e sociais, têm consequências na forma de ver o mundo e, outrossim, na forma de o interpretar. As revoluções liberais, que motivaram uma modificação radical no paradigma político europeu, com a fragmentação da generalidade dos regimes absolutistas; os movimentos independentistas coloniais dos séculos XIX e XX; os dois conflitos mundiais do século XX (Primeira e Segunda Guerras Mundiais); os embates bélicos que assolaram diferentes territórios a nível mundial; as hegemonias económicas, militares e políticas concorreram e decorreram dessa mentalidade nova que gerou na comunidade de filósofos sentimentos que vão desde a euforia à apreensão acerca do futuro do planeta e da própria espécie humana. A produção artística acompanhou em igual velocidade toda a aceleração ao nível das mentalidades. O panorama artístico ocidental na primeira metade do século XX foi dominado pelo modernismo que, na sua essência, correspondeu a um conjunto de correntes e movimentos , cada um com características próprias, sendo que em Portugal a sua cronologia foi prolongada pelo terceiro quartel desse século.
A Viúva. Teixeira Lopes , 1893. Museu Nacional de Arte Contemporânea. © Jos é Pessoa .
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A Arte Cr istã
A produção arquitetónica nacional de finais do século XIX e de inícios do século XX prolongou a estética eclética, facto a que não foi alheio o gosto tradicionalista da Igreja em Portugal. Aliás, a linguagem moderna, resultante das mudanças operadas na sociedade europeia, que começava a emergir além-fronteiras era muitas vezes hostil às práticas religiosas, fator que, aliado ao conte xto nacional adverso, explica a resistência na adoção desta linguagem nas construções cristãs.
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Igreja de Nossa Senho ra de Fáti ma . Nuno Teotó nio Pereira, 1949-1957. Águas, Penamacor, Caste lo Branco .
Basílica de Nossa Senho ra do Rosário. Gerardus Van Krieken, 1928-1953. Santu ário de Fát ima, Fáti ma.
Deste gosto revivalista são exemplo , em Portugal, o TemploMonumento ao Sagrado Coração de Jesus (1899-1926), no Monte de Sant a Luzia, em Viana do Castelo, que result ou de um projeto de Miguel Ventura Terra (1866-1919), de gramáti ca neorromânica. Insere-se também nest a linha a Basílica de Nossa Senhora do Rosário (1928-195 3), no Santuário de Fátima , da autoria de Gerardus Van Krieken (1 864-1933), de mat riz estéti ca neobarroca.
Igreja da Penha , 1933. Jos é Marques da Silva, Guimar ães. © JL Queirós.
Umas das primeiras construções religiosas cató licas do século XX, cuja tr aça já incorporou a linguagem moderna, foi a Igreja de Nossa Senho ra de Fátima (1934-1938), de Porfírio Pardal Monteiro (1897-1957). Nesta edificação estão presentes as influências da Arte Deco, embora simpl ificadas, e foram utilizados novos materiais construtivos, como o betão armado. O edifício alberga ainda obras de arte de diferentes autores, entre eles um dos mais importantes pintores do meio art íst ico por tug uês, Almada Negreiros, que assina os vitra is da igreja. Dos vários edifícios construídos de t raça erudi ta salientam -se , a título de exemplo, a Igreja da Penha (1933), em Guimarães, tra çada por Jos é Marques da Silva (1869-1947); a Igreja Paroquial das Águas (1949-1957), de Nuno Teotónio Pereira (1922-); a Igreja de Santo Antón io de Moscavid e (1956), de Antón io Freitas Leal e João de Almeida (1927-); a Igreja do Sagrado Coração de Jesus (1962-1970), em Lisboa, de Nuno Templo-Monumento ao Sagrado Coração de Jesus. Teotónio Pereira e Nuno Portas (1934-); a Igreja de Nossa Senhora do Miguel Ventura Terra, 1899-19 26. Monte de Santa Rosário do Convento de São Domingos (1965), em Fátima, de Luiz Luzia, Viana do Castelo . Cunha (1933-), a primei ra constru ção religiosa a deixar à vist a sem qualquer outro t rata mento o betão armado. A importâ ncia dest es edif ícios não reside apenas na linguagem moderna que apresenta m mas t ambém no facto de convocarem para os seus espaços art istas plásti cos de várias disc iplinas, desde a escultu ra à pintu ra, desde o vitra l ao azulejo ou à tapeçar ia. O Concíl io do Vaticano" (1962-1965) teve, como seria de esperar, consequências na produção religiosa, até porque propunha alte rações significativas na liturgia e, consequentemente, no espaço celeb rat ivo.
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Basílica da Santíssima Trindade . Alexandros Tomba zis, 2007. Sant uário de Fát ima.
Igreja da Senhora da Hora, Paulo Sampa io, 1953-196 3. Matos inhos. © JL Queirós.
Desenvolvendo a sua ação num meio evidentemente conservador, o Movimento de Renovação da Arte Religiosa (MRAR), cr iado em 1953 e formado por especialistas de diversas áreas desde a liturgia à pintura, à escultura e à arqu itetu ra, contribu iu de forma decisiva para a abertura da Igreja em Portugal à estética moderna e pós-moderna. Também a mudan ça de regime político em Portugal contribuiu para esse alargame nto de horizontes relat ivament e a uma estética definit ivamente desligada dos cânones academizantes da arte estadonovista . Embora seja também um período de grande desafio para o diálogo ent re os artistas e a Igreja, existem várias construções religiosa s dignas de nota, como são, apenas a título de exemp lo, a igreja e conj unt o do Santuário de São Bento da Port a Aberta (1998), de Luiz Cunha, e a igreja de Marco de Canaveses (1995), de Siza Vieira. Obra incontornáve l da produção arquitetónica deste período, virado já o milénio , é a Basílica da Sant íssima Trindade (2007), de Alexandros Tombazis (1 939-), no Sant uár io de Fát ima. Trat a- se de um edifício de plant a circular, cuja dispo sição da assembleia, à maneira de anf ite atro, não tem qualquer ent rave de visão sobre o espaço do alta r. Est e espaço pode ser to mado como o coro lário de um tempo mais longo que , neste sant uário, tem associado de forma permanente a Igrej a e a arte, desde os quadros ligados à estética de meados do séc ulo XX até aos artis tas que nos anos 80 da mesma centúria ali t rabalharam: J úlio Resende, Zulmiro de Carvalho , Rolando Sá Nogueira, Lagoa Henriques, José Rodrigues, Clara Menéres, Irene Vilar, Graça Costa Cabral , José Aurélio, Eduardo Nery, ent re outros. Virado o milénio , no novo comple xo da basílica da Santíssima Trindade, será a vez de t rabalharem Álvaro Siza Vieira, Benedetto Pietrogrande, Cathe rine Green, Czeslaw Dzwigaj, Kerry Joe Kelly, Maria Loizidou, Marko Ivan Rupnik, Pedro Calapez, Robert Schad .
Est e santuário cresce, efetivamente, em relação muito estreita com a questão artística, desde logo por causa da capela que, segundo os viden tes Francisco, Jacint a e Lúcia, é pedida pela Mãe de Deus, mas também pela for tuna da críti ca que, ent re os fiéi s, a Imagem que se venera na Capelin ha das Aparições (1920), do esco pro de José Ferreira Thedim, veio a alcança r em to do o mundo cató lico.
Igrej a de Santo Antónia das Anta s. Fernando Tudela, 1946. Porto .
O século XX português fi cou marcado, do ponto de vista da escultura e da pint ura religiosas, por nomes que t ent aram inte rpret ar os dit ames da evolução estética e da evolução do pensament o religioso. Com a diversida de das linguagens utilizadas, soma m- se aos nomes at rás registados alguns outros que pont uaram , a seu tempo e a seu modo , essa constelação artística: Teixeira Lopes, Soares Branco, Barata Feyo, Leopoldo de Almeida, António Duarte, Álvaro de Brée (1903-1962), Maria Amélia Carvalheira da Silva, João de Sousa Araújo, Canto da Maia, Cabral Antunes, Laureano Ribatua, José Grade, Lígia Rodrigues, Bruno Marques . As obras destes escu ltores estão implantadas em importantes espaços arquitetónicos como o Santuário de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, a Igreja de Nossa Senhora de Fát ima, em Lisboa ; o Templo- Monumento ao Sagrado Coração de Jesus , em Santa Luzia, Viana do Castelo ; a Igreja de Santo Antó nio das Antas , no Porto; a Igreja da Imaculada Conceição da Senhora da Hora, em Matosinhos; o Santuário de Cristo Rei, em Almada, entre outros.
No caso da pintura , também existem artistas dignos de nota, como João de Sousa Araújo, com obra no Sant uário de Fát ima, Amadeu de Souza-Cardoso, Lino António, Luiz Cunha, J oão Luiz Cost a, Maria Gabriel, Emília Nadai, João Marcos, que deram e que dão o seu contribut o para o enr iquecimento da arte cristã em Portu gal.
Santuário de Cristo Rei. António Lino, 1959 . Almada .
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A Arte Cr istã
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A arte do vitral teve uma gra nde revita lização no sécu lo XX, quando aplicada a construções religiosas. Desde o já citado exemp lo de Almada Negreiros, na Igrej a de Nossa Senhora de Fátima, em Lisboa, até ao exemplo de João de Sousa Araújo que, em 1967, assi na os vitrais da Basílica de Nossa Senhora do Rosário, podem ainda lembrar-se a obra de Eduardo Nery (vit rais da cape la de São José, no Santuá rio de Fát ima, ou da igreja de Queijas) ou a obra de Jú lio Resende que, em 1981, assi na o grande vitral da igrej a de Nossa Senhora da Boavist a. O revestimento cerâmico, tão carac terís t ico da produção artística nacional, foi -se reinventando ao longo dos tempos através da assimilação das novas linguagens estéticas. Na produção direcionada para edificações religiosas será possível destacar a Via-Sacra da Colunata do Sant uário de Fát ima (1955), de Lino António; os painéis azulejares da Cripta do Santuário do Same iro, da auto ria de Querubim Lapa e um de Jorge Barradas; os oitos pain éis de Querubim Lapa sobre a vida de São Bento no Sant uário de São Bent o da Port a Aberta; os azulejos da fachada da igreja de Moscavide (1956), de Manue l Cargaleiro; os painéis de Siza Vieira, na Igreja de Santa Maria de Marco de Canaveses ou na galilé dos Santos Pedro e Paulo, na Basílica da Santíss ima Trindade.
Vitra l da Igrej a de Nossa Senhora da Boavista . Jú lio Resende, 1981. Porto. © JL Queirós.
Painéis sobre o vida de São Bento . Querubi m Lapa. Sant uário de São Bento da Porta Aberta, Rio Caldo, Terras de Bouro.
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Painel de azulejos da Igrej a de Santo António de Moscavide. Manue l Cargaleiro, 1956. © Amadeu Sequeira .
Vitral da Igreja de Nossa Senhora da Boavista. Jú lio Resende, 1981. Porto. © J L Queirós.
Educação Moral e Reiigiosa Cat ólica
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7u A arte no quotidiano cristão 7.1 . Joias da Fé: a ourivesaria As manifest ações artíst icas , desde os primórd ios colocadas ao serviço da Igreja , serviram propós itos doutrinais e estéticos, recon hece ndo, assim, por exemp lo, que um objeto concebido para uma determinada função fica enobrecido quando na sua conceção se tiveram em conta conceitos artísticos que permitem, além do pleno cumprimento do seu rn únus, a difusão da mensagem evangélica. Por outro lado, os crist ãos católicos, de uma fo rma geral, valorizam a presença de determinados objetos que evocam o sagrado , tais como crucifixos, como especia l evocação das mais densas realidades da sua fé. Assim, em cada igreja onde se reúnem os cristãos católicos existe, pelo menos, uma represe ntação de Cristo Crucificado, fazendo memória do que os seus seguidores entendem ser o símbolo mais claro do sacrifício de Jesus Cristo para salvação da humanidade. Tamb ém, e apenas para registo de alguns exemp los, as procissões cristãs iniciam com o símbo lo da cruz, com uma cruz processiona l que t em o intuito de mostrar que toda a glória da comunidade está na cruz de Jesus Cristo (cf. Gal 6,14), sinal que guia o ato de peregrinar de que são símbolo as procissões. No entanto, nem sempre foi ass im; para os primeiros cristãos, as represent ações cristológicas passaram sob retudo pela iconogra fia de Cristo como o Bom Past or e Cristo como o Cordeiro de Deus. Tal opção tem sido int erpret ada pela co notação negat iva atribuída àque les que eram cr ucificados, já que os cristãos ti nham reserva s em represent ar o Deus que adoravam numa sit uação soc ialmente depreciativa. À medida que o crist ianismo se difunde, a represe ntação do cr ucificado passou a ter uma interpret ação comp letame nte diferente, to rnando -se na f iguração de um modelo a seguir ao mesmo tempo que se fazia a leit ura de que a cruz é o mais expressivo sinal da ressurreição de Cristo .
Cruz de O. Sancho I. Museu Nacion al de Arte Ant iga. © Jos é Pessoa .
Com efeito, a morfologia das representações cruciformes é refle xo dos contextos artísticos e culturais em que foram concebidas, pelo que apesar de se tratar de peças da mesma tipologia, o resultado final t em caracte rísticas estéticas específicas. Um desses exemplos é a designada cruz de D. Sancho I, segundo rei de Portugal, que reinou entre 1185-1211 . Est e cruc ifi xo fo i enco mendado pelo monarca para o Mosteiro de Santa Cruz, de Coimbra, que era, naquele período hist órico, uma das casas monást icas mais import antes do reino. Esta peça de exceção da ourivesaria portuguesa é uma cruz pro cessio nal feita de ouro e pedras preciosas . Iconograficamente, a nota de maior inte resse é a representação do 'Agnus Dei' ao centro e, nas extremid ades dos quat ro braços, os símbo los dos tetramorfos: a águia, represent at iva de São João; o anjo, como figuração de São Mateus; o touro, representando São Lucas e o leão, como alusão a São Marcos . A morfologia dos quatro animais possui ainda uma rigidez carac te rística do românico. Os monarcas, assi m como outr os element os das elites soc iais e políticas, recor reram inúme ras vezes ao mece nato artístico religioso como forma de reforçarem a ligação que t inham com dete rmi nada ordem ou diocese, o que resultava t ambém na afirmação do seu próprio prest ígio perante a sociedade. Além disso, no caso dos monarcas , particularmente na época medieval e moderna , era assumido que entre as suas funções estava a promoção do culto cr istão , pois a base do seu pod er vinha da esfera divina, pelo que cuidar das coisas de Deus na te rra seria considera do um dever. No caso das restant es elites sociais, algumas das edifica çõe s cristãs estavam sob a sua j urisdição admin istra t iva, tendo mesmo, em alguns casos , os membros da nobreza direito de apres entação dos curas que ali exerciam a sua at ividade pasto ral.
Cruz Proces siona l. Século XVII. Museu Nacional Machado de Castro. © Luísa Oliveira
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Outra das joias da arte cristã em Portugal é o chamado Cristo Negro, datado do sécu lo XIV. Esta representação, em made ira, de Cristo Crucificado possui características românicas, tal como o t rat amento dado às formas, que resulta numa figuração ainda rígida, mas que anun cia, de forma muito clara, os câno nes do gótico, sobretudo no natural ismo que já se procura imp rimir, por exemplo, na torção do corpo de Cristo , muito característica deste est ilo, que perm ite um result ado final mais próximo do movimento próprio do corpo humano e confere ao crucificado uma proximidade maior com o sofrimento humano tão em voga nas preocupações dos pregadores da Baixa Idade Média. Ainda no contexto das mais important es peças relacion adas com a representação do crucificado, encontra-se a escu ltura que coroa a cabecei ra da Sé de Évora. Obra executada por Manuel Dias (século XVIII-17541, tem como base um desenho de Vieira Lusit ano, um dos mestres do barroco pictó rico português. O cruc if ixo de madeira, co nce bido no âmbito de uma remode lação que foi opera da naquele espaç o, resulta numa f iguração co m anato mia muito robust a e com cendal dinâmico e exuberante. Com uma linguagem co mpletamente diferen te, a cruz alta do recinto de oração do Santuário de Fát ima, data de 2007. O crucifixo, de 34 metros de altura, foi concebido por Robert Schad (1953-) e é composto por uma cruz latina, com a hast e inferior de dimensões muito superiores às resta ntes . A morfologia do cr ucif icado é comp letamente esti lizada, não se procurando a representação realística de um corpo huma no, mas a sugestão da volumetria corporal através de linhas geometrizantes . Os artistas contemporâ neos que produzem obra para a Igreja não abandonara m, como se observa nesta peça de aço corten, a representação figurat iva, mas interpret am-na segundo o pensame nto artístico da época contemporânea que se afasta da reprodução natu ralista em uso no passado. A representação escultórica de Cristo na cruz , como vemos, materializa um valor simbólico deveras importante, não apenas devociona l, mas inclusi vamente celebrativo, como acontece no caso das cruzes processionais que são também sinais sensíveis que concorrem para a celebração dos misté rios, em contexto assernblear, A elas se juntam, nesse objetivo de conco rrer para a celebração do mistério, as alfaias litúrgicas, como são os cálices, as patenas, as píxides ou cibórios e as custód ias, apenas para citar alguns exemp los.
Cálice de D. Diogo de Sousa. 1505 . Tesouro- Museu da Sé de Braga. © Manuel Correia.
Cristo Negro. Século XIV. Museu Nacional Machado de Castro.
Cálice e Poteno de S. Geroldo. Séculos XI-XII. Tesouro-Museu da Sé de Braga. © Manuel Correia .
Educacão Moral e Religiosa Catól ica
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Embora ao longo dos tempos se tenham operado alterações significativas na liturgia católica, os objetos mais ligados ao âmago da celebração são usados desde o princípio da era cristã, como é o caso da patena e do cálice usados para a transubstanciação do pão e do vinho em Corpo e Sangue de Cristo. O cálice possui a morfologia de um recipiente enobrecido com um pé ou com uma base e haste que sustenta uma copa; já a patena possui a morfologia de um pequeno prato, com ou sem aba. Embora sejam geralmente de materiais nobres, como o ouro e a prata, mais recentemente e, dependendo dos conte xtos geográficos, estes vasos podem ser construídos noutro tipo de materiais, desde que não seja colocada em causa a dignidade da sua função. Como os restantes objetos criados para o serviço litúrgico, t ambém estes espelham o conte xto artístico, cultura l e religioso do tempo e do espaço em que foram concebidos . Uma das alfaias litúrgicas mais antigas que ainda se preserva entre os tesouros artísticos de Portugal é o chamado cálice de São Geraldo, cuja execução datará de finais do século X ou iníc ios do sécu lo seguinte. Desconhecendo-se com exatidão o percurso desta peça que se encontra no Tesouro da Sé de Braga, tendo em conta a legenda inscrita na base, os seus doadores foram D. Mendo Gonça lves, conde portucalense, e D. Toda, sua esposa . Apresenta na copa motivos típi cos do românico, como ornamentação vegetalista e zoomórfica de morfologia muito rígida e pouco natural, e elementos de matriz moçá rabe, como as janelas vazadas presentes na haste cilíndrica . A decoração moçárabe explica-se pela vivência cr istã sob dom inação muçulmana, que então ainda se verificava em parte do território que hoje corresponde a Portugal.
Cruz alto do recinto de oração do Sant uário de Fátima. Robert Schad, 2007.
Um cálice produzido num outro conte xto artístico resultará inevitavelmente numa peça esteticamente diferente, como é o exemplo de um cálice barroco, à semelhança de um dos que integra o acervo do Museu de Aveiro. Além de a peça possuir uma dimensão sobrelevada, apresenta uma profusão decorativa muito típica deste estilo artístico. Como é comum a t antas outras peças do formulário barroco, também esta, nalguns dos elementos decorativos, como as conchas vieiras, e até na volumetria mais delicada da decoração, já anuncia o gosto rococó .
Cálice e poteno , 1937 (ant erior a). Museu do Santuário de Fátima . © Amadeu Sequei ra.
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A Arte Cristã
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Exemplos de peças desta natureza, elaboradas segundo uma estética contemporânea, são o cálice e a patena da autoria de Irene Vilar (1930-2008), que a artista criou para a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, Porto. Marcadas por estrias e cunhas, são duas peças de linguagem depurada, decorativamente despojada, e centradas na funcionalidade e na superação dessa funcionalidade quando postas em utilização. Além destas peças, na preparação do ritual de consagração é de referir a lavanda e o gom ll, utilizados para o presidente da celebração purificar as mãos . A lavanda é uma espécie de bacia para onde se verte a água contida no gomil aquando do rito de purificação e de preparação para a consagração do pão e do vinho. As partículas por consagrar ou consagradas são entregues ao celebrante numa píxide, um recipiente com tampa, enquanto o vinho e a água são levados ao altar nas galhetas, sendo a água co locada no cálice com recurso à uti lização de uma colherinha, muitas vezes também tratada com os cuidados da arte . Todas estas peças, pela sua relação com o sagrado, foram alvo de grandes cuidados por parte dos artistas a quem eram encomendadas com o intuito de vota r a Deus a realização do mais fino dos trabalhos humanos, a arte . Criadas para sustentar o culto eucarístico, as custódias tornaram -se numa das tipo logias com mais atenções por parte dos encomendantes. Trat a- se, na tradição artística, de uma alfaia lit úrgica constituída por uma base, uma haste e um hostiário, este último para colocação da hóstia consagrada, que os cristãos católicos consideram verdadeiro corpo de Cristo . Esta prática de adoração eucarística foi difundida depois do sécu lo XIII, quando se instituiu a festa do 'Corpus Christi' e teve sempre, dentro do catolicismo um especial lugar, acentuado depois do Concílio de Trento e sublinhado por toda a pr áxis da Igreja daí por diante. Antes do Concílio do Vaticano II, para a adoração ao Santíssimo Sacramento as custódias eram colocadas no trono eucarístico do retábulo-mor de cada igreja; a reforma litúrgica operada nos anos 60 do século XX defende que a exposição seja feita sobre o altar da celebração, quer pela proximidade da custódia em relação aos fiéis quer, sobretudo, pela relação estreita entre a exposição para a adoração e o mistério celebrado. O louvor comunitário ganha, múltiplas vezes, uma expressão ainda mais forte quando a comunidade sai, em procis são, levando o Santíssimo Sacramento pelas ruas das cidades. Estas procissões têm como ponto central a hóstia consagrada exposta na custódia que é levada em mãos por aquele que preside . Uma das mais célebres custódias portuguesas é a Custódia de Belém. Constr uída pela ação mecenática de D. Manuel I, pertenceu ao Mosteiro de Santa Maria de Belém e data do primeiro quartel do século XVI. Os investigadores, embora saibam que o seu autor foi Gil Vicente, não conseguiram ainda apurar se se trata do mesmo autor das primeiras peças de teatro em Portugal. Concebida na tradição do gótico final português, t radicionalmente chamado de estilo manuelino, apresenta a decoração arquitetónica típica deste gosto, tais como os pináculos , os baldaquinos ogivais e os janelões. A estes elementos que fazem da peça uma microarqu itetura juntam-se as esferas armilares, estabelecendo um imaginário ligado aos descobrimentos portugueses. O programa decorativo é composto também por elementos fitomórficos e zoomórficos, de onde sobressaem videiras cuja simbologia se encontra associada à eucaristia . A rodear o viril vítreo, onde era colocada a hóstia consagrada , está a figuração dos apóstolos de joelhos e em oração. Uma das particula ridades desta custódia é, ainda, o trabalho de esmaltes que adiciona à peça valor cromático.
Trono eucarístico. Igreja de Santo António dos Congregados, Porto . I
Educação Moral e Religrose Católica
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A custódia da capela do paço da Bemposta, atribuída a Adão Gottlieb Pollet, data da segunda metade do século XVIII, muito provavelmente de 1775-80, e terá sido, com alguma certeza se pode aventar, mandada fazer por D. Pedro III. Segue a linha das custódias barrocas, mas os elementos decorativos, nomeadamente os concheados, most ram já uma ambiên cia 'roca iIIe'. Ricamente ornada com pedras preciosas, a custódia possui elementos simbó licos associados à eucaristia e à teologia cristã cató lica: o facto de a custódia assentar sobre três pés poderá entender-se como uma evocação da Santíssima Trindade; apresenta, ainda, mini -esculturas que representam a alegoria das Três Virtudes Teologais, a Fé, a Esperança e a Caridade . Além de serafins, querubins e anjos, estes últimos tra nsportando motivos de simbologia euca rística, como a videira, a custódia possui também três meda lhões com cenas bíblicas, do Antigo e do Novo Test ament os, fazendo-se t ransport e de elementos narrativos dispostos para concretização do programa iconográfico com sustentação catequética.
Anjo Custódio, "Custódia". Século XVIII. Museu Machado de Castro. © José Pessoa.
Peça que assume uma colossa l esca la no contexto da encenação do triunfo do Sacramento é o monu menta l ostensório que pertencera à Igreja de São Pedro de Alcântara, em Lisboa, e que atualmente se encon tra exposto no Museu Machado de Castro , em Coimbra. É uma obra de grande monumentalidade, com caráter cenográfico típico do barroco, sobretudo pela representação do anjo, com as funções de atlante de madeira, que genuflete a perna direita, como que esmagado pelo peso da esfera de prata, guarnecida com hostiário e com resplendor. A reforçar o caráter sagrado do que era colocado no interior da esfera, o anjo não toca diretamente nesse elemento, existindo uma veste a fazer a separa ção entre a figuração do anjo e a esfera divina . Com uma linguagem contemporânea e despojada, o ostensório da capela do Lausperene, da Basílica da Santíssima Trindade, no Santuário de Fátima, é um dos mais expressivos exemplos da arte do seu tempo ao serviço da Igreja. Foi projetado em 1987 por Zulmiro de Carva lho (1940-) e executado pela oficina de Manuel Alcino, no Porto. Pensado para a adoração permanente, quebra com modelos anteriores, sendo suspenso por um elemento retilíneo que o liga ao teto da cape la. É composto por dois co rpos retangulares que formam no seu conjunto um quadrado, que envolve o hostiário para colocação da hósti a consagrada, de morfologia circular. A escolha desta forma não fo i aleatória, já que o círcu lo é considerado a mais perfeita das formas geométricas; será lógico, por isso, que seja associado à hóstia , o corpo de Cristo que é colocado à veneração dos fiéis católicos.
Custódia de Belém . Atribuída a Gil Vicente, 1506. Museu Naciona l de Arte Antiga.
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Pormenor da Custódia de Belém. Atribuída a Gil Vicente , 1506. Museu Nacional de Arte Antiga .
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Para guardar com dignidade todas as partícu las e hóstias consagra das não consumidas os cr istãos sentiram necessidade de um mobiliário específico, nest e caso o sacrário. Depois da refo rma do Concílio do Vaticano II, na generalidade das igrejas existe apenas um sacrário, mas antes dos anos 60 de Novecentos era recorrente a existência de diversos sacrár ios, pois não estavam previstas as concelebrações e as missas eram celebradas nos vários altares laterais das igrej as. O presbítero celebrava de costas para a assembleia e voltado para o sacrário, o que significava que cad a alt ar t inha que ter o respetivo sacrário.
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Um sacrário é, na sua essência, um armário, com uma porta que garanta a segurança, normalment e através de uma chave, e que pode t er for mas diversas, co nsoante o gosto estét ico em que é produzido. O sacrário pétreo da Capela do Sant íssimo da Sé Velha de Coimbra apresent a uma linguagem renascenti st a, à maneira de arquitetura de planta circular. De facto, o uso de colunas clássicas, de cú pula e de lant erni m, dispostos de forma erudita, é típi co das igrejas dos séculos XVI e XVII. O sacrário era, assim, apresentado como um te mp lo pró prio, sugerindo aos crentes que quem consumisse o que se encon t rava no seu interior entraria em comu nhão com toda a Igrej a ali figu rada enquanto instituição que tra nsporta dentro de si a Salvação do mundo . No decorrer da época moderna , foram muito recorrentes os sac rários concretizados com reproduções de elementos arquitetóni cos que eram utilizados na arquitetu ra produzida à época . A disposição desses elementos também respe itava os cânones arquitetónicos do estilo artístico em vigor.
Ostensório da Capela do Laus perene. Zulmiro de Carvalho, 1986. Basílica da Sant íss ima Trindade, Santuário de Fát ima.
Com uma outra linguagem, já plenamente maneirista, o sacrário da capela de São Miguel da Universidade de Coimbra é um dos exemp los que segue uma fo rmulação de matriz arquitetónica. Apesar da utiliza ção canónica dos elementos da arquitetura clássica, como co lunas e entablame ntos, a sua disposição afasta -se da estética renascen tista, por exemplo, devido à reproduçã o da sobreposição de fachadas . Revest ido de linguagem contem porâ nea, o sacrário da Igreja de Marco de Canavezes, da auto ria de Álvaro Siza Vieira, data do de 1996 e mostra -se uma peça simples e despojada. Feit o de prata e colocado sobre uma estrut ura de madeira composta por um ta mpo e quat ro pés ret ilíneos, lembra a função clássica do sacrá rio: armário onde se guarda a Eucarist ia. A sugestão cristológic a é conseg uida atr avés de uma cruz incisa. Embora t enha sido quase sempre usado em ambien tes de erudição, o Evangeliário ou Livro dos Evangelhos é uma separata do lecio nário para uso em ambiente cele brativo . A importância da leitura ritual do Evangelho levou a que a Igreja sempre distinguisse este livro dos restan tes livros usados na proclamação da palavra, conferindo-lhe um caráter de solenidade a que não foram alheios os cuidados da arte. As capas dos evangeliários foram por isso ornadas de símbo los relativos a Cristo como palavra do Pai, sendo com um encontrar-se tam bém a simbologia dos evangelist as. De entre as peças desta tipologia com maior interesse, destaca -se o Evangeliário da Sé do Porto, de Irene Vilar, datado de 2002. Execut ado pelo ouri ves portuense Manuel Alcino, este exemp lar de prata possui na capa uma representação de Cristo ressuscitado, escu lpido à maneira de pontífice. Inscrit a numa mandorl a, a figura aureolada aparece desca lça e traja longa tú nica com est ola, mostrando as suas cinco chagas gloriosas. Como vemos, o catolicismo, desde tempos imemoriais, valoriza elemento s simb ólicos da fé vivida no concreto da práxis orante que apoia a sua confi ança em Cristo e nos que a ele assoc iaram de for ma especial a sua vida. O culto dos santos t eve por isso uma difusão muito significa tiva, ao pont o de os seus restos mortais - e out ros objetos a si ligados - serem guardados com especial dileção, colocados em relicá rios que fa lam da Salvação e que impe lem à Salvação.
