Viva Aldir Blanc!
· · · março 2021 · · ·
ANO 5 - EDIÇÃO 37 - MARÇO DE 2021
Henrique Veber: Editor Geral
Tudo junto misturado ao mesmo tempo: poeta, escritor, filósofo, professor, mediador de leitura, editor da Entreverbo, acredita no fazer sem crer em resultados.
Jonatan Ortiz Borges: Editor de Conteúdo Não pode dizer que no princípio fez o céu e a terra. Pois um tal de Deus já tinha roubado a ideia. Faz desde então o que pode com seu ofício de poeta e vez em quando consegue construir e desconstruir, criar e recriar tudo o que há no mundo através do verbo. É um ser em constante busca e construção sem ser, e pelo que é não sabe se será... Amém.
Felipe Magnus: Editor Gráfico Cidadão do mundo. Escreve e interpreta poesia. Produz revistas, livros, colagens, curta-metragens. Também é professor de idiomas e tradutor. Aprendiz de flautista. Acredita na arte como ferramenta de crescimento individual e coletivo. Daiane Irschlinger: Ilustradora Arteira: faz sua arte ilustrando sentimentos, ama cinema e música. Gateira: tem paixão por felinos. Bruxa: possui lá seus feitiços e encantamentos… Gosta de Confeitaria, aprendeu a fazer trufas e doces de chocolate. Penso, logo escrevo.
Conselho Editorial: Henrique Veber, Jonatan Ortiz Borges, Felipe Magnus. Elementos gráficos: páginas 06, 08, 10, 11, 12, 27, 33, 36, 38, 42 e 43 – por Felipe Magnus. Fotos das páginas 15, 22, 25 e 47 sob licença livre (Creative Commons). Publicação produzida 100% em Software Livre + Linux
Editorial “A esperança equilibrista Sabe que o show de todo artista Tem que continuar” Aldir Blanc / João Bosco Olá amantes, aprendizes e apreciadores da arte! São tempos pandêmicos, tempos em que “a nossa pátria mãe gentil chora” milhares de mortos, angustia-se com a necessidade de isolamento social e assiste a irresponsabilidade de governantes e pessoas que se negam a cumprir até mesmo simples medidas sanitárias, como uso de máscara e álcool gel . Portanto mais do que nunca é preciso evocar a esperança, ainda que ela dance “na corda bamba de sobrinha”, sempre arriscando a queda e o desesperar: O show tem que continuar... Por isso salientamos a importância da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, que em meio ao caos pandêmico permitiu que artistas e trabalhadores da cultura em todo Brasil pudessem continuar “seu show”, mantendo sua subsistência produzindo arte por meios digitais, seguindo os devidos protocolos de isolamento social, protegendo a si e aos outros. Lei que nos permitiu executar o projeto Entreverbo Digital, retornando às edições mensais da revista e sarau, agregando pessoas à equipe e sobretudo ofertar um canal para que a poesia brasileira contemporânea possa brilhar alcançando novos públicos. Nada mais justo que homenagear na epígrafe desta edição o letrista e cronista Aldir Blanc com os versos da canção "O bêbado e a equilibrista”, em parceria sua com João Bosco, além de outras referências marcantes da mesma música, que lê uma realidade dura, mas evoca o esperançar. O mesmo Aldir que em “O Cavaleiro e os Moinhos” nos convida ao acreditar quixotesco e libertário: “Acreditar na existência dourada do sol Mesmo que em plena boca nos bata o açoite Contínuo da noite”
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Por sabermos da necessidade do acreditar, porém mais do que isso na força criadora, de resistência, libertária, de vida, do fazer artístico e cultural, esta edição também é uma homenagem aos artistas, à cultura e à arte. Além dos trinta e cinco artistas da palavra que nos brindam com seus belos poemas, as ilustrações produzidas por Daiane Irschlinger e Felipe Magnus terão como temática as diversas formas de manifestação artísticas e culturais. Com esta edição encerramos o projeto Entreverbo Digital, felizes e orgulhosos por termos agregado novos poetas e ampliado nosso público através das lives dos saraus. O projeto finda, porém a Entreverbo continuará, pois “o show de todo artista tem que continuar...”
