EMRC_12_UL10_Amor e sexualidade

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Queridos Alunas e Alunos Est imadas Famílias Caros Docentes com grande alegria que vos entrega mos os manuais de Educação Moral e Religiosa Católica , que foram preparados para lecionar o novo Programa da disciplina, na sua edição de 2014. O que aqui encont rareis procura ajudar, cada um dos alunos e das alunas que fr equentam a disciplina, a «posicionar-se, pessoalmente, f rente ao fenómeno religioso e agir com respon sabilidade e coerência», tal como a Conferência Episcopal Portuguesa def iniu como grande f inalidade da discip lina". Para tal, realizou-se um extenso tra balho que pretende, de forma pedagogicamente adequada e cientif icamente significa tiva, contri buir com seriedade para a educaç ão integral das crianças e dos jovens do nosso País. É

Est a tar efa, realizada sob a superior orientaçã o da Conferência Episcopal Port uguesa, a responsabilidade da Comissão Episcopa l da Educaçã o Cristã e Dout rina da Fé e a dedicação permanente do Secretaria do Nacional da Educação Cristã, envolveu uma extensa e motivada equipa de tr abalho. Queremos, pois, agradecer aos auto res dos textos e aos art istas que elaboraram a montagem dos mesmos, pelo seu entusiasmo permanente e pela qualidade do result ado f inal. Também referimos, com apreço e gratidão, os docentes que experimenta ram e comentaram os manuais, ainda durante a sua execução, e o contributo insubst it uível dos Secret ariados Diocesanos respons áveis pela disciplina na Igreja local. E a todos os docentes de Educação Moral e Religiosa Católica, não só ent regamos estes indispensáveis inst rumentos pedagógicos como aproveitamos est a feliz ocasião para subli nhar a relevância do seu fundamental papel, nas escolas e na fo rmação das suas alunas e dos seus alunos, e testemunhamos o nosso reconhecimento pelo seu ext enso compromisso past oral na sociedade port uguesa. Do mesmo modo, esta mos agradecidos às Famílias, porque desejam o melhor para os seus filhos e filha s e, nesse contexto, escolhem a disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica como um import ant e cont ribut o para a formação e o desenvolvimento pleno e feliz dos seus jovens. Os jovens confor mam o nosso futuro comum e o empenho sério na sua educação é sempre uma garanti a de uma sociedade mais bondosa, mais bela e mais j ust a. Finalmente, queridas crianças e quer idos joven s, a Igrej a quer ir ao vosso encontro, est ar convosco, ajudar-vos a viver bem e, nesse senti do, colaborar com o esforço de const rução de um mundo melhor a que sois chamados, enraizados e firmes (cf. Cal 2, 7) na propost a de vida que Jesu s Cristo tem para cada um de vós. E esse o hor izonte de vida, de missão e de fut uro, a const ruir convos co, que nos propomos realizar com a disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica. Em nome da Conferência Episcopal Port uguesa e no nosso próprio, saudamos todas as alunas e todos os alunos de Educação Moral e Religiosa Católica de Port ugal com alegria e esperança, Comissão Episcopal da Educação Cristã e Doutrina da Fé Lisboa, 19 de março de 2015, Solenidade de S. José, Esposo da Virgem Maria e Padroeiro da Igreja Universal

• Conferência Episcopal Portuguesa. (2006), Educação Moral e Religiosa Católico - Um valioso contributo poroo formocõo do personalidade, n. 6.

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. . . mor e Sexualidade


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Educação I.lara l e Religiosa Cató lica

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Cara AllLlrrua~ Carro A~urno Frequentar o Ensino Secundário e matriculares-te em Educação Moral e Religiosa Catól ica , diz alguma co isa sobre ti ... Talvez tu não te nhas a certeza do que diz, talvez te nham sido os teus amigos a desaf iar-te - e ainda bem - ou por que o prof essor ou a professora é alguém que t u aprecias, o que é excele nte , ou ... e nada disto se exclui, esco lheste EMRC porque tens vont ade de pensar, de di scu t ir, de constru ir novas ideias sob re alguns temas que parecem ser imp ortan tes... ou int eressantes ... ou, tu lá sabes ' Nós estamos aqui par a isso. Propomos-t e um caminho, um Cami nho que podes organizar em conj unt o c om o teu prof essor ou profe ssora, passando pelas seguintes dez eta pas: UL 1 Política, Ética e Religião; UL 2 - Valores e Ética Cristã; UL 3 - Ética e Economia; UL 4 - A Civilização do Amor; UL 5 - A Religião como Modo de Habitar e Transformar o Mundo; UL 6 - Um Sentido para a Vida ; UL 7 - Ciência e Religião; UL 8 - A Comunidade dos Crentes em Cristo ; UL 9 - A Arte Cristã e UL 10 - Amor e Sexualidade. Provavelmente, já tens aulas de EMRC há alguns anos, mas tam bém podes ter aca bado de chega r... Em qualquer dos casos , se deres uma vista de olhos no Progr am a da disciplina, f icas a saber que fizemos todo este t rabalho tendo uma grande FInalidade em vista: ajudar os alunos, ajudar-te a ti. a "Aprender a posicionar-se, pessoalmente , frente ao fenómeno religioso e agir com responsabilidade e coerência". A parti r desta primeira página do te u manual , ou mel hor, de ca da um dos íascrculos. que. no todo. co nsti tue m o manual de EMRC do Ensino Secu ndá rio . pod íamos começar já a explicar-te tudo isso. Mas não. Tu. em conj unto com os teus am igos. os teus colegas e com a aj uda dos teus profes sores, é que vais enco ntrar essa explicação, m uitas das explicações que te fazem falt a, que queres e que proc uras. Depois, t alvez qu eiras part ilhá-Ias com os outros amigos e - quem sabe? - em tu a casa, com a tu a fa mília. E quand o for a hora certa, vais te r de com eçar a fa zer algumas esco lhas, daquelas que têm mesmo imp or tância para o resto da tua vida. O ens ino sec undá rio tem, por isso, uma im porta nte compo nente vocacional, cont ribuindo para que def inas quem é qu e tu queres ser e o qu e é qu e qu eres fazer com a tua vida . Nessa altu ra, espera mos que estes manuais, com os seus tex tos. as suas Imagen s. as suas vozes , as suas suges tões e as suas "Janelas" sobre a realidade pró xima e long ínqua, te possam ajuda r. Ent retanto, deix amos a palavra mais import ant e para qu em sabe mesmo dizer Isto, os artistas. Fica connosco, fica com a poesia . fica bem : EMRC é para ti e para te ajudar a escolheres um futu ro de beleza, de bond ade e de Justiça, uma VIda boa e feliz !

Escuto Escuto mas não sei Se o que oiço é silêncio Ou Deus Escuto sem sab er se estou ouvindo O ressoar das pla nícies do vazio Ou a consc iência atenta Que nos co nfi ns do uni verso Me decifra e f ita Apenas sei que cam inho como quem t: olhado amado e conhecido E por isso em cada ges to ponho Soierudade e risco

Sophia de Mell o Breyner Andresen Obra Poé tico I, 1992, Lisboa, Círculo de Leitores. Geogra fia , 200 4 , Lisboa, Editoria l Caminho, p.30 .

Com votos de um ótimo trabalho, agradecemos a tua confiança! A equipa de Auto res

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Educação li. tora! e Religiosa Católica

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Amo r e sexuali dade

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1. O q ue é a sexu ali dade?

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1.1. A sexualidade humana é mult i-d imensional 1.2. A dimensão biológica da sexualidade 1.3. A dimensão psicológica da sexualidade 1.4. A dimensão social e cultural da sexualidade 1.5. A dimensão ética da sexualidade 1.6. As tradições religiosas oferecem uma leitura do comporta mento sexual e da sexualidade 1.7. Pode exist ir uma moral sexual? necessária? Em que consistiria?

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2.2. Componente genit. a 2.3. Componente erót ica

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na procura da felicidade 3.2. Você disse «f idelidade»?'

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-- - -amorosa, - - - afetiva/e -- -mocional - - - ---- - - - - - 23 ,-23- - -2.1 . -Componente I

2. A especific idade da sexual idade humana

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- - - - - - - -- - - - - -- - - - - - - - 25 r -27- - -3.1 . -Considerar a abst inência sexual como uma aliada

3. A quest ão essencial da maturidade e da responsabilidade perante o ato sexual: a integração da sexualidade num projeto vit al

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4. A possibi lidade de separação do pra zer, do amor e da f ina lidade procriativa

r -- -- - - - - - - - - -- - - - - -- - - --- 30 4.1. A dificuldad e de amar e de se comprom eter

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4.2. O difíc il proj eto da fidelidade 4.3. A escolha procriativa: a responsabilidade e os desafios sociais 4.4. O hedonismo

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5.1.1 . Uma perspetiva egoísta da sexualidade 5.1.2. Como satisfação do desejo 5.1 .3. Outras formas egoíst as e imaturas de viver a sexualidade 5.2. Causas do empobrecimento da sexualidade 5.2.1. Imat uridade psicológica 5.2.2. Baixa autoest ima e deficiente autoconceito 5.2.3. Pressão social e ausência de reflexão autón oma 5.2.4. Desejo de agradar e de ser aceite

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6.2. A novidade do amor 6.3. «A imagem do homem» (Deus caritas est 11). 6.4. Viver o amor humano na perspet iva cristã 6.4.1. A aliança com Deus ou a opção fundamental do cristão 6.4.2. O que é o Amor? 6.5. Para uma ética cristã da sexualidade 6.5.1 . O ser humano é uma unidade de «corpo e alma» 6.5.2. Amar é ent regar a sua vida pelo out ro 6.5.3. O amor é uma única realidade 6.5.4. O mat rimónio monogãmico é o ícone do relacionamen to de Deus com o seu povo 6.5.5. A grandeza da liberdade humana 6.5.6. E Deus faz-m e falta para amar? 6.5.7. Resumindo, a sexualidade entend ida pela revelação bíblica

r -34- - -5.1. -O risco -- da- desumanização - - ---- - - ------- - - - da sexualidade humana

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5. Formas de perceber a sexualidade que atentam contra a d ignidade da pessoa fiurnana I

- - - - --- - - - - - - - - - - - - - - 36 r -37- - -6.1 . -A lei do amor

6. A novidade da me nsagem bíb lica e a cos movis ão cri st ã sob re o am or

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7. A pr ob lemát ica da erot iza ção da sociedade e a influên cia que esta tem nas esco lhas pesso ais

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7.1. Conse~uênc;;'sda ~rotiz;çã o d~ soci;dade-na co;;"pree~são - do que é a sexualidade 7.2. A sexualidade vista como negócio , consumo, entret enimento, jogo, sem conexão com a relação pessoal 7.3. A degradação da pessoa pela sexualidade

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- - - -- - - - - -- - - - - - - - - - - 57 , -58- - - - 8.1 . O enamorame nto

8. O amor é sem pre f ecun do

8.2. O namoro 8.3. O casamento 8.4. A importãncia da família para a pessoa e a sociedade 8.5. O celibato

- - - - - - -- - - - - - - - - - - - - -61 r-62- - -9.1. -A paternid ade e a maternidade responsáveis

9. Para uma ét ic a da vida

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A Força Invencível do Amor,

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Bib liografia

9.2. O uso de contracet ivos 9.3. A recusa do aborto


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Amor e Sexualidade

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"A relação entre amor e sexualidade constitui uma evidência afirmada, ao longo de séculos, pelas culturas, o que significa aceitar que a sexualidade humana só encontra expressão com sentido na experiência do amor e que é um dinamismo de amor. Esta é a perspetiva base da visão cr istã do homem e da mulher." Policarpo. O. José, Catequese do Cardeal Patriarca no 2.0 Domingoda Quaresmo. «Amor e Sexualidade», Sé Pat riarcal de Lisboa, 24 de feverei ro de 2002.

Mas nas últ imas décadas , uma perspeti va ut ilita rista ' do comporta mento humano quest iona est a afirmação, propondo como válida uma expressão da sexualidade desligada do amor.

10 utilitarismo prescreve a ecao de forma a otrrruzar o bem- estar

Ed;Jcacão r tora l e Religiosa Católica

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"A Igrej a é c ontinu am ente inter pel ad a pa ra ac eitar ab o rda gens f uncio na is da se xua lidade, ma s ela não pod e rege r-se, nest a matér ia, po r v isões cu lturais ou socio lógicas. A su a antropologia, ist o é, a sua do utrina acerca do ho me m , c on c ebi d o este como homem e mu lher, f undamenta-se na revel aç ão, ist o é, na verdade criaciona l do homem como projeto de Deus e nos é transm itida pela Sagrada Escritura e pela Tradição." Policarpo, O.José, Amor e Sexualidade.

TODAS AS CARTAS DE AMOR SÃO RID[CULAS Todas as cartas de amor são Ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem Ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor. Como as outras, Ridículas .

As cartas de amor, se há amor, Têm de ser

Ridículas. Mas . afinal,

56 as criaturas que nunca escreveram Cartas de amor

t:: que são Ridículas. Quem me dera no tempo em que escrevia Sem dar por isso Cartas de amor

Ridfculas. A verdade é que hoje As minhas memórias Dessas cartas de amor

I: que são Ridículas. (Todas as palavras esdrúxulas, Como os sentimentos esdrúxulos. São nat uralme nte

Ridfculas.l

Álvaro de Campos. in -Poemas· (Heterónimo de Fernando Pessoa)

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Amor e Sexual idade

Para o cristianismo, e como veremos mais adiante, é a visão revelada do ser humano que facult a o padrão de reflexão sobre a sexualidade humana. Esta exprime-se na natureza bissexuada do ser humano, isto é, na complementaridade do homem e da mulher, e encontra o seu sentido numa relação de amor. Todas as consequências que uma análise crist ã retira do que é a sexualidade humana e de como deve ser o agir sexual da pessoa partem de uma questão absoluta mente central, a lei do amor. Para os crist ãos, a união entre um homem e uma mulher deve ser a expressão de um amor que nasce das relações amorosas que as pessoas esta belecem ent re si, as quais têm a sua raiz na graça de Deus, Pai e criador.

a amor é um tema recorrente nas mais variadas expressões culturais da humanidade, em todos os tempos e em todas as geografias. Atr avés dessas expressões compreende-se como a vida humana está, em grande part e, centrada na experiência e na forma de amar: a poesia, a lit eratu ra, as belas art es, a arquitetura, o cinema, a música, celebram e analisam o amor, t anto sob o ponto de vista da at ração, proximidade e proj eto de vida entre duas pessoas, como nas diversas formas de entrega ao próximo.


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"No amor sobressaem duas realidades: a pessoa que ama e a realidade amada, a que poderíamos chamar o objeto do amor. O sujeito do amor é sempre a pessoa humana, no seu todo, com o espírito e com o corpo, com a inteligência e com o coração; o objeto amado podem ser realidades materiais: pode-se amar a natureza, um animal, uma obra de arte. Mas é quando a realidade amada é outra pessoa que o amor at inge a grandeza digna do home m, pois aí os sujeitos do amor podem ser, ao mesmo tempo, amantes e amados. O amor proporciona, então, o encontro profundo entre pessoas, a construção de uma intimidade, a alegria libertadora da comunhão. Mas quando alguém reduz outra pessoa a simples obje to amado, dá-se a degradação do próprio amor, porque a pessoa do outro é desejada ou possuída como objeto que gera algo de útil e agradável para o próprio: bem-estar, prazer, utilidade pelo que faz ou significa." Policarpo, D. José, Amor e Sexualidade.

Assim o ser humano fala de amor nas diversas situações do seu conviver com os out ros: amam- se os amigos. os pais e os f ilhos, ama-se um homem ou uma mulher, ama-se a Deus, e cada uma destas experiências de amor tem as suas caracte rístic as pró prias e expressões específ icas. A capacidade que o ser humano tem de amar é tã o exten sa, tão complexa e tão incl usiva que não se esgota numa única experiência de amor. Antes pelo contrário: uma experiênc ia de amor abre o co ração e a inte ligência a outr as experiên cias de amor, e a pessoa aprende a amar como modo e meta de vida. Para os crentes , o amor a Deus é o ponto de partida e de chegada, o modelo e a paut a para todas as outra s experiências de amor.

"Os jovens de hoje vivem numa época em que a sexualidade se libertou dos entraves de algumas décadas atrás. Dado que quase tudo o que gira em torno do sexo é abordado ou mostrado mais ou menos explicitamente, poder ia supo r-se que a sexualidade é exper imentada e vivida de forma mais descomplexada por parte dos jove ns. Porém, se a comu nicação mediática, por exemplo, se encontra saturada de referênc ias eróticas e sexuais, não é certo que essas mensagens correspondam às necessidades info rmativas e forma t ivas dos j ovens. De facto, a pesqu isa realizada mostra -nos que o mundo dos afetos e das sexualidades j uvenis é mais comp lexo do que à primeira vist a se poder ia supor. [oo .] Fala-se muito de sexualidad e juve nil. [oo .] Sendo certo que a sexualidade tem sido crescentemente mediatizada, t ambém se tornou

Educacao f foral e Religiosa Católica

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mais banalizada e, tendencialmente, mais desprovida de signif icado afet ivo. Aliás, quando se discute a saúde sexual reprodutiva, esquece-se , frequentemente, a dimensão dos afetos. Com efeito, entre alguns especialistas parece dominarojargão da«saúdereprodutiva»,uma preocupaçã o centrada na fecundação, na gestação e na matern idade. Os jovens podem carecer de informações básicas sobre a saúde sexual e reprodutiva, a começar, desde logo, no que respeita a doenças sexualmente transmitidas; mas também carecem, certamente, de entender a sexualidade como expr essão de sent imentos , afetos e amor." Machado Pais, J. Sexualidade e Afec tos Juven is. t rebce. tc s . 2012. pp. 231- 232.

E a t i, o que te parece relevante aprender sobre amor e sexu alidade?

"Se te amas a ti mesmo, amas todos os outros como a ti. Se amas o outro menos do que a ti mesmo, não consegues amar-te a ti. Mas se amas todos da mesma maneira, incluindo-te a ti , ama-los como sendo uma pessoa e essa pessoa é tanto Deus como o ser humano. Há grandeza e bem na pessoa que, amando-se a si, ama todos os outros igualmente." Mestre Eckhart

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1. O que é a sexualidade?

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Quando se fala de sexualidade, é necessário distinguir entre «sexualidade» e «sexo». Em 2006 a Organização Mundi al de Saúde def inia sexualidade como : "uma energia que nos motiva a procuror omor, cont acto, ternura, intimi dade; que se integ ra no modo com o nos sent imos , movemos, to camos e somos toca dos; é ser-se sensual e ao mesmo tempo sexual; inf luencia pensamentos, sent imentos, ações e interoções e, por isso, influencia tam bém a nossa saúde físic a e mental." A nossa sexualidade inc lui a nosso sexo biológico, os mecanismos reproduto res, a nossa experiência como homem ou como mulher, o prazer sensual e sexual, a iniciação e manutenç ão de relações humanas íntimas, a manifestação sexual ao longo do cicl o de vida, a prob lemát ica da expressão sexual e a capacidade para viver a sexualidade de um modo que seja construtivo e que não ponha em causa a saúde psicológica ou física. Iô formada tant o pelo pote ncial genéti co inato como por forças externas, t ais com o a educação, pois se muito s aspetos determinantes da nossa sexualidade em ergem do nosso eu biológico e psicológico, a sexualidade é sempre formatada pela interação com o meio externo e as suas forças.

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"A sexua lidade afeta todos os aspetos da p e s so a humana, na unida de d o s eu c orpo e da s ua alma. Diz respe ito particu larmente à afetividade, à capacid ade de amar e d e p rocriar, e, d e um modo m ais geral, à aptidão a criar laç os de comunhão com outrem ." Catecismo da Igreja Cat6lica, 23 32.

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"A sexualidade, de facto, é uma riqueza de toda a pessoa - corpo , sentimento e alma - e manifesta o seu significado íntimo ao levar a pessoa ao dom de si no amor." JOãOPaulo 11, Fomilioris consortio , 37.

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A sexualidade humana é, de facto, muito complexa, comporta ndo uma dimensão biológica (repro dução, controlo da fertilidade, nível de at ivacão e respost a sexual, crescimento e desenvolvimento, ciclos de mudança psicológica e aparência f ísica), uma dimensão ps icológica (emoções , experiências, auto-con ceito, mot ivação, expre ssivida de, at itu des de aprend izagem, com portam ento), uma dimensão socia l e cultural (família, vizinhança , pares, religião e cul to, escola, namo ro, ca sam ento, siste ma legal, hábit os e costumes, informação e ent rete nimento, publicidade e comunidade de pertença) e ainda uma dimensão ética (ideias, crenças religiosas, opi niões e açõe s morais e valores). Tendem os a hierarquizar estas dim ensões , talvez segundo uma organização lógica de complexidade cr escente, talvez de acordo com as nossas próprias preferênci as e a nossa conceç ão de pes soa humana . E, embora nalguns momentos esp ecífic os, determ inada dim ensã o possa prevalecer, todas elas, de facto, at uam de fo rma interat iva para nos dot ar, a cada um, da noss a própria sexualidade. Percebemos, po is, que:

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! 1.1. A sexualidade humana é multi-dimensional l

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"A sexualidade é um dos núcleos estruturantes e essenciais da personalidade humana, que não se reduz a alguns momentos e comportamentos, mas é, pelo contrário, um complexo que se integra no pleno e global desenvolvimento da pessoa. Tem uma dimensão biológica, evidente na diferenciação sexual, nos mecanismos indutores de prazer sexual e reprodu ção, no crescimento e nos ciclos de mudança e aparênc ia física . Tem, também, uma dimensão psico lógica, que se exprime no conjunto de emoções e sentimentos que proporciona, na sua evolução com a maturidade e a exper iência, na inf luência sobre a autoest ima, na variedade das suas expressões afetivas e no sentido em que propo rciona segurança e comunicab ilidade interpessoal. Nesta relação se situa a dimensão social da sexualidade, uma vez que os encontros e desencontros de uma relação contribuem para amadurecer, em cada homem ou mulher, dinamismos de doação, de entrega, de abertura aos outros e ao mundo". Conferênc ia Episcopal Portu guesa. Nota sobre a educa ção da sexualid ade, 1.

A sexuali dade humana é parte de to da a nossa per sonalidade, é- lhe t ransversal: t udo o que somos e t udo o que fazemos está , de form a mais próxima ou mais remo t a, assoc iad o à nos sa sexualidade, pois esta defin e-no s enqua nt o pesso a. Para o compreendermos preci samos de começar por entender q ue a "sexualidade " humana não se confunde nem lim ita ao "sexo", isto é, à ativid ade sexual, às relações sexuais. Ass im , pod emos dizer que a sexualidade diz respeit o à totalida de das nossas respost as f isicas, emocionai s e espirit uais , e à nossa capacid ade para pensar e senti r. A nossa sexualidade é mu ito mais sobre "quem somos' do que sobre ' 0 que fazemos ', embora uma vid a boa dependa, em muito, de nos t entarmos comportar à altu ra daqui lo que somo s.

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Amor e Sexualidade


- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - -- , 1.2. A dimensão biológica da sexualidade Do ponto de vista da dimensão biológica da sexualidade, a diferença sexual é um facto que se impõe pela série de caracter ísticas morfo lógicas que diferenciam o hom em e a mulher. Estas definem-se a três níveis dist intos : o sexo crornossórnico, resultado da fusão entre os gàrnetas paterno e mate rno; o sexo gonódico, resultante da formação das g ónodas, das vias e dos órgãos genitais externos; e o sexo hormona l, que se desenvolve a partir da puberdade e que produz a diferenciação dos ca ractere s sexuais secun dár ios. A este nível, o te rmo sexo tem, geralmente , dois significados . Em primeiro lugar, refere-s e ao efe ito do potencial genét ico em ter mos de características anatóm icas e de funções fisi ológicas, ao facto de cada pessoa ser um homem ou uma mulher. O termo sexo também se refere às relações sexuais ou ao co ntacto genita l entre duas pessoas. Embora não def inindo a sexua lidad e da pessoa , a dime nsão bio lógica proporciona ao comportamento sexual humano um "fundo vital ", gerado a parti r de pulsões biológic as. Depend endo do nosso sexo anatóm ico, segregamo s óvulos ou espe rmatozoides e, dess e modo, pode mo s fecundar ou gerar uma nova vida. Sendo a reprod ução um fenó meno necessár io dent ro do ciclo vital abr angendo tod as as espé cies vivas do planeta - sobrev ivência da espécie e das suas características - , a reprodu ção sexuada comporta um enorme enr iqueci ment o e variabilidade, uma vez que os gãmetas provêm de um par de ind ivíduos e combinam os seus cromossomas de m últ iplas formas, o que constitu i o nosso papel reprodutivo. O fu ncionamento sexual bio lógico das pessoas e a procriação hum ana não correspondem a acont ecimentos automát icos ou ins tint ivos, mas a processos responsavelmente regulados, depende nt es da vontade, controlados pela consc iênc ia, o que intro duziu na histó ria da sexualidade huma na questões como a regulaçã o da nat alidade, o uso de mét odos de controlo e a planifi ca ção familiar e demográf ica. Nos outros anima is, a sexualidade f unciona a partir dos reguladores do comportamento, que são os padrões fi xos de a ção, esquemas de c omportamento genet icamente determ inados que são des encadea dos perante um estímulo/s inal proven iente do me io.

