Entreverbo #34

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· · · edição #34 · · · dezembro 2020


ANO 4 - EDIÇÃO 34 - DEZEMBRO DE 2020

Henrique Veber: Editor Geral

Tudo junto misturado ao mesmo tempo: poeta, escritor, filósofo, professor, mediador de leitura, editor da Entreverbo, acredita no fazer sem crer em resultados.

Jonatan Ortiz Borges: Editor de Conteúdo Não pode dizer que no princípio fez o céu e a terra. Pois um tal de Deus já tinha roubado a ideia. Faz desde então o que pode com seu ofício de poeta e vez em quando consegue construir e desconstruir, criar e recriar tudo o que há no mundo através do verbo. É um ser em constante busca e construção sem ser, e pelo que é não sabe se será... Amém.

Felipe Magnus: Editor Gráfico Escreve e interpreta poesia. Produz revistas, livros, colagens, curta-metragens. Também é professor de idiomas e tradutor. Aprendiz de flautista. Acredita na arte como ferramenta de crescimento individual e coletivo. Alma de viajante. Daiane Irschlinger: Ilustradora Arteira: faz sua arte ilustrando sentimentos, ama cinema e música. Gateira: tem paixão por felinos. Bruxa: possui lá seus feitiços e encantamentos… Gosta de Confeitaria, aprendeu a fazer trufas e doces de chocolate. Penso, logo escrevo. Publicação produzida 100% em Software Livre


Editorial Olá amantes, apreciadores e aprendizes da palavra! A Entreverbo está VIVA! Nós os editores da Entreverbo estamos VIVOS! Dizemos isto, pois é preciso celebrar a VIDA! Tal afirmação parece estranha neste ano em que a morte nos assolou de forma tão feroz a partir de uma micropartícula por vezes fatal, inclusive levando uma poeta que passou pelas páginas da Entreverbo. Mas nós que sobrevivemos até o presente momento, que resistimos vivos apesar do vírus, precisamos celebrar a VIDA e o privilégio de termos nos mantido protegidos do vírus ou termos sobrevivido a ele. Por isso, mais do que simplesmente celebrar, precisamos lembrar da nossa responsabilidade de cuidar e proteger o próximo, seguindo as medidas sanitárias de combate a Covid-19, apoiando a vacinação gratuita para todas e todos e nosso sistema público de saúde. Entretanto, só buscar expedientes de sobrevivência não nos basta, nossa humanidade requer que a vida seja celebrada com criação e beleza, necessitamos exercitar nossa poiesis, ecoar a chama de vida que nos habita em forma de poesia. Então aqui estamos na trigésima quarta edição da revista Entreverbo, uma edição especial para celebrar nosso coletivo que se adaptou e retornou as atividades mesmo em meio a pandemia, após mais de três anos de recesso. Comemorar o fato de termos sido premiados com projeto Entreverbo Digital no edital do município de Canoas da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, que nos propiciará executarmos o trabalho de edição da revista e produção do sarau de forma digital. Por último, nesta última edição de 2020, vamos apresentar nossa identidade poética, com uma edição especial com poemas nossos, os editores da Entreverbo, uma oportunidade de mostrar um pouco da nossa poesia. Convidamos todas e todos a ler a poesia de Daiane Irschlinger, Felipe Magnus, Henrique Veber e Jonatan Ortiz Borges. Em 2021 voltaremos ao modelo tradicional de convocatória e seleção pelo conselho editorial. Que possamos estar VIVOS para continuar criando e celebrando.

Eis o convite: Entre. Eis o motivo: Verbo. Então permitamo-nos estar: Entreverbo(s).

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Diálogo em AMAR ELO — Amores? — Os inteiros, sem farelos! — Flores? — Você e as do Ipê! — Cores? — Nosso colorido AMAR, com a beleza de nosso ELO! — Mas e quando tudo estiver em pedaços, e não houverem jardins, e o dragão cinza da rotina invadir as retinas e cuspir fogo no Castelo? — Aí então, o amor será mais belo... Contigo e por ti Nos AQUARELO!!! ( JOB )

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Não sabemos nessas turvas curvas da vida se as pessoas caem à nossa frente por acontecimento do destino ou se por mero acaso insano e desenfreado Se simplesmente as atropelamos sem medidas ou por instinto ( Daiane Irschlinger )

