EMRC_10_UL1_Política, ética e religião

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Queridos Alunas e Alunos Est imadas Famíli as Caros Docent es com grande alegria que vos entregamos os manuais de Educação Moral e Religiosa Cató lica, que foram preparados para lecionar o novo Programa da disciplina, na sua edição de 2014. O que aqui enco ntra reis procura ajudar, cada um dos alunos e das alunas que frequentam a disciplina, a «posicionar-se, pessoalmente, f rente ao fenóm eno religioso e agir com responsabilidade e coerência», tal como a Conferência Episcopal Portuguesa def iniu co mo grande fi nalidade da discipl ina". Para ta l, realizou-se um exte nso tr abalho que preten de, de forma pedagogicamente adequ ada e cientificamente significativa, contribui r com seriedade para a educaçã o integral das crianças e dos jovens do nosso País. É

Esta tarefa, realizada sob a superior orientaçã o da Conferê ncia Episcopal Portuguesa, a responsabi lidade da Comissão Episcopal da Educação Cristã e Dout rina da Fé e a dedicação permanente do Secreta riado Nacional da Educação Cristã, envolveu uma extensa e motivada equipa de trabalho. Queremos, pois, agradecer aos autore s dos textos e aos art ist as que elaboraram a montagem dos mesm os, pelo seu entusiasmo permanente e pela qualidade do resultado f inal. Também referimos, com apreço e gratidão, os docente s que experimentaram e com ent aram os manuais, ainda durante a sua execução , e o contributo insubstitu ível dos Secreta riados Diocesanos responsáveis pela discip lina na Igreja local. E a todos os doce ntes de Educação Moral e Religiosa Cató lica, não só entregamos estes indispensáveis instrumentos pedagógicos como aproveitamos esta feliz ocasião para sublinha r a relevância do seu f undament al papel, nas escolas e na for mação das suas alunas e dos seus alunos , e t estemunh amos o nosso reco nhecimento pelo seu exte nso compromisso pasto ral na soc iedade port uguesa. Do mesmo modo, estamos agradecidos às Famílias, porque desejam o melhor para os seus f ilhos e fi lhas e, nesse contexto, escolhem a disc iplina de Educação Moral e Religiosa Católica como um import ante contr ibuto para a formação e o desenvolvimento pleno e feliz dos seus jovens. Os jovens conformam o nosso f uturo comum e o empe nho sério na sua educação é sempre uma garantia de uma soc iedade mais bondosa , mais bela e mais justa. Finalmente, queridas crianças e queridos jovens, a Igreja quer ir ao vosso encont ro, estar convosco, ajudar-vo s a viver bem e, nesse sentid o, colabora r com o esforço de const rução de um mundo melhor a que sois chamados, enraizados e f irmes (cf. Coi 2, 7) na pro post a de vida que Jesu s Cristo tem para cada um de vós. ~ esse o horizont e de vida, de missão e de futuro, a const ruir convosco, que nos propomos realizar com a discip lina de Educação Moral e Religiosa Católica. Em nome da Conferência Episcopal Portugue sa e no noss o própri o, saudamos todas as alunas e todos os alunos de Educação Moral e Religiosa Católica de Port ugal com alegria e esperança, Comiss ão Episcopal da Educação Cristã e Doutrina da Fé Lisboa , 19 de mar ço de 20 15,

Solenidade de S. José, Esposo da Virgem Maria e Padroeiro da Igreja Universal

.. Conferência Episcopal Portuguesa, (2006),EducoçdoMoral e ReUgiosa Católica - Um valioso contributo poroo rormcccc da personalidade, n. 6.

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Politica. E:tica e Religião


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Educação r loral e Religiosa Católica

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Frequentar o Ensino Secundário e matriculares-te em Educação Moral e Religiosa Catól ica, diz alguma coisa sobre t i... Talvez tu não tenhas a cer teza do que diz, t alvez te nham sido os teus amigos a desa fiar -te - e ainda bem - ou porque o profe ssor ou a pro fessora é alguém que t u apr ecias, o qu e é excelente, ou... e nada disto se exclui, escolheste EMRC porque tens vonta de de pensar, de d iscut ir, de const ruir novas ideias sobre alguns tem as que parec em ser impor tantes... ou interessa ntes ... ou, tu lá sabes' Nós estamos aqui para isso. Propomos-t e um cam inho, um Caminho q ue podes organizar em conj unt o co m o teu professor ou profe ssora , passando pelas seguintes dez etapa s: UL 1 - Política, Ética e Religião; UL 2 - Valores e Ética Cristã; UL 3 - Ética e Economia; UL 4 A Civilização do Amor; UL 5 - A Religião como Modo de Habitar e Transformar o Mundo; UL 6 - Um Sentido para a Vida; UL 7 - Ciência e Religião; UL 8 - A Comunidade dos Crentes em Cristo; UL 9 - A Arte Cristã e UL 10 - Amor e Sexualidade. Provavelmente , já te ns aulas de EMRC há alguns anos, mas ta mbém pod es ter acabado de chegar... Em qualquer dos casos, se deres uma vista de olhos no Programa da disc iplina, ficas a saber que f izemos to do este trabalho tendo uma grande Finalida de em vista : aju dar os alunos , ajudar- te a ti , a «Aprender a posicionar-se, pessoalmente, frente ao fenómeno religioso e agir com responsabilidade e coerênc ia". A part ir desta primeira página do teu manual, ou melhor, de cada um dos fasc ícu los, que, no tod o, consti tuem o manual de EMRC do Ensino Secu ndário, podía mos começar já a explic ar-te t udo isso. Mas não. Tu, em co njun to com os te us amigos, os teu s colegas e com a ajuda dos teus professores, é que vais encontrar essa explicação, muitas das explica ções que te fazem falta, que queres e que pro curas. Depo is, talvez queiras part ilhá- Ias com os out ros amigos e - quem sabe? - em tua casa, com a tua família. E quando fo r a hora cer ta , vais te r de começar a fazer algumas escolhas, daquelas que têm mesmo irnport ànc la para o resto da t ua vida. O ensino sec undário tem, por isso, uma impo rtante com ponente vocacional , cont ribuindo para que def inas quem é que tu queres ser e o que é qu e qu eres fazer com a tua vida. Nessa alt ura, espera mos que est es manuai s, com os seus textos , as suas imagens, as suas vozes, as suas sugestões e as suas «janelas" sobre a realidade próxima e longínqua, te possam aju dar. Entr eta nto, deixamos a palavra mais importante para quem sabe mesmo dizer isto, os artistas . Fica con nosco, f ica com a poesia , fica bem: EMRC é para ti e para te ajud ar a escolheres um futu ro de beleza, de bondade e de ju st iça, uma vida boa e feliz !

Escuto

Escu to mas não sei Se o que oiço é silên cio Ou Deus Escuto sem sabe r se estou ouvin do O ressoar das plan ícies do vazio Ou a consciência aten ta Que nos co nfins do universo Me decifra e fi ta Apen as sei que cam inho como quem É olhado, amad o e conhecido E por isso em cad a gesto ponho Sole nidad e e risco

Sophia de M ello Breyne r Andr esen Obra Poét ico I. 1992 , Lisboa, Círculo de Leitores. Geografia , 2004. Lisboa . Editorial Cam inho. p. 30.

Com votos de um ótimo trabalho, agradecemos a tua confiança!

A equipa de Autores


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Educac ào rloral e Peligiosa Católica

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Indica - - -- - - - -- - - - - -- - - - - 6 ' 7- - -1.1 . -De- que- falamos ao dizer "política"?

1. Polít ica , ética e religião: interrogações em forma de guia

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1.1.1. Para uma definição de polít ica 1.1.2. O político como tecelão: uma metá fora clássica 1.1 .3. A política é tarefa exclusiva do Estad o?

,- -- --- - - - - -- -- - - - -- - - - - - - - 13 2.1. Repú blica ou Monarquia: o que permanece válido nesta discussão? 14

2. Os sistemas e os regimes políticos

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2.2. Dois modos de pensar os regimes políticos: aristocráticos ou democrát icos? Monistas ou pluralistas? 2.3. O que é o Est ado? 2.4. A Separação de Poderes 2.5. As fun ções do Est ado

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3.2. Os desafios da laicidade

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4.1. Os valores fundamentais de uma comunidade politica 4.1 .1 . Verdade 4.1.2. Liberdade 4.1 .3. Ju sti ça 4.1.4. Caridade (Amor) 4.2. Princ ípios da doutrina social da Igreja

-- - - --- - - -- - -- - - - - - - - - - --26 ,-29 3.1 . A ét ica como crité rio de leit ura da qua lidade da democracia

3. Política, ética e religião: uma relação dinâm ica

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'-45 - 5.1.Õ senh orio deDe:s-

4. A comunidad e po lítica : como compree ndê-Ia e vivê- Ia?

5. A comunid ade política: fundamentação bíb lica da abordagem cristã

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6. O fundamento da comunidade política

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5.2. Consequências da encarnação divina 5.3. O direito à objeçã o de consciência 5.4. O direito a resist ir

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6.1. A pessoa é o f undamento e f im da comunidade política 6.2. Que f im pretende ating ir a comuni dade política?

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7. A comunidade política como construção de todos

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8. A democracia é um f im ou um meio?

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7.1 . A import ância da part icipação organizada: das associações à presença em instâncias internacionais 7.2. A salvaguarda do árnbito privado - cont ra os tota lita rismos 7.2.1 . Os regimes autoritá rios e totalitários 7.2.2. Distinção entre Estado e âmbito privado

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8.1. A natu reza da democracia 8.1 .1. A participação dos cidadãos na política 8.1.2. Os partidos e os referendos 8.2. A degradaçã o da democracia 8.2.1. A corrupção 8.2.2. A corru pção - frequência e extensão 8.2.3. Que perceção existe do fenó meno? 8.2.4. Corrupção: como combatê -Ia? 8.3. Informação e democracia 8.4. Os perigos de degradação da democracia 8.4.1. Manipulação da opinião públi ca 8.4.2. Populismo 8.4.3. Redução da democracia à sua dimensão formal 8.4.4. Tentação da democracia popular 8.4.5. Mecan ismos de perpe tuação no poder 8.4.6. Estratégias de desvalorização ou sobrevalorização dos partidos 8.4.7. Hiperdemocr atização da vida 8.4.8. Desaf ios para uma democracia que deve estar sempre a cons t ruir-se

- - - - - - - - -- - - -- - - - - - - - - 79 Ir -79- - -9.1 . -Porque duvidamos do papel do amor na política?

9. A via do amo r na construção da comunidade política

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Bib liografia

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9.2. O Amor como critério de gestão: realidade ou utopia ? . 9.3 Caridade na verdade: a condição que humaniza a polit ica


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1. Política, ética e religião: interrogações em forma de guia

·- - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - l o que será a política? Como se define e quem a protagoniza? Pode pensar-se a política sem a ét ica ? Ou, pelo contrá rio, tem de se pensar a política com a ét ica ? E a religião? Que relação pode ter com a política? uma relação impossível? Ou pode esperar- se de ambas um con t ributo recíproco? Pode, mesmo, pensar-se a política sem o contributo do Cristianismo para a forma como esta se enten de no contexto ociden tal? É

Há lugar para a esperança e para o amor na pol ítica? Ou será esta apenas a gestão de interesses e poderes, não havendo nela espaço para o amor, para a esperança, para os valores éticos-m orais? Eis algumas de mu itas interroga ções que a formu lação do tema desta unidade pode suscitar. Para se chegar a vislumbrar respostas para elas, é necessár io, contudo, def inir os conc eitos e âmbitos em discussão, em particular, comp reender do que falamos ao dizer "polít ica". Essa será a preocupação da primei ra part e desta unidade letiva. Vale a pena, co ntudo, começar por verif icar que t ais int erroga ções não são de hoje. Têm marca intemp oral. A história da arte, nas suas várias manifesta ções - literat ura, pint ura, escultura , cinema , músic a, etc. - tem sido pród iga em tematizar a prob lemát ica aqui em estud o. Alguns dos mais belos trechos da lite ratura mundia l repercut em grandes história s em que competem a política, a moral e a religião . Esta é a história de Ant ígona, a prot agonista de uma das mais célebre s t ragédias de Sófoc les.

Educaçào t.torar e Religiosa Cató lica

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Antígona é uma de quatro f ilhos de ~d i p o e de Jocasta (dois homens: Etéocles e Polinices; duas mulheres: Ismena e Antígona). O pai de Antígona, Édipo-Rei, depo is de ter descoberto que mat ara o seu pai (o rei de Tebas) e que cometera incesto com a sua própria mãe (Jocasta), cega-s e e lança uma maldição sobre os seus dois f ilhos varões, maldição que previa que se matariam um ao outro, o que veio a acontecer. Depois da morte de ambos , o rei Creonte est abelece, de forma autoritár ia, que só Etéocles será sepult ado, deixando Polinices insepulto, entregue aos animais selvagens. Perante esta decisão do rei, Ant ígona depara-se com um dilema: ou cumprir o dever moral e religioso de dar sepult ura ao seu irmão, cont ra a vontade do rei, ou cumprir a vontade do rei, silenci ando a sua consc iência e os seus deveres morais e religiosos. O que deve fazer Antígona? Seguir o rei, cont ra sua consciência e os ditames religiosos, ou seguir estes contra as ordens do Rei? ~ legítimo ao rei Creont e impedi-Ia de cumprir os seus deveres morais e religiosos? Que limit es deve o rei respeit ar no exercício das suas fun ções? Ou deve te r um poder sem limit es? Tais limites devem ser def inidos por ele ou devem ser-lh e impo stos? A histór ia de Antígona abre-nos o horizonte para a def inição dos dados em discussão . Para os podermos problematizar, import a, então, começ ar por precisar o que deve entender-se por políti ca.

1.1. De que falamos ao dizer "política"? "A grandeza de uma profissão consiste, talve z, acima de tud o em unir os homens; só há uma verdadeira riqueza: a das relações humanas. [oo .] Ser homem é justamente ser respon sável. É conhecer a vergonha perante uma miséria que não parecia depender de si. É orgulhar-se duma vitória que os camaradas alcançaram. É senti r, ao assentar a sua pedra, que se contribui para construir o mundo." Samt -Exup éry, Antoine de, Je rro dos home ns. LIsboa . Vega, p. 28.36

1.1.1 . Para uma definição de política A palavra "polít ica" encontra as suas raízes, etimológicas e conceptuais, na Grécia anti ga. Etimologicamente. "polític a" deriva da palavra grega "polis", que quer dizer "cidade", podendo ser tr aduzida por "condição daque le que vive em sociedade", uma vez que a palavra "cidade", no contexto da Grécia cláss ica, não designa a cidade por oposição a alde ia, mas sim a cidade enquanto organização estruturada. Neste registo, a pol ítica designa a condição segundo a qual os indivíduos se organizam em comunidades estruturadas e condu zidas de acordo com o saber dos que os lideram, tend o em conta a sua capacidade de discernir e decidir, em cada circunstâ ncia. Se seguirmos a etimologia latina para a palavra "cidade", encontraremos o termo "civitas", de que derivam "cidadania", "cidadão", palavras da fam ília de "cidade". Sendo assim, "cidadania" e "política" são, na sua raiz et imológica, sinónimas, pelo que deveriam expressar a ideia de que todos podemos contribu ir para a boa governação (política), ao mesmo temp o que somos beneficiários cooperantes com essa boa governação (cidadania).

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Po lít ic a, E,tica e Religião


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Nesta definição que acabamos de formular, estão implícitos dois conteúdos do conce ito de "Polít ica" que a vêm acompanhando, ao longo dos tempos: a ideia de que é ciênc ia e de que é arte .

"À política concern e, em geral, o governo dos homens e a administração das coisa s, e em partic ular, a organização e a direção dos Estados (Polít ica, de 'pólis' "cid ade", "cidade-est ado", Como tal, é suscet ível de ser considerada como arte, como ciência, como ideologia, com o f ilosofi a, como metafísica. como ética e como teologia." Antunes, Manuel, 'Política' ln Logos IV, pp . 329 -330 .

Precisemos, de mod o mais claro, o alcance de cada uma destas notas defin idoras da polít ica, enquanto ativ idade humana, entendida como arte e como ciência, a que Manuel Antun es, autor da ent rada "Polít ica" na enc iclopédia Logos, associ a outra s abord agens que é importante analisar.

A política como arte

"A políti ca é um fazer e é, sobretudo , um agir. Dispondo os meios em relação aos fi ns e pensando os f ins em relação aos meios, a Política revela-se como arte (ars, em lat im, téknê, em grego) daquilo que, aqui e agora, é possível realizar. A decisão política , mesmo depois de muitos estudos elaborados, e mesmo bem elaborados, envolve sempre um coef iciente de indeterminação que não é possível, nem sensato, eliminar ou subestimar. É então que a dimensão arte deve intervir. Arte, a Polít ica releva a int uição criadora, do ju ízo te órico -prático , da perceção das mediações necessárias entre aquele que governa e a comu nidade que é governada, ent re os diversos corpos que const itue m o universo social e estatal e as aspirações que polar izam a vida dos homens." Ant une s. Manuel, 'Política' ln Logos IV, p. 330

• o que def ine. à luz do autor, a Política como arte?

A política como ciência

"Como ciência, a Política encontra-se essencialmente ligada à história , à economia, à geografia, à sociologia e à psicologia individual e social. Incumbe- lhe estabelecer por via indut iva e/ou dedutiva as leis que presidem à orientação dos organismos soci ais mais amplos desde a t ribo ao império e à próp ria comunidade mund ial. A este nível, a política pode e deve ser tomada como disciplina de disciplinas ou como sistema virtualmente integrador de outros sistemas ." Antunes,Manuel, 'Política'in Logos IV, pp. 330-3 31.

• O que pre te nde o autor afir mar com a consideração da Política como "sistema integrador dos outros sistemas"?

EduC8"bO r :oral e Religiosa Católica

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A estes dois modos de conceber e fazer a políti ca, Manuel Ant unes assoc ia, ainda, outros que valerá a pena analisar:

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A política como ideologia

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"A política , quer vise instaurar-se em determinado regime quer procure manter-se no regime inst aurado, tem habitualmente necessidade de recorrer a uma ideologia. A um tempo síntese e simp lif icação da arte, da ciência e da filosofia políticas, a ideologia funciona como arma e justificação do poder, como o seu ponto de honra perante as massas que dom ina ou int enta dom inar, como o símbolo - ou o credo - daqu ilo que importa crer, embora as insti t uições e as obras desm intam. Liberal ou totalitá ria, classista ou igualita rista, a ideologia procurará natura lmente exalt ar as próprias virtudes e ocu ltar os próprios defeitos, refulgindo, não raro, da autocríti ca." Antunes , Manuel , 'Política' ln Logo s IV, p. 331.

• Diz- se, co m frequência, qu e já não existe m ideologias na polít ica. À luz das af irmações acim a reco lhidas, co m o analisa r esta ob servação?

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A filosofia política

"A filosofia polít ica int ent a responder a estas duas pergu ntas fu ndamenta is: a) existirá um domínio político próp rio, indepen dente, por um lado, do direito púb lico e, por outro, que r da moral quer da economia? B) Se existe, em que co nsiste?" Antunes, Man uel . 'Pohnc a' ln Logo s IV. p 331.

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A metafísica política ou leit ura teocrática

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"Quando, para além da essência da política e das conexões com outras atividades humanas, se postula a sua j ust if icação pelo recurso à Transcendênci a - qualquer que seja o seu nom e est á-se diante daqu ilo que, com propriedade, se pode designar de 'metaf ísica política', Além do emp írico e do fenomén ica, vê-se a explicação e, consequentemente, a legitimação tanto do poder soberano como de determinada maneira de o conservar, de o conqu ista r ou de ele agir." Ant unes, Manuel, 'Polít ica' ln Logo s IV, p. 332.

* O que distingue essa abordagem da con side ração da Políti ca como ciê nc ia?

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Pchtica. Et ica e Relig ião

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Para melhor clarificação desta forma de concebe r a política, é int eressante obse rvar o que referem António Marques Bessa e Jaime Nogueira Pinto que, após indicarem que as "primeiras conceções históricas do pode r político surgem no Egito ", caracterizam estas primeiras conceções como sendo de teor teocrát ico, aproximando a def inição desta forma de exercício e concec ão do poder daquela que aqui nos aprese nta Manuel Antunes . Referem aqueles autores que •

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"O que caracteriza a teocracia (palavra grega que significa , etimo logicamente, 'governo de Deus') é considerar-se um princípio metafísico, religioso - a vontade da divindade - como origem e justificação do poder político. No caso do Egito, como tal poder é possuído e exercido por uma entidad e - deus vivo e rei - podemos falar em monarquia teocrática. (Mono+arquia - governo de um só; teo+ cratia - poder que vem de Deus)." nesse, António Marques e Pinto, Jaime Nogueira, 2009, O poder no históri a, Introdução à Politico, Lisboa, Verbo, pp 11-13.

-- - - - - - --- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - , 1.1.2. O político como tecelão: uma metáfora clássica

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Uma metáfora clássica sobre como conceber o papel do político define-o como t ecelão. Trata -se de uma das metáforas mais interessantes para entender o papel do líder político, que recolhemos de Platão, e que reconhece o papel posit ivo e necessá rio do político para a consolidação da comunidade política, a que todos pertencemos . Atr ibui- lhe a função de alguém que j unt a os fios de um novelo, diversos nas suas características , de modo a co nst ruir o tecid o social. O papel do político como o de um tec elão, segundo Platão:

"[...] esta é uma função única e exclusiva da arte de tecer do rei, a saber: nunca sepa rar os caracteres moderados dos impulsivos, mas - servindo-se na sua tecelagem de consensos, da atr ibuição e suspensão de honrarias, de opiniões e de alianças de amizade recíprocas - confec ionar, a part ir desses elementos, um pano liso, vulgarmente chamado 'tecido de qualidade', e conf iar a estes indivíduos - sempre em regime de colegialidade - os lugares de governo nas cidades . [...] Diremos, então, que é do seguinte modo que f ica concluída a teia da atividade do político, rigorosamente confecionada, a saber: quando a arte da governação - depo is de ter consumido o seu tempo a harmonizar o feitio dos homens impulsivos com o dos moderados, lançando mão dos valores da concórdia e da amizade - realiza o mais admirável e valioso dos tec idos; quando, envolvendo a tota lidade dos restantes membros da cidade (escravos e homens livres), a todos apoia por meio deste entrelaçado, e governa e superinte nde sobre uma cidade sem descurar minimamente tudo quanto é indispensável à sua fe licidade." Platão. 2008. O Político, Llsboa, Temase Debates, pp. 188-190.

Reconhecido o papel insubs ti tuível do líder político para a coesão comun itária, é relevante, contu do, verifi car que a qualidade do seu desemp enho resultará de ter como cent ro da sua atuação o bem comum (que analisaremos mais adiante) ou, simplesmente, os seus inter esses pessoa is. Esta constatação podemos fazê -Ia socorrendo-nos de um clássico da lit eratu ra polít ica.

Educacào l.t orel e Religiosa Católica

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o bom e o mau político, segundo Plutarco: "[.. .] é preciso colocar no f undamento da ação pol ít ica, tal como uma base só lida e f irme, uma orientaçã o cujo pr incípio resida no discerniment o e na razão, e não num impulso or iundo da glória vã, de um gosto qual quer pela disput a ou por f alt a de outras at ividades: como aquel es qu e, de facto, por nada terem de bom a f azer em casa passam na agora a maio r parte do seu tempo sem nece ss idade diss o, algumas pessoas, qu e nada têm de interessa nte a fazer em privado, se viram para os assuntos públicos usa ndo a po lítica como passatempo." Plutarco, 2009. Conse lhos aos politicas poro bem governar, Mem Martins . Publicações Europa-América. p. 10

• Que fun dament o def ine, segundo

Plutarco,

a a ção política? • Que t ipo de polít ico é aqu i cri ticad o?

• Tendo em co nta a retlexãc feita até este ponto, é justa a general ização de que os políticos são semp re int eresseiros, t endo como sua única preo cu pação o seu benefício? Que out ra leit ura é possível fazer-se, a part ir do texto de Plutarco?

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1.1.3. A política é tarefa exclusiva do Estado? Definida a natureza da política, enquanto atividadehumana, importa, ainda, comp reendê-Ia na sua relação com o Estado. A interrogação que está aqu i em causa é a que, vulgarmente, é formulada através da pergunta sobre se a Política diz respeit o, apenas, aos políticos, entendidos como os profissionais da gestão da "coisa pública", ou se respeita a todos os cidadãos. Já na enunciação da etimologia pudemos verificar que a noção mais ampla é a que adotámos. Tal noção entende que a política é condição de todos os cidadãos, mas importa perceber alguns traços desta noção e distingui-Ia da outra compreensão de política que a identifica com as matérias que respeitam ao Estado. Para melhor análise dos dados do problema, observemos o seguinte texto, de Diogo Freitas do Ama ral:

"[oo .] Os autores que hoj e em dia estuda m a Polit ica e escrevem sobr e ela est ão divid ido s qu anto à referê nc ia da po liti ca ao Estado . Surgem, as sim, duas conceções diferentes de Politica . Para uns - Marcel Prélot, Marcello Caet ano - a Polít ica tem a ver ess encialm ente co m o Est ado, ou mel hor, com a conquista e o exercício do poder no Estado. Reconhecem est es aut ores que ta mb ém exis tem fenómeno s de po der fora do Estado: na soc iedade internacional , nas com unidades mun icipa is, nas igrej as, nos sindicatos , nas empresas, nas institu ições administrat ivas, etc. Ent endem, porém, que t ais fenó menos , sendo reais, tendo importâ ncia, merecendo estud o, não são por natureza fen óm enos político s - salvo na me dida em que neles inte rfira dec isivament e algum fat or ou referênc ia de cariz políti co nac ion al. [oo .] Para outros autores - Georges Burdeau , Maurice Duverger, R.A. Dahl - a co nceção exposta é demasiado restrit a, care cendo de ser ampliada de forma a conside rar como essência da Política todo o fenómeno de poder em qualquer sociedade hum ana. [oo .]

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Polít ica . EtiCJ e Religião


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Em nossa opinião, é a segunda co nceção que se afigura mais adequada. Desde logo, porqu e esse é o sent ido que cada vez mais a palavra Política vai tendo na linguagem comum : não se fala apenas em política nacional, mas também em política local, política internacional, política comu nit ária (europeia), etc. Depois, porqu e a observação da realidade mostra-nos de facto fenómenos reais de luta pelo poder, e de exercício do poder, em todas as inst it uições soc iais - e não apenas no Estado: nas auta rquias locais, nas escolas , nos sindicatos, nos clubes desportivos, em qualquer associação ou funda ção cívica, nas empresas e grupos económicos, etc . A própria Igreja, tanto a nível local ou nacional, como ao nível do Vat icano, não é imune a fenómenos de pode r. [...] A política tem , assim, para nós. um âmbito muito mais vasto do que o da pol ítica exercida ao nível do Est ado ou da Nação. E abrange todos os fenómenos de luta pelo poder e de exercício do pod er em toda e qualquer inst it uição social onde se manifestem. O que não quer dizer que esses fenó menos não assumam relevância especi al, ainda hoje, no seio do Est ado. [...]" Amaral, Diogo Freitas do. 2009, História das Ideias Políticas, I volume. Coimbra, Almedina, pp 23-24.

Em síntese, af irma-se, neste tr echo, que:

• o âmbito de aplicaç ão do conc eito de polít ica depen de de duas abordagens - uma, mais restr it iva. que o confina ao segmen to das at ividades espec íficas do Est ado: out ra, mais ampla, que a entende co mo a partic ipação nas atividades em que se exercita o poder: • a abordagem mais amp la é a que melhor reúne a aceção de Polít ica que se fo i configurando ao longo dos tem pos , pelo uso do termo. Diante destas conclusões , impor ta ter consciência, desde j á, das implicações desta conceção mais amp la, q ue perm ite ante cipa r dados que serão analisados mais adiant e. Todos os cidadãos estão comprometido s com a polít ica. A po lítica diz resp eito a todos, atendendo ã sua condição de seres soc iais, participando da vida em comum e usuf ruindo de bens que devem ser part ilhados, sejam bens tan gíveis (os recursos mate riais) sejam intangíve is (a educação, a cultura, os ser viços, etc .).

Sobre o que acabámos de estudar, podemos Int errog ar-nos:

• Que consequências resultam de cada uma das abordagens descritas por Diogo Freitas do Amaral, neste excerto? A quem cabe a tarefa política, segundo cada uma destas leituras? • Adotando como mais ade quada a segunda

abordagem, como avaliar o aumento progressivo da abstenção eleito ral?

em momentos de part icipação

· Que causas ser ão mais decisivas para o afastame nto dos cidadãos em relaç ão a esses momentos de part icipaç ão na vida colettva?

Síntese Política - palavra com origem grega "p ólis", Diz respe ito ao governo da soc iedade "polis". Pode ser entendida como uma arte, como um ciência, como ideologia, com o f ilosofia ou no prisma de metafísica política. O polít ico pode ser ente ndid o com o um tecelão, pois a ele cabe "tecer" e unir as diversidades existentes em sociedade. A polít ica não é ta refa exclusiva dos que governa m, mas é ta refa de todos os cidad ãos (que vivem na "pólis").

