Elton Manganelli – in memoriam
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ANO 6 - EDIÇÃO 42 - AGOSTO DE 2021
Henrique Veber: Editor Geral
Tudo junto misturado ao mesmo tempo: poeta, escritor, filósofo, professor, mediador de leitura, editor da Entreverbo, acredita no fazer sem crer em resultados.
Jonatan Ortiz Borges: Editor de Conteúdo Não pode dizer que no princípio fez o céu e a terra. Pois um tal de Deus já tinha roubado a ideia. Faz desde então o que pode com seu ofício de poeta e vez em quando consegue construir e desconstruir, criar e recriar tudo o que há no mundo através do verbo. É um ser em constante busca e construção sem ser, e pelo que é não sabe se será... Amém.
Felipe Magnus: Editor Gráfico Cidadão do mundo. Escreve e interpreta poesia. Produz revistas, livros, colagens, curta-metragens. Também é professor de idiomas e tradutor. Aprendiz de flautista. Acredita na arte como ferramenta de crescimento individual e coletivo. Daiane Irschlinger: Capista e Ilustradora Arteira: faz sua arte ilustrando sentimentos, ama cinema e música. Gateira: tem paixão por felinos. Bruxa: possui lá seus feitiços e encantamentos… Gosta de Confeitaria, aprendeu a fazer trufas e doces de chocolate. Penso, logo escrevo.
Conselho Editorial: Henrique Veber, Jonatan Ortiz Borges, Felipe Magnus. Publicação produzida 100% em Software Livre + Linux
Editorial Olá amantes, aprendizes e apreciadores da Poesia! Nosso arbítrio e a transitoriedade da vida fazem a edição #42 da Entreverbo atípica. Entre o arbitrário e o fatalismo, uma coincidência, a importância da criação, da experimentação, como elementos fundamentais à vida. Nesta edição, como já havíamos anunciado em nossas redes sociais, não faremos a Live Sarau, na busca de alcançarmos novas epifanias poéticas, estamos experimentando novos formatos para a Poesia nestes tempos de virtualidade pandêmica. Fragmentamos o Sarau, criando assim, a série Fractais Entreverbo. Novíssimos Fractais de Poesia, compostos de vídeos enviados pelos poetas, serão postados nas nossas redes sociais periodicamente, deixando mais dinâmica a interação de todos os poetas com seus respectivos públicos. Em meio ao processo, recebemos a triste notícia do falecimento de Elton Manganelli, multiartista, amigo e colaborador especial da Entreverbo. Alguns dias antes de sua morte, fizemos uma live com ele falando sobre o processo de composição da tela doada gentilmente para o coletivo para arrecadar fundos e sobre o seu processo criativo, vale a pena assistir a live neste link . Pela importância não só para Entreverbo - para quem contribuiu com poemas, performances, criações visuais e incentivo de sua experiência - mas sobretudo pela sua importância como amigo e mestre dos integrantes do coletivo, seja da atual formação como da formação mais antiga, não podíamos nos furtar de prestar homenagem ao artista e principalmente ao homem Elton Manganelli. Um ser humano inquieto e criativo, que buscava como ele mesmo dizia, ssssssssssssssss
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a cada dia fazer algo criativo, seja tirando fotos de folhas em uma caminhada no parque, produzindo suas Ikebanas, escrevendo poemas, confeccionando bonecos, inventando trilhas sonoras para poemas, fazendo cenografia, teatro ou até cozinhando. Por isso, a capa que ilustra esta edição é de uma foto que o Elton compôs recentemente como material de divulgação para Entreverbo, também colocamos um poema de sua autoria inédito na revista, retirado de um livro coletivo com poemas dele intitulado Arquipélago e mais uma imagem composta por ele na parte interna da revista. É neste contexto que se unem o arbítrio e a fatalidade. Nosso amigo artista nos deixou como legado o ensinamento de sempre buscarmos ser criativos, imergir nas profundezas do poético por vontade, sem esperar resultados. A criação como uma forma de dar sentido à efemeridade da vida, de tentar entender a si, o outro, a realidade. Nós, como discípulos, buscamos nesta edição fazer algo novo através dos vídeos, nos jogarmos num experimentalismo, ainda que tímido, na potencialidade que a vida tem de nos propiciar fazermos algo novo, porém fomos assolados pela partida do mestre. Sentiremos muito sua falta, Elton querido. Mesmo tristes decidimos honrar seu legado e homenageá-lo nesta edição, você respirava arte e nos inspirava, buscaremos sempre ter um olhar poético para a realidade, produzindo poesia em suas mais diversas formas de arte. Eis o convite: ENTRE. Eis o motivo: VERBO. Então permitamo-nos estar: ENTREVERBO(S).