Capela de São Miguel. Universidade de Coimbra . © Andreas Trep te.
Sacrá rio da Igreja de Marco de Canavezes. Álvaro Siza Vieira, 1996. © J L Queirós.
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Sacrário pétreo da Capela do Santíssimo da Sé Velha de Coimbra . C. 1566 .
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o desejo de possuir as relíquias dos que configuraram a sua vida com Deus ao ponto de sofrerem na sua carne o martírio foi crescendo de forma muito acentuada na Europa medieval e moderna, o que levou a Igreja a tentar garantir a autenticidade dessas relíquias e a legislar sobre este tipo de culto que fez surgir ostensórios para exposição das relíquias aos fiéis . Um desses exemplos é o Díptico-relicário de Arouca que terá pertencido à rainha D. Mafalda e que datará de finais do século XII. No exterior dos volantes encontra-se uma representação relevada da Anunciação e no interior um dos volantes apresenta um Calvário inciso e o outro a reserva das relíquias. As duas figurações da Anunciação, o Anjo Gabriel e a Virgem Maria, embora apresentem alguma rigidez formal típica do românico, denunciam já a busca pelo naturalismo, que será muito característico das representações pictóricas e escultóricas do período estético seguinte. Na representação do Calvário essa procura pela mimese da realidade é menos percetível, pois qualquer uma das figuras que o constitui, quer Cristo quer a Virgem Maria quer São João Evangelista , está tratada de forma mais rígida. Outro dos exemplos medievais deste tipo de objeto é o relicário que a tradição associa à Rainha Santa Isabel e que pertence ao Museu Machado de Castro. Trata-se de um relicário do Santo Lenho (relíquia da cruz onde Cristo foi crucificado, assim se acredita) que possui dois leões à maneira de atlantes a suportar o peso da relíquia. Na tradição do uso dos mais nobres e raros materiais, os elementos desta peça são compostos por prata, coral e esmaltes.
EvangeJiário. Irene Vilar, 2002. Sé do Porto . © Amadeu Sequeira.
Fruto da reflexão operada em Trento, que reafirma a importância do culto dos santos como intercessores, o século XVII e XVIII foram muito pródigos na execução de relicários, alguns deles colocados em retábulos especiais, à maneira de escaparate, como acontece, por exemplo, nas capelas-santuários dos mosteiros de Alcobaça ou de Santa Cruz de Coimbra, ou nos retábulos laterais da Igreja do Colégio de Jesus, em Coimbra (futura Sé Nova de Coimbra) ou da Igreja de São Roque, em Lisboa . Desta mesma época datam os doze relicários dos apóstolos que pertencem à Irmandade de Santa Cruz, de Braga. Terão sido executados por volta de 1779 por Domingos José Pereira, e um dos seus pontos de interesse é o facto de terem sido concebidos como um conjunto. Os bustos aureolados estão colocados sobre um pequeno pedestal e no tronco possuem um alvéolo com a relíquia de cada um dos Apóstolos devidamente identificado.
Capela de São João Baptista. Luigi Vanvitelli , Nicola Salvi, 1742-1752. Igreja de São Roque, Lisboa . © Cintra & Castro Caldas, Leia.
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7.2. As vestes da celebração De entre os elementos cénicos que contribuem para a dignificação do espaço enq uanto lugar de 'performance' ritual estão as vestes litúrgicas , também elas trabalhadas de acordo com os cânones artísticos dominantes na sua contemporaneidade. No conte xto da arte religiosa cul tual, o tema das vestes refere-se não só à indumentária própria dos ministros como também aos panos que revestem altares, zonas parietais, pavimentos, etc . Com efeito, o objeto têxtil foi desde mu ito cedo convocado para integrar o cená rio da reunião da comu nidade para a celebração, ref leti ndo, também, a estética de cada época . Por exemplo, no século XVII e XVIII era comum a ut ilização de tecidos nobres como a seda e os bordados a fio de ouro, t rabalhados de forma exuberan te. As igrejas e, bem assim, alguns museus guardam alguns exemplos de conjuntos de paramentaria em que os vários elementos (frontais de altar, casulos, mitras, dalmáticas, pluviais, véus de cá lices, para registo dos mais comuns) foram concebidos com a mesma linguagem e com o mesmo programa decora tivo. Um exemplo deste tipo de conju ntos, hoj e em conte xto museológico, é o que foi concebi do para a cape la de São João Bati st a, na Igrej a de São Roqu e em Lisboa. Para além das vestes dos ministros (alvo, estola, dalmática, casu lo, pluvial, véu de ombros...) e da roupa pró pria dos altares e das alfaias (toalhas , manustérgios, sanguíneos, véu de cálice ...), as igrejas apresentavam com muita frequência um enxoval de panos que recobriam entradas de luz, a própria porta e até vastas áreas dos seus muros . Muitas vezes, a utilização dos têxteis era a forma mais típica da solenização dos espaços, conferindo aos edifícios uma ambiência que aj udava a criar a excecionalida de dos dias de festa . Assim, os reposte iros das entradas das igrejas, as cortinas que cobre m as janelas, os dossé is e os panos de armar, os pendões ou os coxins que solenizam determinados mome ntos são elementos de valia plástica muito grande e que, experimentados ao longo da história da Igreja, caíram em desuso. As vestes litúrgicas , a partir da cor de que se revestem, apresentam uma catequese visual acerca do t empo que a comunidade está a viver: branco para as grandes solenidades (Natal, Páscoa, alguns santos), verme lho para os dias em que a Igreja recorda os que deram a vida atra vés do mart írio e para o dia em que a Igreja celebra o mart írio do seu Senhor; roxo para os dias ligados à expetativa das grandes festas anuais (Natal e Páscoa); preto (em des uso) para as exéquias .
Paramentos: 1 - Casula; 2 - Amito; 3 - Alva; 4 - Cíngulo; 5 - Estola .
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Dalmática. Sécu lo XVII. Tesouro- Museu da Sé de Braga. © Manue l Correia.
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Mitra de O. Goncoto Pereira . 1326-1348. Tesouro-Museu da Sé de Braga. © Manuel Correia .
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7.3. Os diferentes dispositivos cénicos que formam
Retábu lo-mor do Mosteiro de São Mortinho de Tibães . André Soare s, c. 1750-1760.
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o espaço da celebração Os edifícios dedicados ao culto cristão fo ram desde cedo mun idos com mobiliário , concebido nos mais diversos materiais, adequado às práticas ritua is em vigor nas comu nidade s cr istãs. Um dos pr inc ipais elementos do espaço litú rgico foi sem dúv ida o altar, desde sempre considerado ápice da celebração. A trad ição construtiva das igrejas criou para cada capela o seu altar, o que veio, sobretudo em tempos medie vos e mode rnos, a povoar as igrejas de vários altares . À medida que as igrejas e as cape las foram sendo mais enob recidas , a preocupação em realçar o alta r resultou numa estrutura denominada de retábulo, muito comum por toda a Cristandade e que conh eceu em Portu gal episódios de particular importâ nc ia entre os fin ais do século XV e os anos do Conc ílio do Vaticano II.
Retábulo do Capelo do Santíssimo. Sé de Leiria . © Amadeu Sequei ra.
Com efeito, a produção de retábulos em Portuga l foi bastante prol ífera, tendo sido transversal a vár ios esti los artísticos, desde o gótico, como é exemplo o retábulo-mor da Sé Velha de Coimbra, que resu ltou do lavor dos artífices flamengos Olivier de Gand (século XV-1512) e Jean d'Ypres (século XVI). É exemplo de um retáb ulo renascen tista o que se encontra na capela do Convento de Nossa Senh ora da Pena, em Sintra, da autoria de Nicolau Chant erene (c. 1470-1551). O gosto manei rista pode ser avaliado através do retábulo -mor da Sé de Leiria, cuja responsabilidade artística se atr ibui aos Irmãos Coelho (século XVII), peça que repro duz a estrutura arquitetónica das fachadas maneiristas, com vãos preenchidos com pinturas. No período barroco português foram percetíveis dois camin hos para a retabulária portuguesa, um que, embora assimilando a gramática barroca , dá continuidade à tradição portuguesa, e outro que result a da aplicação dos cânones barrocos italianizantes sob mecenato régio. Neste último caso, de que são exemp lo o retábu lo da Basílica de Mafra e o retábu lo da Sé de Évora, ambos já do século XVIII, destaca-se a utilização de materiais pét reos nobres e também de uma linguagem mais sóbri a, quando comparados com a produção em madeira dou rada. A opção mais prolífera em Portuga l fo i, no entanto, a da conceção de retábulos em ta lha dourada, de que o retábu lo-mor da Igreja de Nossa Senhora dos Cardais, dos fina is do sécu lo XVII, em Lisboa, é um dos exemplos. Est a máqu ina reta bular possu i já uma linguagem barroca , com colunas torsas e com coroamento de arquivoltas da mesma morfo logia, à maneira de um por t al românico , razão pela q ual a tradição histori ográf ica tem apelidado estas peças de ta lha nac iona l. Nest a fase da retabulária portuguesa começa a con solidar-se o camarim, com o trono eucarístico para adoração do Santíssimo, ponto alto da encenação barroca para a adoração do Pão Eucarístico. Embora barroco, mas já pertencendo a uma fase denominada de ta lha joan ina, por conter elementos relacionados com uma gramática italianizante ao gosto das grande s produ ções de enco menda régia, o retá bulo- mór da Sé do Porto foi construído ent re 1727 e 1739 sob a responsabilidade de Santos Pache co (século XVIII). Embora mantenha a uti lização das colu nas torsas, o coroamento apresenta um tratamento muito diferente, com frontões curvos interrompidos e ba ldaqUinos. A ta lha do est ilo rococó, para além da retabu lária que reprodu z nas igrejas a amb iênc ia refinada da intim idade típica dos amb ientes áulicos (mais depu rados que os cenários barrocos, com recurso à pol icromia) dos f inais do sécu lo XVIII (de que são exemplo vários retá bulos nas igrejas da baixa pombalina), tem uma expressão muito característica no norte do País, sobretudo em Braga, pela mão de André Soares (1720-1769). É exemplo des te tipo de t alha, que pela sua volumosa esculturação foi apelidada de "t alha gorda", o ret ábulo-mor do Mosteiro de São Martinho de Tibães (depois de 1755-1756).
Retábulo -mar da Sé Velha de Coimbra. Olivier de Gand e Jean d'Ypres, séculos XV-XVI.
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o período
neoclássico, não obstante ser caracterizado por uma conceção mental mais afastada do sentir religioso, produziu também múltiplos retábulos, que acentuaram a dimensão arquitetónica da estrutura, aliviando-a de decorações . É exemplo deste modo artístico o retábulo da capela do Sant íssimo da Sé de Leiria. A linguagem revivalista teve também aplicação à retabulária . Pode ver-se, por exemplo, o gosto neorromânico na igreja de Santo Agostinho de Leiria, no retábulo da autoria de Ernesto Korrodi (1870-1944), ou o gosto neobarroco aplicado no retábulo-mor da basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, no Santuário de Fátima, da autoria de Gerardus van Krieken (1864-1933) mas construído por João Antunes (1897-1989). Outro tipo de mobiliário de elevada importância nas construções religiosas do período moderno é o púlpito. Espaço privilegiado da pregação, após o Concílio de Trento este dispositivo ganhou renovada importância, que perdeu após as alterações introduzidas na Liturgia pelos padres do Concílio do Vaticano II. Estas tribunas eram colocadas numa das paredes laterais do templo e podiam ser alvo de grande cuidado artístico. De lá se dirigia aos fiéis o pregador que normalmente estava debaixo do quebra-voz, estrutura à maneira de baldaquino, contendo normalmente a figuração da pomba do Espírito Santo, como sinal da inspiração divina do sermão, que enfatizava o lugar e ajudava a propagar a voz do pregador. Apesar de Iiturgicamente em desuso , ainda se preservam em Portugal exemplos dignos de nota, como é o caso do púlpito renascentista, de pedra, datado de 1521, do Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra atribuído, com alguma certeza, a Nicolau Chanterene. Possui um rico programa iconográfico integrado, em parte, pela reprodução de elementos arquitetónicos renascentistas.
Púlpito. Atribuído a Nicolau Chanterene, 1521. Mosteiro de Santa Cruz, Coimbra .
Já o púlpito da Igreja da Madre de Deus, em Lisboa, que pertenceu ao mosteiro com a mesma invocação (onde atualmente se encontra instalado o Museu Nacional do Azulejo), possui uma linguagem rococó, dominada pelas aletas e pelos concheados.
Púlpito. Século XVIII. Igreja da Madre de Deus, Lisboa. © José Pessoa.
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Cadeiral . C. 1725. Mosteiro de Arouca . © Ivo Brandão
Cadeiral . Século XVI. Sé do Funchal.
Ainda no campo do mobiliário que integra, ou integrava, os edifícios religiosos cristãos, será de referir o cadeiral. Constitui, na sua essência, um conjunto de assentos localizado na capela-rnor ou no coro-alto que, para melhor aproveitamento, possui geralmente duas fileiras, sendo que a que se encontra num plano mais elevado e próximo das paredes apresenta espalda res, muitas vezes, ricamente decorados. Os assentos são articulados e possuem uma espécie de mísula, designada de misericórdia, que possibilitava que o utilizador, em determinadas situações, tivesse um ponto de apoio, sobretudo em ofícios que requeriam que estivesse de pé durante longos períodos de tempo. De entre os vários exemplares que existem em Portugal destacam-se o cadeiral do Mosteiro de Santa Cruz e o da Sé do Funchal, ambos de estilo manuelino), o cadeiral dos mosteiros de Arouca e o de Lorvão ou o cadeiral da Sé de Braga, da estil ística barroca.
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Cadeiral da Cara Alta e Sala da Tesoura . Igrej a da Madre de Deus, Lisboa. © José Paulo Ruas.
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Cadeiral da Cora Alto . Século XVIII. Sé de Braga. © Manuel Correia.
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Muitos outros dispositivos foram tomando lugar na casa de Deus para que os fiéis pudessem fazer acontecer o louvor divino. Sanefas e baldaquinos, guarda-ventos e bancadas, estruturas para o sacramento da Reconciliação, genuflexórios, estantes de coro, tocheiros, candelabros, etc.
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Entre as estruturas cénicas visualmente mais expressivas está o órgão, que na Idade Moderna atingiu proporções muito dilatadas. Construído para solenizar a ação litúrgica, o chamado "rei dos instrumentos", para além da sonoridade que atingia os objetivos celebrativos , fazia parte do grande cenário que envolvia a comunidade cristã . A sua estruturação conta, nos órgãos históricos, com a bacia e grade, com a consola e teclado, com a caixa dos tubos e coroamento, e as suas formas coincidem com as diferentes estéticas das Idades Moderna e Contemporânea: maneirista (Sé de Évora e Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra), barroca (Capela de São Miguel da Universidade de Coimbra, Sé de Braga), rococó (Lorvão, Tibães), época contemporânea (Igreja de Nossa Senhora da Lapa, no Porto, Sé de Leiria).
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Órgão. MarceJiano de Araújo , 1737-1739. Sé de Braga. © Manuel Corre ia.
Órgão. C. 1783-1786. Mosteiro de Tibães. © Luís Ferreira Alves.
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Orgão. Sé de Faro.
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7.4. As páginas das iluminuras
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I Iluminuras do Livro das Aves, Moste ira de Santa Maria de Lorvão; fig. esquerda. Livro das Aves: o Cedro; fig. dir eita: Livro das Aves: a Ando rinh a. Arquivo Naciona l da Torr e do Tombo .
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Sem a visibilidade das artes cénicas, também as páginas que se escon dem nos livros iluminados e que se abrem em momentos espec iais, quando são usadas para a proclamação do Evangelho ou para o canto no ofício, concorrem para a dignidade do mistério celebrado, sublinhando o cuidado humano com a Palavra divina. A arte da iluminura, uma das manifestações artísticas mais apreciadas no período med ievo, legou à história do cristianismo e da arte composições pictóricas, figurat ivas ou não, que ornamentam os fólios dos códices, podendo tratar-se do enobrecimento das capitulares com um programa decorativo alusivo ao conteúdo do texto, assim como de outros elementos decorativos, mais ou menos elaborados, que enriquecem outras partes dos fólios, por vezes, até, as suas margens . Em Portugal existem bons exemplos deste tipo de manifestação artística, como é o caso do "Livro das Aves" que pertenceu ao Mosteiro de Santa Maria de Lorvão e foi produzido ainda, cerca de 1184, ao tempo em que aquela casa monást ica era habit ada por monges beneditinos (no século XII o lugar passou a ser uma casa monástica femin ina cisterciense). No cód ice são descritas particu laridades alegór icas através de vár ias aves, sempre numa perspetiva religiosa e com o objetivo de que dessas descrições fossem extraídas condutas morais a seguir. O programa iconográfico das iluminuras presentes no livro reforça a concretização desse objetivo.
Livro das Horas de O. Manuel I, Visita ção. At ribuído a Antón io de Holanda, 1517-c. 1551. Museu Nac ional de Arte Ant iga.
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, - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ---Quase co nte mpo râneo do cód ice anterior é o "Apoca lipse do Lorvão", t ambém do mes mo mosteiro, provavelment e executa do por volt a de 11 89. Est e cód ice possui inúmeros elementos iconográf icos alusivos ao últ imo livro da Bíblia, como por exemplo, o mistér io das sete estre las e a queda da Babilónia. Além do seu valor didático, as ilum inuras presentes naquele livro são fontes preciosas para a comp reensão da época em que foram concebidas, desde a indument ária dos vindimadores e do ceifeiro às alfa ias agrícolas então utilizadas, ent re muitos outros aspetos . À medida que a imprensa se começava a difund ir de forma mais sistemá tica, a partir dos fin ais do sécu lo XV e dos inícios do séc ulo XVI, os códices manuscritos com iluminuras fora m sendo subst ituídos por livros com textos imp ressos e com gravuras.
Para além dos livros de aparato para serem lidos em conte xto celebrativo, os livros de horas e de orações, destinados a serem usados por leigos, tiveram grande acolhimento entre as cama das letradas da sociedade dos séculos XV e XVI. Tendo em conta o generalizado analfabet ismo das populações europ eias de então, os seus utilizadores eram membros das elites soc iais e, ainda assim, nem todos os que os possuíam seriam versados na leit ura e compreensão escritas . Est es livros, rica mente decora dos com iluminuras de elevado cuidado artíst ico, alusivos à vida de Cristo , da Virgem Maria ou dos santos, eram tam bém objetos de expressão soc ial e a sua maior ou menor qualidade art ística dependeria da capac idade económica do encomendante. Secção comum a muitos destes espéc imes era o calendário lit úrgico, não raras vezes objeto de orna mentação que norma lmente continha elementos da astronom ia e símbolos do zoodíaco . Um dos exemp lares mais conhecidos em Portugal é o chamado Livro de Horas de O. Manuel, que integra as coleções do Museu Naciona l de Arte Antiga. Terá sido executado por António de Holanda ent re 151 7 e 1551 (crono logia que abarca já o reinado de O. J oão III). Est e livro de horas tem a especia l particu laridade de apresentar um programa decora tivo que recorre a elementos portugueses como é o caso do fól io dedicado ao Ofício dos Mortos (fó lio 130), no qual a cidade de Lisboa é retra tada no deco rrer de umas cerimón ias fúneb res, fazendo -se a ilustração do urbanismo finimedieval da capita l portuguesa.
7.5. Os marcos da 'Via Crucis' Como o próprio nome indica, a 'via crucis ' é um caminho que os cristãos tr ilham em memória da paixão e morte de Jes us Cristo . Esse cam inho doloroso é trad iciona lmente assinalado em cato rze estações que os fiéis são convidados a percor rer: Jesus condenado à morte ; Jesus toma a cruz; Jesus cai pela prime ira vez; Jesus encontra sua Mãe; O Cireneu ajuda Jesus a levar a cru z; A Verónica enxuga o rosto de Jes us; Jesus cai pela segunda vez; Jesus consola as f ilhas de Jerusa lém; Jesus cai pela terceira vez; Jesus é despojado das vestes; Jesus é pregado na cr uz; Jesus mor re na cr uz; Jesus é desci do da cruz e ent regue a sua Mãe; Jesus é depositado no sepu lcro.
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Via Cruc is do Colunata do Santuário de Fátima . Lino Antón io, 1955.
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Difundida sobretudo por ordens religiosas espe cialmente ligadas à esp iritualidade do sof riment o de Cristo , como são exemplo os franci scanos, fo i muito comum na história do cristianismo que os ma rcos que assinalam a Via-Sacra fossem dispostos nos muros interiores das igrej as, fazendo nos templos uma leitura esti lizada da espacialidade da Jerusalém do tempo de Cristo. Um desses exemplos é a via-sacra, datada do século XVIII, de madeira e de madrepérola pertencente à diocese de Lisboa, cujo programa decorativo é concretizado com incisões realçadas a negro. Os catorze exem plares, pelas suas dimensões (24 x 22 cm) e pelos materiais uti lizados, terão sido , quase segura mente, dispostos num espaço interior.
É, co nt udo , fora dos muros das igrejas, em ambientes abertos que as vias-sacras ganham a sua mais exp ress iva fo rma, uma vez que permitem o caminhar dos f iéis enquanto medit am na Paixão de Cristo . Quer em ambie ntes mo násticos quer em con textos paroq uiais ou em sant uários, cons truíram-se dife rentes ence nações da 'via crucis', muitas das vezes, albergando as encenações (pint adas ou esculpidas) em pequenos templetes ou capelas . Entre as mais conhecidas vias-sacras da história contempo rânea em Portugal estão as duas encenações da via dolorosa de Cristo que pertencem ao patrim ónio edificado do Santuá rio de Fát ima. Terminada em 1954, a construção da co lunata do Santuário de Fátima que t inha sido proje tada por António Lino, custodia catorze altares guarnecidos por painéis azulejares, concebidos por Lino António da Conceição (1898-1974). Os passos desta via-sacra poss uem uma linguagem con tempo rânea , própria do tempo em que foram idealizados, e estão plenamente ajustados ao exercício paralitú rgico da 'via crucis'. O autor procura em modelos da Idade Média algu ns dos f igurant es das ence nações, introduzindo, outrossi m, uma dime nsão co ntemporâ nea em pontos nevrálgicas da obra, como são os soldados que crucificam Cristo .
Cristo é pregado na Cruz. Uno Antón io, 1955. Via Crucis da Colunata do Santuá rio de Fát ima.
A via-sacra imp lanta da no lugar dos Valinhos, no percu rso que os videntes de Fát ima, Francisco, Jacint a e Lúcia, calcorrearam na sua infâ ncia qua ndo de suas casas se dirigiam à Cova da Iria, foi concebida de for ma a perm iti r que os f iéis possam efetivamente caminha r dura nte uns demorados minu tos e realizar o exercício orante, estimula dos t ambém pelo cenário ao ar livre e pelas zonas de paisagem natural. As cape las-oratór ios que f ixam as figurações foram traçadas pelo arquiteto húnga ro radi cado nos Est ados Unidos , Ladisla u Marek, e os painéis escultó ricos alus ivos a cada estação foram idealiza dos por Maria Amé lia Carvalheira da Silva (1904-1998). A inauguração das primeiras catorze estações ocorreu em 1962 e a décima quint a estação, a Ressur reição de Cristo, em 1992. A con strução desta via-sacra resulta de um voto da comu nidade húngara no exílio que, olhando para a Mensagem de Fát ima, se reviu nos conteúdos que ligam esta mensagem à específica história do séc ulo XX, vendo na arte uma excecional for ma de leitu ra metafórica da condição humana e da sua história .
Simão de Cirene ajuda J esus a levar a Cruz. Ladislau Marek e Maria Amélia Carva lheira da Silva, 1960-1962 . Via- sacr a dos Valin hos , Santuá rio de Fát ima.
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8. Em favor de Deus e dos homens: património da Igreja, cultura da humanidade - mosteiros, catedrais, conventos e santuários A hist ória humana conhece uma das suas páginas mais importantes na construção da Europa medieval, para a qual contribuiu, sem dúvida, a forma cristã de interpreta r o mundo, consubstanciada numa visão verdadeirame nte teocêntrica . A historiografia fala mesmo de Cristandade, conceito civilizacional que se encontra na génese da visão con temporânea do mundo, sobretu do do mundo oc identa l. Para essa cons truçã o muito contr ibuíram os lugares mais direta me nte relaciona dos com a hist ória cristã , sobretudo os que conse rvam a memória dos aconte cimentos mais importantes do cristian ismo : Jerusalém, enquanto lugar da Paixão, Mor te, Sepultura e Ressurreição de Cristo; Roma, enquanto lugar do martírio e sepu ltura do Apósto lo Pedro; Santiago de Compostela, enqu anto lugar do tú mulo do Apóst olo Tiago. Jerusalém.
O ocidente cristão, ao longo dos séculos medievais, conve rge o seu olhar para estes lugares que podem ser considerados f undadores de uma crista ndade que se movimenta em peregrinação rumo a edifíc ios que albergam as relíquias ou, no caso do santo sepulcro, a ausência da relíquia que dá f undamento à religião de Cristo , porquanto se acredita que aquele foi o lugar da ressurre ição. A história da cultura e das artes verá assim cresce r estes lugares que, ao longo dos tempos, se foram revestindo de diferentes formas artís ticas, conforme a época em que sofreram campa nhas construtivas. Não apenas por isso, mas muito determinados por este aspeto, desde logo pela organização territorial da Igreja por todas as ant igas prov íncias roma nas, através das sedes episco pais e através da fundação de mosteiros, a Europa vê cresce r determinados lugares, sob retu do em ter ritório rura l qu e procurava a imagem do deserto esp irit ual (isto é, a fl orest a como deserto religioso ), alguns deles desenvolvidos no caminho dos romeiros e outros nos itinerários diversos que levavam a outros santuários locais de maio r ou de menor dimensão, que vão procurar edificar um espaço que fale ao mesmo tempo a linguagem dos homens e a linguagem de Deus.
Praça de São Pedra. Vat icano.
Também relaciona dos co m a gestão ter ritorial dos difere ntes lugares, a experiência monástica , que nasce antes de Bento de Núrsia, mas que a parti r deste se t imbra de forma estrutura l, contribuirá para a fácies da Europa medieval, moderna e contemporânea. As comunidades ali vivem,
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Biblioteca do Convento de Mafra.
regradas pelos sons que chamam para a oração, ao ritmo também do trabalho, habitando mosteiros que fazem uso do românico, do gótico, do gosto renas centista , maneirista e barroco e, mais ta rde, da estilística revivalist a de Oitocentos e das novas formas de construir dos séculos XX e XXI. A partir do claust ro, tomado como 'axis mundi', gravitam todas as restantes dependências do mosteiro, sendo a mais importante a igreja que, por excelência, é lugar do louvor que se consagra a Deus, con cretizado nos sacramentos e no ofíc io divino cantado no coro. Nestes lugares são colocadas as mais desenvolvidas estruturas artísticas, como são os cadeirais e os retábulos ou ainda grandiosos insEnfermaria do Convento de Mafra. Século XVIII. trumentos musicais (normalmente órgãos de tubos) que visualmente sublinham esse louvor. Se nos cadeirais acontecia o encontro com a palavra proclamada-cantada de forma orante, que, ao som dos salmos, pontuava o dia da comunidade, nos altares era celebrado o memorial por excelência do culto cristão, na Eucaristia . Não raras vezes, essas celebrações faziam perdurar a memória dos benfeitores que para o mosteiro haviam contribuído - muitas vezes como mecenas de cape las - e cujos nomes eram lembrados, a par dos santos e santas dos calendários lit úrgicos. Os 'scriptoria' e as bibliotecas destes complexos monásticos tornaram-se os veículos por excelência da cultura antiga greco-Iatina e da cultura que, a partir desta, se desenvolvia fazendo florescer novas visões da história cristã e do entendimento do mundo , de que são exemplo tantos códices - com ou sem iluminuras - que hoje integram as mais importantes bibliotecas. A estas estruturas juntavam-se ainda as que se destinavam a curar das maleitas do corpo, como são as enfermarias e as boticas, ao serviço dos que viviam dentro e nos limites do mosteiro, mas também para os que nele procuravam abrigo temporário na sua hospedaria. Facilmente se percebe que a historiografia olhou para estes complexos como metáforas da cidade de Deus entre os homens . Podem ainda ser considerados monumentos fundacionais da cultura religiosa, mas neste caso ligada aos meios urbanos, as catedrais, porquanto foram erguidas como lugares da sede episcopa l e por isso garantia da elevação de uma povoação a cidade. Com efeito, a estrutura político-administrativa da Baixa Idade Média colocava como 'condit io sine qua non' para a cidade a residência do bispo . E, assim, à sombra da sede episcopal cresceram importantes estale i-
Educacào Mo ral e Religiosa Catól ica
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Coro do Mosteiro de S. Bent o de Singeverga. Padr e Paulino Luís de Cast ro.
