Revista Científica da ESA: Propriedade Intelectual, Direito do Entretenimento, Mídia, Moda - Ed. 39

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Revista Científica Virtual Edição 39 Ano 2022

PROPRIEDADE INTELECTUAL, DIREITO DO ENTRETENIMENTO, MÍDIA E MODA

DIRETORIA OAB SP (GESTÃO 2022/2024)

Conselho Secional

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MARIA PATRICIA VANZOLINI FIGUEIREDO

VICE-PRESIDENTE

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SECRETÁRIA-GERAL

DANIELA MARCHI MAGALHÃES

SECRETÁRIA-GERAL ADJUNTA

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TESOUREIRO

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MEMBROS EFETIVOS

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Ana Cláudia Silva Scalquette

Ana Luisa Porto Borges

Antonio Baptista Gonçalves

Antonio lvo Aidar

Carlos Alberto Maluf Sanseverino

Carlos Cesar Simões

Carlos Eduardo Dantas Costa

Carlos Figueiredo Mourão

Carmen Dora de Freitas Ferreira

Célia Regina Zapparolli Rodrigues de

Freitas

Claudia Maria Soncini Bernasconi

Claudio Cardoso de Oliveira

Coriolano Aurelio de Almeida Camargo

Santos

Cristiano Joukhadar

Daniela da Cunha Santos

Débora de Paula

Eduardo Ferrari Geraldes

Eginaldo Marcos Honorio

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Fernando Peixoto de Araujo Neto

Flavia Filhorini Lepique

Flavia Mariana Mendes Ortolani

Flavio Murilo Tartuce Silva

Flavio Paschoa Junior

Francisco Jorge Andreotti Neto

Gisela da Silva Freire

Guilherme Hansen Cirilo

Guilherme Magri de Carvalho

Gustavo Granadeiro Guimaraes

Haroldo Francisco Paranhos Cardella

Helcio Honda

lrapua Santana do Nascimento da Silva

lsabela Castro de Castro

João Vinícius Manssur

José Chiachiri Neto

Juliana Fernandes de Marco

Katia Maria Louro Cação Araujo

Kelly Greice Moreira

Leandro Godines do Amaral

Ligia Maura Fernandes Garcia da Costa

Lívio Enescu

Luciana Barcellos Slosbergas

Luiz Alberto Bussab

Luiz Fernando Sá Souza Pacheco

Manoel Alcides Nogueira de Sousa

Manuela Tavares

Marcela Carinhato Almeida Prado de Castro Valente

Marcelo Luis Roland Zovico

Marcia Rocha

Marcio Cezar Janjacomo Marcio

Gonçalves

Maria Cecilia Pereira de Mello

Mariana Arteiro Gargiulo

Marília Constantino Vaccari Polverel

Miriam Saeta Francischini

Mizael Conrado de Oliveira

Mônica Aparecida Gonçalves

Natália de Vincenzo Soares Martins

Nercina Andrade Costa

Nilma de Castro Abe

Otavio Pinto e Silva

Priscila Akemi Beltrame

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Ricardo Rui Giuntini

Ricardo Vita Porto

Roberta Guitarrari Azzone Colucci

Rodrigo Lemos Arteiro

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Thaís Proençaa Cremasco

Vianei Aparecida Titoneli Principato

Yeda Costa Fernandes da Silva

MEMBROS SUPLENTES

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Afonso Pacileo Neto

Alcenilda Alves Pessoa

Aleksander Mendes Zakimi

Alexandre Soares Louzada

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Ana Carolina Lourenço Santos das Dores

Ana Laura Teixeira Martelli

Ana Paula de Almeida Santos

Ana Paula Menezes Faustino

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Awdrey Frederico Kokol

Bruna Fernanda dos Santos Umberto

Carla Cristiane Hallgren Silva

Cesar Amendolara

Charlene Aparecida Francisco da Silva

Claudia Duarte e Trinca

Daliana Cristina Dias Leite

Daniel Amorim Assumpção Neves

Daniel da Silva Castelo Oliveira

Diego Tavares

Élida de Souza Silva

Erazê Sutti

Erick Anselmo Barbosa

Eudécio Teixeira Ramos

Ezequias Alves da Silva

Fabiano Reis de Carvalho

Fabio Paulo Reis de Santana

Fábio Rodrigues Goulart

Fernando Jorge Neves Figueiredo

Flávia de Oliveira Santos do Nascimento

Flávio Marques Alves

Glaudecir José Passador

Gonçalo Batista Menezes Filho

Heloisa Helena Cidrin Gama Alves

Jesualdo Eduardo de Almeida Junior

João Carlos Rizolli

Jocelino Pereira da Silva

José Fabiano de Queiroz Wagner

José Umberto Franco

Josué Justino do Rio

Juliana Abrusio Florencio

Julianelli Caldeira Esteves Stelutte

Laurilia Ruiz de Toledo Veiga Hansen

Leandro Affonso Tomazi

Leisa Boreli Prizon

Leopoldo Luis Lima Oliveira

Luciana Monteiro Cossermelli Tornovsky

Lucimara Ferreira de Sousa

Luís Henrique Neris de Souza

Luiz Eduardo de Moura

Luiza Alexandrina Vasconcelos Oliver

Marco Antonio Pinto Soares Junior

Marcus Vinicius Lourenço Gomes

Maria Adelaide da Silva

Maria do Carmo Roldan Gonçalves

Marilza Nagasawa

Marina Priscila Romuchge

Mauricio Baptistella Bunazar

Max Fernando Pavanello

Natália Sukita Barboza dos Santos

Nathália Carmo Silva Santos

Neilton Correia Neves

Nelci da Silva Rodrigues

Nelson Massaki Kobayashi Junior

Néria Lucio Buzatto

Ricardo Ferrari Nogueira

Rosana Rufino

Roseli da Silva Santos

Sandra Andrade de Paula Amorim

Sara Lúcia de Freitas Osorio Bononi

Silvio Henrique Mariotto Barboza

Simone das Merces Sapienza

Tania Karina Liberman

Tatiana Giorgini Fusco Cammarosano

Thalita Fernanda da Cruz Barreto Costa

Vanessa Rafael de Freitas

Wanderson Martins Rocha

MEMBROS HONORÁRIOS VITALÍCIOS

Antonio Claudio Mariz de Oliveira

Caio Augusto Silva dos Santos

Carlos Miguel Castex Aidar

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MEMBROS EFETIVOS PAULISTAS NO CONSELHO FEDERAL

Alberto Zacharias Toron

Carlos Jose Santos da Silva

Silvia Virginia Silva de Souza

MEMBROS SUPLENTES PAULISTAS NO CONSELHO FEDERAL

Daniela Campos Liborio

Helio Rubens Batista Ribeiro Costa

Alessandra Benedito

DIRETORIA ESA OAB SP (GESTÃO 2022/2024)