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EducaçdO t.rors! e Religiosa Católica

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2. Os sistemas e os regimes políticos

r----- - - - - - - - - - --- - - - - - - - - - - - - - - - Todas as formas de exerce r o poder são legítimas? Como se organiza o poder e que nomes se atr ibuem às diversas fo rmas de o organizar? Um bom regime pode degenerar num mau regime? Que mot ivos podem cond uzir a ta l modificação? O que é a democracia, a monarq uia, a aristocracia, etc .? São siste mas ou regimes políticos? O exercício do poder pode configurar-se de múltip los modos, tendo em conta quem pode parti cipar e decidir sob re o rumo da comunidade: se esse poder cabe a toda co munidade ou se apenas a alguns ou mesmo a um s6. De acordo com o modo de exercício do poder, os sistemas tomam nomes diversos. Distinção entre sistema e re gime Import a, porém, fazer uma primeira dist inção, entr e síst ema e regime polític o.

"O termo 'sistema' diz respeito ao conjunto de elementos de um todo e à sua interação permanente, e nquanto a p alav ra 'r e g i m e' diz respeito ao modo como esse todo se forma e funciona." Fernandes , Ant ómo Jo sé. 2008. Int roduç t)o Ó c.enc .c poutica, Porto, Porto Editora. p. 75.

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Assim, para clarif icar os termos, poderíamos referir-nos ao sistema presidencialista , por comp aração com o sistema parlamentar, enquanto poderíamos falar de regime democrático por oposição aos regimes autoritários.

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Polít ica, Ética e Feligião

Os reg imes t ambém se podem def inir como equilibrados ou deteriorados, enquanto os sistemas , até às concec ões modernas, eram conce bidos co mo sendo monárqu icos, ar istocráticos ou democráticos.


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Manuel Antunes, na revista Lógos, refere, em síntese , três formas de governação que, legítimas em si, se pode m deteriorar: a monarquia , a aristocracia e a democracia . Degeneraria m, respetivamente, em tirania , oligarquia e demagogia. Repercute-se, aqui, o conteú do da obra clássica de Platão , O político, cujas ideias se aprese ntam, em síntese, no quadro seguinte:

Quadro sobre as formas de governação e as suas degenerescências Formas de governação

I Degenerescências

Monarquia o poder é exercido através de uma pessoa, que para Platão seria o filósofo-rei - po r isso, poderia designar-se este modelo como sofiocracia (o poder da sabedoria).

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Aristocracia o poder é exercido através de alguns reconhecidos como melhores (áriston - superlativo grego que quer dizer "o melhor").

Democra cia o poder é detido pelo povo.

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! Tirania - o poder é exercido po r um só, I de modo prepotente. I_._ - - - - -

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Oligarquia - oligos, em grego, quer dizer "poucos". A oligarquia é o regime em que poucos detêm o poder e o exercemde forma absolutista.

A oligarquia pode manifestar-se co mo timocracia (det ido o poder pelos que "amam as honrarías") ou plutocracia (detido o poder pelos ricos). - - - .._- --_.Demagogia - modo de governação que se sustenta na desinformação do povo, em vez de o informar com objetividade.Emvezde informado, o povo é conduzido de modo paternalista, como se só aqueleque detém o poder soubesse o que é bom para os cidadãos e estes não tivessem capacidade de decidir o que será melhor. - - - - '- - - - - -- --- .. _---_. - - . . . __.._- - -

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Às formas de conceção do exercício do poder, enunc iadas em O político, Platão assoc ia, ainda, em "A república", a timocracia, (do grego "tirnê", "honra" + "crat ia", "poder") consideran do-a como a "constituíção baseada no amor das honrarias". Na história, a t ímocracia sob reviveu como expressão tendencíalmente elítista e negat iva, associa da ao reconhecimento de que o poder deva ser exercido apenas pelos mais honrados de entre os cidadãos, tendo conduzido a abordagens de pendor oligárquico ou plutocrát ico (do grego "ploutos", "rico", o poder entregue aos mais ricos).

2.1. República ou Monarquia: o que permanece válido nesta discussão? o conceito de República Tendo em co nta a et imologia, "repúbl ica" é uma palavra que aglut ina duas palavras latinas "res" e "publica" ("coisa", "pública"), queren do significa r "coisa públ ica". Este termo, que, desde as revoluções do sécu lo XVIII - revolução ame ricana e fra ncesa - ident ífi ca um modo de organização do poder (por oposição à monarq uia), co meçou por referír-se aos âmbitos que respeitavam a todos, por opos ição aos ãmb itos particulares ou privados. Importa sublinhar que a república , pretendendo-se um regime em que o representante máximo no exercício do poder é eleito por períod os def inidos de tem po, também pode deteriorar-se , como acontece no caso das dema is formas de organização do poder, e como ocorreu com as deno minadas repú blicas pop ulares, em que o poder f icou confinado ao âmb ito de um só partido. ----- - - - -- -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -~

Educação ~.·oraj e Religiosa Cató lica

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o conceito de Monarquia "As classificações clássicas dos regimes políticos, quer assentem no número dos que exercem o poder e na finalidade do seu exercício, como a classificação de Aristóte les, quer se baseiem no número, no valor e na extensão territorial, como a classif icação de Montesquieu, não têm, hoje, correspo ndência exata na termino logia política uti lizada para class ificar as relações ent re o indiv íduo e a sociedade política, isto é, os regimes políticos . Com efeit o, o conc eito de monarquia de Aristóteles e Montesqu ieu - a forma política em que o pode r é exercido por uma só pessoa, que detém o poder supremo do Estado - não corres ponde efetivamente à noção que hoje se tem desse vocáb ulo: a monarqu ia é entend ida, atualmente, como a 'forma política em que existe um Chefe de Estado hereditário'. E o conceito de república de Monte squieu - a forma política em que o pode r é exercido pela total idade ou parte do povo, orientado pela virtude - também não corresponde ao entendimento que atualmente se tem desse termo. Hoje, a palavra repúbl ica significa 'a forma polít ica em que não existe chefe de estado ou em que o chefe de estado não é hereditário'. Portanto, os termos monarqu ia e repúbl ica dizem respeito apenas ao modo de designação do chefe de est ado e nada esclarecem quanto ao número dos que exercem o poder e o modo como este é exercido." Fernan des, Antó nio José, 200 8, Introdução à

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créncro polítICO, Porto, Porto Editora. p. 147.

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As con quistas dos últ imos t rês séculos, em que ocor reram as revoluções norte-amer icana e f rancesa, as revoluções liberais um pouco por toda a Europa e em que duas grandes guerras obr igaram a rever o modo de exercício do pode r, deslocaram a interrogação sobre qual o melhor sistema (se o republicano, se o monárqu ico) para o modo como qualquer um destes sistemas é conc retizado. Disso nos dá conta o texto de Diogo Freitas do Ama ral, que analisaremos. de seguida.

"Argumentos pró e contra a Monarquia e a República

Apesa r de a tend ência mais recente ser a de as monarquia s atuais se manterem como ta l, sem grande contest ação republicana, o mesmo acontecendo às repúblicas , sem grande contesta ção monárqu ica, a verdade é que qualq uer destas duas formas de Estado pode ser justificada com argumentos favoráveis ou criticada com argument os contrários. Import a, contudo, ter semp re present e que - na at ualidade (e com a referida exceção de alguns países árabes) - j á não há regimes de 'monarqu ia governante', em que o rei seja, simultaneamente, Chefe de Estado e Chefe de Governo. Em Democracia, todas as monarquias são regimes constit ucionais e parlamentares: «o Rei reina, mas não governa».Odebate polític o entre monárqu icos e republicanos perdeu , por isso, muito do seu ant igo conte údo e emotividade. A favor da Monarquia (constitucional) - de que são exemplos próximos de nós a Inglaterra, alguns países nórdicos e a Espanha - evoca-se o peso de uma tradição multissecular; o carisma funcional do monarca, que raramente existe num Presidente da República; a maior faci lidad e de o povo ver o Rei como símbolo da unidade nacional , pois nunca pertenceu nem pode pertencer a qualquer partido pol ítico; a plena independência da Coroa face a todos os governos, seja qual for a sua cor política , e perante os interesses económicos e sociais; enfim, o maior respeito dos monarcas, em regra, pelo dever de não int romissão nos assuntos da competência dos Parlamentos e dos Governos, ao contrário dos Presidentes da República, sobretudo quando eleitos por sufrágio universal, que nem sempre escapam à tentação de influenciar e criticar os governos .

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Polít ica . Etrca e Religiã o

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A favor da República (consti t ucional) - de que são exemplos próximos de nós a França , a Alemanha e os EUA - alega-se que ela é uma forma polít ica mais democrática do que a monarquia, porque escol he t odos os órgãos supremos do Est ado por eleição, ao abrigo do princípio da sobera nia pop ular, enquanto a Monarquia heredit ári a não o faz, o que já não tem sentido quando a maioria dos povos já não acredita no «direito divino dos Reis»; por outro lado, nas repúblicas com parlamentos bicama rais (compostos po r duas c âma ras), a câmara alta é sempre eleita (Senado, Conselho federa l) e não composta por pares hereditários . A favo r da República evoca-se, também , o seu caráter mais igualit ário, sem dist inções de nasc imento, sem t ítu los de nobreza, sem uma «corte» gastadora e tantas vezes inútil. Em nossa op inião, a quest ão deve ser vista em dois planos . No plano teórico, a Rep ública tem uma dup la vantagem sobre a monarq uia: a designação de to dos os órgãos governativos mediante eleição; e a poss ibilidade de - através da não-reeleição de um President e, ou da sua demissão (impeacheme nt) - dest itu ir, dentro da legalidade co nstitucional, um chefe de Est ado que revele f alta de ido neidade mo ral, ou fa lta de condições políticas, para continuar a exerce r o cargo. Nenhuma destas possibilida des exist e em Monarquia, que só consegue resolver prob lemas desse t ipo por meios vio lentos (golpe de Estado palaciano, regicídio, revolução). No plano prático, porém, Monarquia e República equival em-se: há boas e más Monarquias, ta l co mo há boas e más Repúblicas; e ninguém pode rá dizer que haj a mais «Estado de Direito Democrático» na República fra ncesa do que na Monarq uia Britânica, ou mes mo na Monarquia Espanhola do que na República Port uguesa. A tendê ncia, no séc ulo XX, sob ret udo após a II Guerra Mund ial (de 1945 para cá), t em sido a de os países monárquicos gostarem de contin uar a ser Monarquias e, igualment e, a de os países repub lica nos preferirem manter-se como Repúblicas. Isto most ra que a distinção «Monarquia/ I República» não é, hoje em dia, um problema import ant e. Import ant es, sim, são outras questões [como] Democracia ou Dit adura, Direita ou Esquerda, Capital ismo ou Social ismo , etc." Amaral. Diogo FI ett as , 20 14, Uma IIltr oduço o O ootrnco, Lis boa, Bertrand Edit ora, 170-172.

o texto de Diogo Freitas do Amaral afi rma que. hoj e. a discussão já não é tanto sobre a valia supe rior de um ou outro sistema (moná rquico ou republicano). mas sim sob re o modo de estes sistemas se co nf igurarem e exercerem. Utilizando te rm ino logia mais precisa. importa com pree nder os regimes que resultam do exercício do pode r at ravés dos sistemas monárquico e republicano. Tomemos , para essa ref lexão, os dados de síntese que nos apresenta António José Fernandes.

Educaçã o f torar e Religiosa Cat ólica

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2.2. Dois modos de pensar os regimes políticos: aristocráticos ou democráticos? Monistas ou pluralistas?

"A nossa constituição política não segue as leis de outras cidades, antes lhes serve de exemplo. O nosso governo chama-se democracia, porque a admini stração serve aos interesses da maioria e não de uma minoria. De acordo com as nossas leis, somos todos iguais no que se refere aos negócios privados. Quanto à part icipação na sua vida pública, porém, cada qual obtém a consideração de acordo com os seus méritos e mais importante é o valor pessoal que a classe a que se pertence; isto quer dizer que ninguém sente o obst áculo da sua pobreza ou da co ndição social inferior, quando o seu valor o capacite a prest ar serviços à cidade." Discu rso de Péricl es, segu ndo Tucídides, in Moreira, Ad riano, 1995 , Id eal Democrótico, O Discu rso de Péncíee, legado Político do Ociden te (O Homem e o Estado), Estratégia, vol. VIII. pp. 15-3 1.

"Se aten dermos, no entanto , à relação da populaçã o com o poder, quer dizer, à possibilidade, ou não, de to da a população politicam ente adulta participar, direta ou indiret amente, na to mada de decisões, ou na escolha dos membros das institu ições políticas encarrega das de tomar decisões , podemos agrupar os regimes políticos em duas categorias: regimes aristocrá ticos ou regimes democrát icos. São regimes aristocráticos aqueles em que somente uma fração da popu lação adulta participa na escolha e no co ntrolo dos governante. Est a f ração aristocrát ica da popula ção pode ser constitu ída pelo exército, pela admin istração, por uma classe social ou por um partido. A esta categ oria pertencem [...] os regimes ditatoriai s de facto; [oo.) os regimes ditatoriais legais; [oo.] os regimes que assentam num único partid o; São regimes democráticos aqueles em que a totalidade da população adulta pode part icipar, direta ou indiret amente, na tomada de dec isões e na escolha de governantes. Se a t otalidade da população adulta , reunida periodicamente em assembleia plenária, pode part icipar direta mente na t omada das deci sões, isto é, no exercício da soberania, diz-se que o regime é de democracia direta; se, pelo co nt rário, a totalidade da pop ulação adulta apenas pode participar na

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Polític a, Ét ica e Religiã o


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designação e no controlo dos governantes, diz-se então que o regime é de democracia representativa. [...] Depois da última Grande Guerra, [...J o problema da altern ância ideológica fo i colocado em termos constitucionais, mas sempre com a preocupação de mante r a forma do poder. Assim, uma classifi cação de regimes, que simu ltaneamente atenta à form a, à sede e à ideologia, talvez os possa arrumar em duas categorias funda mentais que são tipos ideais: monista s e pluralistas. Serão regimes monistas aqueles que não consentem nem a circulação da sede do poder, nem a alte rnância ideológica, o que estabiliza fa cilmente a forma e encaminha o Estado para autoritário ou totalitário. Serão pluralistas os regimes em que está prevista a revolução legal, de tal modo que a for ma torn a viável a altern ância no poder e a mudança ideológica pelo consenti mento expresso na soc iedade civil." Fernandes, António José. 2008, Introducão a c.éncc

oouucc, Porto. Porto Editora, pp. 149-150.

Podemos, então, sintetizar que:

· o que ente nde o auto r por regimes aristocráticos?

1. A política se refere à cond ição do ser humano enquan to indivíduo que se realiza em comun idades organizadas.

regimes como sendo monistas ou pluralistas?

E o que entende por regimes democráticos? • Que novidade acrescenta a designação dos

2. A polít ica pode defin ir-se como arte. ciência , ideologia , metafísica ou fi losofia.

· Ident if ica , no mundo atua l, pa íses cujos regimes

3. Os autores cláss icos enumeram t rês formas de governação legítimas que podem degenerar em formas ilegít imas: a monarquia, a aristoc rac ia e democ racia, que podem degene rar em t irania, oligarquia ou demagogia.

• Problemat iza as virt ualidades e problem as associados aos sistemas moná rquico e

correspondam a cada tipologia.

republicano.

2.3. O que é o Estado? O que é o Estado? Que condições garantem a existência do Est ado? Bastará a existência dessas condições para se assegurar que o Estado funciona? Que relação deve existir ent re Estado e sociedade? Que relação existe entre Est ado e povo? Quem é anterior: o Estado ou a sociedade? Que papéis desempenham os partidos para o funcionamento do Estado? Que função deve ser reconhec ida aos part idos da oposição para o bom funcionamento das est rut uras estata is? Eis interrogações a que se pretende responder com o texto que recolhemos, de seguida.

''[...] Uma região, um reino, uma repúb lica, só merece a qualificação de Estado quando possui, pelo menos, estas três características essenciais: a) Um povo soberano, que se ident ifique como país e esteja dispo sto a garantir o seu direito de existi r e de se autogovernar; b) Um território independente, de que o povo é senhor e onde se aplicam as leis nacionais a quem quer que nele resida ou por ele passe ocasionalmente;

Educaç ão Moral e Religiosa Católica

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c) Um poder político capaz de governar, quer emane do consentimento inicial do povo, quer, tendo sido insti tu ído por um fundador ou por uma Revolução, ten ha merecido subsequentemente uma aceitaç ão popular pacífica e generalizada. É com estes t rês elementos que se constrói o conce ito moderno de Estado Soberano, resultante do t ratado de Utrecht (1 713)." [00 .] "Fazer regras, tomar dec isões, aplicar sanções - eis a t ripla fu nção em que se tr aduz o exercício do poder diret ivo pela autoridade social, no seio de uma comunidade humana. É o que se chama o poder político (o poder político da pólis). Note-se que, no âmbito de uma comunidade nacional, essas t rês funções são desempenhados pelos clássico s «t rês poderes do Estado » de que falava Montesquieu, no século XVIII - o poder legislati vo (const it uído pelo Parlamento, que faz as leis), o pode r executivo (constit uído pelo governo, que executa as leis mediante decisões concretas), e o poder judicial (const ituído pelos Tribunais, que declaram se a lei foi ou não violada e, em caso afirmativo, aplicam aos infratores as sanções prevista s).

Porém, [00 .], não é só ao nível do Estado-Nação, como tantas vezes se pensa, que é indispen sável o poder diretivo de uma autoridade social: - acima dele, o mesmo acontece nas sociedades supra-estaduais (a comunidad e internacional, a Igreja Católica, as federações desportivas mundiais, as empresas multinacionais, etc.); - abaixo do Estado-Nação e no seu seio, é idênt ica a necessidade de uma autoridade social dotada de poder diretivo em cada grupo ou organismo (nas famílias, nas autarqu ias locais, nos clubes desportivos, nas empresas, etc.)." Amar al, Diogo Freita s do, 20 14. Uma introdução à politica, Lisboa, Bertran d Editora, pp. 28 e 34.

Síntetizemos: Da leitura do texto podem recolher-se dois dados relevantes: • consideram-se elementos definidores do Estado o território, a popu lação e o aparelho do poder ; • uma visão dinãmica do Estado deverá perm itir observar a estre ita relação entre Estado e sociedade. O Estado não faz a sociedade, mas sim esta é que gera o Estado.

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Politica , Ética e Religião


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2.4. A Separação de Poderes Já em 1748, Montesqu ieu sustenta , na obra «O Espírito das Leis», a separação dos poderes :

"Montesquieu entendia que o verdadeiro processo para enfraquecer o poder no int eresse da liberdade individual consiste em partilhá-lo. Esta partilha pode ser feita de duas maneiras: no sentido vertical, através da inte rposição de corpos intermédios entre o poder e os súbditos, os quais são depositários de uma parte do poder; e no sentido horizontal, at ravés do reconhecimento de um poder legislativo, de um poder executivo e de um poder judiciário. Considerou que o poder só pode ser legitimado por outro poder; e para que um poder seja legitimado é preciso que haja outro poder capaz de o limitar. Assim, só poderá existir liberdade política num Estado quando os poderes legislativo, executivo e judiciário não estiverem concentrados nas mesmas mãos e se repartirem por órgãos diferentes, de modo a que, sem nenhum usurpar as funções dos outros, possa cada qual impedir que os outros exorbitem da sua esfera própria de ação." Fernan des. António José. 200 8, Intro dução à cencc política , Por t o, Porto Editora, p p. 146-147.

Esta separação é relevada pelo próprio Magistério da Igreja, que reconhece a validade do princípio concernente à divisão dos poderes num Est ado:

"é preferível que cada poder seja equilibrado por outros poderes e outras esferas de competência que o mantenham no seu justo limite . Este é o princípio do 'Est ado de direito', no qual é soberana a lei, e não a vontade arbitrária dos homens . No sistema democrático, a autoridade polít ica é responsável diante do povo. Os organismos representativos devem estar submetidos a um efetivo controlo por parte do corpo social. Este controlo é possível antes de tudo através de eleições livres, que permitem a escolha assim como a substituição dos representantes. A obrigação, por parte dos eleitos, de prestar conta s acerca da sua atuacão, garantida pelo respeito dos prazos do mandato eleitoral, é elemento constitutivo da representação democrática." ConselhoPontifício "Justíca e Paz", 2005,Compêndioda Doutnna Social daIgreja, Cascais,Principia, 408.

Interrogações para reflexão:

• Para além do princípio da separaçã o de poderes , o Conselho Pont ifício "Justiça e Paz" afi rma, nesta cita ção, a relevância das eleições livres como fat or de contro lo dos organis mos representativos . Que cons equê ncias res ulta m desta af irmação para a visão sobre o dever de part icipação dos cidadãos? Como deve m co nceber- se, a esta luz, as campa nhas eleito rais? Como devem preparar-se os cid adãos para os atos eleitora is?

Educação t.toral e Religios> Catól ica

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2.5. As funções do Estado "Os Estados são instituições comunitárias que vi sam três fins: fim de conservação, fim de justiça e fim de bem-estar social.

[...] O fim de conse rvação corresponde à necess idade evidente de preservação inst it ucional e é o pri meiro motivo determinante para a organização e estruturação do apare lho do poder político . [...] O Estado tem, por fim assegurar ajustiça compatível com o fim de conservação e de segurança e que seja útil ao bem-esta r social. [...] A impossibilidade dos indivíduos, isoladamente ou reunidos em grupo s primários, se defenderem dos perigos da natureza e de a tra nsformarem para ti rar dela o melhor aproveitamento, levou-os a apelar para um poder que cong regue e orienta a ação colet iva. [...] «O fim do bem-estar soc ial - nota o professor Adriano More ira (1979) - exprime a ampl iação do que, na época do liberalismo, se cham ara o f im de cultura por se entender que ao Est ado mode rno cabe também uma responsabil idade no desenvolvimento eco nóm ico e no acesso efetivo das pop ulações aos bens deste rnundo.» [...] O Estado, pa ra a realização do s se us fins, desenvolve qu atro funções di stintas entre si, comp lem entares e interdependentes:

a) Função governativa , pela qual o Est ado desig na a atividade de direção supe rior da coletividade: b) Função legislati va, pela qual o Est ado exprime a posição que adota a respei to dos prob lemas susc itados pela realizaçã o dos seus fins; c) Função admin istrativa, pela qual o Est ado procura proporcionar aos indivíduos os benef ícios conc retos que determi naram a co nstituição da sociedade política; d) Função jurisd iciona l, pela qual o Est ado resolve os conflitos de interesses, em regra por solicitação dos interessados. Esta s quatro funções do Est ado podem [...] agrupa r-se em duas cate gorias: fu nções políticas e funções não políticas ou técn icas . Ass im, são fu nções políticas as funções governativa e legislat iva, e são funções técn icas as funções administrativa e ju risdiciona l." Fernandes . Antó nio JOSé, 2008 , Introdução à cténctc ootmco . Porto , Porto Ed ito ra, p. 75 ,

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Polít ica, Ética e Religião


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Sufrágio restrito (ou processo

heredit ário)

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Des ignação pe la Assembleia, da q ua l, em pr inc ípio, faz parte.

Sufrágio unive rsa l" i

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Sufrágio universal"

L

O Chefe de Estado não fa z. pa rte du governo e so preside à reunião do Co nselho de Ministros se, pala o efe ito. for convidado pelo chefe do governo.'

O c hefe de

Estado é o

o governo

o chefe de estado

faz parte da Assembleia, da qu a l é uma espé cie de com issão

não fa z parte do governo

Pres ide nte do Consel ho de Ministros, exis-

t indo também, um Pnmet ro -

-Mmistro"

o

governo é independente do Parlame nto q uanto à fo rma ção e subs istê nc ia

A formação e subsistênela do governo dependem da Assemb leia.

A form aç ão. f unc ionamento e

subsist ência do governo dependem do Parlamento.

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O chefe de Estado pode dissolver o Parlamento, a solicitaçã o do Chefe do governo

A Assemb leia dissolve-se a s i própria

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Os m e mb ros do governo fazem par t e do Par lamen to: co lab or aç ão pe rma ne nte entre o s .... do is órgãos.

Ac umu la ção de poderes e de f u nçõ es

Julga o Chefe de Est ad o

Jul ga o Primeiro~ M' . t ~o I~~~;~n~ a ecao

: J I u ga a Assembleia

Pres ide nte da Repúb lica

Parl am ento

Os m em bro s do gove rno não pe rten ce m ao Parlamento, e vic e- ver sa

'

-L--Assembleia

depende do Parlamento quanto à f ormação e subs ístênc ia.**

1 O gove rno depende do Parl am ent o q uanto à fo rmação e subsist ência.v"

O chefe de Estado pode dissolver o Par tamento.e-

--,-- - -

-_._ _._--- -1 I

O governo

O c hefe de Estado pode disso lver o Parlamento .e"

1

..

Os membros do gove rno não pe rtencem ao Parlame nt o, e vice -ve rsa ."

Os membros do governo não pertencem ao Par lamento, e vice -v ersa."

J ulga a acào do governo e o c hete de Esrado.ve '

J ulga o pnmeiro- r mrust rc e a acs o do gove. no (e eve nt ualmen te o chefe de esta do). ...r -

O Chefe de estado-

O Parlame nto**

Serru-

-presidenctaüsta

Serm parlamenter

* Características do sistema pres ide ncial ista ** Car act e ríst ic as do sistema parlamenta r Quad ro com os sistemas de o rg aniza ção do Estado, adaptado de Fern an de s , Antón io José, 2008, Introduçõoà Ciência Política , Porto, Porto Editora, pp. 156-157.

Inte rrogações para reflexão • Segundo o texto em que se enunciam as funções do Estado, co mo é concebida a re lação entre Estado e a sociedad e? Quem é anterior: o Estado ou a sociedade? Que visões resultam de se considera r um ou outra como anteriores? • Como ex pl ica o autor do texto a origem da função de assegu rar o bem-esta r social? Face a esta origem, como deve conceber-se a relação entre Estado e a soc iedade c ivil no que res peit a à p rocura de soluções pa ra necessidades e pro blemas concretos com que se de para a sociedade? Deve o Estado as segurar todas as respostas, mesmo qu ando a soc iedade tem possib ilidade de as encontrar? Ou deve o Estado c riar condições para q ue a sociedade encontre as suas respostas?

--------- - - - - - - - - - - - - - - - l o Papel do Estado O ser humano é um animal polít ico , como o defin iu Aristóteles, isto é, pela sua condição de ser aberto aos outros, constr uído na confluência entre a sua individualidade e a relação com os demais, o homem organ iza-se com unitariamente. Precisa, para t al, de estrutura r a comu nidade em que se integra, de modo a que os interesses individuais não sejam fato r de destru ição, mas congregados em direção a interesses comuns que permitam a máxima realização de todos e de cada um. Pode interpret ar-se, neste sent ido, o que refere o Papa Francisco, na sua Exortação Apostó lica Evangefii Gaudium:

Educação ~ tora l e Re lig iosa Cató lica

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"O cuidado e a promoção do bem comum da sociedade competem ao Estado. Este, com base nos princípios de subsidiariedade e solidariedade e com um grande esforço de diálogo político e criação de consensos, desempenha um papel fundamen tal - que não pode ser delegado - na busca do desenvolvimento int egral de todos. Est e papel exige, nas circunst âncias atuais, uma profunda humildade social," Papa Prencrsco. 2013. Evongem Goudium , 240.

r- - - - - - - - - - --- - - - - ---- - - - -- - - - - - - "A nece ssidade de superar os confl itos de interesses levou os hom ens a conc eberem sociedades mais complexas, que englobam as socie dades pri márias e criam entre elas possibil idades de co laboração pela subordinação ob rigat ória a deveres comuns e pelos reco nhec imentos de direitos recíprocos , garanti dos por autoridade s dotadas de poder coercit ivo. A esta sociedade complexa, qu e per mit e a conv ivência soc ial e pol ítica entre os membros de muitas soci edades primárias e coloca o intere sse geral acima dos interesses part icul ares ou rest ritos dos grupos sociais primários, chama-se sociedade po lítica ou Estado." Ferna ndes , António José. 2008 , Introdução à ciência politICO, Porto, Port o Edito ra, p. 75 ,

À luz des ta abo rdagem, resul t am duas conseq uênc ias relevantes para a refl exão: • O que é do Esta do diz respeito a tod os; • Nenhum dos intervenientes nas decisões do Estado deve considerar-se detentor do Estad o. Tais co nsequências devem ser t idas em conta numa refl exão ética sobre o papel do Estad o e sobre a atuacã o dos cidadãos para com este, tal com o o texto seguinte refere:

"A doutrina social da Igreja afastou-se sempre de uma definição de Est ado que o identifique com a sociedade, considerando-o «a Nação personificada» ou «a personificação jurídica da Nação». É a sociedade civil, na complexidade da sua composição, que exige ejustifica o Estado, como sua organização políti co-administrativa, em ordem à prossecução do bem comum. Este define-se, sempre, em relação ao bem das pessoas, embora seja legítimo considerar, nalguns aspetos, o bem comum em relação à sociedade concebida como um todo. Mas a distinção, ou não confusão, entre Estado e sociedade é condição indispensável da liberdade.