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Mas a dimensão bio lógica da sexual ida de humana rece be sem pre a influência de out ros níveis de fu nc ion amento da personalid ade: o amor, a afet ividade, a te rn ura, os cu idados maternos... todo s eles am plamente "contam inados" por variáveis de ordem soci al e cultu ral. A perspetiva biológica da sexualidade tende, por vezes, a co nsiderar a sexualidade exclusivamente como f onte de prazer sensua l e físico que acompanha o co mport amento sexual humano. Não sendo , em exclu sivo, um mecanismo produtor de prazer, a sexualidade t ambém o é, assim como é uma fonte de bem -estar, que inc lui a cap acidade de gera r novas vida s. Mas, no ser humano, o prazer do amor implica prazer corporal, co munhão interpessoal, relaçã o íntima e profunda com o outro, int egrando a dimensão biológica no conjunto das potencialidades da personalidade e do seu equilíb rio d in~m ic o . Verifi camos, assi m, que a sexualidade biológica hum ana te m uma especific idade rica e própria, como último grau de uma evoluçã o animai que foi capaz de integrar acão e co nsciênc ia. Não depend endo inteiramente da força horm onal, que tem um pape l secundário na

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orientação e na realização do ato sexual, depende dos centros nervosos superiores e muito deve à criatividade e à imaginação, demonstrando uma grande plastic idade, o que demonstra a sua libertação face à rigidez dos inst intos.

1.3. A dimensão psicológica da sexualidade Entr e os seres humanos , a sexualidade serve para expressar emoções profundas, que constituem uma motivação psicológica para a vivênc ia da mesma. Serve t ambém para li gar, através de laços fortes, individuo s não relacionados pelo parentesco, e por períodos ext remamente longos, que podem at ingir o rest o das suas vidas, comprometendo-se um com o outro e cuidando-se mutua mente, o que constitui uma motivação social. Sob o ponto de vista da sua dimensão psicológica, a sexualidade não corr esponde, apenas, a uma necessi dade, mas é um desej o, um comportamen to vivencial, uma conduto humano. Est a dimensão intro duz "sentido" e "signif icado" na sexualidade, uma vez que a abre à relação, reveste-a de linguagem, encarna-a em símbo los, desenvolve uma dimensão celebrativa. Consoa nte a evolução etá ria, são observáveis várias etapas da sexualidade, ao longo do ciclo de vida, num ser que é sexual desde o nascimento até à mor te. O comportamento sexual é complexo e sensível, permeáve l aos confl itos psicológicos e soc iais e às divers as fases de t ensão que as pessoas devem enf rent ar ao longo do ciclo de vida. A qualidade e o equilíbrio da sexualidade e vida sexual de um j ovem ou adulto dependem muito da forma como a pessoa foi aco lhida, amada, orient ada e educada durante a sua infância e ado lescênci a e está intimamente associ ada à sua saúde ment al e ao nível de responsa bilidade moral que cons eguiu desenvolver.

a com port amento sexual pode ser problemático no senti do em que algumas pessoas preferem formas de expressão sexua l que conflituam com as normas socia lmente aprovadas ou, de um mod o mais ou menos volunt ário ou respons ável, apresent am um comportamento sexual que é mo lestador para si mesmo elou para as outras pessoas. Port ant o, a sexualidade, que t ant o enriquece a pessoa, t ambém apresenta riscos. Estes riscos não são só emocionais, como é o caso de uma atividade sexual precoce que conf lit ua com as necessidades de desenvolvimento psicológico da pessoa, mas também soc iais - uma mãe adolescente corre sérios riscos de abandonar os est udos e de cair na pobreza - e fisiológicos, pois muit as doenças graves são transmissíveis através do contacto sexual. A sexualidade humana é, por tudo o indicado , um fenómeno bio-psicológico de grande complexidade. Se a dimen são biológica fornece as bases da sexualidade - património genético, anatomia, fisi ologia, sistema hormonal - e, em conjunto, fornece o potencial necessário ao comport ament o sexual, a sexualidade humana necessita de muito mais e, para a apreciarmos com ju steza, devemos olhá-Ia com maior profu ndidade. Na interpretação ps icológica da sexualidade a matu ridade é uma questão decisiva, pois a sexualidade, para garantir a saúde e o equilíbrio pes soal, necessita de se integrar no núcle o pessoal como força constru t iva do Eu. Se esse nível de con struçã o for alcançado, a sexualidade assume o papel de uma força expressiva, como linguagem da pessoa, partin do de todas as suas possib ilidades simbólicas e celebrat ivas. A sexualidade também serve para comun icarmos mensagens sobre o nosso "eu", sobre quem amamo s e quem não amamos, o que constitui um tipo de moti vação tanto psico lógica co mo social. Possui, ainda, uma dimensão dialóg ica , isto é, no cam po psicológico existe um espaço f undament al de comunicação co m o outro, que tem um momento basilar na adolescência, aquando da descoberta do "outr o" heterossexual, a um nível vivencial e emocional. Esta descoberta leva o adoles cente a ver o outro revest ido de uma carga afet iva, evoluindo para uma etapa de descoberta do "tu" heterossexua l, em que o jovem sente a necess idade de descobrir o mistério da pessoa amada, de se lhe dar, de procurar um preenchimento mút uo. Finalmente, o enamora mento, feito de atracão, descobert a e diálogo, procura a fusã o (ato sexual) e a constr ução conjunta (fundação da fam ília).

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- - - - - - - -- - - - - - - - - - - - -- -- - - - - - -- - - - , Esta face da dimensão psico lógica most ra-nos como a sexualidade humana só atinge a sua diferenciação específ ica ao abrir-se ao outro: a sexualidade humana é, claramente, objeta l, isto é, vive-se plena e maduramente na relação com o outro . Uma sexualidade não objetal, de t ipo autoerótico e autop ossessivo, como é o caso da mast urbação , é sempre limitada e pote ncialmente def ormante. De facto, a sexualidade da pesso a humana torna-se, plenamente, um comportamento humano no momen to em que é, basic amente, comportamento dialogal. A sexualidade, pela sua nat ureza relacional, amadurece quando a pessoa desenvolve uma imagem de si mais positiva, o que envolve um melhor domínio das co mpetências sociais. Uma sexualid ade enquadrada e vivida com mat uridade promove sentimentos de bem- estar, satis fação, orgulho, segurança, tolerância e enco rajament o da exploração do próprio poten cial pessoa l. Mas as at itud es das pessoas sobre a sexualidade são negat ivas quando esta é reduzida a alguns mom entos e a alguns co mport amentos, quando se disto rce ou abusivamente simplifica a sua complexidade e import ância ou se a desinte gra do pleno e global desenvolvimento da personalidade humana. Em cons equênc ia, algo tão int rinsecamente belo e poder oso acarreta, fr equentemente, grande dor e miséria.

"Na nossa cultura [...] a at ividade sexual apresenta-se sob a forma de uma experiência conflituosa. Isto quer dizer, por exemplo, que quanto mais forte é a sua tendência para o objeto em que pode encontrar descanso, tanto mais ativas são as forças de rivalidade agressiva que se põem em movimento; quanto mais alto é o impulso para o gozo que se crê possível no encontro sexual, tanto mais int imamente se sentem as suas limitações; quanto mais desejada é a expansão pessoal e comunitária que pode produzir a sexualidade, tanto mais intenso o sentimento de solidão, por vezes de estranheza, que pode derivar dela; quanto mais ampla é a exigência de nos sentirmos presentes ent re os homens e no mundo, de uma forma tão profunda e t ão robusta como é a sexual, tão mais dolorosa resulta a perceção, continuamente palpitante, de que a morte pode, em qualquer momento, assinalar o seu fim . Não se abre, precisamente nesta situação conflituosa do viver sexual, um resquício por onde assomar-se essa indizível necess idade de transcendência? Se a sexualidade é, ta l como se nos apresenta, uma realidade t ão paradoxal e tão enigmática, não esconderá também , em si mesma , o valor de uma referência vital a uma comunhão finalment e resolutiva e beatificante, a comunhão com Deus?" ve tseccn t, A., Nuevos commo e de la ética sexual, Salamanca. 1974, pp. 6'~7 2 .

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- - - - - - - - - - - --- - - - - - - -- - - -- - - - - - ,, 1.4. A dimensão social e cultural da J1)íário Notíchl$ sexualidade ee-...... ...._ '•._ _ ._.w _._ _ "'li ÇÃO El>PEt:lAL I>UEN HADA

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As características humanas da sexualidade també m derivam da sua dimensão sócio-cultural. A relação da sexualidade com o amor, a pos sibilidade de separar o prazer genita l de uma entreg a total e a reduç ão da sexualidade ao inst into abriram-na à criatividad e, à imprevisibilidade, dotando-a de grande plasticidade. Essa plasticidade con tém o risco da perversão, o que exige às estruturas socia is uma fun ção reguladora. De resto, não sendo regulada pelo ciclo do inst into, como no animal, mas dotada de presença ininterrupta, há na sexualidade humana um "excedente de impulso' que solicit a uma orientação const ruti va. Est a é propo rcionada pelo sent ido sociológico, que permite à sexualidade servir não só a const rução da espéc ie, mas a const rução da cultura . Desse modo , o ser humano tem a capac idade de carregar de prazer quase todas as estruturas psicológicas e formas de comportame nto social através do erot ism o, e este é, por sua vez, moldado pela cu ltu ra. A sexualidade serve para expressar muitos sent idos e signif icados psicológ icos, sociais e cu lt urais, cons ti tu indo um complexo comport amento de natureza bio-psico -s ociat, com uma importa nte dimensão sócio-cultura l. Tal como a lite ratura, mas a uma escala muito maio r, o modelo de amor rornántico mostrado pelo cinema de

Educação r tora ! e Religiosa Católica

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r -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -Hollywoo d influenciou milhões de pessoas na adocão de uma perspetiva de amor baseado na

atracão e nos sentimentos. A moldagem e regulação que as estrutu ras sociais fazem da sexualidade asseguram as fina lidades do impulso sexual, estabilizando-o e normalizando -o, enquadram o excedente (por ex., a regulação social da promiscuidade) e oferecem quadros socia is para a realização equilibrada do erotismo na vida humana. No entanto, a pessoa não só "tem" estruturas biológicas, psicológicas e cultura is de signo sexual, como a pessoa "é" um ser sexuado. Isto significa que a sexual idade humana não só garante uma função biológica determ inada - gerar - , mas é um princípio de configuração: a pessoa perce be, sente, pensa e ama como homem ou com o mulher, pois a sexualidade é uma estrutu ra configuradora de um ser que é um ser sexuado. A sexualidade proporciona o encontro com os outros, é porta de saida e de entrada no mundo das pessoas, e não apenas do ponto de vista biológico ou simbólico. De facto, o ser humano é um ser "aberto", tan to nas suas est ruturas psico -fisiológicas, como na compreensão mais profunda do homem e da mulher. A vida humana tem uma dimensão "genitiva" (realidade de), uma dimensão "oblativa" (realidade com) e uma dimensão "dativa" (realidade para) e, por isso, o sujeito humano não existe para lelamente às coisas, mas está aber to a elas: é um sujeito inteiramente relacional.

"Pensamos que somos seres existentes num mundo material e que temos algumas relações de afeto. Enganamo-nos no nosso ser e no nosso t er. Porque somos, fu ndamentalmente, seres que somos, que existimos, pelas relações int erpessoais (primordialmente, pela relação com Deus) que há na raiz do «Eu» e temos um mundo de coisas à nossa disposição, mas não formamos parte delas." Guill uy, P. Filosofía de lo sexualidad , Estud ios de sexologfa, Barcelon a, 1968, p.115.

A rea lidade do "outro" abre, ao limite, a nossa possibilidade de nos re lacionarmos - de modo interpessoal -, pois encontramos nele o in t erlocut or adequado. Na sexualidade, esta realidade empurra o homem e a mulher a saírem de si mesmos, f isiológ ica e psicologicamente. Ao abrirem-se, fazem a descoberta do "tu", e nela, do "eu". Este dup lo movimento começa por se revelar na ado lescência e na necessidade que os adolescentes sentem de ter pares ; e no par amo roso os próp rios apaixonados encontram um "espelho" onde reconhecem a sua persona lidade em formação e colaboram na procura de resposta para a mais vital das perguntas: "Quem sou eu?". É numa relação de total envolvimento genita l e psicológico que se encontra o ponto mais alto de entrega pessoa l, como nos esposos, que formam "uma só carne", que se perpet uam em terce iros num "vós" com o qual formam o "nós" de uma família, o lugar onde o amor de doação e aceitação encontra o sentido mais amp lo e mais total. Deste modo, ao nível da comunicação inte rpessoa l, a sexualidade revela-se como um modo de perceber o outro, em que o corpo é um meio e um realizador de inter-subjetividade humana , já que a perceção da realida de tem lugar através do corpo (mecanismos de receção e de conexão). O corpo comporta -se, projeta "formas simbó licas" e a consciência dá-se conta destas. No corpo, "autenti f icamo-nos" (expressamos o que somos) ou "anonimizamo-nos" (afastamo-nos do que somos, encerramo-nos). A existência expressa-se int encionalment e, o comportamento - motor, inte ligente , sexual - dá-l he significado, expressando a existência a dois níveis: pré-consciente (erótico, assoc iado às zonas erógenas, de prazer); consciente (desejo: toma r contac to com o outro, no senti do em que a pessoa se abre à existência do outro, na globalidade da sua persona lidade). Assim, fica patente como o corpo pertence ao centro da personalidade, não é um acessório ou uma "coisa"; a separação corpo/espírito é uma abstracào, pois o ser humano vive a sua experiência simu ltaneamente em ambos, como uma tota lidade; a sexualidade não se restri nge à genitalidade, pois não se pode separar o que integra a mesma totalidade do ser humano . De facto, a sexuali dade é expressão de inter-subjetividade - linguagem e comun icação entre pessoas - , um a co nd ição da pessoa no seu sig nifica do t otal. Por muitos séculos, a sexualidade, como interesse e como comportamento, tem constituído uma motivação e uma inspiração para numerosos líderes espirituais, poetas, escritores e art istas . A part ir do século XIX também at raiu a atenção da ciência que, atualmente, a estuda sob a necessária perspetiva multidisciplinar: biologia, fisiologia, química, medicina, psicologia, sociologia e antropo logia dão o seu contributo para a sexologia. Mas teó logos, fi lósofos, juristas, escritores e artistas ainda têm muito a dizer sobre a sexualidade, contribuindo para a compreensão de um fenómeno complexo e profundo, que cont inua a fascinar uns e outros. Este fascínio decorre da própria comp lexidade da sexualidade e do facto de esta constituir uma parte significativa da nossa personalidade.

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Mas, para além daquilo que uma abordagem cient ífi ca nos pode dizer, a vida e a ref lexão mais profunda sobre esta most ram-no s, claramente, que o eixo central da sexualidade não é, senão , o amor.

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"A sexualidade deve ser orientada, elevada e integrada pelo amor, o único que a torna verdade iramente humana. Preparada pelo desenvolvimento biológico e psíquico, cresce harmon icamente e realiza-se em sentido pleno somente com a conq uista da matu ridade afet iva, que se manifesta no amor desinte ressado e no dom total de si." Bent o XVI, Discurso p or cccsõc do Congresso Dioc esano d e Roma so bre o farom a, 6/6/200 5.

--- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - l E, mais precisamente na perspet iva da revelação crist ã, "o homem é criado à imagem e semeIhança de Deus, e o próprio Deus é amor. Por isso, a vocação ao amor é aqui lo que faz do homem a autê nt ica imagem de Deus: ele torna -se seme lhante a Deus na med ida em que se torna alguém que ama?

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1.5. A dimensão ética da sexualidade o comportamento sexual é tão complexo quanto extenso é o seu leque de possibilidades. Art icula- se, como vimos, em to rno de um grande número de dimensões: sexo, papel reprodutor, papel de género, prazer sexual e sensual, expressão sexual ao longo da vida, disfu n ções sexuais, prob lemáticas da expressão sexual e preocupação com as doenças sexual mente t ransm issíveis. Da sua complexidade e plast icidade result ou a possibilidade de uma presença constante na cultura humana e o surgimento de uma grande diversidade de opiniões e de cr itérios ind iv idua is. Ass im, ao jogar com a t ransversalidade da pessoa humana, a sexualidade abre-se, igualmente, à análise ético-mora l. Todo o comportamento humano tem uma instância ét ica e o comportamento sexual não é uma exceção . A ética pode defin ir-se com o a ref lexão sob re o porquê de conside rarmos determinadas normas e condutas como válidas , bem como a sua comparação com outras "morais", assum idas por outras pessoas. Porqu e somos dotados de inte ligência, não somos governados nem pe lo instint o nem pe la sensibilidade, e po rque • Kmg ond Oueen. Henri Moor e (Inglaterra, 1898-1986) Tate Brttain, somos, assim , livres, prec isamos de guiar o nosso comportaLondres mento. A ética, que adota um ponto de vista universal , serve , como j uízo universalizável , para nos guiar, propondo limites para esse mesmo comporta mento , e de um modo especial, para o comportamento para com os outros, uma vez que a vida humana te m um carácter essencialmente comun itário. At ravés de um esforço racional esses limites visam orientar e proteger a pessoa, tendo em conta os seus inte resses e os interesses de todos os que são afetados pelas suas ações . De facto, a ét ica, que resulta da vida soc ial, tem a fu nção de promover valores co muns aos membros de uma sociedade, defin ir princípios reguladores para essa vida social e idealizar fi ns para o ser humano que ult rapassam a sobrevivência pessoa l e a da espécie. Torna-se t ão mais • Congregação para a Educa ç ão Cató lica Orientações educativos s obre o Amor Humano, 4,c it. indispensável para a defesa da dignidade humana e para a realização Confe rência Episcopal Portu guesa, Carta Pastoral da aspiração à felicidade que toca cada pessoa, quanto mais sens ível Educação: Direito e dever - missão nobre ao serviç o e controverso é um dete rminado campo da con duta humana. de todos , 2002, n. 11.

Educacão t.tcra l e Religiosa Cató lica

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,--- - - - - - - - ------- - - - - - ---------- - Por out ro lado, a moral é o conjunto de condutas e no rmas que ace itamos co mo válidas. Neste contexto, os valores morais são maneiras de ser ou de agir que as pessoas e as coletividades reconhecem como ideais, fazendo com que as condutas, e as pessoas que as realizam, sejam t idas como desejáveis ou est imáveis. Embora os valores possam ser associado s a dete rminadas épocas ou prát icas, nada disso lhes retira o seu "valor", pois, independentemente das círcunst áncias históricas, continuamos a precisar de saber quais as coisas que são melhores do que outras e por que boas razões o são: não podemos evit ar preferir ou esco lher um cam inho, uma atitude, uma ac ão. E fazemo-lo com base numa t abela de valores. ~ a consciência moral que nos faculta a capacidade de construir essa tabela de valores, pois é ela que orienta , avalia e ju lga o co mpor tamento, com base em princípios autoim postos e racionalmente just ifica dos . Qualquer tabela de valores nos mostra co mo uma característica f undamental dos va lores é a sua polaridade, pois os valores apr esenta m-se sempre desdobrados num valor pos it ivo e no correspondente valor negat ivo. Assim, a beleza opõe-se à fea ldade , o mal ao bem . A polaridade dos valores tem uma import ância comportamental imensa por que implica a rutu ra com a indi ferença, com a neutra lidade, sem a qual o comportamento humano e, por isso mesmo , a sexualidade humana, correria m o risco de se desumaniza r e de se desintegrar. O contro lo biológic o ou a informação esta tística não são suficientes para responder às necessidades de orie ntação do compo rta mento, e do com porta mento sexual. Este último, como to dos os com port amentos , necessita de ser orden ado para os f ins que possam providenciar o maior bem ao maior núme ro: uma integração harmoniosa e pacífica da sexua lidade na t otalidade da pessoa . Igualme nte nos convém consi derar que a d imensão ét ica não é alienante da rea lidade sexual, mas tem uma função int egrad ora d os seus dinamismos. Mesmo as pessoas que se opõem à moral sexual não o fazem , a maio r parte das vezes, contra uma fo rmu lação hipot ética, mas cont ra uma determinada formulaçã o mora l, de cujo conteúdo discordam. Acont ece, t ambém, que as relações ent re as pess oas têm lugar em conte xtos em que o pode r e a infl uência não são igualmente par t ilhados entre os indivíduos, exigindo que os direitos e o bem-esta r da pessoa que tem o papel mais f rágil ou vulnerável sejam salvaguarda dos .

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Ao po larizar-s e a sexualidade em torno da personalidade, t ambém polarizamos a moral da sexualidade em torno da mor al da pessoa , colocando o problema da sex ua lidade na t ot alida de da existência humana , o que faz todo o senti do, pois o carácter pr incipal de uma perso nalidade sã é uma sexualidade bem int egrada na totalidade da pessoa.

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"A vivência da sexualidade insere-se no cresc imento do homem no amor, lut a de todos os dias e de toda uma vida, atraído pela verdade, ameaçado pela fragilidade ." D. José Policarpo, op. cit., p. 48.

j - - - -- - - - - - - - - -- - - - - -- - - - - - - - - - -- De qualquer modo, quanta s tem át icas relat ivas à sexualidade e à sua educaçào adm it imos que estão livres de co nsideraç ões mora is? Talvez as ques tões de ordem biológica pareçam , pela sua materialidad e, menos controversas, mas assim que progred irmos no estudo da sexualidade, os valores e as cons ider ações de orde m ética esta rão, nec essariamente, envolvidos. Mas, mes mo os cient ist as, que categorizam , class if icam e rotulam o comportamento , sexual ou out ro, são prod uto de um meio sóci o-cu ltural det erminado. Os seus rót ulos e conclusões pod em, muito facilment e, refletir as agendas da sua soc iedade, embora ten ham como objetivo orga nizar e nomear as co isas e os fenó menos , perm itindo-nos co ntinua r a comunica r inteligentem ente sobre essas coisas e esses fenóme nos . Mesmo quando se tra ta de fazer ciênc ia, não podemos deixar de te r em cons ideração que as catego rias são produzidas por pessoas e que essas pessoas têm as suas def inições parti cu lares de sentido, integradas e decorrentes de um determ inado tempo histórico, local e persuasão polít ica. Dest e mod o se co mpree nde como as dife renças de perspetiva que as pessoas ap resent am sob re a sexual idade t ambém são essencialmente basead as nas suas diferenças de perspetiva moral e dos valores. O q ue pensamos sob re sexualida de tem uma inf luência diret a no nosso comportamento pessoal e grupa l, pois est rut ura crenças e estas estão na base das nossas atitudes. Desrespeit amos uma pessoa não porque é nece ssár io mas porque ac hamos qu e podemos fazê- lo.

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"A Ética é a arte de construir a nossa própria vida, e como n ão vivemos iso lados , mas em co nvivênc ia com os outros, com as nossas acões ét icas ta mbém construímos a soc iedade e, por outro lado, com a nossa falt a de ética, destruímo-Ia. Portanto, encontramo-nos ta lvez perante o mais út il dos conhecimentos humanos, perante o mais necessário: porque nos permite viver como seres humanos, a salvo da selva e do caos." Ayl1 6 n, ~tic o razonado, Madri d. Ed. Libras , pp. 11-12.

"Ora, a moralidade é a única condiç ão que pode fazer de um ser rac ional um fim em si mesmo; (...) portanto a mora lidade, e a humanidade, enquanto capaz de moralidade, são as únicas que têm dign idade." Kant, E.; Fundamentação do Metafisico dos Costumes. Lisboa, Edições 70. p. 77.

"A moralidade consiste no cam inho de realização pessoal através do conhecimento de si pró prio , e da integra ção do vivido no amor. Daí a necessidade da introspeçào como caminho de autoconhecimento e de reconciliação com o mundo pass ional, e a sua integração no próprio projeto de vida. Precisamos de compreender o que nos acontece para estarmos bem connosco próprios e para nos relacionarmos bem com os outros." Yariez, Miguel, l i A brecha ideológica: a sexualidade no contexto da antropologia Crlatê», Postoral Catequético, SNEC, Lisboa, n.e 21/22 , pp.

1.6. As tradições religiosas oferecem uma leitura do comportamento sexual e da sexualidade Todos nós temos uma sexualidade e uma concec ão sobre o que a sexualidade é, mesmo que não tenhamos realizado estudos organizados sobre este tema. Durante a adolescência, recebemos muita Inf ormação sobr e sexualidade de pessoas da nossa idad e, os colegas da escola, amigos e ir mãos. A vantagem de co nt armos com estas font es de informação é o facto de nos deixarem à vontade e desco mprom et idos. Os professores e os pais também nos fornecem informa ção . Em muitas fam ílias foram comp rados e lidos livros de educação da sexua lidade, vistos vídeos, f ilmes ou programas de te levisão , melho r ou pior comen tados nas conversas do dia a dia. Mas é o modo como os pais interagem entre si e com os fi lhos, as man ifestações de afeto ou a sua ausên cia, os seus coment ário s sobre o casame nto , a igualdade entre sexos, o dinheiro. a moda, as relações pessoa is, a arte, a te levisão ... que exprimem o seu modo adulto de enca rar a realidade, condicionando e formando as atitudes dos fi lhos fa ce à sexualidade . Depois, de um modo cresce nteme nte inf luente , os meios de comunicação social , que fo rnecem imensas infor mações e represent ações da sexualidade, usando um discurso que parece apont ar modelos de con duta , do t ipo "deve ser assim", mas que perseguem, apenas , interesses co merciais. Infelizment e, muito deste mat erial é pro duzido, exclus ivamente , para entre tenimento passivo ou para publi cidade e os mode los oferecem

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r - -- - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - I

uma visão muito pob re e distorcida do que é a sexualidade. Esta é freq uentemente direcionada para "prender" o público pelo voyeurismo, usando uma linguagem que favorece a aceitação massiva e passiva dos conteúdos.