Eis o convite: Entre. Eis o motivo: Verbo. Então pemitamo-nos estar: Entreverbo(s).
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Entre verbos A transição direta, através de beijos, abraços e apertos de mão, pandemicamente esvaiu-se no vento... Cumprimentos hoje sem comprimento. A transição indireta, mascarada, foi abraçada! É ela a palavra de ordem: muralhas de panos separam gente mais do que nunca... mais do que sempre! A intransição, a intransigência é não se preocupar com o semelhante. Entre ser verbo transitivo direto, transitivo indireto e intransitivo, no momento eu abraço a vida, a máscara, a persona. Somente assim, um dia poderei estar tranquilamente entre verbos! Paulo Roberto de Oliveira Caruso (Niterói / RJ) oliveira.caruso@gmail.com
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(in)felicidade sonhava encontrar a felicidade mundos percorreu em sua busca certa tarde luminosa cruzou com ela e esta lhe sorriu ingênuo perguntou qual era seu preço diante da súbita mudez emendou: pagamento à vista ou aceita parcelamento no cartão de crédito. Ricardo Mainieri (Porto Alegre / RS) facebook.com/ricardo.mainieri 6
Protesto I o sangue dos indefesos aceso pelos fuzis invisíveis só para pichar de revolta o asfalto da desesperança e me pergunto: de que adianta missas se o supremo juiz insiste em deixar o diabo solto? o grito dos excluídos tal lágrima de criança agride o bafo dos dias empoeira de culpa inconfessa as nossas causas mais íntimas ainda assim não há escândalo onde a consciência não enflora os sonhos dos inocentes cimento morto na calçada mais uma placa de rua ou avenida superfaturada até um novo decreto trocar o nome da vítima e me questiono: quem afinal tomba nesta guerra suburbana sub-humana subscrita os que perdem o sangue ou aqueles que aceitam a mordaça as algemas? Neurivan Sousa (Santa Rita / MA) facebook.com/neurivansousa
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de abusos mútuos Ela vem de mansinho Por debaixo da veste O ancinho Fere a terra No pisar desleixado Cria valas e veios Entre os seios Ofertados O útero sangra Os solos, à sua maneira, São férteis. Não participa Do prato ofertado Envolvida no labirinto Interno Não vê que tece Seu próprio Inferno. Ednize Judite (Rio de Janeiro / RJ) @eddeversoscontosecantos
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pecha Trago de nascença uma mancha de silêncio, enquanto a pátria morre, estou com a garganta seca sem grito para lançar. Protesto só por escrito, mas a escola fechou e fiz do livro um barquinho que encalhou no rio que os homens drenaram. Cada noite para quem está só é uma ausência de abraços, no contraste do escuro efervesce um brilho nos meus olhos que só pode ver ou senti-lo quem comigo compartilha da mesma razão de amar. Jonas Pessoa do Nascimento (Brasília / DF) facebook.com/Jonaspessoapoeta
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Teoria das Lentes Gravitacionais parte de mim é insônia outra parte é respiração o céu estrelado é a fronteira entre a paz e a tristeza sou um rio de astros trincando a noite em fogo interno dentro de mim todos os meus silêncios em madrugadas todas os batimentos cardíacos de sonhos todos os poemas de amor selados de sol dentro de mim: meu coração.