É esta compreensão do Estado , como serviço da comun idade, que fundamenta a sua autoridade democrática. Compete- lhe reconduzir à harmonia do todo da comunidade, a variedade dos elementos, potencialidades, instituições, desejos, projetos, em ordem ao bem comum. A autoridade do Estado democ rático cria, nos seus súbditos, a obrigação da obediência, o que aumenta a responsabilidade de quem exerce a autoridade.

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Política . Ética e Religião


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o Estado é uma forma avançada da organização das sociedades. Praticamenteinexistente nassociedadesprimitivas, a sua qualidade e adaptação às exigências do bem comum definem o avanço qualitativo das próprias sociedades. O Estado democrático, na sua legitimidade, nas suas estruturas e nos seus poderes, brota da sociedade civil, culturalmente adulta para poder definir o bem comum que procura e as estruturas adequadas para o conseguir. Compete à sociedade civil, no seu aprofundamento cultural, aferir, de tempos a tempos, se o Estado que tem ainda é apto a exercer essas funções na procura do bem comum, e aperfeiçoá-lo pelos mecanismos da democracia participativa. Se se chegar a conflitos sérios entre a visão do Estado e o sentir da sociedade civil, o caminho é a readaptação do Estado às exigências da sociedade através da participação democrática. A Igreja não se pronuncia quanto aos modelos e formas organizativas do Estado, desde que estejam salvaguardadas as condições fundamentais de realização da pessoa humana. Diz o Concílio Vaticano II: «Quanto às modalidades concretas, através das quais uma comunidade política se estrutura e organiza o equilíbrio dos poderes públicos, podem ser diversas, conforme o génio de cada povo e a marcha da história. Mas devem ser aptas a contribuir para a formação de um homem cultivado, pacífico, solícito em relação a todos, para o bem de toda a família humana».

A Igreja, que integra a sociedade, participa na definição do Estado através do empenhamento democrático dos seus membros.A Igreja, representada pela autoridade hierárquica, relaciona-se, o mais harmonicamente possível, com o Estado democraticamente legitimado, independentemente da sua configuração partidária. Se o Estado, no exercício do poder, se afastar das exigências do bem comum , fonte da sua justificação, os membros da Igreja permanecerão fiéis a essas exigências, podendo chegar, nalguns casos, à objeção de consciência ." Conferência Episcopal Portuguesa, 15 de rnaro de2000,A Igreja na Sociednd& Democrática, 7.

Confro nta o conte údo deste t exto com o que refere o Vat icano II:

"[..] dado que a Igreja não está ligada, por força da sua missão e natureza, a nenhuma forma particularde cultura ou sistema político, económico ou social, pode, graças a esta sua universalidade, constituir um laço muito estreito entre as diversas comunidades e nações, contanto que nela confiem e lhe reconheçam a verdadeira liberdade para cumpri r esta sua missão. Por esta razão, a Igreja recomenda a todos os seus filhos , e também a todos os homens, que superem com este espírito de família próprio dos fi lhos de Deus, todos os conflitos entre nações e raças, e consolidem internamente as legítimas associações humanas. [...] Muitas vezes, a conceção cr istã da vida incliná-Ios-á para determinada solução, em certas circunstâncias concretas. Outros fiéis , porém , com não meno s sinceridade, pensarão diferentemente acerca do mesmo assunto, como tantas vezes acontece, e legitimamente. Embora

Ed ucaç ão t to- ar e Religiosa Catól ica

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as soluções propostas por uma e outra p arte, mesmo independentemente da sua intenção, sejam por muitos faci lmente v inculadas à mensagem evangél ica , devem, no entanto , lembrar-se de que a n inguém é p e rm itido, em tais casos , inv o c ar exclusivamente a favo r d a própria opinião a autoridade da Igreja. Mas procurem sempre esclarecer-se mutuamente, num diálogo sincero, salvaguardando a caridade recíproca e atendendo, antes de ma is , ao bem c o m u m ." ConcílioVaticano II, Gaudium et Spes, 42 e 43.

Os textos f azem sublinhados que importa reter, para a reflexão: • Deve asseg urar-se a dist inção, de pri ncípio, entre Estado e sociedad e civil. Onde esta dist inção não é assegurada ou se criam total it arism os (o Est ado pretende asse nhorear-se de todos os âmbito s da vida dos cidadãos) ou a anarq uia (a sociedade civi l imp ede a estru turaçã o da comunidade po lít ica). • O Estado é uma forma avançada da organ ização das socieda des, sendo- lhe ante rior a sociedade, pelo que lhe cabe respeit á-Ia. Est a const atação é relevant e e sit ua-s e no àrnbito da ref lexão feita na prim eira part e dest a unidade. Só esta dist inção salvaguarda e respeit a a especificidade dos árnbito s ét ico, político e religioso. • O Catolicismo não tem uma proposta concret a de modelo de organização do Estado, desde que sejam salvaguardadas as condições de realização da pessoa humana. Não tendo um modelo concreto a prop or, contudo, tal não deve ser interpretado como sendo indiferentes todos os modelos de exercício do poder. Os modelos serão legítimos na medida em que concretizem os critérios ét icos decorrentes do reconhecimento da centra lidade da pessoa humana.

~~ , ~ortu~al ~

janta

Em modo de síntese, recolhemos uma ref lexão fe ita por D. José Polica rp o, em ent revist a recolhida no livro Igreja e democracia, na qual afirma que:

"quanto ao Estado e à função do Estado, a doutrina so c ia l da Igreja t em sido sempre muito clara: o Estado é uma

estrutura de serviço e não se identifica com a sociedade.

Int errogaç ões para refl exão

• D. José Policarpo afirma que "identificar o Estado com a sociedade é perigoso". Que perigos esconde

esta fusão? • Que regimes políticos representam. hoje, esta identif icação entre Estado e sociedade?

Tudo o que seja id e nt if ic a r o Estado com a sociedade é perigoso. O Estado é uma estrutura indi s pe ns áve l para a harmonia d a socie dade, deve assumir- se como estrutura de se rvi ç o, não su bst it u ind o aqu ilo que não precisa d e substitu ir, d e aco rd o com o princ ípio da subsidiariedade. O Estado deve apoiar o que o s cidadãos podem fazer pela sua ini ci ati va, indiv idualmente ou organizados, mas não deve substituir-se a eles ." Policarpo, D. José, 1999, Igreja e democracia, Lisboa, Multinova, p.35.

• O que significa "O Estado não deve substituir-se aos cidadãos"? Que desafios estão implícitos, nesta

afirmação. quer para o Estado, querparaos cidadãos?

Síntese Par sistema ente nde-se a conjunto das elementos que compõ em uma comunidade polític a. Exemplo s de sistemas: presidencialist as, parlament ar, republicano, monárquic a. Par regime ente nde- se o mod o como esses elementos interagem e fu ncionam. Os regimes democráticos (ou pluralista s) ou autorit árias (ta mbém designados como aristoc rát icos ou monist as). Para a existência de Estada têm de se enco ntr ar reunidas t rês cond içõe s: um povo soberano, um te rritó rio e um pod er po lít ica capaz de governar. Os seus f ins são t rês: a conservação, a just iça e o bem- est ar soc ial. O Estado e a sociedade não coincidem, sendo que a soc iedade é, ontologicamente, anterior ao Esta da. O Estada deve entender-se coma a forma avançada de organização da saciedade que visa a realização do bem comum. Cama salvaguarda do born f uncionament o da Est ado, deve garantir-se a separação dos t rês poderes: legislat iva, execut iva e judicial. Esta separação encont ra a sua sistemat ização no pensamento de Montes quieu.

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PJlítica, Ética e Religião


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3. Política, ética e religião: uma relação dinâmica

-- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - l Como pensa r a relação entre polít ica e ét ica? E entre a polític a e a religião? São relações impossíveis? Ou melhor será co ncebê- Ias como necessárias? A história revela dif iculdades de relação ent re a polít ica, a ét ica e a religião, mas basta rá f icar-se por constatar essas dificu ldades? O que f ica a perder-se se se assumir que se tra t a de uma relação imposs ível? O que t erá a ganhar-se se os tr ês árnbit os cont ribuírem para os demais? A relação entre estes três domínios da existê ncia hum ana é uma tarefa exigente, seja no plano teóri co, seja no registo concreto da realização histórica. Provam esta dif iculdade as inúmeras sit uações em que, ao longo da histó ria, a exaltação de uma delas se fez em preju ízo das demais, podendo ser apontadas como grandes mot ivaçóes para a sua ocorrência, quer a insaciável vont ade de poder que sempre marcou a con dição humana, quer a ignor ância e o desconheciment o sobre os contributos que poderiam esperar-se do ãm bito menos apreciado. Tais mot ivos aument am a import ãncia deste t rabalho que vais realizar, ao longo dest a unidade letiva. É impo rtante con hecer para melhor agir. Para iniciar esta refle xão, tem em conta um te xto do t eólogo Olegario Cardedal que observa os dois ãmb itos em que esta relação , ent re política, ética e religião, se deve situar: o âmbito teó rico e o ãmbito prát ico. Na primeira parte do texto , o aut or define as con dições da relação entre estes três árnbit os , para, num segundo momento, constatar que, na prática histórica, nem sempre essas cond ições teóricas que ele apontara se ver ificaram .

Educação Mora l e Religiosa Cató lica

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"Estas três palavras designam três dimensões fundamentais da existênc ia humana, que se implicam mutuamente, que são coextensivas, diferenciáveis, mas não separáveis. O homem está aberto a uma ordem da realidade que é o Bem, pelo qual se sente apelado e obrigado,que o situaante responsabilidades que decidem o seu dest ino. O homem vive aberto a um Absoluto, Realidade última pela qual se vê radicalmente afetado e que sente comover as suas próprias entranhas, como absolutame nte anterior ao mesmo tem po que como o absolutamente interior. Como o que o religa ao mesmo tempo que o confia a uma liberdade própria, como o Aeternum internum, do qual falaram Santo Agostinho e João Ramón Jiménez «o todo eterno que é todo int erno». O homem vive, finalmente, refe rido ao seu próximo, ta nto ao próximo individual como ao coletivo. Não é homem sem a dimensão ética , sem a dimensão religiosa e sem a dimensão política. As três constituem-no, e mesmo quando o homem as nega ou vive em contradição com elas, vive por refe rência a elas. São três universais, três constan tes e três absolutos da condição humana; mas três absolutos relacionais. Isto significa que nenhuma delas pode te r a pretensão de iluminar, fortalecer e regular toda a vida do homem. Ainda que pareça uma verdade simples e ingénua, é preciso repetir que a religião só regula a dimensão religiosa, a ét ica a realização moral e a política a convivência cidadã . Ao fazer esta af irmaçã o, estamos a exigir uma clara consciência dos limites de cada um desses campos ao mesmo t empo que lhes reconhecemos a sua autonomia. No entanto, não é fác il na prática estabelecer até onde se estendem os campos de cada uma destas ordens . A história oferece-nos exemplos dessa transgressão dos limit es e dá-nos lições da necessária humildade. A Igreja transgrediu-os quando procurou impor o Evangelho como lei civil, e reclamou que os poderes políticos est ivessem submetidos à aut oridade ecles iásti ca. Os Est ados transgrediram-n os quando elevaram uma ideologia a norma suprema e a impus eram a tod os os cida dãos. Nunca for am t anta s a inj ustiça e violência como quando se quis impor por lei uma justiça to t al e universal. A experiência do séc ulo XX na Europa com o fascismo, o nazismo e o comunismo são o exemplo claro de uma supremacia estatal que, desde a absolutizacão da raça, de um proje to político ou de um ideal ético custou milhões de vít imas. George Ste iner glosou est es factos sob um título que most ra todas as som bras que o chamado Século das Luzes ou Ilustração, do qual deriva a sociedade atua l, levou con sigo: À som bra das Luzes. O t empo no qual a cultura chegou ao seu ponto culminante, a técni ca alcançou os êxitos supremos e a medicina obteve progressos admiráveis, é ao mesmo t empo aquele que foi o mais inumano. Steiner escreve: «Este sécu lo é século de meia- noit e. Os historiadores dizem-n os que é o mais atroz de t odos aquele s de que temos testemunho fiável. Os peritos est imam em cerca de cento e cinquenta milhões o número de vítimas das guerras, deportações, fome, campos de conce nt ração, etc., entre agosto de 191 4 e a última guerra dos Balcãs (cento e cinque nta milhões de Mad rid a Kiev, de Naarvi k a Masina)»." Carde dal, Olegarto, 20 13, Deus na cidade, Salam anca, Edicicnes Sígue me. pp. 156- 157.

À luz da leitura feita , cons tata-se que o autor define, como condições teóricas para a relação ent re estes três àrnbitos, as seguintes:

• Ver ifi car-se que estas t rês dimensões "se imp licam mutuamente, são coextensivas, diferenciáveis mas não sepa ráveis"; • Reconhecer o que cada um destes âmb itos tem de específic o, not a que o auto r explicita no seu text o. Assim, cons t ata que • dimensão éti ca - "o homem está aberto a uma ordem de realidade que é o Bem, pelo qual se sente apelado e obrigado, que o situa ante responsabilidades que decidem o seu destino";

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Politica. t.t ica e Re ligiã o


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• dimensão religiosa - "o homem vive aberto a um Abso luto, realidade últ ima pela qual se vê radicalment e afetado"; • dimensão po lítica - "o homem vive, f inalmente, referid o ao seu próximo, t anto ao próximo individual como ao coletivo"; • Ass um ir que cada uma destas dimensões é competente e deve regular o seu ãmb ito próp rio. " a re lig ião só regul a a dimensão reli giosa, a ét ica a rea lização mora l e a pol ít ica a convivência cidadã", sendo, contudo, necessário precisa r que não bas t a const ata r a autonomia de cada área. Cada área está abert a às d emai s e delas necessita para se compreender; • Aceitar que, ao longo da histór ia, muitos dos maio res conflitos nasceram da dif iculdade em estabelecer uma relação co nst rut iva entre est as t rês dimensões, por op osição a um t ipo de compreensão exclusivista que anulava o contr ibuto das demais. "A Igreja tra nsgrediu-os quando procuro u impor o Evangelho como lei civil, e reclamo u que os poderes políticos esti vessem submetidos à autoridade eclesiást ica [Dimensão religiosa). Os Est ados t ransgrediram-nos quando elevaram uma ideologia a norma suprema e a impuseram a tod os os cidadãos [Dimensão po lftica] . Nunca foram tantas a inju sti ça e vio lência como quando se quis impor por lei uma j ust iça tota l e universal [Dimensão ét ica]." A leit ura deste texto de Olegario Cardeda l desafia a um maior e melhor co nhecimento dos contributos que podem dar os t rês vetores que compõem o tít ulo desta unidade let iva. O seu texto explica que a ignorância, ou uma atitude de incompreensão sob re a valia de cada um des tes âmb itos, est á na raiz de muitos conflitos mortíferos existe ntes na história, em particular, na história mais recente . Tal obr iga, por isso, a melhor def inir o que sejam política, ética e reli gião. Nesta unidade, não se realizará uma análise det ida sob re a especificidade da ét ica e da religião, te mas a t ratar em out ras unidades. Analisaremos, com mais det alhe, por um lado, o significado de política e os âmb itos em que est a se cruza com aquelas duas. Não podemos, contu do, deixar de constat ar que aquelas duas têm sido alvo, nos últ imos séculos, em part icular, a partir do séc ulo XVI, com o inicio da modernidade, de algum preconceito que importa contrariar. Com esse intuito, propomos-te a análise dos seguintes textos reco lhidos de um discu rso profe rido no Parlamento Inglês por Bento XVI, em 2010 (17 de setembro) . Sobre a relação ent re a política e a ética :

"O dilema com que Tomás More se confrontava, naqueles tempos difíceis, a perene pro blemát ica da relação entre aquilo que é devido a César e o que é devido a Deus, oferece -m e a oportun idade de pondera r brevemente convosc o sobr e o justo lugar que o credo religioso conse rva no process o político. [...] as questões f undame ntais que est iveram em j ogo no processo contra Tomás More continuam a apresenta r-se, em termos sempre novos, com a tran sformação das condições soc iais. Cada geração, enquanto procura promover o bem comum, deve pergunt ar sempre de novo: quais são as exigências que os governos podem impor razoavelmente aos seus próprios cidadãos, e até onde elas podem estender-se? Que autoridade é possível interpelar, para resolver os dilemas morais? Est as questõ es levam- nos diretamente aos f undamentos éticos do discur so civil. Se os princípios morais que sustentam o processo democrático não estiverem assentes, po r sua vez, em nada mais sólido do que no consenso social, então a fragilidade do processo demonstrar-se-á em toda a sua evidência. Eis o principal desafio da democracia." Bent o XVI, Encontro com as autoridades civis - Discu rso do papa Bento XVI, Parlament o de Londres, (sexta-fei ra, 17 de sete mbro de 2010).

Educ acác r.loral e Relig iosa Catól ica

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Bento XVI evoca, neste discurso, um acontecimento histó rico que repercute o dilema com que vive um cristão envolvido na politica: saber se seguir os ditames da sua consciência, moldada pela sua opção religiosa, ou se adotar as decisões polít icas, mesmo que cont rárias à sua consciência. Tomás More (Inglaterra, 1478 - 1535) que é, desde 31 de outubro de 2000, por mot u próprio de João Paulo II,o patron o dos polít icos, optou por seguir a sua consciência, o que lhe valeu a condenação à morte . Este dilema real tem raízes prof undas na história da reflexão sob re esta dif iculdade de relação entre a polít ica, a ét ica e a religião. Já na Tragédia grega de Sófocles, Ant ígona, de que se fala no início desta unidade, se ret rata a história da protago nista que dec ide seguir a sua consciência e cumpr ir O seu dever religioso de enterrar o cadáver do seu irmão , apesar de ordem contrária do rei Creonte.

3.1. A ética como critério de leitura da qualidade da democracia Bento XVI constata, ainda, que a apreciação positiva do papel da democracia não pode fazer esquecer que ela se deve impor a si mesma um limite: o da anterioridade da ética. Não é a democracia que def ine o que é bem e o que é mal. Antes, cabe-lhe respeit ar que essa noção moral lhe é prévia. A este propósito , valerá a pena refletir sobre dois modelos de democ racia evocados por António Barbosa de Melo, no prefácio a um livro que se debruça sobre o tema discut ido nesta unidade letiva.

"O livro de Zagrebelsky [que foi presidente do Supremo Tribunal de Justiça Italiano], A crucifixão e democracia, tem por tema nuclear a ideia de democracia que o Autor designa como democracia crítica, contrapondo-a, nas palavras do próprio, tanto à democracia dogmática, como à democracia cética. A primeira, a democracia crítica , assenta no reconhecimento de que «todos os seres humanos e o povo no seu conjunto são necessariamente lim itados e falíveis». Assume-se como sistema polít ico imperfeit o ou, mais rigorosamente, como sistema que tira a sua força da imperfeição humana: o poder supremo do povo para orientar o governo da res publíca é Iímit ado, desde logo porque em cada uma das suas decisões vai supost a a possibilidade de ela ser melhor e de o melhor ser um objetivo a perseguir constantemente. t: um sistema que obriga a fazer e refazer continuamente as decisões públ icas em conson ânc ia com o curso das coisas . A democracia crítica postula, por outras palavra s, a permanente reversibilidade, revogabilidade e revisibi lidade das dec isões públicas. Não dá lugar a absolutizações. [...] Por isso mesmo, o poder político, no quadro da democracia críti ca, não pode arrogar-se competência para tomar decisõe s por natu reza irreversíveis ou de consequências irreversíveis (aplicação da pena de morte, destruição dos recursos amb ientais, limitados e não renováveis, etc .). Pelo contrário, as versões não crít icas da democracia , sejam elas céticas ou dogmáticas, segundo o Auto r, não reconhecem limites ao poder do povo: as dogmáticas, porque, acreditando os seus adeptos na verdade, a consideram consub stanciada no voto popular; as céticas, porque os seus cultores se confo rmam com a ignorância da verdade e desta ignorância deduzem que ao povo tudo é permitido." Me lo, Antó nio Barbosa de, prefácio a Zagre be lsky, Gust avo, 2004, A cruciti cocã c e a democra cia, 'renecrtas .

o autor deste prefác io. que foi presidente da Assemb leia da Repúb lica, ent re 1991 e 1995, evoca o pensamento de Gustavo Zagrebelsky para reco rdar três t ipos de democracia , sendo que dois deles são seme lhantes nas suas conseq uênc ias: • democracias céticas e dogmáticas. que presumem que não há limites para o exercício do poder do povo, adm it indo a sua competência para decidir. mesmo sobre o bem e o mal. • democracias c ríticas, que presumem a condição limita da do ser humano e que, por isso, auto limitam o poder de decisão do povo , acolhe ndo que não podem toma r-se dec isões que sejam irreversíveis, por se basearem no pressuposto de um pode r abso luto . que as demo cracias críticas não admit em.

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Politica. t.tica e Religião


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Sobre a relação entre a política e a religião: o papel da religião no debate político

"A trad ição cató lica afirma que as normas objetivas que governa m o reto agir são acess íveis à razão, prescindindo do conteúdo da Revelação. Em conformidade com esta compree nsão, o pape l da religião no debate político não consiste tanto em oferecer tais normas, como se elas não pudessem ser conhecidas pelos não-crentes - muito menos consiste em propor soluções políticas concretas, o que está totalmente fora da competência da religião - mas sobretudo em ajudar a pur ificar e lançar luz sobre a aplicação da razão na descoberta dos princ ípios mora is objetivos. O perigo do fundamentalismo

Mas este papel "corretivo" da religião em relação à razão nem sempre é bem acolhido, em part e porque determinadas formas ambíguas de religião, como o sectarismo e o fundame ntali smo, podem mostra r-se elas mesmas como uma causa de sérios problemas socia is. O pape l purificador da razão

E, por sua vez, estas ambig uidade s da religião sobressaem quando não se presta uma atenção suficiente ao papel purifi cador e estrut urador da razão, no interior da religião. Trata-se de um processo que fu nciona em duplo sentido . Com efeito, sem a correção oferecida pela religião, até a razão pode to rnar-se vítima de ambiguidades, como acontece quando ela é manipulada pela ideologia, ou então aplicada de uma maneira parcial, sem ter em consideração plenamente a dignidade da pessoa humana . O abuso do racionalismo

Considerando bem, foi preci samente este uso ambíguo da razão que deu origem ao co mércio dos escravos e, sucessivamente, a muito s outros males socia is, não menos grave as ideologias tot alitárias do século XX. O desafio do encontro

Por isso, gostaria de sugerir que o mundo da razão e o mundo da fé - o mundo da secularidade raciona l e o mundo do credo religioso - precisam um do out ro, e não deveriam ter medo de entra r num diálogo profundo e contínuo, para o bem da nossa civilização . Por outras palavras, para os legisladores, a religião não representa um prob lema a resolver, mas um fator que contribui de forma vital para o debate público na nação. Sina is preocupantes

Neste contexto, não posso deixar de manifestar a minha preocupação diante da crescente marginalização da religião, de modo particular do Cristian ismo, que se vai consolidando em determinados ambientes, também em nações que atribuem um grande valor à tol er ância, Existem pessoas segundo as quais a voz da religião deveria ser silenciada ou, na melhor das hipóteses, relegada à esfera purame nte particular. Outros ainda afirmam que a celebração púb lica de fest ividades como o Natal deveria ser desencorajada, segundo a questionável convicção de que ela poder ia de alguma maneira ofender aqueles que pertencem a outras ou a nenhuma religião. E há outros ainda que - paradoxalme nte com a fina lidade de eliminar as discriminações - chegam a considerar que os crist ãos que desem penham funções púb licas deveriam, em determinados casos, agir contra a própria consciê ncia. Trata-se de sinais preocupantes da incapacidade de ter na justa consideração não apenas os direitos dos crentes à liberdade de consciência e de religião, mas t ambém o papel legítimo da religião na esfera púb lica." Bento XVI,Encontro com as autoridades civis- Discurso no Parlamento de Londres, (sexta-feira, 17 de setembro de 2010).

Educação r lcr al e Religiosa Católica

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discurso proferido por Bento XVI enuncia um quadro de interrogações de que im port a ter cons ciênc ia para mel hor situar a dificuldade da relação entre a po lítica e a religião. Em prime iro lugar, rec on hece que o discurso f eit o no árnbito religioso, na perspet iva católica, não é f echado em si mesmo, como se fosse apenas acessível aos que são crentes. A razão, a capacidade de estruturar um pensamento discursivo coerente, é plataforma comum aos humanos e I na qual se podem encontrar os diversos âmbitos da reflexão. E nesse I regist o, o pape l da religião é o de "purificar e lança r luz sobre a aplicação da razão na descoberta dos princ ípios morais objetivos " e não t anto o de Bento XVI enuncia " sinais preocupantes" que nos devem fazer pensar: fo rmu lar normas mora is novas , como se só pela fé se pudesse chega r a elas. Cont udo, Bento XVI reco nhece que a religião contribui, também, por • A que sinais se ref ere? Por que razão se trata de motivos de preoc upação? No texto, fo rmu la-se ca usa do fu ndament alismo e do sect arismo, pa ra que se gerem preconuma autocríti ca à religião. Que t raços def inem essa ce itos em relação ao seu papel, pe lo que o desafio é o de se estabe lece aut ocrít ica? Do mesmo modo, é formulada c rítica ao rem con d ições pa ra o diálogo ent re a religião e o àrnbito polít ico, em at irac ionali smo . Que dados car acte rizam essa crítica? tude de disponibili dade para o mú t uo conhecimento e aco lhimento.

3.2. Os desafios da laicidade A problemática enunciada nos textos anteriores gira em torno de uma co nceção habit ual no discu rso pol ítico : a laicidade. É f requente ouvir-se a invocação de que o Estado é laico como justif ica ção pa ra a se paração ent re a Igrej a e o Est ado. Com efe ito , ainda que a Constitu ição da República Portugues a nunca ut ilize o t ermo "laico", nos seus pri ncíp ios o Est ado Português e grande par te dos estados modernos assenta na convicção de que entre o Esta do e as Igrej as existe separação. Est a se paração pr et ende, na sua génese, preserva r a autonomia do s dois ámbi tos, quer con tra as tenta ções de cesaropa pis mo (em que o Estad o t om a decisões so bre as religiões), que r con t ra as te nt ações teocráticas (em que as religiões prete ndem con f igurar os Est ad os à sua imagem). Sendo este um pr incípio válido, im port ant e, e uma gra nde conquista da hist ória, é fun damental aten der às te ntações que se mpre o acompanham. Uma definição de laicidade O termo "laico" tem o rigem numa palavra grega ("Iaós"), q ue quer dizer "povo", aparecendo na primeira carta de S. Pedro (1 Pe 2,10) para des ignar o povo de Deus. Contudo, desde mu ito ce do este t ermo começou a aplica r-se num sentido que vem a vincar-se ao longo dos tempos. Designa rá o povo , po r oposição ao clero . Com a infl uência das revoluções ocorridas no f inal do século XVIII, em part ic ular com a revolução francesa, o termo vem a cun har-se no sentido da emancipação do povo em relação à inf luência religiosa , conferindo ao te rmo "laico ", que se pretendia simplesmente referir à legít im a auto nomia das ordens, uma conotação mais negativa que hoje pod e ser configurada nas seguintes designações: "laici d ad e positiva", po r oposição a "laic id ad e negativa" ou "la ic id ad e" por oposição a "laic is mo". As primeiras designações de cada um destes binó mios refere m -se a uma abo rd agem q ue sublinha a legíti ma aut ono mia do Estado em relação às religiões e destas em relação àquele, se ndo as seg undas designações a exp ressão de uma leit ura ma is ext rema em que à separação se assoc ia o silenciame nto pú blico das religiões. O "laicismo" ou a "laicidade negat iva" preconizam que o Est ado não deve ter qualquer con tacto, nem cr iar co ndições favoráve is à expres são pú blica das religiões, tendo tal conceção o pressupost o de que as religiões são ilusões e q ue a sua exp ress ão deve co nfi na r-se ao àrnbito pr ivado. Traços distintivos da laicidade na Europa e na América São m uit os os autores que vêm ref let indo sobre esta matéria, valendo a pena recorda r, a t ít ulo de exemplo, o livro de George Weige l, O cub o e Catedral, onde o cubo represent a o desejo daq ueles que pretendem substitu ir o lugar da religião (representada pela cated ral) na sociedade, po r uma concecãc puramente geométrica, cient íf ica, como se esta não per mitisse o lugar daquela. Nest e livro, o autor co nstata que a conceção de laicidade da Europa é distinta da que a América apresenta. Na Europa, desd e a revo lução f rancesa, a laic idade tendeu para a perspetiva negat iva, entendendo que a religião dev ia ser con f ina da ao espaço privado. Na América, a laicidade fo i entendida como condição de garantia da libe rdade religiosa.