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Conforme vamos crescendo as expe riê ncias pessoais vão ganhando peso e aprof undam e se aprofundam num maior conhecimento da sexualidade. Este proces so ajuda-nos a estabelecer as nossas próprias ideias e a orienta r as nossas escolhas conc retas: que sexualidade, que afeto, que parceiro. Essas escolhas resultam de uma complexa com binação dos proc essos de soc ialização a que estivemos suje itos - aprendizagem social, por observa ção e imit ação das f iguras de referência, nomeadamente os pais; educação forma l e inst ruçã o; exposiç ão a uma grande variedade de estímulos soc iais - e cujas mensagens, quando associadas a algum t ipo de vantagem (à necessi dade de prestígio, ao apoio fornec ido, à legitimação, à defesa de valores ou à vincu lação a um determinado grupo), são interiorizadas pelo indivíduo. Essa interiorização é fac ilitada por mecanismos psicológicos de confirmação social e autorreforço do pensamen to e interrogações próprios, assim como pela sua conco rdéncia com a reflexão e comprovação autoin iciadas . De facto, a experiência é fundamental porque transforma o conteú do da socialização atra vés de um processo de int eriorização de ideias e factos, a chamada aut ossocializacão, baseada na tendência que têm os seres humanos para esco lher o que os gratif ica e o que vai ao encont ro das suas próprias perspet ivas e expet ativas.

Cosmovisão:

Uma visão ou conc eção de mundo que exprime t ambém uma at itude frente ao mesmo, pois a imagem que o homem forma do mundo possui um tator de orienta çã o e uma qualidade mode ladora e t ransfo rmado ra do seu compo rtamento. Implícito em t oda a cosmovisão est á um caminho de aç ão e realização.

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A religião co nsiste num conju nto de linguagens, sentimentos , com portamentos e signos que relacionam o ser humano com um ou mais seres sobrenaturais, alguém que transcende os instóncias humanas mas sobre o qual, de algum modo, o ser humano tem alguma percec ão. O crer, para uma pessoa religiosa, não é um modo de ver o mundo e o seu fu turo - uma ideologia - mas uma RELAÇÃO com um SER de que afirma a realidade.

Para os cr istãos, o que é dec isivo do ser cristão é a su a relação com o Cristo. O que faz de um cristão uma pessoa de bem não são os seus esfo rços por ter uma vida virtuosa , mas o encontro pessoal com Jesus Cristo . O que transfo rma verdade iramente a vida do cristão não são as ideias da Sagrada Escritura ou os conselhos morais da Igreja, mas a consciência de ter sido tocado pelo amor de Deus, pela sua bondade gratui ta, pela acêo do Espírito Santo . Este é o pont o de part ida e de chegada de t udo o que possamos dizer sobre a vida cr istã .

"Para nós o cristianismo não é uma nova filosofia ou uma nova moral. Somos cristãos unicament e se enco ntramos Cristo" . Bento XVI, Audiência Geral, 3 de sete mbro de 2008,

Mas as religiões tam bém se t raduzem em sistema de símbo los, em linguagens , ritu ais, objetos e pessoas representa t ivas - aquilo a que chamamos "religioso manifesto" - e que formulam co nceç ões sobre a existência. Essas conceções, ou cosmo visão, constituem um sistema que produz mot ivações, disposições, experiências duráveis, profunda s, duradouras. A religiosidade exprime-se e realiza- se, pois, em ações simbólicas (ritos, afetos, experiências); alimenta- se de Re latos Fundadores e represent ações do Divino e inspira Regras de Conduta , pois o próp rio ser humano é sim bólico (dotado da ca pacidade de representar as realidades), atitudina l (dotado de sent imentos, razão e capa cidade para a ação) e relacional (vive da, e em, interação com os outros seres humanos). E, para a maioria das pessoas , os ens inamentos religiosos e f ilosóficos constituem uma fonte relevant e nas suas tentativas de com preender e atuar sexualmente, independentemente das diferenças de conteúdo próprias de credos e culturas. A com preensão e o desenvolvimento da sua espiritua lidade e religiosidade é important e para mui-

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tas pessoas, e a int egração da sexualidade no conjunto das suas crenças religiosas e da moral sexual no contexto dos ensinamentos da sua Igreja é uma tarefa muito significa t iva no processo de desenvolvimento religioso de grande número de crentes . Muitos estudos mostr am corre lações entre o sistema de crenças e as at itudes e os comp ortame ntos, incl usivamente sexuais, das pessoas. Quanto mais religiosas as pessoas se consideram , mais provável é que atend am à necessidade de harmonizar as suas prát icas, inclusivament e sexuais, com as suas crenças religiosas, e menos provável será que tenh am relações sexuais antes do casamento, com por tamento que as religiões profét icas não defendem' . 3

Nelty, G F Sexualtty Today, Boston, Me Growtti!l. 2008, p 210.

"O ser humano é cur ioso, necessita saber. É inteligente, necessita compreender. É t ranscendente, necessita procura r sentid o na sua vida. É religioso, necessita encontrar coerência no seu sistema de crenças. Negar o conhecimento da cultura religiosa nas suas diversas formas seria uma ofensa à inteligência humana. [...] O facto religioso está entranhado na vida, está nas ruas, está nas manifestações art íst icas de todo o tipo: não pode expulsar-se da escola. [...] Nunca existirá uma educação assépti ca e separada da cultura e da história do ser humano. Defender o contrário raia a ignorância ou o cinismo, máximo numa sociedade que se prete nde do conhecimento. [...] Que seria da nossa sociedade sem a religião? Aventuremos esta hipót ese. Desent ranhar do coração humano a religião é como t ravar os batimentos do coração, sequestra r o amor, a verdade, a luz, a fé, a esperança. [...] Neste momento de mat uridade religiosa result a incontestável o impact o posit ivo do religioso na humanização e socialização das pessoas." Mêllch, J.C. Antrop%gío simbólica ya cción educativo, Barcelona: Paid6s . 1998 , p. 174.

-- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - , 1.7. Pode existir uma moral sexual? , E necessária? Em que consistiria? Os discursos sobre a sexualidade est ão impregnados de valores . Toda a gente t em uma ideia de "como deve ser", do que é "possível" ou "legítimo" ou "ilegítimo" fazer. As questões relacionadas com a int imidade, o amor e a sexualidade têm um papel essencial naquilo que a pessoa é e na forma com o deseja relacionar-se com o mundo, realizar o seu projeto existencial, isto é, como refere a psico logia, na const rução da sua ident idade. Como vimos , a sexualidade tem muitas dimensões e forma -s e a part ir de cada uma delas, infl uenc iada pelo meio social, a aprendizagem e as experiências. E como há muitas form as de viver a sexualidade e, tam bém, se quisermos, de a mit igar, menosprezar, evit ar ou tentar ignorar, a sexualidade exige uma tom ada de posição étic a e uma moralidade. Vejamos o que nos diz o texto de um especialis ta:

"A procura da felicidade associa-se muitas vezes ao te r e ao desfrutar do prazer, esquecendo a dimensão espir itua l da pessoa, que se realiza no amor. O amor é a sua vocação mais profu nda, a que empenha a liberdade no seu nível mais agudo e configura a persona lidade psicológica e moral. A liberdade é uma capacidade que conf igura a pessoa como tal, e deve ser educada at ravés do reconhecimento dos autênt icos caminhos de autorrea lização pessoal e social. Trata-se de compreender a afet ividade em toda a sua riqueza e pote ncialidade, para viver a sexualidade de modo inteligente e criativo, integrando os diversos aspetos e superando a te ndência a dissociá-los.

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A sexualidade vive-se num contexto de valores que assume e expressa em toda s as suas formas de manifestação. Para isso será fundamenta l a própria valorização pessoa l e a do outro, o clima de confiança que favorece a comu nicação inte rpessoal, o cult ivo do diálogo em todas as suas formas , a gratuidade e o alt ruísmo, a solidariedade e o sentido de justiça. A importância da educação sexual reside na contribuição do sexo para a conf iguração pess oal. Não é um aspeto marginal, mas sim constitutivo. O amor é uma capac idade que se exerce na sexualidade, por isso é expressão da pessoa que ama ou ent ão que se procura a si própr ia de modo egoísta.

Mary Cassar (Estados Unid os da Am énca . 18 44-1926) , Chlldren Ploymg 00 ttie s ec cn. Ais ta Metlon Bruce Coüection .

Costuma -se acred itar que a sexualidade, com o é algo íntimo, é vivida indivi dualmente por cada um como lhe apetece . No entanto, o inf luxo do amb ient e t ambém se nota na forma de compreender e viver a sexualidade. A menta lidade que se adqu ire na vida quotidiana influencia todas as áreas da nossa existê ncia, também a área da sexualidade, inclusive a da genita lidade. Quem te m uma mental idade utili tária ou consumista viverá também a sua sexualidade de modo uti litário ou consum ista . Quem for capaz de se abri r verdade iramente ao amor viverá a sua sexualidade como expres são da sua oblatividade. Mas como seres humanos que som os, encontraremos certa mente em nós próp rios elementos tanto de uma postura como da outra. A sexualidade em si própria é uma força ambiva/ente. Por isso é f undamen tal que o ser humano se dê conta dos seus possíveis autoenganos e descubra qual é a sua verdade para a assum ir e orientar de acordo com a sua finalidade espec ificamente humana." va üez, Miguel, «A brecha ideológica: a sexualidade no contexto da antropologia Crist ã». Pastorol Catequético. SNEC, Lisboa, n.e 21122, pp.

"A sexualid ade v ive -se num contexto de valores". sublinha Miguel Yai'lez. E porquê? O Cate cismo da Igreja Cató lica esclarece : "A liberdade faz do hom em um suj eito moral. Quando age de mane ira deli berada , o homem é, por assim dizer, pai dos seus atos. Os atos humanos, quer dizer, liv rement e escolhidos em consequência dum juízo de consciência, são moralmente qua lificáveis. São bons ou maus." (CIC, 1749). E porque to do o ser huma no procura a felicidade, procu ra aquilo que lhe parece valioso, valoriza as coisas e as opções a part ir de uma certa perspet iva da realidade. S. Agosti nho refere: "Todos nós, sem dúvida, quere mos ser felizes, e não há entre os hom ens quem não dê o seu assentimento a esta afirmação, mes mo ante s de ela ser expressamente enunc iada.' (Santo Agost inho, Mor. Eccl. 1.3, 4.). Na nossa cultura, a felicidade parece conc ent rar-s e na busca e posse de bens materiais e passageiros: o consumismo, o materialism o, o imediatismo, o hedonismo, o uti lita rismo e o egoísmo parecem governar as vidas e as aspirações dos seres humanos. E, se não se trata, imediatamente, da posse de bens mate riais, a procura da fel icidade vai, muitas vezes, no sent ido do desejo de poder, de reconhecimento púb lico, de "sucesso", dand o-s e primazia ao exterior, ao corpo, e à sua exploração, ati ngindo-se níveis insuportáveis de artif icialidade. Será esta a verdadeira felicidade?

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Se atendermos aos níveis de instabil idade e de disfunc ionalidade a que as pessoas est ão, hoje, sujeitas , talvez com preendamos que se ent regam a uma proc ura da felicidade que é vã: a felicidade não se encont ra no usufruto do prazer - embora o prazer seja importa nte mas na capacidade e na vocação da pessoa para amar. 10 o amor que nos torna humanos, que dá plenitu de à nossa existência, que realiza a nossa vocação . Mas essa vocação só é realizável se a pessoa at inge um nível de maturidade tal que lhe permite to mar decisões livres e responsáveis, a que podemos chamar "purif icação do coração", t al como sugere S. Agost inho. Uma autonomia autêntica não é nem arbitrária (ou seja, não é uma posição resultante da ausênc ia de evidências, sem cons iderar os dados da observaçã o ou da argument ação t eórica) nem narcisista (isto é, autocent rada, egoísta) mas consiste num discernimento (juízo, ente ndimento, critério e conhec imento) capaz de nos fazer compree nder a difere nça entre o bem e o mal , condu zindo -nos à escolha do bem. Para os cristãos , esse discern imento surge da presença do Espírito Santo, tomada consciente pela fé, at ravés da qual Deus atua na hist ória e, por isso, a escolha do bem é sempre a forma de coope rar com Deus. A Const ituição Past oral Gaudium et Spes (n. 16) explica-nos : "No fundo da própr ia consciênc ia, o homem descobre uma lei que não se impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer. Essa voz, que sempre o está a chamar ao amor do bem e à fuga do mal , faz-se ouvir, no momento oportu no, na intim idade do seu coração ... O homem tem no coração uma lei escrita pelo próprio Deus. A consc iência é o cent ro mais secreto e o santuário no qual o homem se encontra a sós com Deus, cuja voz se faz ouvir na inti midade do seu ser." A consc iência moral incita a pessoa a escolher o bem e a evitar o mal, ju lgando as opções co ncretas . 10 um j uízo de razão, isto é, que advém do entend imento, e que reconhece a qualidade moral de um ato concreto , e significa "responsab ilidade e dever, temor e esperança" (Cardeal Newman, Carta ao Duque de Norfolk 5, Cil. CIC, 1779).

"Um mundo sem fé nem lei é um mundo que regride rapidamente e que se exprime através da violência e das múltiplas transgressões da vida quotidiana. Contudo, não estamos reféns da fatal idade. Temos de descobrir o sentido necessário da lei moral para irmos ao encontro da realidade e do sentido das regras que constroem a personalidade e as ligações sociais e que nos humanizam ." Ana tr ella. T. «Jovens e norma moral», in: Conselho Pontifício para a Pamllla , Léxico da Família, Estoril, Principia, pp. 683 -691 ,

Podemos concluir, pois, que para os cr ist ãos, a moral sexual cons iste em cons iderar o desafio que Cristo coloca à vida de cada pessoa e que S. Paulo formula da seguinte maneira:

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2. A especificidade da sexualidade humana

r- - - - - - - - - - - - - ---- - - - -- - - - - --- - -- o co mportamento sexual tem diversas componentes:

2.1. Componente amorosa, afetiva/emocional o ser humano é um ser relacional, vivendo em relação cons igo próprio, com os outro s e com o Transcendente (Deus) at ravés da sua nece ssidade int rínseca de ser amado e de amar, mas ama - e é amado/a - com o home m ou como mulher.

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"O projeto da existênc ia humana institui-se como projeto de abertura e de compromisso em relação aos outros e ao mundo; neste projeto, a afetividade, constituindo uma referência originária ao ser, identifica a capacidade radical da própria existência: a capacidade de ser afetada. [...] Por outro lado, o sentido afetivo originário é dado pela diferença da sexualidade. O corpo próprio é o ponto de vista central a partir do qual se organizam todas as moda lidades existenciais; entre estas, a perceção do mundo, enquanto expressão relacional do homem, é a intenção mais originária; sobre ela se constituem o imaginário, o juízo, o desejo e o querer do homem. A perceção é doadora de sentido; abre a diferença do sentido: perceber é desdobrar os perfis do objeto que se mostra. A perceção manifesta o entrelaçar do corpo próprio com o mundo; constitui , no encontro com os outros essentes, o lugar mundano de uma coexistência significante. Por isso, a afetividade é sempre uma relacionalidade afetiva situada na perceção, sendo movimentada por ela. E, porque o mundo é sempre, para o homem, um mundo percebido, a afetividade é constitutiva da consciência intencional. [...] O sentido de viver reside no equi líbrio da partilha de pensamentos, de emoções e de ações. O amor é, para o homem, a maior expressão interior de liberdade e de felicidade; o olhar do amor é um olhar criador; vê o que ninguém vê. Amar é querer o bem do outro, o seu desenvolvimento. O amor é a vocação maior e a razão da vida de todo o ser humano, considerado na sua origem, na sua evolução e na sua finalidade." Reimão, Cassiano, Afetividade e alteridade - Desafios esducativos, Pastoral Catequético, SNEC, Lisboa, n.e 4, 2006, pp.

2.2. Componente genital Os órgãos reprodutores são formados durante a vida intrauterina, mas só entram em plena ativ idade na puberdade , entre os 9 e os 16 anos na rapariga e entre os 12 e os 16 anos no rapaz. A partir da puberdade existe a capaci dade f isiológica de ter relações sexuais e de ter filhos, mas não existe ainda uma maturidade afetiva. emocional e psico lógica suficiente para viver a relação sexual no seu sent ido mais profundo. o que impl ica uma entrega e um acolhime nto tota l e incondicional, numa relação de casal comprometido. Também não existe a capac idade de lidar com a gravidez de for ma autónoma e consciente, pois os adolesce ntes necessitam de viver muitas outras experiências que conduzam à sua própria maturidade e não têm disponibilidade psicológica e socia l para se ent regar às tarefas de cuidado e educação de um eventual fi lho.

2.3. Componente erótica A erótica é uma expressão da sexualidade que pode ser elaborada de uma for ma int erna através dos sonhos, fantasias e fantasmas ou, de fo rma externa, através da arte. Result a de um excesso de impulso sexual que aprendemos a sublimar, isto é, a reencaminhar de forma positiva. Numa soc iedade t ão sexualizada, e que o faz de uma forma t ão banal, como a nossa, é import ante não perder de vista o momento da erótica na vivência da sexualidade humana. "Como comportam ento produz ou nega prazer, desenvo lve ou inibe a pessoa no seu âmbito sexual.' A nível individual, o sent ido da beleza erótica é educado através da dança, da mús ica, da arte. Permite a vivência da pessoa como um todo, int egrando os sentimentos, os sentidos, a razão, a corpora lidade, o desejo , a int erioridade - capac idade de aprofunda r a vida espiritua l, fantasia r, sonha r, lidar com os medos - e a criatividade. Bem desenvolvida, esta formação permite, mais ta rde, uma vivência sã da relação a dois, uma experiência sexual mais ampla e profunda, que integra todos os níveis da personalidade. A nível social contribu i para a criativ idade expressa através da pint ura, escultura, dança , música, arquitetura, escrita, etc . 4

RUIZ, I L - "Metado /CAR,PedagogIa dos comportamentos sexuars", Lisboa, Paulin as, 2002, p 40.

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3. A questão essencial da maturidade e da responsabilidade perante o ato sexual: a integração da sexualidade num projeto vital

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Na sua Te%gio do Corpo João Paulo II afi rma que o ser humano refl et e melh or a imagem de Deus no mo mento da comu nhão do que quando está só. Na sua comum união, o homem e a mulher refletem a comunidad e de amor formada pelas t rês pessoas da Santíssima Trindade - homem e mulher, diferentes mas unidos numa comunidade de amor. Compreendendo o sentido profundo deste encontro entre homem e mulher, as normas morais aplicadas à vivência da sexualidade já fazem sentido, encaradas positivamente como um desaf io para uma caminhada exigente, mas tã o compensadora, para Deus e com Deus. Em primeiro lugar, é preciso recordar que a sexualidade não é "qualqu er coisa" que o ser humano tem e através da qual poderá sent ir prazer. O prazer é ót imo e interessante, faz parte de uma vida saudável, vivida em plenitude, mas não é a únic a mot ivação humana. Além disso, o crescimento psicológico, o amadureciment o e fortalecimento da pessoa , implica que devemos aprender o odiar um prazer imediato para podermos vir a usufruir de um bem maior: nestes termos , optar pela abst inênci a enquanto não se está em condições de constit uir uma famíl ia estáve l, signif ica abandonar um prazer imediato, que derivaria de um comporta mento cujas consequências pesso ais e sociais pode m ser extremamente negat ivas, para aprender a apre ciar, em profun didade, um amor amadurecido e forte, em que a sexualidade se integr a com nat uralidade e alegria. Necessitamos por isso de compreender que a sexualidade e o prazer fazem parte da pessoa como um todo, mas vividos através de comportam entos irresponsáveis, pode m atent ar cont ra a saúde, a vida e o bem dessa mesma pessoa. Deste modo , é preciso deixar claro que a forma como t ratamos o nosso par amoroso diz muito sobre nós próprios, pois um namorado ou uma namo rada, um marido ou uma mulher e, em geral, o outro com quem nos cruzamos não são "experiências" nem objetos de consumo, nem mesmo "font es de prazer" e divertimento. São pesso as, das quais derivam um conj unto de: Valores inerentes à sexualidade humana • A comunhão - a comum união de duas pessoas que se amam e que se ent regam tota lmente uma à outr a, de ntr o de uma relação construída e comprom eti da. Nessa entrega e nesse acolhimento mútuos renovam a dinãmica de amor que os une, reforçam a ident idade de cada um, que se sente único para o outro , que se sente tot alment e mascu lino ou tota lmente fem inina. Esta "união" ref lete a união de Deus com o Homem, numa entrega e acolhimento tot ais, e só é poss ível numa relação de compromisso assumido, fiel e dur adouro. • A fecundidade/procriação - nest a relação existe a possibilidade de colaborar com Deus na criação de um novo ser humano, o que deve ser encarado com um enorme sentido de responsabilidade e de maravilha. Por vezes, a fecu ndidade do casal não pode ser vivida atr avés do nasc imento de filhos (hipo-ferti lidade de um ou ambos os cõnjuges, pós -menopausa, etc .), mas pode ser expressa através do amor que os une, da presença de Deus na sua vida de casal, que irradia e ilumina aqueles que os rodeiam. Podem dar Vida, não física, mas espiritual, àqueles com quem contactam. Um casal inférti l vive a sua relação sexual em toda a sua prof undidade. • O prazer - nesta relação exist e a possib ilidade de sent ir um prazer t ão intenso que as barreiras que to dos cons truímos à volt a do nosso "eu" são derrubadas, fazendo com que a ent rega seja verdadeiram ente incondicional.

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Assim, a vivência da sex ualidade supõe que sejamos capazes de tomar decisões de form a responsável, garantindo a integridade da pessoa e uma acão orientada pelos valores enunciados. Para tal, devemos: • Viver de uma forma informada e responsável a) Refletir sobre as possi bilidades de esco lha que se nos oferecem, reconhecendo as vantagens e desvantagens de cada uma das opções possíveis; b) Decidir a part ir de cr itér ios ét icos humana mente relevantes - a preservação da saúde própria e do outro, o respeito pelo outro e pelas suas opções , a af irmação da dignidade de cada ser humano; C) Aceitar, responsavelmente, as consequências da decis ão tomada. Este processo não signif ica que a decisão tomada não possa vir a ser alterada no futuro, mas essa alteração só deverá ser levada a cabo após um período de refle xão e sem f ugir à responsabilidade contra ída perante si e perant e os out ros. Ao tom armos uma opção, temo s que compreender que "perdemos " out ras hipóte ses de escolha, nem que seja temporariamente, e que as decisões tom adas trazem semp re con sequências, por vezes dificilmente cor rigíveis. Quanto às opções que é preciso considerar relativamente à sexualidade, os adolescentes são confront ados com algumas particularmente difíceis. O primeiro grande conflito põe-se quanto ao início da atividade sexual , a perda da virgindade. A cultura dom inante oferece f requentemente uma visão egoísta e funcional da sexualidade, afirmando que se deve fazer o que apetece, e não ensina a reconhecer as cond ições para o compromisso nem a capacidade para perceber quando uma relação amorosa é passível de ser aprofu ndada e progredir. Essa cultura não costu ma discut ir as consequências de uma forma de agir irref let ida e infantil, nem oferece respostas relevantes quando se trat a de lidar co m as consequências de reações impulsivas.

3.1. Considerar a abstinência sexual como uma aliada na procura da felicidade Quando o corpo est á a crescer e a preparar- se para a sexualidade at iva e a paternidade ou maternidade, o desejo sexual vai-se acent uando progressivame nte e pode ser sent ido como um im perat ivo a que não é possível resistir. A procura de prazer co rporal é nat ural e deve ser vivid a sem angústi a, mas a abstinência deve surgir como uma opção const rut iva e realist a, assente numa conce ção de sexualidade alicerçada no amor e na responsabilidade mútua entre um rapaz e uma rapariga que se amam e se desej am mas não têm condições para assumir as consequên cias desse nível de int imidade. A abstinência da relação sexual é, muitas vezes, encarada na nossa sociedade , como difícil, se não impossível, e pensa -se que não deve ser pedida a ninguém. Esta visão é infantil e imatura . O ser humano é a única criatura que tem a capacidade de dizer que não a si pró-

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pria. No entanto, o dizer "não" não pode ser imposto, t em de ser vivido livremente. Para que isso aconte ça, é necessário compreender a razão desse "não" e assumi-lo interiormente, integrá-lo no projeto de vida que todos devem ter. A relação sexual vivida fora de uma relação construída e comprometida não pode at ingir o seu sent ido mais profu ndo, pois sem compromisso não há ent rega tota l e incondicional. A abstinência também é o meio mais eficiente para evitar uma gravidez e o contág io com as doenças sexualmente tra nsmit idas . E se a pesso a se entrega a experiências para as quais não está amadurecida nem preparada , cor re o sério risco de estas terem lugar nas cond ições mais degradantes e violentas . Assim , a abstinência protege dos t raumas decorrentes das más experiênc ias sexuais, da sua precocidade, que f acilit am a insta lação de resistências afetivas e sexuais de ordem diversa, limitadoras de um fut uro usufruto, ou então , que abrem cam inho ao desregramento nos costumes, uma vez perdido o respeito por si mesmo e pelos out ros. A promiscu idade sexual entre os jovens está f requenteme nte associada ao consumo de drogas e de álcool, precisamente porque se perdeu o sent ido de si mesmo , o respeito próprio e pelo outro. A gravidez na ado lescê nc ia tam bém não é uma brincadeira nem um episódio passageiro na vida da futur a mãe. Resulta muito f requen t emente da relação desc ompromet ida com um rapaz mais velho e que escolhe afasta r-se quando deveria partilhar a responsab ilidade por uma nova vida. Desta gravidez derivam riscos acresc idos para a saúde física da mãe - demasiado jovem para o esforço físico da gestaç ão - e da criança (mais sujeita a malformações e a um nascimento antec ipado e de baixo peso), assim co mo riscos psicológicos e soc iais, dos quais se destacam a alte ração das relações com a própria família e o abandono escolar.