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Miséria olhos fuzilam o peito constatam riquezas jamais alcançáveis o espírito se demoniza chibatadas, corpo nu todos são algozes saibam! o inferno é frio na ampulheta, ossos em pó miséria, olhai pelos teus ( Felipe Magnus )

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Resiliência Um mar claro salgado Emerge em minha tez cinzenta Renovo-me em suas águas. O mar que desejamos Nem sempre temos Resta-nos internos mares Seu duplo e lento desaguar. ( Henrique Veber )

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Óleo sobre tela O dia só começa quando ela Vai espiar o dia na janela. Parece um quadro, pintura... Obra de arte da mais pura.

Aquarela da mais fina Mais bela que o teto Da Capela Sistina. Tem como não amar Tanta formosura Saída de um Renoir. Eu como artista Encanto-me contigo Pintura renascentista. Não peça que eu não rogue Orando pelo teu amor Meu girassol de Van Gogh. Como que faço Para compreender Tua alma de Picasso? Do Éden tu és a maçã Em mármore esculpido Pelo próprio Rodin. Não há como amar menos Pois de Botticelli Tu és a própria Vênus.

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Um aviso: "Não tocar!" Mas toquei e passei a amar. ( JOB )


Ghost in the Shell Não é sobre grilos falantes, Não é sobre contos de fadas, É a consciência, Esta que vos fala, Que tudo fala, Tudo sente, Porém esta não se cala, Fica a tilintar nos ouvidos, Como o bater no prato de garfo e faca, O que fizeres fica, O que aprendes se entrelaça, É pra vida toda, Nenhuma parábola, O código neural, Intrínseco em tuas hemácias, Deixa teu pensamento e digital por onde passas, Que nenhuma seja igual a outra, Teu espectro e visão, O mesmo templo que é teu corpo, O discernimento preso nesta cápsula. ( Daiane Irschlinger )

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O Jorro Piva

esse atraso chamado moda, esse modismo chamado atraso, essas propagandas com advertências, essas escórias que viram polícia, essas polícias que fazem escola, essas ditaduras impostas pelo “big brother”, esses anti-Maduro, esses pró-Maduro, esses apartamentos vazios de Copacabana, essas estátuas de generais que imortalizam a guerra, esses cartazes em russo da Riotur, esse turismo proxeneta que nos sustenta, essas corporações obesas insaciáveis, essas bloomberg-viacom-time-warner-globos, esses impostos dízimo de uma prefeitura-igreja, esses enlatados pop que nos dão azia, esses recheios que não preenchem, esses alimentos que não alimentam, esses mantras que alienam, esses sorrisos engarrafados em refrescante ácido fosfórico, esses rotos metais que não nos sustentam, esses recessos pagos a posteriori, esses escravaturas disfarçadas de mercados. ( Felipe Magnus )

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Relicário de Palavras A palavra não é adaga Espada Ou qualquer coisa legada pela tradição A palavra é gota d'água A tilintar em pingos Frondosa em ideias A palavra pinga tal gota E se desfaz Esvanece Orvalha-se novamente A palavra é líquida Forma, informa, desforma Não absolutiza A poesia é relicário de palavras ( Henrique Veber )

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Fome Os prédios senhores do tempo devoram vidas, sem lamento. Na cidade ensandecida a fome é urgente e nenhuma comida vai saciar a gente. Mas aqui tão alto que nem sei somos rainha e rei e enquanto todos dormem nossas almas se mordem. ( JOB )

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Tempestades Acabo de ligar o carregador Estou carregada A bateria acaba Penso em dar cabo de mim Acabei de entrar Por onde saí Ciclo open exit free Milhares de sinapses Já passou um século Se perguntassem A mil Volts Ligada no 220 Quero campo aberto Campo limpo Caminhando descalça Sem cautela ( Daiane Irschlinger )

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Imagens do Novo Mundo propagam a guerra escondem diário massacre nossa suposta paz erra a violência veste fraque depois de pólvora e chumbo a verdade como cadáver moribundo mundo livre, mundo novo! promessas no prato do povo ( Felipe Magnus )