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Política , t:tic a e Relig leo


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No mesmo sentido de análise vai o livro de Weninger, Uma Europa sem Deus? que analisa a célebre discussão sobre se a pretendida constituição europeia deveria ter sido prevista com a referência a Deus, concluindo os autores envolvidos neste livro, que a tentativa de silenciamento da manifestação pública da religião, em particu lar do Cristianismo, é sinal de uma falta de memória coletiva sobre os importan tes contributos da religião, em geral, e do Crist ianismo, em part icular, para a definição da identidade europeia. Em ambos os autores, é claro o reconhecimento da con quist a que a laicidade representa, enqu anto defesa da auto nomia do ãmbito político em relação ao religioso e deste para com aquele, mas, também, a constatação de que esta aut onomia não signif ica indiferença, mas disponibilidade para acolher os co ntributos recípro cos.

Visão cristã da laicidade Também a Igreja tem part icipado nesta discussão, que encontro u particular eco nos docu mentos já elaborados por ocas ião do Concílio do Vaticano II, em que a Igreja redef iniu a sua leitura da sociedade e as suas cond ições de relacionamento com ela. De entre os múlt iplos textos que podem ser analisados como exemplo desta ref lexão, vale a pena observar o que é referido na Const it uição Pastoral do Concílio Vaticano II, Gaudium et Spes:

"Na realidade, todos os que, de acordo com a vontade de Deus, promovem a comunidade humana no plano familiar, cultural, da vida económica e social e também política , seja nacional ou internacional, prestam não pequena ajuda à comunidade eclesial, na medida em que esta depende das realidades exteriores . Mais ainda, a Igreja reconhece que muito aproveitou e pode aproveitar da própria oposição daqueles que a hostilizam e perseguem . [...] No terreno próprio de cada uma, a comunidade política e a Igreja são independentes e autónomas. Ambas, porém, embora a títulos diversos, estão ao serviço da vocação pessoal e social dos mesmos homens. Tanto mais eficazmente exercerão este serv iço para o bem de todos, quanto melhor cultivarem entre si uma sã cooperação, tendo em conta as circunstâncias de lugar e de tempo." Concílio Vaticano 11. 196 5. Gaudium cr Spes, 44, 76

A luz de stes textos, valer á a pena formular interrogações para a discussão: • Estará a laicidade positi va consolidada na

sociedade portuguesa? • Que sinais denunciam marcas de laicidade negativ a?

• Que perceçêo tê m os cidadãos da presença desses sinais de laicidade negativa? Que consequê ncias resultar iam de se fazer vigorar ta l visão? • Que responsa bilidade pod em te r os cristã os pa ra o e stabelecimento de condições para a vivência de uma real laicidade posit iva?

Educacão t.lo ral e Religiosa Cató lica

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A concluir est e apartado da nossa ref lexão, import a sintetizar, reco rrendo , para tal , a palavras de Manuel Antun es, recon hecido pela clareza do seu pensamen to e das suas int uições.

Política e Ética

"Por mais 'artística' ou 'científica' que a política se proclame, nunca ela poderá presci ndir da dimensão moral. Atividade humana englobante, de certa maneira, da esfera privada e pública fatica mente ou, pelo menos, volitivamente - à política não é consent ido apresentar-se totalmente alheia ao universo ético . Mesmo quando o nega, não deixa de o afirmar. Aquilo que, embora com algum abuso histó rico, tem sido designado de 'maquiavelismo políti co' constitui , no rigor dos term os, um contrassenso, mau grado a sua frequência na práxis dos séculos. Atividade humana, a política tem, como qualquer out ra ativ idade consci ente e livre, uma radical exigência de verdade, de unidade e de bondade. Pode essa exigência ser iludida no agir prático, ela permane ce, cont udo, tanto no íntimo dos indivíduos como no seio das comunidades. No limite, é sempre perigoso comporta r-se como se ela não existisse." (...] Polít ica e Religião

"Sempre a política, de uma forma ou de outra, teve que ver com a religião quer pela subordinação àque la ou vice-versa, quer pela defin ição de esferas das respetivas competências.Com a progressiva secu larização das soc iedades nos tempos modernos, o prob lema, se se transfo rmou um tanto, não perdeu toda a sua acuidade. (...] No plano da revelação judeo-cristã, assim como a fé é suscetíve l de ser t raduzida em várias t eologias assim o é tamb ém em várias políticas. Com um limite, sempre: o de que estas salvaguardem a dignid ade da pessoa humana em todas as suas dimensões ou, ao menos, não façam obstáculo à sua expressão e principal desenvolvi mento . A fé não impõe regimes ou formas de governo, respeita o 'poder de César', desde que este não se constitua como absoluto ou como rival e concorrendo do único e verdade iro Deus." Antunes, Manuel, Política In Logos IV, pp 332 -334.

Desc obrim os, então, qu e: 1. A relação entre política, ét ica e religião é ta refa exigent e, seja no àrnbito t eórico, seja no práti co. 2. A possibilidade da relação entre estes t rês àmbitos alic erça-se no pressuposto de um conheci mento assente em conceitos e não em preconceit os mútuos. 3. Cada uma destas três dimensões é competente no seu âmbito, cabendo-lhe respeita r as especificidades das demais, e acolher os desafios que delas resultam . 4. A história evidencia que as convicções exclusiv istas redundaram em conflitos que exigem humi ldade de cada uma destas dimensões fundamentais da condição human a na sua relação com as dema is. 5. A afir mação da auton omia dos àmb itos em discussão (política , ética e religião) não deve ser pretexto para a indifere nça ent re eles, mas para o respeit o dia logante. A política não def ine a ética nem a religião t al como os ditames da éti ca e da religião não impedem o pluralismo polít ico. Síntese A relação entre política, ética e religião nem sempre foi fác il. As três dimensões implicam-se mutuamente, são coextensivas, diferenciáveis mas não separáveis. A ética é o crité rio de leit ura da qualidade da democracia. As democracias críticas respeitam os limites que lhes impõe a ética. As democracias dogmáticas ou as cét icas consideram tu do democratizável, incluindo a ética e a religião. A laicidade é a defesa da separação ent re a religião e a políti ca. Existe laicidade posit iva (designada, simplesment e, como «taicid ade») que defen de o respeito recíproco e a cooperação. Exist e a laicidade negat iva (tam bém designada como laicismo), que defende a indiferença da polít ica para com a religião ou o seu próp rio silenc iamento .

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Politica. Etica e Religião


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4. A comunidade política: como compreendê-Ia e vivê-Ia?

-- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - , 4.1. Os valores fundamentais de uma comunidade política Que valores devem ser considerados fund amentais para que a comunidade polít ica conc retize os fins para que existe? E quais são esses fins? Que princípios devem estrutura r a relação entre o Est ado e a sociedade? Que interesse deve prevalecer: o dos indivíduos ou o coletivo? Deverão conceber-se em oposição os interesses individuais em relação aos coletivos? Como conjugar este aparente confl ito? A história da construção dos Estad os não tem sido uma linear narrativa de sucessos. A tent ação de os constru ir ao arrepio dos valores assumidos pela socie dade e das crenças em que a mesma se est rutu ra tem sido uma constan te que importa evitar e para a qual quer contribuir a reflexão que estamos a fazer. Com esse intu ito , a Igreja Católica vem precon izando um quadro de princípios que cons idera necessários para que a est rut uração dos Estados enqua nto comunidades polít icas se faça respeitan do a pessoa humana, que deve ser o seu centro e o seu fi m.

Educac..o r torar e Reli,)ua Catouce

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Tenha-se em conta que, para a formu lação desses princípios, a Igreja assume pressupostos que é necessário ter claros . Recorda- nos esses pressupostos uma ref lexão feit a por Manuel Braga da Cruz:

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"[...] a doutrina social da Igreja, formulada nas encíclicas sociais dos Papas, entende o Estado não como fim em si mesmo, mas ao serviço da sociedade. Não é a sociedade que está ao serviço do Estado, mas o Estado que deve servir a sociedade, no respeito pelo princípio da subsidiariedade. O Estado é, pois, sup letivo da sociedade, devendo intervir onde ela não é capaz de por si só resolver os seus problemas. O que justifica o Estado é a necessária autoridade política, requerida pelo bem comum, que não assumiu sempre historicamente a forma estadual, mas que no presente parece não poder prescindir dela. A dout rina social da Igrejaencara o Estado como fo rma históric a, necessariamente relativa, e como instrumento da sociedade ao serviço da pessoa humana, do homem todo e de todos os homens. A Igrej a não é defensora nem de um Estado abstencionista nem de um Estado avassalador, mas de um Estado que, atento às necessidades da sociedade, intervém onde e quando ela precisa. A Igreja recusa o Estado proprietário ou empresário, mas exigindo que ele saiba regu lar a vida económica e social, e seja capaz de int erv ir e corrigir as insuficiências e incapacidades do mercado. A Igrej a aceita o Estado social mas na condição de respeitar a iniciat iva social, e de não desresponsabilizar a sociedade. De acordo com a doutrina social da Igreja, os direitos sociais e po líticos devem ser consagrados , salvaguardados e reconhecido s, não competindo , porém, ao Estado ser o fautor das prestações soc iais correspondentes a t ais direitos, a não ser quando a sociedade não preencha sat isfat oriament e esse s deveres . Ao Estado compete regular, promover e garantir os direitos soc iais, não assumir primariamente, muito menos exclusivamente, a prestação de tais direitos. A Igreja não é defensora da estatização da economia, nem da educação, nem da saúde, nem da solidariedade, não deixando, porém, de exigir do Estado o cumprimento dos seus deveres de int er venção supletiva onde as fal has da sociedade o requererem, mas também não é defensora da sua mercantilização, antes defende a regulação dos mercados e a subordinação da vida económica." Cruz, Man uel Braga da . 20 13, Os católicos, a sociedade e o Estado. Lisboa , UCE, pp . 91-9 2.

Para compreendermos melhor:

• Como defin e o aut or a relação entre sociedade e Estad o? Que principio deve fundamentar essa relação? • O que deve ente nde r-se por Estado abstencionista? E por Estado avassa lador?

• À luz dest e t exto, po de af irmar-se que a visão da Igrej a sobre o Estad o e a po lit ica é de direita ou de esquerda?

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o autor enuncia uma leitu ra na qual se vislumbram e explicita m princípios que têm a sua fon te no t exto Sagrado mas que se articu lam mais claramente a partir da encíclica de Leão XIII, Rerum Novaru m. Esses pri nc ípios têm como veta r fundam ental a com preensão de que, no centr a da acão política, deve est ar a salvaguarda da dignidade da pessoa humana.

" Uma sociedade justa pode ser rea lizada somente no respeit o pe la dign idade transcendente da pessoa humana . Esta repre senta o fim último da socie dade, que a ela é ordenad a." Conse lho Pontifício "Justiça e Paz", 2005 . Compê ndio da DSI, Lisboa , Princip ia, 132.

Tal ce ntra lidade da pessoa permi te con f igurar princípios at ravés dos quais se pretende sa lvag uarda r o respeito por va lores inerentes à cond ição humana em sociedade: verdade, liberdade, j ust iça.

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Polit ica. Et ica e Rellg.áo


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4.1.1. Verdade Os t ratados cláss icos de teor ia do conhecimento def iniam a verdade quer como a correspondência entre o pensado e o real, quer como a coerência interna daqui lo que é. O que é, na med ida em que corresponde a si mesmo, é verdadeiro . Tal definição, sendo do ãmbito da gnoseologia, é-nos út il para a compreensão de que a organização societária só será durável se, por um lado, for coeren te com a sua própria ident idade (af irmação relevante, por exemplo, para a compreensão da relação entre Estado e sociedade), e se, por outro, pauta r a sua atuac ão pela correspondência ent re o dito e pensado e a realidade, matéria import ante para a discussão sobre o papel da informação na construção da comunidade face a todas as demagogias e t entat ivas de manipulação da verdade . O critér io para o seu reconhecimento está em verif icar se o sistema que se pretende verdade iro permite a realização do humano e não se o que se realiza é coerente com a lógica do sistema em si. O critério da verdade é exterior ao próprio sistema: o cr itério é a realização humana. Como refere , de for ma acuti lante Antoine de Saint- Exupéry, no seu livro Terra dos homens:

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"a verdade não é , de forma alguma aquilo que se demonstra. Se, neste terreno, e só neste, as laranjeiras desenvolverem fortes raízes e se carregam de frutos, esse terreno é a verdade das laranje iras; se esta religião, esta cultura, esta escala de valores, est a forma de atividade, e não quaisquer outras, favorecem no homem tal plenitude e nele libertam um nobre senhor que a si próprio se ignorava, é que essa escala de valores, essa cultura, essa forma de atividade, são a verdade do homem. E a lógica? Que ela se desembarace a f im de prest ar contas da vida." Antoine de Samt-Exup éry , 1995, Terra dos homens , LIsboa , Vega, p. 116

4.1.2. Liberdade Para a comp reensão da import ância da liberd ade para a co nstrução da comu nidade polít ica, tomemos por referência a definição apresentad a no Compênd io da Doutrina Social da Igreja. Diz-se, ali, que "o valor da liberdade, enquanto expressão da singularidade de cada pessoa, é respeitad o e honrado na medida em que se consente a cada membro da soc iedade realizar a própr ia vocação pessoa l." Na defini ção de liberdade aqui imp lícita não se af irma, apenas, a capacidade de autodeterminação, mas, também, a cond ição de realização da mes ma liberdade. A liberdade não é, aqu i, mera possibilidade de escolher, mas condição para esco lher o que é melhor, aqu ilo que mais rea li za a dignidade presente em cada um. A esta luz , ser livre não é, simplesmente, a capacidade de fazer o que se quer, mas a possibilidade de se poder esco lher o que mais realiza. E por isso que, na própria definição de liberdade vivida em socie dade se pressupõe que possa não ser permit ido aquilo que, correspond endo à vontade, não permite a realização humana. Todo o ti po de violência, agress ão, ate ntado cont ra a própria integr idade são considerados ate ntados contra a liberdade, seja sua, seja dos demais. A título ilust rativo, pode recordar-se que o Estado obriga, por exemplo, ao uso de cinto de segurança, na medida em que o exercício da liberdade não deve ate nt ar contra a dimensão social da co rporeidade.

Educação t.toral e Religiosa Católic a

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4.1.3. Justiça A def inição cl ássica do jurista romano, Ulpiano (150-223), considera a justi ça como a "vont ade firme e const ante de dar a cada um o que é devido". Para a teol ogia cristã, é, não só um valor, mas t ambém uma virtu de designada como cardea l, abordagem que permite reconhecer-lhe uma dime nsão objetiva e outra subjetiva. Um ato é ou não justo por atribuir a alguém o que é devido, ainda que, no seu agir habituai , a pessoa que realiza o ato possa não ser justa .

"A justiça pode configurar-se em três tipos , consoante o sujeito e o objeto da relação em que se verifica: justiça legal ou geral, que regula a relação de uma pessoa com o todo comunitário, a justiça comutativa, que relaciona justamente uma pessoa com outra, e a distributiva, que relaciona a comunidade com a pessoa ." Neves, João César das. 2013, Princípios da doutrina económico do Igreja , Lisboa, Principia, p. 34.

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Tendo em conta esta definição breve de justiça, import a ultrapassar uma difundi da perspetiva que a reduz à sua dimensão judiciaria. Na verdade, para muitos , falar de j ust iça reduz-se a f alar de tribunal e de polícia, contu do, nestes casos , estamos a falar da aplicação da j ust iça legal quando, pelo incumprimento do direito escrito, direito positivo , se atenta contra a ju st iça que eles pretendem assegurar. Contudo, há círcunstá ncías legais em que o direito positivo não suporta a jus t iça, isto é, as leis escritas co ntradizem o que deveria ser reconhecido como j usto. É o que sublinha o Conselho Pontifíc io "Justiça e Paz" ao af irmar que

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"a justiça mostra-se particularmente im p o rt ant e no contexto atual , em que o valor da pessoa, da sua dignidade e dos seus direitos, a despeito das proclamações de intentos, é seriamente ameaçado pe la generalizada tendência para recorrer exclusivamente aos critérios da utilidade e do ter". Conselho Pontiffcro "Justiça e Paz", 200 5. Compêndio da Doutrina Socrc ! da Igreja. Lisb oa. Pnncl pia , 202.

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A luz destas prem issas, a Igreja vem estrutu rando princípios que devem ser vir de norte para a formu lação de cr itérios de discerniment o e normas de acão.

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Política, Ética e Religiào


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4.1.4. Caridade (Amor) Afigu ra-se a muitos como desnecessário e inconve niente invoca r o amor co mo valor import ant e ao problematizar-se o que deve ser a pol ítica e a sua acào. Esta consideração - melho r será dizer "descons ideração" - é ainda mais subl inhada qua ndo o amo r se ap resenta designado como caridade. Contudo, a causa de ta l desconsideração do amor result a de preco ncei tos que tê m a ver com o uso deturpado do te rmo , associando -o, f undamentalmente, a um vago sentimento de compa ixão, t ida como um vão sus piro de alma efé mero e pouco at ivo. Pois bem , nada estará mais distante do que deva ser o amo r do que essa redução a um sentimental ismo. Na verdade, o amor deve, pelo co ntrá rio, est rut urar t oda a ação que se queira verdadei ramen te humana, na med ida em que, como reco rda a etimologia da palavra "caridade", o amo r é a ação gratu ita, des interessada, em benefício do out ro. ~ o que bem recorda Bento XVI, na sua encíclica Corilos in Veritote:

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"Amar alguém é querer o seu bem e trabalhar eficazmente pelo mesmo. Ao lado do bem individual, existe um bem ligado à vida social das pessoas: o bem comum. É o bem daquele «nós-todos», formado por indivíduos, famílias e grupos intermédios que se unem em comunidade social. Não é um bem procurado por si mesmo, mas para as pessoas que fazem parte da comunidade soc ial e que, só nela, podem realmente e com maior eficácia obter o próprio bem. Querer o bem comum e trabalhar por ele é exigência de j ustiça e de caridade. Comprometer-se pelo bem comum é, por um lado, cuidar e, por outro, valer-se daquele conjunto de instituições que estruturam jurídica, civil , política e culturalmente a vida social, que deste modo toma a f orma de pólis, cidade. Ama-se tanto mais eficazmente o próximo, quanto mais se trabalha em prol de um bem comum que dê resposta também às suas necessidades reais. Todo o cristão é chamado a esta caridade, conforme a sua vocação e segundo as possibilidades que tem de incidência na pó/is. Este é o cam inho instituciona l - podemos mesmo dizer político - da caridade, não menos qualificado e incisivo do que o é a caridade que vai diretamente ao encontro do próximo, fora das mediações institucionais da pó/is. Quando o empenho pelo bem comum é animado pela caridade, tem uma valência superior à do empenho simplesmente secular e polít ico." Bento XVI, 2009, Caritas in venrcre. 7.

------------------ ---- - - - - - - - - -- - l À luz desta def inição de amor, já pou ca dúvida rest ará de que este deve ser um valor a co nstru ir, mas igualmente, a con dição para a humanização da sociedade, tão facilmente te nta da a est ruturar-se, apenas , em torno de interesses, em vez de const ruída em benef ício das pessoas.

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Educação r lore l e Reüçíoss Cató lica

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4.2. Princípios da doutrina social da Igreja Princípio do Bem comum O principio do Bem comum não pode nem deve ser com preendido com o a mera soma dos bens individuais. Essa def inição pressupõe uma conceção ind ividualista de sociedade que não tem em conta o pressuposto acima enuncia do. Assim, recolhendo a defin ição que nos apresenta o Papa João XXIII, na encíc lica Moter et Mogistro , podem os def inir o bem comum como:

"o conjunto das con dições sociais que permitem e favorecem nas pessoas o desenvolviment o integra l da personalidade". João XXIII, 1961, Meter et Magist ra, 65.

Princípio do destino universal dos bens O princíp io do destino universal dos bens tem forte f undamento biblico, quer no Antigo Tes tamento (Dt 24,19 -21), quer no Novo Testomento, que, no livro de Atos dos Apóstolos, afirma que os cristã os tin ham tu do em comum. Este princípio af irma que a posse de bens não é absoluta e deve sempre ser entend ida como portadora de dimensão social. O princ ípio é form ulado no documento do Concílio Vaticano II, Goudium Et Spes, do seguinte modo: "Deus destinou a terra e tudo o que ela contém para uso de todos os homens e de todos os povos" (GS 69). A esta luz, o uso mono polista dos bens e do poder atenta contra a dignidade humana. Os bens não deverão ser com preendidos como direito abso luto se em causa estiver uma just a distribuição que gere situações de miséria e morte. Deste princíp io decorrem afirmações frequentes da DSI como sejam a do dever de atr ibuir justo salário, o direito ao emprego , o direito à prote ção no desemp rego, uma compreensão do direito à propriedade privada que o subor dina à sua dimensão social, etc.

Princípio da subsidiariedade Este

principio tem

a sua fo rmu lação definiti va na encíc lica

Quodrogesimo Anno, de Pio XI, onde se diz que

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"ass im com o é injusto subtrair aos indivíduos o que eles podem efetua r com a própria iniciati va e trabalho para o conf iar à comunidade , do mesmo modo, passar para uma socie dade maior e mais elevada o que as com unidades mais pequenas e inferiores podem realizar é uma injustiça, um grave dano e perturbação da boa orde m soc ial". Pio XI, 1931, Quadragesím o Anno, 79 .

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Este princípio é estrutu rante e pode aplica r-se aos mais dive rsos âmb itos da vida soc ial. Af irma que o que pode ser realizado por uma determinada est rutu ra da socieda de não o deve ser por uma superior a ela. Podemos aplicar este princípio à relação entre a soc iedade e o Est ado, matéria de que vimos fa lando, mas também a outros âmbi tos do dominio do quotidiano.

Pol itica. Et ica e R31ig iJo


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No contexto de escola, por exemplo, o que pode e deve ser feito por cada aluno, não deve ser assumido pelo profes sor ou pelo auxiliar de ação educat iva. O que pode e deve ser feito pelos f ilhos não deve ser feito pelos pais. A aplicab ilidade do princípio é clara e com relevantes consequências . Veja-se, a título de exemp lo, o que refere a Goudium et Spes :

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"Os governantes tenham o cuidado de não impedir as associações familiares, sociais ou culturais e os corpos ou organismos int ermédios, nem os privem da sua atividade legítima e eficaz; pelo contrário, procurem de bom-grado promovê-Ia ordenadamente. Evitem, por isso, os cidadãos quer individual quer associativa mente, concede r à autoridade um poder excessivo, nem lhe peçam, de modo inoportuno, demasiadas vantagens efacilidades, de modo a que se diminua a responsabilidade das pessoas , famílias e grupos sociais ." Concílio Vat icano II, 1965 . Goudium et Spes, 75.

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A af irmaç ão deste princípio sublinha, ainda, a anterioridade da soc iedade em relação ao Estado, _ _ _ _como _ _se _ enuncia, _ _ _seguidamente. _ _ _ _ __ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ _ ____ _ J

"A comunidade políti ca e a sociedade civil, embor a reciprocamente coligadas e interdependente s, não são iguais na hierarquia dos fi ns. A comunidade política está essencialmente ao serviço da socieda de civil e, em últ ima análise, das pessoas e dos grupos que a com põem. A sociedade civil, portanto, não pode ser considerada um apêndice ou uma variável da comunidade política: antes, ela t em a preeminência, porq ue justifica radicalmente a existê ncia da comu nidade política. O Estado deve fornecer um quadro jurídico adequado ao livre exercício das ativida des dos sujeitos sociais e estar pronto a intervir, sempre que for necessário, e respeitando o princípio de subsidi ariedade, para orientar para o bem comum a dialética entre as livres associações ativas na vida democrática. A sociedade civil é heterogénea e art iculada, não desprovida de ambiguidades e de cont radições: é tam bém lugar de embate entre interesses diversos, com o risco de que o mais forte prevaleça sobre o mais indefeso. (...] A comun idade política está obrigada a regular as próprias relações com comunidade civil de acordo com o princípio da subsidiariedade: é essencial que o crescimento da vida democrática tenha início no tecido social. As atividades da sociedade civil - sobretudo voluntariado e cooperação no âmbito do privado-soc ial, sintet icamente def inido como "setor terciá rio "para dist ingui-lo dos âmbitos do Estado e do mercad o - constituem as modalidades mais adequadas para desenvolver a dimensã o social da pessoa, que em tais atividades pode encontrar espaço para exprimir-se plenamente." Conselho Pontifício "Justiça e Paz", 2005, Compêndio do DoutrinaSocial da Igreja. Cascais. Principia. 418 e 419.

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Princípio da participação O princípio da participação constitui-se como um direito e, simu ltaneamente, um dever. Enquanto direito é uma consequência da dignidade da pessoa, e não uma concessão de alguns, correspon -

dendo, sim ultaneamente, a uma asp iração a ser construtor da sociedade; enquanto dever é um desafio, enunciado, de modo claro e interpe lante, po r João Paulo II, aqui, refe rindo - se, especificamente ao dever dos cr istãos leigos de partic iparem na vida co let iva. Este repto une , assim, a noção de po lítica à de cidadania, na linha do que apontávamos, no início desta unidade let iva.

"Os fiéis leigos não podem absolutamente abd icar da participação na 'política', ou seja, da múltipla e variada

acão económica, social, legislativa, administrativa e cultural, destinada a promover orgânica e institucionalmente o bem comum. [,.,] Todos e cada um têm o direito e o dever de participar na po lítica , embora em diversidade e complementa ridade de formas, níveis, funções e responsabilidades . As acusações de arrivismo, idolat ria de poder, egoísmo e corrupção que muitas vezes são dirigidas aos homens do governo, do parlamento, da classe dominante ou partido político, bem como a opinião muito difundida de que a política é um lugar de necessário perigo moral, não justificam minimamente nem o ceticismo nem o absentismo dos cristãos pela coisa púb lica," João Paulo II, 1988, Christifideles Laiei, 42.

Interrogações para reflexão

• O que se pretende afirmar ao conceber que "obem comum não é a mera soma dos bens individuais"? Que modelo de sociedade se denuncia com esta afirmação? • Que limite impõe o princípio do destino universal dos bens ao direito de possuir bens? Como deverá entender-se o direito a possuir? Será um direito absoluto? • Que situações atentam contra o princípioda subsidiariedade? • O princípio da participação constitui-se como um direito e um dever. Que situações permitem presumir que nem sempre a participação é entendida como dever?

Princípio da opção pelos pobres A atuacão dos cr istãos , nos diversos ámbito s do seu agir e, em particular, no àrnbito polí t ico, deve con figurar-se em torno do princípio da opção pelos pobres. Esta é uma preocupação que vem assumindo centra lidade, desde que, antes mesmo da abertu ra do Concílio Vaticano II, o Papa J oão XXIII, em setembro de 1962, af irmava a import ãnci a de a comun idade cristã ser a «Igreja dos pobres». Este, que era o desiderato do Papa Bom, veio a encontrar ecos no Conc ílio Vaticano II, aberto um mês depois do pronu nciamento destas pa lavras e, posteriormente, com as assembleias do Episcopado Lat ino -Americano de Mede llín (Colôm bia, 1968) e Pueb la (México, 1979). Já mais perto de nós, com Bento XVI e, ainda mais decisivame nte, co m o Papa Francisco, este tem sido um princípio estruturante, podendo, mesmo, co nsiderar-se um princ ípio axial, em te rmos materiais, con ferindo conte údo à força de out ros princípios de ordem mais formal.

