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8.3. Informação e democracia

Paraa análisesobre comosepodeinstrumentalizar a informação para dela serecolherem benefícios, valea pena ler, com atenção,um exemploconsideradoparadigmático decomo anotícia vai evoluindo aosabordos interesses.

"Ahistóriadojornalismoretém,comoexemplo caricatural de subserviência da imprensaaopoder,obarómetro dos títulos do jornal oficioso,Le Moniteur, quando Napoleão deixou o exíliopara voltaraassumir fugazmente o poder, emParis: •No primeiro dia: O antropófago saiu doseu covil; •No segundodia: O ogre daCórsega acaba de desembarcar no Golfo-Juan; •No terceiro dia: O tigre chegou a Gap; • Noquarto dia: O monstro dormiu em Grenoble; •No quinto dia:O tiran o atravessou Lyon; •Nosextodia:Ousurpador foi visto a 60léguasda capital; •Nosétimo dia: Bonaparte avança em ritmo acelerado, mas nunca entraráemParis; •No oitavodia: Napoleão chegará, ama nhã, àsnossas muralhas; • Nononodia: O Imperador chegou a Fontainebleau; • E, porfim, nodécimo dia: Sua Majestade Imperial fez asua entrada no Palácio das Tulherias,por entre osseus súbditos fiéis.

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Dir-se-á que talepisódiohistórico remonta aumaépoca longínqua.Queaimprensafoiutilizadaem lutassubversivas contra poderesopressivos. Que,deentãoparacá,muito progrediuaautonomia da informação. Assim será, com efeito.Mas, antes desercontrapoder, emmomentos de exceção,osmediaforamesão,emtempos denormalidade, instrumento de poder, deváriospoderes. "

Mesquita,Má rio. 2004, Perceções contempordneas do poder dos Media inCommunio XXI, pp. 61-71.

No mesmosentido de identificaçãodecomo pode manipular-se acomunicação social nosentido doquesepretende, Umberto Eco recorda,no seu livroAposso de caranguejo :

"0 queatelevisãode um regimemediáticofazé recorrer aoartifício retórico da 'concessão'. [...]A televisão funciona destamaneira.Quandose discute umalei, a televisão enuncia-a edádeimediato apalavra à oposição, comtodos osseusargumentos. Depoisvolta a transmitir o ponto devistados defensoresdogoverno,queobjetam contra as objeções da oposição. O resultadopersuasivo é invariavelmenteomesmo: oúltimo afalar temsempre

razão. Sigam com atençãoos telejornais,e verão que aestratégia éesta: aseguir àapresentação doprojeto, nuncaaparecem emprimeirolugar osapoiantes do governo e, emsegundo,asobjeções daoposição. Ésempre ao contrário.

Um regimemediático nãotem necessidade demandar prender os opositores. Nãoosreduz ao silêncio através dacensura, mas fazendoouvir assuas razõesem primeirolugar."

Eco, Umberto, 2007,A passodecaranguejo, Lisboa,Ditei, p. 154.

Interrogações para reflexão • Como é retratada aatitude da comunicaçãosocial, no primeiro texto? Pode considerar-seobjetiva e verdadeira a notíciaque foisendo sucessivamente transmitida?Quedenúncia se subentende quanto à relação entreopoder ea comunicação social?

• Segundo Umberto Eco. o que é um"regimemediático"? Que estratégia é apresentada para censurar asopiniões dosque não coincidem comas do referido tipoderegime? • Que desafios colocamestestextos quanto à atitude doscidadãos emrelação à informação que lhes é transmitida?

otexto apresentado retratacomo a comunicaçãosocial pouco escrupulosa tendearetratar arealidade deacordo comosinteresses econveniências. Esteretrato é particularmente desafiante se tivermosem contaa vertigemdasimagens eavelocidade da informaçãoquecaracteriza a sociedadecontemporânea, descrita notrecho seguinte,daautoriadeMario Vargas L1osa. Taisdesafios interpelamaqueseconsidere com interesseorepto pertinente identificadopor Gabriel GarciaMarquez, num discurso já célebre, proferido em1996,perante aAssembleia da sociedade interamericana deimprensa.