Conselho Curador

DIRETOR ESA OAB SP

FLÁVIO MURILO TARTUCE SILVA

VICE-DIRETORA ESA OAB SP

SARAH HAKIM

COORDENADOR CIENTÍFICO

CARLOS EDUARDO NICOLETTI CAMILLO

COORDENADOR PEDAGÓGICO

ANTÔNIO RODRIGUES DE FREITAS JÚNIOR

COORDENADOR GERAL DAS ÁREAS GEOGRÁFICAS

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ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA NÚCLEOS TEMÁTICOS

Direito e Relações Interdisciplinares

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Direito Eleitoral

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Direito de Seguro e Resseguro

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Direito Constitucional

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Violência Doméstica e Gênero

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Direito Imobiliário

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Direito e Regulação

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Direito Processual Civil

Daniel Amorim Assumpção Neves

Direitos Humanos

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Direito do Consumidor

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Mediação

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Direito Concorrencial

Gabriel de Orleans e Bragança

Arbitragem

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Direito Internacional

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Direito Civil

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Prevenção e Solução Extrajudicial De Litígios

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Direito da Diversidade Racial e Antirracista

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Direito Internacional do Trabalho e Desportivo

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Recuperação Judicial e Falência

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Advocacia Corporativa

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Dogmática do Direito Penal

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Direito Tributário

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Direito Educacional

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Direito Desportivo

Leonardo Andreotti Paulo de Oliveira

Direito Administrativo

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Direito de Família

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Compliance

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Direito Notarial E Registral

Ellison Andrade

Direito Médico e da Saúde

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Direito Agrário

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Direito Processual do Trabalho

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Ciências Criminais

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Privacidade e Proteção de Dados

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Responsabilidade Civil

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Direito do Trabalho

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Direito, Diversidade e Gênero

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Filosofia e Sociologia do Direito

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Contencioso Estratégico

William Santos Ferreira

COORDENAÇÃO GESTÃO 2022-24

Coordenador Cientifico

Carlos Eduardo Nicoletti Camillo

Coordenador Geral das Áreas

Geográficas

Sérgio Carvalho de Aguiar Vallim Filho

Coordenador Pedagógico

Antonio Rodrigues de Freitas Jr.

CONSELHO CURADOR: Gestão

2022/2024

PRESIDENTE

Oscar Vilhena Vieira

VICE-PRESIDENTE

Maria Garcia

CONSELHEIROS

Ana Cláudia Torezan Andreucci

Felipe Chiarello de Souza Pinto

Giselda Maria Fernandes Novaes

Hironaka

José Fernando Simão

Ivete Senise Ferreira

Márcio Vicente Faria Cozatti

Renato Cassio Soares de Barros

Prefácio 9

10

01. Non Fungible Token (“Nfts”) E Sua Proteção Pela Propriedade Intelectual

Stella Maria De Almeida

21

02. SUSTENTABILIDADE NA INDÚSTRIA DA MODA, OS VALORES DE UMA MARCA SOB A ÓTICA DO CONSUMO CONSCIENTE E SUA COMPATIBILIZAÇÃO COM O MOVIMENTO SLOW FASHION

35

03. A DIFERENÇA ENTRE EDIÇÃO E CESSÃO NO UNIVERSO MUSICAL

Cláudia Mara Serafim Batiston

47

04. A GESTÃO DA MARCA ESPORTIVA COMO FONTE DE RENDA PARA TIMES DE FUTEBOL BRASILEIROS

Luiz Guilherme Ribeiro Cordoni

61

73

06. DA PROTEÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS SOBRE AS TESES JURIDICAS

86

07. DIREITOS AUTORAIS NAS REDES SOCIAIS – A PROTEÇÃO DE OBRAS DE TERCEIROS UTILIZADAS EM VÍDEOS DE REACT

Joana Mendes Maneschy

100

08. POSSÍVEIS PROTEÇÕES À PERSONAGENS VISUAIS PELA PROPRIEDADE INTELECTUAL

Kelly Daniely Vieira Morato

117 09. SEMIÓTICA, INSTRUMENTO PARA AFERIR A FUNÇÃO DISTINTIVA DA MARCA

Camila José dos Santos Navas

05. UMA ANÁLISE DA CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA NOS CONTRATOS DE FRANQUIA SOB A ÓTICA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Carlos Alberto dos Santos Das Dores Junior

129

10. A PROTEÇÃO DAS MARCAS, DIREITOS AUTORAIS E DADOS PESSOAIS NO MERCADO DE INFOPRODUTOS

Larissa Abud Guedes Daulisio Palo

144

11. A PROTEÇÃO AUTORAL VITALÍCIA DE HERDEIROS DURANTE A VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.610/1998

Juliana Ribeiro De Mattos Perissinotto

159

12. DISTINTIVIDADE DO SINAL MARCÁRIO, INDEFERIMENTOS DE PROCESSOS PELO ARTIGO 124, VI, DA LPI

178

13. A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO INFLUENCIADOR DIGITAL PELO CRIME DO ART. 190 DA LEI DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

Natanael Lucas Pereira Da Silva

189

14. PUBLICIDADE DIRECIONADA NO BRASIL E PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS

Monique Peixoto De Souza

Edição 39 Ano 2022

ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA

São Paulo, OAB SP - 2023

COORDENAÇÃO TÉCNICA

COORDENADOR GERAL

Adriano de Assis Ferreira

COORDENADOR ACADÊMICO

Erik Chiconelli Gomes

COORDENADOR AUDIOVISUAL

Ruy Dutra

PROJETO GRÁFICO

Rubia Duarte

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Largo da Pólvora, 141- Sobreloja - São Paulo/ SP

Tel. .55 11.3346.6800

Pubicação Trimestral

ISSN - 2175-4462

Direitos - Periódicos.