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A Arte Cristã
-- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - , ros que ocuparam os melhores artistas do período medieva l e moderno, providenciando no burgo o lugar por excelência do louvor da comunidade presidida pelo bispo . As catedrais aliavam ao lugar da reunião da assembleia, nas naves onde se reunia o povo orante, os claustros e as aulas para a formação (as escolas catedra lícias), de onde em breve haveria de surg ir o ensino universitário. Conforme o tempo em que foram constru ídos estes monumentos faci lmente se transformaram em lugar de cultura e em laborató rio de exper imentação de modos artísticos. Em todas estas estruturas - monásticas ou catedralícias - assim como nas que lhes são con géneres embora brotem de realidades diversas, como são as paroquiais ou as convent uais derivadas da forma mendicante de interpretar o mundo ou, por exemplo, das formas modernas ligadas a congregações como a do Oratório, de São Filipe Nery ou de Santo Inácio de Loyola, poderemos ver não apenas peças de arquitetura notáveis como também todas as restantes artes representadas, muitas delas tomando como lugar de implantação os muros destes históricos edifícios (assim acontece com as estruturas retab ulares, com os revestimentos azulejares, com os vitrais que se integram nos vãos das entradas de luz). Ent re as tipo logias que estes edifícios acolhem encon tra-se a arte tumular, norma lmente ligada ao próp rio tú mulo que se socorre da arte escultárica para fazer valorizar, para perpétua memória, o que jaz ali tum ulado. Qualquer destes contextos construtivos pode assimilar a ideia de santuá rio, enquanto lugar de veneração espec ial de uma ou de várias relíquias ou de uma imagem considerada sagrada e, por vezes, taumaturga. Normalmente construídos a partir de uma pequena ermida, estes lugares foram sendo apetrechados com equipamentos vários como igrejas de grandes dimensões e estruturas para albergar os peregrinos que ali acorrem, normalmente depois de uma grande caminhada que é interpretada como momento de mudan ça de vida. Embora sejam uma realidade antiqu íssima na história do cristianismo, os santuários ganharam uma força vital sobretudo na idade moderna e contemporânea e alguns deles atingiram um protagon ismo à escala mundial. Assim acontece não apenas com os que têm a sua origem em momentos históricos mais antigos, mas sobretudo com os santuário ligados às aparições da Mãe de Deus, como são os de Lourdes e Fátima . Sendo um dos mais importantes lugares do catolicismo contemporâneo, o Santuário de Fátima pode bem tomar-se como exemplo de um lugar que, com o decorrer do tempo, se foi transformando através dos cuidados artísticos colocados ao serviço dos peregrinos que ali acorrem. A arte foi e é neste lugar cenário e protagonista do viver dos peregrinos, fazendo-se portadora de sentidos e porta de acesso à narrativa e à experiência deste 'Iocus' específico que conta com exemplos da estética mais antiga e mais moderna .
Santuário de Lourdes. França.
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Arte Cristã
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9. Criar a partir da Palavra: as fontes para as narrativas plásticas Ao produzirem arte com o propósito de servirem as comunidades cristãs , seja com intuito evocat ivo ou com intuito cultual, os artistas procuram os lugares de informação primordial para criarem segundo a narrativa mais segura. As fontes para a criação artística cristã são assim, em primeira análise, a escritura tomada pelos crentes como sagrada, a Bíblia . Sobre a lit eratura bíblica assentam depois múltiplas exegeses dos escritores que interpretam os textos com o sentido de lhes tomarem a atualidade e de discernirem a importância em cada tempo. Considerada a época de ouro deste t ipo de interpretação, os escr itos dos Padres da Igreja são também fontes important íssimas para o est udo dos quadros narrados na Bíblia, potenciando imagens plásti cas que os autores vão colher. Parece importante ter presente, porém, que a forma de ler a escritura influenciou vivamente a forma de representar os quadros da história sagrada, pelo que quase sempre a arte se faz espelho da parenética da cada momento. Embora mais visível nuns contextos do que noutros, a fórmula tradicional de interpretar as escrituras assenta na leit ura cristológica que é operada de modo direto sobre as páginas da bíblia, inclu indo as passagens vetero testa ment árias. Assim , a leitu ra t ipológica que presidia ao discurso homilético é a mesma que se percebe na pintura e na esc ultura, ou seja, o Antigo Testamento é lido em ordem ao Novo Testamento, porquanto Cristo é o novo Adão, o novo Moisés, o novo David, o novo Jonas, etc . Para além das referênc ias aos quadros do Ant igo Test amento, a arte cristã acentua, obviamente, os temas neotestamentários ligados ao mistério da encarnação, à vida pública de Cristo, ao ciclo da Paixão, morte e ressurreição e aos momen tos pós-pascais.
Imagem de Nossa Senhora do Rosário de Fátimo. José Ferreira ThePara além desta s passagens, os aut ores espraiaram-se ainda na relação estreita com a vida da Virgem Maria , dim , 1920. Santu ário de Fát ima. estabelecendo paralelos cons ta ntes entre a narrativa cristológica e a narrativa mariana. A figura da Virgem Maria, tomada com divers if icados títulos, fo i também represent ada revest ida de diversas cores e atributos, conforme a característica que dela se quer ia exaltar. Depois desta figura serão os santos, primeiramente os márti res, apóstolos e evangelistas , e depois os evangelizadores, religiosos fundadores de ordens , cavaleiros, esmoleres, educadores , entre outros, que ocuparão grande parte das representações artísticas colocad as diante dos fiéis como exemplo a contem plar, uma vez que deixaram na comunidade marca que deriva do evangelho de Cristo.
Além dest as fo ntes a arte cr istã viveu, sob ret udo quando se fez represe nt adora de te mas da hagiologia, dos escr itos que fixa ram as vidas dos santos e inte rpretara m o seu tes temunho como exemplo a dar a contemp lar aos fiéi s. As 'vit ae', cons ideradas inclusivamente como um género lit erário inaugurado por Atanás io de Alexandr ia (c. 296-373) quando se debruçou sobre a vida de Santo Antão, são importantes reco lhas dos episódios mais significativos dos homens e mulheres que a Igreja cons idera expoentes da história cr istã . Um dos pontos de maior inte resse neste t ipo de narrativa, não tanto por ser um repositório de história factual mas por ter sido uma recolha que alcançou grande êxito, fir mada muitas vezes em explicações alegóricas a partir de intuições despertadas pela etimologia dos conce itos , é a Legenda Aurea ou Lenda Dourada que na idade média popu larizou milagres e trad ições assoc iadas aos santos . O est udo rigoroso da vida dos santos andará a par do evoluir das próprias ciências hist óricas, pelo que muitos passos das vidas dos santos foram sendo co lhidos por t radições - algumas delas assentes nas atas dos martírios - passadas a escrito por Jacobus de Voragine (c. 1230-1298).
Educaç ão ivloral e Religiosa Católica
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Para além das cons ideradas fontes canónicas, não raras vezes os artistas sentiram necessidade de procurar outros informes que fize ssem pormenor de alguns eleme ntos que as fontes of iciais, normalmente, muito depuradas, não continham . É assim frequente, na arte mais antiga ou na arte contemporânea, que os autores procurem nos evangelhos e noutros esc ritos apócrifos esses elementos para comporem o seu quadro. Paula Rego, no ciclo pictórico que criou para a capela do Palácio de Belém muniu-se , de fac to. de elementos ret irados da tradição que jun tou aos elementos da tradicional representação da vida da Virgem Maria.
Adoração. Capela do Paláci o de Belém, Paula Rego (200 2). I
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A Arre Cristã
Anunciação, Natividade, Purificação, Fuga para
°Egito , Lamenta ção. Capela do Palác io de Belém, Paula Rego (2002) . Ed uc aç ão iv10ral e Rel igiosa Cató lica
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Música
Santa Cecíl ia, a santa padroeira dos músicos, toca órgão , rodeada por anjos: Um toca harpa enquanto os restantes cantam [imagem de artista desconhecido, postal, 1930]. I
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A Arte Cnstà
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1. Introdução: terminologia e abordagens
1.1. Quatro conceitos e termos Nesta secção, sobre o Cristianismo e a música , utilizaremos quatro termos semelhantes: "música religiosa", que abrange esta música toda, "música sacra", que inclui toda a música cantada no contexto de uma missa ou outra celebração ou observância eclesiástica, "música litúrgica" para referir momentos musicados que integram a liturgia estabelecida pela Igreja, e "música devocional" referente à música de teor cristão mas composta para uso fora do contexto eclesiástico, ou seja, em observâncias privadas ou diversões coletivas, como em salas de espetáculo ou de concerto. Estes termos, portanto, não são sinónimos, pois existe um conceito diferente subjacente a cada um. Especialmente importante é a distinção entre "música sacra" e "música litúrgica", pois embora o primeiro termo abranja todo o segundo, existe também música sacra que não integra a liturgia e, assim, não pode ser considerada como "música litúrgica".
1.2. A liturgia A lit urgia é o conjunto das manifestações realizadas durante o culto pela assembleia dos fiéis e instit ucionalizadas pela Igreja, ou seja, o conjunto de palavras e atos decretados pela Igreja para uso conforme a celeb ração ou outra observância em causa . A forma e texto da liturgia são publicados em quatro livros diferentes: o missal (para a missa), o breviário (para os ofícios), o ritual (para outras cerimónias presididas por um padre) e o pontifical (para outras cerimónias que apenas podem ser presididas por um bispo). Em qualquer liturgia existem elementos fi xos e elementos variáveis . São vários os fatores que podem afetar os elementos variáveis. Entre estes está a altura do ano. O ano litúrgico está centrado nas duas grandes festas de Natal (uma festa fi xa, a 25 de dezembro) e de Páscoa (uma festa móvel, que depende das fases da lua). O tempo de Natal começa no quarto domingo antes do Natal com o tempo de Advento . Termina no domingo a seguir, da Epifania (ou "Reis", a 6 de janeiro). A Quaresma começa na quarta-feira de cinzas, 40 dias antes da Páscoa. Culmina no Tríduo Pascal - quinta-feira, sexta-feira e sábado da Semana Santa . . A maior festa do ano é a Páscoa, cujo tempo termina com o domingo de Pentecostes, 50 dias depois. Existem dois períodos de "tempo comum", nas semanas antes dos tempos penitencia is de Quaresma e de Advento. Paralelo ao ciclo dos tempos (o ciclo "temporal") é outro ciclo que percorre o ano todo, const ituído pelas festas associadas a Nossa Senhora ou a determinados santos (o ciclo "sant oral"). Algumas são celebradas em todo o mundo, tais como a Purificação de Nossa Senhora (ou "Candeias", a 2 de fevereiro), São João Batista (24 de junho), São Pedro e São Paulo (29 de junho), a Assunção de Nossa Senhora (15 de agosto) ou a Imaculada Conceição de Nossa Senhora (8 de dezembro); outras são comemoradas sobretudo em determinados locais, como, por exemplo, Santo Antón io (13 de junho), de forma destacada em Lisboa e Pádua, ou a rainha Santa Isabel (4 de julho), em Coimbra . Conforme o tempo do ano ou a festa a ser celebrada, determinadas secções da liturgia mudam, o que pode afetar, por sua vez, a música assim cantada . Afeta igualmente a cor dos paramentos usados (as vestes dos padres e diáconos, assim como determinados outros objetos) , como se vê na tabela seguinte.
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Por motivos histór icos exist iam igualmente variações litú rgicas conforme a loca lização geográfica. Na Idade Média, quando era difícil viajar e a comunicação entre local idades distantes era inexistente ou quase, surgiram práticas litúrgicas locais . Estas variações são conhecidas como ritos ou costumes, conforme o grau de diferença entre si. O chamado "rit o bracarense" (ou "cost ume de Braga"), uma variante do hoje em dia quase universal "rito romano ", ainda é auto rizado para uso opc ional na arquid iocese de Braga. Na Idade Média grande parte da atua l Espanha utili zava o rito moçá rabe, enquanto em França se usava o rit o galicano, na arquidioc ese de Milão o rito ambrosiano (ainda em uso) e no sul de Itália o rito benavent ino. Em Inglaterra usavam-se vários costumes regionais, sendo o mais import ant e o de Salisbury, o chamado costume de Sarum. Até ao Concílio Vaticano II (1962-65) a litu rgia da Igreja Católica Romana era em latim . A próxima secção resume a hist ória da música sacra. Nas secções que se segu em, cinco são organizadas litu rgicamen te, duas focam a música de duas Igrej as protest ante s com t radições musicais de relevo, uma debruça-se sobre a música instrumental e, em especial , a mús ica para órgão. A última secção dedica-se à música devocional, sobretudo as oratórias e óperas sacras.
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A Arte Cristã
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Comparaçã o do inicio da missa confo rme os cost umes ingleses de Sal isbury (Sarum), Bangor (no País de Gales), York (Eboracum) e Hereford, e o Rito Romano padrão. Em vez de "ln n omi ne Patris.,", os cost umes de Sarum e Bangor começa m com o hino "Veni Creator spiri t us ". Em York há uma ora ção "Largire sensibus nostris" enquanto em Hereford , começa direta me nt e com a antífona "In t roibo ad alt are". (Maskell, Will iam, The on cient liturgy of the Church of Englond occording to the uses of Sorum Bongor York & Hereford ond the modem Romon liturgy, Londo n, Will iam Pickering, 1844, p. 2- 3.)
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23 Uma história resumida da música sacra
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2.1. Os primórdios Desde os primeiros tempos cristãos que a músi ca ocupa um lugar central nas atividades dos fiéis, quer dentro quer fora do contexto do culto . Na prisão, "pela meia-noite, Paulo e Silas, em oração, cantavam os louvores de Deus, enquanto os outros presos os ouviam" (Atos 16,25). O próprio São Paulo recomenda: "Quando estais reunidos, [oo .] cada um de vós pode cantar um cântico" (I Coríntios 14,26). E São Tiago, na sua epístola, recomenda: "Sofre alguém de vós um contratempo? Recorra à oração . Est á alguém alegre? Cante" (5,13).
2.2. O canto gregoriano Nos primeiros séculos da era cristã, as melod ias e esti los de canta r, ta is como as liturgias, variavam bastante conforme a área geográfica. Um impu lso importante na cr iação e sistematização de um repertório surge no século VIII devido ao enco rajamento neste sentido pelo Papa Gregório II. Est a iniciat iva foi reforçada pela aliança entre o papado e os reis dos fra ncos, que culminou na coroação, no dia de Natal do ano 800, de Carlos Magno, pelo Papa Leão III, como Imperador do Sacro Império Romano. Foi o cruzamento das tradições romana e franca do canto que conduziu ao repertório conhecido hoje em dia como canto gregoriano.
2.3. A música polifónica A ideia de cantar em harmonia (a música polifónica) surge original mente do canto duma melodia por várias vozes em paralelo, sempre a um interva lo de uma oitava, quinta ou quarta, o chamado organum paralelo. Aos poucos começou-se a admitir também outros interva los, desde que as secções da peça co meçassem e term inassem em acordes só de oitavas , quintas e quartas. Até ao final do sécu lo XII, com compositores como Léonin e Péroti n, na Catedral de Notre Dame, em Paris, esta música polifónica já chegara a um alto nível de sofisticação.
.1:;5 , O R D O AJ3S0LUTIONI S ~x Miilàli-Romnno l"eCogni19" Inita MilTa, Cclebransin corrni El'iftolx ó:;itur ca ruja, & acc ipit Pluvi àle lIig ri coloris, ilcpofitis ab iliro, &.minilhis lll.Jnipulis. Si Sermo hàb~:' arur , fit finita Miífa ante Abfolurioncm . nd quam Subdiaconu s CUIll Cru ce mcdius' inr er duos Ccrofcrari os fifl:it íc ad pedes tumuli. con tra Alrarc, Celcb rans vcro-: Jifritfc il1 c apire loci intcr Altarc & tu mulum in corr,e Epiftob:; i linifl:ris ejus Di aébnv s, & duo A nlythi,r.': tliuribulum unusj alius ad hi'~opmn_ _: &:c oU: t 3tt:.: !!!,
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Um exemp lo de canto gregoriano , da lit ur gia do enterro. (Cantus ecc /esiasticus precibus apud Oeum Animas juvandi, corporaque humandi , Oefunctorum Officium , Missa et Sta tiones [...], U lyssipone Orienta li, Typographia Augustiniana , 1731, p. 175,)
As músicas cantadas baseavam -se num cantus firmus, ou seja, normalmente, uma melod ia gregoriana, embora essa melodia estivesse muitas vezes disfarçada ou mod ifica da para melhor se adequar às int enções e necessidades composicio nais do autor. Aos poucos outras melodias, do mundo profano, t ambém chegaram a ser aproveitadas inicialmente para conte xtos onde, de facto, o sacro e o profano se cruzavam, como nos vários aspetos do amor celebrados num casamento, mas gradua lmente sem necessidade desta fusão.
Giovanni Pierluigi da Palest ri n a, considerado um grande mestre da música sacra do séc . XVI [Gravura de artista desconhecido, c, 1850],
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r - - - - --- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 2.4. A Reforma
Martinho Lutero [Retrato a óleo de Lucas Cranach (1529)).
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PSEA U M ES DE DAVID ,
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C LEM E N T MAROT; ET
THEODOR E DE B·EZl!. Avec la Muíiquc tom au long.
Quando Mar tinho Lutero (1483-1546), cónego da Ord em de Santo Agostinho, afi xou as 95 teses contra a venda de indulgências na porta da igrej a de Vitemberga, em 1517, desejava protestar contra o que entendeu ser um abuso da parte da Igrej a Católica . Não previa as consequências devastadoras do seu ato . No entanto, excomungado pela Igreja Católica romana, fun dou a sua própria Igreja com as suas próprias prioridades. Dentro de poucos anos outros seguiram o seu exemplo, estabelecendo outras igrejas ainda: João Calvino (1509-64), em Genebra, Ulrico Zwingli (1484-1531), em Zurique, e, por motivos po líticos e não dogmáticos, o rei Henr ique VIII (reinou 1509-47), em Inglate rra . Todos os mov imentos protestantes destacaram a importânc ia dos salmos . À exceção de Zwing li que ban iu toda a música do cu lto , as igrejas protestantes encorajaram o canto dos salmos em traduções métricas.
2.5. A Contra-Reforma Respondendo, por um lado, ao desafio e ameaça que os protestantes representavam, mas, por outro, a uma necessidade assumida de reforma interna, a Igrej a Cató lica Roma na pr omoveu uma série de reuniões , entre 154 5 e 1563 , na cidade ital iana de Trento, o chamado Concílio de Trento . Entre os mu ito s assuntos discutidos destacam-se dois no presente contexto: a uniformiza ção e simplificação da liturgia (com todas as suas impl icações pa ra a música) e o pape l da mús ica em si. Em particu lar, o Concí lio ins istiu em t rês questões: que os textos cantados fossem inteligíveis para o ouvinte; que o objetivo da música não fosse o de seduzir pela sua beleza; e que não entrasse qualquer elemento profa no ou im puro. Na verdade, esta insist ência serviu ap enas para reforçar tendências j á cada vez mais presentes ent re os composit ores dessa época, quer na música sacra , que r na música profana, cujos estilos e técni cas compos icionais, em todo o caso, t inham muito em comum .
2.6. As tendências "operát icas"
A GENEVE , P our la Compagnic dcs Libraircs.J,!. D C CV I II. Os salmos na t radu ção métrica calvin ista página de rosto. (Marot , Clément & Seze, Theodore de, Les psea umes de David, mis en rime Françoise, [...] avec la musique tout ou long, Genev e, Compagnie des Libra ires, 1708.)
Com a "invenção" do novo género de ópera, na viragem do século XVI para XVII, que, para além de destacar uma sepa ração de me lod ia e acompanhamento, perm itiu novas técnicas e formas musicais, era inevi tável que alguns elemen tos iriam entrar também na mús ica sacra . Será importante sub linhar, contudo, que os compositores não introduziram estes elementos com o objetivo de a profanar, mas porque viram neles maneiras de veicular os te xtos de fo rma mais expressiva, tal como na ópera, tornando-os dramáticos onde o significado do t ext o implicava isso mes mo. Opiniões dentro da Igreja eram divi didas quanto a se esta música "operátíca" coadunava, ou não , estetica mente com o culto divino.
2.7. O século XX Em 1903, no seu Motu próprio "Tro le sollecitudini", o Papa Pio X procu rou impor disc iplina na mús ica usada nas igrej as, deplorando os excessos do estilo "oper át ico" e promovendo um regresso a músicas que considerava mais adequadas, como o canto gregoriano , o esti lo do compositor renas cen tista Giovanni Pierlu igi da Palestrina (ca. 1525-94) e novas composições num estilo mais simples e sóbrio, como as de Lorenzo Perosi (1872-19 56). A autorização do Papa Pio XII, na década de 1950, para usar o vernácu lo nas músicas cantada s, assim como a decisão do Concílio Vaticano II (1962-65) de abandona r o uso do lat im na liturgia a favor das línguas verná cu las , fac ilitou a part icipação da ass embleia nas par tes canta das da liturgia, ass im co mo a inte ligibilidade dos te xtos musicados.
Lorenzo Perosi [Postal , ca. 1905].
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3. Missa e motete
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3.1 . A liturgia da Missa A missa como a conhecemos hoje em dia resultou do lento acréscimo de secções ao longo de cerca de mil anos. Apenas no século XI a liturgia chegou a incluir todas as secções fixas do "ordinário" da missa: Kyrie eleison ("Senhor, tende piedade de nós"), Gloria in excelsis Deo ("Gloria a Deus nas alturas"), Credo in unum Oeum ("Creio em um só Deus"), Sanctus & Benedictus ("Santo & Bendito"), Pater noster ("Pai Nosso"), Agnus Dei ("Cordeiro de Deus") e Ite missa est (a despedida), assim como as secções variáveis próprias do tempo ou dia em questão, designadas, por isso mesmo, como o "próprio" da missa: nomeadamente, o introito, gradual, aleluia ou trato, sequência, ofertório e comunhão. Durante os tempos penitenciais de Advento e Quaresma omite-se o Gloria e, historicamente, o aleluia era substituído pelo trato. A partir do Concílio de Trento, as sequências foram interditas exceto num número reduzido de dias do calendário litúrgico e na missa dos defuntos.
Guillaume Dufay [Iluminura de autor desconhecido, ca. 1470].
3.2. As secções da missa musicada e a sua estrutura Por motivos práticos, os compositores têm-se limitado a musicar geralmente apenas Cinco secções do ordinário: Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus & Benedictus e Agnus Dei. Pelo contrário, raramente compõem versões dos próprios, visto que são intrinsecamente limitados no seu uso conforme o calendário. O "Pai Nosso" é transversal a todas as liturgias, ou seja, não é para uso especificamente na missa. A despedida não se adequa bem a tratamento musical, devido à sua brevidade e por ter a estrutura de mandamento e resposta ("Ide em paz." "Graças a Deus."). A estrutura musical procura refletir a estrutura do texto. Assim, tipicamente o Kyrie e o Agnus Dei são divididos em três, o Sanctus & Benedictus têm a forma ABCB (com repetição do "Hcissana"), enquanto o Gloria e Credo, devido à extensão dos seus textos, são divididos em várias subsecções.
3.3. A evolução da música destinada à missa As primeiras missas musicais eram cantadas em cantochão (canto gregoriano ou outra variedade regional de canto). É a partir do século XIV que começam a ser compostas versões polifónicas de secções soltas ou pares de secções do ordinário. O primeiro ciclo completo (constituído pelas cinco secções habituais e, excecionalmente, o Ite missa est) foi do francês Guillaume de Machaut (ca.-1377). Esta foi, contudo, uma experiência isolada, e só em meados do século XV, Guillaume
Joseph Haydn toca órgão [Retrato a óleo de Otto Nowak , reproduzido num postal, ca. 1910].
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Dufay (ca. 1400 -1 474) começa a compo r ciclos mais siste mat icamente, estabelecendo como norma as cinco secções, assim como o uso de um contus firmus - uma melodia gregoriana ou com origem numa canção . Seguiram estes paradigmas outros compositores do Renascimento como Johannes Ockeghem (ca. 1425-c . 1495), Josquin des Pres (ca. 1450-1521) e Palestrina. No séc ulo XVI surge t ambém a chamada "missa de paródia", em que, em vez de usar apenas uma melodia (o contus firmu s) como ponto de partida, o compositor aproveita todo o tecido polifónico de uma peça vocal, sacra (um motete) ou profana (uma canção). Era esta a técnica que Palest rina mais gostava de usar. Ludwig van Beethoven compõe a sua Missa so/emnis [Retrato a óleo de Joseph Karl Stieler, 1820).
Giacomo Puccini [Postal , ca. 1910).
Na Idade Média e no Renascimento, os coros não eram grandes muitas vezes apenas um ou dois canto res por voz - e cantavam "o coppello", ou seja, sem acompanhamento, ou com as vozes dobradas por instrumentos, conforme a disponibilidade de instrumentos e a prática local. O desenvolvime nto de novas técnicas composicionais no sécu lo XVII, oriundo sob retudo no novo género da ópera, permiti u a amp liação do leque de estilos e t écnicas disponíveis aos compositores de missas . Em particular, o princípio de contraste, tão caro ao Barroco, manifesta-se através da alternância de coros, solos e conjuntos de solistas (em duetos, etc.), cujas vozes também se contrastam ent re si. Com este novo esti lo, o acompanhamento instrumenta l t orna- se obrigatório, variando entre um apoio bastante simples - o "baixo contínuo", constituído t ipicamente por um vio loncelo, um contraba ixo e órgão - e um acompanhamento bastante elaborado com orquestra, dependente dos recursos disponíveis e a solenidade da ocasião. Ent re as missas com orquestra destacam-se a Missa em Si menor, de Jo hann Sebastian Bach (1685-1750), assim como as várias missas de Josep h Haydn (1732-1809), Wolfga ng Amadeus Mozart (1756-91) e Franz Schubert (1797-18 28), e as duas de Ludwig van Beethoven (1770-1827). No sul da Europa (sobretudo Itália, Espanha e Portugal), no século XVIII, surge a missa "napolitana", em que se dividia as cinco secções clássicas em duas partes: a primei ra, designada "Missa", constit uída apenas pelo Kyrie e Gloria; e a segunda, designada "Credo", constituída pelas outra s três secções. Um compositor podia compor só uma das partes ou ambas . Assim, cantava-se a "Missa" ou o "Credo", ou ambas as partes, que podiam ter sido concebidas como um par, ou separadamente, até de compositores diferentes. A Messo di Glorio de Gioachino Rossini (1792-1868) ou de Giacomo Puccini (1858-1924) são "Missas" neste sentido, como são algumas entre aquelas de compositores portugueses como Marcos Portugal (1762-1830), Joaquim Casimiro Jún ior (1808-62) e Augusto Machado (1845-1924).
3.4. O motete Joaquim Casimiro J únior [Litografia, ca. 1870]:
Augusto Machado [Gravura de Past or, /Ilustração Univer sal , 15 de março de 1884).
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AArte Cristã
O motete (ou moteto) é origina lmente um género profano, que surge, numa primeira fase, em Paris, no séc ulo XIII, ligado à Universidade da Sorbonne. Norma lmente composições sofisticadas para três vozes e fre quentemente com textos difere ntes, em simultâneo, nas diferentes vozes, a sua erudição levou a que fosse considerado o género musica l mais prest igiado. Devido a este estatuto, na primeira metade do século XV, alguns motetes chegam a ser compostos para celebrar grandes acontecimentos púb licos , às vezes associados a eventos ecles iásticos de relevo, ta is como a consagra ção de uma cated ral ou a instalação de um bispo. Daí o seu uso passa cada vez mais para o uso religioso. Até ao final do mesmo século, o motete t ransfo rma-se. É simplifi cado e deixa de ser usado em contextos profanos, tornando -se um dos géneros paradigmaticamente sacros , com textos t irados sobretudo da liturgia ou da Bíblia. Devido à sua história, contudo, não integra formalmente a missa ou out ra celebração. É um género "solto " que pode ser introduzido a qualquer momento de qualquer lit urgia, ou como acrescento ou em substituição de det erminado momen to litúrgico.
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4. Os ofícios
4.1. Os ofícios e a sua origem No século IV da era cr ist ã surge uma t endê ncia ent re um número de indivíduos para abandona r a vida comum , com as suas tenta ções e obrigações . Procurav am, pelo contrário , uma vida simples, como acreditavam ter existido no tempo da Igreja prim itiva, passada na oração regular, senão contínua , e na recita ção dos salm os. É neste con texto que são estabelecida s pequenas comunidades, nos desertos da Palestina e do Egito, com momentos ao longo do dia (tipicamente oito) ded icados mais especificamente à oração, inclu indo a recita ção de salmos . São este s que dão origem aos chamados "ofícios divinos", ou "horas canónicas", tão importantes a part ir da Idade Média, sobretudo nas comunidades religiosa s (conventos e mosteiros), mas tamb ém nas cated rais e igrejas. O dia co meça com o ofício de mati nas, ainda no meio da noite, seguido por laudes, ao levantar-d o-sol. O dia de trabalho pode ser interrompido pelas quat ro horas "men ores": prima, ter ça, sext a e noa, e termina, ao pôr- do-sol, com vésperas, o ofício mais observado por todos. Antes de se deitar reza-se ou canta -s e co mpletas.
Claudio Monteverdi [Gravura de Barb eri s, ca. 1890].
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4.2. Os conteúdos Os of ícios variam bastante na sua duração e complexidade, mas t êm semp re como foco principal a recita ção ou canto de salmos. Tipicamente antes e depois de cada salmo reza-se ou canta -se uma "ant ífona", a qual pode ser um dos versículos do próprio salmo ou um breve texto que, de certa forma, resume a essência do mesmo . Exist iam também out ras práticas, inc luindo o canto da antífona ante s do salmo e a sua repetição a seguir a cada versícu lo, ou o uso de apenas uma antífona antes e depois de um grupo de salmo s. Para além dos salmos, cada ofício inclui um hino e um cântico (um trecho de texto t irado da Bíblia). Nas horas menores e comp leta s o hino é fixo, enquanto para mati nas, laudes e vésperas se usa um hino próp rio do dia em questão. Em termos musicais, os cânti cos mais impo rta nte s são: Te Oeum laudamus (matinas), Benedictus (Iaudes), Magnificat (vésperas) e Nunc dimittis (completas).
4.3. A importância de Vésperas Tradicionalme nt e, de to dos os ofícios, para a comunidade em geral (leigos para além de religiosos), aquele que mais se desta ca é vésperas, por ser aquele do f im do dia de traba lho, e por isso uma hora de maior dispon ibil idade para todos. Conforme os recursos dispon íveis e a solenidad e do dia (sendo sábados e domingos os dias da semana de maior solen idade, para além das festa s da Igreja), as vésperas eram cantadas em grande parte ou inte iramente, em canto gregoriano (dias menos solenes ou com recursos mais reduzidos) ou polifonicamente (dias solenes com recursos maiores). Tipicamente, os compositores musicavam os cinco salmos (que variavam conforme a época do ano, começando sempre, contudo, com o salmo 109 "Dixit Dominus") e terminando com o cântico "Magnificat", incluindo mais raramente o hino. Tal como acontece com as missas, as versões compost as variam no seu acompanhamento inst rumental, conforme o período , práticas locais e recurso s disponíve is.