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Política, Étic a e Religião


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Tal pr incípio é, no dizer do Papa Francisco, "mais uma cat egoria teológica do que cult ural, sociológica, polít ica ou f ilosófica" (EG 198). O mes mo é dizer que a sua origem não é conjunt ural, de moda, ou determinada po r um qualquer vago senti mento de simp at ia. Nasce do "cód igo gené t ico" crist ão. Na verdade, "no coração de Deus, oc upam lugar preferencial os pobres, tanto que at é Ele mesmo «Se fez pobre» (2 Cor 8,9)" (EG 197). Como diz, mais adiante, o Papa Francisco, "inspirada por t al preferência, a Igreja fez uma opç ão pelos pob res, entendida como uma «form a especial de primado na prática da caridad e cr istã , teste munhada por tod a a Tradição da Igreja». [...] Por isso, desejo uma Igreja pobre para os pob res." (EG 198) Podendo parecer que este é um princípio abst rat o e utópico, as suas implicações para a abo rdagem sobre como deva agir-se, em termos políticos, são mú lt iplas e de longo alcance, com o recorda o Papa Francisco, na já citada exort ação apost ólica Evongelii Goudium , de 2D13:

"O nosso comp romisso não consiste exclusivamente em acõe s ou em programas de promoção e assist ência; aquilo que o Espírito põe em movimento não é um excesso de ativismo, mas primariamente uma atenção prestada ao out ro «considerando-o como um só consigo mesmo». Esta atenç ão amiga é o início duma verdade ira preocupação pela sua pessoa e, a partir dela, desejo procurar efet ivamente o seu bem. Isto implica apreciar o pobre na sua bondade própria, com o seu modo de ser, com a sua cultura, com a sua forma de viver a fé. O amor autêntico é sempre contemplativo, permitindo-nos serv ir o outro não por necessidade ou vaidade, mas porque ele é belo, independentemente da sua aparência: «Do amor, pelo qual uma pessoa é agradável a outra, depende que lhe dê algo de graça». Quando amado, o pobre «é est imado como de alto valor», e isto diferencia a autêntica opção pelos pobres de qualquer ideologia, de qualquer tentativa de utilizar os pobres ao serv iço de interesses pessoais ou políticos. Unicamente a partir desta proximidade real e cordial é que podemos acompanhá-los adequadamente no seu caminho de libertação. Só isto tornará possível que «os pobres se sintam, em cada comunidade cristã, como 'em casa'. Não ser ia, este estilo, a maior e mais eficaz apresentação da boa nova do Reino?» Sem a opção preferencial pelos pobres, «o anúncio do Evangelho» - e este anúncio é a primeira caridade - corre o risco de não ser compreend ido ou de afogar-se naquele mar de palavras que a atual sociedade da comunicação diariamente nos apresenta ." Papa Francisco. 2013, Evangelii Gaudium , 199.

Síntese Valores f undamenta is da com unidade polít ica: verdade, liberdade, jus tiça e cari dade (amor). Princípios da doutrina soc ial da Igrej a: bem comum, destino universal dos bens, subsidia riedade, participação e opção pelos pob res. _ _

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5. A comunidade política: fundamentação bíblica da abordagem cristã

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Polít ica. Ética e Religião


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Como deve o cidadão relacionar-se com a autor idade política, segundo a visão crist ã? Que deveres e que direito tem cada cidadão para com a autoridade? Deve sempre obedecer-lhe? Que condições devem ser preservadas para que a autorida de seja legítima? A reflexão cristã sobre matérias sociais e políticas ganhou especial sistematização a partir de 1891, ano da publicação da primeira encíclica social, pelo Papa Leão XIII (Cart a Encíclica Rerum Novorum, sobre a condição dos operários). Apesar da importância deste marco histórico, a reflexão cristã sobre a vida em sociedade é muito anterior. Jé desde a experiência do povo judeu, retratada no Antigo Testamento , passando pela vivência e reflexão de que fazem eco os textos do Novo Testamento , que as matér ias respeitantes à relação entre a condição cr istã e o envolvimento nos desafios colocados pela vida da sociedade são assunto que preocupa os cristãos . Esta preocupação não result a, primeirament e, da necessidade de torn ar relevante o discurso cristão perante os que o não são. Ela resulta, muito mais, do genuíno reconhecimento de que faz parte da matriz da relig ião cristã transfo rmar a realidade à luz de um ideal humano que nasce da expe riência religiosa .

"Ocristão é mais um cidadão da sociedade à qual pertence . Compreende e exercita a sua cidadania a partir dos princípios com os quais se entende como homem na tr ipla relação constitu inte de si mesmo: com Deus como sua origem, com a natureza e com a sociedade. A fé não oferece respostas feitas para resol ver os problemas deste mundo nem propõe modelos concretos de cidadan ia, mas oferece critérios para discern ir factos e valores, para coordena r as distintas realidades , para subordinar os meios aos fins e, entre estes, para vislumbrar o nosso f im último. Na sua realização da cidadania, o cristão considera sagrados os três imperat ivos seguintes que caracte rizam e dão conteúdo concreto à dignidade humana: a liberdade, como dom e tarefa, exercitada ante todas as formas de escravidão, de carência ou de privação; ajustiça, como cond ição da paz na subvenção às primeiras necessidades de pão e de água, habita ção e convivência, cultura e t rabalho; a esperança, como horizonte que abre a vida para além dos limites materiais que a angusti am, resultante da promessa de Deus, que redim e a nossa f initude do cerco da morte e do absurdo." Cardeda', Olegario, 2013, Deus na cidade, Salamanca, Ediciones Sfgueme, pp. 58-59.

-- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - , Face às afirmações formuladas neste breve texto, import a identificar os fundamentos que permite m defin ir os t rês imperativos de que o autor fala: liberdade, justiça e esperança . Tais fundamentos deverão encontrar-se na experiência que se repercute nos textos bíblicos. Na abordagem ao t exto bíblico importa, não só atender ao que est á regist ado, ao texto, lit eralmente falando, mas, também, ao que se enuncia de mensagem intemporal, através da linguagem própria da época em que cada t exto foi escrito . ~ necessério fazer hermenêutica, interpretação situada dos t extos: situada, quer em relação ao momento em que esta mos a lê-lo, quer em relação ao momento em que o texto foi escrito.

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r - - - - --- - - - - - --- - --- -- - -- - - - - - - - - - 5.1. O senhorio de Deus Tendo em conta estes pressupostos, observa -se , desde já, que os textos bíblicos vincam o reconhecimento prioritár io de que só a Deus deve reconhecer-se o senhorio sobre a natureza e os homens. Est a é uma compreens ão presente desde que o povo jud eu começou, após a libert ação do Egito, a organizar-se, primeiramente, at ravés de homens carismáticos, designados com o j uízes e, depois, atr avés da monarquia. Em ambos os moment os, o homem btblico reconhece o dever de obedecer aos que detêm a autoridade na medida em que estes não exercem o pod er contr a a vont ade de Deus, isto é, na medida em que se sabem subordin ados à moral e ao senhorio absoluto de Deus. Constituem -se como exemplos desta comp reensão os texto s que abaixo se reco lhem.

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Polit ica, Etica e Religiao


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"O hom em qu e, ao ser ad moesta do, endurec e a ce rviz, será logo irremed iavelmente arrui nad o. Sob o gove rno dos j ustos, alegra-se o povo; qu ando governam os ímpios, o povo geme . Aqu ele qu e ama a sabedoria alegra o seu pai, mas o que alimenta meret rizes, diss ipa a sua fort una. O rei faz pro sper ar o país pela ju st iça, mas aque le qu e é ávido de imp ostos arruína-o. O homem que lisonj eia o seu pr óxim o, arma uma rede aos seus pés. O crime do ímpio é uma arma dil ha, mas o j ust o canta alegre mente. O ju st o co nhece a causa dos pobr es, por ém, o ímpio não o compreende . Os co rro mpidos subleva m a cidade, mas os sá bios acalmam a sua ira. Se um sá bio discute co m um insensat o, quer ele se agaste, quer se ria, não te rá paz. Os homens sanguinários odeiam o íntegro, mas os hom en s retos pro curam co nservar- lhe a vida. O insensat o desafoga tod a a sua ira, mas o sá bio aca ba por do miná- Ia. O príncipe qu e pres ta atenção às mentiras, só os ímp ios terá por minist ro s. Encontram-se o pobre e o op ressor; o Sen ho r é que m ilumina os olhos de ambos. O rei qu e f az justiça aos hum ildes t erá o seu trono fi rmado para sem pre." Prov 29 .1-14

A leit ura dos te xtos coloca-nos um conjunto de questões:

• À luz do texto de Miqueias, como reage Deus perante a ofensa come tida pelos dirigentes? O que significará a imagem recolhida na expressão "esconde-lhes a face"? O que se pretende afirmar com esta descrição do modo de agir de Deus?

• Ident if ica sttuac ões em que, na sociedade etuet, parece "aborrecer-se o bem e amar o mat". o

Segundo as perícopas de Provérbios aqui apresentadas. em que deve assentar a autoridade ? Como int erpretar a expressã o "o t rono firma-s e

pela justiça"? • De acordo com Prov 29, 1-14, qual a causa da ruína de alguém? E qual a origem da prosperidade?Observa situações concretas em que constatas este nexo.

--- - - - , 5.2. Consequências da encarnação divina Esta compreensã o do Antigo Testamento ganha particular clarificaçã o no contexto do Novo Testam ento, onde a experiência de Deus como Alguém que assume a condição humana serve de modelo para o entendimento de que, no Reino inaugurado por Jesus Cristo, já não é o poder que deve mobilizar a acão dos que nele se reconhecem. Para se partilhar dos valores do Reino importa compreender-se como pequeno.

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Tendo em consideração estes dois textos do Novo Testamento, que critério deve ser adotado pelos cristãos na sua relação com os outros? Que consequências resultam deste cr itério para o exerc ício do poder e da autoridade? Será este cr itério adotado pelos que exercem a autoridade política? É um cr itério concretizáve l na política?

Iô necessário ter em conta os pressupostos acima enunciados para compreender a posição de S. Paulo sobre o dever de respeitar as autoridades. Este dever não é absoluto, mas sim na medida em que as autoridades estão legitimadas por serem promoto ras do bem, do respeito pelos que são mais frágeis.

"A oração pelos governantes, recomendada por São Paulo durante as perseguicoes, indica explicita mente o que a autoridade política deve garantir: «uma vida calma e t ranquila a transcor rer com tod a a piedade e dignidade» (cf. 1 Tm 2, 1-2). [...] A autoridade, pois, deve deixar-se guiar pela lei moral: toda a sua dignidade deriva do desen rolar-se no âmbito da ordem moral." Conse lho Ponti frcio "Just iça e Pez", 2005 , Compêndio da Doutrina Socia l da Igrejo. Cascai s, Principia, 381 e 396.

Ao af irmar que a autoridade vem de Deus não está, assim, a ref erir-se à or igem causa l da mesma, mas à fundamentação ética desta, isto é, temos autoridade quando o exercício do poder se faz de modo legítimo, e nunca ao arrepio da realização humana, em que Deus se revê. Est a compreensão tem, natur almente, uma consequência visível. Quando a autor idade se realiza de modo ilegítimo, seja pela sua origem, seja pela sua configuração, torna legítima a recusa da obediência.

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Politica , Et ica e Religião


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5.3. O direito à objeção de consciência "O cidadão não está obrigado em consciência a seguir as prescrições das autoridades civis se forem contrárias às exigências da ordem moral, aos direitos fundamentais das pessoas ou aos ensinamentos do Evangelho. [...] É um grave dever de consciência não prestar colaboração, nem mesmo forma l, àquelas práticas que, embora admitidas pela legislação civil, contrastam com a lei de Deus." Conselho Pontifício "J usti ça e Paz", 200 5, Compêndio do Doutrino Social do Igreja, Cascais. Principia, 399.

"Mas quando a autoridade pública, excedendo os limites da própria competência , opr ime os cidadãos, estes não se recusem às exigências objetivas do bem comum ; mas é-lhes lícito, dentro dos limites traçados pela lei natural e pelo Evangelho, defender os próprios direitos e os dos seus con cidadãos, contra o abuso desta autoridade." Vaticano II, 1965. Gaudium er Spes, 74.

Int er rogações para ref texãc

Como deve articular-se o dever de obedecer à autoridade com o direito à obj ecão de consciência? Quando é legftimo o exerc fcio deste direito? Conheces situações para as quaJs está previsto este direito na leglstac ão portuguesa?

5.4. O direito a resistir "Reconhecer que o direito natural funda e limita o direito positivo significa admitir que é legítimo resistir à autoridade caso esta viole grave e repetidamente os princípios do direito natural." Conselho Pontiffcio "J ustiça e Paz", 2005, Compêndio da Doutrina Social do Igreja, Cascais, Principia, 400.

A dout rina social indica os crité rios para o exerc ício da resistência:

"«A resistência à opressão do poder político não recorre rá legiti mamente às armas, salvo quando se ocorrerem conjuntamente as seguintes condições: 1. em caso de violações certas, graves e prolongadas dos dire itos fundamenta is; 2. depois de te r esgotado todos os outros recursos; 3. sem provocar desordens piores; 4. que haja uma esperança fundada de êxito; 5. se for impossível prever razoavelmente soluções melhores ». A lut a armada é contem plada como extremo remédio para pôr fim a uma «t irania evidente e prolongada que ofendesse gravemente os direitos fundame ntais da pessoa humana e prej udicasse o bem comum do país». A gravidade dos perigos que o recurso à violência hoj e comporta leva a cons iderar preferível o caminho da resistên cia passiva, «mais conforme aos princípios morais e não menos prometedor do êxito»." Conselho Pontifício -Justica e Paz", 2005, Compêndio da Doutrino Sociol da Igreja, Cascais, Principia, 401.

• Emquesituações está circunscrita a possibilidade de resistência armada? • Queoutra opçãoé preferível à resistência armada? • Conheces situa c ões em que se optou, com

sucesso, pela resistência passiva ou pacífica?

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Enquadra-se neste cenário de interpret ação a leit ura de Mc 12, 13-17; Mt 22, 15-22; Lc 20, 20-26, em que Jes us é conf ront ado com a int errogação sobre se se deve pagar a César (aqui entendido como expressão da autoridade política) o imposto. A resposta de Jes us, confi gurada de modo lapidar na af irmação de "dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus ", não sublinha, apenas, a dist inção ent re os àrnbitos da polít ica e da religião, mas também que a políti ca ("César") deve esta r co nsciente de que o que é de Deus - o respe ito pela dignidade humana - não lhe cabe a si inf ringir. Est a é uma com preensão que é recordada pelo Conselho Pontif ício "J ust iça e Paz", quando afir ma que:

''Jesus rej eit a o poder opress ivo e despótico dos grandes sobre as nações (cf. Mc 10, 42) e as suas pretensões de fazerem-se chamar benfeitores (cf. Lc 21 ,25), mas nunca cont esta diret ament e as autoridades do seu tempo. Na diat ribe sobre o tributo a ser pago a César (cf. Mc 12, 13-17; Mt 22, 15-22; Lc 20, 20-26), Ele afirma que se deve dar a Deus o que é de Deus, condenan do implicit ament e toda a t enta ti va de divinizar e de absolut izar o poder t emporal: soment e Deus pode exigir tudo do hom em. Ao mesmo t empo o poder t empo ral t em o direito àquilo que lhe é devido: Je sus não con sidera injusto o tributo a César." Conselho Pont iffcio "Jus tiça e Paz", 2005, Compêndio da Doutrina Social da Igreja, Cascais, Principi a, 379.

Rm 13,1-7, sobre a colabor ação com as autoridades:

"Que todos se submetam às autoridades públicas, pois não existe autoridade que não venha de Deus , e as que existem foram estabelecidas por Deus. Por isso, quem resiste à autoridade opõe-se à ordem querida por Deus, e os que se opõem receberão a condenação. É que os detentores do poder não são te midos por quem pratica o bem, mas por quem pratica o mal. Não queres ter medo da autoridade? Faz o bem e receberás os seus elogios. De facto, ela está ao serviço de Deus, para te incitar ao bem. Mas, se fazes o mal, então deves ter medo, pois para alguma coisa ela traz a espada. De facto, ela está ao serviço de Deus para castigar aquele que pratica o mal. É por isso que é necessário submeter-se, não só por medo do castigo. mas também por razões de consciência. É também por essa razão que pagais impostos; aqueles que têm de se ocupar disso são funcionários de Deus. Dai a cada um o que lhe é devido: o imposto, a quem se deve o imposto; a taxa, a quem se deve a taxa; o respe ito, a quem se deve o respe ito; a honra, a quem se deve a honra."

1 Tm 2,1-2, sobre a oração pública:

"Recomendo, pois, antes de tudo, que se façam preces, orações, súplicas e acões de graças por todos os homens, pelos reis e por todos os que estão constituídos em autoridade, a f im de que levemos uma vida serena e tranquila, com toda a piedade e dignidade. Isto é bom e agradável diante de Deus. nosso Salvador, que quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade. Pois, há um só Deus, e um só mediador entre Deus e os homens, um homem: Cristo Jesus, que se entregou a si mesmo como resgate por todos. Tal é o testemunho dado para os tempos estabelecidos. Foi para isto que fui constituído arauto e apóstolo - digo a verdade, não minto - mestre das nações, na fé e na verdade."

S. Paulo afi rma que a "aut or idade vem de Deus", contud o. a descriç ão posterior a esta af irmação permite verif ica r que ele se refere à autoridad e legítima. Como pode conc luir-se isto? • Deve ob edecer-s e. mais do que por med o, por outros moti vos. Quais?

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Em síntese, import a reter que, como sublinha o Conselho Pontifício "Just iça e Paz",

"a mensagem bíblica inspira incessantemente o pensamento cr istão sobre o poder político, recordando que esse tem a sua origem em Deus e, como tal, é parte integran te da ordem por Ele criada . Tal ordem é percebida pelas consciênc ias e realiza-se na vida social mediante a verdade , a ju stiça e a solidariedade, que conduzem à paz." Conselho Pontifício "J ustt ca e Paz", 2005. Compênd io da DoutrinaSocial da Igreja, Cascais, Principia, 383 .

-- -- - - -- - - - - - - -- ---- - - - - - - - - - - - - - l Esta com preensão, de f undamentação teológica, enco nt ra- se plasmada pela realidade, co mo evidenc ia o politólogo Francis Fukuyama:

"a grande maioria das pessoas em qualquer socied ade pacíf ica obedece à lei não tanto por fazer cálculos raciona is acerca dos custo s e benefícios, ou por receio de punição. Obedece por acre ditar que a lei é em últi ma instância justa e por estar moralmente habituada a segui- Ia. Est ará muito menos inclinada a obedece r a essa lei se a considerar inj usta". Fukuya ma, Francis. 2012. As origens da ordempolítico. Alfragide, Publicacõee Dom Quixote, p. 391.

I I ___ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ J Fukuyama explici ta, aqui, que nem t udo o que é lei é legíti mo, uma dist inção (ent re legalidade e legit imidade) que permit e sustentar o direito à objeção de consciência e o direito a resist ir.

Síntese Sendo Deus o único Senhor, o pode r deve ser ente ndido como um serv iço e respeitador da ét ica, enquanto salvaguarda da dignidade humana . A encarn ação de Deus evide nciou que os maiores, no Reino dos Céus, serão os que se fizerem pequenos, com os pequenos. As constatações formuladas acima sustentam o direito à objec ão de consciência e o direito a resisti r, pois só as leis que respeita m a éti ca é que vinculam.

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6. O fundamento da comunidade política

o que será primordia l no ser humano: o facto de ser um indivíduo ou a sua dime nsão social? Que f ins deve procurar atingir a política? Deve esta basta r-se em gerir os interesses ou deve procura r assegurar o respeito por valores ét ico-morais reconhecidament e import ant es? Há lugar para a ét ica na polit ica ou deve optar-se pelo realismo polít ico que procura apenas gerir os conf litos? Para a def inição do fundamento da comunidade polít ica, ent endida como a organização da soci edade com o intu ito de gerir as relações colet ivas em torno de fins co muns, importa ter em co nta que a cond içã o humana não é, primeirament e, a de se ser indivíduo, como se se nascesse món ada ou ser solitário. Nasce-se como um ser comunitário. Adqui rimos a linguagem, a plena consciência de nós mesm os porque os outros fizeram desperta r em nós essas poten cialidades. Est as são observações pertinentes e nunca excessivamente recordadas, pois muita s são as perspet ivas difundidas que pret ende m sublinhar o caráct er natu ral do individualismo.

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"Rousseau estava brilhantemente correto e, algumas das suas observações, como é o caso da sua conv icção de que a desigualdade humana teve as origens no desenvolvimento da metalurgia, da agricultu ra e, sobretudo, da prop riedade privada. Mas tanto ele como Hobbes e Locke estavam errados acerca de um facto essencial. Qualquer um dos três pensadores considerou os seres humanos no estado de nat ureza enquanto indivíduos isolados, para os quais a sociedade não era natural. Segundo Hobbes, os seres humanos primitivos relacionam-se uns com os outros sobretudo por via do medo, da inveja e do confl ito . O humano primit ivo de Rousseau está ainda mais isolado: enquanto o sexo é nat ural, a famíl ia não.A dependência humana mútua surge quase acidenta lmente, resultante de inovações tecnológicas, como a agricultu ra, que exigem uma maior coope ração. Para ambos , a sociedade humana surge apenas com a passagem do tempo e envolve cedências ao nível da liberdade natural. [oO .] Podemos catalogar isto como a grande falácia hobbes iana [de Thomas Hoobes, autor de Leviatã]: a ideia de que os seres humanos eram primordialmente individua listas e que apenas formaram sociedades num ponto mais t ardio do seu desenvolvimento, devido a um cálculo racional segundo o qual a coope ração soc ial era a melhor fo rma de alcançarem os seus f ins individuais. Esta premissa de um individualismo primord ial est á implícita na conceção dos direitos incluídos na Declaração da Indep endênc ia norte-american a e, consequentemente, da comu nidade política democrática que dela emergiu. A premissa também está implícita na econom ia neoclássica contemporãnea, que const rói os seus modelos segundo a assunção de que os seres humanos são agentes racionais que desejam maximizar os seus proveitos ou rendimentos individuais. Mas foi de facto o individualismo, e não a sociabilida de, que se desenvolveu ao longo da histó ria humana. Se o individualismo parece hoj e um sólido pilar do nosso co mpo rtame nto político e económico, é porq ue desenvolvemos insti tu ições que se impõem aos nossos insti ntos co munais mais básicos. Aristó teles estava mais correto do que estes teó ricos liberais dos primórdios da modernidade, quando afi rmava que os seres humanos são polít icos por nat ureza. E, por isso, se uma conceção individualist a da motivação humana pod e ajudar-nos a explicar as atividades de comerciantes de bens e ativistas libertários da América atual, não é a que mais nos ajuda a entender a evolução primordial da política humana ." Fukuyama , Francis, 2012 , As origens do ordem po ítuca. Altrag rõe. Publicações Dom QUIxote. p. 57.

Tenhamos , pois, em conta que: • a natureza do hom em não é intrinsecamente in di v id uali sta, mas co munit ária; • a rel ação em so cie da de nã o t em de se basear no me do, na inveja e no co nf lito. Mas, ainda é necessário cons iderar algo mais. Segundo Joaquín Abellán, a história desta reflexão tem duas grandes etapas: antes e depois do livro de Nicolau Maquiavel, O Príncipe. A reflexão sobre a politica tinha , até Maquiavel, a característica de reconhecer que a política devia respeitar a ética . A part ir de Maquiavel esta condição deixa de ser uma evidência, com enormes conseq uências.

"A partir da receção e crítica desta obra de Maquiavel, ao longo do século XVI, desenvolveram-se duas linhas na concetualização da política, que por vezes se ent relaçavam em alguns dos seus aspeto s. Por um lado, cont inuou a estar presente a linha aristotélico-c ristã , cuja caracte ríst ica principal consistia em entender a ação política em relação direta com os f ins da comu nidade, que eram definidos, por sua vez, como o bem comu m ou a felicidade. Nesta relação entendia-se também que os fins da comun idade política só se pod iam conse guir mediante a observa ção dos preceitos morais, ou, dito de outra maneira, que o objetivo final só se podia conse guir com meios igualmente morais. Esta conceção da política, que assentava no reconhecime nto da necess idade humana de viver em comu nidade, incluía conseq uentemente um conju nto de deveres ta nto para o governante como para o cidadão , que se plasmavam nos seus respetivos cat álogos de virtudes. Por outro lado, não obstante, começo u a desenvolver-se uma ideia da política na qual se afirmava

êoucacào flora l e Religiosa Cató lica

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a autonomia desta em relação à moral, especialmente na quest ão dos meios a ut ilizar para conseguir os fins da comunidade. A partir desta perspetiva, a política aparecia como um inst rumento té cnico para a afirmação e o exercício do poder do governante. Esta linha seguirá o caminho iniciado por Maquiavel n'Q Príncipe e através dele surgira m vias que desembocaram nas posteriores teorias da 'razão o Estado' ou dos 'interesses do Estado' dos sécu los XVI e XVII, nas quais confluíra m também elemen tos de outra procedência distinta . As duas linhas entrecruzam-se em muitos autores, e por isso o conce ito de 'polít ica' converte-se num conce ito ambíguo: por vezes utiliza-se só para denominar a política em sentido tradicional, outras vezes só como sinónimo de 'razão de Est ado' e t irania (quer dizer uma política 'má'), elim inando a dist inção que Maquiavel ainda mant ivera entre 'pol ítica' para deno minar a vida cívica na república e 'técnica do stato' para denom inar os meios relativos ao pode r do governant e; em outras ocasiões int roduzem-se dentro do conceito trad icional de política, ou ao menos sem se sair dele, os novos ingredientes do novo conceito de 'razão de Est ado', entendida como os meios possíveis a ut ilizar para conservar o poder". Abellán . Joaqu ín, 2012, Política, Conceptos políticos fundamenta/es, Mad rid. Alianza editoria l. pp . 131-132 .

Este segundo texto contribui com um dado histórico relevante. A reflexão sobre o que deve ser a polít ica sofreu uma mudança de registo a part ir da publicação, em 1532, da obra de Nicolau Maquiavel, O Príncipe. Poderíamos sintetizar essa mudança considerando que. com esta obra, o realismo prático se apoderou da refl exão t eórica sob re o que deva ser a política. O 'deve' foi progressivamente substituído pelo 'é', sumindo a rslevãncía da ética para a discussão sobre como deva conduzir-se a comunidade política e entender-se, por associação, a part icipação dos cidadãos nessa mesma condução. Este processo não é, cont udo, um caminho sem retorno. Na verdade, na própria discussão quotidiana sobre como é conduzida a "coisa pública". isto é, a comunidade polít ica, os mais críticos do modo como se faz a política deixam entrever um quadro implícito que nos cabe, aqui, clarificar.

6.1 . A pessoa é o fundamento e fim da comunidade política São frequentes as afirmações de que a politi ca é, muitas vezes, refém de valores que não os que a dever iam mob ilizar. Sendo , muitas vezes, uma af irmação vaga, nela está implícito o reconheciment o de que os valores éticos deveriam ser o fu ndamento da sua ac ào. No contexto da ref lexão cr ist ã, a af irmação de sta cen t ra lidade dos va lo re s éticos co mo co nd ição da co ndução polít ica f az- se reco nhecendo qu e a pessoa hum ana é o f unda mento e f im da comuni dade polít ica . Tal cent ralidade enc ontra a sua raiz, não só no direito posit ivo, esc rito , no reconhecimento que está consagrado na declaração dos direi to s do ser humano, mas é anterior a esse mesm o reconhec imento. Já os grandes fi lós ofos da histó ria, e entre eles, Imannuel Kant reconheciam que a pessoa huma na deve ser t ratada como f im e não como meio, qualquer que seja o árnbito em que nos situemos: natu ralmente, ta mbém no àrnbito político . Ante s mesmo desta enunciação filosófica, a centralidade da pessoa é afirm ada através do reconhecimento da co ndição de ser cria do à imagem e seme lhança de Deus que confere a cada um a dignidade de pess oa como ser intangível e indisponível, isto é, super ior a toda s as man ipulações.

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''A pessoa humana é fundamento e fim da convivência política. Dotada de racionalidade, é responsável pelas próprias escolhas e capazde perseguir projetos que dão sentido à sua vida,tanto no plano individual como no plano social. A abertura à Transcendência e aos outros é o traço que a caracteriza e dist ingue: somente em relação com a Transcendência e com os out ros a pessoa humana alcança a plena e completa realização de si. Isto significa que para o homem, criatura naturalmente social e política, «a vida social... não é qualquer coisa de acidental», mas uma dimensão essencial e incancelável. (...] O homem é uma pessoa, não só um indivíduo. O termo 'pessoa' indica uma «natureza dotada de inteligência e vontade livre»: é portanto uma realidade bem superior à de um sujeito que se exprime nas necessidades produzidas pela mera dimensão material." Conselho Pont ifício "Justi ça e Paz", 2005 , Compên dio da Doutrina Soci al da Igrej o , Cascais , Princi pia , 38 4 e 39 1.

6.2. Que fim pretende atingir a comunidade política? A reflexão que é aqui propos ta situa-se no ãmb ito ét ico, visando , por isso, ideais a configurar, de modo tang ível, nas decisões e comportamentos dos cidadãos e dos decisores políticos. É neste quadro que deve enten der-se o reconheciment o de que o f im que a comunidade polític a pret ende at ingir é o da máxima realização de todos e cada, repercutindo uma compree nsão que está plasmada no pensamento do Papa Paulo VI, quando af irma, na encíclica Populorum pro gressio que o "desenvol v iment o integral é de todos os homens e do homem todo":

"A com unida de política, realidade conatural aos homens, existe para obter um fim comum, inati ngível de outra forma: o cresc imento em plenitude de cada um dos seus membros, chamados a colaborar de modo estável para a realização do bem comu m, sob o impulso da sua tensão natu ral para a verdade e para o bem (oo .] A comu nidade política persegue o bem com um atuan do co m vist a à criação de um ambiente humano em que aos cidadãos sej a oferecida a possibilidade de um real exercíc io dos direitos humanos e de um pleno cumprimento dos respet ivos deveres. (oo .] Uma comunidade é solid amente fund ada quando t ende para a promoção integral da pessoa e do bem comum: neste caso, o direito é def inido, respeit ado e vivido também de acordo com as modalidade s da solidariedade e da ded icação ao próximo." Conselho Pontifício "J ustiç a e Paz", 2005, Compêndio da Doutrin a Social da Igreja, Cascais, Principia, 384 , 389 e 391.