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Gostava das tardes com muito silêncio. Abria a folha da porta que dava para o pátio. Era o meio do terreno. Logo adiante, a escadaria com três ou quatro degraus, em cimento e areia. Ao redor ou próximo a ela, cresciam copos-de-leite. Não eram copos nem leite. Era algo pra ser decifrado. Um corpo de carne verde amarelo branco. Pegou do copo. Abriu a branca carne e retirou um pistilo que deixou seus dedos amarelados. Era a primeira parte da aula de anatomia. Depois esqueceu tudo e por um tempo. Agora ele amadureceu e olha os copos-de-leite como Haicais. O menino virou poeta? Elton Manganelli (1948-2021)
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42 Quarenta e duas vezes me perdi Vagando entre as estrelas no infinito; Quarenta e duas vezes vi conflito Nos mundos onde a nave em vão desci. Quarenta e duas vezes sugeri, Não raramente recorrendo ao grito, Que o universo é tão vasto e tão bonito... Mas frente à extinção sempre fugi. Vi coisas que ninguém jamais verá, Vi deuses mais brilhantes do que Rá, Pois o distinto a mim é costumeiro... Já não tenho noção de tempo e espaço, Pois, no vazio, a mente marca o passo E, nas galáxias, eu sou o mochileiro. Jaime de Andruart Porto Alegre / RS @jaimedeandruartautor
papel pontos passeiam pelo papel pequenas partículas penetram em propriedades particulares do pensamento o poder da palavra provoca protesto pico o papel em pe da ci n h o s Rozana Gastaldi Cominal Hortolândia / SP @rozanagastaldi
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O anti gourmet cansei do poema gourmet degustado lentamente última porção de caviar & pompa do poema enigma seus signos eruditos & indecifráveis prefiro o poema fast-food bife fritas & esmero acessível ao leitor comum que alimenta a alma combina com a paisagem não faz mal & (en)canta. Ricardo Mainieri Porto Alegre / RS 9
VOTO NULO um canteiro de obras abandonado antes da chuva um buraco na pista sem tapumes ou avisos um prédio em ruínas quase sem teto e sem paredes habitado por invisíveis excluídos de todos os pleitos nos perímetros urbanos das minhas migalhas, sou todos: invisível, meu choro esburacados, meus planos em ruínas, meu rosto abandonado, meu leito sou minha própria cidade maltratada pelos que a habitam corrompida pelo prefeito o amor? só outro voto nulo inútil, jogado fora na urna instalada no peito
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Rogério Bernardes Brasília / DF @rogeriovbernardes
Ais... Chora o poeta: “Ais”. Diz o corvo: “Nunca mais”. Ali, nos umbrais. Cleber Gimenes Freitas São Paulo / SP clegifrei@gmail.com
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Vazia de beijos Lento amanhece sobre o rio tão lento que parece ainda dormindo mas quando a lua deixa seu posto e os medos suavemente se evaporam, sei que ainda estás, porque tua voz – a cor da tua voz – me percorre inteira e asas de pombas batem em minhas mãos que não conseguem tocar as tuas... Me inundaste de ausência, lentamente, como o amanhecer ao rio. Vazia de beijos, forasteira de amores e desejo. Desperto finalmente, coração desenfreado, aromas de voz perfumando o ar, já sem lua, já tão tarde... Lota Moncada Porto Alegre / RS facebook.com/lota.moncada
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HAICAI SEM PÉ NEM CABEÇA a mula, cheia de si perdeu a cabeça com o saci Daniel Morine Santos / SP @morineescreve
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Reconhecimento de área Parecia: todo canto por onde desfilava pisadelas Soava e sentia como terra de coração. Sim, pode-se andar em coração, alguns têm casas E vias, edificação e até hidrografia - mas não há mais Frutos ou compostagem neste. Há terra árida, feno Incapaz de formar morada por excesso de vento. Andei e andei e (me) perdi. Até que enfim Percebi: abriram covas no quintal. Shevah Ahavat Esberard Belo Horizonte / MG @she.vah