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Era uma prática comum a de cantar os versículos dos salmos e do cântico alternadamente em canto gregoriano e polifonia: os versículos ímpares em canto gregoriano e os pares em polifonia, ou o contrário.
Cristóbal de Morales apresenta o volume Missarum liber secundus ao Papa Paulo III. Página de rosto desta edição (1544).
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Entre os muitos milhares de versões de vésperas integrais ou parciais compostas ao longo dos séculos, deve-se referir o Vespro della Beata Vergine, de Claudio Monteverdi (1567-1643), composto para uso em festas dedicadas a Nossa Senhora , e publicado em Veneza, em 1610, para além das versões de Mozart. Também de destacar são vários conjuntos do cântico "Magnificat" (conjuntos em diferentes "modos" - o equivalente de tonalidades, na música medieval e renascentista), por exemplo, de Palestrina ou do espanhol Cristóbal de Morales (ca. 1500 -53). O flamengo Orlande de Lassus (1532-94) compôs mais de cem versões deste cântico. O "Magnificat" de Johann Sebastian Bach foi composto origina lmente para o Nata l de 1723.
4.4. Matinas A estrutura de matinas é de longe a mais comple xa dos ofícios. O seu cerne é constituído por três secções denominadas "noturnos". Por sua vez, cada noturno consiste em três salmos com as suas respetivas antífonas, e por t rês leituras, sendo cada uma delas seguida por um "responsório", que reflete, de certa forma, a mensagem da leitura anterior. O hino antecede os três noturnos, enquanto o cântico Te Deum laudamus vem a seguir.
Marcos Portuga l [Miniatura de autor desconhecido , ca. 1790] .
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Diferente de Vésperas, Matinas, embora observadas ao longo do ano, assume uma importância maior (mais solene) apenas em dete rminadas alturas do ano, por exemplo , em Portugal , na festa de Nossa Senhora da Conceição ou dos santos padroeiros locais (assim como no dia de S. Cecília, santa padroeira dos músicos, a 22 de novembro), e mais geralmente no Natal e no Tríduo Pascal. É sobretudo para estas ocasiões que os compositores forneciam versões polifónicas . De um compositor português, Marcos Portugal , são de destacar, por exemplo, as Matinas da Conceição, cuja popularidade se manteve ao longo do sécu lo XIX, e as Matinas do Natal, compostas no Brasil, durante o período em que a corte e a capita l foram t ransferidas para o Rio de Janei ro (1808-21), devido às invasões francesas de Portuga l. Nas mat inas durante o Tríduo Pascal, as leituras para os primeiros noturnos são as chamadas "Lamentações do Profet a Jeremias". Durante o século XVI surge uma prát ica cada vez mais freque nte de musicar uma ou mais leituras de um ou mais dias. Entre outras existem "Lamentações" de compositores já referidos, como Morales, Palestrina e Lassus, dos ingleses Thomas Tallis (c. 1505-85) e William Byrd (1543-1623), e, no período barroco, dos italianos Girolamo Frescobald i (1583-1643), Giacomo Carissimi (1605-74) e Niccolà Jommelli (1714-74), assim como dos fran ceses Marc -Antoine Charpentier (1634-1704) e François Couperin (1668-1733). De destacar entre compositores portugueses são as de Fernando de Almeida (?-1660), mestre de capela do Convento de Cristo, em Tomar.
4.5. O vilancico nas tradições ibero-americanas Desde finais do século XVI, de origem espanhola , surge a tradição de introduzir "vilancicos" nas matinas mais populares do inverno e de Corpo de Deus, a seguir dos responsórios ou em substituição deles. Eram obras semi-dramáticas devocionais em várias secções, com texto sobretudo em castelhano, embora frequentemente com secções em línguas "exóticas", incluindo crioulos , devido à inclusão de personagens de outras nações e raças - com músicas mais "exóticas" correspondentes, espec ialmente em termos rítm icos. Em Portugal, os primeiros são do período da ocupação espanhola, mas com a resta uração da coroa portuguesa a tra dição permanece (incluindo o uso da língua caste lhana) até à sua pro ibição no reinado de D.João V. A execução de vilancicos é característica igualmente das colónias espanholas e portuguesas, por toda a América Lat ina e nas Ilhas Filipinas, até finais do século XVIII.
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5. A música e as liturgias dos defuntos
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5.1. As três liturgias As liturgias associadas à morte e aos ritos funerários (exéquias) são três: o ofício dos defuntos (hoje em dia substituído pela vigília), a missa dos defuntos e as absolvições (hoje em dia a últ ima encomendação e desped ida). Correspondem a três estações distintas entre o falecimento e o enterro do defunto. Existem melodias gregorianas para todos os momentos cantados, mas a música polifónic a composta varia bastante no que inclui, ou por corresponder a apenas uma das estações ou por abranger momentos que extravasam uma única liturgia.
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l n dic o mniu rn fidcliurn D cfund orum , ~: dc~ roíi. t!onis cJ-unéli Antiphcn:-.:: di cunrur jntc;:(~.: ad êioJunl luplicis. Cantus Icmpcr d! fc;-i;l:s [u l'ú lmis ( qui fub una tanturn m cdiarionc cnnun , t ur ) Y críibus , C an rlcis , L câiouibu s , Õratiuu ibus , Pr-c ~ : i O:I ~ ~ li íf.~, ~_C canc rts omn ibus. S. cerdos c ilcb rat u 'S p:l.f~ tH r c um AJii íh:nt: us , ur didu c., cll in cio 1'0 1< .,,,, foI. lo. Ad V cfper.ls in O ffi cio no .em ac trium caio .. num :ófolmé iI: = i ~itur ob Amipho na,
5.2. O ofício dos defuntos L ã cc bo Dó mi no
o chamado "ofício dos defuntos" é constituído pelos dois ofícios de vésperas e matinas (e exclui completas). Raramente observados na atualidade, historicamente eram bastante importa ntes . Em Portugal , nos séculos XVII e XVIII, const ituíram o cerne de um número significativo de pub licações músico- litúrgicas, com algumas variantes t ext uais entre si, e especialmente com melodias gregorianas diversas. Houve igualmente muitas versões polifó nicas, agora quase todas esquecidas . Por exemp lo, o com pos itor napolit ano David Perez (171 1-78), contra ta do por D. José I sobretudo para compor óperas para os teat ros reais por tugueses , foi autor de umas matinas, publicadas em Londres, em 1774, com o t ítu lo ita liano Matt utino de' morti. Est a edição foi bastan te divu lgada, t endo sido conserva dos exemplares no Brasil, para além de Inglaterra , Portuga l e outros países europeus .
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o início de vésperas
dos defunto s. (Cantus ecc lesias ticarum precum. quibus j uvandae animae , huma ndaque corpara defunctorum Sacerdotum venerabi/is Confraternitatis San ctorum Apostolorum Petri, et Pauli [oo .], Lisboa : Franciscum Ludov icum Ameno, 1760,
p. 55.)
5.3. A Missa dos defuntos e o Requiem É a primeira palavra do intro ito da missa dos defuntos, "Requiem aeternam" que leva a que a liturgia toda seja frequentemente designada como "Requiem". Aqui, contudo, restringir-nos-emos a usar este termo para a obra musical que lhe corresponde. A missa dos defuntos é constituída por três elementos do ordinário da missa - são omitidos o Gloria e o Credo. Pelo contrário, todos os próprios estão presentes, incluindo o tracto ("Absolve, Domine") e a sequência ("Dies irae"), Por outro lado, o Requiem musica l raramente inclui todas as secções pertinentes da missa dos defuntos, mas antes uma seleção delas, sendo freq uente, por outro lado, acrescentar momentos que pertencem ao ofício ou ao enterro (especialmente o responsório "Libera me"). David Perez, gravura de F. Bartolozzi (detalhe) (David Perez, Ma tt ut ino de ' morti, l.ondon, Robert Bremner, [1774]. Biblioteca Nacio nal de Po rtugal, C.I.C. 229. A.) I
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,- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - o primeiro Requiem polifónico de que se tem conhecimento é o de Guillaume Dufay, mas infelizmente não foi conservado até aos nossos dias. O primeiro existente é o de Johannes Ockeghem. Este tem apenas cinco secções: quatro próprios (introito, gradual , t racto e ofertório) e um ord inário (Kyrie eleison). Dos próp rios dois tê m textos menos habitua is - oriundos do costume de Sarum, na sequ ência da ocupa ção inglesa de França durante a Guerra dos 100 anos.
W. A. Mozart [Retrat o a óleo de Joseph Lange (17 82/ 83 )].
Em finais do século XV e inícios do século XVI foram compostos vários Requiem, entre os quais se destacam os de Antoine Brumel (ca. 1460-ca. 1515), Pierre de la Rue (?-1518), do português Pedro de Escobar (ca. 1465após 1535), e um pouco mais tard e dois de Cristóbal de Morales. De facto, na Península Ibérica, nos séculos XVI e primeira met ade de XVII, estabeleceu-se uma grande tradi ção de composição do Requiem, encontrando-se ent re os seus representantes os espanhóis Francisco Guerrero (1528-99) e Tomás Luis de Victoria (1548-1611) e os portugueses Duarte Lobo (c. 1565-1646, autor de dois), Frei Manuel Cardoso (1571-1650) e Estêvão de Brito (1575?-1641). Todos estes incluíram nos seus Requiem "Libera me" ou outro respon sório pertencente liturgicamente ao enterro. Dos períodos barroco e clássico, o Requiem de longe mais con hecido hoje em dia é o de Mozart, mas seria relevante subl inhar a importância nessa altura das versõ es de outros compositores, nomeadamente Niccolà Jommelli, François -Joseph Gossec (1734-1829) e Luigi Cherubini (1760-1842). De especial interesse em Portugal , deve-se mencionar o Requiem do compositor veneziano Giovanni Giorgi (ca. 1700-62) composto para execução a 1 de novembro de 1756, em memória das vítimas do terramoto. Ele próprio residente em Lisboa , com o compos ito r da Capela Real Portuguesa, t inha sobrevivido ao cat aclismo, tendo depo is fugido para Génova. Aí passou o resto da sua vida, como mestre de capela da Catedral, mas mantendo-se nas suas funções ante riores e mandando regularmente novas composições para Lisboa. Em inícios do século XIX, João Domingos Bomtempo (1760-1842) comp ôs um Requiem de inspira ção nacional à memória de Luís de Camões. No sécu lo XIX e inícios do século XX notam-se duas tend ências dist intas - uma leit ura bast ante dramát ica do texto ou uma mais t ranq uila e íntima. Na primeira categoria os exemplos mais notórios inclu em as versões de Hectar Berlioz (1 803-69) e de Giuseppe Verdi (181 3-1901); na segunda as de Gabriel Fauré (1845-1924) e Maurice Duruf lé (1902-86). Se a preferência da Igreja hoje em dia se inclina para a modera ção, não se pode negar o drama int rínseco na Eucaristia, com a comunhão como seu clímax, nem a dramaticidade de um texto como "Dies irae", com a sua evocação do Dia do Ju ízo.
5.4 . Alternativas ao Requiem tradicional Giuseppe Verdi [Postal , ca. 1905].
Johannes Brahms [Posta l, ca , 1905] .
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A Arte Cristã
No seu "Ein deutsches Requiem", que musica textos tirados dos salmos , em vez da liturgia t radicional da missa dos defuntos, Johannes Brahms (1833-97) estabelece um novo paradigma. Desde então vários compos ito res têm experimentado cr iar uma obra que ent remeia te xtos trad icionais com outros de out ras fontes, sendo o caso mais notávelo War Requiem de Benjamin Britten (1913-76), que reúne poemas de Wilfred Owen, uma das vítimas da I Guerra Mundial, com a missa dos defuntos habituaI. Outros compositores preferiram respeitar a tradição, como foi o caso de Fernando Lopes-Graça (1906-94). Oseu Requiem pelos vítimas do Fascismo em Portugal restringe-se ao int roito, sequên cia, Sanctus, Agnus Dei e Gabriel Fauré [Foto de Pierre Petit , postal, ca. comunhão. 1905].
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6. Observâncias marianas
6.1. Antífonas marianas A antífona mariana é uma curta observância diár ia que segue tipicamente o ofício de comp letas (embora admissível a seguir a qualquer ofício). O seu foco é mesmo o cantar da antífona estabelecida, conforme o calendário lit úrgico:
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o canto
de Salve regina, no Convento do Carmo, L'Ermitage-Agen, França [Postal, ca. 1930]. .
i~ Óomj ngo da Páscoa 'até sábado' " ; ap.6s Pentecoste,s
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7 de setembro . •
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As antífonas marianas têm a sua origem como antífonas do cântico Magnificat e as melodias gregorianas são notáveis pela sua beleza e plasticidade. Não se canta a antífona mariana desde quinta -feira até sábado da Semana Santa (o Tríduo Pascal). Ao mesmo tempo, desde a Idade Média que existem inúmeras versões polifónicas . Charles Gounod [Postal, ca. 1895 (detalhe)] .
6.2. Ave Maria Embora constitua uma oração bastante popular hoje em dia, o texto de Ave Maria fo i relat ivamente tardio na sua composição, chegando a ter a sua forma definitiva (como atualmente o conhecemos) apenas no sécu lo XVI. É usado numa variedade de conte xtos: na íntegra na Ladainha do Loret o, ou parcialmente (versículos ti rados de Lc 1,28 e 42) como antífona do Salmo 121 (Laudate pueril, nas Vésperas da Anunciação (25 de março) e da Solenidade do Santíssimo Rosário (7 de outubro), ou como ofertório nas missas da Conceição e do 4.° Domingo de Advento. As primeiras versões polifónicas remontam à viragem do século XVI. Ainda no mesmo século houve várias missas que se baseavam numa melodia gregoriana correspondente, por exemplo, de Morales ou Palestrina . Desde então que Ave Mario é talvez o texto sacro mais vezes musicado, sendo a maior parte destas composições entretanto esquecida . Curiosamente, as duas mais conhecidas e populares não foram concebidas para uso litúrgico . O Ave Mario de Franz Schubert (1797-1828) é simp lesmente uma das suas várias centenas de canções, e, embora de teor devociona l, apenas começa com as palavras famil iares. Quanto ao de Charles Gounod (1818-93), este acrescentou o texto e a sua melodia ao primeiro prelúdio, em Dó maior, do Cravo bem-temperado, de Johann Sebastian Bach. Um velho toca vio lino enquanto reza Ave Mar ia [Quadro a óleo de Franz Dvor ák, reproduzido num postal , ca. 1920].
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6.3. Stabat mater Stabat mater dolorosa, o mais extenso texto mariano, é uma meditação sobre N. Senho ra ao pé da Cruz. De origem franc iscana do século XIII, foi adotado como sequência em fina is do século Xv. Foi suprimido, tal como quase todas as sequências, nas reformas do Concílio de Trento . Contudo, devid o à sua popula ridade , conti nuou a ser cant ado clandestinamente, ou até de forma mais ou menos aberta (incluindo no Vaticano). Por consequência, fo i restit uído ofi cialmente pelo Papa Bento XIII, em 1727, para uso na Festa de N. Senhora das Sete Dores, a 15 de setembro. Dividido em três secções veio a ser usado igualmente como hino na sexta-f eira após o Domingo da Paixão. Na cidade belga de Bruges é assoc iado também à proc issão do Santo Sangue de Cristo , que se realiza anualmente no dia da Ascensão .
Devido à sua expressividade, poucos textos inspiraram tanto os compos itores, sendo imensas as versões polifónicas ainda hoje cantadas (infelizmente quase sempre em concerto e não na lit urgia), entre estas as de Palestrina , Alessandro Scarlatti (1660-1725), Giovanni Batt ista Pergolesi (1710 -36), talvez a versão mais popular de sempre, Joseph Haydn, Gioach ino Rossini, Giuseppe Verdi, Anton ín Dvor ák (1841-1904), Karol Szymanowski (1 882-1937) e François Poulenc (1 899-19 63). Gioachino Rossini [Fot o de Pierr e Petit, ca. 1860).
6.4 . Novenas de Nossa Senhora Novenas são uma devoção popul ar - uma cerimónia repetida diariamente durante nove dias antes e incluindo uma determinada festa, em celebra ção de um dos santo s e sobretudo em preparação para uma ou outra festa de N. Senhora. Os detalhes desta cerimónia não são f ixos e, portanto, variam até certo ponto de um lugar para outro, podendo evoluir até no mesmo lugar. Em Portu gal (mas não só neste país), espec ialmente import antes são as novenas de N. Senhora da Imaculada Conceiçã o, que começam a 30 de novembro e continuam até à fest a, no dia 8 de dezembro. Uma espéc ie de "cábula" que o organista usava no Santuá rio de N. Senhora da Conceição, em Vila Viçosa, mostra que, em 1869, a ceri mónia incluiu, entre as sec ções musicadas, a sequência Veni Sancte Spiritus, o hino "O gloriosa virginum", Ave Maria, a Ladainh a [do Loret o], o hino "Tota pulchra es" e jacu lató rias (orações votivas cant adas no vernáculo) . Contudo, na música composta pelo Pe. Joaquim Espanca (1 839-96) para esta igreja, em 1887, foi omitido o hino "O gloriosa virginum" e foi acrescentado um segund o conjunto de j aculat órias entre Ave Maria e a Ladainha.
GRANDE NEUVAINE'
DE L'IMMACULÉE -CONCEPTION As novenas de N. Senhora assumem importânci a também noutros países. Por exemplo, houve uma tradição de peregrinação para a novena em Notre -Dame de Liesse, França , em setembro de cada ano, espe cia lmente importante nos séculos XVIII e XIX (ao lado) [post al, ca. 190 5], enquanto a novena de N. Senhora da Conceição tam bém se observa na Bélgica (em cima) [bilhete editado em Bruxelas, 1949 , que tem impressa no verso uma oração a N. Senhora] .
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7. Te Deum e a procissão de Corpo de Deus
Para além da missa e dos ofícios , a Igreja celebra e observa um vasto leque de outros momentos. Aqui selecionamos dois destes com base na sua importância devocio nal ou musical.
Carlos Seixas [Gravura, séc. XVIII].
7.1. A Ação de Graças e o hino Te Deum loudamus No passado cele brava-se qualquer felicidade eclesiástica, nacio nal ou dinástica com a ceri mónia da Ação de Graças. Por exemplo, quando Lisbo a foi tomada dos mouros, em 1147, o arcebispo de Braga, D. João Peculiar, e outros clérigos, ao chegar ao castelo, celebraram uma Ação de Graças. Nela cantou -se o Te oeum, neste conte xto considerado um hino. Era o costume marcar desta forma as mais variadas ocasiões: para além de vitórias militares, eventos import ant es para a famíl ia real (por exemplo, nascimentos) e o dia de São Silvestre (dia 31 de dezembro), neste caso para dar graças a Deus pelas felicidades do ano. Surge no reinado de D. João V a t radição de a fam ília real assist ir à Ação de Graças na Igrej a de São Roque, em Lisboa, então a sede da Companhia de Jesu s. Diversos compositores compuseram um Te oeum esp lendoroso nestes anos, sempre para vários coros e orquestra, entre os quais Carlos Seixas (1704-42), Domenico Scarlatti (1685-1 757) e Antón io Teixeira (1 704 -74), sendo o deste último o único a chegar aos nossos dias. Mais tarde no séc ulo XVIII era habit ual compor o Te o eum desta ocas ião para dois co ros e orquestra , tendo sido conservados exemplos de João de Sousa Carvalho (1 745- 98), Jerón imo Francisco de Lima (1743-1822) e Marcos Portu gal, ent re outros. Para dar uma ideia de outra s ocas iões assim celebradas noutros tempos e lugares, refere m-se o Te o eum e J ubilate, do compositor inglês Henry Purcell (1659-95), para celebra r o dia de S. Cecília, George Frideric Handel (1685-1759), em regozijo da vitória inglesa na batal ha de Dettingen, em 1743, o Te Oeum de Hect or Berlioz, composto para a Exposição de Paris, em 1855, o de Antonín Dvor ák, escrito para o seu concerto inaugural na Carnegie Hall, Nova Iorque, em 1892, assim como o de Zoltán Kodály (1882-1967), executado em 1936 na celeb ração dos 250 anos da ret irada de Buda (Budapeste) do exército turco.
Hecto r Berlio z [Post al, c. 1900].
Antonín Dvor ák [Post al, ca. 1905 ].
Na celebração lit úrgica da Ação de Graças, o Te oeum é que dá início. Seguem-se salmos e cânticos e, num momento posterior, são cantados os dois hinos, "O salutaris hostia " e "Tantum ergo" - constitu ído este pelas últimas duas estrofes do hino de Pent ecost es "Pange língua". De facto, "Tantum ergo" é cantado em todas as cerimónias em que o Santíssimo Sacramento é exposto, sendo inúmeras as versões polifón icas.
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Catedra l de St rasburgo , França, a 26 de novembro de 1918 - Te Deum para celebrar o fim da I Guerra Mundia l [Postal, 1918].
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Página de rosto da edição par a a procissão da festa de Corpo de Deus, Lisboa , 1718. (De processione in festa Sanctissimo Corporis Christi. [oo .], Ulyssipone Occldentali. Typographia Paschoal is a' Sylva , 1718.)
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Melod ia e te xto de "Pange língua", como publicados em Lisboa , em 1743. (Fr. Domingos do Rosário, Theatro ecc/es iastico em que se acham muitos documentas de canta chão para qualquer pessoa dedicada ao culto divino nos offieios do coro , e altar. [oo.] Lisboa: Officina Joaquinianna da Musica de D. Bernardo Fernandez Gayo, 1743, pp. 188-89.)
7.2. A festa de Corpo de Deus Tendo a sua origem no século XII, é igualmente no reinado de D. João V, quando o Rei impõe o uso do Rito Romano na Cape la Real, que a procissão associada à festa de Corpo de Deus (na quinta-feira a seguir do Domingo da Trindade) ganha novo fôlego em Portugal, como se pode deduzir da edição dos te xtos cantados. em 1718, assim como, em 1743, a publicação da versão da melodia gregoriana utilizada para o hino "Pange língua", com a qual a procissão começa . De facto, toda a música terá sido entoada em canto gregoriano: a seguir de "Pange língua", mais quatro hinos, Te Oeum loudomus, os cânticos Benedictus e Mognificot, três dezenas de salmos, o cântico Benedicite omnio opero, terminando com o hino "Tantum ergo" (uma espécie de recapitulação, visto que já foram cantadas estas duas estrofes no "Pange língua") e uma oração final.
Angra do Hero ísmo. Terceira , Açore s: procissão de Corpo de Deus [Posta l, ca. 1905].
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8. A música luterana
8.1 . Lutero e a Música Encontrando-se sob a necessidade de criar a sua própria Igrej a, Lut ero co nsiderava uma prioridade absoluta faci litar a aproximação entre Deus e o seu povo . Neste sentido, traduzi u a Bíblia toda para alemão - um alemão simp les para que toda a gente, independent ement e do seu dialet o, o pudesse ente nder. Não é que se op usesse ao uso do lati m (a língua da Bíblia usada na Igrej a Ocidenta l até esse momento). Antes pelo contrário, para Lutero o ideal era que toda a gente compreendesse não só o lat im, mas também grego e hebraico, de modo a permitir a leitura de toda a Bíblia no idioma original. Contudo, pelo menos , em alemão , todos aqueles com conhecimentos desta língua teriam acesso direto à palavra de Deus, sem necessidade de int ermediários.
o interior da Igreja do Castelo de Vitemberga, onde Martinho Lutero pregava [Postal, ca. 1930].
Pela mesma lógica , Lutero nada t inha contra a música cantada em lati m. Ele própr io poss uía dotes musicais (cantava t enor e tocava flauta de bise i e alaúde). Assim, encorajava o uso continuado de músicas da tradição da Igreja Católica Romana. Contudo, entendeu, especia lmente em igrejas onde não tinham os recursos para manter um coro profissional , que toda a assembleia deveria poder participar na música do cu lto. Deu importância particular aos salmos e outros textos bíblicos ou lit úrgicos, t ais como o Glorio in exce lsis, o Credo e o Pai Nosso. Com a ajuda de colaboradores, criou versões destes textos em tradu ção métrica, divididos em estrofes . A estes textos j unt aram-se "corais", melodia s der ivadas de diversas font es: melodias gregorianas, Leisen (canções devoc ionais que incluíam as palavras "Kyrie eleison"), canções profanas ou, em muitos casos, com postas de propósit o, por músicos como Jo hann Walt er (1 496-1 570) e até por si próprio. Em todos estes casos, as melodias eram simples, nor malment e apenas com uma nota para cada sílaba, para garant ir a int eligibilidade do text o, e com a estru tura t ipicamente AAB (uma forma já comum nas canções alemães , cuja repetição da prime ira parte facilitava decorar a melodia). Mantendo a centralidade da Eucarist ia como ato de devoção , criou um "novo " ofício - Morgengottesdienst (devoção de manhã) - às 5 ou 6 da manhã, para os que não pudessem assistir à missa, devido ao seu serv iço ao longo do dia. Aproximadamente equivalente a Laudes, era constitu ído por leit uras da Bíblia, uma homi lia e o canto de salmos métricos sob a forma de corais . Com este mesmo formato, Lut ero enco rajava a assistência igualmente a Vésperas . Para além do canto de corais em uníssono (todos a cantar a mesma melodia) ou com uma harmonia simples (normalmente com a melodia
Heinrich Schüt z, ret rat o a óleo de Christ oph Spetner (ca. 1655).
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, - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -principal no tenor - para vozes mascu linas - diferente da atualidade com a melodia na voz mais aguda), existiam compos ições mais sofisticadas baseadas nas melodias nos corais: os cham ados "rnotetes-corais", para serem cantados pelos músicos profissionais. Dest acam-se em fi nais do séc ulo XVI e inícios de XVII dois autores lut eranos em espec ial - Hans Leo Hassler (1564-1612) e Heinrich Schütz (1585-1672), ambos os quais aperfeiçoaram os seus estud os musicais em Veneza (uma cidade cató lica), sob os mestres Andrea Gabrieli (c. 1520-1586) e seu sobrinho Giovanni Gabrieli (1555-161 2). Introduziram técnicas aí aprendidas nas suas próprias obras , inclu indo o uso de múltiplos coros, ou, no caso de Schütz, o novo stilo concertato contrastando solistas e coro, uma característica fundamental na música luterana mais sofisticada do século XVIII.
8.2. A cantata A cantata luterana, um género geralmente multi-seccional que surge no século XVII, é cons truída tipic amente na base de um co ral, ligado pela relevância do seu texto a uma das leituras do dia. Dest inada a ser cantada entre o Evangelho e o Credo, precedia de imed iato o sermão e, tal como este, elucida o texto bíblico. Devido à estreita ligação entre a cantata e o t exto que a inspira, tem de ser diferente todos os domingos e festas principais. Jo hann Sebastian Bach [Litog rafia basea da no retrato a óleo de Elias Got t lieb Hauss mann, reproduzid o num post al, ca. 1910]. I
Johann Sebasti an Bach, na sua capac idade de Kantar (mestr e de capela), a partir de 1723, da Igrej a de São Tomás, em Leipzig, chegou a compor cinco ciclos int eiros de cantatas para o ano litúrgico todo, menos a Quaresma, quando não eram executadas. Dest as, mais de duzentas chegaram até nós. Eram int erpret adas semp re duas vezes - na missa dominical principa l e, numa das outras igrejas princ ipais da cidade, durante as Vésperas.
8.3. A missa A primeira liturgia da missa preparada por Lut ero foi a Formula Missae , de 1523, ainda em latim, para uso em catedrais e out ras igrejas que se dispu nham de um coro profiss ional. Só t rês anos mais ta rde saiu a sua Oeutsch e Messe, em alemão , uma liturgia mais radical, para assemb leias mais pop ulares, com recursos mais reduzid os, onde era a assemb leia que iria cumprir o eleme nto musica l. J. S. Bach compôs quatro missas breves e a sua célebre Missa em si menor. Apesar da excecional coerência desta obra monumental, tal como no caso das missas breves, é cons tituída essencialmente de secções tiradas e adaptadas de cantatas suas já compostas.
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A Oeutsche Messe de Franz Schube rt não é uma missa luterana , mas pertence a uma tradição devocional austríac a cató lica.
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Leipzig, Igreja de S. Tomás, int erior. O órgão situa -se no coro alto. em cima da entrada pr inc ipal. [Postal, ca.1935].
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9. A música anglicana
9.1 . A importânc ia dos ofícios Diferente de Lutero, que foi expulso da Igreja Católica Romana,o rei Henrique VIII de Inglaterra saiu por sua própria vontade, por mot ivos políticos e dinásticos. O "Prayer book " (Livro de orações) de 1549 estabeleceu as liturgias a usar na nova Igreja Anglicana , todas em inglês, incluindo a missa e dois ofícios semelhantes entre si para uso, respetivamente da manhã e no fim da tarde : "mattins" e "evensong". Eram constituídos por orações, um salmo e dois ou mais cânticos (incluindo Te Deum laudamus e Benedictus, no primeiro, Magnificat e Nunc dimittis, no segundo), com uma homilia aos domingos. Até recentes décadas a celebração da missa foi, de certa forma marginalizada , tendo sido mattins o culto principal aos domingos, a não ser nas festas principais . Por este motivo , à exceção da versão inglesa de John Merbecke (c. 1510-c. 1585), num estilo parecido ao do canto gregoriano, que chegou a ser usada de forma muito generalizada' não se compunha missas para a Igreja Anglicana.
Henry Purcell, gravura de desconhecido [Postal , ca. 1930] .
autor
Naturalmente os compositores aplicaram a sua criatividade de outras maneiras, por exemplo , na liturgia dos dois ofícios. Henry Purcell , por exemplo, compôs um par de cânticos para mattins: o Jubilate Deo e Te Deum. Muito mais tarde, Charles Villiers Stanford (1852-1924) compôs vários Magnificat e Nunc dimittis para evensong, sendo o par em sol maior ainda hoje em dia
Charles Villiers Stanford [Postal. ca. 1910].