Ordem dos Advogados do Brasil

Prefácio

A edição 39 da Revista Científica da Escola Superior de Advocacia da OAB/SP traz como temática central a Propriedade Intelectual, Direito do Entretenimento, Mídia e Moda. A partir dos resultados da Especialização (Lato Sensu) ofertada na ESA/OABSP no ano de 2022, essa edição se desdobra em análises ricas e multifacetadas.

Os artigos apresentam reflexões aprofundadas em campos emergentes e em rápida expansão, abrangendo desde a distintividade marcária até questões contemporâneas, como os NFTs e a proteção de obras intelectuais.

Um dos artigos irá abordar a distintividade como elemento principal para a registrabilidade e exclusividade do sinal marcário. A análise se volta para a forma como uma marca distintiva posiciona o titular do produto ou serviço frente aos concorrentes, explorando a escala de distintividade e os diferentes níveis de proteção, fundamentados na classificação norte-americana.

A emergência do mercado de infoprodutos, potencializada pelo desenvolvimento da internet e o distanciamento social da COVID-19, é analisada sob a perspectiva de uma nova dinâmica entre consumidores e prestadores de serviços. Livros digitais, podcasts, cursos e workshops, todos adquirem novo significado e importância na era digital.

A inovação dos NFTs (non-fungible tokens) é examinada, particularmente, no segmento das artes. Utilizando a tecnologia Blockchain, esse mecanismo crescente representa um marco no entendimento e na comercialização da arte.

Um olhar para o crime de exposição à venda de produto com marca alheia, reproduzida ilegalmente, conduz a uma exploração dos influenciadores digitais, marcas e os crimes a eles associados.

O tratamento de dados pessoais na publicidade direcionada, sob a égide da LGPD, é avaliado. O artigo explora como alcançar objetivos publicitários sem afetar negativamente os titulares dos dados e seus direitos.

A importância econômica das marcas esportivas é analisada, com foco nos times de futebol brasileiros e uma visão comparativa com os europeus. A gestão adequada dessas marcas, licenciamento e combate à pirataria são temas centrais.

Entre as obras protegidas pela Propriedade Intelectual, o estudo sobre os personagens visuais, especialmente nos quadrinhos e criações audiovisuais, traz à luz discussões sobre os limites e as possíveis proteções legais.

Outro artigo questiona a validade da proteção vitalícia de obras intelectuais sob a legislação atual, analisando o domínio público e os fundamentos de sua existência.

Por fim, a revista se encerra com uma abordagem sobre os principais conceitos e aspectos jurídicos que envolvem a proteção de direitos autorais, especialmente o uso de obras autorais por influenciadores digitais em conteúdos de vídeos “react”.

A Edição 39 da Revista Científica da Escola Superior de Advocacia da OAB/SP consolida-se como um espaço de reflexão e discussão, promovendo o diálogo entre campos tão diversos e integrados como Propriedade Intelectual, Direito do Entretenimento, Mídia e Moda. Suas análises e perspectivas oferecem um panorama abrangente e atualizado das questões legais e culturais que moldam nosso mundo contemporâneo.

9

NON FUNGIBLE TOKEN (“NFTS”) E SUA PROTEÇÃO PELA PROPRIEDADE INTELECTUAL

Diante do constante desenvolvimento tecnológico, nos deparamos recentemente com a criação dos NFTs (non-fungible tokens ou tokens não fungíveis), com base na tecnologia Blockchain. O NFTS vem sendo adotado por diversos segmentos de mercado, principalmente no das artes, onde seu uso está cada vez mais consolidado. Devido a sua recente criação e rápida expansão, o presente trabalho tem por intuito tratar de algumas implicações jurídicas advindas do setor artísticos, que ainda estão em pauta de discussão uma vez que ainda não é possível vislumbrar todos os impactos gerados.

Palavras-chave

Blockchain - NFT - Criptoarte - Propriedade Intelectual - Proteção

Stella Maria De Almeida

Especialista em Propriedade Intelectual, Direito do Entretenimento, Mídia e Moda – ESA – OAB/SP.

01 10

INTRODUÇÃO

A contemporaneidade, em especial, porém não se limitando o período pandêmico enfrentado mundialmente, permeabilizou a ampliação do mercado digital, acentuando relações comerciais via plataformas especializadas. É no cenário em questão que os denominados NFTs (Non Fungible Token), ganharam notoriedade midiática,tornando-se grandes tendências no mercado de criptomoedas e estão expandindo rapidamente em vários setores, principalmente no âmbito artístico.

De acordo com o banco de dados Crypto Art Data, o mercado de artes digitais comercializadas por meio de criptografia, já movimentou US$ 493 milhões desde 2018 em mais de 175 mil movimentações financeiras, uma média de US$ 2.818 por Criptoarte comercializada1. Considerados relativamente recentes no universo digital, uma vez que o marco introdutório se deu no ano de 2015, os NFTs cativaram o campo da criptoarte em razão da magnitude de transações milionárias de compra e venda operacionalizadas por meio do Blockchain, sistema tecnológico que possibilita as operações criptográficas2

Sob essa égide, a obra The Merge, oriunda do artista Park fora vendida para 28.000 colecionadores de arte e investidores, sendo avaliada como a mais cara transação da história obtida com a comercialização de um NFT. Estima-se a arrecadação de US$ 91,8 milhões, em decorrência da compra de 312 mil cotas3

1 PAIVA, Iasmin. RIGA, Matheus. Os NFTs mais caros da história. Forbes. 12 de abril de 2021. Disponível em https://forbes.com. br/forbes-tech/2021/04/os-10-nfts-mais-caros-da-historia/ Acesso 30 de abril de 2022

2 BATISTA, Alex Oliveira Abreu. DIAS, Emilie Rebecca Bastos. SILVA, Murilo Borges. Identificação digital baseada em Blockchain: Um conceito disruptivo no ciberespaço. In ANAIS DO V SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE INOVAÇÃO EM MÍDIAS INTERATIVAS. Goiânia: Media Lab/UFG, 2018, P. 307 – 320. Disponível em https://files.cercomp.ufg.br/weby/up/777/o/28_-_Alex_Batista.pdf . Acesso em Acesso 30 de abril de 2022

3 KERCHER, Sofia. NFT chega a valer até US$ 92 milhões; veja as obras digitais que movimentamfortunas. CNN Brasil. 17 de fevereiro de 2022. Disponível em https://www.cnnbrasil.com. br/business/nft-chega-a-valer-ate-us-92-milhoes-veja-obras-digitais-que- movimentaramfortunas/#:~:text=The%20

Levando em consideração a contínua expansão das fronteiras do mercado artístico, o presente trabalho abordará inicialmente os conceitos básicos sobre o Blockchain, NFT Non Fungible Token passando, então, a abordar aspectos mais jurídicos do direito de proteção à propriedade intelectual por trás dos NFT e a sua possível caracterização como suporte.