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Urbano Não há pássaros cantantes em meus poemas Apenas pombas que agonizam no asfalto Nem imagens de paisagens campestres Só imagens que se constroem tal prédios São ideias trafegando qual trânsito dos carros Qual vaivém trôpego de pedestres pelo centro Meu poema é urbano! Neurastênico ideativo imanente Se há poesia em meus poemas É milagre da linguagem a brotar tal flor no asfalto ( Henrique Veber )

Confira este poema em Vídeo! 15


Viagens Flores: Chegadas, encontros... Inícios. Laranjas: Paisagens, reticências... Um quem sabe? Maçãs: Despedidas, lábios que des (a) prendem... Um coração vermelho e mordido. ( JOB )

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Atlas E eu vou sobreviver nunca morri, Até agora me encontro bem aqui, Por mais que perdida... Eu fechei os olhos para não te ferir, Por águas tempestuosas quase naufraguei, mas não sucumbi, Por mais que sejam minhas costas amplas, largas, trago em mim a consciência de que não sou Atlas Cabe a mim ser firme, forte e humana, Já, aguentar tudo na alma... Não, Minh'alma grita! Não se cala ( Daiane Irschlinger )

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Fênix faísca fecunda altiva destemida destemperada não se despede de nada pensa que sabe da lida enquanto queima fecunda faísca reza inconstância confunde estar e ser a morte é sua dança o céu é seu limite enquanto queima risco assumido obelisco rompido cessa faísca se despede de tudo o chão vira ciranda renasce na dança caveira fecunda cinza ( Felipe Magnus )

Confira este poema em Vídeo! 18


A Alfredo Veber Sólida & firme constância Guiam a dura lida cotidiana Teu corpo obstinado trabalha Persiste nas adversidades Entretanto Tácita mantém-se a ternura ( Henrique Veber )

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Coronavinho Meu coração saudoso Até suporta tua ausência De novo e novo. Minha mente inquieta Até aguenta, pois pensa Em ti e aquieta. Mas o fígado meu bem... Na quarentena já era, Até tudo passar... Fico sem! ( JOB )

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Dos porquês O porquê de formalidades, de meu cabelo arrumado, das convenções sociais, Do brilho no olhar de quem vê, e sem saber os porquês, sem aquele apertãozinho no peito, Sem nenhum friozinho na barriga, sem os medos de não sei "quês", Quisera emoção por música, mas foi tudo ao natural, Ouví-las tomando um banho, sentir a água na pele e sentir apenas isso, A confortabilidade das coisas por muitas vezes, não será ignorar os porquês, mas sim não procurar sabê-los e saber e sentir sim, essa verdade que é tão sua ( Daiane Irschlinger )

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A morte de Kennedy Temer sob a ótica da bala o vôo, ah o vôo! estava cansado de estar nessa prisão! em meio a tantos brazis de pólvora e aquele gatilho que me libertou o vôo, ah o vôo! negro cadillac de milhões de dólares será hoje enfeitado por mim ¿mas em que mundo eu fui me meter? em meio a tantas bombas relógio da américa central, rússia, afeganistão "entretainers" fazem do atrofiamento educação os ministérios queimando seus santos ofícios é nas ditaduras, que se apagam provas... as igrejas obcecadas por demônios localizados na rua da lapa e não em wall street, zurique, tokyo, xangai basta de observar este mundo eu tenho uma missão: o vôo! ah, o vôo! aquele cadillac em desfile merece logo um brinde de sangue presidencial! ( Felipe Magnus ) 22


A Cláudia Martins Veber Tuas retinas vastas de manhãs a despertar-me O café servido na mesa O anunciar da hora constantemente Antevisão de um atraso iminente O repetir rotineiro das manhãs

Tuas retinas vastas de manhãs A despertar-me Memórias remotas de infância ( Henrique Veber ) 23


Yin Yang Sou essa inconstância, essa distância Sou dos olhos o sal e um sorriso banal. Sou um soluço louco que grita um pouco, Sou da canção o silêncio da multidão. Minha alma não é provida de calma E sim de uma necessidade que é maldade. Minhas mãos tremem nas linhas que gemem, Trêmulas dão um nó nessa coisa tão só... Peço-te desculpas, mas não sinto culpa Sei que errei, mas também amei. Sou inquietude por causa da solitude. Quando tudo está disperso faço verso, De outra forma falar sem palavrear? Isso não é de mim só sei ser assim. Desde muito cedo sinto esse medo, Que a sociedade não tolere minha humanidade. Quis ser forte, não chorei na morte Não chorei ao sentir e a mim mesmo menti. Sinto tão e tanto e há-me tanto pranto Que se agora chorar, nunca hei de parar. O pouco que dou é pra não desistir do que sou... Minha carência sussurra uma urgência, Queria saber, mas não sei dizer. ( JOB )

