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IV Simposium

Para lá de todas as fronteiras uma singela homenagem a Eugénio Lisboa

Chegou-nos com a voz, a presença, o halo de quem diz “confesso que vivi”, confesso que vivo, aqui, neste Universo, no seu todo, indissociável em categorias e onde tu não te distingues dele. Chegou-nos a voz, a presença de Eugénio Lisboa, Homem de cultura científica e humanista fundidas, só Homem e Homem só, no Cosmos de que faz parte. Voz da condição humana, da tragédia humana, da antevisão da morte, individual e universal. Voz que se alça para além das fronteiras que os homens traçaram, homem de raízes profundas no saber universal, de Shakespeare a Newton e na perplexidade de Nils Bohr, de mãos manchadas no sangue de Hiroshima. De Los Álamos, também, viu erguer-se o gigantesco cogumelo que paira sobre a cabeça da Humanidade, nivelados todos que estaremos pelo Nada, “Néant”. O caminho da entropia é o que o Homem decidir, destruindo-se ao destruir o Mundo, anulando até a memória de ter sido. Cogumelo do eterno esquecimento alisando a História, depois de Hiroshima nunca mais seremos os mesmos e urge que a consciência vigie os cadinhos da ciência, sob pena do inverno se perpetuar : “Um frio estelar rouba

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à glória a memória./ Ao mais e ao menos uma fria brisa alisa. / Arrefecido o homem, já da sua história / fica só nada, que o fluir do tempo pisa. / Do que fomos, nem de nos termos esquecido / traço fica. / Inocente, o tempo, liso, flui, / nem sabendo que não sabe. O já ter sido / é nem ter chegado a ser: o passado alui./ Eterno, sem lembrança, o frio acontecido” .

Profética voz que nos ecoa dos anos da peste, gravando na topografia desta cidade uma outra que já não existe, a de Alberto Lacerda, a que consumiu Reinaldo Ferreira, a de folhearmos o livro de água de Glória de Sant’Ana, a de dividirmos as noites com Sebastião Alba, a dos olhos deslumbrados de Fernando Couto, a de Fonseca Amaral, a de bebermos uma ou duas laurentinas com Grabato Dias. Poeta entre os poetas de Moçambique, poetas de Portugal, poetas do Mundo, que urge resgatar, assim que se entender que a poesia é como comermos mangas verdes com sal, dispensa ideologia e convém saborear cada palavra “de sabor longínquo,/ sabor acre,/ da infância a canivete repartida/no largo semicírculo da amizade,/ sabor

insinuante que retorna devagar,/ ao palato amargo,/ à boca ardida,/ à crista do tempo,/ ao meio da vida” (Rui Knopfli). A meio do caminho da vida a nostalgia da infância, retorna, amiúdes vezes à lembrança um lugar mítico que já não há “«Gostaria

tanto de acreditar num além onde pudesse voltar a encontrar a minha casa, o meu quarto, o Nero e a estantezinha de prateleiras mínimas onde cabiam à justa, as novelas Inquérito que eu lia como quem descobre! Porque não há uma máquina do tempo que me permita voltar à Mendonça Barreto e encontrar ali, pela primeira vez, a Senhora de Rênal a perguntarme, com uma doçura que me trespassou: «Que voulez-vous ici, mon enfant?».

Quem sabe aquele canto da memória de Eugénio Lisboa permaneça imutável nalgum lugar?

Niels Bohr: cientista que fugindo da perseguição nazi se instala nos EUA, onde fará parte da equipa que prepara a bomba atómica

Los Álamos – central nuclear de onde partiu a destruição de Hiroshima e Nagasaki no fim da segunda guerra mundial

Alberto Lacerda, Reinaldo Ferreira, Eugénio Lisboa, Rui Knopfli, Sebastião Alba, Fernando Couto, Glória de Sant’Anna, Grabato Dias pertencem a uma geração de poetas de Moçambique que, por razões ligadas à descolonização, não têm sido objecto da atenção que as suas obras literárias merecem, quer em Moçambique, quer em Portugal.

Bibliografia consultada: Teresa Martins Marques, Eugénio Lisboa, um princípe das duas culturas.

CONCLUSÕES DO IV SIMPOSIUM

A Escola Portuguesa de Moçambique organizou, entre os dias 7 e 9 de Maio de 2007, o IV Simposium Internacional de Língua Portuguesa, Diálogo entre Culturas, sob o tema Lusofonia: Línguas e Patrimónios.

Um segundo grupo de comunicações agrupa os trabalhos que falam da situação passada e presente da língua portuguesa em Moçambique. Juvenal Bucuane, Secretário- geral da AEMO, fez um voo pela história da língua portuguesa em Moçambique, dando realce ao ensino da língua no período colonial . António Aresta discorreu sobre Manuel Brito Camacho, Maria Adelina Amorim debruçou-se sobre a missionação colonial, incidindo sobre os aspectos ligados ao uso da língua como instrumento de missionação colonial.

O IV Simposium contou com a participação de vinte e oito palestrantes, entre académicos, historiadores, críticos de literatura e arte, professores da EPM-CELP e especialistas noutras áreas cuja pluralidade de olhares muito enriqueceu a reflexão conjunta sobre a temática proposta. Mais uma vez, os trabalhos levados a cabo contribuíram para fortalecer os princípios orientadores desta instituição de ensino, enquanto espaço privilegiado de confluência de criadores e utentes da língua, entre académicos, professores e alunos, isto é, dimensionando a escola como palco de uma vivência cultural activa, respeitadora da diversidade e pluralidade de ideias e aberto à controvérsia.

Podemos, grosso modo, agrupar as comunicações em sete tipologias.

A primeira diz respeito às questões conceptuais e teóricas ligadas ao termo lusofonia onde se inscreveram os trabalhos de Lourenço do Rosário, Fernando Cristóvão, Custódio Duma, Adélio Dias, Francisco Belard, Paulo Samuel e Ernesto Rodrigues e Estela Pinheiro.

Uma terceira tipologia fala de contágios linguísticos e da emergência de neologismos em Moçambique, por influência das línguas bantú e inglesa. Irene Mendes e Calane da Silva, académicos moçambicanos, focalizaram as suas comunicações nos aspectos neológicos da língua portuguesa em Moçambique, tendo Calane da Silva incidido esta questão na função dos neologismos, do ponto de vista estético-estilístico, na criação literária moçambicana.

Duas comunicações, a de Vítor Serrão e de Sara Teixeira dizem respeito às influências portuguesas e indoportuguesa sobre o património artístico e arquitectónico de Moçambique. Uma vez mais fica patente o facto de que a inter-penetração entre as várias culturas se fizeram em várias linguagens, sendo a arte e a arquitectura receptoras privilegiadas de uma mestiçagem cultural.

António Cabrita e Teresa Martins Marques salientaram o carácter universal da cultura, o carácter prolixo de toda a arte, nas suas múltiplas vertentes e raízes, dando como exemplos o caso de João Pedro Grabato Dias e Eugénio Lisboa, lusófonos que abarcaram várias linguagens, várias culturas, assumindo-se como homens de raízes múltiplas na procura de formas de expressão universais. Maria José Craveiro cruzou a literatura portuguesa com a literatura moçambicana, através da comparação de alguns autores.

Um outro grupo de comunicações pretendeu mostrar algumas especificidades culturais presentes no mosaico

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