Gome 'iI: befoee himand reioyce, J Th"e Lord }le know is God indced, without our aide he did.vs make; We are his flocke. he doth vsfeed, amllor his11Iee1'c hedot l) vs nke, ~ . O eutee then a pp~ h
!,is!lates~i th puifC\
wlth'!ll Y 1115 coutes vn rl) ~
Praife,land anel bldr~ his ~alUe ahvaies. forit isJeemely [o lodo. 5 Ft'tr why.tlle Lord oue Gal!i~ good. his'mercie isfor euer fure: Iii. uuth ar~imcs firme!y Ilced, I
a.nd Ihal!fiom age to age-cndme.
Esquerda: Página de rosto de The who/e book of psa/mes, numa reimpressão de 1615. Direita: O salmo 100 ("Ali people that on earth do dwell "), com a respetiva música, da edição de 1615. Esta versão ainda se canta hoje em dia na Igreja Anglicana . (Sternhold, Thomas , Hopk ins , et aI., The who/e book of psa/me s: co/lected into English Meeter, [...] with apt notes to sing them witha/l, London, Companie of Stationers, 1615.)
Monumento erig ido em memória de Philip Doddridge, no Cemitér io dos Ingleses , Lisboa [Foto do autor, 2014].
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especialmente apreciado. Est es, contudo, são apenas dois exemplos destacados duma tradi ção rica. Nas catedrais inglesas e nos colégios das Universid ades de Oxford e Cambridge com fortes tradições musicais, co ntinua -se a canta r evenso ng diariament e.
9.2 . O hino O género musica l anglicano por excelência, equivalente ao coral lut erano, é o hino . Inicialmente os hinos eram limitados a versões métricas de traduções dos salmos. A primeira edição de todos os 150 salmos foi pub licada no Whole book of psolmes, em 1562, mantendo-se em uso, através de muitas centenas de reimp ressões, até pelo menos as primeiras décadas do século XIX. Em paralelo , contudo, chegaram a ser compostas músicas para novas traduções dos salmos , de determinados momentos litúrgicos (como na Igreja Luterana) e outros textos devocionais. Se a primeira publicação da qual várias músicas ainda se usam é Hymns ond Songs of the Church (1 623), com música de Orlando Gibbo ns (1583-1625), a Igrej a Anglicana ganhou um novo impulso na composição de hinos no sécu lo XVIII, por um lado, inspirado pelo uso da mú sica no movimento metodista, mas, por out ro, graças a poetas de novos textos, tais como Philip Dodd ridge (1702- 51 ), que mor reu em Lisboa e foi sepult ado no Cemitéri o Protesta nte.
9.3. Os hinos de Natal Os "Christmas carols " (hinos de Natal), conhecidos hoje em dia por todo o mundo , devem muito a tradições de origem inglesa . Na Idade Médi a, o "carol" era uma canção dançada , associada sobretudo a festividades - eventos como casamentos e o prime iro de maio. A sua ligação com o Natal deve-se sobretudo a dois aco nteci mentos ocorridos em Inglaterra. Em 1833, William Sandys editou os seus Christmos Corais, Ancient ond Modern , uma colecão eclét ica de canções devocionais e profa nas associa das à época festi va. Quase 50 anos depois, na Véspera de Natal de 1880, Edward Benson (1829-96), então Bispo de Truro, e mais tar de Arcebispo da Cantuária, criou a ceri món ia de "Nine Lessons and Carols", entremeando leituras relacionadas com a narrativa do Natal com hinos de Natal. Uma versão simplificada e modificada foi int roduzida no King's College, Cambridge, em 1918. Est a cerimónia foi sistematicamente imitada em Catedrais e outras igrejas inglesas, dando origem à popularidade dos Christmos corais por toda a parte. Cambridge, King's College, inte rior, com órgão [Postal, c. 1910].
A música do célebre Adeste fideles, freque nte e fa lsamente atribuído ao rei D. João IV de Port ugal, é de origem inglesa, de John Francis Wade (ca. 1711- 86), um cató lico e copist a profiss ional de mús ica. Wade ta mbém co nhecia mús icos cató licos mais dest acados como Samuel Webbe (1 740-1816), organista da Capela da Embaixada de Port ugal, em Londres . Foi pelo uso de Adeste fideles nesta Capela que chegou a ser conhecido em Londres como "o hino português", e daí a ligação lusitana a este hino.
9.4. O anth em
Thomas Tall is, gravura Gucht (1696-1776).
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O termo onthem, equivalente ao motete na trad ição católica, é uma corr upção de ontiphon (antífona) e já existia no seu senti do original ante s da Reforma. No século XVI, nas mãos de composi tores como Thomas Tallis (ca. 1505-85), o onthem conheceu diversas for mas, variando ent re est rut uras e estilos bastante simples com texto em inglês, para igrejas com recursos m ais modest os, de Gerard van der e obras mais elaborad as em latim, por exemplo, para a Real Capela. William Byrd (1543-1623), embora católico convicto , também contribui para o seu desenvolvimento, tendo sido responsável pelos primeiros exemplos do chamado verse onthem , uma variedade de onthem em que um solista com acompanhamento alterna com secções para o coro todo. No século XVII, Henry Purcell compôs onthems de vários t ipos, incluindo verse onthems. No século XVIII, George Frideric Handel compôs quatro onthems festivos para a coroação do rei Jorge II, em 1727, dos quais "Zadok the priest" tem sido usado desde então em todas as coroações dos monarcas ingleses. O referido Stanford, assim como Hubert Parry (1852-1924), tomaram parte da chamada "renascença" da música inglesa, em finais do século XIX, na composição de anthems, para além de um vasto leque de obras profanas (sinfonias, concertos, óperas, canções, música de câmara, etc.), Nas últimas décadas Joh n Rutter (1945 -) tem mant ido uma prod ução de onthems e outras obras sacras, notáveis pela sua qualidade artís tica , por um lado, e pela sua acessibilidade, por outro .
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10. O órgão
o salmo 150 incit a-nos a louvar o Senhor com um grande leque de instrumentos: "Louvai-o com toque de trombeta, Louvai-o co m cíta ra e harpa, Louvai- o com dança, Louvai- o com cordas e flauta, Louvai-o com címba los sonoros, Louvai-o com címbalos retumbantes!" (Tradução da Bíblia de Jerusalém). Apesar disso a at itu de da Igreja em relação ao uso de instrumentos no culto tem sido algo variáve l, por um lado, devido a mudanças de política musical (por exemplo , na sequência do Concílio de Trento) e, por outro, porque os inst rumentos mais aptos para louvor não o são necessariamente para meditação ou outras formas de devoção . De facto, é o órgão que se estabelece como instrumento priv ilegiado no culto cristão, entre outros motivos devido à sua capacidad e de imita r quase todos os instrumentos, num leque de sons que abrange tudo desde a exuberância de uma grande orquestra até à tran quilidade do quase silêncio.
Orgão da Igrej a de Sta . Maria, Lübeck , Alemanha , onde Buxtehude foi organista de 1668 a 1707. O órgão foi destruído na II Guerra Mundial. [Postal, ca. 1920].
10.1. A construção do órgão Conhecido desde o tempo dos ant igos gregos, e na Europa Ocidental desde o século VIII, o órgão é um instrumento de sopro . Uma reserva de ar, hoje em dia abastecida por uma bomba elétri ca, é dirig ida por uma série de condutos a um ou mais tubos, que soam, através de um mecanismo, quando o executan te toca a tecla à qual oís) tubo(s) estão ligados . O timbre do som emitido pode ser mod ificado por meio de registos que, quando ativados, permitem que o ar entre em jogos de t ubos adicionais ou outros diferentes. Tipicame nte, um órgão é dividido em secções distin t as, quer em termos da sua colocação na caixa do instrumento quer em termos do seu uso. A cada secção corresponde um manual (teclado) diferente , e para as notas mais graves existe uma pedaleira, tocada pelos pés. Cont udo, os órgãos são construídos individualment e, conforme o espaço ao qual se destina, os recursos financeiros disponíveis e as ideias individuais de organistas e organeiros. Portanto, não há dois iguais.
Coimbr a, órgão da Capela da Universidade, com trombetas hor izontais [Foto do autor, 1984].
A localização do órgão numa igreja é bastante variável. O lugar mais habituai é ou no coro alto, em cima da entrada principal, ou numa galeria do lado do Evangelho da capela -mor. Por exemplo, na Igreja de S. Tomás, em Leipzig (ver p. 99), encontra-se no coro alto, enquanto na Basílica de S. Marco, em Veneza, são dois, colocados nas galerias dos dois lados da cape la-mo r. Há muitos casos, contudo, de outras posições, por exemp lo, os órgãos gêmeos da Sé de Braga colocados em galerias dos dois lados, anexos ao coro alto , ou o órgão de King's College, em Cambridge (ver p. 101), elevado numa construção entre a capela -mor e a nave.
10.2. Tradições nacionais de organaria Hoje em dia, os novos órgãos, embora todos diferentes nos seus deta lhes, são construídos geralmente conforme um padrão consensua l, com entre dois e quatro manua is e pedaleira, cada um com diversos registos . No passado, cont udo, o número e uso dos manuais (em te rmos t ímbricos) variavam consideravelmente, conforme t radições nacionais e locais. Se o perfil dos inst rumentos do norte da Europa seguia mais de perto a norma dos órgãos modernos, no sul da Europa (Itália e a Península Ibérica) muitos inst rumentos tinham apenas um manual e nenhuma pedale ira.
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Em Espanha e Portugal os órgãos barrocos (mesmo até o século XIX) tinham características muito específicas , inclu indo a separação de registos para as notas mais agudas (dó sustenido central para cima) e para as mais graves (dó central para baixo), permitindo efeitos solísticos na mão direita (notas agudas) ou esquerda (notas graves). Também nesta região, nos instrumentos de maiores dime nsões , exist em trombetas horizonta is que sobressaem da caixa do instrument o. Embora se tenha te stemunhado, nas últimas três décadas , um grande esforço no sentido de restaura r órgãos históricos em Portuga l, inclu indo o conjunto único de seis da Basílica de Maf ra, é de lamenta r que muitos inst rumentos fo ram desman telados ao longo do século XX, como se pode verifica r de foto grafias e postais antigos do interior das igrejas que os poss uíam, mas que j á não os têm, incluindo monumentos naciona is, como a Sé da Guarda (saqueada durante as invasões napoleó nicas), o Mosteiro de Alcobaça ou a cape la do Palácio de Queluz.
10.3. O órgão na liturgia e fora dela
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reper tório para o órgão é constituído essencialmente por mús icas de dois t ipos distintos : por um lado, géneros lit úrgicos, que substituem momentos da liturgia (da missa , ou versícu los de salmos/cânticos), e, por outro, géneros livres, que podem ser usado s em pausas na liturgia , em procissões , antes ou depois do culto , ou em conc erto . Entre as muitas composições no primeiro grupo (tipicamente peças bastante breves e frequentemente de auto res anónimos) destacam -se as duas missas do francês François Couper in (1668-1733). Melhor conhec idos, porque surgem muito mais em concertos e gravações, são os géneros livres . Alguns t êm formas completamente livres, por exemplo, a fantasia, o prelúdio ou a tocata. Outros são mais específi cos, como o prelúdio de cora l (uma peça que toma a melod ia de um co ral como seu ponto de partida) ou a fuga (uma peça em que uma figura melód ica entra suces sivamente em várias vozes, sendo depois desenvolvida de várias manei ras, muitas vezes bastante comp lexas). Outros géneros ainda surgem especificamente num determ inado país, como é o caso do voluntory, em Inglaterra, ou o tento em Portugal (tiento em Espanha). Embora se associe a comb inação "prelúdio e fuga " ou "tocat a e fuga" sobre tu do a J. S. Bach, est e pad rão não fo i invent ado por ele, tendo sido usado também por vários outros compositores coevos, antes de se estabelecer como género mais ou menos fi xo para gerações posteriores.
César Franck ati va um registo, com a mão direit a. O órgão que toca te m 3 manuais e pedaleira. [Retrato de J. Rongier, reproduzid o num postal , ca.1930].
o magníf ico órgão da Cated ral de Chartres, França. Em 1971 os tu bos das torres lat erais, aqui em doi s "pisos" foram substituídos por um únic o jogo de tubo s de até 32 pés (qua se 10 metros) de alt ura . [Postal, ca, 1920].
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Ent re o vasto núme ro de compositores significativos que esc reveram música para órgão destacam -se adiciona lmente o espanhol Antonio de Cabezón (1510-66), o português Manuel Rodrigues Coelho (ca. 1555-1635), o holandês Jan Piete rszoon Sweelinc k (1562-162 1), o it aliano Girolamo Frescobald i, o dinama rquês Diderik (Dietrich) Buxtehude (1637-1707), o inglês John Stanley (1713-86), o belga César Franck (1822-90) e o francês Olivier Mess iaen (1908-92).
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11 . Paixão, oratória e ópera sacra
As muitas narrativas da Bíblia têm constituído, ao longo dos séculos, uma fonte de inspira ção de versões dramáticas e/ou musica is nas diversas tradições cristãs, variando no grau em que se limitam a "contar a história" ou abrangem elementos de refle xão teológica .
11 .1 . A paixão de Cristo Na Igreja Católica Romana é costume recitar a história da parxao de Cristo, segundo S. Mateus, no Domingo de Ramos, e, segundo S. João, na Sexta-feira Santa . Na Idade Média, surge a prática de a recitar de forma dramática em canto gregoriano, divid indo o texto entre três "personagens" - o narrador (ou seja, o Evangelista), Cristo e os outros (apóstolos, Pilatos, a multidão). A recitação de cada personagem está centrada numa nota diferente, o que facilita distingui-Ias ao longo da narrativa. Inicialmente na Igreja Luterana a tradição não difere muito, mantendo as três personagens, mas com novas melodias, como, por exemplo, nas paixões de Heinrich Schütz. Contudo, os dois monumentos de J. S. Bach, as Paixões de S. Mateus e de S. João, são composições muito mais elaboradas. Mantendo a mesma estrutura de base, com recitativos para a narrativa e coros para a multidão, o compositor insere igualmente árias e corais que comentam os eventos, refletindo sobre o seu significado.
Jesus perante Pilato no drama da pai xão - Nancy, 1904 [Postal , 1904].
Surgiram igualmente dramas propriamente ditos, baseados nos eventos relatados pelos Evangelhos, sendo a mais conhecida a da vila bávara Oberammergau, que se realizou pela primeira vez em 1634 e que se repete de dez em dez anos. Foi imitada noutros lugares, como na cidade francesa de Nancy a partir de 1904. Estas peças incluem música , especialmente coros para a multidão. As sete últimas palavras de Cristo também foram uma inspiração para vários compositores, entre os quais Lassus, Schütz, Pergolesi, Haydn, Gounod e Franck. Curiosamente, a obra de Joseph Haydn (1783), foi composta originalmente não para vozes mas para orquestra, por encomenda do Oratorio de la Santa Cueva, em Cádiz. Só posteriormente o compositor arranjou a obra para quarteto de cordas (hoje em dia a versão mais conhecida) ou para solistas, coro e orquestra.
Oratório de S. Maria in Vallicella, em Roma. a primeira igreja do movimento oratoriano [Postal , ca. 1905] .
11.2. A oratória A designação "oratória" vem do movimento oratoriano fundado, em Roma, por São Filipe de Neri (1515-95). Nas reuniões que realizava, inicialmente com um número reduzido de amigos, para além de orações, leituras e sermões, a audição de música constituía um elemento importante. Foi na sua primeira igreja, S. Maria in Vallicella, já após a morte do Santo, que em 1600 se ouviu a primeira oratória, Rappresentatione di Anima, et di corpo, de Emilio de' Cavalieri (ca. 1550-1602). Esta obra alegórica utiliza as novas técnicas desenvolvidas no recém-criado género que era a ópera, com a intenção de representar dramaticamente a luta entre a alma e o corpo. De facto, ao longo da sua tradição a oratória manifesta muitos elementos da ópera. Foi Giacomo Carissimi que estabeleceu , em obras como Jephte, muitas das características mais típicas da oratória, tais como o enredo tirado do Antigo Testamento, assim como o uso de um narrador e solistas, para além de um coro que desempenha um papel dramático. Foi inicialmente em Roma que a oratória se foi desenvolvendo, e foi nesta cidade que Francisco António de Almeida (ca. 1702-55) compôs La Giuditta (1726), enquanto estudante e bolseiro da coroa portuguesa.
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Como género , a orató ria ganhou novo fôlego em Inglate rra, graças ao alemão Handel , que antes de se f ixar em Lond res passara três anos em Itália, sobretudo Roma. Nas décadas de 1730 e 1740, compôs quatro que se estabeleceram no repertório , entre as qua is Messias , estreada em Dublin , em 1742. Seria importa nte sublin har que durante a sua vida, Hande l nunca dirigiu Messias numa igrej a, mas semp re num teatro, sala de concerto ou hospital. Chegando a conhecer as oratórias de Handel durante as suas estadas em Londres, na década de 1790, Joseph Haydn, de regresso a Viena, contribuiu com duas obras para este género: Die Schópfung (A criação) (1798) e Die Jahreszeiten (As estações) (1801). Contudo , foi em Inglaterra, graças à trad ição de coros profiss iona is e amadores, assim como à criação de festiva is anuais, que estas obras continuavam a ser cantadas. Por outro lado , houve uma renovação const ant e, atra vés de novas encomendas, que se manteve até à I Guerra Mundial. Entr e os compositores de oratórias que se dest acam neste contexto no sécu lo XIX e inícios do sécu lo XX, estão Felix Mendelssohn (1809-47), compositor de St. Paul e Elijah, John Stainer (1840-1901), autor de The Crucifixion, e Edward Elgar (1857-1934), q ue compôs The dream of Gerontius, The Apostles e The Kingdom.
11.3. A ópera sacra
Felix Mendelssohn [Litografia reproduzida num postal , ca. 1915].
Edward Elgar [Posta l ca. 1915.]
Camille Saint-Sa éns e um trecho de Samson et Dalila [Posta l, ca. 1920].
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Como já se referiu , a relação entre a oratória e a ópera foi sempre pró xima . Não é por acaso, por exemplo, que o maior autor de textos de ópera (Iibretos) do século XVIII, Pietro Metastasio, também foi responsáve l por oito oratórias, ta is como Lo morte d'Abe l, Giuseppe rico nosciuto , Betulia libero ta e Lo passione di Gesu Cristo. Est a últ ima difere das t rad ições cató lica romana e lut erana, em que foca não a narrativa da paixão de Cristo, mas o drama psicológico que sofrem alguns dos intervenient es, sobretudo S. Pedro. Com música originalmente de Antonio Caldara (1670-1736), este te xto chegou a ser musicado por uma dezena de compositores, entre os qua is o português João Pedro de Alme ida Mota (1 744- 1817). Por proibição das autoridades ec lesiásticas , nos séculos XVII e XVIII, os teatros encontrava m-se encerra dos para ópe ra ao longo da Quaresma . Contudo, na viragem do século XIX, aos poucos começou -se a admitir durante estas semanas óperas desde que com enredos bíbli cos , e dent ro de pouco tempo deixou de haver qualquer proibição. Entre as óperas deste género, com postas no século XIX e que tiveram sucesso excecional, devem ser referidas Mosé in Egit to (1819) de Gioac hino Rossin i e Nab ucodonosor (1842) de Giuseppe Verdi. Um t erceiro exemp lo subl inha os fortes laços e ambiguidades existen tes entre oratória e ópera - o caso de Samson et Dalila , de Camille Saint-Sa éns (1835-1921), que foi concebido orig inalmente como oratória. No entanto, duran te o processo de composição, o autor chegou à conclusão de que seria melhor como ópera sacra . Levou bastantes anos até à sua estreia como ópe ra em Weima r, na Alemanha. em 1877. Em vár ios países, entre os quais Inglaterra e os Estados Unidos, foi estreado inicialmente como oratória , ou seja, sem encenação, antes de passar para os teatros .
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Epílogo
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Hoje em dia a audi ção de música sacra e devocional realiza-se sob retudo em concertos, quer em igrejas , quer em salas de concerto ou teat ros. Est a prática, embora nos permita ouvir a música em questão, resu lta intrinsecamente numa distorção do seu significado, po r ser executada num contexto bem dife rente do seu or iginal. Uma missa cantada fora do contexto da Eucarist ia, por exemplo, perd e imenso.
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Ouvir uma gravação, quer em CD, quer pela internet, reduz ainda mais o impacto do original. Dificilmente se pode evitar este fen ómeno. Convém , contudo, ter bem presente a consciência desta questão e as suas implicações. Nest e sentido, são especialmente bem-vindas as gravações de conjuntos com o o Gabrieli Consort & Players, sob a direç ão de Paul McCreesh, que pro curam executa r a música dentro de uma lit urgia devidamente invest igada em termos históricos.
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Leitura suplementar
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Para uma abordagem mais abrangente das temáticas aqui apresentadas:
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David Cranmer, Cantate Domino: introdução à música sacra, Lisboa : Paulus , 2007.
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Sobre a história da música ocidental , em termos gerais:
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Donald J. Grout & Claud e V. Palisca, História da música ocidental, Lisboa: Gradiva, 1994 .
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Para quem pretenda informar-se mais profundamente sobre as práticas litúrgicas do passado e como a música se articula com elas:
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John Harpe r, The forms and orders of Western liturgy fram the tenth to the eighteenth century a historical intraduction and guide for students and musicians, Oxfo rd: Clarendon Press (Oxford Univers ity Press), 1991.
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Os postais repr odu zidos nesta secção são da co lecão do autor.
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Orgão do Mosteiro de Santa Cruz, Coimbr a.
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Orgãos da Sé de Braga, séc. XVIII.
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Literatura Cristã
Foto do interior da cat ed ral de Santa Mar ia Nuova de Monreal e, Monreale, Palermo, Sicília .
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1. Literatura, literatura sagrada, literatura religiosa, literatura cristã e literatura de cristãos
Poema de José Tolent ino Mendon ça, Manuel Cargaleiro (1927), 2014. Coleç ão da Fundaç ão Manuel Cargaleiro, Caste lo Branco .
o Crist ianismo não é uma religião do livro e, como disse Bernardo de Claraval (1090-1153), ta mbém não é a religião de «uma pala vra escrito e mudo , mos do Palavra incomodo e vivo»'. Isto é, de um Deus-Filho que - sem deixar de ser, com o Pai e o Espírito Santo, o Deus Criador - se fez ser humano há cerca de dois mil anos e percorreu os cam inhos da Galileia, Judeia e Samaria. Neste sentido, tendo -se em consideração que Deus cr ia e dá-Se a conhe cer principalmente pela Palavra existente «desde o princípio, antes que criasse coisa alguma» (Prov. 8,22), diversos pensadores cristãos afirmaram que o ato de escrever é uma perfeita comparação com o ato criador de Deus, porque Deus que como escreve, através das pessoas e dos eventos , na histó ria. Neste sentido, o frade franciscano Boaventura de Bagnoregio (1221-1274) afirma que «todo o mu ndo é uma sombra, um cominho, e um traço; um livro escrito pelo frente e por detrós»2.
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Devido a tudo isto, o Cristianismo tem, desde a sua origem, uma ligação inseparável com a literatura. De facto, a própria Bíblia é uma grande Biblioteca cheia dos mais variados textos religiosos que os cristãos acreditam ter uma dupla origem - Divina e humana. No seio dessa Biblioteca, existem textos que podem ser considerados como verdadeiras obras-primas da literatura humana e, assim , só totalmente apreciados, do ponto de vista literário, por quem possui sensibilidade para a literatura em geral. Com efeito, mesmo considerados apenas como literatura, livros como Isaías, Job e o Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas são peças únicas do património literário universal.
Biblioteca do Vaticano. 1 BERNARDO DE CLARAVAL - Homilio super missus est, 4,11 , in PL 183, 86B. , BOAVENTURA DE BAGNOREGIO - Collationes in Hexaemeron, 12, 17, in Bernardino dai Vago da Portogruaro (ed.) - S. Bonaventurae opera omnia, vol. 5. Claras Aquas (Quaracchi): Collegii S. Bonaventurae, 1891,387a. 3 C. H. DODD- The Bible Today. Cambridge: Cambridge University Press, 1965', 2.
Dito isto, também é claro que a Bíblia não é apenas literatura. Ela é ainda literatura sagrada.
Mas não só: dentro do contexto da literatura sagrada, a Bíblia é, ainda, manifestação de uma literatura religiosa em sentido geral, que, se não for voluntariamente mutilada, já estará presente na descrição da experiência humana patente em toda a literatura. O teólogo do País de Gales C. H. Dodd (1884-1973) afirma mesmo que esta íntima relação entre o religioso e aquilo que faz parte do que é mais humano, «é o característico deste livro sagrado , ou literatura religiosa, que o elemento religioso emerge diretamente do mais cru tecido do vida humano, tal como o mesmo pode ser encontrado nas suas mais distintos tosesw.
Mais além desta caracterização geral, a Bíblia é, ainda, literatura religiosa no sentido mais estrito. Ou seja: é aquela literatura religiosa que surge, diretamente, do expor a busca daquela Fonte originai que realiza as mais verdadeiras aspirações do coração humano: o amor, o bem, a verdade, a beleza, a justiça e, entre outras realidades que poderiam ser referidas, a fraternidade. Ou seja, justamente aquele Transcendente que, nas religiões bíblicas, se chama "Deus".
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Literatura religiosa em sentido estrito: expressão escrita de uma fé 'm oldada
;s.edivulgada porta/literatura, de modo a, per.umlado.formar uma dada identidade
,tr eligiosa, e, por outro, sustentare fomentar a espiritualidade daqueles que . ~' pahi l ha m de tal fé edevlsãcõa realidede que dela" decorre . .'" ..'
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De entre toda a literatura religiosa mundial , uma das porções mais significativas é a da literatura cristã: aquela que está firmemente apoiada, de modo crente, na mensagem bíblica e se encon t ra já presente, de modo patente, no Novo Testamento.
Ruy CINATTI "Converso Inacabada 11/ - 'Hó tanta maluqu eira no nosso História'", in Grande Reportagem , 19 a 25 de abril de 1985,41 .
Deste modo, a literatura cristã pode distinguir-se radicalmente da literatura de cristãos, tal como expressa, de modo singular, o poeta Ruy Cinatti quando afirma «Sou um católico poeta. Não sou um poeta católico»4.
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Ao longo da história do Crist ianismo e atravessando variedades linguísticas e culturais que não impediram uma comp reensão mút ua, muitos foram os tipos e géneros de textos que formaram e comunicaram, com uma imensa liberdade criativa que faz homenagem ao amor e à verdade result ante deste mesmo amo r, a literatura cristã. Passar-se - á, de seguida, a identificar, descrever e ilustrar alguns destes géneros - que, fre quentemente, se cruzam e entrecruzam entre si -, através dos quais se compôs, de um modo tão incarnado como o da própria Palavra que Se «Fez carne e habitou entre nós » (Jo. 1,14), aquela imensa literatura cristã.
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2, Os Evangelhos
OsQuatro Evangelistas, Jacob Jordaens (1593-1678),Musée du Louvre, Paris.
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Crist ianismo surgiu , e ainda existe nos dias de hoje, pois existiu Jesus Cristo . Para quem não conviveu com Este , o principal acesso ao Mesmo foi semp re através dos Evangelhos Bíblicos "Segundo Mateus", "Segundo Marcos ", "Segundo Lucas" e "Segundo João" - , os quais formam um género literário especificamente cristão.
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Como exemplo deste género literário, aqui ficam as palavras retiradas do começo do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas (Lc. 1,1-4). -.Ul'...;
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"Visto que muitos emp reende ram compo r uma narração dos factos que entre nós se consumara m, como no-los transmitiram os que desde o prin cípio fora m testemunhas ocul ares e se tornaram «Servidores da Palavra» , resolvi eu tam bém, depois de tudo ter investigado cuidadosamente desde a origem , expô-los a ti po r escrito e pela sua ordem, caríssim o Teófilo, a fi m de reconheceres a solidez da do utrina em que foste instruído".
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Versículos iniciais do Evangelho segundo Lucas no Cadex Alexandrinus da prim ei ra metade do séc. V.
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3. A literatura epistolar e epístolas papais Apesar de tudo o referido anteriormente, os te xtos cristãos bíb licos mais antigos não são os Evangelhos, mas as cartas de Paulo. Desde esse período, a literatura epistolar tornou -se um dos ma iores e ma is import antes géneros lit erários cristãos, não menos devido à sua imensa f lexibi lidade. Uma fle xibi lidade expressa pelo facto de, por exemp lo, as cartas poderem: ser privadas e (ou) públicas; ser dirigidas a um ou vários desti natários; adquirir um rosto nomeadamente de formação intelect ual, correção mora l, edificação espiritual , edificação das comunidades, etc .
Carta encícli ca Laudata Si, do Santo Padre Franci sco sobre o cuidado da casa comum, 2015.
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Educação ;vioral e Religiosa Catóhca
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No que concerne aos grandes autores de carta s cristãs, pode-se indicar: o bispo Inácio de Ant ioqu ia (ca. 35 -c a. 107), que escreveu cartas , aborda ndo te máticas relacio nadas com a vida cristã, às co munidades por onde ia passando a caminho do seu mart írio em Rom a; a dominicana terceira italiana Catarina de Siena (1347-1380), que redigiu car t as sobre a importância do serviço gratu ito aos demais e a necessidade de uma refor ma na Igreja do seu tempo; e, enfi m, o professor universit ário irlandês C. S. Lewis (1 898- 1963) que esc reveu distintas car tas, designadamente as ficcionai s que estão presen tes na obra Vorazmente teu, que é um verdadeiro mapa do que é ser cristão, mas esc rito sob a perspeti va per feitamente oposta à cris tã, ou não fossem as cartas de um "demóni o" experie nte a um j ovem "demónio" seu sob rinho. Pois bem , entre a literat ura epistolar cristã, é ainda importante fazer especial referênc ia a um sub-género particular: o das encíclicas papais .