/ Portugal é um dos pa íses da Europa com maio r taxa de grav idez na adolescência e uma taxa de ri sco social mui to elevada . mas a quest ão nem semp re é t ratada com a devid a ate nção. A taxa de fec undidade na adolescência em Port ugal era, em 20 13, a 8' da União Europeia, mas o risco social destas j ovens mães é mu it o elevado, nomea da men te pela perda de esco laridade e abandono escolar. Também persiste o risco da reincidênc ia.

Enqu ant o não t iver em co ndições para aco lher uma vida nova, os adoles centes são totalmente inconscientes quando têm relações sexuais. Hoje, na nossa soc iedade, existe uma mental idade que separa a relação sexual da fert ilidade, mas a nat ureza não o entende assim , pelo que, quando surge, a gravidez é cons iderada pelos adolescen tes como um acont ecimento "surpreende nte e inesperado", quando, af inal, é o resultado de um comport amento bem dete rminado. Os futuros pais precisam, pois, de ajuda qualif icada e acompanhamento. É preciso intervir e ajudar se uma das partes não aceita a cr iança, se houver tent ativa de forçar o aborto ou se o pai abandona , mais cedo ou mais tarde, a mãe e o bebé. Por vezes, acolher a cr iança durante a gestação para mais ta rde a entregar para a adoção pode ser um ato de generosida de quer para o bebé, quer para o casal que o irá acolher.

3.2. Você disse «fidelidade»?! Da prática consciente e aceite da abst inênc ia desenvolve-se uma natural at it ude de f idelidade. A fi delidade é im presc indível para o dese nvo lv ime nto do amor e a construção de uma f amília. Mas também é indispensável para a manutenção da saúde sexual, pois qualquer relação sexual que não seja vivida dentro de uma relação monogãmica (só entre o casal) fiel, cons truída e comprometida, é uma relação que corre o risco de provoca r sof rimento e, em últ ima inst ãncia, desagregação, para além do contágio com doe nças sexualmente transm issíveis. Se existe f idelidade mas a relação é temporá ria, o risco de infeção e de uma gravidez indesejada permanecem. Nas páginas seguintes vamos comp reender melhor porquê . Educa ção f.~oral e Religiosa Cató lica

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4. A possibilidade de separação do prazer, do amor e da finalidade procriativa

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Só h á muito pouco tempo na História da humanid ade foi possíve l separar ef icazme nte a "procriação" do "prazer - amor" na vivênc ia da sexualidade. Na década de 1960 deram-se grandes mudanças sociais no mundo ocidental, na Europa Ocidenta l e na Amé rica do Norte, cujas causas e os efeitos só agora começam a ser verda deiramente invest igados. A chamada Revolução Sexual com o lema Moke Love, Not War (Façam Amor, não Guerra) surg iu em parte devid o à reação da juven tude em relação à II Guerra Mundial, seguida da Guerra na Coreia e da Guerra no Vietnam . O aparecimento no mercado de um método contracetivo eficaz , a pílula anticoncecio nal, que inicialmente só era vend ida a mulheres casadas, veio alterar a fo rma co mo as jovens planeavam a sua vida, adiando o casamento ou a primeira gravidez até acabarem os est udos universitários ou assegurarem a car reira. Subtilmente a moral vigente mudou: as relações pré-matrimonia is e a gravidez fo ra da casamento deixaram de ser tabus; o divórcio já não levava à con denação socia l e a vivência das relações sexuais fora de uma relação compromet ida gradualmente levou à ideia de que a prazer da relação sexual era recreat ivo e tornou-se fácil separá -lo do contexto de uma relação amorosa . Hoje, nos EUA, começa-se a viver uma cultu ra hook-up nas universidades norte-americanas (relações sexuais casua is sem qualquer ligação afetiva), que começa a afl igir os pensadores mais sér ios da nossa socie dade. Pitir im Sorokin", fundador da Departa mento de Sociologia da Universidade de Harvard, previu os efeitos desta revolução sexual no seu livro The Americ on Sex Revolution , publ icado em 1956, no qual ligou o que denominou "liberdade sexual" e "anarquia sexual" a uma longa lista de males sociais que incluem altas ta xas de divórcio e nascimentos ilegít imos, crianças abandonadas e negligenc iadas, ent re outros. Assim se chegou ao ponto de não só sepa rar o "prazer" físico da relação sexual da "procriação" como também separá- lo do "amor."

4.1. A dificuldade de amar e de se comprometer Como vimos logo de início, "a relação entre amor e sex ualidade const itu i uma evidência afir mada, ao longo dos sécu los, o que significa ace itar que a sexua lidade hum ana só encontra expressão com sentido na experiência do amor e que é um dinam ismo de amor. Est a é a pers pet iva base da visão cr istã do homem e da mu lher."

---- - - - - - - - - - --------- - - - - - - - - - - - l Se o verdadeiro e mais profundo sentido da união sexual é a comum união do homem e da mulher, portanto a entrega tota l e o acolhime nto t ot al de um pelo outro, e a poss ibilidade da co-criacão de um novo ser humano, dentro de um projeto de vida de paternidade responsável que acolhe essa nova vida, então tem de existir co mpromisso. Ninguém se entreg a tot alment e sem confi ança, sem sent ir que ama e é amado/a, que não vai ser abandonado/a. A esse comprom isso cha mamos casame nto. Olhamos para a nossa sociedade e vimos que cada vez meno s homens e mulheres casam, formulam publicament e esse compromisso de amor, e que a coabitação aumen tou . Jack Dominian, um psiquiatra inglês que se te m ded icado ao estudo do amor -paixão e do casamento, diz-nos que muitos dos j ovens que coabitam são f ilhos de casais divorcia dos e que, ten do assist ido à dor e ao caos da queb ra da relação dos pais, quere m "testa r" a sua relação. No entanto a maioria são oriundos de meios sociais laicos, numa sociedade que se afastou muito da moral re ligiosa.'

"Na prime ira ses são de oito, numa acão de formaç ão em educaçã o sexual para o 9". Ano, uma

aluna disse: «Quando encont rar um homem de que m gosto vou dormi r co m ete.. Na últ ima sess ão a mesm a alun a disse: «Est ive a pe nsar no que disse

na primeira sessão; posso gost ar dele mas não o suficient e para ele ser pai do meu f ilho." Ac âo de Formação do Movi mento de Defe sa da Vida num a esco la da Zona de Lisb oa

Outras vezes essa rec usa do casa me nto advém da ignorância do que significa para o Homem e a Mulher viverem em sociedade , pelo que reduzem o casa mento a um documento, não reconhece ndo que o ser humano é por excelência um ser social. Há ainda situações de experiência em que ambos os parcei ros pretendem adqu irir uma certeza sobre o que vai ser a sua vida relaciona l no futuro. Ora como nin-

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"Sou uma mulher libert a de vint e e t rês anos que t oma a pílula há dois anos . Começa a ser uma despesa gran de da minha part e e ach o que o meu namorado devia pagar metade. mas não o con heço suf icie ntem ente bem para falar sobre dinheiro" Carta para uma conse lhe ira com coluna num jornal americano c itada por Percy Walker. l ost in the cosrnes ", Picad or sott co ver editt on, 2000. -

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guém gost a de sent ir que está a ser testado aument a o medo de ser magoado/ a e portanto o medo da ent rega. E essa experiênc ia por inerência f ica deturpada e não permite essa comu nhão tota l que existe quando homem e mulher se com promete m, com plena consci ência e liberdade, perante aque les que lhes são mais queridos e perante Deus, se são crentes. O co mp ro misso exige fé ; fé na força do amor que os une, fé na cons trução da relação em que apost aram. Essa constr ução leva tempo, exige diálogo, convivê ncia, conhecimento mútuo. A vivência precoce da relação sexual muit as vezes leva a que, na ansiedad e da união física, não se desenvolva o diálogo prof undo entre os dois. A intimidade que existe entre os memb ros deste casal perm ite -lhes partilharem os corpos mas não é suf iciente para que consigam falar sobre dinheiro!!! Mas, será que é mesmo isso: o dinheiro é mais "sagrado" do que o corpo, é mais "íntimo", mais revelador da identi dade da pessoa, mais co mplexo e desaf iador de part ilhar? O que é que te parece?

"Porque é «à imagem de Deus», o indiv íduo humano possu i a dignidade de pessoa: ele não é somente alguma coisa, mas alguém. É capaz de se conhecer, de se possuir e de livremente se dar e entr ar em comunhão com outras pessoas." Catec ismo da Igreja Católi ca, 357.

O compromisso a dois, mesmo numa relação amorosa bem construída , acaba sempre por ser um salto no escuro . Mas para quem tem uma relação profu nda com Deus, se o salto for de mão dada com Ele então é um salto dado com paraquedas.

4.2. O difícil projeto da fidelidade Uma relação amorosa compromet ida exige exc lus iv idade . A int imidade que se vive co m o cônj uge exige segurança, a entrega exige conf iança.

lO cu rioso como a nossa soc iedade, t endo-se afasta do da moral cristã e aceitando com aparent e facilidade o divórcio e a mudança de parceiro/a como quem muda de casac o, tent a ignorar a dor, o ciúme, a quebra de autoe stima e a mágoa sofridos pela t raição, pelo projeto de vida falhado quando acaba uma relação. Cristo compara a sua relação com a Igrej a à aliança assumida pelos cônjuges no casa mento. Uma aliança exige conf iança mútu a e se esta é que brada a relação sofre . Jack Dominian diz: "A f idelidade é uma necessidade bás ica para os casa is. Toda a base da confi ança mútu a depe nde dela. Quando essa conf iança é quebrada , recup erá-Ia leva tempo e possivelmente o casal nunca voltará à situaçã o anter ior. A f idelidade é uma necessidade hum ana f undamenta l, e a insistência do Crist ianismo nesse 8 Dcminian, Jack, Possionate and Compossiotvne facto simplesmente reflete a import ância que o mesmo dá à integr iLave, Darton, Longman and Todd Ltd .• 1991, p. 150, dade humana..."8 (nossa tr adução)

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Amor e Sexua lidade


----- - - - - - ------- - - - - - - - - - - - - - - - - -, A infi deli dade não se reduz ao adultério. Mu itas vezes, antes de este acon tecer, ou mesmo que nunca aconteça, um dos cônjuges pod e ser infiel à aliança dos dois mentindo, contando coisas íntimas do casal a terceiros, não investindo na relação, namoriscando. Todas as relações passam por fases menos inte ressantes (a planíc ie), difícei s (o vale) e boas (o cume da montanha). Todas as relações exigem invest imento e energia e isso pode ser especialmente dif ícil quando se está no vale ou na planície. Devido à maior espe rança de vida, os casamentos hoje em dia pode m du rar bas ta nte mais de quar enta anos, quando há pou cas décadas só chegavam a uma méd ia de quinze, e será mais fá cil pensar que é impossível "aguentar" uma relaç ão a dois tantos anos. Deus está presente no casamento cr istão e sempre pron to a responder a um pedido de ajuda. t: fá cil "olhar para o lado" nos mo mentos difíceis e é aí que o casal tem de fazer o esforç o de ir ao enco ntro do outro e ped ir aj uda se fo r caso disso. Essa aj uda poderá passar pela procura de um conselho prof issional.

4.3. A escolha procriativa: a responsabilidade e os desafios sociais

"Imagem de Deus, o homem e a mulher, plenitude da humanidade na sua relação de amor, to rnam-se co laboradores de Deus no dom da vida, A união sexual, expre ssão da co munhão de amor, é sem pre abe rta à comunica ção da vida , porque segundo o plano de Deus, a vida brota do amor." Policarpo, D. José. Catequese do Cardeal Patriarca no 2.0 Domingo do Quaresmo, ~Amor e Sexualida de", Sé Patriarcal de Lisboa, 24 de fevereiro de 2002. 4.

A vida brota do amor e essa nova vida, por sua vez, aprende a amar sendo amada. Ter um f ilho exige maturidade não só fís ica mas t ambém emociona l e psicológica , e essa maturidade só se atinge em adu lto. Na ado lescência já existe matu ridade biológ ica , mas a mat ur idade psicológica e emocio nal ainda está em desenvolvim ento - "Quem sou? O que q uero na vida? Para onde vo u?" são pergunt as às quais o ad ol escente ainda te m difi culd ad e em responde r. Fruto do amor, o bebé tem direito a uma mãe e a um pai e, des de a sua cr iação no mome nto da con cec ão. tem semp re direito à vida . Nem sempre um bebé é f ruto de uma relação amorosa e com promet ida , o que não quer dizer que não tenha direito à vida e a ser amado. t: uma responsab ilidade muito descartada pela nossa sociedade, a de dar apo io a mães e pais que não têm as cond ições idea is para aco lher uma nova vida. Educacác t.toral e Religiosa Católica

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I Um a mã e de quinze anos , alb ergad a numa institu iç ão e que diss e não sent ir nad a pe lo bebé du rante a gravi dez. foi encontrad a a segu rá-lo ao

co lo .e. olhando-Q maravilhada. disse: "Como é possíve l ele ser tão perfeit o e ter cr escido dent ro de mim? Como fiz eu um bebé com o nariz do pai e uma c ara t ão bonita ? Expliquem - me c omo fel!" Relat ado por uma fo rmado ra do Movimento de Def esad a Vi da (MOVl.

Est a mãe vai prec isar de muito apoio e tod a a co munidade à qua l ela pertence, de q ue nós

fazemos parte integrante, d eve esta r pro nta para

a a poiar.

A maternidade e a paternidade despert am sentimentos de maravilha e proteção em relação ao bebé mesmo quando os pais sabem que necessitam de muito apoio para acolher o fi lho em con diçõ es. A taxa de natalidad e em Portugal está cada vez mais baixa. Os casais adiam cada vez mais a primeira gravidez, esquecendo que a parti r dos t rinta anos a fertilidade da mulher diminui e que se poderá tornar mais difícil engravidar. Na ansied ade de dar bens materiais aos filhos existe ntes adiam ou nem sequer planeiam mais gravidezes. Por outro lado cr iou-se uma menta lidade de clivagem ent re a vivência ativa da sexualidade, a relação sexual, e a possib ilidade de gravidez. Inicia-se cedo a vida sexual at iva pensando que basta opt ar por um métod o de planeamento familiar e a gravidez não acont ecerá. Esquece-se que nenhum méto do é 100% eficaz e, quando acont ece, a gravidez é uma "surpresa" e muito mal aceite.

Poder cc-criar uma nova vida é uma enor me responsabilidade e esse bebé, esse novo ser humano, criado por Deus, merece ser acolhido com amor. Quem sabe que não tem idade nem co ndições para acolher um f ilho não deve ter relações sexuais. Por vezes um casal, com grande tr ist eza e mágoa sua, não consegue ter fi lhos. Est es casais podem ser fecundos na Vida de amor que espalham à sua volta . O seu amor "brot a vida" na sua dedicação aos out ros, os seus próximos.

4.4. O hedonismo "Hedonismo" significa a procura excessiva do prazer. Nesta procura excessiva o Ser Humano perde a sua dignidade e tr ata o seu próximo como um objeto , deixando de o respeita r. Vê-ola como qualquer coisa que pode satisfazer a sua necessidade de sent ir prazer. Não existe envolvimento , muito menos relação. Tudo o que torna outro Ser Humano um objeto usado para satisfação própria é eticamente conde náve l.

"Observa-se, em relação às novas fo rmas de subjet ivação na atualidade, uma negação do sof rimento acompanhada da busca incessante de felicidade. A subjetividade é hoje caracterizada pelo hedonismo, pelo imperativo de gozo que se associa ao dever de ser feliz. O suj eito atu al nega a dor, seja na relação que mantém com o próprio sofr imento ou naquela que int erage com o sofrimento do outro . Este modo de se posicionar fr ente à dor é marca do nosso tempo, circunscrito às conceções que descrevem a contemporaneidade através do que Lasch (1979) denominou de «cult ura do narcisismo» e Debord (2000) de «sociedade do espet áculo», regida pelo t riunfo do individual ismo associado ao consumo e à demanda incessante de prazer... Portanto, falar do sof rimento hoje é to car em uma questão crucial, pois o que caract eriza o homem na at ualidade é o hedonismo, o imperativo de ter prazer e evitar o sof rime nto. Ao imperativo de gozo, assoc ia-se o dever de ser feliz. A regra vigente é não sofrer, e a proposta que reina soberana é a de «pensar pos it ivo», ou seja, ter a felicidade como o horizonte de todos os acontecimentos da vida." Fortes, I. A psicandlise face ao hedonismo, Rev. Mal-Estar Subj. vor.a no.q, Forta leza, dez. 2009.

E a ti, o que é que te faz fel iz?

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Amor e Sexu alidade


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5. Formas de perceber a sexualidade que atentam contra a dignidade da pessoa humana 5.1. o risco da desumanização da sexualidade humana Fomos criados por Deus como seres relacio nais, à Sua imagem. Deus, a Trindade de Pessoas, é uma comun idade de Amor, um Amor que f lui ent re os Três e, at ravés da graça de Deus, para nós, Sua criação. Fomos criados mulher e homem co m a necessidade de sermos amados e a capacida de de amar e de viver em relação através desse amor. Toda a vivência da nossa sexualidade (ser homem , ser mu lher) empurra-nos na direção do outro através do amo r. Vivermos as sensações provoca das pelo exercício da nossa sexualidade fora de uma relação de amor, centrados em nós , torna- nos seres hum anos com um H minúsculo - desumaniza-nos.

5.1.1. Uma perspetiva egoísta da sexualidade A pessoa que não amadureceu não aprende u a dar import ància à vivência da relação , está centrada em si mesma , tem uma visêo individualista e uma perspet iva egoísta da sexualidade fi xada no "meu prazer, quando eu quero, como eu quero, com quem eu quero ." A masturbação (excitação voluntária dos seus próp rios órgãos sexuais) também é uma forma egoísta de viver a sexualidade, já que o sujeito se centra em si mesmo e ret ira a sexualidade do co ntexto de amor verdadeiro, da doação mútua e da procriação .

5.1.2. Como satisfação do desejo A vivência da sexualidade simplesmente como satisfaçã o do desejo t ambém nega a relação . O out ro é t ratado como um objeto usado para a satis faç ão própria . Quando exercemos o autodo mínio sob re o nosso desejo , quando dizemos "não" ao que nos apetece muito mas que sabem os não ir ao encontro do nosso bem e/ou o bem do outro, torna mo-nos pessoas mais maduras.

5.1.3. Outras formas egoístas e imaturas de viver a sexualidade Como fuga à frustração Em vez de lidar com o problema de uma form a construt iva ou pedindo ajuda procura- se esquecê -lo nas sensações fortes. Pode tomar a fo rma de uma masturbação comp ulsiva e fre quente ou na procura do outro/a que será usado/a como inst rument o.

Como exploração do outro Mais uma vez o outro é usado para satisfazer o interesse do própr io, não existe amor e, portanto, verdadeira relação. O outro é usado para o próprio ganhar dinheiro, posição, sentir prazer, etc .

Educaçã o I.loral e Religiosa Cató lica

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r - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - 5.2. Causas do empobrecimento da sexualidade Um bom desenvolvimento da sexualidade leva tempo, necessita de calma e de um enquadramento est ável. Este desenvolvimento é afetado por fatores familiares, sociais e culturais .

5.2.1. Imaturidade psicológica No ser humano o corpo amadurece vários anos antes de haver maturidade psicológica e emo cionaI. O percurso desta maturação psico lógica é demorado no tempo, e para ser bem feito exige que o adolescente estej a rodeado de um ambiente calmo, onde se sinta seguro para "tes tar as águas" e descobrir quem é, o que quer na vida e quais são os valores que o orientam . Se o ambiente que o rodeia é de grande instabilidade, será dif ícil para o adolescente entrar nesse seu mundo inte rior e conscientemente fazer escolhas e to mar dec isões em relação à sua sexualidade. Assim pode ser facilmen te levado para certos comportamentos sem ter pensado nas possíveis consequências - gravidez não planeada, doenças sexualmente t ransmi ssíveis ou desilusões amorosas que marcam profundamente.

5.2.2. Baixa autoestima e deficiente autoconceito Infelizmente nem todas as pessoas foram bem-amadas durante a sua infãncia e adolesc ência; os exemplos de relação com que conv iveram podem ter sido violentos e agressivos ou emocionalment e deturpados. Pode ter havido excesso de autoridade por parte dos pais ou, ao inverso, liberdade numa fase da vida em que ainda não tin ham capacidade de lidar com ela. São pessoas com uma baixa autoestima , com dific uldade em acredita r que são amadas e port anto com dif iculdade em amar desinteressadament e. Assim, muit as vezes destr oem as suas relações por est arem sempre a "test ar" a pessoa amada ou tornam-s e possessivas, fazendo frequ entemente cenas de ciúmes, pois não conseguem acredit ar que merecem ser amadas só por si.

5.2.3. Pressão social e ausência de reflexão autónoma Uma das grandes lições de vida que deve começar a ser aprend ida muito cedo é a de saber fazer escolhas, tomar decisões , formar um quadro de valores que orientem essas decisões. A capacidade de reflexão, de pensar antes de agir, de resisti r à cor rente é essencial para não vergar perante a pressão social, não fazer o que os outros fazem simplesmente porque é moda, por ser cool . Isto pode tornar-se muito dif ícil se não existe uma boa autoestima, se a pessoa não acredita no seu próprio valor. Os meios tecnológicos modernos nem sempre ajudam neste processo . Torna-se cada vez mais f requente os jovens refugiarem -se nas relações virt uais, onde a mentira e a fuga ao confron to com a realidade é mais fácil do que viver a relação com o outro na vida real com todas as suas dificuldades e frustrações, mas também com as grandes compensações de se poder olhar nos olhos, dar a mão, ler a linguagem corpo ral que por vezes é mais verdadeira do que a verbal.

5.2.4. Desejo de agradar e de ser aceite !O muito importante para o adolescente sentir que é aceite pelo seu grupo. Conseguir dizer que "não" aos amigos e cor rer o perigo de ser rejeitado exige uma grande força inter ior. Essa força interio r não aparece de um dia para o outro, mas é construída ao longo da infâ ncia e advém do adolesce nte se sentir incon dicionalmente amado. A falta de confiança em si próprio pode levar a que se sujeite a fazer aquilo que sabe estar errado para ser aceite pelo grupo. Isso trará um sent imento de mau estar interior difícil de supor tar, possivelmente levando a comportamentos de risco e depressão. Sujeita-se também a ser bullied por aqueles que dominam o grupo. Religião quer dizer "religar". Na relação vivida de modo cristão ligamo-nos a Deus e ao outro, o nosso próximo. A moral cristã ajuda-nos a perceber o caminho a seguir para nos encontr amos com Deus, vivendo melhor com nós pró prios e com o out ro, vivendo em cheio a nossa dignidade como fil hos de Deus. Quando deixa de ser egocêntrico, e portanto exclusivamente centrado em si mesmo, no seu prazer e na sua sens ibilidade, o ego verdadeiramente apaixonado é arrastado para f or a de si em direção ao outro. É o que veremos de seguida .

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6. A novidade da mensagem bíblica e a cosmovisão cristã sobre o amor

-- -- --- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - --- - - , "«Deus é amor, e quem perma nece no amor permanece em Deus e Deus nele» (1 Jo 4,16). Estas palavras da I Carta de João exprimem, com singu lar clareza, o cent ro da fé cristã: a imagem cr istã de Deus e també m a consequente imagem do homem e do seu caminho . Além disso, no mesmo vers ículo, João oferece -nos, por assim dizer, uma fó rmula sintética da existência cristã: «Nós conhecemos e cremos no amor que Deus nos tem» ." Bento XVI, Deus centos

Educação t.tora l e ReligiosaCatólica

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est, 1.


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6.1. A lei do amor ,

Na Bíblia não há um t ratado sobre sexualidade, mas todo o texto sagrado dos crist ãos é um relato de como os homens e as mulheres se co nfro ntam com o desafio de amarem e de serem amados, a prop osta que Deus lhes faz no contexto da Aliança que est abelece com o seu povo.