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Amor impresso e auditável Como saberei se você me ama Se seu amor não é palpável Não toco nada mais do que seu corpo Meus dedos sentem a pele, Há sim ardor, cheiro, sabor Do seu corpo Mas não do seu amor Seus votos de amor De nada valem Seu amor não é auditável Como posso tê-lo se não é Aditável, editável? Seus votos, amor, Nada valem Se impressos não forem Onde está a cédula crédula Assinada por cupido e por Afrodite protestada? Você não me engana com suas ditas duras Não há nelas canduras Que me façam aceitar Fé no corpo expresso em voto De um amor suspeito que não passa de eleição de mais um vulto para preencher o vazio de seu leito Gelbart Souza Silva Onda Verde / SP gel_bart@hotmail.com 17
Soneto a um professor desempregado Vem, amor! Vem deitar-te aqui comigo! Deixa todos os problemas lá fora E para de sofrer… Agora é hora De dormir e não pensar no castigo Que é ser na vida um pobre sem abrigo, Sem escola. O que é necessário agora É olhar em frente e, sem mais demora, Saberes que tens aqui um ombro amigo. Bem vejo como são longos os meses Que passas longe dos livros da escola. Sacode a tristeza e verás! Por vezes A esp'rança renasce antes de sumir. Limpa as lágrimas, pega na viola, Que destruir-te não vão conseguir! Lucinda Cunha Guimarães, Portugal
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conexão Sinto no ar a urgência Do homem conectar-se No momento há um impasse Grande avanço da ciência Involui a consciência Não é preciso satélite Que conecta a elite Falo de olhar nos olhos E quem sabe unir os povos Mas isso é só um palpite Ouço de longe o apelo Do homem sentir-se inteiro Um abraço verdadeiro Que encosta até o pelo Demonstrando afeto e zelo Como nunca antes feito Um unir peito com peito Coração com coração Uma tão simples ação Causará enorme efeito Vejo clara solidão Nas ruas abarrotadas Caixas de e-mail lotadas Poucos apertos de mão O futuro em contramão Mais planetas descobertos Nas casas todos quietos Cada um no seu mundinho Que cabe num quadradinho Tão espertos, sem afetos. Andrea Boaventura Rio de Janeiro / RJ
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privação Com os olhos cheios de mundo, vejo o lamento das gentes privadas de encantos procurando a Pasárgada onde o destino não tenha medo de atravessar a rua. Um pouco antes da captura, o condenado foge em um vapor, enquanto os meninos no brejo têm seus barquinhos encalhados na lama que corre na porta de casa. Nestes tempos em que tudo finda, a esperança morreu para muitos, mas o hino precisa ser entoado, é preciso levar alento aos meninos que tentam rebocar seus barquinhos. Jonas Pessoa Brasília / DF Poesia da vida | Facebook
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PROLETARIADO NA GUITARRA Os Vates do Mercado farejam o repasto na plataformização do labor, tem uma clemência que só nos resulta em faina tem demência, tem a MP 1045 como sarna o grande capital, que pega a vida e aplaina. “Acabe com a cerejeira mate todo cipó-de-paina Adestre os índios de Roraima.” “A vida é Chicago e New York.” Após teu verso de amor à precarização, me faço “virador do mundo ladrão”, como o Gil te encho de tremolos e síncopes, do contra, contra teus enxugamentos vis porque eu vi e ouvi o companheiro emudecer para sempre com o app so happy! tão moderno o prestador PJ! mas você nem toca na banda; você arrota o monetarismo, e a gente morre, e não se nota mas o vibrato neolib um dia encontra o final nosso slide de guitarra já ressoa; cuide-se! gastrite da direita, de tanto grave gutural, precisa de uma acústica consciência de classe O Estado vem que vem, com bends de guitarra e sobe o tom da corporação nossa resposta é um interlúdio com rumba... pra devolver o totalitarismo pra tumba Homo liber se acha livre nos riffs do ofício mas nosso grêmio, já uberizado, não é livre! Nem vem dessincronizar nossa poesia-comício abaixo a música que sampleia o protofascismo! Marcos Filipe Zandonai Sapucaia do Sul / RS @mfzandonai