Michelle C. Buss
(João Pessoa / PB)
cafecomdionisio.blogspot.com.br
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Olhar Escultural O que eu faço com esses olhos que a mim veem mais que eu mesma? Esse olhar obtuso, escultura do desejo, que a tudo engrandece, eleva-me. Já não há mais vazio, lugar onde não te miro. Esse véu, essa gravata, não somos mais nus. Temos de mudar de vida, mas como, se a igreja está assentada sobre o precipício? Rubermária Sperandio (Rio de Janeiro / RJ) @rubermariasperandio
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Antibelo Não escrevo para fazer o bem. Não sou aquele de cujos dedos Vem a palavra que alenta, a rima que conforta. Não faço versos para os sorridentes. O que escrevo não cura, não alivia, Não massageia os que ainda esperam. Não gasto tinta com rimas sutis. Os que acreditam no ‘bon sauvage’ Estão certos quando me odeiam. Sou o anti-senhor do verso-espinho, O anti-deus do poema-ferida, O anti-irmão da rima-abandono. Sou anti-inventor do que não ousa ter nome, O anti-amante da palavra Poesia. Sou o melhor amigo do inimigo que mora aí dentro E se recusa a sair de você. Tony Saad (Santa Cruz do Sul / RS)
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A morte do padeiro E morreu como um cão morre de tristeza, na mesma semana que o dono. Essa manhã o pão não chega mais à mesa do brasileiro: Morreu o padeiro Antônio Carlos da Silva que ontem, (quem acredita?) vivinho da silva, me pagou uma cerveja no bar do Lauro. Ele, que passou fome no Rio de Janeiro e hoje levava boa vida como padeiro de padaria. Morreu o padeiro. Chorai, bairro! Chorai, viúvas desse pobre namoradeiro! Ninguém mais come pão desse padeiro que morreu como um cão morre de tristeza, na mesma semana que o dono. João Dinato (Contagem / MG) facebook.com/caderNodeHumor
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A palavra Lavra a alma O palavreado oco Tem um tudo De um pouco A palavra miúda Pedaço de um pedaço de um pedacinho De um pedaço A palavra vincular É circular, faz morada Em meu lar A palavra silêncio Suspira Segredos Sssh ... A palavra sentir É querer voltar Sem mesmo ir O sentido que entra Pela pulsação Pela respiração Pela ação e não-ação Da palavra coração.
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Anderson Kubiaki (Porto Alegre / RS) @palavreirobrincante
Espadas A espada vibrou no ar... (!!) Descompassos do coração... Rosangela Mariano (São Leopoldo / RS) marihanaescritora@gmail.com
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Passagem secreta (caverna de alta mira)
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Elton Manganelli (Porto Alegre / RS)
Do irmão (Em memória de Sidney Alves de Souza) No acordar lento do dia o sorrateiro menino, cuidando em não fazer barulho que denunciasse a sua transgressão, roubava a bicicleta do irmão e disfarçando segura liberdade, descia e subia a solitária rua do bairro. E assim, no secreto de si, querendo só Ser amaciava dores adoçava rejeições e temperava com sonhos o ordinário comum. Os pitos do irmão a ralhar fingindo bravuras nem eram ouvidos. “Amanhã tem mais", pensava. Enquanto pedalava rascunhava projetos do porvir. Sempre coloridos, luminosos. Cheios de vida. Diêgo Alves (Araçuaí / MG) @digas.alves
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O dia do troco Ela chegou às cinco da madrugada Bem devagarzinho pra não fazer barulho Tirou a sandália de salto alto com cuidado e esmero Sem remorso nenhum se sentindo realizada Depois da deliciosa noitada Uma ducha seria o ideal pra amenizar a tal da escapada E dos ombros tirar-lhe o peso quando foi atraiçoada Abriu o feche éclair do pretinho básico Seu homem dormia a sono solto Foi direto para o banho Esfregou a culpa... Ensaboou o segredo. Enxaguou o medo Deixou escorrer no ralo a vergonha Borrifou-se de fragrância dos desejos Vestiu a camisola com misto de satisfação Fechou com cuidado a porta do quarto Aninhou-se ao corpo dele deitado na cama Desligou a TV E no arroubo do instante deu-lhe um beijo na testa Esticou o lençol até o pescoço. Deleitou-se de calma. Deu o troco! Arrependimento? Pra quê? Estava lavada a alma! Delma Gonçalves Porto Alegre / RS @delmagoncalvesmattos