Logo no relato da Aliança do Sinai (Ex 19,1 -24,18) descobr imos um povo que recebe uma Lei, o Decálogo e o Código da Aliança. A entrega Auto ridade vem de cucrortrcs, que deriva de ouctor; da Lei, que Deus faz a Moisés, signif ica que ali se est á a cons titu ir um aquele que inspirou a obra; na base tem o verbo ougere, que significa faz er cresc er, tornar mais forte. povo, const it uição essa baseada na liberdade, na vida e na dignidade, onde a autoridade verdadeira é exercido por Deus. O Senhor dá-se a si mesmo e o homem aceita a dádiva pessoal de Deus, aceita -se a si mesmo como dom de Deus com tudo o mais que lhe é dado: a natu reza, a razão, a Lei, a História, o mundo. Por sua vez, a dádiva e a sua aceitação também reclamam dádiva mútua e, portanto, responsabilidade. O pecado surge como possibilidade da liberdade humana, mas Deus faculta à pessoa a possibilidade de recomeçar t udo de novo, sanar o dano e retomar o caminho do amor, pois o Deus da Aliança é um Deus f iel e co mpassivo, um Deus de perdão , que vem para libertar o seu povo da escravidão. It

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r--- - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - -- -- - - - -- Para os crente s cr istã os, a "descobe rta" deste Deus amoroso e f iel supõe a abert ura dos seus coraçõ es à possibilidade de viver em ac ão de graças, agradecidos pela dádiva do própr io Deus e por tud o aquilo que Ele criou para o ser humano. E signif ica, também, conhecer a unidade e a verdadeira dignidade de tod os os homens e de todas as mulheres, todos eles feitos à «imagem e semelhança de Deus» (Gn 1,26), comp rome ter-se a fazer bom uso das coisas criadas, como meios de aproximação a Deus e não de afast amento, e a confiar em Deus, mesmo nas circuns tâ ncias mais dif íceis. Esta Alia nça culm ina rá na Encarn ação. O Catecismo da Igreja Católica afir ma-nos que "Cristo, Filho de Deus feito homem , é o Palavra único, perfe ito e inultropossóvel do Pai. N'Ele, o Pai disse tudo" (CIC 65). Assim , a pregação de Jesus aprofu nda e at ualiza to das as promessas e propostas de Deus, a quem Cristo ensina a chamar "Pai". Deus envia o seu Filho para reti rar os homens do pecad o [«O Pai enviou o Filho co mo salvador do mundo» (1 Jo 4,14), «Ele veio para t irar os pecados» (1 Jo 3,5).], para que as pessoas conheça m o amor de Deus e enco nt rem em Cristo o seu mode lo de vida.

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Amo r e Sexualidade


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De facto, Cristo é a norma da nova Lei, o "coração" do cr istianismo:

-- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - , 6.2. A novidade do amor Na Encíclica Deus Caritas Est, Bento XVI explica -nos quais são os grandes argumentos que a Bíblia apresenta em torno do amor, o cent ro da fé cr istã:

z-Ediçoio

(/)eus

é ./ -&n or "Ant es de mais nada, temos a nova imagem de Deus." Deus Caritos Est, 9.

Conforme nos é explic ado no texto da Encíclica, no it inerár io da fé bíblica vai-se tornando cada vez mais claro que existe um único Deus, Cri ador do cé u e da terra, e que, por isso, é também o Deus de todos os homens. Ist o significa que a pessoa é amada por Deus po is fo i por Ele desejada, "feita" por Ele: "o único Deus em que Israel crê ama pessoalmente. Além disso, o Seu amor é um amor de eleição : entre to dos os povos, Ele escolhe Israel e ama-o - mas com a f inalidade de curar, prec isamente deste modo, a humanidade inteira ." Os profetas Oseias e Ezequiel descreveram esta paixão de Deus pelo seu povo através de imagens eróticas e a relação de Deus com Israel é ilust rada através das metáfo ras do noivado e do mat rimón io.

BENTOÀ"VI

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----- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - , A história de amor de Deus com Israel cons iste em que Deus "abre os olhos a Israel sobre a verdadeira nat ureza do homem e indica -lhe a estrada do verdadeiro human ismo. Por seu lado, o homem, vivendo na fidel idade ao único Deus, sente-se a si próprio como aquele que é amado por Deus e descobre a alegria na verdade , na justiça - a alegria em Deus que Se torna a sua fel icidade essencia l".

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A mensagem bíblica sobre o amor também mostra como é apaixonado o amor de Deus pelo seu povo, pela pessoa . Trata -se , ao mesmo tempo, de um amo r que perdoa. "Deus é abso lutamente a fonte orig inária de todo o ser ; mas este princípio cr iador de todas as coisas - o Logos, a razão primordia l - é, ao mesmo tem po, um amante com to da a paixão de um verdad eiro amor " (DCE, 10).

Educação f l oral e Religiosa Cató lica

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Deste modo, o eras (amar erótica , o amor apaixonado, com desej o e atracão sensu al) é enobrecido ao máximo e purifi cado, fu ndindo -se com a ágope (caridade). Esta quest ão é colocada por um belíssimo texto bíblico , o Cântico dos Cânticos, um dos livros poét icos e sapienciais do Antigo Testamento. Mostra-nos como a Bíblia não receia cantar o amor human o nem recusa fazer dele a linguagem da revelação divina , co nferin do ao amor e à sua expressão sensual uma grande dignidade e valor. A Sagrada Escritura aco lhe no Cântico do s Cânticos poemas de amor humano cheios de erot ismo que co nduzem ao encont ro interpessoal, à emoção de um amor que se abre à t rans cendência, um amor pleno de emoções e afeto s, enraizados na be leza f ísica da pessoa amada, e que deseja ardentemente perdurar até à eternidad e.

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Cdnnco dos CÓntJcos, t radução de Jose Tole ntin o de Mend onça, Lisboa, Ediç ões Cotovia, (1998 ) 2003

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Este belíssimo e intenso text o é um cânti co de amor dialogado. Dois ama ntes que se desejam ardentemente - o amado e a ama da - int ervêm para falar desse desejo , da bu sca apai xonada do outro, da admiração diante da beleza, da dor da ausê ncia, da alegria da mút ua perte nça , da felicidade. A atr ac ão do amo r é apresenta da através de metáforas car regadas de expressões erót icas e que vão abordando esses te mas, familiares a to dos qu antos já experi mentaram a paixão. Assim, este te xto celebra o amor huma no e exalta as suas del ícias, numa formulação ta lvez inspi rad a pelas festas de casamento se mitas e egípcias, marcadas por dias de ca ntos, danças e br incadeiras . As marav ilhas da cr iação sâo usadas para expr imir o amor: as plantas , a so mbra das árvores, o odo r das f lores, o jardim, os f rutos, a água das fon tes , a bele za das pedras precio sas, os animai s..

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Amor e Sexualidade


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No ent anto , este cântico de amor termina com um convite à fu ga:

Para quê esta referência à fuga, depois de os amados terem ultrapassado todos os obstá culos e estarem f inalmente j untos? O que os impede de dar livre curso ao seu amor? A amada, depois de declara r a força da relação que os une - «o meu amado é para mim e eu sou para ele» (Ct 2.16), descobre que em todo o amor deve have r um espaço que é de cada um. Um amor maduro não é um amor fusional, mas o amor que respeita a ident idade. a singularidade. um amor que exige aceitação e esforço: dep ois de todos os obstá culos extern os terem sido ult rapassado s. os amados ainda t erão de lut ar para ultrapassar os obstá culos que estã o em si. nomeadamen te o pecado, o egoísmo. Esta é uma importante lição bíblica sobre o amor humano: o amo r não se pode co nstruir na t irania. na dest ruição do "eu" do out ro. nem o amor humano se destina a levar-nos a ocupar na vida do outro o lugar cimeiro. que é o de Deus Criador. Este sublinhar da impor tânc ia da "ident idade de cada um " diz igualmente respeito à unidade do homem com Deus. De facto. a receção do Célntico dos Célnticos no cânone da Sagrada Escrit ura deu-s e bem cedo. no sent ido de que aqueles cânt icos de amor, no fun do, descr eviam a relação de Deus com o homem e do homem com Deus. E, assim, o referido livro to rnou-se, t anto na lite rat ura cristã com o na jud aica, uma fonte de conhecim ento e de experiência míst ica em que se exprime a essência da fé bíblica. Essa fé fala da unificação do homem com Deus, uma unidade que cria amor, mas em que Deus e o ser huma no permanecem eles mes mos: «Aquele, po rém , que se une ao Senhor constitui, com Ele, um só espírito». como diz S. Paulo (1 Cor 6,17).

6.3. «A imagem do homem» (Deus ca ritas est 11). A narração bíblica da criação fala da solidão do primeiro homem, Adão, e de como Deus lhe ofereceu uma comp anheira, pois de uma costela do homem Deus plasma a mulher. Agora Adão encontra a ajuda de que necessita:

Esta narração está dom inada pela noção de que esse homem só. de algum modo. está incompleto. pelo que se torna necessário enco ntr ar a parte que falta para a sua tot alidade, um out ro. Mas o texto vai mais longe e indica que só na comunhão com o out ro sexo o homem se pod e tornar «completo». E. deste mod o. a narração bíblica conclui com uma profecia sobre Adão:

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Deus é amor "Nós conhecemos o amor que Deus nos tem, pois cremos nele. Deus é amor, e quem permanece no amor permanece em Deus , e Deus nele . É nisto que em nós o amo r se mostra per feito : em esta rmos cheios de co nfiança no dia do juízo, pelo fact o de sermos neste mundo como Ele fo i. No amor não há temor; pelo cont rár io, o perf eit o amor lança f ora o temor; de facto , o tem or press upõe cast igo, e quem t eme não é perf eit o no amo r. Nós amamos , porq ue Ele nos amou primeiro. Se alguém disser: «Eu amo a Deus», mas tiver ód io ao seu irmão, esse é um mentiroso; pois aquele que não ama o seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus , a quem não vê. E nós recebemos dele est e mandamento: quem ama a Deus, ame t ambém o seu irmão." 1 Jo 4,16- 2 1

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Como pudemos descobrir pela breve análise da mensagem bíblica sobre o amor que já fomos faze ndo, a cosmovisão cristã sobre o amor apoia-se em duas pers pet ivas da realidade que se cruzam: por um lado, que Deus cr iou o homem e a mulher à sua imagem e seme lhança, chamando-o à existência por amor, e chamando-o ao mesmo tempo ao amor (cf, 11); por outro , Deus é amor e, por isso, quando cria o homem e a mulher à sua semelhança, inscreve neles a sua vocaç ão, a capacidade e a respo nsabilidade de amar. Neste sent ido, João Paulo II resume:

"O amor é, portanto, a fundamental e originária vocação do ser humano." João Paulo II, Familia ris cons ort io, 11.

E ainda explica:

"Enquanto espírito encarnado, isto é, alma que se exprime no corpo informado por um espírito imortal, o homem é chamado ao amor nesta sua total idade unifi cada. O amor abraça também o corpo humano e o corpo torna-se participante do amor espiritual." FC, 11

6.4. Viver o amor humano na perspetiva cristã Deste f unda me nto que a cosmovi são cri stã sobre o amor nos ofer ece retiram -se algumas consequênc ias relevantes para a apr eci ação e v ivência do amo r human o: • A sexu alidade, "mediante a qual o homem e a mulhe r se doam um ao outro com os atos próprios e exclus ivos dos esposos", não tem apenas uma base biológica, mas diz respeit o à integrali dade e à transversa lidade da pessoa hum ana. O seu desenvo lvimento pleno está assoc iado ao amor que se professam tota lmente um homem e uma mulher, até à morte. • Ao amo r conj ugal é pedida a fec undida de, que engloba a capacid ade de gerar f isiologicamente os f ilhos, mas também de os "gerar" como memb ros da família e da sociedade, isto é, de os educ ar e ajudar a tornarem-se adultos, autó nomos e responsáveis. Esta visão do amo r conjugai mostra como a relação da pessoa e da famíl ia com a sociedade é relevante para o cris tia nismo, como exclui qualquer forma de egoísmo e se propõe abrir a pesso a ao serv iço do outro e da renovação da soc iedade , como recor da o Papa Francisco:

Os Amantes, Pablo Picasso 1923, (Esp anha, 188 1-1973), Natio nal GaJlery of Art, Washington

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"A fam ília atravessa uma crise cultural profunda, como t odas as comun idade s e vínculos socia is. No caso da família, a fragilidade dos vínculos reveste-s e de especial gravidade, porque se trata da célula básica da sociedade, o espaço onde se aprende a conv iver na diferença e a perten cer aos outros e onde os pais trans mitem a fé aos seus f ilhos. O matrimónio tende a servisto como mera forma de gratificação afetiva, que se pode constituir de qualquer maneira e modificar-se de acordo com a sensibilidade de cada um. Mas a contri bu ição indispensável do matrimónio à sociedade supera o nível da afetividade e o das necessidades ocasi onais do casal. Como ensinam os Bispos franceses, não provém «do sent imento amoroso, efémero por definição, mas da profundidade do compromisso assumido pelos esposos que aceitam entrar numa união de vida total»," Papa Francisco, Exor ta ção Apostó lic a Evongelli Goudium , 66 .

• Ass im se compreende, pois, po rque o matrimó nio é o único lugar que t orna possível a esco lha co nsciente e livre que deve ser o "pacto conjugal", com o qual um homem e uma mulher cons tro em uma comun idade íntima de vida e de amor, querida pelo própr io Deus. Por este meio , o casal é chamado a part icipar na Sabedoria Criadora de Deus.

6.4.1. A aliança com Deus ou a opção fundamental do cristão Como lemos ante riormente, o evangelista João afi rma «Nós conhecemos o amor que Deus nos te m» (1 Jo, 4,1 6) exprimindo a opção fundamental do cr istão, a central idade do amor. "Ao início do ser cri stão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pesso a, que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo deci si vo", explica Bento XVI (DCE, 1).

Jesus uniu (Mc 12,29-31) o mandamento do amor a Deus com o do amor ao próximo , e como Deus fo i o primeiro a amar-nos (cf. 1 Jo 4,10), agora o amor já não é apenas um "mandamento", uma lei, uma obr igação, mas é a resposta ao dom do amo r com que Deus vem ao nosso encon t ro. Toda a ético cristã - e t ambém a moral sexuol - enco ntram aqui o seu ponto de part ida e o seu ponto de chegada, O crente cr istão procu ra orientar a sua existência, fazer as escol has da sua vida, de modo a garantir que co rres ponde ao amor do seu Pai e criador e que vive esse amor na pessoa do outro, que é o seu irmão.

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Amor e Sexualidade


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"Qual é a regra de comportamento mais importante, nas relações humanas, que Jesus nos ensinou? A mais import ante é esta: Deves amar o teu próximo - amarás o teu próximo - como a t i mesmo. Ou, como diz o texto hebraico original: Amarás o teu próximo, pois ele é como tu. Quando sei que o outro é feito do mesmo barro que eu, que tem as mesmas possibilidad es e fraquezas que eu, então esta proximidade dá-nos também a força para gostar do outro. [...] Amarás o teu próximo, pois ele é como tu, diz Jesus. E ele diz algo ainda maior: Amarás como eu te amei." Martini, Cardeal C.M. e Sporsschill, G.• Colóqu ios noturnos em Jerusalém, Coimbra, Gráfica de Coi mbr a, 200a, p. 35.

6.4.2. O que é o Amo r? A relação de amor ent re Deus e os seres humanos é uma questão fundamental para a vida dos crentes cristãos e um apelo constante na vida de qualquer pessoa. Mas para que esta 'a liança de amor" se possa compreender, é necessário entend ermos o que é, realmente, o amor. De um modo intuitivo, toda a gente "sente" ou "percebe" que a "experiência" ou a "ideia" de amor está, de algum modo, associada natur eza humana - os seres humanos falam de amor, desejam ser amados, desejam amar, até talvez amem - e, mais amplamente, ao rol de con dições ou de desejos que a pessoa formula na tenta tiva de ser feliz, de encontrar a felicidade. Mas nem todo o t ipo de amor é igual. à

O amor também não é apenas um sentimento. "Os sent imento s vão e vêm", diz Bento XVI (DCE, 17) e nós bem sabemos que sim. Claro que "t udo" pode começar por um sent imento : alguém ou algo em alguém que nos chama a atenção, que nos atrai, que nos faz querer est ar pró ximo, descob rir... mas isso ainda não é o amor. "É próprio da maturi dade do amor abranger todas as potencialidades do homem e incl ui r, por assim dizer, o homem na sua totalidade", diz o Papa Emérito. Ora essa totalidade supõe a vont ade - a vontade de prati car o bem, de agir em função da vontade de Deus - e a inte ligência ou seja, a minha capacidade de entender o bem que Deus quer para mim e para o outro - e não apenas o impulso de atracão ou a cur iosidade. Para a perspetiva cristã , também inclui a espiritualidade, isto é, no sentido cristão do amor amamos o outro que nos é oferecido por Deus e amamo- lo com uma capac idade que Deus depositou no nosso coração . Mais, procu ramos amar com aquela "qualidade de amor" cujo modelo é o amor de Cristo por nós. O grande desafio deste "amor tota l e total izante" é ele nunca est ar completo nem concluído, não ser, realmente, nem um estado nem uma experiência, mas um caminho que se constrói e experimenta quot idianamente, enfr ent ando inúmeros obst áculos em cada um de nós e no conjunto das nossas experiências de vida.

"A história do amor entre Deus e o homem consiste precisamente no facto de que esta comunhão de vontade cresce em com unhão de pensamento e de sent imento e, assim, o nosso querer e a vontade de Deus coincid em cada vez mais: a vontad e de Deus deixa de ser para mim uma vontade estranha que me impõem de for a os mandamentos , mas é a minha própria vontade, baseada na experiência de que realmente Deus é mais íntimo a

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mim mesmo do que eu próprio . Cresce então o abandono em Deus, e Deus torna-Se a nossa alegria (cf. Sal 73/72,23-28). Revela-se , assim, como possíve l o amor ao próximo no sentido enunciado por J esus, na Bíblia. Consiste prec isamente no fact o de que eu amo, em Deus e com Deus, a pessoa que não me agrada ou que nem conheço sequer. Isto só é possível realiza r-se a partir do encontro ínt imo com Deus, um encon tro que se tornou comunhão de vontade, chegando mesmo a tocar o sentimento. Então apren do a ver aque la pessoa já não some nte com os meus olhos e sentimentos, mas segundo a perspetiva de Jesus Cristo. O seu amigo é meu amigo." Deus Gari tas Est, 17, 18

Este amo r permite -me a descoberta fun damental: não estou "preso" ao aspeto exterior. mas percebo o "alguém" que ele ou ela é. a sua procura interior: "Eu vejo co m os olhos de Cristo e posso dar ao outro muito mais do que as co isas externamente necessárias: poss o dar-lhe o olhar de amor de que ele precisa ." Aqui se vê a interação que é necessária entre o amor a Deus e o amor ao próximo , de que fala co m t anta insistência a I Corto de Jo ão». (DC E, 18)

"O amor entre o homem e a mulher, no qual conco rrem indivisivelment e corpo e alma e se abre ao ser humano uma promessa de fe licid ade que parece irres istíve l, sobressai como arquét ipo de amor por excelência, de ta l modo que, comparados com ele, à pr imeira vista todos os dema is tipos de amor se ofuscam." Deus Coritae Est , 2

Ao amo r passional que se impõe à pessoa, mais do que resulta de uma opção voluntária, a Gréc ia ant iga deu o nom e de eras. Trat a- se de um amor com uma mais fo rte componente sensual, de atracão fís ica e prazer sexual. Ao amor prese nte na relação entre Jesus e os seus dis cípulos , o Eva ngelho de S. Jo ão (o discípulo pred ileto), atribui a designação de ph ilia (amizade). O cr istianismo apresent ará uma nova visão do amo r, ágape, que habitualmente t raduzimos por car idade. Ao longo dos tem pos o cr ist ianismo tem t ido dificuldade em lidar com o prazer erót ico inerente ao ato sexual, devido a inf luências maniqueístas. O maniqueísmo considera que a salvação da pesso a, a conq uista da vida etern a, depende de uma total rut ura entre a matéria, o corp o e o espírito . Nas suas catequeses A Teologia do Corpo o Papa João Paulo II veio alterar esta visão redut ora af irmando que esse prazer é part e int egrante da sexualidade humana , cr iada por Deus: J oão Pa ul.. II

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"Isto acontece para manifestar e realizar o valor do corpo e do sexo, segundo o desígnio original do Criador, colocados ao serviço da «comunhão de pessoas» que é o substrato mais profund o da ética e da cultura humanas. Ao passo que, para a mentalidade maniqueísta, o corpo e a sexual idade constituem, por assim dizer, um «anti-valor», para o cristianismo, pelo contrário, permanecerão sempre um «valor não suficientemente apreciado»." Cat equ ese de 22 out ubro de 1980, 3.

Alguma crít ica ao cr ist ianismo afir ma que este destruiu - condenou, baniu - o eros, recusando aceit ar o êxtase, o amor erót ico. Mas, de facto, o que aconteceu , logo no Antigo Test amento, foi uma oposição fi rme às diversas formas de idolatria que assoc iavam esse tipo de êxtase com a religião, considerando -as perversões religiosas, ta l como a tudo o que atenta contra a dignidade, desumaniza a vid a humana, degrada a pessoa .

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Am or e Sexualidade


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" Eu derra marei sob re vós um a água pura e se re is purifica d os; d e t odas as vossas im und ices d e todos os vossos íd o los. Eu vo s pu rificarei. Dar-vos-ei um co ração novo e po rei em vós um es p írito novo, t ira rei da vossa carne o coração de ped ra e da r-vos-ei um co ração de carne. Po rei o meu Espírit o em vós e farei que caminheis segundo as minhas Leis." Ez 36.25-28

Est a promessa de um coração renovado é o que permitirá aos homens a Aliança com Deus. Tal posição não significou, no entanto, a rejeição do eros, mas a compreensão de que a impu1sividade e a "irracionalidade" do amor erótico necessitam de uma disciplina, de uma purificação. Significa, também, compreender que, na busca da felicidade e da realização humana, é necessário algo mais de esforço, de persistência, de profundidade, de prova, do que a satisfação de um prazer imediato. O amor que quer o bem do outro, que transforma a vida, que faz feliz, "promete infinito, eternidade", exige uma educação mútua entre aqueles que se amam, esforço, persistência, investimento. O amor, que não é "um bom momento" nem um catálogo de momentos, exige um caminho de aperfeiçoamento, pois nos custa abandonar as exigências do egoísmo e não é fácil ver o mundo a partir das necessidades dos outros. O amor supõe generosidade e coragem .

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"- Só conhecemos o que cativamos - disse a rap osa. Os ho m e ns deixaram de ter tempo para conhecer o que quer que seja. Compram c oi sas feitas aos vendedores. Mas como não há ven dedores de a m igos, os homens deixaram de ter amigos . Se queres um am igo, cativa-me!"

St. Exupéry, Antoine de. O Príncioezum o, Lisboa, Editorial Presença, 2013. p. 69.

-------- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - , Se os criticos da conceção cristã de sexualidade afirmam que o cristianismo despreza ou rejeita o corpo , t ambém a cult ura atual tende a separar a sexualidade do amor, centrando-se exclusivamente no corpo e no prazer corporal. Como poderemos, então, compreender as exigências de uma ética cristã da sexualidade?

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6.5. Para uma ética cristã da sexualidade Como podemos observar, muit as vezes, a cultura atual parece domi nada por uma ideia de pessoa que, tratand o-a apenas como um corpo, atinge a sua dignidade. De facto, essa pessoa-c orpo passou a tratada como um bem de consumo e a secularização das mentalidades conduziu à negação da sua existência espiritual. Como resultado, vivemos numa cultura fortemente erot izada mas que, quando se trata de compreende r seriamente a sexualidade, não dispõe dos necessários mecanismos de reflexão. A Igreja Católica tem procurado responder a esta "revolução de costumes", fomentando o diálogo entre a fé e a antropolog ia, na proc ura da verdade e do bem.

6.5.1. O ser humano é uma unidade de «corpo e alma» Qual é a natureza humana? Quem é um ser humano? Muit as questões se colocam sobre a pessoa humana, questões decisivas, inerentes a uma ética da vida. A Igreja responde, à luz da Revelação e da vocação do ser humano à santidade, bem como do seu ensinamento sobre o homem e a mulher.

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"«Deus modelou o homem com o barro da terra e insuflou nas suas narinas um espírito de vida e o homem tornou-se um ser vivo» (Gn 2,7). A vida do homem expr ime -se no corpo, mas é espiritual, tem a sua origem no sopro divino. Esta é uma chave decis iva para a interpretação da sexualidade humana, que exclui espiritualismos radicais que reneguem o corpo ou visões fis icistas que não respeitem as exigênc ias do espírito ." D. José Policarpo, Evangelizar o Amor, p. 42 .

Não há, po is, que acei ta r a reje ição do corpo como um a herança biológica, pois isso só reti ra dignidade ta nto ao corpo quanto ao espírito . E se se renega o espírito, então ambos ta mbém perdem a sua grandeza .

"Nem o espírito ama sozinho, nem o corpo: é o homem, a pessoa, que ama como criatura unitária, de que fazem parte o corpo e a alma . Somente quando ambos se fundem verdadeiramente numa unidade é que o homem se torna plenamente ele próprio. Só deste modo é que o amor - o eros pode amadurecer até à sua verdadeira grandeza." Deus Ca rita s Est, 5 ,

Quando a sexualidade é sepa rada do amor, o eras é red uzido ao "sexo", tornando-se uma "coisa" que se pode com prar e vender, algo que pode ser explorado. Reduzida à sat isfação de um impu lso biológico, a sexualidade deixa de estar int egrada no campo da liberdade humana, da escolha consc iente , da promessa de felicidade . Por isso mes mo, muit as fo rmas de exaltação do co rpo tra nsformam-se em ódio à co rporeidade . O cristian ismo sem pre cons idero u o ser human o como um ser uni- dual, isto é, em que espírito e corpo se unem e inte ragem entre si, experimenta ndo por isso uma for ma nova de nobreza.