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De entre as encíclicas papais pode -se recordar: a Rerum Novorum, de Leão XIII (1891), abordando as condições das classes traba lhadoras; a Mit brennender Sorge, de Pio XI (1937), que conde na as mais variadas teses do regime nazi; e a Deus Coritos Est , de Bento XVI (2005), que se foca no amor dos cr istã os enquanto consequência do Amor que Deus é. Como ilust ração de literatura episto lar cristã cit ar-se -a , a seguir, uma das missivas, t ão geniais quão inusuais, presente s em Vorazmente teu (C. S. LEWI S - The Screwtap e Letters ond Screwtope Proposes a Toast. New York: Macmillan, 1961, 62s).
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Capa da primeira ediçã o inglesa de Vorazmente teu de C. S. Lewis e imagem desde últi mo.
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A Arte Cristã
O facto mais alarmante no teu último relato acerca do teu paciente é que ele já não faz nenhuma daquelas resoluções confiantes que pautaram a sua conversão original. [...] O teu paciente tornou-se humilde; já te deste conta deste facto? Todas as virtudes são menos formidáveis para nós assim que o homem se torna consciente que as tem , mas isto é particula rme nte verdade acerca da humildade. Surpreenda-o num momento em que estive r verdadeiramente pob re em espírito e contrabandeia na sua mente a gratificante reflexão «Ora esta ! Sou humilde» , e quase imediatamente o orgulho - o orgulho pela sua própria humildade - aparecerá ".
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4. A literatura catequética Ninguém nasce cris tão . O ser-se cristão é resultado de uma opção pessoal, seja esta própria - quando o suje ito tem cap acidade para formular essa opção -, seja dos seus pais - quando o suje ito ainda não tem a possibilidade de expressar aqueloutra opção - , de acolher o dom do Batismo que faz germinar a sua relação com o Deus-Trindade revelado por, e em, Jesus Cristo . Pois bem, em ambos os casos, respetivamente antes ou depois de t al con sagração, o sujeito prec isa de aprender o que é ser cristão e, ao mesmo tempo, de que fo rma está chamado a viver como seguido r de Jes us. Fruto dest a evidência , desde muito cedo na história da Igreja surgiu o género lit erário cateq uético.
o Bom Pastor, Catacumba Priscila, Roma.
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I Embora diferentes nas suas estruturas - uns são mais fluídos na aprese ntação dos temas, outros seguem um ordenamento lógico mais rigoroso - , nos seus métodos expos itivos - uns são mais narrativos , outros optam pela estratégia de agrupar perguntas e respostas - , e nos seus destinatários - uns são pensados para crianças por batizar, outros para adultos já batizados que desejam aprofund ar a sua fé - , os textos desta lit eratu ra possuem algo de muito importa nte em comum . A saber : fo ram, jun tamente com os textos devoc ionais, os que mais infl uencia ram a formação dos cr ist ãos ao longo dos séculos. Ent re os mais significa t ivos exemplos de textos catequéticos é relevant e aludi r: às Catequeses mis tagógicas do bispo Cirilo de Jerusalém (ca. 313-386), nas quais se comunicam, aos recém -batizados e numa perspetiva deco rrente de um "guiar no mistério" (exata mente aquilo que significa a palavra "mistagogia "), informaçõe s relevantes para a celebração adequada da Eucarist ia; o Catecismo ou Doutrina Cristã e Práticas Espirituais do bispo dominicano por tuguês Bartolomeu dos Márt ires (1514-1590), obra que foi redigida para diminuir a ignorân cia religiosa dos fiéis da sua diocese (Braga); e, por fim , ao Catecismo da Igreja Católica do ano de 1992. Como ilust ração deste género de literatura pode-se, aqui, transcrever umas breves palavras da obra de Bartolomeu dos Mártires (BARTOLOMEU DOS MÁRTIRES - Catec ismo ou Doutrina Cristã e Práticas Espirituais, 1, 4, ed. Arlindo Ribeiro da CUNHA. Fátima: Movimento Bartoleano, 1962, 19).
liA sabedoria e justiça cristã se contêm e assomam naq uelas três principais virtudes que se chama m teologais ou divinas , a sabe r, Fé, Esperança e Caridade. E assim toda a doutrina cristã consiste no exercício destas. No Símbolo que chamamos Credo se exercita a fé, porque nele expressamente se contêm os artigos que somos obrigado a crer. Na oração do Pai-Nosso, se exercita a esperança, porque nela pedimos todas as coisas que devemos esperar e desejar. Nos mandamentos do Decálogo, se exercita a caridade, porque todos se reduzem aos dois principais mandamentos dela, a saber, o amor a Deus e ao próximo".
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CATECHISMO DELLA CHIESA CArrOLICA
Capa da edição itali ana do Catecismo da Igreja Católica e imagem do seu principal impulsionador: Joã o Paulo II.
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5. A literat ura apologética
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Foi desde muito cedo (ver At. 6,4-7,60 e todo o livro do Apocalipse) que, na vida das comun idades dos seguidores de Jesus Cristo e no ambiente cultura l e religioso em que estavam inseridas, se passou a viver um fenóme no que perdura até aos dias de hoje: inco mpreensões, críticas e, no lim ite , persegu ições mais ou menos violentas. É a partir deste contexto que, acredi tando -se que o próprio processo de pensamento honesto pode ser proposto a qualquer pessoa de bem , surge um conjunto de textos de natureza apologética.
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Muitos foram os texto s apologéticos cristãos escritos ao longo de quase dois mil anos. De entre todos pode -se fazer alusão: às duas Apologias de Justino Mártir (ca. 100-165), que, usando os termos da fi losofia do seu tempo, desejaram apresentar a fé cristã aos seus contemporâ neos; as Dez razões paro disputa em nome da fé do j esuít a Edmund Campion (1540-1581 ), escrita para denunc iar as posições da Igreja Anglicana em part icular e do Protestantismo em geral; e, por fim, A desilusõo de Dawkins? do cient ista Alister McGrath (nascido em 1953), no qual este desme nte os raciocínios apresenta dos , contra a existê ncia de Deus, pelo biólogo ate u Ri chard Dawkins.
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Como testemu nho de um texto de apologia cristã pode -se, aqui, transcrever umas breves palavras do último livro elencado no parágrafo ante rior (Alister MCGRATH; Joanna Collicutt MCGRATH - The Dawkins Delusion? Athe ist Fundamentalism and the Denial of the Divine. Downers Grove: InterVarsit y Press, 2007, 12).
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Página de rost o da pri me ira edição de Dez razões para disputa em nome da fé de Edmund Camp ion e uma imagem desse sace rdote jesuíta.
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"Quando li a Desilusão de Deus fiquei tão triste quão perturbado. Como é que podia, perguntava eu, um divulgador tão talentoso das ciências naturais, que já teve uma preocupação apaixonada pela análise objetiva das evidências, transformar-se num propagandista anti-religioso tão agressivo com um aparente desrespeito pelas evidências que não eram favoráveis à sua posição? [...] Eu não tenho nenhuma explicação adequada. Como muitos dos meus amigos ateus, eu simplesmente não cons igo entender a hostilidade surpreendente que Dawkins exibe em relação à religião. A religião para Dawkins é como uma bandeira vermelha para um touro , evocando, não apenas uma resposta agressiva, mas uma que atira para trás das costas todas as normais convenções académicas acerca de precisão escrup ulosa e da equidade face aos ventos. Enquanto o seu livro está escrito com paixão e poder retórico , a estridência de suas afirmações apenas mascaram argumentos cansados, fracos e reciclados".
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6. ite a r mar i ial e hagiográfica Foi igualmente a partir do horizonte das perseguições, dir igidas aos cristãos pelas autoridades romanas nos primeiros séculos do Cristianismo, que surgiram do is outros géneros literár ios cristãos. Dois género s, pró ximos do biográfico e de início dificilmente separáveis, que pretenderam fazer eco à comoção, perplexidade e sofrimento esperançoso das co munidades cr istãs . Em primeiro lugar, te mos o género mart irial.
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Em segundo lugar, temos o género hagiográfico.
Martí rio de São Vicen te, obr a atri buída a León Picardo ( t 1541), pint ada originalment e para o Santu ário de Sant a Casilda (La Bur eba, Burgos), expost o at ualmente no muse u da Catedral de Burgo s. I
Numa breve list a de textos cr istãos de cariz marti rial e hagiográfico, pode -se referir t rês obras marcantes: o texto anón imo intitu lado Martírio de Policarpo, refere nte ao processo j udicial de um bispo de Esmirna que foi martirizado no ano de 156; a Vida de Francis co de Assis do franciscano italiano Tomás de Celano (1200-1265), que descreve, de modo piedoso , a vida do fundador da Ordem Franciscana; e, enfim, Charles de Foucauld: como um co rdeiro no meio dos lobos do professor universitário francês Alain Vircondelet (nascido em 1947), sob re a vida e assassinato, por parte de maometanos, daquele eremita francês no sul da Argélia. Como ilustração do género hagiográf ico, pode -se citar o que o bispo francês Mart inho de Tours (ca. 316-397) diz pretender para a sua obra A vida dos Padres (GREGÓRIO DE TOURS - Vitae patrum, prólogo, in PL 71, 1009s).
Capa de edição francesa de Char les de Foucould: como um cord eiro no meio do s lobos de Alain Virco ndelet e imagem desd e últ imo .
"Descobri recentemente informação acerca daqueles que foram elevados ao Céu pelo mérito da sua abençoada conduta aqui em baixo, e eu pensei que o seu modo de vida, que nos é conhecido através de fontes fidedignas , pode fortalecer a Igreja. Dado que a ocasião se propiciou, portanto, eu não quis adiar o relato de algumas de tais coisas, pois a vida dos santos não só torna clara os seus desígnios, mas também encorajam a mente dos ouvintes a seguirem os seus exemplos".
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7a A literatura autobiográfica e auto-hagiográfica
Santo Agostinho entre Cristo e a Virgem, Peter Paul Rubens (1577-1640), Museu de la Real Academia de Bellas Artes de San Fernando. Madri d.
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Todo o ser humano gosta de se conhecer para compreender quem é e o que pode ser, bem como para ser estimado, respeitado, valorizado e, sobretudo, viver numa rede soc ial que contribua para o seu crescimento pessoal. Neste sentido, surgem os géneros que, próximos do biográfico e tendo também sido assumidos no contexto cristão, se denom inam de autobiográfico e, sobretudo em tal contexto , de auto-hagiográfico.
Dito ist o, é importa nte ter presente que nestes dois géneros, o que con t a não são t anto os aspetos ext eriores dos eventos relatados, mas a leit ura espiritual que se faz dos mesm os. Em con sequênc ia, o esse ncial nestes text os é a consideração de como é que o Deus-Amor te rá agido no autor, através desses eventos passados por si relatad os, para o levar a uma relação de amor com Ele. E isto também de modo a que o autor possa esta r mais con sciente da ação de Deus na sua pessoa em situações futu ras. De entre os grandes textos autobiográficos e (ou) auto-hagiográficos que surg iram na história do Cristianismo, pode-se menc ionar: as Confissões do bispo Agostinho de Hipona (354-439) ; o Livro de Margery Kempe, da leiga inglesa homón ima (ca. 1373-ca . 1438); a Segundo relação da monja ursulina francesa Maria da Incarnação (1599-1672); A Montanha dos sete patamares , do monge trapista norte-americano Thomas Merton (1915-1968).
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Manuscrito de página do Livro d e Margery Kemp e, e capa de edição moderna em inglês dessa obra . I
Deixa-se, a seguir e como testemunh o dos géneros apresentados, uma breve citação da primeira obra elenca da no parágrafo precedente (AGOSTINHO DE HIPONA - Confessio nes, 10, 27, 38, in PL 32, 795).
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Verdade, estás em toda a parte à disposição de todos os que Te consultam, e respondes ao mesmo tempo a todos, ainda que sobre coisas distintas. Tu respondes claramente, mas nem todos Te ouvem claramente. Todos Te consultam sobre o que querem , mas nem sempre ouvem o que querem. O melhor dos Teus servos é aquele que não dá a sua atenção a ouvir de Ti aquilo que ele quer, mas antes em querer aquilo que ouve de Ti. Tarde Te amei , ó Beleza tão antiga e tão nova, tarde Te amei! Eis que habitavas dentro de mim , e eu, lá fora , a procurar-Te!".
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8. A literatura litúrgica
s. João Crisóstomo confrontando Aelia Eudoxia, Jean-Paul Lauren s (1838-1921), Musée des Augustins / Musée des Beaux-Art s de Toulou se.
A vida cristã é essenc ialmente celebrati va. Para organizar e universalizar tais práticas celebrativas, todas elas decorrentes da celebração fundamental da Eucaristia enquanto comemoração da Páscoa de Jesus Cristo , a Igreja foi elaborando um, a si muito peculia r, género lite rár io. Em conc reto: o lit úrgico (designação derivada da palavra grega "/eitourgio" que, lit eralm ent e, significa "trabalho do povo").
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Dos mais diversificados textos litúrgicos usados nos dois mil anos de Cristian ismo, pode-se faze r alusão : à Divino Liturgia de São João Crisóstomo, que é o mais importante rit o litúrgico da Igreja Ortodoxa Orienta l; o Ritual Romono, que é o mais generalizado código cerirnoniallitú rgico da Igreja Católica; e por fim o Livro do oração comum , que, redigido pelo arcebispo de Canterbury Thomas Carnmer (1489-1556), contém as orações litúrgicas da confissão cristã anglicana . Como testemunho de um dos textos deste género, vai-se transcrever algumas palavras da conclusão da Divino Liturgia de São João Crisóstomo (Greek Orth odox Archdiocese of North and South America (ed.) - The Divine Liturgy of Soitv: John Chrysos tom. Brookline: Holy Cross Ort hodox Press, 1985, xxxv). Folha de rosto de uma edição do séc. XVI do Ritual Rom ano, e imagem do Papa Paulo V que o promu lgou. I
"Sace rdote: Saiamos em paz. Sacerdote: Oremos ao Senhor. Assemb leia: Senhor, tem piedade. Sacerdote: Senhor, abençoa aqueles que Te louvam e santifica os que confiam em Ti. Salva o Teu povo e abe nçoa a Tua hera nça. Protege todo o corpo da Tua Igreja. Santifica aqueles que amam a beleza de Tua casa. Glorifica-os, por sua vez, pelo Teu divino poder, e não Te esqueças daqueles que esperam em Ti. Concede a paz ao Teu Mundo, às Tuas Igrejas, ao ctero , aos que se entregam ao serviço público, às forças de segurança, e a todo o Teu povo. Pois todo o dom bom e perfeito vem do alto, vem de Ti, o Pai das luzes. A Ti, nós damos glória, gratidão e adoração, ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo, agora e para sempre e pelos séculos dos séculos. Assembleia: Ámen".
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9. Comentários bíblicos Diversos textos bíblicos, nomead amente devido à riqueza de senti do que decorre dos text os que te ntam dizer o divino, não são propriamente fáceis de ente nder (ver 2Pd. 3,15s). Perante este facto, e de modo a se evitarem leitu ras erradas que esteja m em desacordo com o próprio sentido e intenção do texto bíblico, desde muito cedo, surgiu, na vida da Igreja, o género lit er ário dos comentários bíblicos.
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Santo Amb rós io de Milão , Francisc o de Goya (1746-1828), Cleveland Museum of Art, Clevelan d.
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De ent re os mais importantes comentários bíblicos escritos ao longo da história do Crist ianismo, é relevante indicar: os Seis dias do criação, do bispo Ambrósio de Milão (ca. 340-397), comentando os primeiros cap ítulos do livro do Génesis; o Comentário o todos os cortas de São Paulo, do jesuíta, dos Países Baixos, Cornelis van den Steen (1567-1637); e, enfim, o Novo Comentário Bíblico São Jerónimo, que agrega te xtos de alguns dos mais respeitados especia listas bíblicos dos nos sos dias. Passar-se-a a transcrever, como ilustração deste género, algumas palavras do Comentário o todos os cortas de São Paulo de Cornelis van den Steen, em concreto as referentes a 1Cor. 13.5 (CO RNELlUS CORN ELlI A LAPIDE - The Great Com me ntary of Cornelius o Lapide, vol. 7. London : John Hodges, 1896,326).
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Edição em espanhol do Novo Come ntário Bíblico São Jerá nimo e imagem de um dos seus responsáveis: Joseph Fit zmyer.
"Ver. 5: [a Caridade] Não busco o interesse próprio. Efrém traduz: «Não comete o que é vergo nhoso»; Clemente (in Pedagogo, 3, 1) diz: «Não se porta com indecência ». O nosso tradutor, com Crisóstomo, Teodoreto , Teofilato , Ecumên io, tradu-lo do modo indicado , pois o Caridade penso que nodo é desonraso ou impróprio para elo, embora sofra o que é vil, infame ou degradante. Ou mais brevemente: o caridade não se envergonho, porque não ambicio no nodo , nem nenh uma honra. O nosso tradutor, portan to, compreende u que o couso pelo qua l todo aquele que não se envergonho é ele não procurar nem honra, nem glória. Donde, é por isso que Crisósto mo e Teofilato acham que Paulo profere estas palavras pensan do nos arrogantes. «A Carida de», diz Crisóstomo, «não sabe o que são a deso nra e a vergonha; ela cobre com as suas asas de ouro os vícios de to dos a quem ela abraça»".
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10. A literatura devocional ou espiritual
Grace, foto de Eric Enstrom (1875-1968). Foto oficia l e símbolo do Est ado de Minnesota, Est ados Unidos da América .
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Não há cristão que não possua, através do Espírito Santo, uma relação pessoa l com Jesus Cristo, e por Est e com Deus-Pai. Pois bem, essa relação não pode estar baseada apenas numa soma de co nhecimentos intelectuais - por mais que este s sejam importantes. Ela, para dar ate nção ao ser humano no seu todo, também precisa de uma sólida vertente emoc ional e afetiva. Eis, justamente, a que é, mais frequenteme nte, promovida pelo género literário devocional ou, numa desig nação mais moderna , espiritual.
Algumas das mais relevant es obras deste género literário são: a Imita ção de Cristo , atribuída ao sacerdote Thomas Hemerken (ca. 1379-1471), que comunica breves refl exões espirit uais pensadas para aj udarem os leitores a viverem focados numa relação afet iva com J esus; a Ar te de orar do jesuíta por tuguês Diogo Monteiro (1561-1634), na qual se apresentam diversas explicações e exemp los de mod os de oração ; o anónimo Relatos de um peregrino russo, que, escr ito a meados do séc. XIX e na Rússia, pretendeu conjugar a espiritualidade dos Padres do Deserto com o ascetismo apostó lico russo; e, por fim , O sofrimento de Deus , do jesuíta fr ancê s François Varillon (1905-1978), obra que procura, a partir da poesia e da teologia, veicular a imagem de um Deus que sofre misteriosamente, não por carência, mas por excesso de amor. Finda a pretéri ta apre sentação, pode -se transcrever, como ilust ração deste género, algumas frases da última obra referenc iada (François VARILLON - O Sofrimen to de Deus. Braga: A.O., 1996, 71s).
"Poderemos pensar que cada uma das pessoas divinas sofre no Calvário um sofrimento não transfigurado pela comunhão? Sofrer em comunhão é muito diferente de sofrer em solidão. Ora um da Trindade sofre em solidão. Portanto, perto d'Ele, n'Ele, também o Pai e o Espírito Santo sofrem em solidão. A Encarnação revela que o Amor, tal como é eternamente vivido por Deus em comunhão, é suficientemente poderoso para ser vivido também em solidão? Nesse caso, a vulnerabilidade estaria no coração do Ser como Poder sup remo" .
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11. A literatura mística
A Comunhão dos Santos, Elise Ritter, Arl ington.
Apesar de serem pouco conhecidos, a verdade é que não poucos cristãos viveram, e vivem, a sua vida espiri tua l na sua maior profundidade. Isto é, vivem a sua vida espir it ual orientada, de um modo cresce ntemente intui tivo, ao amor maior e melhor. A estes cristãos designa-se de "míst icos". Na medida em que a vida futura de qualquer pessoa em Deus será estar plenamente orientado para Est e, os "místicos" são, no fundo, os crent es que já vivem, no presente e em parte, o que é a meta espiritua l de todos os batizados. Escrit os por estes, e para estes, surgiu o género místico.
Muitos foram os grandes místicos da história do Crist ianismo que nos deixaram textos de literatura mística. Faça-se refer ência apenas a alguns: os Tratados místico s do monge e bispo, natural de onde é atua lmente o Qatar, Isaac de Nínive (ca. 613- ca. 700), onde este autor discorre, sob a forma de breves senten ças, sobre alguns dos mais relevantes aspectos da vida mística cristã; os Sete modos de amor da leiga dos Países Baixos Beatriz de Nazaré (ca. 1200 -1268), que se repo rta à importância nuclear do amor na relação espir it ual com Deus; e, por fim , a Nossa Senhora da Sabedoria do sacerdote suíço Maurice Zundel (1897-1970), em que, sob um conj unto de reflexões acerca de Maria, o auto r apresenta a sua experiênc ia mística como um ent rar na pobreza divina decor rente do facto de Deus ser Amor.
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Como ilust ração do género lit erário míst ico, transc reve-se algumas palavras ret iradas da cita da obra de Beatri z de Nazaré (BEATRIZ DE NAZA RÉ - Seven monie ren von minne, ed. Leonce Reypens; Josez Van Mierlo. Leuven: De Vlaamsche Boekenhalle, 1926, 19s).
"De vez em quando, a alma tem um outro modo de amor. Então ela serve ao Senhor por nada, só por amor, sem qualquer motivo e sem qualquer desejo de recompensa, seja esta de misericórdia ou de bem-aventurança.
Capa de uma edição contempo rãnea de Nossa Senhora da Sabedoria de Maurice Zunde l e imagem deste mesmo.
E exatamente como uma nobre senhora serve ao seu Senhor por grande amor e sem recompensa, e que tem prazer em O poder servir e Ele a permitir servi-Lo, deste modo ela deseja servir o amor com amor, sem medida e além 'da medida e superando inclusivamente toda a ideia e razão meramente humanas, com toda a entrega inerente à lealdade. Aqui, ela é imensamente ardente no seu desejo, tão preparada para o serviço, tão leve no cansaço, tão suave nos info rtúnios, tão feliz na tristeza; e em tudo ela deseja dar-Lhe grande prazer. E assim ela sente prazer em ser capaz de fazer algo, e de ser de ajuda (e de ser de ajuda) para O amar e honrar".
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12. A literatura cris ológica o Cristianismo é o que
é, devido , não à vontade deste ou daq uele grande génio religioso humano , mas ao próprio Deus-A mor fe ito ser humano; a sabe r: Jesus Cristo. Dest e modo, Ele - com a Sua afetividade, valore s, cri térios, deci sões, at it udes e comportamentos - é o único modelo essencial do que - seja na sua vida inter ior, seja na sua vida exter ior - deve ser qualquer cristão. É daqui que surge a lite ratu ra cristológica.
Numa resumida lista dos mais import ant es livros deste género lit erário cristão , pode-se referir: o Acerca da Incarnação do Verbo, de Atanásio de Alexandria (ca. 297-373), no qual este autor deseja defender a realidade do fact o de Deus-Filho t er assumido plenamente a natureza humana; o Por que Deus [se fez] Homem, de Anselmo de Cabeça de Cristo Coroada com Espinhos, Guida Aosta (ca. 1034-1109), que não é senão uma ten tativa de explicar o motivo pelo qual Deus- Filho incarnou; O desafio The Nation al Gallery, Londres. de Jesus, do bispo anglicano Nicholas 1. Wright (nascido em 1948), que apresenta quem fo i Jesus no Seu contexto histó rico e qual a Sua import ânc ia para o mundo contemporâneo; e, enf im, Jesus de Nazaré, de Joseph Ratzinger/Bento XVI (nascido em 1927 e eleito Papa no ano de 2005), no qual o autor busca apre sentar uma cristo logia que, respeitando os dados da investigação bíblica, não põe de lado uma profunda leit ura crente dos fac tos por aquela estudados e dados a conhece r.
Reni (1575-1 642),
Como ilustração de um text o cristo lógico, pode-se transcrever umas palavras da últ ima obra indicada (Joseph RATZINGER/B ENTO XVI - J esus de Nazaré, vaI. 2: Semana Santa, da entrada em Jerusalém até à Ressurreição. Parede: Principia, 2011, 159s).
"O que é a verdade? Não foi apenas Pilatos quem pôs de parte esta questão como insolúvel e, para a sua função, impraticável. Ainda hoje, tanto na ágora política como na discussão acerca da formação do direito, a maioria sente aversão por ela. Mas, sem a verdade, o homem não se encontra a si mesmo; no fim de contas , abandona o campo aos mais fortes. A «Redenção», no sentido pleno da palavra, só pode consistir no facto de a verdade se tornar reconhecível. E ela torna-se reconhecível se Deus Se torna reconhecível. Ele torna-Se reconhecível em Jesus Cristo. N'Ele, Deus entrou no Mundo, e assim plantou a medida da verdade no meio da história. Externamente, a verdade é impotente no mundo; tal como Cristo, que, segundo os critérios do mundo, não tem poder: Ele não possui nenhuma legião; acaba crucificado. Mas é precisamente assim , na carência total de poder, que Ele é poderoso, e só assim a verdade se torna incessantemente força".
Capa de O desafio de Jesus, do bisp o anglicano Nicholas T. Wright.
Educacào i'lloral e Religiosa Católica
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13. A li .e rat ra con es ional e conciliar Perant e o proliferar, nos primeiros séculos do Cristia nismo, de opiniões mais ou menos con tra stan tes face ao conh ecimento e à compreensão correta acerca da ident idade, e missão salvífica, de Jes us e da Igreja, os responsáveis pela afirmação e promoçã o da identidade cristã - nomeadamente os bispos e presbíteros viram -se na situação de terem de cod ifica r e formular, de um modo cada vez mais normativo e rigoroso, as linhas orientadoras da fé cristã. É a partir des te horizonte que surge aquele género literário cristão que pode ser denominado de confession al e (ou) conciliar. Conci lio Vatica no I, Basílica de S. Pedro, durante o papado de Pio IX, Karl Benzinger, 1873 .
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; Género confessional e (ou) conciliar: textosor'iginá,rios de, c6nfissõesd~.ifé - usualmente ' ; . designadas de Credos .:;., bem corno provenientes de~ínod~.s e'concíl.i9?;'mais Qü:~enos universais,'." que contêm afirmações 'pensadas para serem universais.é.balizadorá~:~do verdadeiro pensar eagi(~
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De entre as grandes obr as confessionais e conciliares, pode-se fazer alusão: ao Contra as heresias do bispo Ireneu de Lyon (ca. 130-202), com que este autor, ta mbém num registo apol og étic o, prete nde afi rmar a genuína fé cr istã e refuta r as principais heresias c ristãs que lhe eram conheci das; ao Credo de Niceia-Co nsta nti nopla que, redigido nos dois primeiros Concílios Ecuménic os, realizados em 325 e 381, é, ainda hoje, o mais usado nas Eucarist ias; e, por fim, ao documento Gaudium et Spes do II Concílio do Vaticano, pelo qual , em 1965, a Igrej a Católica procurou estabelecer pontes de diálogo com o mund o mo derno e a sua cult ura.
ACTA APOSTOLlCAE SEDlS
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Primeiras palavras da consti tuição Gaudium et Spes do II Concílio do Vaticano no boletim oficial do Vaticano e imagem do seu promu lgador principal: Paulo VI.
Como test emunho deste género, t ranscreve-se algumas frases do último texto ref erido (Igreja Cató lica: II Concílio do Vaticano Constituiç ão Gaudium et Spes, 2, in AAS 58 (1966),1025-1115).
"As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje , sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não enco ntre eco no seu coração. Porque a sua comunidade é formada por homens, que , reun idos em Cristo , são guiados pelo Espírito Santo na sua peregrinação em demanda do reino do Pai, e receberam a mensagem da salvação para a comunicar a todos. Por este motivo, a Igreja sente-se real e intimamente ligada ao género humano e à sua história".
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A Ar te Cristã
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14. A literatura histórico-eclesial
o Chamamento de S. Mateus, Mich elan gelo Meri si, dito Caravagg io (1571-1610) Cappella Conta relli,
Igreja de S. Luís dos Franceses, Roma.
o mote do Santo Padre Franci sc o fo i t irado das Homili as de São Seda o Ven eráv el, sace rdot e (Hom . 21; CCl
1, 22, 149-151), o qual , coment ando o episó dio evangélico da voca ção de S. Mateus, esc reve: «Vidit ergo lesus publica num et quia miserando atque eligendo vidit, ait illi Seq uer e me» (Viu Je sus um publi cano e dado qu e olhou par a ele com sentimento de amor e o escolheu , disse-lhe: Segu e-me) . Esta homilia é uma homenagem à misericórdia div ina e é reprodu zida na Liturgia das Hora s da festa de S. Mateus. Tem um signif icado espe cial na vida e no itinerário esp iritual do Papa, qu e na f est a de S. Mateu s de 1953 se sentiu chamado à vida relig iosa. Quando foi eleit o bispo de cidiu escolher, como mote e programa de vida, a expressão de São Seda miserando atque eligendo, qu e reprodu ziu t amb ém no bra são pontifício. O Papa cont a repetida s vezes qu e, nas suas deslocaçõ es a Roma, ap rec iava particularment e olh ar para esta obra.
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o Cristianismo, na senda de um Judaísmo que só se entende a partir da libertação do Egito e regresso da Babilón ia, é uma religião radicalmente histórica; uma religião que se apoia na existência histórica de uma pessoa que nasceu, viveu e morreu há cerca de do is mil anos na Terra Santa : Jesus de Nazaré. Em fidelidade à ação de Deus na história, as comun idades cristãs sentiram-se convidadas a ver Deus a agir nas suas vidas e comunidades, de modo a conduzir, amorosamente, toda a história para o seu cu lminar amoroso . Devido ao refer ido, surgiu o regist o lit erário histórico-eclesial.
Numa breve lista de alguns dos mais relevante exemp los de lit erat ura hist órico- eclesial é incontornável fazer-se referência: à História eclesiástica de Eusébio de Cesareia (ca. 265-339), relat ando, de um moda até então origina l, os eventos cronológicos da Igreja primit iva; ao Discurso sobre a História Universa l do bispo francês Jacques-Bén igne Bossuet (1627-1704), que é um curso de história geral, desde a criação até Carlos-Magno, redigido para a formação do herdeiro do Rei de França; e aos diversos volumes que compõem A tradição cristã: uma história do desenvolvimento da doutrina do pastor luterano norte-ame ricano Jaroslav Pelikan (1923-2006), que aborda o modo como o pensamento teológico cristão evoluiu entre os séculos II e XX. Como exemplo de um texto de literatura histórico -eclesial, deixam-se aqui as primeiras palavras da primeira das obras indicadas no parágrafo anterior (EUSÉBIO DE CESAREIA - Historia Ecclesiastica, 1, 1, in PG 20, 48B-49 A).