1. BLOCKCHAIN - A ORIGEM DO NFT: NON FUNGIBLE TOKEN

O Blockchain é uma rede que está em constante desenvolvimento e possibilita a realização de transações digitais internas com segurança, imutabilidade e transparência4

Blockchain, em tradução livre, significa cadeia de blocos, sendo uma tecnologia de registro que contém todas as transações processadas no sistema. Uma cadeia de blocos pode ser interpretada como um conjunto de informações registradas que está ligado a blocos de informações anteriores e sucessores. O seu programa proporciona aos usuários rastrearem as transações de ativos digitais realizadas dentro da rede utilizando as criptomoedas, ou seja, é uma rede de validação de dados que funciona como um banco de dados público, aberto e descentralizado. Isto quer dizer, que as informações não estão centralizadas em um servidor único, e sim concentradas em diversos pontos ou nós pela rede [peer-to-peer]5.

Além de tudo, o Blockchain é considerado uma das tecnologias mais seguras e que dificilmente

Merge%20%E2%80%94%20US%24%2091%2C,US%24%2 091%2C8%20milh%C3%B5es . Acesso em Acesso 30 de abril de 2022

4 BORGES, Rodrigo Caldas de Carvalho. Material de aula - NFT: A “nova” forma de proteção e comercialização de bens intangíveis. Disponível em file:///C:/Users/stella.maria/Downloads/Aula- NFT-ABPI-Fev22%20(3).pdf . Acesso 30 de abril de 2022

5 ALECRIM, Emerson. O que é Blockchain: significado e funcionamento. Site Info West. 04 de dezembro de 2019. Disponível em https://www.infowester.com/blockchain.php Acesso 30 de abril de2022

11

poderá ser violada ou até adulterada6

Um ativo digital é representado através do token, que pode ser usado não apenas como troca e pagamento, mas também para representar objetos físicos ou digitais. Logo, o token poderá representar praticamente tudo: desde uma participação societária até uma obra de arte7.

O funcionamento do Blockchain pode ser ilustrado por meio de um fluxograma, elaborado pelo

controle sobre as condições e termos acordadas. Uma vez que as regras, obrigações e penalidades são inseridas pelos usuários, os contratos são automaticamente executados9

Ademais, neste contexto, o Blockchain possibilitou a criação do NFT, visto que, permite, além de transações com criptomoedas, transações de todos os tipos de ativos digitais. O NFT é um pedaço de código que está escrito no Blockchain que contém vários bits de informação. A propriedade do NFT é comprovada pela posse de uma chave de criptografia privada associada à transação, que tornará aquele ativo único10

1.1. O que São NFTs (Non Fungible Token)?

Tribunal de Contas da União (TCU), conforme Figura abaixo8:

O Blockchain concede aos usuários a liberdade de criação e controle de regras sem a necessidade de intermediários, devido a sua tecnologia descentralizada e para formalização de suas transações adotou a utilização de contratos inteligentes (smart contracts).

Os contratos inteligentes (smart contracts) são considerados mecanismos inovadores pelo seu caráter automatizado que possibilita um maior

6 MARTINI, Vitória. Por que redes blockchain são tão seguras? Money Times. 22 de agosto de 2021. Disponível em https:// www.moneytimes.com.br/por-que-redes-blockchain-sao-tao-seguras/ . Acesso em 30 de abril de 2022

7 REVOREDO, Tatiana. Blockchain e a tokenização de ativos nos negócios. Site MITSLOAN Management Review Brasil. 25 de fevereiro de 2020(?). Disponível em https://www.mitsloanreview.com.br/post/blockchain-e-a-tokenizacao-de-ativos-nos-negocios . Acesso em Acesso 30 de abril de 2022

8 SECOM TCU. TCU realiza estudo inovador sobre a tecnologia Blockchain e elabora guia para orientar os gestores. 10 de setembro de 2020. Disponível em https://portal.tcu.gov.br/ imprensa/noticias/tcu-realiza-estudo-inovador-sobre-a-tecnologia-blockchain- e-elabora-guia-para-orientar-os-gestores.htm . Acesso em Acesso 30 de abril de 2022

Para esclarecer, NFT (Non Fungible Token), tradução livre “Token não fungível”é um certificado de autenticidade e assinatura, na supracitada tecnologia Blockchain, o qual permite a realização de transações de praticamente todos os tipos de propriedades e bens digitais. As transações são efetuadas sem depender de nenhuma autoridade central para ser validada11

O NFT traz consigo a característica da não fungibilidade, por ser um item único e indivisível, ou seja, os NFTS são itens que não podem ser substituídos. Em outras palavras, NFTs são códigos de software gerados por certificação que tornam os ativosdigitais, um ativo único que não pode ser substituído por outros ativos e não são modificáveis. Aquele que compra o NFT recebe um código único que corresponde a compra daquele ativo12

9 INFO MONEY. O que são smart contracts e qual a relação com criptomoedas. Disponível em < https://www.infomoney.com. br/guias/smart-contracts/ > Acesso em 30 de abril de 2022

10 GARROT, Camila (Org.). PAZOS, Julia (Org.). CAMPELLO, Tatiana (Org.) et al. NFTs – Non- Fungible Tokens: uma abordagem prática. DEMAREST. Disponível em < https://www.demarest.com.br/wp-content/uploads/2022/03/Demarest-NFTs.pdf >. Acesso em 30 de abril de 2022

11 COINDESK. O que são NFTs? Entenda como criar, comprar e vender tokens não-fungíveis. Site Revista Exame. 08 de setembro de 2021. Disponível em < https://exame.com/future-of-money/o- que-sao-nfts-entenda-como-criar-comprar-e-vender-tokens-nao-fungiveis/ > . Acesso em 30 de abril de 2022

12 GARROT, Camila (Org.). PAZOS, Julia (Org.). CAMPELLO, Ta-

12
Figura 1 - Funcionalidade Blockchain

Podemos entender, que os NFTs são ativos digitais únicos e exclusivos, que são armazenados em um ambiente digital altamente seguro, Blockchain, e que não podem ser substituídos por qualquer outro bem seja ele digital ou não.