6.5.2. Amar é entregar a sua vida pelo outro Quando o amor se to rna cuidado do outro e pelo out ro j á não se busca a si próprio, não coloca em pr imeiro plano a felicidade própria, mas deseja o bem do amad o, aprende a renuncia r à sat isfação imed iata do prazer e est á dis posto ao sacrifíc io, o eras encontra -se com ágape, a carida de. Jesus explicou- o muitas vezes, descrevendo o seu camin ho pessoal para a ressur reição, at ravés da cruz:

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Entendido desta forma , o amor abarca toda a existência da pessoa, não é um momento, nem o conjun to dos bons moment os, mas uma forma de estar no mundo e de olhar para os out ros. Este amor, complexo e difícil de ating ir, reclama t ornar-se definitivo e visa a eternidade. Do ponto de vista da psicologia humana, um amo r ass im prec isa de aprendizagem e de tre ino, de experiên cia e persistência, pois o ser humano é comp lexo e cresce a part ir de alguém que é muito centrado em si, tardando deveras a quebrar o círculo do egocentrismo, t anto intelect ual como mo ral. Não é de um momento para o out ro - embora no despertar da paixão tudo nos pareça possíve l e acessivel, e ainda bem - que somos capazes de colocar o bem do outro acima e à fre nte do nosso próprio interesse .

"A mensagem sobre o amor que nos é anunciada pela Bíblia e pela Tradiç ão da Igreja aponta no . sentido do agape como expressão do amor fundado sobre a fé e por ela modelado . Mas na realidade, eras e agape - amor ascendent e e amor descende nt e - nunca se deixam separa r com pletamente um do outro. Quanto mais os do is encontrarem a justa unidade, embora em distintas dime nsões, na úni ca realidade do amo r, ta nto mais se realiza a verdadeira natureza do amor em geral. Embora o eras seja inicialment e sobretudo ambicios o, ascendente - f ascínio pela gran de promessa de feli cid ade - , depo is, à medida que se aproxima do out ro, far-se - ácada vez menos perg unt as sob re si pró prio, procurará semp re mais a fe licidade do outro, preocupar-se- à cad a vez mais com ele, doarse- á e deseja rá «existi r para» o outro. Assim se insere nele o mom ento da agape; caso contrário, o eras decai e perd e mesmo a sua pró pria nat ureza. Por out ro lado , o hom em tam bém não pode viver excl usivamente no amor ablativo, descendente. Não pode limit ar-s e sempre a dar, deve tam bém receber. Quem quer dar amor, deve ele mesmo recebê-lo em dom. Certamente, o homem pode - como nos diz o Senhor - torn ar-se uma fonte donde corre m rios de água viva (cf. Jo 7,37-38); mas, para se tornar seme lhante fonte, deve ele mesmo beber incessantemente da fonte primeira e originária que é Jes us Cristo, de cuj o coração t respas sado brota o amor de Deus (cf. Jo 19,34)." Deus Centos Est, 7.

6.5.3. O amor é uma única realidade Na sua complexidade, o "amor " é uma única realidade, emb ora com dist int as dimensões . Conforme a circun stan cia, pode revelar-se melhor uma dimens ão em particular. O risco de "estra gar" o amor está em separar completamente uma dimensão da outra: "quando as duas dírnens ões se separam completamente uma da outra , surge uma caricatura ou, de qualqu er modo, uma form a redutiva do amor." (Deus Caritas Est, 8). Bento XVI explica, ainda, que a fé bíblica não invent ou um out ro mundo para um out ro t ipo de amor, paralelo ou cont raposto ao que as pessoas sente m e vivem, e que é um amor tã o originário, já que a pessoa nasce do enco ntro entr e um homem e uma mulher e, de algum modo, mesmo nas circunstancias mais duras e ines peradas, dar a vida é sempre um ato de amor. Não, a Bíblia mostra-nos que é preciso purificar o amor, mostrando toda a profundidade e variedade das suas dimensões. O amor não é algo simp les ou superficial, não é um encontro furt uito, uma t roca de prazeres. um egoísmo vivido a dois, mas algo que resulta do encontro de um único Deus com o ser humano criado à sua imagem e semelhança, logo dotado de liberdade e dignidade. Dito de outro modo, o amor mais erótico, se não se de ixa guiar pe la necessidade de f azer be m ao objeto de amo r, torna-se uma tirani a de exp loração do prazer e de quem o fornece ou f acili t a. Também um amor caridade, se vivido numa abstrac ão desencarnada da fru ição e do prazer de viver e amar, é tão incapaz de alegria e de distensão que acaba, do mesmo modo, por se tornar uma exploração do outro, pois se este não é sentido co mo o ente real e com pleto que é, est á t ambém a ser usado e a ser violen tado.

6.5.4. O matrimónio monogâmico é o ícone do relacionamento de Deus com o seu povo A mensagem bibl ica sobre o amor nunca perde de vista a relação entre Deus e o ser humano, que culminará na form ulação de Jo ão: «Deus é amor» (1 Jo 4). E, como vimos , est á marcada pela nova imagem de Deus e do hom em que nos transmite .

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As promessas de Deus a Adão e Eva ecoarão por toda a sua descendência, ou seja, em toda a humanidade. Eles deverão mu ltip licar-se - gerar f ilhos e os f ilhos netos, e assim sucessivamente - e aplicar-se em administ rar a criação que Deus lhes oferece . E porque os cria à sua semelhança, chamou-lhes seres humanos. Isto quer dizer que não só a dignidade da pessoa advém da sua similit ude - única, na criação - com Deus, como significa que se a pessoa se recusa a honrar essa "ligação" a Deus, essa proximidade de ser criado com o seu Criador, a pessoa perde a sua humanidade. to int eressante que esta mensagem est eja, no t exto bíblico, de algum modo associada à necessidade que o ser humano t em de "cres cer e multip licar- se", pois se a pessoa usar mal, ou não f izer uso, da sua capaci dade de amar, não é cada um e cada uma aqueles que são prejudic ados , mas t oda a humanidade. A fecu ndidade é, pois, condição de felicidade para a pessoa e exigência moral para com a humanidade, cujo futuro dela depende.

"Aqui há dois aspetos import antes: primeiro, o eras está de certo modo enraizado na própria natureza do homem; Adão anda à procu ra e «deixa o pai e a mãe» para encontrar a mulher; só no seu conj unto é que representam a totalidade humana, to rnam-se «uma só carne». Não menos importante é o segundo aspeto : numa orientação baseada na criação, o eras impele o homem ao matrimón io, a uma ligação caracterizada pela unicidade e para sempre; deste modo, e somente assim, é que se realiza a sua fi nalidade ínt ima. À imagem do Deus monote ísta corr esponde o matrimónio monogâm ico. O matri mónio baseado num amor exclusivo e def initivo torna-se o ícone do relacionamento de Deus com o seu povo e, vice-versa, o modo de Deus amar torna -se a medida do amor humano. Esta estreita ligação ent re eros e matrimónio na Bíblia quase não enco ntra paralelos literários fora da mesma." Deus Caritas Est, 8.

o texto bíblico ainda nos explica, pois, que um amor tão valioso como o que une um home m e uma mulhe r, para além do que significa na vida destes e no seu processo pessoa l de humanização crescente, ainda t em um intenso valor espiritua l: é a "encarnação" mais perfeita da relação de Deus com o seu povo.

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6.5.5. A grandeza da liberdade humana

o que é, de facto, a liberdade? Consiste na possibilidade de fazer tudo aquilo que me apetece, quando me apetece, sem ter em consideraçãoas consequências? Ou é uma condição iminentemente humanizadora da minha existência, que me convida a ser "senhor de mim mesmo", consciente e responsável? "Mas é só na liberdade que o homem se pode converter ao bem. Os homens de hoje apreciam grandemente e procu ram com ardo r esta liberdade; e com toda a razão. Muitas vezes, porém, fomentam -na dum modo condenável, como se ela cons istisse na licença de fazer seja o que f or, mesmo o mal, co ntanto que agrade. A liberdade verdadeira é um sinal privilegiado da imagem divina no homem. Pois Deus quis «deixar o homem entregue à sua própria decisão», pa ra q ue busque por si mesmo o seu Criador e livrement e chegue à total e beatífica perfeição, aderindo a Ele. Exige, portanto, a dignidade do homem que ele proceda seg undo a própria consciência e por livre adesão, ou seja movido e induzido pessoalmente desde dentro e não levado por cegos im pulsos interiores ou por mera coação externa. O homem atinge esta dignidade quando, libert an do- se da escravidão das paixões, tende para o f im pela livr e escolha do bem e procura a sério e com di ligente iniciativa os meios convenientes . A liberdade do homem, ferida pelo pecado, só com a aju da da graça divina pode tornar plenamente efetiva esta orientação para Deus. E cada um deve dar conta da própria vida perante o tribuna l de Deus , segundo o bem ou o ma l que t iver praticado". Gaudium et spes, 17.

--------- -- ------ -- --- - - - - - ----- - l Vimos anteriormente que ao amor oferecido por Deus ao ser humano era pedida uma resposta - a aceitação da responsabilidade. Mas toda a resposta humana à interpelação de Deus - por exemplo, a conversão de alguém que escuta a Pa lavra de Deus, a aceita e decide viver de acordo com esta, tornando-se um crente - deve ser dada em liberdade, "sinal da imagem de Deus" no ser humano. A liberdade permite, pois, a escolha do bem, a decisão de viver mais além e mais amplamente do que, apenas, em resposta ao "impulso" biológico, à influência da cultura e das modas, como o texto da Constituição Pastoral do Concílio Ecuménico Vaticano II, Goudium et Spes, refere: "libertando-se das paixões". Assim, também a vida sexual de cada pessoa deve ser vivida em liberdade, de acordo com a sua consciência - a sua noção de bem e de mal -, no respeito por si mesmo e pelos outros. Pa ra os crentes cristãos, de acordo com a revelação bíblica sobre a sexua lidade. Cada pessoa é chamada a colaborar na obra da criação, mas isso exige um esforço e um empenho conscientes.

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"Muitas vezes a ideia de liberdade se reduz a mera espontaneidade, e quer-se fazer acreditar que na espontaneidade a pessoa se realiza em autenticidade. Se po r espontaneidade entendemos o deixar-nos arrastar pelas nossas pulsões e desejos sem real izar uma aná lise adequa da das nossas motivações, estamos num níve l inf ra-humano próprio do subjetivismo hedonist a que não se propõe outras metas de realização que a satisfaçã o de necessidades imediatas sem nenhum tipo de projeto pessoal nem muito menos comunitário. O que está na base desta ideologia é um egoísmo crasso muitas vezes hipócrita que se nega a reconhecer as verdadeiras motivações da sua atuacão, para além do mais, nega-se a arriscar um sentido para a pró pria história, um proj et o para a própria vida . A liberdade, para ser autêntica, tem de nos levar a uma realização pessoal que implique a

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t otalidade da nossa pessoa nas suas relações fundamentais face ao futuro. Para isso a liberdade precisa do exerc ício da razão prática para chegar a compree nder a sua f inalidade principa l e as suas realizações concretas assumindo um caminho de ascese pessoal que a leve a liber ta r-se de tudo aquilo que lhe impeça uma autêntica mat uridade para compreender o rumo de uma vida que vale a pena ser vivida. A liberd ade é constitutivamente pessoal, e isso significa relacional, ou seja, é perante o outro que eu exercito a ml nha liberdade. Para além do mais, não posso ser livre se não for com o out ro, com os outros, e não apesar dos outros. É que sem «os outros» a minha vida perde sentido, que só é encontrado na possib ilidade e no desafio da comunhão. O caminho de libertação pessoal é o amor autêntico cuja característica fundamental é a gratuidade. Isto significa que toda a amizade verdadei ra se cultiva por ela própria e não por outros motivos. Ou seja, cultiva-se pelo valor da própria amizade, pelo valor do outro co mo pessoa, e pelas possibil idades de encontro e conhecimento recíprocos através dos quais nos humanizamos. Certamente, o «âmbito» de encontro e relação será o trabalho ou o ócio, mas a verdad eira amizade não é um meio para conseguir dinheiro ou uma posição social , não é algo para ser instrumenta lizado, mas sim um fim em si, de todos os modos que a pessoa humana o for. Sabemos que o amor t em diversas formas de se manifestar: o amor familiar, a amizade e o amor conjugal. Todas são formas de amizade, ou seja, relações interpessoais nas quais não só me procuro a mim próprio, mas descubro no out ro um ser para a comunhão. O modelo do amor conjugal pode-nos ajudar a compreender melhor a natureza das relações interpessoais. Quem se apaixona verdadeira mente por outra pessoa sente-se atraído pelo out ro enquanto pessoa, mais além da sua aparênc ia, a qual se valoriza como aparência de alguém a quem se quer descobrir e conhecer não na mera periferia, mas sim em profundidade do seu ser pessoal. Quem transita no caminho do amor deixa-se invadir pela pessoa amada que passa a ser o seu centro das atenções. A experiência de se entrega r sem reservas é uma experiência de plenificação da própri a liberdade que se compromete com o outro num projeto de vida em comum. O modelo do amor conjugal aparece continuamente na Sagrada Escrit ura para explicar o amor de Deus pelo seu povo, e inclusive pela Humanidade inteira, sobretudo na predicação profética . Perante a infide lidade repet ida do seu povo, Deus mostra um amor inquebrantável que se concretiza na realização da aliança, como estilo de relação na qual Deus se compromete inteiramente e pede ao homem um compromisso tota l: «Vós sereis o meu povo, e Eu serei o vosso Deus» (Jr 30,22). Deus não escolheu Israel por ser um povo forte ou f iel, ou seja, não pelas suas qualidades humanas, mas sim pelo amor, por outras palavras, a escolha de Israel é totalmente gratuita por parte de Deus (Dt 6,7-8) porque o amor é gratuito: «Se alguém desse toda a riqueza de sua casa para co mprar o amor, seria ainda tratado com desprezo...» (Ct 8,7)Assim, a experiência ética é uma experiência gratu ita porque nasce do profundo da liberdade pessoal e é cham ada a desenvolver-se na gratuidade do amor como descobrimento do out ro na sua originalidade e valor, e na entrega pessoal ao outro como sinal de amizade." Yáliez S.J.. H. Mi gue l, «A bre cha ideológica: a sexualidad e no conte xto da an tropolog ia Cristã», in Postoro l Ca tequ ético, 2 1/22, Secreta riado Na cional de Educação Crist ã , Se t . 2011- ab ril 2012.

6.5.6. E Deus faz -me falta para amar?

Tout, Pierre Atecnin sky (Bélgica, 19 27) . Centro de Arte Mod erna, Fundacêo Cstoust e Gulbenkian, Lisboa

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Amo r e Sexualidade

A soc iedade atual tem, na possibilidade de imaginar a vida, o mundo e a humanidade sem fazer referência à t ranscendência, um traço cultura l muit o determinante. Deus parece posto de part e, parece não ter lugar na vida e na consciência das pessoas. Como vimo s anterio rmente, esta atitude abre as portas à mental idade consumista , ao hedonismo, a uma leitu ra supe rf icial e egocêntric a das realidades humanas, sociais e individuais. Tem, também , importa ntes consequências na forma como lidamos com as questões da experiência humana, como as relações homem-mu lher, a procr iação e a morte. Mas, Deus faz- me falta para amar, ou posso amar bem sendo "apenas" uma boa pessoa? Deixemos que Bento XVI nos aju de a encontrar a respost a:


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Vemos, então, que reconhece r no outro a imagem divina faz to da a dife rença. O amor humano não é independ ente de um Amor maior,

"Se na minha vid a fa lta tota lmente o contacto com Deus, posso ver no outro sempre e apenas o outro e não cons igo reconhecer nele a imagem divina. Mas, se na minha vida negligencio completame nte a atenção ao outro, import ando- me apenas com ser «piedoso» e cumprir os meus «deveres religiosos», então definha também a relaçã o com Deus. Neste caso, trata -se duma relação «correta», mas sem amo r. Só a minha disponibilidade para ir ao encontro do próximo e demonstrar-lhe amor é que me torn a sens ível também diante de Deus. Só o serviço ao próximo é que ab re os meus olhos para aquilo que Deus faz por mim e para o modo co mo Ele me ama." Deus Caritas Es t. 18.

é uma conseq uência desse amor, pois Deus amou-nos primeiro e ao criar-nos à sua seme lhança , de ixou em nós a capaci dade de amar.

"Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhec imento de Deus. Aquele que não ama não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor. E o amor de Deus manifestou-se desta forma no meio de nós: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito, para que, por Ele, tenhamos a vida. É nisto que está o amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele mesmo que nos amou e enviou o seu Filho como vít ima de expiação pelos nossos pecados. Caríssimos, se Deus nos amo u assim, também nós devemos amar-nos uns aos outros." 1

Jo 4 ,7-11

6.5.7. Resumindo , a sexualidade entendida pela revelação bíblica Já vimos como, para o cristianismo, não há oposição nem separação entre o amor e a sexualidade. A sexualidade humana só encontra sentido no contexto da experiência do amor. Esta convicção, como também já analisámos, decorre de uma antro pologia - de uma interpretação do que é o ser humano e a humanidade - fundada na revelação, isto é, "na verdade criacional do homem como projeto de Deus" e que nos é transm itida pela Bíblia e a Tradição da Igreja Catól ica. Podemos resumir as questões centr ais do seguin te modo:

• Desde o relato do Livro do Génesis que a sexualidade humana é mostrada através da natu reza bissexuada do ser humano, ist o é, na com plement aridade entre o homem e a mulher, e encontra o seu sent ido numa relação de amor.

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A vida do ser humano exprime-se no corpo, mas é de natureza espiritual, tem a sua origem em Deus. Criados à imagem de Deus, essa imagem ref lete-se na mulher e no homem, não na sua solidão mas, sobretudo, na sua capacidade de comunhão.

Deste mo do, a sexualidade é:

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Uma sexualid ade relaci onal Isto significa, mesmo do ponto de vista psicológico, que a pessoa só descobre plenamente o seu "ser homem" ou o seu "ser mulher" na relação mútua de amor. O amor enca rna do e a expressão da inti mida de Na comunhão de amor entre o homem e a mulher sintetiza-se a dimensão espiritual e corporal do amor. A int imidade dos corpos - na relação sexual - só é inteiramente humana quando partilha a intimidade espiritua l, do encontro das pessoas, das personal idades, e não se fica pelo relacionamento fort uito e impulsivo. A busca de prazer no outro revela uma atitu de profundamente egocêntrica, infantil, sem intimidade, e corre o risco de se t ransformar em perda, sofr imento e drama.

• A fe cundidade Como vimos anteriormente, o homem e a mulher são chamados a colabora r com Deus na obra da criação. A união sexual, que exprime o amor que têm um pelo out ro, dá origem a uma nova vida e o casal também é convidado a corre sponder ao zelo que a própri a sociedade pôs na sua criação e educação, retribuindo o amor que recebeu

«O hom em... unir-se-á à sua mulher e serão um» S. Joã o Crisósto mo (séc. IV), Homilia 20 sobre a epístola aos Efésios "Que deves tu dizer à tua mulher? Diz-lhe com muito car inho: «Eu escolh i-te, amo-te e prefiro-te à minha próp ria vida. A existência presente não é nada; por isso, as minhas orações, as minhas recomendações e todas as minhas acões, realizo-as para que nos seja concedido passarmos esta vida de tal maneira que possamos ficar reunidos na vida futu ra, sem mais nenhum medo da separação. O tempo que vivemos é curto e frág il. Se nos for conced ido que agrademos a Deus durante esta vida, f icaremos Desen ho Caneta de arqurtet o eterna mente com Cristo e um com o outro, numa felicidad e sem limites. sobre Papel José Escada (Port ugal, 1934-1980) Centro O teu amor encanta-me mais do que tudo e não conheceria infelicidade de Art e Moderna, Fundac êc mais insuportável do que ser separado de t i. Ainda que tenha de perder Catou ste Gulbenk ian. Lisbo a tudo e tornar-me mais pobre do que um mendigo, enfrentar os maiores perigos e suportar o que quer que fosse, tudo isso me será suportável enquanto durar o teu afeto por mim. É apenas conta ndo com esse amor que eu desejo ter filhos». Precisarás também de adequar a tua conduta a estas palavras... Mostra à tua mulher que gostas muito de viver com ela e que, por causa dela, preferes esta r em casa do que na praça. Prefere-a em relação a todos os amigos e até aos filhos que ela te deu; e a estes que os ames por causa dela... Fazei as vossas orações em comum ... Que cada um de vós vá à igreja e que, em casa, o marido peça contas à mulher, e a mulher ao marido, daquilo que foi dito ou lido... Aprendei o temor a Deus; tudo o mais correrá como de uma fonte, e a vossa casa encher-se-á de bens inumeráveis. Aspiremos aos bens incorruptíveis e os outros não nos faltarão. «Procurai primeiro o Rei no de Deus, diz-nos o Evangelho, e tudo o mais vos será dado por acréscimo» (Mt 6,33)." S. João Crisóstomo, Homili a 20 sobre a epístola a os Efésios.

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Amor e Sexualidade


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7. A problemática da erotização da sociedade e a influência que esta tem nas escolhas pessoais

- - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- - - - -1 "A dimensão de decisão da liberdade pessoal é essencial para assumir um projeto de vida no interior do qual a pessoa ou as pessoas podem chegar a humanizar-se no caminho da sua plenitude. Não há humanização sem compromisso profundo por alguém, por uma causa, por algum valor. A vida vivida segundo a mera espontaneidade acaba rebaixada aos níveis infra-humanos, perde cons istência e horizonte motivador." Yéüez , H. Miguel, SJ, «A brecha ideológica: a sexualidade no contexto da antropologia cr tste». ln PastorolCatequético 21/2 2, Secretariado Nacional de Educação Cristã, set. 2011- abril 2012.

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A palavra eros, de origem grega, está ligada ao amor-pa ixão, à sexualidade, ao sexy, à sensuo lidode. Todos os seres humanos, a part ir da puberdade, vivem o erotismo que se pode expressar at ravés da imaginação e da fant asia (int erior) ou at ravés da arte - pintu ra, música, dança, escultura (exte rior). Vivido dentro de uma relação amorosa a dois, o erotismo expressa-se atra vés da sensualidade apaixonada mas enraizada no amor, carinho e ternura. Por outro lado, o erot ismo centrado no próp rio leva à vivência egocênt rica, à exploraçã o do outro na procura de uma excitação que acaba por nunca sat isfazer porqu e não envolve o ínti mo. - Olhamos à nossa volta e vimos a mulher usada como objeto na publicidade. A roupa, ou melhor, falt a dela, os movimentos sensuais, a seduç ão, t udo é usado para vender produtos. - Na maioria dos f ilmes e séries de televisão a mulher é apresent ada como linda e esbelt a e o homem como bonito e sedut or. - Nos j ogos a mulher tem um corpo sexy e irrealista. - Nos vídeos da mús ica a mulher é ext remamente sexualizada através da roupa, dos movimentos e da dança . A relação homem/mulher é superf icial e por vezes subliminarmente sugere violência e agressividad e.

7.1. Consequências da erotização da sociedade na compreensão do que é a sexualidade A mensagem passada para o público é a de que o co rpo é uma fer rame nta usada para atr air. Sem dar por isso, muitos absorvem a mensagem de que o mais import ante é ter um corpo perfeito e a ext rema preocupação que têm em at ingir esse objetivo impossível leva a diet as exageradas, t rat amentos plásticos, dinheiro gasto em roupa usada pela últi ma celebridade. O facto de que a maioria das caras e dos corpos que querem imitar são manipuladas com Photo shop passa-lhes despercebi do e continuam na tentativa frustra nte e insat isfatória de consegu ir o impossível. Esta visão superficial do ser humano é muito empobrecedo ra. Como já foi dito, a sexualidade huma na abrange tod o o ser - corpo , alma e senti mento. A eroti zação da sociedad e leva ao favoreciment o daq uilo que é exterior e à negligência do interior com todo o empobrecimento da vida sentimental, int elect ual, espiritual e de intim idade que isso implica.

7.2. A sexualidade vista como negócio, consumo, entretenimento, jogo, sem conexão com a relação pessoal Todo o ser humano, conscient e ou inconscientemente, deseja viver relações de int imidade. Só essa int imidade preenche o vazio interior sent ido. A relação de maior int imidade, de mais proximidade, é a que vivemos co m Deus, mas apre ndemos a vivência da int imidade nas relações que cons t ruímos com aqueles que nos rode iam. A relação sexual só por si não leva à int imidade (dois corpos j untam-se, separam-se , mas os corações não se toca ram) - esta int imidade vai sendo cons t ruída at ravés do diálogo e da convivência. Por nos tocar a todos tã o int imame nte existe uma curiosid ade e fascínio da parte da maioria das pessoas por t udo o que se relaciona co m a sexualidade e por isso mesmo torn a-s e numa arma do market ing. É rara a revist a cor-d e-rosa que não tenha a palavra 'sexo', 'amor', 'apaixonado/a ' ou similares na capa. O sexo é explorado com f ins lucrativos . O uso da sexualidade fora de uma relação pessoal construída com amor implica o trata mento do out ro como objeto e desumaniza o próprio. A sexualidade é desbaratada e o homem ou mulher perde a sua dignidade como ser humano.