"É o meu propósito escrever um relato das sucessões dos santos apóstolos, bem como dos tempos que se passaram desde os dias de nosso Salvador até aos nossos; e relacionar os muitos eventos importantes que se diz terem ocorrido na história da Igreja; e mencionar aqueles que têm governado e presidido à Igreja nas mais proeminentes paróquias, e aqueles que , em cada geração, têm proclamado a palavra divina , seja verbalmente, seja por escrito. É também meu objetivo apresentar os nomes e número e tempos de todos os que, através do seu amor à inovação, se encaminharam para os maiores erros , e, proclamando-se descobridores de um falsamente denominado «conhecimento», têm , como lobos ferozes , dizimado sem piedade o rebanho de Cristo ".
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15. A literatura po é' i ola Para se descrever o lado misterioso de Deus, do amor e dos demais valores decorrentes deste, bem como da experiência esp iritual e da beleza das cerimón ias religiosas, um especia l género literário surge em diversos texto s bíblicos, Text os como Job, Cântico dos Cânticos, Salmos e porções poéticas de obras do Novo Test ament o, tal como o Magnificat de Lc. 1,46-11, o prólogo do Evangelho segundo João de Jo . 1,1 -18 e o Cântico de Cristo de Flp. 2,5-11 . Trat a-se do género poético que - nas suas três grandes formas (lírica, narrat iva e dramática) - , sendo mais figurativo e sugestivo do que expos itivo, foi desde sempre usado no contexto religioso ju daico-cristão.
A parti lha poética a que se fez referência, pode ser considerada por si mesma, ou, entã o, como uma forma de, sob uma expressão musicada t ambém pensada (ou não) para ser usada na lit urgia, convidar os seus leitores a servirem -se dela para expressarem e (ou) moldarem as suas próprias emoções espiri tuais . Dito isto, t rata-se de uma poesia que, como é evidente, só será bela e duradoira quando for excelente poesia por si mesma. Do vasto elenco de obras de poetas cristãos, pode-se mencionar: a Divina Comédia de Dant e Alighe ri (ca. 1265-1321), imenso poema retratando, com o imaginário teológ ico medieval, uma viagem imaginária do próprio Dante até Deus; o Cântico espiritual do carmelita espanhol João da Cruz (1542-1 591), que descreve o processo místico que a alma vive até lograr a união, apresentada em chave amorosa, com Deus; os Poemas do franciscano português Agost inho da Cruz (1540-1619), que, através de uma lírica afectiva e uma linguagem provinda dã natureza conte mplada , exaltam a saudade de Deus e do Céu; a Obra poética do jesuíta inglês Gerard Manley Hopkins (1844-1889), que test emunha que o amor a Deus não é impe ditivo de um encant o com a natureza e os dramas humanos; e, por fim, os poemas present es em Dos líquidos, daquele que, com Soph ia de Mello Breyner Andrese n, é dos únicos poeta s cristãos portu gueses conte mporâneos relevant es: Daniel Faria (1971-1999), obra na qual se contacta com uma discreta felicidade espirit ual mistu rada com um fascínio pela Criação. Fique- se, aqui, apenas co m um breve poema - Beleza malhada - de Gerard Manley HOPKINS a ilust rar este género (Gerard Manley Hopkins - "Pied bea uty", ed. Thomas Crofts - "God's Grandeur" and Oth er Poems, Mineo la: Dover, 1995, 18s):
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Manuscrito do séc . XIII com o fim do Inferno e o começo do Purgató rio da Divina Comédia de Dante Alighe ri e pintura deste mesmo .
"Glória a Deus pelas coisas manchadas - , pelos céus de cores emparelhadas como vacas malhadas, pelas manchas rosadas pintalgando trutas que nadam , pelas castanhas caídas cor-de-brasa , pelas asas do ten tilhão; pela terra repartida e quadriculada - pasto, pousio e arada - , e todos os ofícios, suas engrenagens e roldanas e enfeites. Todas as coisas contrárias, originais, avulsas, estranhas; tudo o que é instável, sardento (quem sabe como?), rápido , lento; doce , azedo; brilhante, obscuro; Ele as gera Cuja beleza não muda: louvai -O".
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16. Apotegmas e regras monásticas
S. Bento de Núrcia, Hans Meml ing (1430 -1494 ), Galle ri a degl i Uffizi, Florença.
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----------------------------------, Com o fi m das perseguições romanas aos cr istãos, o Crist ianis mo teve que busca r caminhos alte rnat ivos à santida de que não passassem pelo "martírio vermelho" ou "de sangue". Surge, neste co ntexto e de um modo cronológico e de cresce nte sociabilização com unitária, o eremiti smo, o cenobitismo e, depois, o monast icismo, de onde pro liferam os textos de apotegmas e de regras monásticas .
Já por seu lado, as regras monásticas - de onde posteriorme nte surgirão as dema is regras, ou co nsti t uições, de ordens e cong regações religiosas poste riores à Idade Média - tê m uma out ra par ticu lar idade .
Fique -se aqu i, e como mero exemp lo ilust rat ivo, com um breve apo teg ma (NICO DEMOS O HAGIORITA - The Philokalia, ed. G.E. H. PALMER; Kallistos Timoth y WARE, vol. 4. London: Faber and Faber, 2010, 292).
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Feit a a breve apresentação destes géneros lit erários, pode -se referenciar os seguintes exemplos característ icos dos mesmos: História Lausíaca de Paládio da Galácia (ca. 363 -ca . 425), em que este auto r discorre sobre a vida dos prime iros monges cris tãos no Egipt o; Regro de São Bento, atrib uída a Bent o de Núrsia (ca. 480 -ca . 547) e que é a norma da Ordem Benedit ina; Regro Latino, atribuída a Bernardo de Claraval (1090-1153) e Hugo de Payens (ca. 1070- ca. 1136) que, inspirada em textos de Agostin ho de Hipona e na Regro de São Bento, foi o código de con duta dos Templários.
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Primeiras palavras do texto grego da História Lausiaca de Paládio da Galácia e capa de uma recente edição inglesa desta obra .
"Um dia pergu ntou-se 00 abade Agatão: «O que é melhor: a ascese corporal ou a vigília int erior?». Este respondeu: «Os homens assemelham -se às árvores; o trabalho corpo ral é a folhagem e a vigília da mente é o fruto: ora, todas as árvo res que não dão fru to - está escrito - serão decepadas e atiradas ao fogo . É evidente que toda a nossa preocupação deve centra r-se nos frutos; isto é, guardar o nosso espírito. Todavia, também t emos necessidade da sombra e da beleza da folhagem, que represen tam a ascese co rporal»".
Educaçào ivioral e Religiosa Cat ólica
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17. A Ilteratur monástica
Tentação de Cristo na Montanha , Duc cio di Buoninsegna (ativo entre 1270 e 1319), Frick Colle ction , Nova York.
Já se viu que os apotegmas e as regras monásticas são alguns dos mais antigos e importantes textos do género liter ário monástico. Todavia, este é muito mais amplo .
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Efetivamente, a vida monástica crist ã, originalmente insp irada também nos quare nta dias que Jesus Cristo passou no deserto após o Seu Baptismo, comporta um conjunto de particularidades que, na sua especificidade e geralmente, não se aprendem fora da vida monástica ou, pelo menos, longe de um contacto próximo com ela. Daqui decorreu que se te nha discern ido ser da máxima conven iência cuidar de instruir quem se sentiu chamado à mesma e: ou quis passar e vivê-Ia, ou, então, já a vive. De facto, e de modo particular devido à sua refer ida natureza, relativamente alheia à vivência comum, houve sempre pessoas que se sentiram fascina das por tal esti lo de vida e pelos eventuais "segredos " espirituais que ele eventua lmente comportaria. Deste modo , e serv indo-se deste interesse nat ural, diversos autores escreveram sobre a mesma de modo a também passarem a mensagem cristã, sob a perspetiva monástica, como fonte de realização dos mais verdade iros desejos humanos. Numa lista de obras clássicas característ icas deste género de espiritualidade, pode -se fazer referência: à Escada 00 Paraíso do monge João Clímaco (ca. 525-606), onde se fi xaram ensinamentos práti cos que ajudam aqueles que se dispõem a peregrinar para Deus no conte xto da vida cenobítica; a Corto óurea do cisterciense dos Países Baixos Guilherme de Saint-Thierry (ca. 10n-ca. 1148), em que, juntamente com a apresentação de uma tr ipart ida descrição da vida espiritual , se faz um elogio da vida dos monges Cartu xos; e, por fim, Sementes de contemplação, do monge trap ista norte-americano Thomas Merton (1915-1968), que apresenta considerações espirituais pensadas para aque las pessoas que, vivendo no meio do Mundo, anseiam por uma int ensa vida espiritual contemplativa, idealment e característica da vida monástica. Para ilustrar, com uma breve citação, este género lit erário, pode -se transcrever algumas frases da primeira das obras referidas anteriormente (JOÃO CUMACO - Scala paradisi, 1, 21 , in PG 88, 640C-641A) .
SEMENCES /) Ii CONTEMPLATION
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Capa de uma edição franc esa de Sementes de contemplação de Thomas Merton e ima gem deste último.
"Algumas pessoas que vivem despreoc upadamente no mundo têm-me dito: «Nós te mos esposas e esta mos cheios de cuidados soc iais, donde co mo é que podemos levar uma vida monást ica?». Eu respondi-lh es: «Façam todo o bem que puderem; não fale m mal de ninguém ; não roubem a ning uém; não mint am para ninguém; não seja m arrogantes para quem quer que seja; não odeie m a ningu ém; não f alt em aos serviços divinos ; sejam compassivos para com os necessit ados; não ofendam a ninguém ; não destruam a fe licidade domést ica de outro homem , e esteja contente com o que vossas própri as esposas vos pude rem dar. Se vocês se co mport arem dessa fo rma, voc ês . não esta rão longe de ser o Reino dos Céus»".
Educação Mor-al e Religiosa Catoiica
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18. A literatura pastoral
o Bom Pastor, Frei Carlos ( t
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1540), Museu Nac iona l de Arte Ant iga.
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Na Igreja Católica existe um conjunto muito diversificado de distintas vocações, algumas das quais especificamente pastorais. Isto é, de pessoas encarregues de, na linha de Jesus Bom- Pastor (ver Jo . 10,1 -30), acompan har e conduzir, de um modo coordenado com o Papa e em colaboração com a ac ão do Espírit o Santo que ta mbém os guia, o Povo de Deus. Para ajudar à for mação - t radicionalment e centrada nos ministr os ordena dos (diáconos, padres e bispos) destas pessoas, surgiu, bem cedo na história do Crist ianismo, o género lit erário pastora l.
A estes livros deu-se sempre uma imensa impo rtância ao longo da existê ncia da Igreja. Com efeito, do mesmo modo que ninguém nasce cristão, também ninguém , por maior que seja a vocação que possua para os ministérios pastorais, nasce ensinado. Desse modo, todos preci sam de ser instruídos e ajudados na aquisição, e na atualização, das competências necessárias para o exercício desses ministérios. E isto, de modo a que a sua vida, e consequente ati vidade, seja uma verdadeira transparência do Deus-Amor revelado, de modo insuperável, em Jesus Cristo . De entre os grandes textos característicos deste género literário pode -se elencar : a Regra pastoral do Papa Gregório Magno (ca. 540 -604) , em que se fala: das dificu ldades do encargo pastoral; de como se deve viver santamente esse encargo; de como se dir igir a distintos perfis de pessoas; e, por fim, de com o é importante ter consciência das próprias fraquezas ; Tratado sobre o sacerdócio do sacerdote espanhol Juan de Ávila (1500-1569), que é um compêndio dos seus ensinamentos sobre o labor sacerdotal, por ele comunicados, aos mais variados sacerdo tes , de modo a que pudessem ser usados , por ele mesmo ou outras pessoas , em função de distintas circunstâncias; O ofício sacerdotal do cardeal norte-americano Avery Dulles (1918-2008), obra na qual se reúnem cinco palestras pensadas para, a partir dos ensinamentos da Igreja e de diversos teólogos seus contemporâneos, lograrem uma clarificação acerca do pape l sacerdotal; e, por fim, O Curador ferido do sacerdote holandês Henri Nouwen (1932-1996), text o no qual se sustenta que apenas um pastor consciente das suas feridas pode empatizar com aqueles a quem está chamado vocaciona lmente a sarar.
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Capa de O ofício sace rdota l de Ave ry Dulles e imagem deste autor.
Deixa-se aqui uma pequena citação deste último livro acabado de mencionar (Henri NOUWEN The Wounded Healer: Ministry in Contemporary Society. New York: Doubleday, 1972,41).
"Através da compaixão é poss ível reconhecer que o desej o de amo r que as pessoas sentem também reside nos nossos próprios corações, que a crueldade que o mundo conhece mu ito bem também está enraizada nos nossos próprios impulsos . Através da compa ixão também sentimos a nossa esperança no perdão expresso nos olhos dos nossos amigos e o nosso ód io nas suas bocas amargas. Quando eles matam, nós sabemos que poderíam os ter feito isso; quando eles dão vida, sabemos que podemos fazer o mesmo. Para uma pessoa compassiva nada de humano é estranho: nem a alegria nem a tristeza, nenhuma maneira de viver nem nenhuma maneira de morrer".
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Educação !vior a! e Religiosa Católica
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19. A literatura homilética
Padre António Vieira, sacer dote jesuíta, fi lóso fo e esc ritor por t uguês (1608- 1697), vulto ext rao rdinário da cult ura portuguesa, aqui retr at ado a pregar no Brasil.
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A pregação é uma parte funda mental da vida Crist ã. Do próprio Jesus Cristo é dito que, após a Sua ressu rreição, disse aos seus discípulos: «ide pelo mundo int eiro, proclamai o Evangelho o todo o criaturo» (Mc. 14,1 5). Em fidelidade a este mandato de Jesus, os cris tãos primit ivos entre garam-se a disti ntos discur sos anunciadores da Sua pessoa e mensagem (ver, por exemplo, At. 2,14-3 6). Ao longo dos tempo s, esta literatura adquiriu rosto s muito diversos - desde a homiléti ca moralizant e dos povos pagãos à hom ilét ica experi encial da época coeva, passando pela homilét ica exegética nos cenár ios onde o prote sta nt ismo se ia alicerçando - , mas pode -se dizer que a mesma é formada por textos com carac terísticas assaz com uns, que formam toda uma, propriamente cristã, literat ura homilética (palavra que vem de um termo que significa "comuni cação verb al").
Do elenco dos grandes predicadores cristãos pode -se fazer referên cia: ao ciste rciense f rancês Bernardo de Claraval (1090-1153) e aos seus oitenta e três Sermões acerco do Cântico dos Cânticos; ao jesuíta português António Vieira (1608-1697) e aos seus mais de duzent os sermões, em especi al o Sermõ o de Santo An tónio aos Peixes onde denuncia a imo ralidad e dos habitan tes da cidade de São Luís do Maranhão - e ao Sermõo da Sexagésima - autê nt ica exposição acerca de como realizar bon s sermões -; e, por fim, ao sacerdote fran cês, da Eparquia greco -católica de Beirut e, Jea n Corbo n (1924-2001) e às suas homil ias domi nicais reunidas na obra Isto chama-se o Aurora.
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Como testemunho de um texto homilético, transcreve-se aqui algumas palavras de um dos sermões do padre António Vieira.
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Fim do 48 0 ser mão e início do 49 0 sermão de Bern ard o de Claraval sobre o C6nt ico dos C6nticos e pintura do seu autor.
"Vós, diz Cristo , Senhor nosso, falando com os pregadores, sois o sal da terra: e chama-lhes sal da terra, porque quer que façam na terra o que faz o sal. O efeito do sal é impedir a co rrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que têm ofício de sal , qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção? Ou é porque o sal não salga, ou porque a terra se não deixa salgar. Ou é po rque o sal não salga , e os pregadores não pregam a verdadeira doutrina; ou porque a terra se não deixa salgar e os ouvintes, sendo verdadeira a doutrina que lhes dão, a não querem receber. Ou é porque o sal não salga, e os pregadores dizem uma cousa e fazem outra; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes querem antes imitar o que eles fazem, que fazer o que dizem. Ou é porque o sal não salga , e os pregadores se pregam a si e não a Cristo; ou porque a terra se não deixa salgar, e os ouvintes, em vez de servir a Cristo , se rvem a seus apetites. Não é tudo isto verdade? Ainda ma!!".
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20. A literatura missionária
Desenho da missão Jesu íta e seu pomar, em Chaco , na Am ér ica do Sul. Padre Florian Paucke. Encon t ra- se no most eiro de Zwettl , Áustria.
Não há dúvida que as palavras de Jesus Cristo moldaram o que a Sua Igreja foi, é e quer ser, na sua travessia pela história, como meio de levar, a todos, o conhecimento d'Aque le e da Sua suprema revelação do Deus-Amor. Mas para isso, a Igreja necess ita de anunciar Jesus a quem não O conhece ou conhe ce-O mal. Para ajudar à realização desta sua missão, surgiu o género lit erário missionário.
Com efeito, aqueles crentes que - quer em zonas que nunca conheceram a Jesus, quer em locais em que Ele j á foi anunciado - vivem de modo mais intenso a vocação miss ioná ria de toda a Igrej a, não precisam de estar, por si sós, a encon t rar soluções para as questões e problemas que, recorrentemente, surgem na realização dessa vocação. Em concreto e por exemp lo: quais os limites na adoção das culturas locais? Como estruturar a ligação entre uma nova comunidade e as comun idades circundantes? Como apresentar o Evangelho face às tradições religio sas e (ou) filosóficas das populações que estão a ser evangelizadas? Com efeito, mu itas respostas a estas int errogações já foram encontradas e testadas no decurso da longa história do Cristian ismo.
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A Arte Cristã
------------------------------- -- -, De entre todos os grandes textos característicos desde género literário, pode -se referir: Procurando o salvação dos índios, do jesuíta espanhol José de Acosta (1539-1600), em que se debate a teologia e as metodologias mais apropriadas para a missionação cristã; Missões modernos e cultura: suas relações mútuos, do pastor alemão Gustav Warneck (1834-1910), acerca das implicações cu lturais na missionação global por parte do Cristianismo; enfim , o decreto Ad gentes do II Concílio do Vaticano que, em 1965, reflete sobre a natureza da atividade missionária da Igreja. Deixe-se aqui, como ilustração deste género literário, algumas palavras do mencionado decreto do II Concílio do Vaticano (Igreja Católica: II Concílio do Vaticano - Decreto Ad gentes, 2, in AAS 58 (1966), 948). D E PIl .O MVL<?ANDO
EV ANG ELIO
"A Igreja peregrina é, por sua natureza, missionária, visto que tem a sua origem, segundo o desígnio de Deus Pai, na «missão» do Filho e do Espírito Santo.
À'P V D ,B A R B A R O S: ' .
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DE 'PROCVR ANDA IndQ[um(aJurc. Lib~i (c~.1 .
lA""'" 10 1&1110 A C O ITA . I I 1'.
Este des ígnio brota do «amor fontal» , isto é , da caridade de Deus Pai, que, sendo o Princ ípio sem Princ ípio de quem é gerado o Filho e de quem procede o Espírito Santo pelo Filho, quis derram ar e não cess a de derra ma r ainda a bondade divi na, criando-nos livremente pel a sua extraordinária e miserico rdiosa benignidade, e depois chamando-nos gratuita men te a partilhar da sua própria vida e glória. Quis ser, ass im, não só criado r de todas as coisas mas também «t udo em t odas as co isas» (1Cor. 75,28),conseguindo simultaneamente a sua gló ria ea nossa felic idade. Aprouve, porém, a Deus chamar os home ns a esta participação na sua vida , não só de modo individual e sem qualquer solidariedade mútua, mas constituindo-os num Povo em que os seus filhos , que estavam dispersos , se congregassem em unidade".
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E.~ITIQ . N 'OVl.S~u.iA.
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S~ptibcs LAVRENTIJ ANtSS ON. M. DC" . LXX.
Capa de rosto de um dos volumes de uma edição do séc. XVII de Procurando a salvação dos índios de José de Acosta e imagem do seu autor num selo postal espanhol do séc. XX.
21. A literatura tratadística A fé cristã, apesar de ser aque la que melhor responde às aspirações mais profundas do ser humano, encontra, em cada época, resistên cias que criam dúvidas acerca da sua veracidade. Este facto leva a que se tenha que continuamente tentar clarificar a mesma, para que a fé em Cristo Jesus, e no Deus-Amor por Si revelado, con firme as suas afirmações e pretensões. Deste modo, para a formação dos crentes cristãos, e particu larmente daqueles a quem a sua vocação leva a estudos avançados em determinadas áreas da teologia, o Cristianismo adotou o género literário tratadístico. Apesar disto poder conter o perigo de generalizações, que podem ignorar aspetos mais particu lares que não se ajustem a uma análise que se deseja global, este género lite rário, em última análise e quase semp re baseado em est udos anteriores, responde a uma profunda aspiração do ser humano . A saber: a est rut uração, unific ação e condensação de con hecimentos, tornados desse modo mais fac ilmente acess íveis e coesos . Apoteose de São Tomás de Aquino, Francisco de Zurbaran (1598-1664), Museo de Bellas Artes , Sevilha.
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Numa list a de algumas ob ras emblemáticas deste género, é importante me nciona r: a Exposição correto da fé ortodoxa, do monge sírio João Damasceno (ca. 675-749), na q ual se faz, com refe rência à Bíblia e às decisões conciliares , uma síntese da teologia dogmática dos Pad res da Igreja, ao red or de qua t ro t emas: Deus; a cr iação; a Incarn ação e salvação; os sac ramentos e a vida f utu ra; a Suma teológica do f rade dom inica no ita liano To más de Aquino (1225-1274), pe nsada para, segu indo de perto o esquema do trata do anterio r, ser uma obra de inst rução , para os estudantes de t eologia, acerca das mais importa ntes afirmações da Igreja Católica; e, por f im, Teologia espiritual, do dom inicano norte-americano Jorda n Au mann (1916-2007), obra em que são apresentados os mais releva ntes temas relac ionados com a parte da teologia que, justamen te, se dedica ao estudo da vida espirit ual. Como exemp lo ilustrati vo de um te xto deste géne ro, aq ui ficam algumas frases da Suma Teológica de Tomás de Aquino (TOMÁS DE AQUINO - Summa theologica, 1-lIae, q . 64, a. 4)
"Artigo 4. Será que as virtudes teologais observam o pri ncípio da moderação? Objeção 1. Parece que as virtudes teologais devem obse rvar o princ ípio da moderação, pois se o bem das outras virtudes cons iste na sua obse rvação de tal princíp io e como as virtudes teologais superam as demais no que concerne à bondade, muito mais as virtudes teologais devem observar a moderação. [...] Capa de uma edição contemporânea em grego de Exposição correcta da fé ort odoxa, de João Damasceno e ícone repr esentando o seu aut or.
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Eu repondo: Deus em Si mesmo é a regra e a medida das virtudes teologais, pois a nossa fé é medida pela verdade divina ; a nossa caridade pela Sua bondade; a nossa esperança pela grandeza do Seu poder e fiel ternura. A Sua verdade , poder, bondade e ternura superam qualquer medida concebida pela razão e pelo poder humanos, donde nunca poderemos ama r a Deus como Ele deve ser amado , nem esperar ou confiar em Deus como deveríamos , muito menos pode existir um qua lque r excesso nisso. Oeste modo , o bem de tais virtudes não consiste numa moderação, mas aume nta à medida que nos aproximamos mais do cume das mesmas".
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22. A literatura penitencial
São João Nepomuce no ouvindo a confi ssão da Rainha da Boémia, Giuseppe Maria Crespi (1665-1747l, Galleria Sabauda, Torino.
Fruto da aguda consciência de ser uma cr iatura sempre responsável pelos seus atos face a Deus, ao próximo e à Criação e, sobretudo, devedora do desbordante amor de Deus, o ser humano, dentro da t radição religiosa juda ico -cristã , desenvolveu um conjunto de est ratégias de verba lização dessas mesmas realidades . E isto, de modo a não só aprofundar ta l verba lização, mas, ainda, alimentar as disposições espirituais mais propícias à cura do seu desamor. É deste cen ário que, particularmente a partir do surgir do acompanhamento espiritua l pesso al e da confissão privada, nasce um dos mais característicos géneros lit erários cristãos: o penitencial.
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No f undo, os t ext os penitenciais eram instrumentos que desejavam facilitar, nomeadament e jun to dos clérigos e das populações menos instruídas, uma uniformização de conhecimentos peculiares acerca do que a vida cristã compo rtava . E isto, mediante o veicularem estratégias espiri t uais de nat ureza medicina l que, tendo sempre em consideração a vocação e o progresso espiritual de cada um, ajudasse m a compreender que para cada vício espiritual - que afasta de Deus, dos outros e da verdade acerca de cad a um -, se opun ha uma virt ude oposta, que aproxima d'Aquele, dos dem ais e da autentici dad e pessoa l. De entre os mais célebres text os penitenciais pode-se fazer menção: ao Penitencial de Finnian, atribuído ao monge irlandês Finnian de Clonar d (ca. 469-549), em que, neste prim eiro texto deste género redigido no Ocidente, se busca , não só formar os sacerdo tes, mas ainda remediar os hábitos pecaminosos e estimular a crença no Deus bíblico junto dos demais fiéis; o Livro de as confissões do sacerdote espanhol Martín Pérez (?-?), obra que, escrita em 1316, apresenta um compêndio de informações que o seu autor considerava importante que fossem conhecidas pelos confessores; e, enfim, o Breve directório para o confessor e o penitente do jesuíta espa nhol Juan de Polanco (1517-1576), texto em que se fornece, particularmente aos demais membros da Companhia de Jesus, um conjunto de orientações para o mais fecundo exercício do ministério da reco nciliação sacramental. Ilustre-se este género literário com umas breves frases do mencionado livro de Martín Pérez (MARTrN PÉREZ - Ellivro de las confesiones, 1. Madrid : BAC, 2002,13). . I
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Folha de rosto de uma das primeiras edições de Breve directório para o confessor e o penitente de Juan de Palanco (não há imagem conhecida do autor).
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"Quando alguém vier a ti novamen te à con fissão, quero dizer que nunca se confessou a ti, pergunta-lhe há quanto tempo se confessou, depois pergun ta- lhe [...] se está a consciência tranquila e sossegada com ela mesma, e se disser que não, se lhe remorde a consciência por não se haver confessado bem , ou se já não se recorda bem de como passou entretanto, confessasse-se outra vez de tudo. E [oo.] averigua tu se ocorre alguma das circunstâncias que justificam que se confesse novamente o confessado, [por exemplo] se o pecador diz que nessa primeira confissão não tinha a noção de ter cometido algum pecado mortal , ou de alguns deles ou de todos".
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23. A literatura ficcional
o com bate de Gandalf com Balro g, O Senhor dos Anéis, ilustração da obra de Tolkien inspirad a no filme do mes mo nome.
Nada no Crist ianismo, religião assente na vida hist órica d'Aquele que disse ser a Verdade (ver Jo. 14,6), é uma ficção. Não obstante, e tendo o género literário f iccional começado a ser divulgado e lido abundantemente na soc iedade moderna e contemporânea, não foram poucos os autores cristãos que, servindo-se desse género e usando muita ou pouca term inologia crist ã, procuraram passar mensagens e valores especificamente cristãos através de obras de ficção cristãs .
Mais do que obras, visivelmen te cris tãs - que muitos dos nossos contemporâneos podem não querer ler, devido a preconceitos face ao Cristianismo e (ou) à Igreja - este género literário logrou, muita s das vezes sem que os seus leitores se apercebessem disso , continuar a passar uma comp reensão da realidade assente na redenção amorosa operada por Jesus Cristo . Apresentando situa ções , enredos e indivíduos (por vezes não-humanos) face aos quais os leitores, por processos de comparação, sentem at rac ão ou reje ição , estes textos, em últ ima análise, apontam para aquela história que, apesar de oculta aos olhos de muito s, é a mais importante e mais aut êntica de todas: a história de amor entre Deus e a humanidade.
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Da já vasta lista de obras do género ficcional crist ão pode-se fazer menção: ao Auto da Barca do Inferno, do português Gil Vicente (ca. 1465-1536), em que diversas personagens típicas do tecido social da época, colocadas numa situação pós -morte, surgem para denunciar atitudes e ações indignas dos genuínos crist ãos, e, assim, apelarem a uma conversão de vida ; Por detrá s do Vento do Norte, do pastor escocês George MacDonald (1824-1905), que, sob o horizont e de reflexão acerca da meta e da fina lidade da existência, retrata as avent uras de um jovem que, apesar de não pertencer tot alment e a este Mundo, passa a sua vida a ajudar os demais; penu lti mamente, O Senhor dos Anéis , do professor univers itário inglês J.R.R. Tolkien (1892-1973), o qual, por detrás de uma epopeia fantástica de um conjunto de amigos em busca do local onde poderá ser destruído um anel com imenso Capa de uma das ediçõ es or iginais em inglês de Por detrá s do Vento do Norte . de George MacDonald e poder, represent a a missão de uma personagem que, como Jesus, carfoto do autor. rega sobre si o peso do mal para o derrotar, se necessário pela doação amorosa da própria vida, a partir de dentro; e, enf im, O poder e a glária do escritor inglês Graham Greene (1904-1991), onde se ret rata as vicissitudes de um sacerdote católico que, persegu ido num estado mexicano que tentava suprimir a Igreja Catól ica, tenta preservar a sua fi delidade àqueles que lhe estavam confiados e fugir ao martírio. Para exemplificar este género lit erário, deixam-se, em cont inuação, umas breves frases ret iradas de O poder e a gló ria de Graham Greene (Gra ham GR EENE - The Power And The Glory. London: Random House, 2010, 169s).