Hoje em dia, uma grande parcela dos NFTs transacionados no mercado envolvem as chamadas criptoartes: músicas, filmes, memes, tweets, trechos de jogadas emblemáticas no esporte, personagens, avatares e skins de games, dentre outros13

2. DA CRIPTOARTE E PROPRIEDADE INTELECTUAL

Conforme já exposto, o NFT praticamente pode ser qualquer propriedade, que desde sua criação vem sendo extremamente utilizado pelo setor artístico, abrangendotodos os segmentos, incluindo, mas não se limitando, aos artistas plásticos, cantores,desenhistas, grafiteiros, compositores, entre outros.

Em vista disso, o mercado da criação se reinventou e designou como Criptoarte, as obras de artes digitais, que tenham passado pelo processo de “Tokenização”, e com isso adquirirem um código único14, ou seja, as obras de artes digitais são aquelas expostas na internet sem que tenham sido tokenizadas, já as criptoarte, são as obras de artes digitais que passaram pelo processo de tokenização.

Essa transformação possibilitou que artistas garantissem a autenticidade de suasobras digitais, e diminuíssem o risco de cópias e plágios15. Setiana (Org.) et al. NFTs – Non- Fungible Tokens: uma abordagem prática DEMAREST. Disponível em < https://www.demarest.com.br/wp-content/uploads/2022/03/Demarest-NFTs.pdf

> . Acesso em 30 de abril de 2022

13 Id., Disponível em < https://www.demarest.com.br/wp-content/uploads/2022/03/Demarest-NFTs.pdf

14 TROPDEX TEAM. Criptoarte: revolução da arte digital. Site EDITORIAL TROPIDEX. 23 de novembro de 2021. Disponível em < https://medium.com/editorial-tropix/criptoarte- revolu%C3%A7%C3%A3o-da-arte-digital-6f187a2cf3bb >. Acesso em 30 de abril de 2022

15 VITORIANO, Dan. Você sabe o que são NFTs e cripto arte? Blog Dan Vitoriano. 02 de outubro de2021. Disponível em < ht-

gundo o filósofo e escritor Gustavo Bastos, em um artigo16 descreve:

“Com este caráter colaborativo, a valorização destas obras de arte digital é feita, uma vez que os negócios ocorrem sem intermediários, com artistas que podem variar as suas atividades criativas entre arte digital, gifs e vídeos, tornando estas plataformas um ambiente de experimentação artística, e com bastante troca de informações. As plataformas de criptoarte, por fim, servempara democratizar a produção de arte e valorizar os artistas.”

Como bem apontado por Felipether, co-fundador da Paradigma Education, a tecnologia do NFT possibilitou a criação de uma vasta quantidade de obras digitais17:

“Do ponto de vista do artista, você pode vender para o mundo inteiro sem passar por nenhum galerista. Já do ponto de vista do colecionador ou dos estudiosos, se você descobrir o próximo Picasso, não precisa morar em Barcelona, perto dele, para negociar. O artista pode ser do Sudão e você, que está aqui no Brasil, o descobriu e se deu super bem. É, literalmente, democratizar o mercado da arte.”

Analisando a situação, é importante discorrer sobre o tratamento jurídico da proteção da criptoarte, ressaltando que ao comprar um NFT, apesar de adquirir a propriedade sobre o ativo digital, não necessariamente adquirirá os direitos de propriedade intelectual sobre este.

Nesse contexto, podemos interpretar Proprietps://danvitoriano.medium.com/voc%C3%AA-sabe-o-que-s%C3%A3o-nfts-e- cripto-arte-c7182167b87d >. Acesso em 30 de abril de 2022

16 BASTOS, Gustavo. O NFT, a criptoarte e suas novidades –parte II. Site Jornal Século Diário. 21 de março de 2021. Disponível em < https://www.seculodiario.com.br/colunas/o-nft-a-criptoarte-e-suas- novidades-parte-ii >. Acesso em 30 de abril de 2022

17 SIMÕES, Luiz Felipe. O que são NFTs e quais os novos nomes da Criptoarte? Site Jornal ESTADÃO. 15 de março de 2021. Disponível em < https://einvestidor.estadao.com.br/educacaofinanceira/o-que-sao-nfts-criptoarte > Acesso em 30 de abril de 2022

13

dade Intelectual, de acordo com a definição da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (“OMPI” ou “WIPO”):

“à soma dos direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico”.

2.1. Da Proteção Como Obra Intelectual

Primeiramente, é de suma importância, compreender que o direito autoral ou bem jurídico ora protegido é a obra intelectual. Como denominado na Legislação Brasileira de Direitos Autorais, lei nº 9.610/98, em seu artigo 7º, o que são obra intelectuais:

“Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

- os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;

- as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza; III - as obras dramáticas e dramático-musicais;

- as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;

- as composições musicais, tenham ou não letra;

- as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas; VII -

as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;

- as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética;

- as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza;

- os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;

- as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;

- os programas de computador;

- as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual”.

De acordo com Bittar18, os direitos incidem sobre criações do gênio humano:

“os direitos intelectuais são aqueles referentes às relações entre a pessoa e as coisas imateriais que cria. Esses direitos incidiriam sobre as criações do gênio humano, manifestadas em formas sensíveis, estéticas ou utilitárias, ou seja, voltadas, de um lado, à sensibilização e à transmissão de conhecimentos e, de outro, à satisfação de interesses materiais do homem na vida diária.” (BITTAR, 2008, p. 2 e 3).

Sendo assim, o direito de autor tutela as criações de espírito, ou seja, a criaçãodeve ter proveniência humana e não deverá ser levado em conta a mérito da obra e sim, a sua criação original. Como bem apontou Ascensão, “O direito de autorpressupõe uma obra, (...) não há direito de autor sem obra” (ASCENSÃO, 1997, p.27).

14
18 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. 188 p.

Dito isso, é importante frisar que na propriedade intelectual, há a prevalência do entendimento da teoria dualista, ou seja, dois direitos de naturezas diferentes, um moral e outro patrimonial, mas derivados de uma única fonte a obra intelectual19

O direito moral do autor é intransferível e irrenunciável, em decorrência disto, mesmo com a venda do NFT o criador sempre será o autor daquela obra. Já o direitopatrimonial é negociável, sendo baseado no direito de exploração daquela obra. Todavia, a venda do NTF, não necessariamente transfere os direitos autorais patrimoniais ao comprador, sendo que essa transferência ou cessão deverá estar expressa.