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Amor e Sexua lidade


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7.3. A degradação da pessoa pela sexualidade Quando o ser humano perde a sua dignidade degrada-se aos poucos, o que é ext remame nt e tr iste. • O adultério implica a traição de uma promessa de fidel idade. Ao tra ir o seu cônjuge o adú ltero mente a si próp rio, pesso a com quem prat ica o adultério e ao seu cônjuge . Uma relação de amor tem de ser tr ansparente o que é impossível acontec er num a relação ad últe ra. A menti ra dest rói interiorm ent e. à

• Por vezes as pessoas tê m dificuldade em dist inguir ent re o erotis mo e a po rnograf ia. A pornografia simplesment e que r provocar sensações em quem vê. Não existe qualque r relação pessoal ent re os ata res, nem demon st rações de afeto . A porn ograf ia pode viciar e acaba por detu rpar as relações pessoais de quem tem o hébito de ver. O aumento exponencial do número de pessoas (maiorita riamente homens) viciados na pornograf ia at ravés da Int ernet , co meç a a preocupar muito quem tra balha na luta cont ra os vícios. Quem vê e quem trabalha na ind ústr ia da pornogra f ia perde to do o respeito pelo outro e, ao usar o corpo como um inst rumento, perde a sua dignidade . • Atra vés da prostituição O homem/mulher vende o seu corpo a um terceiro. 10 frequente ouvir uma prostituta dizer que se dissocia do seu corpo durante o ato . Esta clivagem em si pró pria leva a que fique sem autoestima e que se deixe inst rumenta lizar. Ao falar sobre a pros tituição temos que nos lemb rar que não é só a mulher que se prost itu i e ter em con ta de que quem procura um/uma prost it uta t ambém esta a viver a sua sexualidade de uma fo rm a muito pouco digna e incomplet a. • A pedofilia (relacionamento sexua l co m uma criança antes da puberdade; o relac ioname nto sexual com jovens adolescentes chama-s e hebef ilia ou efebofil ia) é co nsiderada cr ime e moralmente condenével por ser um abuso de poder. A criança/j ovem não te m maturidade para consenti r. Todo o ato sexual qu e não é cons ensual é cond enavel. A criança/jovem é, em geral, emocio nalmente manipu lada pelo adult o e tem med o de falar sob re o qu e se pas sou. A maioria dos abusadores são pessoas próximas da vítima. • A violação, o abuso e a violência não são atos sexuais mas sim atos de abuso de poder sobre um terceiro. São crimes e devem ser denunciados . A violência do méstica é uma situ ação com plexa em que a vítima é subjugada e começa a acred itar que merece o abuso . O abusador é, em geral, um manipulador emociona l. O abuso começa muitas vezes de uma forma subt il - um empurrão, o braço agarrado com fo rç a, o progressivo iso lamento da vítima em relação aos amigos e familiares. Estes atos são um sinal de alerta e, se a vítima não consegue discernir, a fam ília e os amigos devem ten ta r alert á-Ia e aj udé - la a procurar sair da relação . Pode ser nec essério um apoio psicológico. Exist em assoc iações especializadas. • O tráfico humano é a esc ravatura da nossa époc a. A liber dade e segurança de cada ser humano, dad a por Deus e co nsagrada nos Direito s Humanos, é negada e as pessoas são forçadas e manip uladas a trabalhar em proveit o de terceiros. Em geral est es t rabalhos envolvem a pros ti t uição e a pornog raf ia em que a sua dignidade humana é tr atada com desp rezo.

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8. O amor é sempre fecundo

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o ser humano é um ser relacional, criado para o amor Deus cr iou O ser humano , homem e mulher. por que Deus é Amor e quer parti lhar esse amo r. O ser humano vive o amor at ravés das relações que vai criando com aqueles que o rodeiam os próximos. Os pais sentem amor incondicional pelos seus filhos mas este amor não é. ou não dev ia ser, um amo r lamechas que diz que sim a tudo. Não é assim o amor incondicional que Deus sente por nós. Esse amo r é exigente , que r o bem da pessoa amada , quer que ela dê o seu melhor, mas t ambém é pacient e e generoso e com preen de e perdoa quando as metas não são ating idas e encoraja a tentar mais uma vez.

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Amor e Se xua lidad e


- - - - - - - - - - - - ---- - - - - - - - - - - - - - - - - - - , "Quando fui estudar para a estrangeira senti que o amor que os pais tinham por mim era como uma rede de segurança que me apanhava se as coisas não corressem bem ou se eu cometesse erras nas minhas escolhas, e isso deu-me coragem ." (Carta de uma f ilha de 18 anos para os pais) Já antes de nascer o bebé é amado pelos seus pais e inconscientemente reage a esse amor sentindo-se acolh ido. Quando o bebé nasce "apaixona-se" pela mãe e a mãe "apaixona- se" por ele. O bebé conhece a mãe at ravés da audição - uma voz e um bater do co ração que ele já ouviu antes de nascer; através da visão - a distância do peit o até à ca ra da mãe é exatamente a dist áncie que ele consegue focar nos primeiros tempos de vida; at ravés do olfato - cada um de nós tem um cheiro individual; e at ravés do toque. O bebé é abraçado e beij ado, e quando chora as suas necessidades são preenchidas - mimo, alimento, higiene. Aprende a amar sendo amado , e assim desenvolve uma boa auto estima, gost a de si própr io, é capa z de amadurecer saudavelmente e event ualmente co nst ruir um proj eto de vida com outro/a a quem se entrega . Esse out ro, a pessoa por quem se apaixona, pod e ser o cô njuge (casamento) ou pode ser Deus e os próximos a quem se entrega at ravés do cel ibato.

8.1. O enamoramento A parti r da puberdade o ser humano desenvo lve-se f ísica, emoc ionai e psiquicamente e pass a a ser capaz de se apaixonar. Estas vár ias facetas desenvolvem -se a rit mos dife rentes , e só cerca dos dezoito anos at ingem a sua mat uridade . Inicialmente o adolescen te é atra ído pr incipalme nte pelo aspet o f ísico - ele/e la é giro/a , - mas conforme cresce vai olhando para outros aspetos - ele/e la respe ita os outros? Partilhamos valores? Somos amigos ou só sentimos atr acão f ísica? Por vezes a at racão f ísica é tão forte que não se é capaz de ver a outra pessoa exat amente como ela é, olha-se para a outra pessoa e não se reconhec e os seus defe itos - que todos têm . O enamoramento traz cons igo sentimentos de grande felicidade mas também de sof rimento quando o outro/a não compart ilha os senti mentos.

8.2. O namoro O namoro é uma cam inha da de descobe rta do outro e exige muito diálogo e muit a convivê ncia. O namoro acaba sempre: ou porqu e se descobre que aque la pessoa não é a certa , com quem se quer const ruir um projeto de vida em com um, ou porq ue o casal de namo rados se compromete um com o outro - casam . Uma relaçã o for te, com pés para andar, precisa de raízes fortes para se ter a certeza de construir a casa (a relação) na rocha e não na areia moved iça. Uma relação de amor, com possibilidades de ser aprof undada e co nst ruída, combinará tr ês co ndições: • Amizade: tem a ver co m a mente - o gosto da conversa; facilidade em desabafar com aquela pessoa, senti r que se pode contar com ela e confiar. • Amor: t ernura, carinho, desej o de inti midade. • Desejo sexual: uma sensação de pulsão quent e, urgente. A atracão física dist ingue a relação de namoro de uma de pura amizade; no entan to se é dada pr imazia à relação física, esta torna -s e dominant e e acaba por não haver diálogo profundo, abafado pela procura das sensações fo rt es que o cor po t ransmite. Perde- se a oportu nidade de f icar a saber quem é, de facto , "o outro", o que pensa, quais são os seus valores, os seus projetas , o seu modo de ser; por out ras palavras - os apaixonado s não se co nhecem. Na sociedade em que vivemos a sexualidade é equiparada muita s vezes à genit alidade, mas viver a genita lidade separada da afet ividad e, de uma relaçã o const ruída com amor, é reduzir a sexualidade a um mero co nta ct o corporal que pode dar prazer mas não toca o co ração e deixa um vazio interior. A relaçã o sexual vivida dentro de

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uma relação de amo r cuidadosamente construída , em que existe compromisso e um projet o de vida comum , at inge o seu sent ido mais profundo, torna ndo-se realme nte numa doação mútu a a todos os níveis, uma entrega tot al e um acolhimento tot al do outro. Todos nós ambicionamos viver uma relação de amor, de intimidade, sentirmo -nos próximos de outra pessoa. Essa intimidade tem de ser construída e essa construção leva tempo e dá t rabalho. O amor-pai xão, a atracão física, o erot ismo fazem parte dessa relação, mas por si só não trazem intim idade. Todas as relações são dinâmicas, não f icam paradas no tempo e passam por etapas. Iô importante que o casal de namorados saiba discernir o momento em que a sua relação está preparada para passar à próxima etapa - a entrega tota l - e não adie o momento do comprom isso assumido perante Deus, que se torna presente na sua relação, por razões sociais ou materiais desnecessárias.

8.3. O casamento A doação tot al de si e o acolhimento total do outro só se podem concretizar numa relação comprometida, construída e aprofundada, de tot al confia nça, fidel idade e amor incondicional que procu ra o bem do out ro, em que Deus está presente. A esta relação chamamos casamento. Nesta relação o desejo e o prazer senti dos na "comum união" do homem e da mulher no ato sexual renovam a dinâmica da vida de amor do casal e levam ao desejo enor me de ver esse amor realizado co ncretamente na vida de um f ilho. Nesta relação o desejo e o prazer estão sempre ligados ao amor, e de t al maneira est ão interligados que numa vida em comum de muitos anos o ato sexual, repet ido vezes sem conta , é sem pre novo, é semp re diferente. Nessa união as almas toc am-se e glorifica m Deus. Na sua comum união o homem e a mulher refle te m o amor entre a Santíssima Trindade , um amor que é cent rado inteirame nte no outro e que é fecundo, capaz de gerar nova vida. Homem e Mulher unidos com e em Deus. Por vezes o casal, por razões fora do seu controle, não conseg ue te r f ilhos. No entanto o amor que os une não deixa de ser fecundo; de dar Vida aos que os rodeiam at ravés da sua abertura aos outros. Bast a ler no Evangelho de S. Mateus as "Bem-Avent uranças" (5; 3-10) para compreender que, para Cristo, ser fecundo e dar Vida não se reduz a t er f ilhos por mais maravilhoso que isso seja.

8.4. A importância da família para a pessoa e a sociedade A famíl ia é a célula base da soc iedade. Na família - mãe, pai, avós, t ios, primos - a cr iança cresce e é amada. Senti ndo-se segura nesse amor a criança enfrenta o mundo com confiança. Inúmeros estudos indicam que a cri ança que pertence a uma família estável tem um desen volvimento emoc ional mais equ ilibrado . Assim a famíl ia contribui para a sociedade preparando uma próxima geração de cidadãos generosos e responsáveis. Quando Deus enviou o Seu Filho ao mundo colocou-o numa família estáve l, Maria e José , que O amaram incondicionalmente.

8.5. O celibato A sexualidade tem duas vertentes: a afetividade (a capacidade de amar) e a genita lidade (a capacida de de ter relações sexuais e de ter filhos). A nossa soc iedade tem dificuldade em compreende r o celibato porque está tão centra da na sexualidade genital que a separa da sua outra dimensão que é mais impo rtante. Ninguém consegue viver de uma forma equi librada sem relações afet ivas, sem ternura e carinho, sem amizades, mas é perfeitame nte possível viver sem ter relações sexuais . Criados por Deus, Ele chama- nos para Ele por caminhos (vocações) dife rentes . A vocação do celibato não exige que se deixe de amar, mas sim que se ame muito e que a entrega ao cônjuge , que no casame nto é feit a at ravés da relação sexual, seja feita de outra forma - entregando-se ao serviço de Deus e dos próximos.

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Desde modo, encontramos muitas circunstanc ias da vida e muit as escolhas vocacionais em que o celibato est á present e. Por exemplo, entre os adu ltos unidos em matrimónio encon tramos casa is que devem viver um períod o da sua vida conj ugal em celibato, quer por imposição de uma doe nça que afeta diret amente pelo menos um dos seus membros, quer por uma ausência pro longada (por exempl o, devida à em igração, às exigênc ias de um pos to de t rabalho perman ent e ou ciclicamente localizado longe da hab itaçã o familiar, a uma neces sidade espe cífi ca de acom panhamento dos filhos ou dos próprios progenit ores) ou pela escolha de um método cont racet ivo natu ral, que indica a abstinência sexual durante os períodos de ferti lidad e. Também não podemos esque cer aqu eles celibatários que vivem essa condiçã o por não terem fam ília, como é o caso dos viúvos e das viúvas que não voltam a casar, assim como t odas as pessoas solteiras que, não ten do sido chamadas ao matrimónio, vivem a sua sexualidade na abst inência. No árnbíto do cel ibato encon t ramos, ainda, a virgindade consagrada e, em geral, o celibato consagrado. As religiosa s e os religios os, ass im como os sacerdotes, fazem um voto de ce libato , ist o é, esc olhem guardar o celibato «por amor do Reino dos Céus» (Mt 19,12): «Chamado s a con sagrarem-se tota lmente ao Senhor e às "suas coisa s" (cf. 1 Co 7,32), dão-se por inteiro a Deus e aos hornens.» (Catecismo da Igreja Católi ca, 15799). O celibato é um sinal da vida nova, ao serviço da qual se co nsagram, vivendo a sua vida para a Igreja e o mundo e que não pede apen as exclusividade e empenho supremo, mas pede entrega profu nda e libertação de to das as for mas de egoísmo. O celibato é, pois, uma forma plena de viver a sexualidade. Na cont inênc ia, a pessoa não deixa de ser sexualizada, nem põe a sua sexualidade entre parêntesis, mas fa z um a esc olha consciente na fo rma como lida com o seu impul so sexual, de acordo com a sua idade, saúde, personalidade e vocação.

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9. Para uma Etica da Vida

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"A ética defende o ser humano em todas as circunst âncias, desde a conceção até à mort e," Marques, Ma ria Manuela Sara iva; Feytor Pinto, Vítor, Planeamento Familiar: uma decisão a dois. Revisto por d'Avllle z, Mary Anne; Neto, Victor; Movimento de Defe sa da Vida, 2004, p. 52.

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9.1. A paternidade e a maternidade responsáveis "Os f ilhos são o dom mais excelente do matr imónio e const ituem um benefício máximo para os próprios pais." Goudium et Spes, 50.

Deus deu à mulher e ao homem a possibi lidade de colabora r com Ele na criação de uma nova vida, um novo ser humano. Esta enorme responsabi lidade deve ser encarada com grande serie dade. A criança que vai nascer t em o dire ito a ter pais que a amam e que se dedicam a ela, que a acolh em. Ao abra çar e olhar para o seu bebé recé m-nascido a mãe esquece as dores do parto e o pai maravilha-se com o que ajudou a criar. O casal deve ser generoso nest a colaboração com Deus e ter abertu ra em relação ao número de f ilhos que tem . Por vezes existem razões fortes para limitar o número de filhos: desemprego ou dificu ldades econó micas, problemas graves de saúde, indispon ibilidade para criar novos filhos em fu nção dos que já existem. O planeamento da família passa por um diálogo f reque nte entre o casal a este respeito, durante o qual os c ônjuges devem ter em co nta que os bens mate riais não são o mais import ante para o bem-estar dos f ilhos. O desejo emocional de ter um f ilho e a avaliação racio nal da condição de vida por vezes ent ram em conf lit o, e aqui o casal precisa de rezar e discernir em conjunto antes de tom ar uma decisão. Ocasionalmente a gravidez e o nascimento são visto s como dizendo mais resp eito à mulher do que ao homem, mas o amor e o encor ajamento do marido são muito import antes quer para o bem -estar da mulher, quer para o bem -estar do bebé que, mesmo antes de nascer, reage ao est ado de espírito da mãe. Cada vez mais se reconhece que os cuidados do pai para co m um filho a parti r do seu nascimento são importantes. São ambos os pais que, através do amor que os une e que dedicam ao f ilho, ref let em a imagem de Deus. to o amor de ambos que lhe dá uma sensação de segurança e auto conf iança, que lhe permite ainda crescer para a independência, crescer em direção ao amor que, por sua vez, dedicará aos que o hão de rodear, pais que reco nhecem que aquele fi lho querido não lhes pert ence, que lhes foi dado para que o amem e aju dem a cres cer, para que ele possa p ôr os seus t alentos ao serv iço de Deus neste mun do. Nem sem pre uma gravidez acont ece pelas razões certas, como fruto do amor que une uma mulher e um homem numa relação comprometida. As razões podem ser egoístas: a tentativa de "prender " o outro/a numa relação sem futuro; uma compensação para carências afet ivas; o encarar esse f ilho como um "brinquedo", um objeto para exibir ou comprovar a fertili dade.

"A minha geração de raparigas do baby- boom revoltou-se cont ra o culto da virgindade (dos anos 50) - mas deixámos o caos no nosso rasto." Camille Paglla (feminista atlv a), in revista TIME, 24 de março 2014.

----- - - - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - l Ter relações sexuais precocemente ou sem proteção quando não existem cond ições para acolher um bebé é de uma enorm e irresponsabilidade e é prova de imatu ridade emocional e psicológica t anto da parte da mulher como do homem - fala-se em mães solteiras, mas para cada mãe existe um pai (solteiro ou não). A vida é feita de esco lhas e nessas escolhas existem graus de responsabilidade. As decis ões têm consequências que devem ser t idas em conta, especialment e quando afet am a vida e o bem-esta r de um terceiro, neste caso um/a possível f ilho/a. Se a decisão tomad a é a de ter relações sexuais fora de uma relação comprometid a e assumida, então um primeiro passo de responsabilidade será a escolha de um método de planeamento fam iliar efi caz, ten do em conta que nenh um método é 100% ef icaz.

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9.2. O uso de contracetivos "Em qualquer método de regulação dos nascimentos deverão acautelar-se sempre, em termos éticos O direito à v ida O direito à qualidade de v ida e de amor dos pa is O direito à intimid ad e e privacidade do casal O direito à unidade do projeto de amor e de v ida O d ireito ao prazer resp onsável." Marques, Maria Manuela Saraiva; Feytor Pinto, Vltor, Planeamento Familiar:uma cecrsec a dois. Revisto 2004 por d'Avillez. Mary Anoe; Neto, Victor. Movimento de Defesa da Vida, 2004. p. 54.

No planeamento familiar existem dois caminhos que podem ser escolhidos pelo casal. O caminho natural da auto-observação ou o caminho contracetivo. A partir da puberdade o homem está sempre fértil mas a mulher não. A mulher tem fases durante o seu ciclo menstrua l em que é impossível engravidar. A mulher pode aprender a identificar estes tempos com a ajuda de uma monitora especializada. Os Métodos Naturais aprovados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) são o Método de Ovulação - Billings e o Método Sint o-térmico. Estes méto dos são muito eficazes se forem bem ensinados e aprendidos e as regras forem seguidas. No caso de querer evit ar uma gravidez o casal abstém de ter relações sexuais durante a fase fértil da mulher. Com est es métodos o casal aceita a sua fertilidade combinada e gere-a conforme o seu projet o de vida. A responsabilidade é assumida por ambos. Existem alguns meios tecnológicos que podem ajud ar o casal no uso destes métodos. O método dos contos (calendário) nõo é um método reconhecido como cientificamente correto. Os métodos artificiais ou contracetivos consistem em aparelhos que criam uma barreira entre o espermatozoide e o óvulo ou medicamentos hormonais que eliminam o ciclo através de hormonas sintéticas que tornam a mulher estéril enquanto os utiliza. Com estes métodos o casal abafa ou bloqueia a sua fertil idade e, com a exceção do preservativo, a responsabi lidade é assumida só pela mulher. Métodos de Barreira: Incluem o preservat ivo masculino e o feminino, o diafragma e a capa cervical. Estes métodos criam uma barreira, não deixando os espermatozoides passar através do colo para o útero. São métod os inócuos e relativamente efica zes se bem ut ilizados.

I: import ante que o preser vativo sej a de boa qualidade, que não haja qualquer contacto direto entre os órgãos genitais antes da sua colocação . Só pode ser colocado após a erecã o e o homem tem de ter o cuidado de o segurar na base quando ret ira o pénis da vagina da mulher, pois quando perde a ereção o preservativo sai e pode ficar retido na vagina da mulher. A colocação do preservativo exige autocontro le por parte do homem. Para o adolescente pode ser complicado manter a erecão enquanto se preocupa com a colocação do preservativo, devido à sua imaturidade e insegurança. Métodos Químicos: Espermicidas sob a forma de cremes ou óvulos. Atuam destruindo os espermatozoides na vagina. Não são da maior eficácia. Métodos Hormonais: Incluem a pílula contracetiva, o anel vaginal, métodos aderentes (adesivo embebido em hormonas que são absorvidas através da pele), implantes colocados subcuta neamente pelo médico, e inj eções. Estes méto dos atuam bloqueando a "comunicação" entre a hipófise no cérebro e os ovários, eliminando o ciclo feminino. Alguns. à base de progesterona, não evitam a fecundação mas dificultam a implantação do embrião no útero . Devem ser sempre receitados por um médic o. Podem ter contraindicações médicas e efeitos secundários. A mulher deve ser vigiada com regularidade. São métodos muito eficazes. Um efeit o secundário que atualmente vem a ser mais referido pelas mulheres é a diminuição da libido (desejo sexual) o que pode afet ar negativamente a relação do casal, especialmente se a mulher não foi avisada e portanto não souber explicar ao marido a razão da sua falta de interesse.

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Mét odos de Int ervenção: O dispositivo int rauterino (DIU) ou "aparelho" é colocado pelo médico no út ero da mulher. Como corpo est ranho no interior do útero , altera o ambiente e dif icult a a passagem dos espermatozoides. Por vezes não evita a fecundação, mas interfere com a implant ação do embr ião no útero provocando um aborto precoce. Nunca deve ser usado por uma mulher que não teve filhos, porque facilita a infeção no aparelho reprodutor, podendo provoc ar infertilidade. I: ef icaz. Esterilização: A laqueação das t rompa s de Fal ópio na mulher e a vasectom ia no homem. São métodos radicais, muito dific ilmente reversíveis, que provocam a infertilidade. Por vezes a laqueação pode ser recomen dada por razões médicas graves. Podem provocar depressão ou out ros problemas psicológicos, se o casal não for cuidado sament e aconselhado e a decisão não for mu ito ponderada. A laqueação e a vasect omia induzem uma esterilização permanente. Et icament e são desaconselhadas porq ue implicam a mutilação na mulher e no homem, destr uindo a sua fertilidade . Ao usar métodos contracet ivos, o casal abafa , altera ou elimina a sua fer ti lidade. Com a exceção do preservativo a responsabilidade pelo uso do método escolhido e os seus poss íveis efeitos secundários são suportados pela mulher. Ao contrário dos métodos natura is, estes métod os não enco rajam o diálogo con sta nte em casal em relação ao seu projet o de vida - evitar ou não uma gravidez. Esse diálogo é muito posit ivo para a relação do casal que assim partilha responsabi lidades e ajuda-o a crescer em conjunto. Os métodos natura is são também ecológicos (respeitam o biorritm o da mulher) e económ icos.

9.3. A recusa do aborto

"Frequentemente a educação sexual define a gravidez como uma patologia para a qual a cura é o aborto ." Camille Paglia, n ME, 24 de março 2014.

·- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - l Quando o espermatozoide se j unta ao óvulo , os genes da mãe e do pai contidos nos seus núcleos formam um có digo genét ico único nesse novo ser humano que inicia a sua vida. A partir desse momen to começa um processo din êrnico que só acaba com a morte natura l.

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"Que o feto faz parte da espécie humana não é uma «especulação f ilosófica e teo lógica», mas um facto cient ifi camente baseado na observação dos 46 cro mosso mas dist int ivos da espécie humana. [...] Uma das defi nições mais simples é a do Prof. J . Lejeune: «Um ser humano é um membro da nossa espécie»." Meaney, J.; Meaney, M., «Vida e Livre Escolha(Pro Cticice)» tn Conselho Pontifício para a Famflia (Ed.), Léxico da Famílio, Principia Editora, Cascais, 2010, p. 978.

Desde o princíp io essa nova vida exige ser protegida e respeitada. Esse novo ser hum ano não pert ence à màe e não perten ce ao pai, mas é posto à sua guarda por Deus para ser amado e ajudado a crescer. Os defensores da liberalização do aborto reclamam que a mulher tem o direit o de escolher (pro-choice). mas a mulher grávida já "escolheu' ter relações sexuais e a gravidez é uma consequência natura l e maravilhosa dessas relações . Uma das mentiras da nossa sociedade é a ideia dada aos jovens de que t êm direito ao prazer do sexo e que não haverá consequências. Frequen temente a gravidez é tr ata da da mesma forma que as infeçõe s sexualmente t ransmiti das (ISTs) nas aulas de educação sexual. Legalmente a decisão de praticar um aborto pertence exclusivamente à mãe, não tendo o pai qualquer direito de cont rariar essa decisão. Considera-se que a mulher é dona do seu corpo e que ninguém pode interferir, esquecendo que o corpo abortad o é do seu filho, não dela.

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"Fiz um aborto aos 18 anos porque o meu namorado se recusoua dar-me apoio. Fui avisada na altura de que pode ria ent rar em crise quando engravidasse do meu primeiro be bé dese jado :

Estudante universitária, Noruega.

"Flz um aborto quando estava na universidade. Não tenh o remorsos , mas às veze s, quando estou

sentada a escrever, sinto a mão da minha filha no meu ombro," Testemunho de uma mulhernum artigo de um jornal inglês. t: curioso como esta mulher, anos após o facto, mantinha a sua filha presente, tinha dado uma identidade ao bebé que abortara e, na sua imaglnaçêo, essa filha tinha crescido.