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Hipocrisia silenciosas panelas, mas que já soaram um dia. devem estar cozinhando a hipocrisia. Daniel Brito (Guaraciaba do Norte / CE) https://danielbrito.github.io/
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Palavras Seriam plágio as palavras que sempre ensaio? Guardadas a sete chaves, encravadas na língua mal escritas, repetidas, entregues à míngua. Palavras encarceradas no charme quase a falar em versos sufocados, doidas por respirar. Sussurradas entre lábios, rebatidas de lado, de frente, palavras avessas, puras indiretas. Citações reticentes, palavras carentes, apologia apocalíptica, palavras zumbídicas. Sem cérebro, sem voz, palavra algoz. Famintas labirínticas, perdidas em si entre a voz e a fala, zumbido que se ignora. São sentimentos deletados, excluídos, na lixeira pendem amargas, desperdiçadas, por serem quase palavras. Um verbo não conjugado, paralelepípedo incongruente de letras soltas, sopa alfabética de caracteres flutuantes doudejados, largados, sem destino, são meras palavras caladas feito um hino. Neide Pereira de Oliveira (Vitória / ES) neide.poliveira74@gmail.com 23
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“– Em que espelho ficou retida a minha face?” Cecília Meireles
Arte e Atos Esta, que me olha e não me vê, nem se preocupa em saber
do meu sonho ou desespero Esta, no antigo retrato, terá ainda algum traço
do que vejo no espelho? Meu semblante ou a foto agora, enrugados,
qual seria o mais velho? Mas, se o tempo é soberano e muda rosto ou retrato, renasço sem engano em arte e atos Delayne Brasil
(Rio de Janeiro / RJ)
delaynebrasil@gmail.com 25
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Paisano Pombo nascido criado em Recife não tem medo de carro Caminha entre desempregados na Boa Vista como se nada tivesse acontecido Dia desses tive que esperar um desavisado atravessar a rua Percebeu ser pombo já penúltima linha da faixa de pedestre Buuuzinei Voou baixo rasteiro riscando asfalto desejou a extinção da minha espécie e caminha entre desempregados na Boa Vista como se nada tivesse acontecido Não gosto de sentir pena das pessoas mas acho um desperdício de vida Deixar de voar é virar gente Rodrigo Bezerra (Recife / PE) 27
O Pele de Vidro no céu purpúreo os pássaros vítreos ) arco-íris em voo, saíam das chamas refletiam no preto do asfalto o ballet do fogo no largo do paysandu uma cratera vulcânica iluminava a igreja dos pretos o quilombo de vidro derretia o aço concreto ardia em perdas na madrugada de primeiro de maio o pele de vidro desabou quietude fumaçaria 90 minutos 24 andares 146 famílias sem teto Jorge Amancio (Brasília / DF) negrojorgen33@gmail.com
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Desmundo Coração que pulsa Vermelho: sangra, tem medo Bate em meu peito fechado Poucas vezes, ritmado Outras só, em desespero. Nele: a emoção do pecado O amor abençoado Pungência da paixão que ferve brava! Se vago no mundo áspero E léguas de vida atravesso É ele que em mim carrego Com um chorar, quase eterno. Desejei um coração forte: Aguerrido, valente, concreto; Mas tenho por dentro uma colagem Que ora é nobreza, ora é covarde Ora grito, ora vã fragilidade. Em meu coração desnudo Vive um crepúsculo, um profundo (A pena, o chumbo) Poço desértico O escuro De vida (vagos insumos)... — Cabe um desmundo em mim. Gisela Lopes Peçanha (Niterói / RJ) giselamusik@yahoo.com.br 29
Dama da Noite Dama da Noite Teu destino é muito triste, Floresce à noite De manhã não mais existe! Ana Lúcia Gamino Ribeiro (Canoas / RS)
Pantun do Jogador Trova Tema Limpa o fundo da algibeira, torra dinheiro no fogo, quando fica na liseira diz que foi azar de jogo. PANTUN I Torra dinheiro no fogo pensando não se dar mal, diz que foi azar de jogo quando acaba o vil metal. II Pensando não se dar mal, ele arrisca novamente, quando acaba o vil metal vai pra casa descontente. III Ele arrisca novamente todo dinheiro que tem, vai pra casa descontente, joga o último vintém. IV Todo dinheiro que tem, que juntou a vida inteira, joga o último vintém, limpa o fundo da algibeira.