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SÓ Luzes inexpressivas e líquidos céus Fria caminhada - imaginária? - talvez O último pedido, nas mãos unidas E a brevidade da vida, distorcida Ultraja e jaz. Putrefata. Esquecida. Templos gélidos, tempos bélicos A antes toda hoje tola esperança Cai por terra, e espera, descrente A bela, invisível e terrível tela E o que, afinal, não se encerra? Púrpura. Meus pulsos cortados contam E calam - o que ninguém quer ouvir Telhados de vidro, vícios pré-fabricados Tantas histórias, recortes de memória Caminho às cegas os egos e becos e ecos Assombram assumem assomam assassinam Os diminutos sonhos recém-abortados O nó no destino é torpe, polui e violenta A estrada ilude e agrada, ainda assim é só E tão somente - pó - nas esquinas e becos Hiatos atalhos belos trapos tão cintilantes Desfazem-se. E a cruz, nas mãos vacilantes Mas hoje, sei, é nunca mais, celas e fachadas Liberdade lamento luxúria e os tormentos Adeus e encerramentos. Outra vez, só Momentos. Renata Rothstein Rio de Janeiro / RJ renatarothstein@yahoo.com.br
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TESOUROS O gorgulho do feijão a palha trançada ao teto o chão quente, o céu aberto nenhuma nuvem no céu O barro amassado à mão o sapê meio ao deserto são ouros dos galopantes ao lado das macambiras Chão batido e sem requinte pôr do sol avermelhado entre o solo e o firmamento um palco estrelado ilumina vidas Val Mello Rio de Janeiro / RJ @val_mellos
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ventania Assusta-me saber o tanto que não sei explicar de mim. Desconheço-me inteira, quase como uma brincadeira que diverte o Universo. Imagino que ele passa o tempo a se divertir e quase o ouço rir todas as vezes que meu mundo muda. Ora me deslumbro, Outras vezes me contrario e muitas me escandalizo pelo tanto que se descortina cada vez que um véu se vai ao vento. Talvez por isso haja sempre ventania. Ana Luzia Oliveira Rio de Janeiro / RJ @analuz.lumina
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APENAS UMA TAÇA Elegante ela chega Acha logo seu lugar Analisa, aconchega Ajeita-se na mesa do bar. Está esperando alguém? Olhares sem graça Algo para beber? Apenas uma taça? Rumores inquietos no ar: Desilusão? Depressão? Solidão? Traição? Não! Poderosa, dona de si, Ela apenas encara e sorri Nem um pouco ofendida Garçom, traga a bebida! Os que a julgam Na verdade admiram Sua coragem, sua atitude Seus olhos que tanto brilham. E do seu jeito, plena, Repleta de felicidade Ela curte a liberdade. Tranquilamente, decidida Ergue a taça E brinda a vida! Vilma Rainha Cintra Itapecerica da Serra / SP vilmarainhacintra@gmail.com 27
------- N O I T E ------Me vigia com olhos de vícios, me maltrata com mão de carícias, me seduz com a dor das sevícias, me revela com a calma de hospícios. Me envenena no fel das acácias. me castiga com a forca dos ócios, me fascina com a paz dos beócios, me condena ao sabor das audácias. Mãe das malícias, Mel das delícias, Me domina e me estende teu véu. Pai dos suplícios, Pão dos patrícios, Me ilumina e desvenda teu céu. Tony Saad Santa Cruz do Sul / RS
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retalhos Pela fenda das horas remendo Os retalhos que a vida me dá. São as formas e as cores tecendo, São porções que me empenho em juntar. E então vou cosendo as palavras, Que compõem o meu caminhar, No traçado alinhavo os pedaços, Acercando o que quer se afastar. Contudo, por mais que trabalhe, Noite e dia na arte de atar, Sempre ficam algumas linhas perdidas, Fragmentos que não logro juntar... Assim, vou cerzindo meus dias, Enlaçando e me deixando enredar, E nas tramas que entrelaçam a vida, Vou buscando as memórias acomodar… Rosiane Maria Covaleski Iglesias Santa Cruz do Sul /RS iglesiasrosiane@gmail.com
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LUAS em meus moles redondos, subo e desço, pra gozar no céu do teu olhar. desde Lilith, enluareço. neli germano Porto Alegre / RS