No início de uma gravidez a mulher está f ragilizada. o seu cor po está a adaptar-se ao novo ser humano que tr az dentro de si e as mudan ças hormonais tornam-na extrema mente sensível. É a pior altu ra para tomar decisões tão import antes sobre duas vidas a dela e a do seu bebé. O fac ilitismo com que o aborto é encarado na noss a socied ade é o resulta do de uma visão muito indiv idualista do ser humano. É raro que uma mulher que se sente apoiada e proteg ida queira p ôr termo à vida do seu filho. Na aflição de se descobrir grávida e possivelmente abandonad a pelo pai do seu filho, a mulher pode não saber onde procurar ajuda, mas pelo país fora existem cent ros de atendimento que lhe podem dar apoio. Pouco ou nada se fala sobre os efeitos psicológicos e emocionais que o aborto tem sobre a mulher que o pratica. Médicos, psicólogos e padres contam como algumas mulheres, por vezes anos decorridos, lhes falam em privado sobre o sofrimento e depressão que ainda sentem devido a um aborto. Aqui t ambém é importante procurar ajuda junto de alguém que tenha preparação profissional para aconselhar, através dos centros de atendimento a grávidas em dificuldade.

"Depois de ter caminhado durant e muito tem po e de só ter encont rado areia, rochas e neve, o principez inho acabou por descobrir uma estrad a. E as estradas vão dar aos homens." SAINT-EXUPt:RY, A. de, O Principezinho, Lisboa, Editorial Presença, 2013 , p. 64 .

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A Força Invencível do Amor, para concluirmos este percurso

How Do I Lave Thee? How do I lave thee? Let me cou nt the ways. I lave thee to t he depth and breadth and height My souI can reach, when feeling out of sight Como Te Amo?

For t he ends of Being and ideal Grace.

Amo- te quanto em largo. alto e prof undo Mi nh'alma alcança quan do, tra nspo rta da, Sente, a longand o os olhos deste mundo . Os fi ns do Ser. a Greca ent res sonhada.

I lave the e t o t he levei of everyday's Most quiet need, by sun and cand lelight.

Amo- te em cad a dia, hora e segundo: À luz do Sol, na noite sossegada. E tão pura a paixão de Que me inundo Quanto o pudor dos que não ped e m nada.

I lave t hee freely, as men st rive for Right ;

é

I lave thee purely, as t hey tum fro m Praise.

Amo-te com o doe r das ve lha s pena s; Com sorr isos. com lágrimas de prec e, E a fé da mi nha inf ância, ingé nua e forte.

I lave thee wit h the passion put to use

Amo- te at é nas coisa s ma is pequenas. Por tod a a vida. E, assim Deus o quise r.

ln my old griefs, and with my childhood's faith.

Ainda mais te amarei depois da morte.

I lave thee with a lave I seemed to lose Elizabeth Barrett Browning, Sonnets trom the Portuguese XLIII.

tradução de Ma nuel Ban deira.

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Est amos quase a chegar ao fi nal deste it inerário de est udo sobre a se xua lidade à luz da men sagem cristã . Para muitos leitores, que não tenham feito o percurso que nos ocupou nest as páginas , co locar na mesma linha de conside rações «sexualidade» e «crist ã» pode ser um mot ivo de desencorajamento. Mas, bem vista e inte rpreta da, a mensag em c ristã so bre a sexualidad e é, realmente , a mensagem do amor, da liberdade e da fe licidade. Se não, recordemos:

"O primeiro relato da criação (Gn 1, 1-2,4-), que poderia int itul ar-se "lit urgia cósm ica do sétimo dia" põe a humanidade à cabe ça do cosmos. Desse modo o dest ino do cosmos f ica nas mãos da humanidade. Embora seja una, a humanidade é formada por machos (zakar) e fêmeas (neqeba), sendo assim diferen ciada pelo sexo. Gn 1, 27 assinala o facto e apresenta -o como a condição da fec undidade, que é objeto da bênção de Deus (Gn 1, 28). A diferenciação sexual entre homens e mulheres, assim como o exercício da sexualidade fazem parte da criação, isto é, da ordem cósmica. O próprio Deus, que estabeleceu esta ordem, achou-a boa (Gn 1, 31). No segundo relato da criação (Gn2, 4b-3,22), que poderia int it ular-se "origens da condição humana", o casal humano ocupa o centro da cena de maneira ainda mais clara. Com efeito, o homem, que foi modelado e animado em primeiro lugar, não é um ser andrógino. O próprio lavé depressa se apercebeu de que a solidão do homem é um mal (Gn 2, 18) que as aves do céu e os animais não podem remed iar (Gn 2, 19-20). Só a mulher pode quebrar a solidão do homem . Ao ver a mulher que lavé lhe apresenta, o homem exclama cheio de entus iasmo: «Est a sim, é osso de meus ossos , e carne da minha carne! Ela será chamada 'mulher', Porque foi t irada do homem!' Por isso um homem deixa seu pai e sua mão e se une à sua mulher, e eles se torna m uma só carne" (Gn 2, 23-24)." A sexualidade no antigo testamento, Francolina J . Alves , Caderno s ISTA, n.e 16 - 2003 - Ano VIII, pp. 5-4 4.

o autor prossegue: "O desejo da união efetiva entre o homem e a mulher expressa-se de maneira partic ularmente fogosa e sem peias no poema de amor que é o Cântico dos Cânticos. [...] Ct 8, 6-7 celebra , em termos míticos, a força invencível do Amor [...] O texto afi rma ainda que o Amor é mais forte do que as águas do oceano e dos rios (v.7). [...] Os relatos da criação Gn 1-3) apresentam, de forma programática, o casal como sendo a relação humana ideal, o lugar da atividade sexual e da bênção divina , que consiste numa prole numerosa. Os escritos sapienciais são provavelmente os que mais insistem na fidelidade conjugal, assentando-a não numa lei, mas nas alegrias da intimidade exclusiva entre esposo e esposa ."

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E ainda explica que o segundo relato da criação, em Gn 2, 4b-3 , 24) é uma exposição que tem por tema a humanidade. Em Gn 2, 4b -25, apresenta a humanidade tal como lavé a cr iou, uma humanidade idea l e em Gn3, 1-24, a humanidade que result ou da sua desobediência a lave, isto é, a humanidade tal como existe.' A relação entre o homem e a mulher é central nestes relatos e a maior ia dos estudiosos cons idera que a prime ira parte é a «af irm ação da igualdade entre o homem e a mulher>". Por sua vez, Mateus Peres, (Notas para uma Ética Sexual, Cadernos ISTA, n.O16 - 2003 - Ano VIII, pp . 53- 73) esclarece:

W. vogets. "lhe Power Str uggle betw een Man and Woman (Gen 3, 16b»)), Bíblica 77 ( 996) 197-209.

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Gonçalves, op.cit., p. 31.

O reconhecimento da igual dignidade do homem e da mulher tem sofrido um exte nso, penoso e com plexo percurso ecles ial e histórico. O Papa Frencisco colocou a sit uação da mulher, no mundo e na Igreja, no centro da agenda do seu pontif icado. Mas já o Papa João Paulo II o tinha feito, ao escrever a Cart a Apostólica Mulieris dignitatem , sobre a dtgnidade e a vocação da mulher, por ocasião do Ano Mariano e publicada a 15 de agosto de 1988. Podes ler em http://w 2.vatican.va/contentljohn- pa uI- ii/pt/apost _1 ette rs/1 9 8S/docume nt s/hf _ jp-ii_apl_19880815_mulieris-dignitate m.ht ml

"Reconhecer a sexualidade como enigma não desarma, antes corrobora o desafio que sempre representou para a ética. A abordagem ética, o tratamento ético, aparece-nos assim como a tentativa de lhe dar um sentido; exatamente porque à pergunta «que significado tern?» não se encontra uma resposta caba l e satisfatória - por isso permanece como enigma - responde-se, sob a pressão da necessidade social de regular e proibir, dando-lhe um sentido , isto é, elaborando e propondo um t ratamento ético. [...] os seres humanos, na sua indeterminação radical, na sua carência de claras e seguras indicações do instinto, por não se acharem «programados», em contraste com o que nos revela o mundo animal, são compelidos, na sua imperativa busca de realização, de plenitude, a fazerem-se a si mesmos, por si mesmos. Daí a elaboração coletiva, sociocultural, de propostas em torno da autêntica realização e dos seus caminhos e processos, numa palavra, a ética, sempre presente, sempre diferente. No fundo, é como se se tivesse decidido: «a sexualidade será o que nós quisermos que ela seja», evidentemente em função das nossas conceções e dos nossos ideais de pessoa, de relação, de amor, de corpo, de prazer, de vida e da sua transmissão, etc., mas também respeitando o que ela, a sexualidade humana, f or, na sua espessura , na sua originalidade. Não será a ética sempre o resultado mais ou menos conseguido da encarnação de um ideal humano, melhor, humanista, com um aspeto da realidade humana, social, na convergência do ser, visto à luz da função «utópica»." [...]

"neste dom ínio, houve semp re uma certa margem de insegurança e turbulência, mas, além disso, neste te mpo cultural, neste tempo ideológico, deu-se - dizem muitos - a passagem de uma soc iedade alt ament e repress iva, condenató ria, para a permissividade sem restrições. Passámos, e em pouco tempo, da «moral vitoriana» para a «libertação sexual». Como pêndulo que se solta de um extremo e vai até ao extremo oposto, as sociedades ocidentais teriam passado de um exagero repress ivo a um outro, libertário." [...] "Os crist ãos são, com efeito, muitas vezes vistos negativamente como o últ imo reduto a oferecer resistên cia, crit icando a perm issividade amb iente aos avanços da libertação; para outros, eles constituem positivamente a última espe rança para um mundo tornado louco. Cabe aqui perguntar por que razão os cristãos, e nomeadamente os católicos, são tidos por mais intransigentes, mais reacionários , que todos os outros. Note-se, no entanto, que a at itude de se situar a contracorrente, de não abdica r das suas convicções em favor da moda , particularmente se baseada na perceção de que a posição adversa é, em última análise, errada e até desumana, uma tal atitude está indiscut ivelment e certa . A questão não é min imamente uma questão de intransigência ou cedência, mas de verdade, tanto antropológica como ética."

Às posições da Igreja catól ica sobre a sexualidade critica -se a dificuldade em lidar com o prazer, com o corpo, em assum ir a sexualidade e em a assoc iar, frequentemente, com o pecado. De facto, em todas as áreas da vida e do comportamento humano as pessoas podem fazer escolhas erradas , que as prejudicam e que prejudicam outras pessoas, e a sexua lidade não é uma excecão. Mas, também é importante que se compreenda que muitas ideias «cristãs» sob re sexualidade são oriundas de ti pologias mora is que não nasceram na Igreja, embora possam tê -Ia

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influenciado fortemente, e que logo de início sof reram grande contes tação. Trata-se, por exemplo, da moral do esto icismo, que encarava a sexualidade como doenç a da alma, e que tem ia o prazer, colocando-o no ser humano a um nível semelhante ao dos animais, cujo com port amento, como sabemos , depende essenc ialmente da determinação genética e da acão de estímulos -s inal do meio sobre o organismo. O mesmo se passou, mais recenteme nte, com a visão vitoria na da vida e da sexualidade, propondo uma níti da separação entr e a esfera privada e a esfera púb lica da vida. Também podemos apon tar uma t endência exagerada para valorizar a virgindade em det rimento do matrimónio, o que t raduz, sobretu do, um afã de destaca r o valor de «serviço» ao mundo e à Igreja, daquele ou daquela que se entr ega, generosa e radicalment e. Oque é certo é que, nos últ imos cinquenta anos, o Magistério da Igreja mostra uma compreensão muito mais profunda do que é a sexualidade, nomeadament e na sua dimensão unitiva e na sua relevância para a vida humana, a felicid ade e a realização da pessoa. A isso t alvez não seja alheio o facto de, hoje, crescer o número de t eólogos que são leigos e pais e mães de famí lia. Por seu lado, os document os do Concílio Vatica no II, que «desenharam» a Igreja em que vivemos atualmente, recomendam com uma insistência determinada e regular que se tenha em cont a, na tomada de decisõ es e na preparação de orientações, o contributo das ciências sociais, nomeadamente a psicologia . Hoje também se aceita plenamente que a moral sexual crist ã "terá de ser elaborada na fid elidade ao dado revelado, part icularme nte às coordenadas do Novo Testamento, sem o que não poderá , em verdade, dizer-se cristã. Importa, com efeito, respeit ar e, quando neces sário, restabelecer a hierarquia das verdades assim como as font es da doutr ina católica ", diz- nos Frei Mat eus Peres no art igo que temos vindo a seguir (Peres, p.50). Assim se poderá dar, realmente, a atenção às necessidades das pessoas na vida do nosso tempo. Reconheça-se que a sexualidade não ocupa grande espaço no Novo Testamento. No ensinamento dos apósto los só encon t ramos referência nos escritos de S.Paulo. Então, teremos de nos soco rrer do sentido global da mensagem crist ã para entender, de forma rigorosa e coerente, a perspet iva cristã sobre a sexualidade humana. Para isso, e como temos vindo a fazer neste manual, é preciso considerar o carácter humano e ético da sexualidade. Em primeiro lugar, para os crist ãos há um só Deus e um só Senhor, pelo que Eros (o prazer) não é divino: o cristianismo tem uma "v isão dessacralizada, ou mesmo, desdivinizada, do mundo, ao mesmo tempo que se é convidado a reconhecer a bondade das cr iaturas, com Deus que «v iu qu e era tudo bom»" (Peres, p. 52). Se a sexualidade não se pode impor soberanamente e, por isso, a pessoa humana não tem de se lhe subme ter nem com ela pactu ar, é necessário compreender a sexualidade em termos de coordenadas éticas, como temos estado a fazer. E porquê? Est e excerto de Mateus Peres resume bem o nosso programa de compreensão da Sexua lidade à luz do Amor, que é, verdadeiramente, a questão central da v isão cr istã da sexualidade. Os cr istãos vivem - aceitam viver e esforç am-se por viver, apesar das suas imperfeições e debilidades - uma vida em Cristo. O cristianismo consiste em

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--- - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - ,- - - - -- - - ---,I "Por todas estas razões, a sexualidade, nem divina nem animal, incontornavelmente humana, busca , pede um sentido e pede-o - pediu-o sempre à ética. Mais: pode ter-se a sexualidade como um valor, mas não um valor abso luto, um ídolo, objeto de idolatria: relativo, é forçosamente enquadrável num projeto de vida mais global, orientado para valores mais absolutos." Mateus Peres, p. 62.

viver uma relação pessoal com Jesu s Cristo . E o que é uma vida em Cristo? É a incorporação da Boa Nova da salvação contida nos Evangelhos, realizada em Cristo e oferecida a todos quantos a ela desejem aderir, empenhando-se na fé. Para o cristian ismo, é importantíssimo compreender a pessoa, na sua totalidade humana e na comp lexidade da sua existência. Sendo objeto de um enorme apreço por parte de Deus, Pai e cr iador, do qual temos a maior prova na ent rega de Cristo, na morte de cr uz, para que a humanidade seja salva, para que cada um de nós, se salve, concretam ent e. Este ent endimento já esta presente na Ant iga Aliança, quando o ser humano é criado à imagem e semelh ança de Deus, o que acentua eno rmeme nte o seu valor inultrapass ável, no seio da criação, "mas a notícia da salvação pelo sacrifício de Cristo não só confirma como alarga essa coordenada de antropocentrismo otim ista de toda a Revelação." Assim, o respeito pe ja dign idade humana é sem pre a medida pela qual o comportamento humano pode e deve ser avaliado. Tal supõe que toda a exp loração da pessoa - que não é uma coisa e não pode ser coisi f icada - é amp la e radicalmente rejeit ada e co ndena da. A pessoa humana, na sua riqueza de criatu ra preferida de Deus, deve ser protegida - às vezes, é-o pela lei civil - e o pr inc ípio da dignidade e responsabilidade humana é a medida com que j ulgamos , legit imamente, esse out ro bem, que é a liberdade de opção. De facto, às vezes, com ou sem consciência , exorb itamos a experiência da nossa liberdad e e, co mo j á fomos anteriormente elencando, admit imos a prat ica da prost it uição, do trafico humano, da explo ração da pesso a, da violência no namoro ou no casamento, da pedofilia. Mas ao fazê-lo, ao consenti-lo, ao ignora-lo, estamo s a usar a pessoa para um f im para o qual esta não foi criada. E, se mu itas vezes a lei dos homens permite a invocação do "consent iment o livre de pessoas humanas", como, por vezes, escr eve a lei, quanto à exploração do out ro, esta nunca o dignifica nem dignifica o explorador. Mas para os cris tãos, exaltar a liberdade e limitar-se à regra de não prejud icar outro ser hum ano, como temos vindo a descobrir, também não é suficiente, j á que a sexualidade - como toda a vida humana - necess ita de um sentido, de «elaborar uma valorização» e esta ter á de ter lugar diante de Deus:

"O Deus por quem o cr istão opta, no ato radical da sua conversão, é um Deus com um projeto de li bert ação e realização das pessoas, que o cristão faz seu, e que se traduz, não num código de proibições e permissões, mas na perceção de valores, de objetivos e méto dos, que também assume, e que deverão constituir os fundamentos teo lógicos de uma ética de salvação; tudo isto virá a exprimir-se, entre outras coisas , no primado da intenção e da consciência ." Mateu s Peres, p.64

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A vida cristã, já o deves saber, é uma vida de confronto com o idea l, uma vida vivida na perspetiva da transformação. Tudo aquilo que Cristo propõe, à pessoa e às cultu ras é, para to dos os domínios da existência, a transformação do seu coração e do seu comportamento na adoção da regra viva do cristianismo, o seguimento de Jesus. E, como o próprio o referiu, o viver em Cristo obedece ao primado da caridade, ou ágape. Ora, a caridade não é mais, nem menos, do que a colaboração no projeto de Deus: serviço do bem comum, construção do mund o, liberdade face ao pecado, realização, no amor, da bondade de Deus.

"O que estava sentado no trono afirmou : "Eu renovo todas as coisas." E acrescentou: "Escreve, porque estas palavras são dignas de fé e verda deiras." E d isse-me ainda:

«É verdade! Eu sou o A lfa e o Ómega, o Princípio e o Fim . Ao que tiver sede, Eu lh e darei a beber grat uita me nte, da nas c e nte d a água da vida . O q ue ve ncer recebe rá estas coisas como herança; Eu sere i o seu De us e e le se rá meu f ilh o;»" Apc 21. 5-7

Não se t rata , pois, de negar ou dest ruir o Eras, mas de o tr ansformar, «t ambém ele criatura de Deus, também ele passível de redenção, abri- lo a outras dimensões», sem o deforma r, mas enquadrá-lo numa vida com sentido, cuja meta é a Caridade. O êxito da vida atinge-se quando a oferecemo s pelos outros, quando nos entregamos em serviço pelo próximo , como tão belamente encontra mos nos Atas dos Apóstolos :

Assim, pois, a interpretação cristã do mundo como tendo sido criado por Deus define a condição humana (tal como vimos em Gn 1-2) através da sua vocação paraa relação, apresentada sob a perspetiva de três eixos existenciais que são uma espécie de autoestrada em três faixas para a realização humana, isto é, para sermos quem devemos ser e, assim, encontrarmos a felicidade: uma reloçõo filial com Deus, que nos oferece a vida como dom; uma relação de cuidado e responsabilidade poro com o natureza; uma relação de convivência com o outro, nosso semelhante, a que chamamos amor. Ora, esta proposta de Deus, como Pai amoroso e cuidadoso, implica que o ser humano, dotado de inteligênc ia e vontade , compreenda que a vida corre o risco de aceit ar «soluções» equívocas, caminhos que conduzem à dor, pela perda de harmonia e de intimidade com Deus e com as pessoas que nos rodeiam. Assim, todas as escolhas egoístas e narcisist as - nas relações de amizade. nas relações amorosas, na vida familiar, na relação com o outro, em geral, ... - são um risco, uma negação objeti va do mandamento do amor. A met a cristã da acão é o bem comum . Do mesmo modo, se compreende o apreço da Igrej a pela fami lia, o lugar mais favorável à gratuidade, à aprendizagem da ternura, da generosidade, do convívio respeitoso , onde a pessoa tem as rnelho-

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res condições de ser recebida por si mesma, estimada em si, acolhida , orientada e protegida como necessita e merece. O Papa Francisco sintetizou assim o papel da família, dizendo que "a formação interior da pessoa e a circulação social dos af et os têm o seu pil ar exatamente aqui"*. O facto de as famílias poderem perder, ou nalguns casos, nunca conseguirem garantir este "cenário" de amor, no qual cada ser humano deve ver a luz e encerrar os olhos, não ret ira o valor da família, antes mostra a sua relevância e a importáncia social e eclesial de a preservar, educar e apoiar. Certame nte os casais do passado e as familias que nos antece deram, enfrent aram, ao longo da histó ria, imensas crises e desafios enormes, mas uma socialibilidade essencialmente comunitária fornec ia aos casais uma ampla rede de cont actos , apoios e ajudas. Com a tr ansição das sociedades rurais para os enormes aglomerados urbanos e as dificuldades impost as pelas crises económicas, tornaram a vida familiar e a sua progressão no tempo e nas tar efas que lhe são pedidas, um desafio enorme, que exige grande coragem, desej o de perseveração e alguma ajuda externa , uma familia alargada de apoios, conselhos e partilha de experiências. Na Exortação apostól ica Familairis cansartia, n. 13, João Paulo II cita um texto, lindíssimo, de Tertu liano, que evidenci a a importã ncia e a beleza da família unida pelo vínculo do matrimó nio:

"Podes ler tudo em :

http://www .osservatoreromanova/pt/news/econorma-m edid a-da-t emluae st hash GOve13JM d puf

o Conc ílio Vaticano II rec onh eceu a fami lia como uma "Igreja doméstica " (Lumen Gent ium, 11)e sublinhou:

"O bem-estar da pessoa e da sociedade humana e cristã está intimamen te ligado com uma favorável situaç ão d a com unidade co njugal e fam iliar. Por esse m ot ivo, os cr istãos, juntamente co m todos os que têm em grande ap reço esta com unida de, alegram-se sinceramente com os vá rios fatores que fazem aum entar ent re os ho mens a estima desta comunidade de amor e o resp eito pela vida e que aux ili am os cô njuges e os pais na sua sublime missão,' Conc. Vat . II, Constituição Pastoral Gaudium et spes, Sobre a Igrej a no Mundo Atua l, 47. Podes ler em h t t p :// w w W. v a t i c a n .vala r c h i vel h i s t _ c o u n c i I s/i t , va t i e a O_ COU n c i I / d oe u m entsl vat-ii., Canse196 51207~ga u díu m-et - spes_po.ht ml

"Do nd e me será dad o expor a felicidade do m atrim ón io unido pela Igrej a, con f ir mado pe la oblacão eucarística , selado pela bênç ão , que os anjos a nunc iam e o Pai ratifica? ... Qual j ugo aquele de d ois f iéis numa única esperança , numa única observância, num a única servidão! Sâo irm ãos e servem conjuntamente sem d iv isão quanto ao espírito, quanto à carne. Mais, são verda deiramente dois numa só ca rne e donde a carne é ú nic a, ún ico é o espírito." Tert u lian o, Ad uxorem, II, VIII, 6-8: CCL, I, 393 .

Mais, a fecun didade da família vai além da sua com petência e vocação de gerar filhos, pois exprime-se na sua capacidade de passar as verdades essenciais da existênc ia humana, para as crianças e jovens que educa, nomeadamente a experiência de fé dos próprios pais e da Igreja.

"As famílias c ristãs dão um contributo particular à causa m issionária da Igreja cu ltivando as vocações missionárias nos seus filhos e filhas e, de uma forma mais general izada, com uma obra educativa que vai «dispondo os f ilhos, desde a inf ânc ia para conhecerem o amor de Deus por todos os homens»*." J o ão Pau lo II, Fom ili ari s consorti o, 54 * 0 Pap a cita Cone. Ecum. Vat . II, Dec r. sobr e o apo sto lad o dos Leigos ApostoJic am actuositatem, 3 0.

Apesar de a família não ter como única função relevant e a geração e educação dos filhos, o Inverno Demográfico que assola a Europa tam bém deve preocupar-nos . A incapacidade de renovarmos as gerações, a inversão da pirámide demográfica - com mais pessoas de idade avançada do que jovens e crianças - é um problema social e económico de grande vult o. E na vida privada de um j ovem casal, a incerteza quanto ao emprego, à conciliação da vida familiar com a laboral, à possibilidade de adq uirir e manter um lar para a família, são motivos de

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enorme preocup ação e desgaste. Depois, em muitos lugares, també m escasseiam os apoios ao cuidado das cr ianças pequenas, levando os jovens a adiar ou evit ar drasticamente o nascimento dos f ilhos. Que bem poderá vir ao mund o se não há lugar para a sua renovação? Deste modo compreendemos que, para além da defesa da dignidade de tod a a pessoa huma na, as formas de relacioname nto amoroso e de viver a sexualidade que fragilizem o família são objeto de preocupaçã o const ante por parte da Igreja. Em tod o o caso, este é, sempre, o projeto de v ida Cristã, para a vivência da sexua lidade ou de qualquer outra experiência humana, seja ela pequena e modesta ou imensa e relevante, privada ou púb lica:

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Amor e Sexua lidade


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Educação Mora l e Religiosa Cató lica

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Amor e Sexualidade


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