U[O padre] interrompeu ab ruptamente a mulher: «Por que não t e confessas devida mente? Não estou interessado na t ua reserva de peixes ou co mo do rmes à noite ... recorda-t e dos t eus verdadeiros pecados».
«Mas eu sou uma boa mulh er», gemeu-lhe ela com admiração. «Então o que é que estás a fazer aqui, afastando as más pessoas? ». Ele continuou: «Tens algum amo r por quem que r que seja além de t i mes rna?». «Eu amo a Deus, pad re», disse ela com altivez. Então ele olhou-a rapidamente à luz da vela que ardia no chão - os duros e velhos olhos como uvas-passas sob o xaile negro -: outra vez os piedosos - como ele mesmo. «Como é que sabes? Amar a Deus não é diferent e de amar um homem, ou uma criança. É quere r esta r com Ele, esta r j unto a Ele». O padre fez um gesto desprovido de esperança com as mãos e disse: «É querer protege -Lo de ti»".
Agora, talvez queiras reler ou conhecer:
C.S. Lewis - O leão, a bruxa e o armário. Christ ian Bobin - Ressuscitar. Francisco X. Stork - Marcelo no Mu ndo Real. G.K. Chesterton - Os Melhores Contos do Padre Brown . Georges Bema nos - Diário de um Pároco de Alde ia. J.R.R. Tolkien - O Senhor dos Anéis. Madeleine LEngle - Atalho no Tempo. Olivier Mat honat - O amor tem um nome: cartas a um jovem que procura Deus . Paul Claudel - A Anu nc iação a Maria . Walter M. Miller J r. - Um Cântico a Leibowitz.
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Religião e arte: Palavra de Manoel de Oliveira no encontro de Bento XVI com o mundo da cultura Antes de mais quero agradecer este muito honroso convite para pronunciar, neste encontro, umas simples e breves palavras. Principiarei por dizer-vos ter pensado que as éticas, se não também mesmo as artes, seriam derivadas das religiões que procuram dar uma explicação da existência do ser humano face à sua inserção concreta no cosmos. Universo e homem, criações dum ser transcendente, colocam-nos problemas inquietantes para cuja solução "o Verbo, que se fez carne" em Cristo, nos trouxe insuperáveis graças divinas . As Artes desde os primórdios sempre estiveram estreitamente ligadas às religiões e o cristianismo foi pródigo em expressões artísticas depois da passagem de Cristo pela terra e até aos dias de hoje. Sou um homem do cinema, do cinema que é a sétima das artes, logo a mais recente de todas as expressões artísticas, pois não tem mais que um século, enquanto outras terão milénios. Em dois dos meus filmes, figurava um Anjo . No "Acto da Primavera", baseado em um auto popular, da família dos chamados Mistérios ainda no século XVI. Este figurava a Paixão de Cristo, projeto que realizei em 1962, e onde a figura de um Anjo fazia parte do próprio contexto religioso desse Aut o. No outro filme, "Cristóvão Colombo - O Enigma, realizado já em 2007, o Anjo não constava do contexto da história do livro em que me baseei. No entanto, pareceu-me bem introduzir o Anjo da Guarda, aqui o da nação portuguesa, como prévia configuração do Destino, tantas vezes adverso e tantas outras favorável às ações humanas, como aconteceu nessa feliz viagem do navegador que, pela primeira vez, encontrou as ilhas americanas de Antilhas . Isto levou-me a repensar as figuras dos Anjos fora e dentro das Igrejas, parecendo-me conotadas com prefigurações dos espíritos. Ora se os espíritos são um só, então temos nele a natureza de Deus. Considerando, porém, a religião e a arte, ambas se me afiguram, ainda que de um modo distinto é certo, intimamente voltadas para o homem e o universo, para a condiçã o humana e a natureza Divina. E nisto não residirá a memória e a saudade do Paraíso perdido, de que nos fala a Bíblia, tesouro inesgotável da nossa cultura europeia? Acossados pelas especulações da razão, sempre se levantam terríveis dúvidas e descrenças, a que se procura opor a fé do Evangelho que remove montanhas. E os seres humanos caminham na esperança, apesar de todos os negativismos. Como diz o padre António Vieira: «Terrível palavra é o "Non", por qualquer lado que o tomeis é sempre Non... », terminando por lembrar que o "Non" tira a Esperança que é a última coisa que a natureza deixou ao homem.
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Se as artes nada mais aspiram a ser que um refle xo das coisas e açõe s vivas dos procedimentos e sentimentos humanos do universo real ou em fantasias imaginadas , pode aceitar-se o que um realizador mexican o, Artur Ripstein, class if icou dum modo magnífico e surpreendente o cinema com o sendo o espe lho da vida. E é-o de facto. Não querendo alongar-me mais, aproveito a circunstância para, como pertencente à família cristã , de cujos valores comungo, e que são as raízes da nação portuguesa e a de toda a Europa, quer queiramos ou não, sauda r com profunda veneração sua Santidade, o Papa Bento XVI em visita ao nosso País e rogar filialmente que nos deixe a Sua bênção.
Manoe l de Oliveira, Centr o Cultura l de Belém, Lisboa, 12.5.2010, na f oto cumprime nta o Papa Bento XVI, na presença de Tolenti no de Mendo nça.
Obra de Pedro Calapez, baseada no desenho que decora a Port a da Basílica da Santíssima Trindade, Fátima e que foi o cená rio do Encontro do Papa Bento XVI com os Artistas, Centro Cultural de Belém, 12 de maio de 2010. I
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Presépio , Graça Cost a Cabral (1939 -2016), Centro de Arte Moderna, Funda ção Calouste Gulbenki an, Lisboa.
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Relação, tensão e diálogo
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É multissecular a relação da Igreja com os artistas, não obs tante essa ligação não esteja esvaziada de tensões. Fora sempre assim, mesmo antes de o estatuto social do artista ter rad icalmente mudado com a cons ciência moderna que se f irma a par t ir do Renasc imento. Mais ainda , é a partir da Revolução Francesa que se assis te a um apa rente divórcio entre os artistas e a Igreja, deixando aque les de precisar da f igura até aí indispensável do ico nógrafo, isto é, do progra mador da obra a criar. O estatuto socia l do pintor, do esculto r e do arquiteto levou a que estes profiss ionais quisessem mostrar uma libe rdade tota l na criação que acentuou a imp ressão de a Igrej a e os artistas não consegu irem diálogo. Uma análise cuidada, verif icará que, mesmo nos momentos mais laicizantes das sociedades ocidentais, os artistas nunca deixaram de ser chamados para produzirem obra para a igreja , servindo os propósitos que derivam da primeira era cristã : evocar e invocar Deus t ambém atra vés da arte. Cont udo, a arte contemporânea exploro u fo rmulários que só tardia mente ent rarão na Igreja e alguns deles difici lmente conseguirão trad uzir as linguagens do culto e da cultura religiosos . Conscie nte de que os séculos XIX e XX haviam sido, nos mais diversos campos, e também no da arte, tempos de difícil diálogo entre a Igreja e a modernidade, o Concílio Vaticano II, que tem como objet ivo geral aproximar a linguagem da Igreja da linguagem do tempo concreto que a humanidade vive, esforça-se por restabe lecer essa ligação através de uma mensagem dirigida aos artis tas (poetas e let rados, pintores, escultores, arquitetos, músicos, homens do teat ro, cineastas) . A mensagem sublinha que arte , quando autên tica, e Igrej a não pode m separar-se e recorda : «Desde há muito que a Igreja se aliou convosco. Vós tendes edificado e decorado os seus templos, celebrado os seus dogmas, enriquecido a sua Liturgia. Tendes ajudado a Igreja a traduzir a sua divina mensagem na linguagem das formas e das figuras , a tornar perceptível o mundo invisível». Advogando que «a Igreja tem necessidade» dos artistas, a Igreja do Concílio pede «guardiões da beleza no mundo» para que a aliança não seja quebrada: «o mundo em que vivemos tem necessidade de beleza para não cair no desespero. A beleza, como a verdade, é a que traz alegria ao coração dos homens, é este fruto precioso que resiste ao passar do tempo, que une as gerações e as faz comungar na admiração. E isto por vossas mãos» (Mensagem do Concílio aos artistas , 1965). Depois deste discurso em ambiente conciliar, são célebres as intervenções de João Paulo II aos artistas, nomeadamente a que escreve, em carta que lhes dirige no contexto do ano jub ilar da encarnação, em 1999, precisamente datada do dia de Páscoa: João Paulo II escreve, assim, «a todos aqueles que apaixonadamente procuram novas "epifanias" da beleza para oferecê-Ias ao mundo como criação artística» e edifica o discurso em 16 pontos que dissertam, a t ít ulo de exemplo, sobre «O artista, imagem de Deus Criador», «A vocação especial do artista», «A vocação artística ao serviço da beleza », «O artista e o bem comum». Para além de fazer uma breve história da arte, o papa assume que a Igreja precisa da arte e inte rroga-se se a formulação inversa é válida, conclu indo que, de facto , a arte te nta dar respos ta a muitas das ques tões que estão ent re as mais íntimas preocupações da Igrej a. Ao preconizar um «caminho dum
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renovado diálogo», João Paulo II lança um «apelo aos artistas», convidando-os «a descobrir a profundeza da dimensão espiritual e religiosa que sempre caracterizou a arte nas suas formas expressivas mais nobres»: «a cada um queria recordar que a aliança que sempre vigorou entre Evangelho e arte, independentemente das exigências funcionais, implica o convite a penetrar, pela intu ição criativa, no mistério de Deus encarnado e contemporaneamente no mis tério do homem» (Corto do Popa João Paulo II aos Artistas, 1999). Dirigindo-se de forma especia l aos «artistas da palavra escrita e oral, do teatro e da música , das artes plást icas e das mais modernas tecnologias de comunicação», o Papa coloca diante dos criadores o seguinte objetivo: «afirma r com a riqueza da vossa gen ialidade que , em Cristo, o mundo está redimido». E mostra como os artistas fazem parte da dialét ica que há de manifestar essa remissão: «está redimido o homem, está redimido o corpo humano, está redimida a criação inteira, da qual S. Paulo escreveu que "aguarda ansiosa a revela ção dos filhos de Deus " (Rm 8,19). Aguarda a revelação dos filhos de Deus, também através da arte e na arte. Esta é a vossa tarefa. Em contacto com as obras de arte, a humanidade de todos os tempos também a de hoje - espera ser iluminada acerca do próprio caminho e destino». É com muita clareza que a Igreja, através do próprio romano pontífice, dec lara estar disponível para aceitar a arte que fa la de Deus e que fa la do homem, dissipando essa tensão que desde sempre existira na forma de artisticamente " dizer Deus".
Em 2010, o sucessor de João Paulo II, na visita pasto ral que faz a Portugal reúne-se com os cria dores do mundo da cultura e fala precisamente dessa tensão : «de facto, a cultura reflete hoje uma "tensão", que por vezes toma formas de "conf lit o" , entre o presente e a tradição» (Discurso de Bento XVI 00 mundo do cultura, Lisboa, 12.5.2010). Assumindo todo o caminho que no tempo pós -conciliar a Igreja trilhou , Bento XVI lembra a palavra já dos anos 60, década da grande ref lexão cu ltural ope rada no mundo ocidental : «A Igreja - escrevia o Papa Paulo VI - deve entrar em diá logo com o mundo em que vive. A Igreja faz-se palavra, a Igreja torna -se mensagem, a Igreja faz-se diálogo» (idem, o discurso traz à colação uma expressão da Encíclica Ecclesiam suam, n.O67). Acentuando de uma forma muito clara que a verdade e a beleza são substantivos que se exigem mutuamente, Bento XVI alude ao diálogo como plataforma de entendimento, consciente de que, «constatada a diversidade cultural, é preciso fazer com que as pessoas não só ace item a existência da cultura do outro, mas asp irem também a receber um enriquecimento da mesma e a dar-lhe aquilo que se possui de bem , de verdade e de beleza» (Bent o XVI, Lisboa , 12.5.2010). No f inal do seu discurso, o Papa, perante um auditório repleto de artistas, tipifica o grande objet ivo que pretende ir à revelia do que alguns autores já haviam notado, condenando a progressiva "desuma nização da arte" (José Ortega y Gasset, 1925):
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As tentaçõ es de Santo Antão , Emília Nadai (1938). Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
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«Caros amigos, a Igreja sente como sua missã o prioritária, na cultura atu al, manter desperta a busca da verdade e, co nsequentemente, de Deus; levar as pessoas a olharem para além das coisas penúltimas e po rem -se à procura das últimas. Convido-vos a aprofundar o conhecimento de Deus tal como Ele Se revelou em J esus Cristo para a n ossa total realização». As sua s últimas palavras redim ensionam a ques tão da arte à questão da beleza do ser humano, ali lançadas como verdade iro repto: «Fazei coisas belas, mas sob retudo tornai as vossas vidas lugares de beleza»
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Conclusão
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Almornes, Montes Queimados, João Hogan (1914-1988). Centro de Arte Moderna , Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa .
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I Há quem diga que partir de um ponto A e chegar a um ponto B por caminhos distintos é indiferente. Todavia isso não é verdade. É evidente que acabar-se-a por chegar ao mesmo local, mas indo -se por um caminho, ou por outro, chegar-se-a lá distinto. Na realidade, aquele que segue por um dado caminho é transformado por este mesmo caminho. Agora que este livro está a terminar - e recorde-se que um livro lido nunca acaba, sendo que as suas últimas palavras são apenas o local onde o seu texto termina -, quem com ele contactou, ao longo de um mais ou menos longo tempo, estará , certamente, diferente. Diferente, quer em relação a quem era antes de o começar a ler, quer em relação àqueles que não o t iveram nem nas mãos, nem ante os olhos do rosto , nem, sobretudo e como diz São Paulo, ante os «olhos do coração » (Ef 1,18).
Com efeito, este livro foi pensado para formar um caminho através de diversos temas relacionados com a Arte Cristã, mas sem que, quem o seguisse, se sentisse emparedado nesses mesmos temas. Desejou-se, pelo contrário, que se experienciasse a olhar para largos e vastos horizontes rasgados por tantos e tantos outros nossos irmãos na fé que foram e são artistas - esses hábeis fiadores da inspiração que aprofunda o amor. Ou seja: desejou-se que quem viajasse por este livro pudesse vislumbrar, sob a forma de apelos a que quisesse passar por lá, outros tantos temas que poderiam ter sido referidos: desde as mais distintas formas de Arte popular religiosa (como os presépios e os ex-votos) ao teatro, passando pelo cinema , a fotografia, etc.. Quem tiver seguido o caminho que é este livro, a antes mencionada Arte terá podido entrar na sua vida e, mais importante ainda, passado a fazer parte da mesma. Já o modo como a vida de cada leitor terá sido transformada é outra coisa. No mais íntimo de todos nós existe o desejo de que tudo nas nossas vidas seja rigorosamente lógico, mas isso é desconhecer algo de fundamentaI. A saber: sendo o amor a base de tudo o que existe, e sendo esse mesmo amor um contínuo abrir de janelas para uma novidade sempre imprevisível que revigora os compromissos passados em cada momento presente, as nossas vidas estão sempre um passo mais além de toda a lógica fria. A vida, de facto, não é uma simples equação que deva ser solucionada . Ela é uma complexa oferta de amor do Deus-Amor (cf. Jo . 4,8.16) para ser desfrutada como dádiva e construída como encargo.
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Daqui surge uma constatação evidente: um qualquer processo vital , sustido e alimentado por tal amor que nos é continuamente oferecido por Deus, não pode ser conhecido parando -se esse processo. Isso seria destruir não só este último, como a própria possibilidade de se o conhecer. Ou seja, essa tentativa de conhecimento deve mover-se juntamente com o processo vital que pretende ponderar. Nisto, a Arte tem um papel absolutamente único para conhecermos o mais importante dos nossos processos vitais: o das nossas próprias vidas. Por outras palavras: a Arte é um dos mais fecundos modos de conhecermos o que é a vida verdadeira . De facto, se a vida autêntica é um viver na Vida de Deus, o contactarmos, ao longo das nossas vidas, com o esplendor da Beleza do Deus Vivo (cf. Jr. 10,10) especialmente expresso na Arte, é uma das mais aptas formas de aprendermos a viver do modo mais digno.
Oliveiras Milcentenárias, Nadir Afonso, (1920-2013). Centro de Arte Moderna , Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
Portuguese Still Life, Sonia Coleção Privada, © Alamy/AIC
Delaunay,
(1885-1979)
Virgen con el Niiio, Bartolomé Esteban Murillo. (1617-1682) Museu Nacional de Bellas Artes, Chile, Santiago de Chile.
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A Arte Cristã
Mas o que é o antes referido "esplendor da Beleza divina"? Trata-se, nada mais, nada menos, da visibilidade, sensível e espiritual , do Amor que Deus é, t al como vemos numa Cruz que mostra que a beleza verdadeira não é apenas a dos dias agradáve is, mas a de um agir amoroso que nasce, é guiado e orientado ao próprio amor. Nos nossos dias, a Arte, não poucas vezes e para grande desgosto de um Deus-Amor que é o maior Artista, deformou-se, e desfigura-se, a ponto de não ser reconhecível como Arte genuína. Ela tornou -se uma arte deteriorada, aborrecida e escurecida, pois confundida, no meio da nossa sociedade de consumo, com os demais produtos pensados para serem comprados, usados e deitados fora . Este facto é uma alegria para o nosso egoísmo, que sempre quer colocar o, mais fáci l e rápido , possuir e destruir à frente do, mais custoso e lento, oferecer e construir. Todavia, ele é, ao mesmo tempo, uma infeliz asfi xia para aquela nossa vida verdadeira antes mencionada, levando, desse modo, a que se «entristeclal o Espírito Santo de Deus» (Ef. 4,30) que nada mais quer que vivamos e vivamos na plenitude do amor. Dito isto, o se continuar a buscar a Beleza no meio daquilo que a poderia comunicar, mas, infelizmente, apenas a mascara, é um claro sinal que todos nós somos feitos para vivermos nessa e dessa Beleza. Se o nosso Mundo tem posto para trás das costas a verdade e o bem, a realidade é que - muitas vezes sem o saber, nem sabendo, mais t ristemente ainda, onde a encontrar - ainda permanece fortemente sensível à, e ansioso pela, beleza que poderá espelhar a Beleza divina. Aquela beleza que na Arte e, de modo especia l, numa Arte cristã , que brota de uma fé que só ela ousou dizer «eis o Homem » (Jo. 19,5) diante do qual somos meros esboços de humanidade, encontra um trampolim para uma Beleza salvífica que faz vibrar, palpitar e frutificar a nossa vida. Isto deve-se ao facto de que a aspiração por tal beleza, sempre inseparável do Amor verdadeiro, é das realidades mais difíceis de destruir, pois tal aspiração tece o que nós somos no mais profundo de nós mesmos. Claro que a aspiração pela verdade e o bem também entretecem o nosso coração . Contudo, estas duas realidades exigem o reto exercício, tantas vezes entorpecido, do nosso entendimento e da nossa vontade. Já a beleza , essa, é percecionada pelos nossos sent idos, corporais e espirituais, inclusive aquém e além do entendimento e da vontade. A beleza não se explica nem analisa a bisturi ou a régua e esquadro . Ela intui-se - além de toda a lógica que não seja a lógica do amor, que ta ntas vezes parece ilógica aos olhos do nosso egoísmo - por aqueles sent idos que a levam até ao coração. t justamente por isso que, se os gostos não se discutem, precisam, não obstante, de ser educados para que aqueles sentidos encontrem e apreciem a verdade ira Art e. Aquela Arte que, como este livro tentou most rar de difere ntes formas, na Arte cristã ating iu, e ati nge, a sua máxima expressão, não menos porque foi em Jesus Cristo, manifestação corporalmente plena (cf. Cal. 2,9) da Beleza divina, que Deus e a
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Humanidade se uniram num abraço inseparável. Um abraço coroado por um eterno beijo selado numa Páscoa de amor que, como celebramos em todas as Eucarist ias, revela tot almente o tudo da Beleza do Amor ressuscitado no fragmento do Amor da Beleza cruci ficada . Umas linhas aci ma foi dito que Deus é "o maior Artista". Mas será que alguma vez j á parámos para pensar e, mais import ant e ainda, rezarmos sobre isso? Provave lmente não. Como este livro focou-se na Arte Cristã, t alvez seja oportuno deixar aqu i algumas questões que nos ajudem a ref letir e orar sob re esse facto. Sendo ass im, o qu e é que cada um de nós pode dizer, do fundo do seu cora ção a iluminar a sua razão, acerca de Deus ser: I) o Arquiteto que cr iou o Universo como um belíssimo templo material para, com encanto e espanto, vivermos e cre scermos em adoração e agradecimento até podermos viver por amor e com amor no Templo que é Ele mes mo (cf Hb. 11,3.10; Jo . 2,19ss)? II) o Escultor que molda adm iravelmente a nossa existê ncia sob , e sobre as nossas decisões livres, até podermos ser e amar como um Jesus que é o modelo da nossa humanidade (cf /5. 64,8; Gn. 1,26)? III) o Autor, não só, juntamente com aqueles a quem inspirou, da grande biblioteca a que chamamos "Bíblia", mas, também com a nossa colaboração, da história de amor entre Si e nós e que é gravada, com ternura amorosa, no nosso coração (cf. 2Cor. 3,3; 2Pd. 1,20s)? IV) o Músico que canta e dança entusiasticamente com regozijo sem pre que ace itámos que, de pois do nosso pecado, Ele nos perdoe co m amo r miseri cordioso (cf. Sof. 3,17)?
S. Francisco Prega às Aves, Giotto di Bondone, (1267-1337). Basílica Superior de S. Francisco de Assis , Assis, It ália.
Agora que já se pôde ficar a conhecer e a amar um pouco melhor o Deus-Amor, ao conhe cermos algumas das Sua face tas susce tíveis de serem adjetivadas como artísticas, podemos tentar ir um pouco mais longe. Na realidade, Deus não revela nada acerca de Si mesmo que não tenha, de um ou de outro modo, implicações para o que nós somos enquanto seres humanos . Assim sendo , conhe cendo Deus como o maior Artista também pode ser ocasião privilegiada para divisarmos melhor o que é, e como criar a Arte que, brotando do amor, expressa a beleza verdadeira. Aquela beleza que dá a viver a Beleza e, assim, nos ajuda a viver de uma forma mais autêntica, livre e feliz.
Crianças na Praia, Valencia, Joaqu im Sorolla , (1863- 1923), coleção privada.
Educação ivloral e Religiosa Catól ica
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Com efeito, se somos criados à imagem semelhante de Deus (cf. Gn. 1,26s), estamos igualmente chamados a ponde rar e orar o que aquelas facetas do Deus-Amor implicam para as nossas pessoas. Por out ras palavras: a ponderar e orar o apreço que devemos ter, e expressar, por uma Art e cr iadora de beleza até que, porventura , nos tornemos artistas, quanto mais não seja, e em colaboração com o Espírito Santo, das nossas vidas. E ist o até sermos, em Jesus, bem -avent urad os ou, o que é quase sinónimo, supremamente belos aos olhos de Deus. Se assim não for, est aremos a incorrer na falha de quem ignora que não bas ta ser crente, mas t ambém é prec iso ser credível diante de quem pergunt a as «razões da nossa espe rança» (1Pd. 3,15). Perante esta cont est ação, ta lvez possa ser de ajuda colocar- nos ante mais algumas questões que poderão pautar a nossa refleção e oração: I) serei capaz de valorizar, sem ansiedade, as distintas ocasiões que tiver para expressar os meus dons artísticos, de modo a tradu zir, por tal expressão, o excessivo amor divino (cf. Rm. 5,20) que está na base de toda a beleza da Arte genuína que aponta para uma Beleza de Deus (cf. Sol. 27,4) que é o Seu amor a ser vislumb rado?
II) como estimo que poderei desenvolver, ao longo da minha vida , o apreço pela verdade ira Arte , e a Arte cristã em particular, como forma de, não só de crescer como pessoa à «imagem [de Cristo] , de glória em glóri a» (2Cor. 3,28), mas, igual e inseparavelment e, louvar a Deus e ajudá-Lo a const ruir o Reino? III) que cuidados poderei te r para não me deixar influe nciar pelo que de degradante e espir itua lmente tóxico pode haver em falsas expressões de arte , que, em vez de serem como escadas para Deus e para poder viver na linha das bem-avent uranças (cf. Mt. 5,3-11) que me fazem ainda mais belo aos Seus olhos, me encerram no meu egoísmo?
Amadeu de Sousa Cardoso, Ent rada, Centro de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.
IV) como acredito que pode rei tornar-me sábio (cf. Tg. 1,5) a nível dos meus gostos artísticos, de forma a crescer espiritua lmente através de uma relação com a Arte , e a Arte Cristã em particular, que me abra o coração: para a intuição espiritual e não para a irracionalidade que leva ao progressivo desperdício do sentido do sagrado; para o comprometi mento e não para a hipervalorização do egocentrismo que faz dos sentidos uma soma de véus espessos; para a grat uidade e não para a banalidade que impede de ver Deus presente em t udo o que é belo, verdadeiro e bom?
Estamos a chegar ao fim das palavras deste livro, todavia, caro leito r, já sabes: estas não são o seu término, mas apenas algo como o bilhete para poderes ir, com mais ent usiasmo, à mais bela história em que alguma vez poderás participar. A saber : a da tua relação de amor, por um lado, com o Deus que é a suprema Beleza e, por outro lado e envolto e penetrado de alegria e de fe licidade pela intimidade com Deus que supera tudo, com todos os demais com quem te cr uzares ao longo da tua vida. O desafio está lançado.
Vamos a isso?
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A Arte Cristã
Je veux aller courir parm i le monde,
Eu desejo ir co rrer pelo mundo ,
Ou je vivrai comme un enfan t perdu ,
Onde viverei com o um miúdo perdido,
J 'ai pris I'humeur d'une âme vagabonde
Eu adquiri o ân imo de alguém vagabundo
Aprês avoir tout mon bien dépend u.
Depo is de todos meus bens t er repar t ido.
Ce m'est tout un que je vive ou je meu re,
Tudo é- me igua l, qu e viva ou que faleça ,
II me suffit que l'Amour me demeu re.
Bast a-me que o Amor em mim permaneça .
Allons , Amo ur, au plu s f ort de I'orage,
Vamos , Amor, ao auge do fu racão ,
Que I'océan renverse tout sur moi.
Que o ocea no t udo revire aqui.
J 'aime bien mie ux me perdre avec courage
Prefiro perde r-me com determinaçã o
En Te suivant, que me per dre sans toi.
Seguind o-te, do que perder-me sem t i.
Ce m'est t out un que j e vive ou je meure,
Tudo é- me igual, qu e viva ou qu e fale ça,
II me suffit que l'Am our me deme ure.
Basta-me que o Amor em mim pe rmaneça .
Je ne veux plus qu'imiter la folie
Não desej o mais do que imitar a insensatez,
De ce Jésus, qui sur la Croix un jour,
Desse Jesu s, que na Cruz erguido no ar,
Pour son plaisi r, pe rdit honneu r et vie ,
Para sua alegria, pe rdeu vida e honradez
Délaissant t out pou r sauve r son Amou r.
Deixando tudo para o seu Amor salvar.
Ce m'est tout un que je vive ou je meu re,
Tudo é-me igual , que viva ou que f aleça,
II me suffit que l'Amour me demeu re.
Basta -me que o Amor em mim permaneça. Jean-J oseph Surin, "Canti ques spirit ue ls de I'amour divin"
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A Arte Cristã
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Fachada branca, muito luminosa que, embora prescinda do elemento cruciforme, impõe a sua marca de sacralidade na paisagem, provavelmente pela ambiência muito depurada e quase monástica .
Os dois corpos verticais, salientes, que formam as duas torres, evocam as torres das antigas igrejas . O templo segue, de facto, a tradição aquitetónica das igrejas mais antigas, que não prescindiam de duas torres e, bem assim, da sua função de campanário para que as horas humanas fossem timbradas pelo tempo de Deus.
Igreja de Santa Maria. Álvaro Siza Vieira, 1996. Marco de Canaveses.
O elemento porta é, retoricamente, um dos mais expressivos da fachada da igreja. A sua proporção colossal não deixa dúvidas de que é o elemento fundamental para caracterizar o templo, não só do ponto de vista formal, como, sobretudo, espiritual. A força plástica da porta reside na palavra do próprio Cristo que se autointitula de porta (Jo 10,9).
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Do lado aberto de Cristo na Cruz, brota sangue e água: este caudal, que para os Padres antigos era prefiguração da Eucaristia e do Batismo, é um rio que é recolhido pela silhueta do cálice (símbolo da Igreja), mas que vai para além deste vaso, ultrapassando as próprias fronteiras da Igreja ao ponto de irrigar as periferias.
Simultaneidade da silhueta do cálice e da hóstia com a representação figurativa do calvário: sobreposição do mistério da Eucaristia com o mistério do Calvário.
No monte do Calvário dos primeiros anos da era cristã inscreve-se a figuração do "Guernica", de Pablo Picasso, que alude à Guerra Civil Espanhola (advento da Segunda Guerra Mundial): no momento do Calvário estão presentes todos os dramas da história humana e nesta continua o Calvário de Cristo.
o Mistério do Cruz (página relativo à Sexto-Feira Santa do Evangeliário). João Marcos, 2015. Secretariado Nacional de Liturgia .
Santo Agostinho não é representado pela figura de um homem vestido de bispo, mas antes pela cadeira - a cátedra - que é símbolo do seu ministério episcopal.
A cadeira tem sobre o assento os livros do santo doutor da Igreja e no espaldar a mitra que é símbolo do múnus de bispo.
o livro
que se encontra no cimo dos restantes encontra-se aberto e tem inscrito «tocaste-me e abrasei-me no desejo da Tua paz», uma das frases mais célebres de Santo Agostinho.
o recurso ao signo
linguístico (inscrição de palavras) auxilia à compreensão da obra.
Mestre da Beleza tão antiga e tão nova. Irene Vilar, 2004. Museu do Santuário de Fátima .
Aos pés da cadeira, rasgados, estão os rolos com o nome dos seguidores das heresias que Agostinho, com o seu estudo, combateu.
Educ ac ào i'/iora l e Relig iosa Católica
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