I Podemo s, po is, lnter ro gar-nce:

• Como é definido o desenvolvimento hu mano , de acordo com as palavra s do Conselho Pontifício "Just iça e Paz"? Esse é o conceito habitual mente tomado como referê ncia nas discussões sobre o desenvolvimento dos países? O que tem de novo a abord agem recolh ida pe lo Conse lho Pont iffcio?

• Que sinais cont rariam, na sociedade portu guesa. esta concecâo sobre o desenvolv imento? Que indícios são mais valorizados ao falar-se de desenvolvimen to? • Que f im deveria pr etender realizar a comunidade polít ica? esta a visão genera lizada sobre o que deve ser a polít ica? Como é caracterizada, habit ualmente? Ê

Síntese O ser humano não é primeira, nem int rinsecament e individualist a, mas um ser comun itá rio. A relação em sociedade não se est rut ura no medo , na inveja e no conflito, mas na cooperação. A pessoa humana é o fundamento e o f im da comunidade politica, cujo objetivo é o desenvolvimento integral de todos e de cada ser humano.

Educ açã o r tora l e Religiosa Católica

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7. A comunidade política como construção de todos Poderemos esta r certos de que sempre viveremos em democraci a? Como fo i possível, então, o aparecimento de regimes autoritá rios em países em que a democracia se co nsiderava consolidada? O que são regimes autor itários? O que favorece o seu apareciment o e com o atuam? Como podemos cont ribuir para que se atenue o risco de emergência de tais regimes? Que papel cabe a cada cidadão numa dem ocracia? A construção da com unidade política não é ta refa de apenas alguns, mas desaf io para todos. Todos são, simultaneamente, suj eitos e benefi ciá rios da const rução deste edif ício nunca acabado . Analisa, com ate nção, os textos seguintes e observa os reptos que neles se enunciam, ten do em co nt a que se t rata de discursos profer idos em momentos marc antes da histór ia. O primeiro dos discu rsos foi profe rido pelo primeiro presi dente católico da história dos Estados Unidos , num mom ento ainda fortem ent e marcado pelos efeitos de uma guerra que tinha levado o mundo para uma espécie de "guerra civil", co mo lhe chama Adriano Moreira, no seu livro Memórias do outono Ocidentol.

"[.. .] meus caros compatriotas, não pergunteis o que o vosso país pode fazer por vós - perguntai o que podeis fazer pelo vosso país. Meus caros concidadãos do Mundo, não pergunteis o que é que a América fará por vós , mas o que podemos fazer juntos pela paz no mundo. Finalmente, quer seja is cidadãos da América ou cidadãos do mundo, exigi de nós os mesmos padrões elevados de fo rça e sacrifício que nós vos exigimos. Com a consciência t ranqu ila como única recompensa e com a história como único j uiz final dos nossos atos, avancemos para a condução da t erra que amamos, ped indo a Sua Bênção e a Sua ajuda, mas sabendo que aqui na Terra o trabalho de Deus deve ser feito por nós." Kennedy, J . F., Discurso inaugural como Presiden t e dos Estados Unidos , in AA.VV.,2007. 50 grandes d iscursos da história. Lisboa. Edi ções Süebo. pp. 170-171 .

o segundo discurso que propomos foi proferido pelo primeiro presidente da Checoslováquia, após a queda do muro de Berlim, que signific ou o fim de um regime totalitário de mat riz marxista. Como o autor refere, a responsab ilidade pela maldade do regime é, primeiramente, dos seus dirigentes , mas as omissões de todos permitiram que ele perdurasse no tempo . Trata-se de um forte desafio à assunção da responsab ilidade de cada cidadão para a const rução de uma sociedade centrada na pessoa e no respeito pela sua dignidade. Este discurso é frequentemente recordado por defend er uma visão da polit ica como tarefa de todos e não privilégio ou exclusividade de alguns. "Vivemos num ambiente moralmente contaminado. Sent imo-nos moralmente doentes, porque nos habituámos a dizer uma coisa e a pensar outra . Aprendemos a não acreditar em coisa nenhuma, a ignorar-nos uns aos out ros, a preocupar-nos só connosco. Conceitos como amor,amizade, com paixão, humildade e perdão perderam a profund idade e as dimensões que tinh am, represent ando hoje, para muitos de nós, simples peculiaridades psico lógicas, ou asseme lhando-se a desejos de tempos passados. ligeirament e ridículos nesta era de computadores e das naves espaciais. Poucos foram

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capazes de proclamar que os poderes vigentes não deviam ser omnipotentes, e que, se os alimentos ecologicamente puros e de alta qualidade produzidos nas herdades especiais não chegavam para todos, deviam ser enviados para as escolas, os orfanatos e os hospitai s. O regime anterior [refere-se ao regime totalitário, coletivista, de matriz comunista, anter ior à queda do Muro de Berlim] - armado com a sua ideologia arrogante e intolerante - reduzia o homem a uma força de produção e a natureza a um instrumento de produç ão, pondo assim em causa a própria subst ância e as relações entre ambos, e reduzindo pessoas talentosas e autónomas, que trabalhavam com competência no próprio país, a porcas e parafus os de uma máquina monstruosa, barulhenta e malcheirosa, cujo verdadeiro sent ido ninguém compreende bem. Deste modo, não podia deixar de se consumir, lenta mas inexoravelmente, a si mesmo, às porcas e aos parafusos que tinha criado. Quando falo desta atmosfera moralmente contaminada, não estou a referir-me apenas aos senhores que se alimentam de legumes orgânicos e não andam de avião, estou a referir-me a todos nós. Todos nós nos habituámos ao sistema totalitarista, aceitando-o como um facto imutável e assim contribuindo para a sua perpetuação. Por out ras palavras, todos nós somos, em maior ou menos grau, naturalmente, responsáveis pelo funcionamento da máquina tota litária; nenhum de nós é apenas vítima dessa máquina - somos todos cocriadores dela. Porque digo isto? Seria muito pouco razoável tomar o triste legado dos últimos quarenta anos como coisa alheia, como uma herança de um parente longínquo. Pelo contrário, temos de aceitar este legado como um pecado que foi cometido por nós. Se o aceitarmos como tal, compreenderemos que nos compete a todos, e só a nós, resolver essa questão. Não podemos atribuir todas as responsabilidades aos dirigentes do regime anterior, não só porque seria falso, mas também porque isso afetaria o dever com que cada um de nós se confronta hoje, a saber, a obrigação de agir de forma independente, livre, racional, e de agir depressa. Não nos deixemos enganar: nem o melhor governo do mundo, nem o melhor parlamento e o melhor presidente conseguem fazer grande coisa sozinhos. Seria um erro esperar que fossem eles a resolver tudo . A liberdade e a democracia exigem participação, e portanto responsabilizam-nos a todos. [...] Poderão perguntar-me com que género de república sonho. E eu respondo-vos que sonho com uma república independente, livre e democrática, com uma república economicamente próspera mas socialmente justa, em suma, com uma república humana, que sirva 05 indivíduos e que portanto alimente a esperança de que 05 indivíduos também a sirvam. Com uma república de gente firme, porque de outra maneira é impossível resolver qualquer dos nossos problemas, sejam humanos, económicos, ecológicos, sociais ou políticos. O mais dist into dos meus predecessores abriu o primeiro discurso que proferiu com uma citação de Coménio, o grande educador checo. Permitam-me que conclua o primeiro discurso que profiro com uma paráfrase da mesma afirmação: Povo, o governo foi-te devolvido." Václav Haver, 1 de janeiro de 1990.

• Segundo v áclav Havei, como se caracterizada o regime do qual acabavam de sair? • Que pape l reco nhece este autor aos cidadãos na construç ão da sociedade?

• Que tr aços descritos nest e discur so pod em enco ntrar semelhanças com a sociedade atual? • Que desafios deco rrem desta constataçã o?

Educa ção t tor at e Religiosa Cat ólica

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7.1. A importância da participação organizada: das associações à presença em instâncias internacionais o desaf io de parti cip ar na vida política de uma com unidade pode concret izar-se individualmente. por exemplo, at ravés do exercício do voto . Cont udo, est a part icipação ganha particular relevãncia se organizada. Tal confere pert inência e irnport àncla ao direito e dever de cada um se organizar com outros em torno de objetivos comuns legítimos, em contexto de associativismo e voluntariado.

"A comun idade política está obrigada a regular as pró prias relações com a comu nidade civil de acordo com o princípio de subsidia riedade: é essencial que o crescimento da vida democrática ten ha início not ecido social. As ativi dades da sociedade civil- sobretudo voluntariado e cooperação no àmbito do privado-social, sinteticamente defin ido como 'setor terciário' para distingui-lo dos àmbitos do Estado e do mercado - co nstituem as modalidades mais adequadas para desenvolver a dimensão social da pessoa, que em tais at ividades pode encontrar espaço para exprim ir-se plenamente." Conselho Pontrt icro 'Uustrca e Paz", 200S, CompêndIodo DoutrinoSocial do Igreja , Cascais. Principia. 419.

A relevãncia desta part icipação organizada é not ória numa eta pa da história em que os cidadãos parece m desiludidos com a açà o política dos seus governantes ou afastad os das decisões que são tomada s pelos dirigentes politicos. O Concílio Vat icano II alert a:

"E, portanto, absolutamente necessário que a Igreja esteja presente na comun idade das nações, para fomentar e est imular a cooperação entre os homens ; tanto por meio das suas instituições púb licas com o graças à inteira e sincera colaboração de todos os cristãos. inspirada apenas pelo desejo de servir a todos. [...] Uma das melhores for mas de atuação internacional dos cristãos consiste certamente na cooperação que, isoladamente ou em grupo, prestam nas próprias institu ições criadas ou a criar para o desenvolvimento da cooperação entre as nações. Também podem contribuir muito para a edificação da comun idade dos povos, na paz e frate rnidade, as várias assoc iações catól icas internacionais, as quais devem ser consoli dadas, com o aumento de cola borado res bem formados, e dos meios de que necessitam e com uma convenie nte coordenação de forças. [...] Finalmente, é de desejar que os catól icos, para bem cumprirem a sua missão na comunidade int ernacional, procu rem cooperar ativa e positivamente, quer com os irmãos separados que com eles professa m a caridade evangélica , quer com todos os homens que anelam verdade iramente pela paz." Concílio Vaticano II. 1965. Goudium et Spes, 89 e 90 .

• Que papel podem desempenhar o associativismo

e o voluntariado numa sociedade democrática? Conheces organizações que promovam o voluntariado? Que lugar ocupa o voluntariado na tua vida? Que características devem definir um

voluntário?

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Politica , Ética e Reügtêo


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7.2. A salvaguarda do âmbito privado - contra os totalitarismos A cons trução da comunidade humana é tarefa jamais conclu ída. Aquilo que parece seguranç a, hoje, deve ser cult ivado para que não se tr ansforme em incertezas mais adiante. Referimo -nos, aqui, à presunção de que a democr acia, de que beneficiamos, seja algo seguro, que jam ais será posto em causa. A história posterior ao f inal da primeira guerra mundial demonstra como países que se presumia terem democracias consolidadas sucumbiram, como reação a um excesso de par lamentarismo, à tentação dos regimes autoritários ou mesmo totalitários.

7.2.1. Os regimes autoritários e totalitários

"Segundo Linz, os regimes auto ritários são «sistemas de pluralismo político limitad o, cuja classe política não prest a contas dos seus atos , que não se baseiam numa ideologia de referênc ia devidamente articulada,mas se caracterizam por mentalid ades próprias, onde não existe mobilização polít ica disseminada e em larga escala, salvo em alguns mom entos do seu desenvolvimento, e em que um líder, ou por vezes um pequeno grupo, exerce o poder dentro de limites mal defi nidos no plano formal, mas efetivamente previsíveis.»" Pasqu ino. Granf ranco , 2005. Curso de Ciênc ia Política , Casc ais , Prl ncrpra, p. 285.

Quadro das características dos regimes não democráticos

Emergente

Fundadora

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Rígida, forte

Desgasta da

Capilar

Rit ual

Manipulada

Carismático-partidária

Burocrática/colegial

Personalista

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Pasqulno. Gianf ranco, 2005, Curso de Ciênci a Política, Cascais, Principia, p. 297.

Educação : lar? ' e Religiosa Católic a

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"Segundo Carl J. Friedrich e Zbigniew Brzezinski, as características distintivas dos regimes totalitários são: a) A presença de um part ido único; b) Uma polícia secreta consideravel mente desenvolvida; c) O monopó lio estatal dos meios de comu nicação soc ial; d) O controlo centralizado de todas as organizações políticas, sociais e culturais, levando mesmo à criação de um sistema de planificação económica; e) A subo rdinação tota l das forças armadas ao poder político. [...] com base neste conjunto de caraterísticas, costumam ser incluídos na categoria dos regimes t otalitários o nazismo e os regimes comunistas soviético (em especial, o estalinismo) e chinês (particularmente, o maoísmo). A esses podem ser acrescentados os regimes comunist as do Viet name do Norte (especialmente nos 20 anos que durou a guerra cont ra a França, primeiro, e os Estados Unidos, depois, pela libert ação e pela conquista e reunificação com o Vietname do Sul) e da Coreia do Norte, assim como todos os outro s regimes comunistas da Europa Central e de Leste, pelo menos até f inal dos anos 60, com exceção da Polónia e, em certa medida, da Hungria e da Roménia [...]" Pasqulno , Granfr anco , 2005 , Curso de CIência Político, C i:lSCaIS, Pnncrpra . pp. 292·293 .

Quanto aos regimes pós-t ot alit ários, importa refer ir que são regimes que resultam do processo de dissolução de regimes tota lit ários, sendo catego rizados em três perfis : • pós-totalita rismo inicial, em que o proc esso de mudança está a começar, co mo é a situa ção da Coreia do Norte, em que o regime permanece totalit ário, mas j á sem o carisma do f undador; • pós -tot alitarismo congelado - aceita m algumas iniciativ as da sociedade civil, mas mantêm os mecanismos de cont rolo anteriormente existente s; • pós-tota litarismo maduro - só o papel do partido como componente cent ral do regime não est á ainda em discussão. É o caso da China. Quadro das características dos regimes pós-totalitários

Esvaziada --~

Com elementos tecnocráticos

Esporá dica, ritualista

Abandonad a

Acabada

Burocrát ica/colegial

Burocrática/colegial

Partidária

Pasqutno, Gianf ranco, 20 05 , Curso de Ciência Política . Cascais. Principia. p. 29B.

Uma das ca racteríst icas dos regim es tota litá rios é a co nvicção de que Estado e soc ieda de se identificam, assu mindo o Estado as fu nções que, à luz de um princípio já descrito ante riormente (o da subs id iariedade), deve riam caber à soc iedade. Segundo Joaquín Abellán, a dist inçã o ent re soc iedade e Estado encontra uma das primeiras sist emat izações no pensamento de Hegel, ainda que poss a encon t rar a sua raiz na já enunciada dist inção crist ã cunhada na lapidar afir mação de que se deve "dar a César o que é de César e a Deus o que é de Deus".

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Religiao


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7.2.2. Distinção entre Estado e âmbito privado Esta é uma distinção a preservar, na med ida em que de la advém a salvaguarda de que o ãrnbito privado é cla ramente dist into do que compet e ao Est ado, devendo este respeitá -lo, na sua autonomia.

"Os que pertencem a uma comun idade pol ítica, mesmo sendo organicamente unidos entre si, cons ervam, não obstante, uma insuprimível autonomia no âmbito da existência pessoal e dos fins a perseguir." Conselho Pcnnffcrc "J usttc a e Paz". 2005. CompêndIO da Doutnno Social da IgreJo. Cascais.Principia. 385.

Podemos invocar como exemplo dest a ten taçã o de se ap ossar do árnbito privado por parte dos Estados auto ritários a campanha do filho único, promovida no contexto do regime chinês e que privou, durante década s, as fam ílias de decidirem sobre o número d e filhos qu e pretend iam te r.

. o texto con clui com a refe rência à politica do f ilho único. concret izada pelo regime chinês, ao longo de anos, prevendo que as famílias não tivessem

mais do que um filho. Como analisar esta decisão polít ica? ~ uma decisão legítim a?

• Sendo caracte rística dos regimes tot alitários a perda da distinção entre o êrnbltc público e o privado, a que sinais devem esta r atentos os cidadãos para que se evite a tentação dos totalitarismos? Na conceção totalita rista, o que é anter ior: o Esta do ou a sociedade? Que perigos encerra essa resposta?

Síntese A construção da comun idad e po lítica é tarefa de todos e de cada um . Esta tarefa pode concret izar-se através da part ici pação em ass o ciações ou inst ância s int ern ac ionais. A salvaguarda do ãrnbit o p riva do é antídoto con tra os totalitarismos. Os reg imes não democráticos, j á designados como ar istocráticos, monistas ou autoritários , são, aqu i, descrit os com ma is detalhe, po den do configu rar-se com o t al (auto ritários), to t alitários, pós -tota lit ár ios ou su ltênicos . Co ntra t oda a t ent ação totalit ária, import a assegu rar a dist inção entre o Est ad o e a sociedade , entre o ãm bito pú blico e o âmb it o pr ivado.

Educacao I tora! e religiosa carcuce

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8. A democracia é um fim ou um meio?

liberdaae

"Esta é a madrugada que eu esperava O dia inicial inteiro e limpo Onde emergimos da noit e e do silêncio E livres habitamos a substância do tem po" Andresen, Scpt na de Mellc Breyner, 2006 . in O Nome dos Coisas. Lisboa, Editorial Caminh e

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8.1. A natureza da democracia Qual a nat ureza da democracia? É um f im em si mesma ou um me io? Sendo o sistema em q ue vencem as maioria s, será a democracia um método abso luto , apli cável a to das as maté rias , ou deve te r pressu postos qu e não coloca em causa? Não seria paradoxal decidir, dem ocratica mente, im por uma ditadu ra? Que lim ite se presume neste parad oxo? Tudo pode ser democratizável? O que põe em risco o funcionamento e a sobrevivência da dem ocra cia? Que im port ência tem a informação para a preservação da democracia? Como convive a democracia co m a corrupção? Que papel podem t er os cidad ãos no seu co mbate?

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Política. Ética e RE- ligião


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Democracia def ine-se , de acor do com a et imologia, como a detenção do poder pelo povo, entend ida como a poss ibilidade de esco lha com base na decisão das maiorias. Na sua def inição de democracia, o Conselho Pontifício "J ustiça e Paz" afirma que:

"Uma autêntica democracia não é somente o resultado de um respeito formal de regras, mas é o fruto da convicta aceitação dos valores que inspiram os procedimentos democráticos: a dignidade da pessoa humana, o respeito dos direitos do homem, do facto de assum ir o 'bem comum' como fim e critério regulador da vida política. Se não há um consenso geral sobre tais valores, perde-se o significado da democracia e compromete-se a sua estabil idade." Co nselho Pontif ício "Justiça e Paz", 2005, Compêndio do Doutrina Social do Igreja. Cas cais. Pnncrpra. 407 .

Esta fo rmulação cons idera a democracia como um meio para at ingir algo de valioso mas não como um f im em si mesma, fazendo eco do que af irma João Paulo II:

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"Fundamentalmente, a democracia é um ordenamento e, como tal , um instrumento e não um fim. O seu caráter 'moral' não é automático, mas depende da conformidade com a lei moral, à qual se deve submeter como qualquer outro comportamento humano: por outras palavras, depende da moralidade dos f ins que persegue e dos meios que usa," JoM Paulo 11. 1995, Evange/lum vrtce. 70,

-- - - - - - - - - - - - - - - - ----- - - - - - - - - - - - l Poderá compree nder-se o alcance desta afi rmação se nos int errogarmos sob re se é legítimo submeter-se tudo à decisão das maiorias ou se haverá maté rias cuja formulação ou decisão está acima da te ndência de uma dada interpr et ação. ~ por motivo desta con dição de inst rument o do exercício do poder sobre matér ias discut íveis que o Papa João Paulo II afirma que:

"A Igreja encara com simpatia o sistema da democracia, enquanto assegura a participação dos cidadãos nas opções políticas e garante aos governados a poss ibil idade, quer de escolher e controlar os próprios governantes, quer de os substituir pacificamente, quando tal se torne oportuno; ela não pode, portanto, favorecer a formação de grupos restritos de dirigentes, que usurpam o poder do Estado a favor dos seus int eresses particulares ou dos objetivos ideo lógicos . Uma autênti ca democracia só é possível num Estado de direito e sobre a base de uma reta conceção da pessoa humana. Aquela exige que se verifiquem as condições necessárias à promoção, quer dos indivíduos através da educação e da formação nos verdade iros ideais, quer da 'subjetividade' da sociedade, mediante a criação de estruturas de participação e corresponsabílidade." Joã o Paulo II, 1991 , Cen testmu s Annu s, 46

8.1.1. A participação dos cidadãos na política Esta cons ide ração e reconhecimento do caráte r inst rumental da democracia confere part icular obrigação de participação aos cidadãos, não pelo seu valor estatístico, po r ser relevante diminuir as taxas de abst enção em momen tos de escrutínio, mas princ ipalmen te, porque t al é, simulta neame nte, um dire ito e um dever, como foi analisado no contexto da ref lexão sob re a part icipação. Desta condição de dever faz eco a afirmação do Papa Francisco:

Educaceo Moral e Religiosa Ca tól ica

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"Em cada nação, os habitantes desenvolvem a dimensão soc ial da sua vida, configurando-se como cidadãos respo nsáveis dentro de um povo e não como massa arrasta da pelas forças dom inantes . Lembremo -nos de que «ser cidadão fi el é uma virtude, e a part icipação na vida polít ica é uma obrigação moral»." Papa Francisco. 2013. EvangemGaudi um, 220.

Tal dever e obrigação mo ra l de participa r exige. também, o compromisso com a educação e a fo rmação no âmbito cívico e político:

"Deve atender-se cuidadosamente à educação cívica e polít ica, hoje tão necessária à pop ulação e sob retudo aos j ovens, para que todos os cidadãos possam participar na vida da comunidade política. Os que são ou podem to rnar-se aptos para exercer a difícil e muito nobre arte da política, preparem-se para ela; e procur em exercê-Ia sem pensar no inte resse pr óprio ou em vant agens materiais. Procedam com inteireza e prudência cont ra a inj ust iça e a opressã o, co nt ra o arbit rário domínio de uma pess oa ou de um part ido, e contra a int olerência. E dediquem- se com since ridade e equidade, mais ainda, com caridade e fortaleza política, ao bem de todos ." Vaticano 11,1965. Gaudium et Spes, 75.

8.1.2. Os partidos e os referendos Este dever de participação. de ordem pessoal, adquire carát er de obr igação coletiva, na med ida em que a part icipação na democracia deve socorrer-se de inst rumentos adequados à estrutu raç ão dessa mesma participaç ão. Ent re esses inst rumentos de participaç ão, adquirem particu lar releváncia os referendos e os partidos políticos, sendo os primeiros uma mani festação da democracia direta, enquanto os segundos são expressão da democracia representativa.

"Os part idos polít icos têm a fu nção de favorecer uma parti cipação difusa e o acesso de todos às responsa bilidades públicas. Os partidos são chamados a interpretar as aspirações da soc iedade civ il orienta ndo-as para o bem comum, ofe recendo aos cidadãos a possibilidade efetiva de concorrer para a formaçã o das opções políticas. Os partidos devem ser democráti cos no seu interior, capazes de síntese polít ica e de formulação de projetes." ConselhoPontifício "Justiça e Paz", 2005. Compêndio da Doutrina Social do Igreja, Cascais, Principia. 413.

"Um outro inst rumento de partic ipação política é o referendo, em que se realiza uma forma direta de acesso às esc olhas políti cas. O instituto da represent ação, de facto, não exclui que os cidadãos possa m ser interp elados diretamente para as escolhas de maior relevo da vida socia l." Conselho Pontifício -Justiça e Pa z", 2005. Compêndio da Doutrina Social da Igreja , Cascais. Principia. 413.

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Politica , Erica e Religi30


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A participação dos cidadãos nest as dinãmicas da sociedad e democrática é con dição para assegurar que se evitem os riscos da degradação da democracia, que abri ria a porta à instalação de um regime auto ritário.

8.2. A degradação da democracia 8.2.1. A corrupção "A corru pção é um problema mundial, com um a todas as sociedades, regimes e culturas, e detetável em diferentes período s da Histó ria da Humanidade. Somos diariamente bom bardeados com mais e novos casos de corrupção envolvendo uma série de atares (desde ministros, empresários e detentores de altos cargos públicos a empresas, partidos e fundações), de recursos (desde avultadas somas em contas bancárias offshores a malas de dinhe iro, prendas e ofertas, incluindo de sexo) e de trocas (desde compras de decisões a tráficos de inf luência de toda a ordem). A corrupção não tem f ronte iras. Não se trata de um fenómeno circu nscrito a um tipo de cultura ou grau de desenvolvimento. uma realidade transcu ltura l. Prova disso são as inúmeras expressões idiomát icas que definem este t ipo de conduta: a prática de suborno é comummente des ignada por 'luvas' (Portugal), 'propina' (Brasil), 'gasosa' (Angola), 'refresco' (Moçambique), 'kickback' (Reino Unidos), 't angent e/ bust arella' (Itália), 'bakchich/pot-de -vin /dessou-de-table' (França). Quanto mais enraiza da a prática estiver na cultu ra de um país, mais fértil t ende a ser a sua definição social." É

So usa, Luís, 201 1, Corrupção, Lisboa, Fundação Francisco Manu el dos Sant os, p. 11.

o texto coloca-nos inter rogações relevantes: • Consideramos a corrupção um fenómeno grave? • Se respondermos afirmativamente. bastará a constatação da sua universalidade e transversalidade histórica e a essa constatação associar-se-lhe umcomovido 'encolher de ombros'?

Mas, o que é a corrupção?

• Poderemos aspirar a combatê - Ia e eliminá-Ia de

modo significativo?

"o abuso de funções por parte de eleitos, funcionários públicos ou agentes privados, mediante promessa ou aceitação de vantagem patrimon ial ou não patrimonial indevida, para si ou para terceiros, para prática de qualquer ato ou omissão contrários aos deveres, princípios e expec tativas que regem o exercício do cargo que ocupam, com o objetivo de transferir rendimentos e bens de natu reza decisória, pública ou privada, para um determinado indivíduo ou grupos de ind ivíduos ligados por quaisquer laços de int eresse comum." Sousa, Luís, 2011,Corrupção, Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos, p. 17.

Papa Franc isco :

"A corrupção não é um ato , mas um estado, estado pessoal e soc ial, no qual nos habit uamos a viver. Os valores (ou desvalores) da corrupção são integrados numa verdadeira cultura, com capacidade doutrinal, linguagem própria, pec uliar modo de proceder. É uma cult ura de diminu ição porque convence prosélitos para os rebaixar ao nível da cump licidade admiti da." Papa Francisco, Corrupçlio e Pecoa o, 20 14, Lisboa, Gradiva, o.as.

Ed.Jcação r 'oral e Religiosa Católica

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Perfis da corrupção - quanto à complexidade

A esta defin ição, o autor acrescenta a veri ficação de que a corrupção pod e configurar-se em três perfi s, de acordo com o grau de complexi dade: • a corrupção simples - "o pacto co rrupto é um quid pro quo, um 't oma lá, dá cá' ilícit o ent re pe lo menos doi s atares (ativo, o que ofe rece/paga, e passivo, o que solicit a/ rece be) que, num dete rminado co ntexto opaco , tr ocam dinh eiro ou outro t ipo de vanta gens por decis ões! / benefícios/ serviços, lesando , direta ou indiretamente , o interesse público." (Sousa, p. 32.) • a corrupção mediada - "envolve diferentes fases de abordagem (reconhecimento, aproximação, solicitação), vários intervenientes secundários (facilitadores e terceiros cuja finalidade é exclusivamente a de branquear/camuf lar o pact o) e um leque de incentivos diretos ou indiretos (desde a oferta de emprego, oferta de presentes e hospitalidade de todo o ti po, pagamento de despesas de campanha, ã vulgar 'luva'). A corrupção é, regra geral, uma t roca mediada." (Sousa, p. 33.) • a corrupção complexa e crime organizado - "a t roca de corrupção pode, em alguns casos, estar associada a formas de criminalidade complexa. Os negócios ilegais procuram operar com segurança e reinvestir o capit al proveniente de at ividades criminosas em atividades legítimas. l..'] A corr upção comp lexa envolve um conjunto diversificad o de t rocas a vár ios níveis. A associação do corrupto at ivo ao crime organizado int roduz uma troca intimidat6ria que não está necessariamente presente noutros casos de corru pção complexa." (Sousa, pp. 33-34.)