A formalização da comercialização do NFT é realizada através do uso de Smart Contracts, no qual fica especificado as especificidades da negociação. No entanto, é necessário atentar-se na previsão do artigo 4º da Lei de direitos autorais, dado que, fica estipulado a interpretação restritiva dos negócios jurídicos sobre direitos autorais. Sem essas especificações a venda da NFT não englobará a transferência de direitosde propriedade intelectual, somente englobando os direitos de exposição e fruição dacriptoarte. Sendo assim, para que o comprador seja titular de direitos patrimoniais, essa previsão deverá estar expressa no Smart Contract

Posto isto, entende-se que a obra intelectual são as criações de espírito, originais, fixadas em qualquer meio ou suporte, conhecido ou que será inventado no futuro, não contemplando assim o campo das ideias, e que a autoria de uma obra advém de sua criação, e não por meio de seu registro.

2.2.

Quando pensamos em NFTS de criptoarte, poderá ocorrer o entendimento de que somente estará englobado as obras digitais novas, porém,

isso não é verídico. As NFTs podem ser ativos digitais tanto de obras preexistentes, quanto de obras novas.

As obras preexistentes são obras intelectuais que já haviam sido criadas anteriormente ao NFT, melhor dizendo, o NFT origina-se de uma obra artística previamente confeccionada sendo ela física ou digital.

É de suma importância apontar, que para a conversão da obra em um NFT, é necessário ser o autor/titular da obra ou possuir autorização expressa para tanto. Vale frisar que a autorização também será necessária para a exploração, reprodução, divulgação do NFT, entre outras formas, previstas na Lei de Direitos Autorais.

Por mais que a internet seja um local de acesso aberto, o processo detokenização não extinguirá a proteção da obra, “os direitos autorais continuam a ter sua vigência no mundo online, da mesma maneira que no mundo físico. A transformação de obras intelectuais para bits em nada altera os direitos das obras originalmente fixadas em suportes físicos” (Gandelman20, p. 154).

Para ilustrar trago o exemplo do Museu Hermitage do Estado (São Petersburgo,Rússia), que criou um projeto para tokenizar uma coleção exclusiva contendo cinco obras-primas de renomados artistas, que estavam mantidas no museu, apresentadas em altíssima resolução com a assinatura ao vivo do Diretor do museu. De cada obra tokenizada foi gerado dois NFTS, uma pertencerá ao próprio museu e outro será leiloado21.

Neste ponto, há uma vasta discussão sobre o caráter da NFT como sendo umnovo tipo de suporte ou somente uma certificação.

20 GANDELMAN, Henrique. De Gutenberg à Internet: direitos autorais na era digital. Rio deJaneiro: Record, 1997. p.36-7 21 RUBINSTEINN, Gabriel. NFTs invadem um dos maiores museus do mundo e famosa feira de arte dos EUA. Site Exame. 01 de setembro de 2021. Disponível em < https://exame. com/future-of- money/nfts-invadem-um-dos-maiores-museus-do-mundo-e-famosa-feira-de-arte-dos-eua/ > Acesso em 30 de junho de 2022.

15
Da Obra Preexistente e “tokenizada” para o NFT 19 BITTAR, Carlos Alberto. Direito de Autor. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008.

2.2.1. Do NFT de obra preexistentes como novo suporte

Ao criar um NFT, deve-se primeiro “cunhar” a versão digital de sua obra de arte. A cunhagem de uma obra de arte se refere ao ato de “tokenizar” a obra de arte, ou seja, carregá-la para uma determinada plataforma e emitir um token para garantir suaautenticidade.

A Lei de Direitos Autorais é bem clara quando especifica em seu artigo 7º “expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”. Melhor dizendo, a legislação já presumiu apossibilidade da criação de novos tipos de suportes.

“Atualmente, as informações são transmitidas de forma muito veloz por meio da Internet e dos demais meios de comunicação. Fotos, músicas, cópias de obras artísticas e literárias podem atravessar fronteiras em questão de segundos. Consequentemente, a proteção desses produtos intelectuais deve ser aprimorada, sob pena de não conseguir alcançar a efetividade almejada por partes dos autores de tais obras22”

De início é importante ressaltar que o entendimento sobre considerar o NFT como um novo suporte ou não ainda não está consolidado, e que atualmente existemduas correntes de pensamentos com entendimentos distintos.

A primeira entende que se o NFT for considerado um novo suporte, estaríamos tratando de uma obra derivada. Levando em consideração a tratativa da obra preexistente fixada em um su-

22 KOBUS, Renata Carvalho; PELUSCI, Marina Ravazzani Ribeiro. Blockchain: a solução para aproteção dos direitos autorais na contemporaneidade digital. Sociedade Informacional, p. 93.Sociedade informacional & propriedade intelectual / organização de Marcos Wachowicz, MarcelleCortiano – Curitiba: Gedai Publicações/UFPR, 2021, p. 93. Disponível em: < https://www.gedai.com.br/wpcontent/uploads/2021/12/1_Sociedade-informacional-propriedade- intelectual.pdf >. Acesso em: 15 janeiro. 2022.

porte físico, e que o titular ou autorizado, tenha interesseem tokenizar a obra no NFT, ao invés de primeiramente transformar em uma obra digital, estaríamos nesse caso diante da caraterização do NFT como um suporte para aquela obra em si23

Para Ilustrar, trago o entendimento do tribunal de New York no caso da Random House (RH) processou a Rosetta Books por violação de direitos autorais quando a Rosetta Books (RB) publicou obras de William Styron, Kurt Vonnegut e Robert B. Parker, no formato de E-book24

A Random House argumentou que possui contrato com os referidos autores e que nele previa os direitos de “imprimir, publicar e vender a obra em forma de livro”, ecom isso, somente ela teria os direitos de transformar os livros eletrônicos. O tribunalconsiderou preliminarmente, que a concessão era limitada e não abrangeria os livros eletrônicos, justificando que o envio de sinais digitais eletrônicos pela Internet, é um meio separado das palavras impressas em papel.