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Massilon Silva (Aracaju / SE) massilonsilva00@gmail.com
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solidão das palavras O tempo molda no limo da terra o jarro reluzente da flor solitária, único enfeite da sala de estar. Nele nada leva tanto tempo como teve o tempo pra moldar, nas horas como passatempo, escutando a joia rara secular. Companhia dos dias vazios confidente no instante de falar, quando havia muito a dizer sem ninguém pra escutar, palavras perfumadas pela rosa inundando a casa vazia, esperando a resposta chegar. Henrique Rodrigues (Inhuma / PI) jwgj4@yahoo.com.br
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do nada restará um ponto de tudo fica um nada abismo acaso casos de nada fica um dado dardo dança trança um pedaço de história farpa a emergir essência céu a ensaiar incertezas células a isolar futuros de tudo ficam memórias chances gavetas chaves promessas de amanhãs escritas em tinta azul um naco de esperança comigo-ninguém-pode mil e trinta orquídeas resistência em aquarela do nada restará um ponto sensibilidade em segurar todavias turbulência lenços. Lourença Lou (Belo Horizonte / MG) @lourencalou
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Sinfonia Sirenes passam apressadas nas ruas raptam nossos sonhos alertam nosso sangue rasgam nossas manhãs anunciam o pesadelo carregam o susto dos tempos. Ines Lempek (Porto Alegre / RS)
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o banco o banco daquele jardim testemunhara doçuras agruras lamentos sorrisos anseios de ricos e pobres permitiu-se cobrir de folhas secas como meus olhos de outono de pétalas de jasmim das primaveras que não festejei naquele banco coube um universo de sonhos que eu desconheço só não cabe nele o imenso vazio de mim Chris Herrmann (Duisburgo - Alemanha) www.christinaherrmann.com
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Transubstanciação houvera no silêncio do lençol o líquido de corpos lassos o perfume do vinho derramado ficara ainda sob a embriaguez o desfecho de entregas e trocas que na saliva se desfizera consumados? no brinde a dois, o adeus… e o sabor de quero mais Jorge Ventura (Rio de Janeiro / RJ) jorgeventura@terra.com.br
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Filhos da Pátria Descalço, com fome, com frio O inverno caminha. Para as duras noites longas, As desesperanças minhas. Tua repulsa insulta, O papelão não aquece. O culpado sem culpa, O que a sociedade todo dia esquece. Meu aborto negado. Cumpro minha pena vitalícia. Infringindo tuas leis, Contradizendo tuas “conquistas.” A fome vez sempre castiga, A revolta germina por sua negação. Mais uma vez culpado, Pela arma engatilhada em minha mão. A desigualdade que me assiste, É característica tua, Brasil. Sou teu aborto negado É tu! É “a Pátria que me pariu”. Regiane Nunes (São Gonçalo dos Campos / BA) facebook.com/regiane.nunesnunes.35
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Zona de Conforto Não me toque nem me mostre atalhos. Meu tempo é outro. Sou pescador de rio que não tem peixe, admirador de abelhas e de sua ordenança. Por obséquio, saia da minha zona. Não desperte minha criança. Noélia Ribeiro (Brasília / DF) @noeliaribeiropoeta
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Incerteza Adormeci estrelas, e o negrume Invadiu-me a noite. Um pouco consolo, um tanto açoite, E eu com saudades do lume. Amanheci, todavia, era flores, E agora invadiu-me um jardim; Muito de espinho, muito de delicadeza. E eu com saudades sem fim De coisas das quais não guardava certeza. Escureceu novamente, e agora eu Lua. E então invadiram-me suas fases; Um pouco de lume banha meus quases, Enquanto um vento me deixa a alma nua. Adormeci e acordei lentamente, Sob a lua cheia da sutileza, No mesmo jardim Onde já fui semente. E de novo saudade, incerteza… Suely Andrade (Fortaleza / CE) facebook.com/suelyandradetextos