8.2.2. A corrupção - frequência e extensão A esta distinção, motivada pelo grau de com plexidade, o autor acrescenta uma outra t ipologia que a organiza, no que respeita ã f requência e exten são, em quatro perfi s: • corrupção esporádica ou fragmentada - "de baixa f requ ência e baixos recu rsos . [...) Trat a-se de uma cor rup ção direta , imediata, não premed itada, e não prolon gada no tempo." • corrupção estr utural ou cultu ral - "de elevada f requênc ia e de baixos recursos. Esta cor rupção 'mais portu guesa', quer pela sua extensão a to das as classes sociais, quer pela sua incidência em todos os níveis de govern ação. Os por tugueses constroem, ao longo da sua vida, o capita l social que lhes permitirá enfre ntar as adversidades resultantes do modo como o pode r polít ico e o poder administrat ivo estão organizados . A arte do 'desenrasc anço' pressupõe não só um espírito de sob revivência individual numa sociedade carente de conf ianç a soc ial e insti t ucional, como tamb ém redes de apoio fam iliares, de amizade ou par t idárias f ulcrais para o capita l social de um indivíduo. lO através dest as redes info rmais de conv ívio qu e os cidadãos dese nvolvem os contactos neces sários para 'puxar os co rdelinhos a seu favor ou a favor de um parent e ou de um amigo." (Sousa, pp. 40- 41.) • corrupção sistemá t ica ou política, "de alta frequência e de elevados recu rsos. [...] Este ti po de corrupção aparece int rinsecamente ligada ao financiame nto polít ico de partidos e candidatos. [...] Est a é a fo rma de cor rupção que mais danos causa aos sistemas de legit imidade da democracia: limita o acess o ao centro de decisão a um número redu zido de clientelas: torna os processos de decisão opacos, prejudicando a tr anspa rência, a imparcialidade e a presta ção de contas nos processos de to madas de decis ão; e, por fi m, reduz a ef icácia govern amental, aumentand o a despe sa púb lica, enfraquecendo a relação qualidade/preço, e colo cando o Governo refém d e interesses privados ou l óbis." (Sousa, pp. 41 - 42.) • Corrupção metassistemática "ou de 'colarinho branco', envolvendo quant ias avultadas, mecanismo de troca sofist icados e tendencialmente t ransnacionais e uma permeabilidade entre polít ica e mercado. [...) É, fu ndament almente , uma modalidade de corrupção praticada por mediadores e operadores fin anceiros, advogados e consulto res, gestores de empresas e empresários, políticos e altos fu ncionários nacionais e internacionais. A protec ão ou patrocinato político aju dam a branquea r muitas destas operações , sendo certo que nem todas as unidades de investigação estão preparadas para combater este t ipo de criminalidade." (Sousa, p. 42.) Int errogações para reflexão: • A corrupção é um prob lema que suscita preocupação na comunidade ond e vives e estuda s? Este fenómeno é reconhecido como grave ou acolhido como prática aceitável? • Que meios dever iam utilizar- se pa ra o seu combate? • Existe o reconhecime nto de que a corrupção é um comportamento desonros o? Que percecão te ns da relaç ão ent re a juventude e este fe nómeno? A tua geração virá a ser cor rupta OU revolta- se contra esta prát ica?

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Politica. E:t ica e Peligiao


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Diante destes t raço s definidore s do fenómeno, import a, sub linhar que a sua relevânc ia advém, quer da sua natu reza, quer das su as consequências. No que respeit a à sua natu reza, trat a- se de um comportamento ou mesmo atitude fundamental que se carateriza pelo desrespeito pelo valor da verdade e pelo princípio do bem comum, ass im como do da so lidariedade. Nele, expressa-se um individualismo que obscurece o dever de res peito para com o que é de todos. Quanto às cons equências, é t anto mais relevante analisá-lo quant o a observação da realidade nos permite concluir que é um fen óm eno que mi na a poss ibilida de de desenvolvimento dos países. São dive rsos os autores que ref lete m sob re a relação entre a corrupçã o e a dificuldade dos países em desenvo lverem -se. Daron Acemogl u e James A. Robins on, no seu acuti lante ensaio com o tít ulo Porque folham as nações, inclu em- na entre as cara cteríst icas das designadas inst it uições ext rat ivas, isto é, parasitá rias, que impe dem que prolifere em seu redor o sucesso e o desen volvimen to. No mesmo sent ido, Tim Harford , em O eco nomista disfarçado, conclui que a corru pção é a resp ost a para a pergunta sobre "porque é qu e os países pobres são po bres", recorda ndo, que , nos Cama rões , segundo o autor, se vislumbram sin ais evidentes do que designa como "ba ndit ismo de Est ado",

"onde a corrupção não só é injust a como também é um grande desperdício. Os gendarmes passam o tempo a import unar os viajantes em troca de proventos bastante modestos. Os custos são enormes. Toda uma força policial está demasiado ocupada a extorqu ir subornos em vez de apanhar criminosos. Uma viagem de quatro horas demora cinco. Os viajantes terão de tomar medidas dispendiosas para se protegerem: andar com menos dinheiro, viajar com menor frequência ou em alturas mais movimentadas do dia, trazer consigo mais documentação para aj udar a aparar tentativas de extorsão de subornos." Harford, Tim, 2006, O eccncmrstc

aetorcooo, Lisboa, Presença, p. 206 .

-- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - l Por seu t urno, Steven Levitt e Stephen Dubner, em Freakonomics, o estranho mundo do economio, recor dam como o fenómeno mais amplo da corrupção começa por ser um fenómeno de mentira que encontra suporte em comportamentos dos cidadãos. A me nt ira estrutu rada na corrupção é suportada porque t ambém os cidad ãos se dedicam , mu itas vezes, a práticas imo rais que os imunizam e tornam indiferentes per ant e a mentira estruturada. Estes auto res con tam , no seu ensaio, que :

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"em 1987, num dia de primavera, à meia-noite, sete milhões de crianças americanas desapareceram de repente. A pior onda de raptos da história? Não. Foi na noite de 15 de abril, e os serviços de finanças acabavam de mudar uma norma. Em vez de muito simplesmente declarar o número de fi lhos dependentes, passou a ser exigido aos contribuintes que dessem o número de Segurança Social de cada filho . Dum momento para o outro, sete milhões de crianças - crianças que só ti nham existido como deduções fantasmas nos ant igos impressos de declaração de rendimentos - desapareceram, representa ndo dez por cento de todas as crianças dependentes nos Estados Unidos." Levit t. Steven e Dub ner, Stephen, 200 6, Freakonomics, o estranho mundo da economia , Lisboa, Presença. p. 41.

Est a des crição permite -nos situar, de forma clara, o fenóme no no árnbito de um prablema mo ral, cujas consequências são notór ias, em termos coletivo s, o que co nfe re atual idade, pertinência e oportunidade a esta discussão. Este reconheciment o encontra eco no que afi rmav a, em 2014, o presidente do Tribuna l de Contas , em entrevista na revist a Vís õo, que consta ta va que "a cunha, o pequeno favor, feitos por amizade, são o primeiro passo da corrupção" (htto://goo.gI/7hfbltl, ob serva ndo, ainda, que é sinal preocup ant e a fort e presença de economia paralela que, nesse ano, rondava os 26 por cen to,

Educacào r torar e R03 ligio;a Católica

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I Int errogações para reflexão

Que relec ãc se estabelece. neste texto, entre a grande corrupção e os comportamentos dos cidadãos? O que deverá realizar-se para sensibilizar todos e cada cidadão para o seu papel de sujeito ético?

Este comportamento dos cida dãos de procurarem "enganar o Estado " denunciauma visão em que o Estado é uma entidade estranha e distante. Como contribuirpara modificar tal visão? Como promover a consciência de que o que é do Estado é de todos e, por isso, deve ser cuidado com maior zelo e por todos?Comocontribuir,na tua própria escola, para o reforçoda visãode que o que pertence a todosdeve ser preservado comcuidado?

8.2.3. Que perceção existe do fenómeno? A socie dade reage, negativamente e de for ma sensível, perante o fenó meno em análise. Contudo. como recor da Luís de Sousa:

"o ideal que os portugueses tê m do 'bom cidadão' - passivo na partic ipação cívica, moderado no compromisso social e muito prát ico na valorização normativa - demite os indivíduos do controlo e part icipação social na vida pública, ao mesmo tempo que permite desmascarar um certo cinismo, relacionado com o que eles af irmam fazer e o que realmente praticam. O conceito de cidadania praticado no nosso país é ainda muito centrado na ética dos direitos individuais, e menos nas responsabilidades/deveres colet ivos." Sousa, Luís. 20", Corrupção, Lisboa. Fundação Francisco Manuel dos Santos. p. 104 .

Tais afirmações revelam-s e coinc identes com um diagnósti co incó modo colocado pelo Papa Francisco na sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium:

"Alguns comprazem -se simplesmente em culpar, dos próprios males, os pobres e os países pobres, com generalizações indevidas, e prete ndem enco nt rar a solução numa educação que os tranquilize e t ransforme em seres domesticados e inofensivos, Isto to rna-se ainda mais irrit ante quando os excluídos veem crescer este cancro social que é a corrupção prof undamente radicada em muitos países - nos seus governos, empresários e insti t uições - seja qual for a ideologia política dos governantes." Papa Francrsco . 2013. Evongelii Gaudium, 60.

8.2.4. Corrupção: como combatê-Ia? À co nstata ção da quase omnipresença sincrónica e diacrónica do fenómeno deve associ ar-se a decid ida esp erança de que. enquanto fenómeno de origem humana, ainda que semp re possível, ele pode ser comb at ido.

Contudo , com o refere o autor que temos seguido nest a abordagem:

"o combate à corrupção não pode estar assente em heróis ocasionais. São necessárias estruturas organizacionais cuja missão e objetivos perdurem no tempo e orientem esses esforços individuais para uma ação coletiva forte, credível e sustentá vel. O Estado não é, nem pode ser, o único modelo de resposta institucional à corrupção. Atendendo ao mau desempenho de algumas autoridades com competências em matéria de combate à corrupção. é saudável que existam alternativas da sociedade civil que escrutinem e pressionem esses organismos a cumprir os seus fins , A sociedade civil, através de organizações não govername nta is locais ou internacionais com implant ação local, como , por exemplo, a Transparency Internacional (TI), tem tido um papel

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preponderante no comba te à corrupção. A TI, organização não governamental sem f ins lucrati vos de luta contra a corrupção, conta hoje com mais de noventa representações pelo mundo inteiro. [Oo.] aos cidadãos e à sociedade civil organizada compete-lhes um papel de intervenção monitorização e punição eleitoral. A queixa e a vigilância da sociedade civil são fun damentais para desvendar o pacto oculto que é a corrupção. A soc iedade civil pode e deve estar na linha da fre nte, na consc iencialização dos atores para o problema da corrupçã o, na discussão de medidas e estratég ias de prevenção e de combate dest e fl agelo, na monitorização do desempenho das instituições." Sousa, Luís, 2011, Corrup ção , Lisboa , Fund ação Francis co Manuel dos Santo s, p. 105 .

"[os corruptos] têm medo da luz porque a sua alma adqu iriu características de minhoca: nas t revas e debaixo da Terra." Papa Francisco, Corrupçdo e Pecado, 2014, u ebce. Gradiva, p.19

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autor enunc ia proced imentos concretos que podem ser adot ados no comb ate a este fenómen o, a que poderia acrescenta r-se , na linha da análise desenvolvida ao longo dest e capítulo, a compreensão de que esta é uma tarefa moral, de tomada de consciência pessoal e coletiva de que a verdade deve ser um valor a preser var em nome da defesa do bem comum.

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In terrogações para reflexão

O que quer o Papa Francisco d izer com "medo da tua' ; "nas trevas" e "de baixo da te rra"?

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" Entre as deformações do sistema democrático, a corrupção po lítica é uma das mais graves porque trai, ao mesmo tempo, os princípios da moral e as normas da j ust iça social; compromete o correto f uncionament o do Estado, infl ui ndo negat ivament e na relação entre governantes e governados; int roduzindo uma crescente desconfiança em relação à política e aos seus representantes, com o consequente enfraquecimento das instituições. A corrupção po lítica distorce na raiz a função das instituições representativas, porque as usa como t erreno de barganha política entre so licitações clientelares e favores dos governantes. Deste modo, as opções políticas favorecem os objetivos restritos de quantos possuem os meios para influenciá-Ias e impedem a rea lização do bem comum de todos os cidadãos." Conse lho Pont if fcio "J usti ça e Paz", 2005. Compêndio do Doutrina Sociol da Igrej a, Cascais, Princ ipia, 411.

"O corru pto não se aperce be da sua corrupção. Acontece o mesmo com o mau hálito: quem tem mau hálito dif icilmente se apercebe. São os outros que se apercebem disso e que lho devem dizer. Daqui decorre também que dificilmente o corrupto sai do seu estado, por remorsos internos. Tem o bom espírito dessa área anestesiado". Papa Francisco, Corru pçdo e Pecado. 2014, Lisboa, ürac nva. p.29 .

Interrogações para refle xão

Que nexo pode ve ri fic ar-se ent re a existê nci a de corr upç ão e a imagem da polít ica? Será legit imo conc luir que t odo s os po lít ico s são cor r upt os? Que est rat égias sug eres para aume ntar a t ransparência na atividade po lítica, de mod o a dim inuir a at ivid ade co rruptora e a associaç ão linear ent re corrupção e polít ica?

Educacào I .~oral e Rel igio~a Cató lica

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8.3. Informação e democracia Para a análise sobre como se pode instru mentalizar a informação para dela se recolhe rem benefícios, vale a pena ler, com atenção, um exemplo considerado paradigmático de como a not ícia vai evoluindo ao sabor dos interesses.

"A história do j ornalismo retém , como exemplo caricatural de subserviência da imprensa ao poder, o barómetro dos t ítu los do jornal of icios o, Le Moniteur, quando Napoleão deixou o exílio para voltar a assumir f ugazmente o poder, em Paris: • No primeiro dia: O antropófago saiu do seu covil ; • No segundo dia: O ogre da Córsega acaba de desembarcar no Golfo-Juan; • No terceiro dia: O tig re chegou a Gap; • No quarto dia: O monstro dormiu em Grenobl e; • No quinto dia: O tiran o atravessou Lyon; • No sexto dia:O usurpador foi visto a 60 léguas da capital; • No sét imo dia: Bonaparte avança em ritmo acelerado, mas nunca entrará em Paris; • No oit avo dia: Napoleão chegará, ama nhã, às nossas muralhas; • No nono dia: O Impe rador chegou a Fonta inebl eau; • E, por fim, no décimo dia: Sua Majestade Imperial fez a sua entrada no Palácio das Tulherias, por entre os seus súbditos fiéis . Dir-se-á que tal episódio histórico remonta a uma época longínqua. Que a imprensa foi utilizada em lutas subversivas contra poderes opressivos. Que, de então para cá, muito progrediu a autonom ia da informação. Assim será, com efeito. Mas, antes de ser contra poder, em momentos de exceção, os media foram e são, em tempos de normalidade, inst rumento de poder, de vários poderes." Mes quita , Má rio. 2004, Perceções contempordnea s do poder dos Media in Communio XXI, pp. 61-71.

No mesmo sent ido de ident ificação de como pode manipular-se a co municação social no sent ido do que se pretende, Umberto Eco recor da, no seu livro A posso de caran guejo :

"0 que a te levisão de um regime mediáti co faz é recorrer ao artifício retórico da 'concessão'. [...] A televisão funciona desta maneira. Quando se discute uma lei, a televisão enunc ia-a e dá de imed iato a palavra à oposição, com to dos os seus argumentos . Depois volta a transmit ir o ponto de vista dos defensores do governo, que objeta m contra as objeções da oposiç ão. O result ado persuasivo é invariavelmente o mesmo : o último a falar tem sempre

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Politica . Etica e Re ligião


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razão. Sigam com atenção os t elejo rnais, e verão que a est ratégia é esta: a seguir à apresentação do projeto, nunca aparecem em primeiro lugar os apoiantes do governo e, em segundo, as objeções da opos ição. É sempre ao cont rário. Um regime mediático não tem necessidade de mandar prender os opositore s. Não os reduz ao silêncio através da censura, mas fazendo ouvir as suas razões em primeiro lugar." Eco , Umbe rt o, 2007, A passo de caranguejo, Lis boa , Dit ei, p. 154.

Interr oga ções para refl exão • Como é retratada a atitu de da comunicação so cial, no primeiro texto? Pode co nsiderar-se objet iva e verdadeira a notíci a que foi sendo suce ssivamente transmit ida? Que den únc ia se subentende quanto à relaçã o ent re o pode r e a comun icação soci al? • Segundo Umb ert o Eco . o que é um "regime m ediático"? Que estratégia é apresentad a para c en surar as op in iões do s qu e não coincidem com as

do referido tip o de regime? • Que desaf ios co loc am este s t extos qu ant o à at itude dos cidadãos em relaçã o à informação que lhes é transm itida? I

o texto apresentado retrata com o a comunicação social pouco escrupulosa tende a ret ratar a realidade de acordo com os inter esses e conveniências. Este ret rato é particularmente desaf iante se tivermos em conta a vert igem das imagens e a veloc idade da informação que caract eriza a sociedade cont emporânea , descrita no t recho seguinte, da autoria de Mario Vargas L1osa . Tais desafios int erpelam a que se cons idere com interesse o repto pert inente ident if icado por Gabriel Garcia Marquez, num discurso já célebre, proferido em 1996, perante a Assembleia da sociedade int eramericana de imprensa.

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"I...] os meios audiovisuais encont ram-se condenados a f icar pela superfície das coisas. [...] Esta parece-me uma realidade lamentável mas incontroversa: as imagens dos ecrãs divertem mais, entretêm melhor, mas são sempre parcas, muitas vezes insuf icientes e muitas vezes inaptas para dizer, no complexo âmbito da experiência individual e histórica, aquilo que se exige nos t ribunais às testemunhas: "a verdade e toda a verdade". E por isso a sua capacidade crítica é muito escassa ." Llc sa. Mar io v ergas. 2012, A civiíaação do espe tácu lo, Lis boa, Quet za! edi to res , p. 213.

"Talvez o maior infortúnio das faculdades de comunicação social seja que ensinam muitas coisas úte is para o ofício, mas muito pouco do próprio ofício. [...] toda a formação [dos jornalistas] deve esta r sustentada em t rês pilares mestres: a prioridade às atitudes e às vocaç ões , a certeza de que a investigaç ão não é uma especialidade do of ício, mas que todo o jo rnalismo deve ser de invest igação por definição, e a consc iência de que a ética não é uma cond ição ocasional, mas que deve acompanhar sempre o jornalismo como o zumbido acompanha o moscardo." Marqu ez, Gabr iel Garc fa, out ubro de 1996, Discurso pe ra nte a 52 a Assemble ia da Soc ieda de Inte ramericana de Imprensa. Los Ang eles (USA).

Interrogações para reflexã o a De acordo com o texto de Mario Vargas Llose. a que se deve a diminuição da capacidade crítica? Que riscos result am desta consta tação para a

de mocracia?

• Que função deve ter a ética. segundo o discurso de Gabriel Garcia Marquez, no jornalismo? Pode considerar-se que est a afirmação deste autor c olomb iano se verif ica na realida de contem porânea? Que situ aç ões contradizem este nexo?

• O que se deverá f azer para promover uma atitude de leitura crít ica dos me ios de com unlca c êo soci al?

Educação Horal e Religiosa Católica

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Neste contexto vulnerável a fáceis tentações de cedência a interesses menos claros e a f inalidades pouco tr ansparente s, é f undamental a defi nição de critérios éti co para se assegurar que a informação é um cont ributo para a conso lidação da democracia e não para a sua manipulação. A f im de def inir cr it érios para a relação entr e a inform ação e a democracia, o Conselho Ponti fício "Just iça e Paz" sublinha que:

"a Informação está entre os principa is instrumentos de participação democrática. Não é pen sáve l participação alguma sem o co nhec imento dos pro blemas da co mun idade política , dos dados de f acto e das várias propostas de so lução dos problemas." Conselho Pont ifício "Ju sti ça e Paz", 2005. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, Casca is. Principia, 414.

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Após esta af irmação de princípio, consi dera que:

"os meios de comunicação soc ial devem ser util izados para edif icar e apoiar a comun idade humana, nos vários seto res, económ ico, político, cultu ral, educativo, religioso. A informação dos meios de co municação social está ao serviço do bem comu m. A soc iedade tem direito a uma informação fundada sobre a verd ade, a liberdade, a justiça e a solidariedade [...] No mundo dos meios de comunicaçã o social as dificuldades int rínsecas da comunicação não raro são agigantadas pela ideologia, pelo desejo de lucro e de controlo político, por rivalidades e conflitos entre grupos, e por outros males sociais." Conselho Pcntlffcic "Justiç a e Paz", 200 5, Compê ndi o do Doutrino Socro! do Igreja , Cascais, Principia. 415. 416.

Interrogações para reflexão • O que signif icará afirma r que a comunicação social está ao ser viço do bem comu m? • Que fa t ores são identifi cados como resp onsáveis pela dif icu ldade em assegurar que a comunicação soc ial está ao serv iço do bem co mum? • Identif ica situaçõ es em que pa recem prevalece r os int eresses parti culares sobre o bem comum no uso dos meio s de comu nicaçã o socia l. • Deverão os meios de co municação so cial ser moralmente neut ros, ofe rec endo aos p úblicos sem pre o que assegura maior es audiências? Como art ic ular a dimensão ética, já acima enunc iada, co m a expectativa do lucro das empr esas de comunicação soc ial? Que regras poderiam assegurar esta co ncil iação?

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Pc lític a, Étic a e Religiao

Por f im, recup erando a centralidade da pessoa como critério ét ico, sublinha que:

"em todas as t rês áreas - da mensagem, do processo, das questões estruturais - é sempre válido um princípio moral fu ndamental: a pessoa e a comunidade humana são o f im e a medida do uso dos meios de comu nicação social . Um segundo princípio é complementar ao primeiro: o bem das pessoas não pode realizar-se independentemente do bem comum das comun idades a que pertencem." Conselho Pont ifício "Justiça e Paz", 200 5, Compêndio da Doutrina Social do fgrej a, Cascais, Principia, 416.


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8.4. Os perigos de degradação da democracia A reflexão feit a até este momento permit e-nos co nstat ar que a democracia é um regime que dever á ente nder-se como um instrumento de que os povos dispõem para seu governo e sust ent ação da segurança e estab ilidade . Conscient es desta cond ição inst rument al, deveremos ass umi r que, por este motivo, tamb ém o regime demo cr áti co pode enfe rmar de riscos e limites para os quais impo rta estar aten to . Ante riormente, enunc iaram-se do is, a saber, os que dizem respeito à corrupção e à manipu lação da informação. Contudo, outros poderão ser referidos e analisa dos, merecendo um tr abalho de de bate que poder á dese nvolver-se, no con texto desta disciplina . [Para cada um dos exemplos de per igos de degradação da democracia, sugere-se o deb ate e a identificação de notícias ou eventos que denunciem a sua manifestação.] Já Winston Churchill, O primeiro-m inist ro británi co q ue conduziu os Aliados à vitó ria, na II Guerra Mundial, recordava, num discurso proferido na Cá mara dos Comuns, em 11 de novembro de 1947, que "a democracia é a pior forma de governo , salvo todas as demais form as que têm sido experimentadas de t empos a tempos". Com este tom irón ico, este eminen te político repercutia a perceção de que importa manter o olhar crítico perante a atuação política, mesmo quando ela se dese nvolve sob a capa da democracia, pois não bastará est arem asseguradas as cond ições formais do exercício democrát ico para que esteja garanti do o obj et ivo que pretende co m este regime: criar as co ndições para melho r convivência humana em socie dade. Impo rt a, por isso, observar alguns dos perigos com que se depa ra o exercício do poder, em con text o democráti co.

8.4.1. Manipulação da opinião pública Numa época em que o recurso a meios de comunicação social multitud inários já é matéria de facto e evidência, exige-se dos cidadãos um olhar particularmente atento às opções noticiosas, à con cen tr ação das fontes de infor mação em poucas mãos , pois o pod er inform at ivo é, por muitos, considerado um "quarto poder ", diante dos j á analisados poderes legislat ivo, execu t ivo e ju dic ial. Sendo assim, impo rt a ter consciência de que uma das prime iras vít imas do desejo cego do pod er é a liberdade de info rmação que, em co ntexto demo crát ico, pode não se operar at ravés da censura explícita, mas atravé s de outros mecanismos de "censura velada", seja pela difusão de info rm ação relevante ocultando-a sob um a multi plicidade de out ras informações, sej a dando-lh e meno r desta que do que o que mereceria, em det rimento de outras infor mações menores a que se confere maior relev áncíe. Muitos são os autor es que vêm, nos últimos anos , a falar dest a manipu lação , de que poderão destacar-se Mario Vargas L1osa, no seu livro A civil ização do espetócu/o ou Umberto Eco, em A posso de caranguejo e Construindo o Inimigo. Exercem o mesmo poder de manipulação da opinião pública a fuga seletiva de infor mações ou, ainda, a orquestração de sondagens cujos resu ltados são difundidos de modo oport unista . Para a limitação de t odos estes mecanismos de manipulação exige-se a cr iação de ent idades que perm itam cont rolar e verificar a sua existência, como acon t ece, em Portu gal, com o caso da Entidade Regulado ra da Comunicação Socia l, mas também, e principalment e, a aposta na forma ção das consciências dos cid adãos , capazes de ler e interpretar os interesses em jogo quando se comunica .

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8.4.2. Populismo

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fen ómeno do popu lismo vem encont rando t erreno part icularmente férti l em países cuja t rad ição democrática ainda se encontra po uco con solidada, como acont ece em alguns paíse s de Leste, res ultantes da queda do regime coletivista a que estavam vincul ados , ou da América Latina. Por popu lismo poderá definir-se a tentativa de fazer aceitar decisões qu e favorecem o auto ritarismo, justif icando-as com opi niõ es cujo sus te nto se enco nt ra, apen as, no senso co mum , sen do, por iss o, pouco refl et idas e base ad as em pe rcecõ es generalizantes e preconc eituosas. Assim acontece com o preco nce ito para com os emig rantes, os membros de det erm inada s minorias ou outros quaisquer alvo s sobre os qu ais se pr etende fazer reca ir uma determinada decisão. O populismo base ia-se na presunção de que o que o povo diz é verda de segura, ca bendo da r-lhe seguimento. Se o povo pensa que os emig rantes são os responsáveis pela crise, então, a so lução deverá ser enc ontrada em consequência com essa constatação. O popu lismo é, co mo pode concluir-se, uma via que rap idam ente t ransf or ma a democ racia numa mera dema gogia, tornando o povo, que deveria ter um olh ar crítico so bre a atuaçã o polít ica, uma mera caixa- de- ressonân cia da atuacão dos que lider am, ret irando-lhe a sua fo rça cr ít ica.

"[...] apelar ao povo implica construir uma ficção: como o povo enquanto ta l não existe, o populista é aquele que constrói uma imagem virtual da vontade popu lar. Mussolini fazia-o reunindo na Praça Venezia cem ou duzentas mil pessoas que o aclamavam e que, como se fossem atores, desempenhavam o papel de povo. Outros criam a imagem do consenso pop ular manipulando as sondagens, ou simp lesmente evocando o fantasma de um " povo». Agindo deste modo, o populista identifi ca os seus próprios projetos com a vontade do povo e depois, se conseguir (e muitas vezes conseg ue), transforma uma boa parte dos cidadãos naquele povo que invent ou, cidadãos fasc inados por uma imagem virtual com a qual acaba m por se identificar." Eco, Umberto , 20 07, A posso de cc ronguej c , Alg és. Dtfel. p. 140 .

8.4.3. Redução da democracia à sua dimensão formal Não será inédito que alguém co mpre um bem, imaginemos, um belo bolo, mas que, ao tentar co nsum i-lo, deu- se conta de que o que comprou foi, como vulgarmente se diz, "gato por lebre", isto é, comprou, convencido de que o que parecia correspondia ao que era. Assim se passa, também, com a democracia. Muita s vezes, o seu exercício acontece, dando-se a ideia de que tudo está a funcio nar bem, pois, até há eleições, consulta da vontade do povo ou comunicação frequ ente dos que lideram. Contudo, a aparência, com o no caso da compra daquele belo bolo, não passa de uma ilusão. Tecnicamente, pode dizer-se que a democracia fu nciona, em termos formais, pois são cumpridas as t ramitações previstas nas leis (feitas , muitas vezes, à medida dos que lideram), mas se se analisar se essas tr amitações são honestas e visam, efetivamente, assegurar a representação da vontade dos cidadão s, verifica-se que não. Este fenómeno ocorre, muitas vezes, em contexto de ditaduras, em que se criam cenár ios que geram a convicção de que a vontade popu lar está a ser consult ada, mas sem que os mecanismos criados o perm itam , mas tamb ém ocorrem em contexto de democracia. O mecanismo de participação é criado, mas não se tem efetiva intenção de cons ultar, pois, ou já se prevê o resultado por tal ter sido manipulado, ou, então, nem sequer são asseguradas condições para que os que pensam diferente possam ver representada a sua vontade. Deste modo, a democracia, que deveria ser um regime capaz de assegurar o respeito pela dignidade de to dos, acaba por se reduzir à vont ade de alguns, sejam eles maioria real ou maioria suposta .