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Quanto tempo dura o tempo? Quanto tempo é necessário para curar 4 séculos de escravidão? Quanto tempo persiste 4 décadas de abuso? Quanto tempo perdurará 4 anos de um fascista no poder? Quanto tempo dura a dor da mãe que perdeu o filho de 4 meses? Quanto tempo carrega 4 semanas na cama de um hospital? Quanto tempo são 4 dias chorando sem dormir? Quanto tempo leva para esquecer 8 mortes a cada 4 minutos? Quanto tempo dura 4 segundos de um infarto fulminante? Quanto tempo são os 4 centésimos de segundo entre a bala e o peito do menino preto? Quanto tempo dura a dor não cronológica? Daniela Picchiai São Paulo / SP danipicchiai@gmail.com
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Sem graça Parei de acreditar em muita coisa: Papai Noel, monogamia, escola tradicional Fantasma, monotonia, que toda gente é igual Parei de achar que o mundo dá voltas em volta de mim Quando vi seus olhos profundos Fixarem-se nos meus Parei de achar graça também da desgraça de eu não ser eu Luciana Chaves Porto Alegre / RS facebook.com/lucarvacha
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Tóxicos trópicos O que importa alguém sem ar Pra quem só sabe praguejar Contra índios pretos gays mulheres? O que importa alguém sem olfato Pra quem só sabe divulgar Mentiras fake news boatos? O que importa alguém sem paladar Pra quem prega a prática da tortura O ódio a volta da ditadura militar? O que importa a luta pelo pão nosso De cada dia pra quem vive a zombar Da Morte e Vida Severina? Pra quem quer um dólar Por uma dose de vacina? Um dólar por uma dose de vacina... Um dólar por uma dose de vacina… Jorge Abreu Barra do Corda / MA jorgedepaula20012@gmail.com
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manchete que se repete andava lenta atenta ao filho que viria aos envelhecidos passos amparados em seus braços andava e sorria atenta à finitude da tarde à ausência de alma de pássaros atenta às cicatrizes dos dias não entendeu os poros a se fecharem na pele redemoinhos no ventre cheiro de olhos escondidos arrepios desatenta ela caiu tiro tangente de fuzil escava peito filho planos mais uma manchete que se repete : bala que de perdida apenas outras vidas que nela se perderam. Lourença Lou Belo Horizonte / MG @lourenca_lou_ 37
Salto no escuro me disseram que o amor também precisa de ausências eu acreditei, mais ainda porque certas presenças doem e a gente só vê o tamanho de alguma coisa quando ela fica vazia a cama, o quarto, a casa, a vida uma fantasmagoria rondando o corpo satélite e os sentimentos nebulosos a gente engole em seco enxerga o nada, respira o nada o amor agora habita um hiato gigantesco, astronômico o que me consola é que cientistas descobriram que uma teia cósmica sustenta o universo o espaço entre as galáxias não está totalmente vazio uma trilha de gás preenche a escuridão fecho os olhos e vou caindo esperando que a teia ampare minha matéria fria e invisível
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Valéria Paz São Paulo / SP
A SELVA DE MANDACARU Versos, reversos e inversos Certeiros como um tiro de carabina Poesia que brota no sertão Luz de arte lamparina Até mesmo o calango sabe Que sanfona não é buzina E só volta para a sua casa Quando o arrasta pé termina Adriano Besen Florianópolis / SC cp.adventure@bol.com.br
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Uma parte de mim É amor desapegado Tranquilidade que impera Parcela de ciúme exagerado Inquietude que acelera. Meio fé sustentada Nem eu me entendo Temeridade infundada Mas, não me arrependo Aproveito a estrada Pois, com tudo aprendo. Uma parte de mim é atual Outra, passado de saudade Do que não é mais igual Nem conto minha idade. Porcentagem incontida Muito ainda espero Em outra face comedida Felicidade é o que quero Sou eu, e gosto assim Inteira, dona de mim. Patricia de Campos Occhiucci Mogi Guaçu / SP 40
MEU EU Meu eu, é denso e desordenado Um eu bastante atrapalhado, Que entre eus por hora encontrado Sorri e dança um som belo e abafado. Meu eu, é único e singular Um eu tão cheio de amar, Que entre a lua e o mar, Esbanja flores no olhar. Meu eu, é um eu lisonjeiro, Um eu de coração meeiro, Que entre amores granjeio O mais belo companheiro. Meu eu, é um ser indomável, Um eu amável e odiável Que entre um corpo adorável, Desperta o prazer insaciável. Meu eu, é porta, é saída, Um eu de alma perdida, Que entre lembranças esquecidas, Vê a vida exaurida. Flaviane Souza Taguatinga / DF @emnomedosversos 42