Todavia, a segunda corrente entende que seria considerado apenas como um selo de autenticidade, uma vez que, o processo de tokenização não gera nenhuma originalidade, ainda que mínima, e que o suporte seria o formato utilizado para salvar o arquivo que consta a criptoarte, como por exemplo o formato mp3. Não podendo assim, o NFT de obra preexistente ser considerado uma obra derivada, afinal as informações de entrada são as mesmas da saída, idênticas25

Podemos analisar o caso da obra preexistente que já estava fixada digitalmente, em qualquer

23 WACHOWICZ, Marcos. CIDRI, Oscar. Direitos Autorais e tecnologia: NFT: esculturas imaginárias e destruição criativa. GEDAI. 01 de agosto de 2021. Disponível em https://www.gedai. com.br/direitos- autorais-e-a-tecnologia-nft-esculturas-imaginarias-e-destruicao-criativa/ . Acesso em 15 janeiro. 2022 24 https://law.justia.com/cases/federal/district-courts/FSupp2/150/613/2468303/

25 LANA, Pedro de Perdigão. Sobre NFTs e Esculturas Imateriais: a contínua expansão das fronteiras do mercado artístico e o alcance do direito de autor. Sociedade Informacional & Propriedade Intelectual, Curitiba, 2021. Disponível em https://ssrn. com/abstract=3970314 . Acesso em 30 de junhode 2022.

16

tipo de formato, e foi tokenizada para o NFT, nessa hipótese seria considerada somente uma reprodução26 com o certificado de autenticidade, visto que,a obra já foi criada no suporte digital e que são idênticas.

A discussão aqui exposta é recente e carece de maiores análises, mas, decerto, já se pode concluir que o NFT, enquanto um inovador método de registro privado de autoria, poderá representar uma nova forma de garantia aos autores27

2.3. Da Obra Original Criada Como NFT.

Além de ser possível a criação do NFT de obra preexistente, seja ela de uma obra física ou digital, explorada em outro formato ou não, o NFT pode vir a ser a própriaobra original.

Acerca do desejo do autor em criar a sua obra original, diretamente no NFT, ouseja, a Criptoarte, prevalece a mesma discussão, no que consiste em considerar o NFT como um novo tipo de suporte ou não.

Analisando novamente a primeira corrente, à primeira vista, em uma resposta linear e simples, poderíamos concluir, que o NFT incorporado a obra de arte, seria umnovo suporte. Isto porque, a obra digital teria sido carregada e tokenizada diretamentepara o NFT. Assim, nesta perspectiva inicial, o ato de carregamento de uma obra digital para um determinado NFT seria um novo suporte digital da obra e concomitantemente uma nova forma de registro de autenticidade28.

26 WACHOWICZ, Marcos. CIDRI, Oscar. Direitos Autorais e tecnologia: NFT: esculturas imaginárias e destruição criativa. GEDAI. 01 de agosto de 2021. Disponível em https://www.gedai.com.br/direitos- autorais-e-a-tecnologia-nft-esculturas-imaginarias-e-destruicao-criativa/ . Acesso em 30 de junho de 2022.

27 BARBOZA, Hugo Leonardo; FERNEDA, Ariê Scherreier; SASS, Liz Beatriz A garantia de autenticidade e autoria por meio de Non-Fungible Tokens (NFT’s) e sua (in)validade para a proteção de obras intelectuais. Belo Horizonte: Fórum, v. 2, n. 2, p. 99–118, 2021. Disponível em: Acesso em: 21 jan. 2022. Cit. p. 115

28 WACHOWICZ, Marcos. CIDRI, Oscar. Direitos Autorais e tecnologia: NFT: esculturas imaginárias e destruição criativa.

GEDAI. 01 de agosto de 2021. Disponível em https://www.gedai.com.br/direitos- autorais-e-a-tecnologia-nft-esculturas-imaginarias-e-destruicao-criativa/ . Acesso em xxxxx

Todavia, analisando a segunda corrente estaríamos outra vez no mesmo impasse, dado que, o arquivo está salvo em um tipo de formato, como por exemplo oPDF e a tokenização da obra seria apenas uma reprodução da obra digital.

CONCLUSÃO

Devido ao exposto, podemos concluir que os sistemas que permitem a cunhagem do NFT são descentralizados e a regulação sobre o NFT é quase inexistente, uma grande variedade de conflitos e questões legais poderão surgir, trazendo ainda uma incerteza sobre o aspecto do NFT como um novo tipo de suporte ou não.

Por certo, podemos concluir que o NFT é uma tecnologia relativamente nova, na qual poderão ainda ser criados tipos de utilização e exploração e que atualmente carece de regulamentação, todavia, proporcionou aos autores e titulares das criptoartes uma segurança em sua divulgação e exploração e em decorrência, garantiu aos compradores um certificado que garantirá que aquele ativo é único, gerando uma escassez de mercado.

17

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20

SUSTENTABILIDADE NA INDÚSTRIA DA MODA, OS VALORES DE UMA MARCA SOB A ÓTICA DO CONSUMO CONSCIENTE E SUA

COMPATIBILIZAÇÃO COM O MOVIMENTO SLOW FASHION

O presente resumo versa sobre as necessidades de se repensar em uma Indústria menos que polui menos, que gera menos impactos ambientais, que mantém em sua cadeia produtiva as políticas de sustentabilidade e consumo consciente, que predomine a cultura do “Menos é Mais”, atualmente discutidas no Varejo Têxtil e do Vestuário, desde o Mercado de Luxo aos Magazines e Fast Fashion. A Indústria da Moda é a segunda que mais polui o Meio Ambiente, o que nos obriga a repensar na reestruturação e/ou um novo pilar da cadeia produtiva têxtil e de confecções até o consumidor final, isto é, desde a extração da matéria prima até a distribuição, fornecimento, produção e compra, aplicando as métricas ESG Environmental, Social and Governance. Repensar no consumo, é pensar em um consumo consciente, é trazer pra si o movimento Slow Fashion. E, por último, não menos importante, o presente trabalho tem a intenção de trazer ao leitor os valores de uma empresa e a regulação das práticas honestas do mercado, o combate à concorrência desleal que, dia a dia, as marcas têm lutado para manter a sua posição de destaque perante a indústria têxtil e frente aos consumidores.

Palavras-chave

Princípio Constitucional - Sustentabilidade na Moda - Indústria Sustentável - ESG - Combate à Concorrência Desleal

Inês Pereira Barbosa

Especialista em Propriedade Intelectual, Direito do Entretenimento, Mídia e Moda – ESA – OAB/SP.