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Paul Ricoeur, com a acutiláncia que lhe é recon hecida , enquanto um dos maiores pensado res ocidentais do sécu lo XX, record a que "«a democ racia ocid ent al já não fu nciona porque a conquista da regra da maioria contr a o que for a outrora a minoria, isto é, os aristocratas, volta-se agora contra uma out ra minoria que é a dos pobres. Há uma classe média suficiente ment e numerosa e suficientemente sat isfeit a para que os pobres sejam sempre minoritá rios. Consequentemen te, a democ racia já funciona como libert adora» Porta nto, os pob res estão condena dos a etern izarem-se na sua situação de pobreza e marginalização, porque estão em mino ria: • numéric a, po is são em meno r número do que a classe média; • intelectual, pois dificilmente terão voz, argumentos e sobretudo meios para chegar à opinião pública." Silva, José Dias da, 200 2, Viver o evangelho, servindo o pessoa e o sociedade: mtcrccõc à doutrina social da Igreja, Coimbra, Gráfica de Coimbra, p. 25 4.

·- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - l 8.4.4. Tentação da democracia popular A designação de democracia popular surge no contexto do pós II Guerra Mundial e foi adotada para refe rir o regime exist ente nos países que "aceit aram" a t ute la da União Soviétic a, de matri z marxista-Ieninist a. Ain da hoje, esta é uma designação que surge asso ciada a muitos países que a conservam, na própria denominação of icial do país. Neste contexto, a designação, pretendendo afirmar que o regime era democrático, não passava, contudo, de um eufemismo, dado que, entre as suas carat erísti cas def inidoras, se enco ntrava a defesa do partido único. De algum modo , tra tava-se de uma designação que af irmava uma dem ocracia que só o era, eventualmente, no plano formal. Hoj e, a democracia popular é uma manifest ação do pop ulism o, sustenta ndo a redução do exercício democrático à participação direta, enten dendo-a co mo o melhor meio de respeitar a vontad e do povo, e diminuindo o papel da democracia representat iva. É por este motivo que a democracia popular se encontra assoc iada à política do parti do único. A democracia popula r, como, aliás, já se analisara no caso do populismo, enfe rma do risco muito realista da manipulação da vontade popular, at ravés do silenciamento das opo sições e de estra tégias de encenação de sondagens e resultados.

8.4.5. Mecanismos de perpetuação no poder Numa carta esc rit a ao Bispo Mandell Creighton , John Emerich Edward Dalberg-Acton , 10 barão Act on (1834-1902), afirmava que

"«O poder tende a corromper, e o poder absoluto cor rompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre home ns rnaus.» Há muito pessimismo nesta afirmação, contudo, importa reter que, pela sedução que o poder exerce sobre quem o detém , a criação de mecanismos de cont rolo do poder é f undamental, cabendo aos cidadãos um papel atento e ativo para a criaç ão destes inst rumentos capazes de limit ar o excesso de conc entração do poder, seja sincronicamen te (num determinado momento), seja diacron icamente (ao longo do tempo). A história foi rica na formu lação de estratégias de controlo do poder, pod endo-se resumir em seis, segundo Alois Riklin, politólogo suíço, os procedimentos fun damentais para evitar o abuso de poder: a promu lgação de constituições e leis; o recurso à divisão e separação de pode res; a defin ição de direitos fundamentais invioláveis; a afirma ção do dever de proporcionalidade, que

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estabelece que o uso de meios deve ser aju stado (proporcional) aos legít imos f ins visados; o recurso à participaç ão dos súbditos, por via direta ou representativa; a redução do poder, operando o que se designa como nivelamento do pod er (exigindo a dim inuição dos privilégios de alguns em relação aos demais)." Cf. Kung, Hans. 19 99. Uma éncc mundlol poro a economia e a política, Madrid. Editorial Trotta, pp. 66-68.

Contudo, apesar destes mecan ismos, as tentações de se perpe tua r no poder permanecem, sendo frequentes as not ícias de países em que os líderes forjam alterações constitucionais que permi tem que, de forma aparentemente democrática, possam permanecer, indef inidamente, no exercício de funções. to que, com efeito, a tent ação de controlar o poder não cor respon de apenas a um desejo dos que o detêm de se perpetuarem aí, mas tam bém a uma aco modação dos demais, que aceitam, passivamente o con texto em que vivem. Já no século XIX, Tocqueville, segundo nos cont a Hannah Arendt, recordava, com pertin ência, que

"«sempre que as condições são iguais, a opinião geral pesa com um peso [tão] imenso sobre o espírito de cada indivíduo» que «a maioria não necessita de o coagir: convence-o»; a coação não violenta da reprovaç ão pública é tão forte que o dissidente não sabe para onde se voltar no seu isolamento e impotência, e acabará por ter de escolher ent re o conformismo e o deses pero. [...] O perigo do conformism o e a sua ameaça à liberdade é inerente a tod as as sociedades de massa. [...] Nas fases inicias, o confo rmis mo pode verosimi lmente servir para torn ar o terror menos violento e a ideologia menos insistente, e assim fazer com que a transição de um clima de liberdade para uma atmosfera pré-totalitária seja menos sensível." Arendt , Hannah , 2001 , Compr eensão e polftlca e

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outros ensc ros. LIsboa. Relógio

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d'água, pp. 32 2-3 23.

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8.4.6. Estratégias de desvalorização ou sobrevalorização dos partidos

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Sem partidos , democracia, t al como a conce bemos, não é possível, pois a sua existência assegura a estabilidade de projetos, a con fiança numa cer ta forma d e conc eber e realizar a ação po lít ica. Sendo certo este pressuposto , import a ter em conta dois extremos que se verif icam, na relação entre a democra cia e o papel dos partidos para a sua vivência: a sua desvalorização e a sua sob revalorizaç ão. Conduz à sua desvalorização a convicção de que, sendo a democracia o regime segundo o qual o poder é detido e exercido pelo povo, então, em cada mome nto , esta vont ade deveria estar a ser consu lt ada e t ida em conta. Uma tal conc eção redundaria num "pântano" que dificilmente perm itiria levar por diante qualquer projeto de ac ão política. A democracia rapidamente redundaria numa demagogia ou, até, em anarquia. Por oposição , tenha-se em conta o fenóme no da sobrevalorização dos part idos, co nvicção segundo a qual não há democracia senão a que se faz através da acão dos partid os. Na verdade, tendo em cont a inclusive a etimologia da palavra polít ica, cabe a todos os cidadão s a respon sabilidade, à sua medida e com o seu contr ibuto próprio, para o sucesso de toda a comunidade polít ica, de toda a sociedade. Sendo assim, nem t udo se reduz à democracia representativa, que os partidos asseguram.

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"Reduzir a democracia à sua vertente representativa conduz ao empobrecimento da própria democraci a, sobretudo devido a alguns aspetos que precisam de ser melhorados: • a luta partidária preocupa-se, muitas vezes, mais com os interesses do parti do do que com a defesa do bem comum; • a valorização excess iva do ato eleit oral por parte dos partid os reduz o cidadão a um simples número imp ortante apenas para fazer maior ias; • a desresponsabili zação, que as cúpulas parti dárias, pelo menos inconscientemente, favorecem, pode acarretar: • uma per da de consciência de que pertencemos também a uma comun idade moral, o que fac ilita a fraude fiscal, o compadrio e a corru pção;

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• uma dem issão de partici par nos debates importantes com a desculpa razoável, mas não aceitável em democracia, de que os assuntos são muito complexos ou não dispomos de suficiente info rmaçã o séria."

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Silva, José Oras da. 2002, Viver o evungelho, servmdoo pessoa e a SOCiedade: mlcloedo à aoutnr a SOCIal do Igreja, COImbra, Gráfica de COimbra, p. 253

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____ _ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ __ J 8.4.7. Hiperdemocratização da vida A fim de se com preender o fenómeno da hiperdemocratização da vida em socie dade, tomemos, antes de mais, as co ndições para que exista uma democracia aut ênt ica.

"Uma autêntica democracia só é possível num Estado de direito e sobre a base de uma ret a conceção da pessoa humana. Ela exige que se verifiquem as condições necessárias à promoção quer dos indivíduos, através da educação e da formação nos verdadeiros ideais, quer da subjetividade da sociedade, mediante a criação de est ruturas de participação e corresponsabilidade." Jceo Paulo II, 1991 , Centesrrrurs Annus, 4 6.

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Papa João Paulo II prosseg ue, enunc iando as cond ições que tornam autêntica uma demo cracia e que, com José Dias da Silva, poderemos resum ir. do seguinte modo:

"Só há uma democracia autêntica se: • existir um Estado de Direito [por oposição a um Est ado arb itrário ou de arb it rariedade]; • se respeitar uma co rreta conceção da pessoa ; • se desenvolver as con diç ões necessárias à prom oção: • de cada pessoa ; • da subj et ividade da soci edade.

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Há, t ambém, algumas exigênc ias que uma sã democ racia deve sat isfaze r: • a participação plena e plura l dos cidadãos na vida pública; • a valorização e autonomia dos grupos intermédios que evitem que a pessoa fique «suf ocada entre dois polos: o Estado e o mercado » (CA 49); • o respeit o e a promo ção dos dir eitos humanos; • a vinculação ao direito ." Silva, José Dias da, 2002.V,ver o evangelho, serVIndoo pessoa ea sociedade:miciaçejo à doutrino socat da Igreja, Coimbra, Gráficade Coimbra, pp. 252~2 53.

r- - - -- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -- -- - - - Estes pressupo stos devem cond uzir-nos ao reconhe cimento de que a democracia é um inst rumento, um meio, e não um f im, pois o f im é a salvaguarda do respeito pela pessoa humana, em tod as as condições que permitam a sua realização. Sendo assim, deverá considerar-se a hiperd emocra t ização da vida em sociedade a conceçã o segundo a qual só é vin culativ o aquilo que for suf ragado pela maioria, recorrendo a méto dos de apuram ento dessa expressão de von tade (seja por eleições, referendos ou out ros métodos). Pois bem, não é difícil identi fica r toda uma série de pro blemas e pressupostos que não são suscet íveis de decisão da maioria, pois , num limite, pode r-se -ia, paradoxalmente, deci dir por maioria a inst auração de uma ditadura. Tal ser ia um absurdo democrát ico. Logo, temos aqui um primeiro limite. Mas há out ros. Deverá subme ter -se ã vo nt ade da maioria a decisão sob re a morte de alguns, sejam minorias, sejam emigrantes, seja m memb ros de determ inadas religiões ou ideologias? Parece-nos claro que não, ainda que, ao longo da história, muitos tenha m pensado assim e, ainda hoj e, assim se aja quando, por exemplo, as matérias dizem respeito aos t emas designados co mo "f rat urantes": aborto, eutanásia , pena de morte, etc . A hiperdemocrat ização enferma de um erro que é compreender a democracia, não como um meio, mas um f im, não se apercebendo de que nem t udo pode depen der da vont ade da maioria. Há pressupostos que são condição de convivialidade.

8.4.8. Desafios para uma democracia que deve estar sempre a construir-se Sendo a democ racia um meio, um inst rumento que deve assegurar o respeito pela dignidade da pessoa human a, co ncret izada através dos pri ncípios e valores sobre os quais fomos ref leti ndo, ao longo desta unidade, import a estar con scie nte de que a democracia está sempre em construção. Como se af irma, no texto que apresentaremos, de seguida, a democracia não é infalível, cabendo, po r isso, haver o respeito para com a condição f utu rível da natu reza huma na. Isto é, nada do que é humano est á alguma vez acab ado, mas sempre em direc ão ao f ut uro. Nest e sentido, impo rta subl inhar algumas "questões não resolvidas em democracia", cabe ndo analisá-Ias, à luz do que é apresentado no texto seguinte : • Serão sempre, e tod as, verdadeiramente ju st as as leis? Como evitar a dim inuição da sua inj ustiça? E quando são justas, será just a a sua aplicação? Como agir perante leis injustas? Que lugar deve ser salvaguardado para a obj eção de co nsciê ncia? • Como salvaguardar o respeito para com as diversida des, em democracia, encontrando o equilíbr io entre o respeito pela vontade da maioria e o legít imo direito à difer ença dos que pertencem a minorias, sejam elas ideológicas, religiosas, de proveniênc ia cult ural ou geográf ica ou outras? • Como assegurar a diversidad e de pensament o e a legít ima expressão politi ca dos que defe ndem ideias minor itá rias? • Como assegurar um discurso de verdade, perante os discursos "politicamente correto s", que não dizem 'sim' nem 'não', mas sempre 'ta lvez', sem se comprometerem? • Como deverá realizar-se a formação ética e moral dos que lideram?

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"O exercíci o do poder não pode [...] ser visto co mo um f im em si mesmo. O alfa e o óm ega da política não é o exerc ício do pod er, mas o serv iço das pessoa s e das comu nidades. A soci edade organiza-se para realizar os proj ect os comu ns, para prossegui r os int eresses com uns e para salvaguardar os valores compartilhados. Antes do mais, tem os de ser cidadãos comprometidos com as causas humanas. Não podemos ser indiferent es em relação ao que diz respe ito aos destinos que se encontram e desencontram nas com unidades que formamos. O pod er é instrumen tal. A econ omia é instrume ntal. A vid a política precisa de espírit o de serviço públ ico, na ace ção de defesa do bem com um. Est á em causa a cid adania republicana, a que Ant ónio Sérgio chamava «educação cívica » - capaz de suscitar a autonomia e a solida riedade voluntária, a liberdade e a j usti ça, a igualdade e a dif erença. [...] Não há infa libil idad e na ação política - há, sim, procura permanente e contradição constante entre metas e resul tados. O «melhor dos mundos possíveis» de Leibniz obriga a procurar ente nder a dialética entre a possibilida de e a ut op ia. Não se trat a de nos aco moda rmos ou de nos confo rm armos com uma ordem imp erfeita ou desumana, mas de partirmos das con dições co ncretas para pode rmos ultrapas sar as meras boas inte nções de que o infe rno está cheio. Temos de encont rar causas mobilizadoras capazes de nos levarem à superação da indiferença e da acomodação, do egoísmo e do conformismo. Mas, como afirma va Hans Urs von Balthasar: «não é o sabe r abso luto mas o amor absoluto que engloba os adversários». A com preensão mútu a exige, assim, um suplement o de alma, um sentido crít ico e a capacidade de entender as fronteiras soc iais e humanas como pontos de encontro e de enr iquecimento mútuo. [...] A com unidade polít ica existe por causa do bem comum. Aí tem os de encon t rar crit érios legitimadores. Aí se buscam a legitimidade da or igem - hoj e, o voto democrático de t odos - e a legitimidade do exercício - a conform ação da acão com a j ust iça e com o respei t o da dignida de da pesso a hum ana. [...] Est amos na esfe ra limita da e imperfeit a da ação humana. É uma acão que erra, que hesita, que avança pela dúv ida. Daí a necessidade de os polos profético e pol ítico se completarem , de se ligarem na organização da sociedade das pessoas. Não se trata de confundir os planos polít ico, ético e religioso ou de esquecer que há reinos que não são deste mundo, mas de procurar compreender que a noção de ser vi ço liga pensamento e acã o, ideal e realidade, raiz e utopia. Ser responsáve l para com os outros não pode se r, af inal, uma abst racão ," Guilherme d'Ohveira M art ins (Presidente doTribunal de Contas e Deputad o Independente do grupo Parlamentar do PS), A cidadama como serviço, 2004, CommunioXXI, pp. 16-17.

Síntese A democracia é um meio, um inst rumento que visa a salvaguarda das condições de defesa da dignidade humana. Os cidad ãos têm o direito e o dever de par t icipar, podendo fazê-l o, sej a por via direta (através de referendo s, iniciativa s legislativas dos cidadãos ou outros meios) seja por v ia da represe ntação (at ravés dos part idos). A democracia pode degradar-se, sej a at ravés da co rrupção, seja atr avés da manipulação da informação, do populismo, da redução da democ racia à sua dimen são formal, da sua co nf iguração em mera democracia po pular, ou at ravés de mecanismos de perpet uação no poder.

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9. A via do amor na construção da comunidade política

9.1. Porque duvidamos do papel do amor na política? Pode o amor ser um critério real na ativ idade política? O que significará "amar" se se aceita r que o amor possa fazer parte do discurso político? É conciliável ser-s e crist ão e participar, ativamente, na política e nos partidos? Que desafios se co locam e que oportunidades podem anteci par-se? A redução do amor à sua dimensão sent imental favoreceu a ideia de que o terreno da polít ica lhe é estran ho. Contudo, importa contribuir para a superaç ão desta abo rdagem. Na verdade, o segredo da construção de uma sociedade verdade iramente humana está na garantia de que ela se estrutura na dinâmica do amor, entendido como respeit o pelo out ro, enquanto pesso a, e não como um sent imento de predilec ão ou uma emoç ão efémera e fu gaz. Se alguma est ranheza poderia suscitar este texto intro dutó rio, valerá a pena verifi car que a vitalidade do amor é reconhecida mesmo por quem se ded ica ao mundo dos negóc ios.

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9.2. O Amor como critério de gestão: realidade ou utopia? Vejam-se, a t it ulo de exemplo, alguns excertos do discurso da sessão solene de abertura do Congresso Nacional da Acege profer ido em 2013:

"O confronto entre amor e empresa parece místico, irrealista, inoperacional. O amor como critério de gestão corre o risco de ser mal interpretado, de desregular as expectativas, a começar pelas expectativas do líder empresarial sobre a sua própria missão. Corre outros dois riscos fundamentais: primeiro, ter uma leitura meramente sentimental, o que seria incompatível com a gestão das organizações; segundo, ser orientado para um fundamentalismo religioso, que perverteria a dimensão universal que o amor tem . Todos estes riscos são verdadeiros e devemos estar atentos a eles. Também devemos acolher os olhares céticos sobre este critério, uns vindos de experiências empresariais traumáticas ou de desencanto, outros com fundamento num pessimismo filosófico sobre o ser humano, outros ditados pelo triunfo do ter, do aparecer, do poder e da obsessão pelo lucro como centros de excelência da economia de mercado. [...] O amor como critério de gestão tem uma definição muito concreta: significa tratarmos os outros como gostaríamos de ser tratados se estivéssemos no lugar deles . E quem são os outros? São os colaboradores, os clientes, os fornecedores, os acionistas, os concorrentes, a comun idade e as futuras gerações. Não consigo ponderar um critério nem mais simples nem mais operacional para o discernimento ético empresarial. No plano ético, o critério perm ite enquadrar as situações a resolver de um modo muito intuitivo e eficiente. Tem ainda a grande vantagem de, numa perspetiva cristã, ser o critério que corresponde à noção de que o centro vita l da ética cristã é o amor. Através deste crit ério, o nosso próximo é sempre tratado por nós como nós próprios seríamos tratados se estivéssemos no lugar dele." Leite, Antó nio Pint o, Discurso Sessão de Abert ura, 5 de j ulho de 2013, ln www.acege.pt .

o que aqui é refe rido como crité rio de gestão encontra o seu fundamento no sermão da Montanha, onde Jesus Cristo enuncia as bern-avent urancas, critério último do agir cristão. O teó logo Dietrich 8onhoeffer, no seu livro ~tico, reco rda, de modo pertinente, que esse critério do agir cr ist ão não é contraditório com a ação polític a, denunciando uma leitura individuali st a de polit ica e def inindo, como po nto de co nvergênc ia entr e o agir crist ão e a at ividade politica, o princípio da responsa bilid ade pelo outro.

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"O Sermão da Montanha, como proclamação do amor de Deus feito homem, chama o homem ao amor para com o outro homem e, justa mente por isso, a renegar tudo aquilo que o impede no cum prime nto desta tarefa, em resumo, chama-o a renegar-se a si mesmo. Ao renunciar à sua felicidade , ao seu direito, à sua justiça, à sua dignidade, à força e ao êxito, ao renunc iar à sua vida, o homem torna-se disponível para amar o próximo. O amor de Deus liberta o olhar do homem ofuscado e transviado pelo amor de si e torna -o capaz de reconh ecer de modo claro a realidade, o próximo e o mundo, torna-o assim, e só assim, pronto a assumir a autêntica responsab ilidade. [...] Como setor de significado especial para o agir histórico escolhemos o âm bito político e interro gamo-nos, por exemplo, sobre a validade, para o homem político, das palavras relativas à negação de si e ao amor dos inimigos. Uma das abstrações do pensamento pseudo-realista é indicar a autoafirmação como a única lei da acão política e a negação de si como a única lei do agir cristão e ver nelas uma opos ição em que uma t ese exclui a out ra, uma dupla moral. Encontramo- nos aqui em face da compreensão da realidade mundana e da realidade cristã segundo a lógica dos princípios, que passa por cima da realidade da encarna ção de Deus e que, por isso, não apreende nem a realidade mundana nem a realidade cristã. Que o amor de Deus pelo mundo abarque tamb ém a atividade política, que a forma mundan a do amor cristão possa, por isso, assum ir igualmente a forma daquele que lut a pela autoafirrnac ão, pelo poder, pelo êxito e pela segurança é algo que se pode co mpreender só onde se toma a sério a encarnação do amor de Deus. Manifest am-se, aqui, pois, tam bém os limites ou, melhor, os bastidores da lei da autoafi rmação na atividade política. Agir politicamente significa assum ir responsabil idade - o que não é possível fazer sem poder. O pod er põe- se ao serviço da respo nsabilidade." Bonhoe ffer, Dretnch. 2007. t:tica, LIsboa. Assirio e Alvim, pp. 20 8-210.

9.3 Caridade na verdade: a condição que humaniza a política o Papa Bento XVI, na encfc lica Coritos in veritote, reco lhe a mesma dinârn ica , definindo a "carida de na verdade" como critério de atua ção na pol fti ca. Tal afirmação vem sub linhar a pertinência e necessidade de se superarem os sentimenta lismos que cond uzem a uma vivênc ia paternalista do amor, par a uma outra abordag em que o torna catalisador de relações construtivas, capazes de assegura r o respe ito por cada pes soa.

Justiça e bem comum "'Carita s in veritate' é um princípio à volta do qual gira a doutrina social da Igreja, princípio que ganha forma oper ativa em critérios orientadores da acão mo ral. Destes , desejo lembrar dois em particular, requeri dos especialmente pelo com pro misso em prol do desenvolvimento numa sociedade em vias de globalização: a j ustiça e o bem comu m. Em primeiro lugar, a justiça. Ubi societas, ibi ius: cada sociedade elabora um sistema próprio de just iça. A caridade supe ra a j ustiça, porque amar é dar, oferecer ao outro do que é 'meu'; mas nunca existe sem a justiça, que induz a dar ao outro o que é 'dele', o que lhe pertence em razão do seu ser e

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do seu agir. Não posso 'dar' ao outro do que é meu, sem antes lhe t er dado aquilo que lhe compet e por j ust iça. Quem ama os outros com caridade é, antes de mais nada, j usto para com eles. A ju stiça não só não é alheia à caridade , não só não é um caminho alternativo ou paralelo à caridad e, mas é 'inseparável da caridade', é-lhe int rínseca. A justiça é o primeiro caminho da caridade ou, como chegou a dizer Paulo VI, «a medida mínima» dela, parte integrante daquele amor «por ac ões e em verdade» (1 Jo 3, 18) a que nos exorta o apóstol o João. Por um lado, a caridade exige a justiça: o reconhecimento e o respeito dos legít imos direitos dos indivíduos e dos povos . Aquela empenh a-se na const rução da 'cidade do homem' segundo o direito e a ju stiça. Por out ro, a caridade supera a justiça e comp leta-a com a lógica do dom e do perdão . A 'cidade do homem' não se move apenas por relações feita s de direitos e de deveres, mas antes e sobretudo por relações de gratuidade, misericórdi a e comunhão. A caridade manifest a sempre, mesmo nas relações humanas, o amor de Deus; dá valor t eologal e salvíf ico a to do o empenho de j ust iça no mundo.

[oo .] É preciso ter em grande consideração o bem comum. Amar alguém é querer o seu bem e t rabalhar eficazmente pelo mesmo . Ao lado do bem individual, existe um bem ligado à vida soci al das pessoas: o bem comum. to o bem daquele 'nós-todos', formado por indivíduos, famílias e grupos inte rmédios que se unem em comunidade social. Não é um bem procurado por si mesmo, mas para as pessoas que fazem parte da comunidade social e que, só nela, podem realmente e com maior eficá cia obter o próprio bem . Querer o bem comum e tr abalhar por ele é exigência de justiça e de caridade. Comprometer-se pelo bem comum é, por um lado, cuidar e, por outro, valer-se daquele conjun to de inst ituições que est rut uram j urídica, civil, política e culturalmente a vida social, que deste modo t oma a forma de pólis, cidad e. Ama-s e tanto mais eficazment e o próximo, quanto mais se trabal ha em prol de um bem comum que dê resposta também às suas necessid ades reais. O desafio de todos Todo o cristão é chamado a esta caridade, conforme a sua vocação e segundo as possibilidades que tem de incidência na pólis. Este é o caminho institucional - podemos mesmo dizer político - da caridade, não menos qualif icado e incisivo do que o é a caridade que vai diretame nte ao encontro do próximo, for a das mediações institucionais da pólis. Quand o o empe nho pelo bem comum é animado pela caridad e, t em uma valência superior à do empenho simplesmente secular e político . Aquele, como todo o empenho pela j usti ça, inscreve-se no t estemunh o da caridade divina que, agindo no t empo, prepara o etern o. A ação do homem sobre a terra, quando é inspirada e sustentada pela caridade, contribu i para a edificação daquela cidade universal de Deus que é a meta para onde caminha a história da família humana. Numa sociedade em vias de globalização, o bem comum e o empenho em seu favor não podem deixar de assumi r as dimensões da fam ília humana int eira, ou seja, da com unidade dos povos e das nações , para dar forma de unidade e paz à cidade do homem e torná-Ia em certa medida antecipação que prefigura a cidade de Deus sem barreiras." Bento XVI, 2009, Caritas in Veritote , 6 e 7.

Em síntese, Bento XVI define aqui, pontos de referência que não deverão perder-se, na construção da co mun idade po lít ica : • a j ustiça deveria ser o menor denominador comum às sociedades humanas, def inida como o dever e a vontad e de dar a cada um o que lhe é devido: • a caridade é o nome do amor gratuito. Caridade é palavra de origem grega, nascida de 'cháris', que quer dizer 'graça'. A caridade é um termo com que pretende referir-se o conceito de amor genuinamente desinteress ado. Esta abordagem sobre o sentido original da caridade deve permitir superar abordagens caritat ivas de pendor paterna lista . • a caridade, no sentido acima enunciado, é cond ição necessária para se ir além do que é justo. Como a define Bento XVI, a caridade é medida máxima, perante o mínimo que é a j ust iça. Int err og ue mo- nos , po is :

O critério do amor gratuito é reconhecido como válido e legítimo, na discussão política? Queoutros critérios são mais defendidos? Comoseria a sociedade se o amor fosse o critério fundamental das relações? Identifica sinais de que este t ambém é um critério real presente na ecão política.

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"Não esqueçamos jamais que o verdadeiro poder é o serv iço, e que o pró prio Papa, para exercer o poder, deve entrar sempre mais naquele serv iço que tem o seu vértice luminoso na Cruz; deve olhar para o serviço humilde, concreto, rico de fé, de S. José e, como ele, abr ir os braços para guardar todo o poder de Deus e acolher, com afeto e tern ura, a humanida de inteira, especialmente os mais pobres, os mais fracos , os mais pequen inos, aqueles que Mateus descreve no Juízo fina l sobre a car idade: quem tem fo me, sede, é estrangeiro, está nu, doente, na prisão (cf. Mt 25, 31 -46). Apenas aqueles que servem com amor sabem proteger." Papa Francisco. 2013. Homilia da Santa Missa da rmposre àc do Páüo. ln Rezemos uns pelos outros. Cascais, Lucerna, p. 32.

Síntese • O amor é mais do que um sentim ento: é o oposto do egoísmo. ~ o recon hecimento de que o outro é pessoa e tem direito a realizar-se como ta l. • O amor, ente ndido com o dád iva, sem desejo de contrapart ida, deveria ser o catali sador da acao polít ica: toda a ac ão polít ica deveria visar, não o próprio interesse, mas o bem comum. • Amar, em contexto político, é procurar a máxima realização de t odos e de cada um e est ar sempre em atitude de gratuitidade.

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"Compete-lhes ilum inar e ordenar toda s as coisas temporais, às quais estão int imamente ligados , de t al modo que sejam sempre fe itas segundo Cristo, prog ridam e sirvam para louvar o Criador e o Redentor." Concílio Vaticano II, a propósito do papel dos fiéis leigos na sociedade: Lumen gentium, 31.

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Educação r torar e Religiosa Cat ólica

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