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espera Chaves Penduradas não abrem portas. O quadro velho pinta lembranças. A porta entreaberta desperta curiosidades O violão pendurado espera dedos soa descanso O gato espera carícias ou ração A luva espera mãos sem calos A planta água Corpos abraços que não virão nem apertos de mão nem beijos na face distâncias guardarão dois metros. James Berwaldt São Leopoldo / RS jsberwaldt@gmail.com 43
O que é a loucura? O que é a loucura, senhores? Respondam-me, do cume de vossa altiva e frágil sanidade! O que é a loucura? É ser o ator da sua própria tragédia? É querer habitar as frondosas selvas do Imaginário? É colher as estrelas do céu e recolocá-las com mãos infantes? O que é a loucura? É imergir no mito e extrair os Heterônimos de si? É renegar a asfixiante carapuça que já não serve? É embeber-se do olhar que transcende o horizonte? Quem nunca vislumbrou o estúpido e humano sonho de ser Deus? Quem de vós é capaz de apontar o primeiro louco se, em qualquer breve e tortuosa estrada, as presas do Instinto podem aflorar na boca lúcida? Quem de nós é lúcido o suficiente para não avistar as deformações que embelezam o Pensamento? Encarcere o último demente aquele que nunca desejou percorrer os abismos do desconhecido que habita em nós! 44
Saul Cabral Gomes Júnior São Paulo / SP
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SOLIDÃO Quando a viram na cozinha lavando a louça do jantar por pena não disseram que estava morta os mortos não têm cotidianos compromissos apareceu tão jovem quanto denunciava o quadro enfeitando a sala beleza extraordinária capaz de atiçar disputas violentas entre os homens desfilava nua pela casa prisioneira da loucura que lhe impuseram por comodidade naquela manhã ressurgiu das memórias impregnadas nas paredes bela como nas histórias contadas pela cidade não se atreveram a dar notícia de sua morte mostrou -se mais viva do que quando desafiava as certezas de todos.
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Flavio Machado Cabo Frio / RJ @machadopoesias
Quando escurecemos A noite não nos dissolverá desta vez Antes que ela nos mastigue E nos engula, sem que percebamos A prenderemos entre os dentes E a faremos correr em nossas veias Antes que desperte e descubra Que roubamos sua cor E agora somos negros Somos todos negros A noite não nos dissolverá desta vez Cobertos por sua pele Vagamos em suas entranhas Enveredando seus caminhos Nossos olhos como luas A observar os amantes Feito gatos e aves noturnas Como se fôssemos Um samba ou um blues A noite não nos dissolverá desta vez Pois agora seremos nós A bebê-la, gole a gole Mas é preciso ter cuidado Há navios negreiros Cruzando as madrugadas Enquanto escurecemos Mesmo quando é meio-dia Se for mesmo dia Geraldo Ramiere Planaltina / DF facebook.com/geraldo.ramiere
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Vida e Morte, nossa sina. Nascido do ventre Da deusa do deserto Minha vida atrelada Ao fim, eu incompleto De sons e misturas Sentindo as amarguras De sair do ser feto. Entidades me guiam Carregam minha passagem Como um baile de carnaval Vou seguindo viagem Entre consciência e cura Serenidade e loucura Fraqueza e coragem. Me moldo, me pinto Como um quadro decadente Que cada dia que nasce Vai morrendo lentamente Cada nova pincelada Resulta em uma escada Degrau por degrau à frente. E chego ao guardião Do túmulo enaltecido Sua cabeça de chacal Não o deixa ser confundido Eis que a vida se encerrou E o que por fim restou Foi história ou ocorrido. Márcia Gabrielle Brito Mascarenhas Ilhéus / BA @marciamahsc 48
Ninfeta nagô Nina, nossa ninfeta, Namorava nas noites: Noventa níqueis. Nina-nagô, Nina-nuance, Nina-nenúfar. Nômade, Navegava nas Negligências nacionais. Narguilés, nicotina, Neon, nudismo — Noturna nevralgia. Nanava nossos Nobres Narcisos; Néscios notívagos. No ninho, Nua, Negras nádegas. Néctar, nirvana: Nenhuma novidade. Numerosas núpcias: Nojenta necessidade.