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Quimera A parte leoa rasga com olhos uma trilha sem volta, chaga telúrica, fenda fatal. A parte cigana amotina, conspira, transpira revoltas. Desata, brejeira, qualquer laço fremente, risco iminente de dominação A parte gaivota exala marfins de perfeita tristeza, mas com tanta leveza que a dor adormece E sonha vaidades: cidades de sal. ...e as migalhas afiadas dessa incoerência retalham o esôfago quando engulo o sussurro seco do seu nome. Marcelo Sales (Bertioga / SP) facebook.com/marcelo.salles1
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Gente Amarrei o cabo da minha boa esperança ao coletivo de gente que acorda a manhã ainda de noite. Gente que move o mundo com o trator do próprio corpo e arredonda as rodas quadradas do fazer. Gente que é chuva e sol, fazendo germinar a flor do abraço. Gente que constrói todas as formas do vidro com um punhado de areia e come a labuta. Gente que aparafusa o mundo em jornadas de uma vida inteira e usa a casca grossa do dia para adubar o canteiro do sono. Robson Alves Soares (Porto Alegre / RS) Facebook Da Lua e Outras Coisas Mágicas
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Luar companheiro A cidade, num silêncio das esquinas E sob a lua grande que nasce no horizonte Fica a olhar a plateia dos boêmios Que por hora passam por lá. Em horas vagas noturnas Tão calmas e serenas Passa despercebida Em noites nítidas estreladas Ofuscando o brilho do meu olhar. Fitando universos imensos Onde o mar ruge à noite Bem tão longe distante Nas doces e suaves brisas marinhas Balançando meu cabelo ao vento E me abastecendo de afagos Nas renascidas manhãs de primavera. Adão Wons (Cotiporã / RS)
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ofício Cristalizar na alma o dom de modelar sonhos espargir carinho Carregar nas mãos a doçura a lida a luta de ser afago e força sem esquecer a ternura de recolher a lágrima e ser bússola a indicar caminhos de entrelaçar tudo e abraçar a vida essa eterna luta de contrários E, ainda assim, ser doce. Helena da Rosa (Canoas / RS)
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Apren(diz)agem Da poesia me faço aprendiz Ignoro a falta de jeito Esqueço o soneto perfeito Ultrapasso o muro Ouço o que a rima cala o que o verbo diz Persigo o ritmo próprio Busco a palavra imperfeita Sigo um caminho tortuoso sem musa, sem trombeta Experimento o gozo do poeta O desvio (e isso me basta) Me solto Me arrisco Rasgo o rascunho Reescrevo de próprio punho Sem mesura Se a palavra falta Corro atrás Sempre há palavras abaixo da superfície Arranco a pele Dilacero Cavo até o osso Volto ao começo revestida de sentido Sentindo cada sílaba rima-verso-estrofe Se faltar Cavo mais fundo
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Patricia Dias (Pinhais / PR) @patricia.dias_leitora
Surreal distorço o verbo contorço a verve e manifesto minhas ficções na literatura que me apreende à realidade há quem, no porém das invenções, crie suas próprias realidades no estopim dos desacordos - falso é pouco, o que se compartilha ainda não tem nome mora no contrassenso das manipulações a verdade que nos perpassa enquanto aventureiros do mundo pós-analógico, em que mentes artificiais manipulam mentalidades cotidianas pela invenção de detalhes incatalogáveis Ronaldo Júnior (Campos dos Goytacazes / RJ) www.ronaldojuniorescritor.com
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A Entreverbo aguarda sua colaboração na próxima edição para continuarmos reverberando poesia por todos os cantos… Evoé!
Escritores da 37ª edição: Adão Wons Ana Lúcia Gamino Ribeiro Anderson Kubiaki Chris Herrmann Daniel Brito Delayne Brasil Delma Gonçalves Diêgo Alves Ednize Judite Elton Manganelli Gisela Lopes Peçanha Helena da Rosa Henrique Rodrigues Ines Lempek João Dinato Jonas Pessoa do Nascimento Jorge Amancio Jorge Ventura
Lourença Lou Marcelo Sales Massilon Silva Michelle C. Buss Neide Oliveira Neurivan Sousa Noélia Ribeiro Patricia Dias Paulo Roberto de Oliveira Caruso Regiane Nunes Ricardo Mainieri Robson Alves Soares Rodrigo Bezerra Ronaldo Junior Rosangela Mariano Rubermária Sperandio Suely Andrade Tony Saad
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