Revista Estilo Zaffari - Edição 93

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O sabor e o saber F E R N A N D O

LO K S C H I N

NOMES NO MENU: BECHAMEL, As bolachas Maria são longevas, têm um século e meio. Estão tão presentes na nossa história, nos são tão familiares que não parecem invocar uma Maria em particular, soam uma denominação genérica tal maricas, ‘Maria Fumaça’ ou mesmo ‘João e Maria’. Causa espanto que as bolachas devam o nome a uma duquesa russa; mas foi para celebrar o casamento de Maria Alexandrovna com o segundo filho da Rainha Vitória, o duque de Edimburgo (1874), que uma padaria londrina – a Peek Freans – criou as Maria Biscuits. Até então as bolachas não tinham confecção sofisticada, eram vendidas a granel e destinadas, tal um pão de maior durabilidade (daí o nome biscoitos, ‘duas cocções’), às tripulações embarcadas. Estas ‘bolachas de navio’ – chamadas também de pão do mar, bosta de ferro ou quebra molar –, muito utilizadas nas grandes navegações (Séc. XVI), eram tão duras que os marujos, como os cavalos, eram selecionados pelos dentes. Delicadas e delgadas, redondas, bem embaladas, imitando as medalhas que celebravam o casamento nobre, as bolachas Maria tornaram-se um dos primeiros produtos alimentares globalizados. Consumidas na Ásia, Escandinávia, Oceania, América Espanhola e Brasil, tornaram-se uma marca reconhecível como Coca-Cola ou Colgate. É uma ironia que um confeito tão popular tenha o nome de uma personagem tão aristocrática. Dizem que Maria Alexandrovna foi pernóstica a ponto de morrer ao receber um telegrama e ela endereçado como mera Frau Maria Coburg. Outro nobre, este não esnobe, mas jogador inveterado, tornou-se o mais popular dos epônimos alimentares, o IV Conde de Sandwich. Conta Pierre-Jean Grosley no seu Guia de Londres (1770): “Um Ministro de Estado passava 24h na mesa de jogo, tão absorto que só comia um pedaço

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de carne entre duas fatias de pão. Este novo prato, altamente em voga, leva o nome do Ministro que o inventou”. Em agosto de 1762, Edward Gibbons confessava em seu diário o desgosto com “os mais nobres e ricos ingleses sentados numa mesa de café coberta por guardanapos comendo sanduíches de carne fria acompanhados por bebida forte e confusão política”. O IV Conde de Sandwich era impopular; na sua morte (1792) houve quem sugerisse o epitáfio “Raramente um homem assumiu tantos cargos para realizar tão pouco”. Intrigas da oposição. Apesar do jogo – e pecados agregados, ‘O Conde Insaciável’ é o título de sua biografia –, Sandwich deixou um espólio invejável: deu nome a um arquipélago do Pacífico, a uma cidade em Massachusetts e a um pássaro africano. No inglês virou verbo, ficar entre duas alternativas, e no português batizou os programas de estudo com uma estadia no exterior – o recheio –, interposta entre dois períodos no Brasil. A história lembra mais dos príncipes que dos plebeus. O Marquês de Bechamel foi ministro financista de Luiz XIV (1685) com o curioso título de ‘Superintendente da Cozinha Real’ e teria criado o Molho Bechamel, a base de gemas, manteiga e farinha de trigo, para acompanhar ‘galinhas velhas ou perdizes’. Bechamel é o molho branco Premium, uma das bases da culinária. Na crônica da época, lamenta o Duque d’Escars: “Este sujeito tem sorte! Venho servindo ‘poulet a la crème’ por 20 anos antes de Bechamel nascer e não tive a chance de ceder meu nome nem ao mais modesto dos molhos”. O Ministro teve a sorte de virar molho, não foste isto estaria esquecido. Plebeu, o Filé a Cavalo é um à la minute – os dois ovos montam no bife e sem ter de esperar pelas batatas fritas, chega antes que o Filé a Pé. Com um ovo só, transforma-se em Filet a Camões, caolho. Já o Filé Chateaubriand é


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