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Maria Eduarda Moraes Amadeu São José do Rio Preto/SP @dudaamadeu2 50
viratempo O Tempo é um menino levado e pertinaz Que cria histórias e apronta muita reinação, Prova que a maior das belezas é apenas fugaz, E separa o verdadeiro herói do falso vilão. Ele é uma pipa voando bem alto em desatino, Rasgando a mão de quem segura o carretel, Desviando a trajetória e mudando o destino, De quem é covarde para tentar alcançar o céu. Abre sulcos na pele de quem insiste em viver, É grande janela escancarada para a vastidão, O tempo é como o orvalho que cai no anoitecer Recobrindo a vida de esperança e imaginação. Neila Reis Feira de Santana / BA @neilareiss
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Alexandre Jorge da Silva Cotta Rio Tinto / PB cottaalexandre77@gmail.com
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mãe Carregando o mar nas costas; e as costas para longe do mar. Fazendo um alvoroço, e o almoço para quem vai. Essa é a vida dela; mais dela do que vida vivida. Sempre alerta e viva e escorando na janela. Tem o mundo no peito. Seu filho já não vem mais. Perdeu todo o respeito pela heroína de um tempo atrás. Agora ela balança a cadeira; para frente e para trás. Tem todo o tempo do mundo; mas isso ela não quer mais. Não tem mais sonhos e desejos; mas vive pelo momento que há de vir quando o mar levar a areia para onde ela quiser ir. Alessandro Ferreira Sato Londrina/PR satao77@gmail.com
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Canto de um solitário qualquer Solitários de todo o mundo, ouvi-me Em meu canto de tédio e exaustão. Por muitos anos, eu sei, escondi-me Na torre de marfim da derrisão. Nesse ínterim, fui um tolo iludido Em minhas parvas elucubrações Até meu ego ser todo varrido Junto com minhas vãs aspirações. Defrontado com meu próprio insucesso, Imerso na profunda solitude, Da mágoa virei amante confesso, Tornei-me íntimo da incompletude. Será essa a macabra afinidade Entre medo, covardia e vaidade? Octávio Henrique Orizona / GO
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A Entreverbo aguarda sua colaboração na próxima edição para continuarmos reverberando poesia por todos os cantos… Evoé!
Escritores da 42ª edição: Adriano Besen Alessandro Ferreira Sato Alexandre Cotta Ana Luzia Oliveira Andrea Boaventura Cleber Gimenes Freitas Daniela Picchiai Daniel Morine Flaviane Souza Flavio Machado Gelbart Souza Silva Geraldo Ramiere Jaime de Andruart James Berwaldt Jonas Pessoa Jorge Abreu Lota Moncada Lourença Lou Luciana Chaves Lucinda Cunha
Márcia G. Mascarenhas Maria Eduarda Amadeu Marcos Filipe Zandonai Neila Reis Neli Germano Octávio Henrique Patricia C. Occhiucci Renata Rothstein Ricardo Mainieri Rogério Bernardes Rosiane Maria Iglesias Rozana Gastaldi Cominal Saul Cabral Gomes Jr. Shevah Ahavat Esberard Tony Saad Valéria Paz Val Mello Vilma Rainha Cintra
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