Confira este poema em Vídeo! 24


Cordão de uma corrente... Essa voz presa essa garganta seca no engasgo de tudo aquilo que não falo de cada viscoso engolido sapo os espinhos que não descem garganta abaixo esse grito preso o grito entalado o descaso abafado a música de ânima que em leves passos na rua ao caminhar em tom alto não cantei a doce melodia que não dancei aquele abraço que não dei a mão que não apertei o beijo que não recebi o amor que morrerá enterrado comigo que eu nunca conheci ( Daiane Irschlinger ) 25


Trump’s Wall linha verde de Chipre duas irmãs Coréias dupla navalha de Berlim a linha de tiro do império “sangre y suelo mexicano” mas a bandeira é outra... a direita inaugura cemitérios foda-se a ONU e o Vaticano eles vivem de saques de guerra ( Felipe Magnus )

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Poética ou Memética? Uma massa caminha tranquilamente Com palavras de ordem rumo ao abate Uma contramassa contramarcha Em contraposição bandeiras na mão Os algoritmos em frente a arena jogam Zeros e uns em migalhas de informações Poetas atônitos param, observam Ante a vontade do riso, a questão: Fazer um poema ou um meme? ( Henrique Veber )

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Os teus gestos desesperados Já não como antes interpretam Parecem jazer parados E mesmo assim inquietam. Silenciosos não mais perguntam Não se lançam agitados ao ar Perderam a vontade de voar E conformados caem, não lutam. Resignados a meros mortais Teus dedos tortos não mais Vasculham a atmosfera... Depois de buscar era após era Estão exaustos de tanto procurar Não se sabe o quê e não encontrar. ( JOB )

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Alexandria Somos corpos orbitando o mesmo Universo Contornando elipses sem o controle absoluto sobre nossos atos A curva mais arriscada seguida de velocidade tortuosa, desenfreada É um jogo numérico com regras desregradamente perturbadoras Contemplamos a biblioteca de Alexandria queimando todo seu [conhecimento Vemos com beleza a crucificação de Cristo Estamos a nos mover neste planeta A todo tempo buscando um sentido A nostalgia de vários dias A imensa busca A incontentável impaciência Do cordão umbilical até retornarmos aos sete palmos abaixo [da Terra de onde viemos] Ou teremos nós aterrissado aqui neste imenso Globo Azul?... Ficam as dúvidas, ficam as cinzas e os restos mortais de Hipácia Tudo… Tudo pela verdade absoluta, mais conhecida como: "A temível ignorância eterna". ( Daiane Irschlinger )

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Oração ao Anjo Caído Se até mesmo Ele, sim, o Ilustríssimo Mestre dos Mestres Vossa Excelência Glorificada Senhor deste mundo inteiro o todo poderoso – Diabo perdeu suas botas nós, reles mortais somos sujeitos de uma vida sempre sujeita a ser perdida Só há indenizações aos hipócritas que cometem o real pecado de travestir-se como filhos de deus para autorizar seus atos perante todos nós filhos dos purgatórios cartórios católicos com nosso dinheiro compram consciência tranquila e perpetuação da espécie Portanto, não há espaço para devaneios de salvação cristã Somos as botas do Anjo Caído: estamos perdidos Jesus em pessoa não beberia de seu cálice hoje Sejamos reais: o apodrecimento é a única salvação Amem – Amém. ( Felipe Magnus ) 30


Digitais Narcisos traçamos novas rotas Miramo-nos em espelhos led Compartilhamo-nos com outros Narcisos autofitantes Comparamo-nos, medidos por outros Simbólicos Narcisos evadidos de si Outrificados em redes de dados Encapsulados no desejo de curtidas O rio em que Narcisos nos miramos Cada vez mais caudaloso, complexo Com Narcisos naufragantes nas margens. ( Henrique Veber )

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