I I

"I...] os meios audiovisuaisencontram-secondenados a ficarpelasuperfíciedascoisas. [...]Esta parece-me uma realidade lamentável mas incontroversa: as imagens dos ecrãs divertem mais, entretêm melhor, massãosempre parcas,muitas vezes insuficientese muitas vezes inaptaspara dizer, no complexo âmbito da experiência individual e histórica, aquilo queseexige nos tribunais às testemunhas: "a verdade e toda a verdade". Epor issoasua capacidade crítica é muito escassa. "

Llcsa.Mario vergas. 2012,A civiíaação doespetáculo, Lisboa, Quetza! editores, p. 213.

"Talvezomaior infortúnio dasfaculdades de comunicação social sejaqueensinam muitas coisas úteis para o ofício, masmuito pouco dopróprio ofício.[...]toda a formação [dos jornalistas] deve estar sustentadaem trêspilares mestres: aprioridadeàs atitudes eàs vocações, acertezade queainvestigação não é uma especialidade do ofício, masque todo ojornalismo deve ser de investigaçãopordefinição,eaconsciência dequeaética nãoéuma condição ocasional, masque deve acompanhar sempre o jornalismo como o zumbido acompanha o moscardo. "

Marquez, Gabriel Garcfa,outubrode1996,Discurso perante a 52a Assembleia daSociedade Interamericana deImprensa. LosAngeles (USA).

Interrogações parareflexão a Deacordocomotexto deMario VargasLlose.a quesedeve adiminuição da capacidadecrítica? Queriscos resultam desta constatação paraa democracia?

• Que função deve ter aética. segundo odiscurso deGabriel GarciaMarquez,no jornalismo?Pode considerar-seque esta afirmação deste autor colombiano severificanarealidade contemporânea? Que situ ações contradizemestenexo?

• O quesedeverá fazerpara promover uma atitude deleitura crítica dosmeios de comunlcacêosocial?

Neste contexto vulnerável a fáceis tentaçõesdecedênciaa interesses menos clarose a finalidades pouco transparentes, é fundamentaladefinição de critérios ético para seassegurar quea informação é um contributo para a consolidação dademocraciae não paraasuamanipulação.A fim de definircritérios para arelação entre ainformação e ademocracia,o Conselho Pontifício "Justiçae Paz"sublinha que:

"a Informação está entre os principais instrumentos departicipação democrática. Não é pensável participação alguma semoconhecimento dosproblemas dacomunidade política, dos dados de factoe das várias propostas desolução dos problemas."

Conselho Pontifício "Justiça e Paz", 2005. Compêndio da Doutrina Social da Igreja, Cascais. Principia, 414.

Apósestaafirmaçãode princípio,considera que:

Interrogações para reflexão

•O que significaráafirmar quea comunicação social estáao serviço dobemcomu m? •Que fatores são identificados como responsáveis peladificuldade em assegurarquea comunicação social está ao serviço dobemcomum? • Identifica situaçõesem que parecem prevalecer os interesses particulares sobre o bem comum no uso dos meiosdecomunicação social. • Deverãoosmeios decomunicaçãosocial ser moralmente neutros, oferecendo aosp úblicos sempreo que assegura maiores audiências?Como articular a dimensão ética, já acima enunciada, comaexpectativa do lucro dasempresas de comunicação social? Que regras poderiam assegurarestaconciliação?

"osmeios decomunicação social devem serutilizados paraedificar eapoiara comunidade humana,nosváriossetores, económico, político, cultural, educativo, religioso.

A informaçãodosmeiosdecomunicação socialestá ao serviço do bemcomum. Asociedade temdireito auma informação fundadasobre averdade, aliberdade, a justiçaeasolidariedade [...]No mundodos meiosde comunicaçãosocialasdificuldades intrínsecasdacomunicação não raro são agigantadas pela ideologia,pelodesejo de lucro e de controlo político, por rivalidades e conflitos entregrupos, e poroutros males sociais."

Conselho Pcntlffcic "Justiça ePaz",2005, Compê ndio do Doutrino Socro! do Igreja, Cascais, Principia. 415. 416.

Por fim, recuperando a centralidadeda pessoacomo critério ético, sublinha que:

"em todas astrêsáreas - damensagem,do processo, dasquestões estruturais - é sempreválidoumprincípio moral fundamental: apessoae acomunidadehumanasão ofim e amedidado usodos meios decomunicação social. Um segundo princípio é complementar aoprimeiro: obem das pessoas não pode realizar-seindependentemente do bem comumdascomunidades aque pertencem."

Conselho Pontifício "Justiça ePaz", 2005, Compêndioda Doutrina Social do fgreja, Cascais, Principia, 416.

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