21 02

INTRODUÇÃO

A Sustentabilidade na Moda e a preocupação das grandes marcas no segmento têxtil é atual, de relevância e importância no mundo globalizado,onde tornar um mundo mais consciente tem sido a preocupação de alguns nichos demercado e, aqui especificamente, o Mercado do Varejo Têxtil e do Vestuário.

Por isso, o presente Artigo pretende levar o consumidor, advogados e profissionais da moda a uma imersão sobre o tema, sem pretender esgotar o assunto, e, ao final, deixar uma pergunta para reflexão: “Haveria algum impacto econômico-financeiro para as marcas do segmento têxtil, que optarem por uma Moda Sustentável e Consciente, em que as roupas não são produzidas em grande escala e de forma “descartável”?

Veremos a seguir que as práticas ESG têm sido adotadas pelas empresas que buscam manter uma relação mais próxima e justa com o meio ambiente, com a sociedade “consumidor” e, em português podemos falar que abarca três dimensões: Social, Ambiental e Econômico.

No quesito “Social” podemos dizer que se refere ao respeito que se deve ter ao trabalhador, com salário justo e incentivo a empregabilidade; sob o aspecto “Ambiental”, este define os limites de uso de recursos naturais para evitar desequilíbrio dos ecossistemas, banir e substituir os agentes poluidores do meio ambiente, para reduzir o impacto ambiental do sistema industrial e, sob o aspecto “Econômico” aquele que analisa e mede a eficiência dos processos produtivos, considerando as tendências de maior geração de benefícios, com menor uso de recursos.

É preciso se preocupar como Mercado, como Consumidor, como Mundo Globalizado na sustentabilidade. Necessário se faz repensar no impacto ambiental de toda cadeia produtiva, na redução do consumo, na mudança cultural para compra de roupas, acessórios e calçados.

Conforme dados gerais do Setor (atualizados em

fevereiro de 2022), apresentado através do balanço em dezembro/2021 pela ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), a indústria têxtil produziu 7,93 bilhões de peças, sendo 1,91 milhões de toneladas de produtos têxteis em 2020. Cerca de 175 mil toneladas de resíduos têxteis são descartadas por ano, dos quais apenas 20%(vinte por cento) são reutilizados ou reciclados.

Cristalinamente nos deparamos com a produção de lixo têxtil absurdamente prejudicial para o Ecossistema, para o Mundo Globalizado, para nós humanos enquanto seres terrenos. É preciso entender que o que denominamos de “lixo têxtil” pode ser descartado para uma economia circular, através de inúmeros trabalhos com resíduos têxteis, produção de energia e logística reversa.

Devido o lixo têxtil produzido anualmente no Mundo, devido a tendência da moda ter inclinação para o “descartável”, considerando o descarte de insumos, de matéria prima, de roupas e acessórios é preciso repensar em uma Moda Sustentável sob riscos de declínio ambiental e desordem de todo o Ecossistema.

O Brasil produz anualmente cerca de 175 mil toneladas de resíduos da indústria têxtil (retalhos de calças, camisas e meias) conforme dados de 2018 apresentados no balanço de dezembro/2019 pela ABIT.

Com isto, é fundamental pensar que outras indústrias podem reaproveitar os resíduos têxteis e trazer um conceito novo de “lixo ressignificado”, evitando o descarte. E, na indústria da moda porque não pensar na economia circular,no upcycling, no garimpo de 2ª mão e na logística reversa?

Devido o lixo têxtil produzido anualmente no Mundo, devido a tendência da moda ter inclinação para o “descartável”, considerando o descarte de insumos, de matéria prima, de roupas e acessórios é preciso repensar em uma Moda Sustentável sob riscos de declínio ambiental e

22

1. A SUSTENTABILIDADE NA MODA COMO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL, SEUS VALORES E MENOS IMPACTO NA NATUREZA

Estamos em uma era que os valores sociais estão sendo repensados, tendo em vista, o impacto na natureza e a resposta que o meio ambiente tem dado, em face ao desmatamento, agentes poluentes e ecossistema ameaçado.

Não é fácil tratar deste tema, onde sentimos muitas vezes caminhar na contramão do sistema; mas, de suma importância para alertar a todos e trazer uma conscientização equânime sobre a necessidade da preocupação sobre o que produzimos e colocamos à disposição do ser humano no mundo global.

O meio ambiente tem sido enfoque de inúmeras matérias jornalísticas, de comentários em redes sociais, tem sido pauta de reuniões e congressos, nós seres humanos temos sido colocados a pensar sobre a continuidade do planeta em detrimento ao caos que temos acompanhado a olhos nus, a degradação em escala do planeta Terra, ao consumo desenfreado, a produção desordenada, e tantos outros fatores que afetam direta e indiretamente o meu, o seu, o nosso meio ambiente.

E, aqui, pretendo falar sobre o mercado da moda que é o tema deste artigo científico e, desde já, não querendo esgotar o tema, mas trazer aos leitores um momento de reflexão, de autoquestionamento e de mudança de hábito, para que saiamos da inércia e passemos a contribuir com um sistema sólido, seguro,bem posicionado e de resultados positivos e impactantes na natureza e em toda cadeia produtiva do segmento têxtil.

A moda é o tema deste trabalho, a preocupação com a sustentabilidade em todas as etapas de uma produção é imprescindível, o combate a concorrência desleal, e a valoração da marca

através da criação de suas políticas internas e compliance, em todo o caminho a ser percorrido dentro da indústria têxtil pretendemos, em linhas gerais, abordar.

O mercado da moda é considerado um dos maiores agentes poluidores, conforme o indicativo da ABIT – Associação Brasileira da Indústria Têxtil,analisada através do Perfil do Setor.

Em 2021 foi confirmado que a indústria da moda é responsável por 8% da emissão de gás carbônico na atmosfera, ficando atrás apenas do setor petrolífero.

Ainda, sobre este assunto, o poliéster, uma das fibras mais utilizadas no mercado fashion, é responsável pela emissão anual de 32 das 57 milhões de toneladas globais.

Os artigos do vestuário como sabemos são compostos por tecidos naturais e sintéticos, ambos causam impacto na sustentabilidade, motivo pelo qual é imprescindível monitorar os prejuízos que causam à saúde e ao meio ambiente.

A utilização de pesticidas no campo traduz em pequenas quantidades de resíduos químicos existentes nas peças de roupas, uma vez que o algodão é responsável por aproximadamente 10% do total de pesticidas utilizado emtodo território nacional e, com a aplicação média de 28 litros por hectare, a cultura éa quarta que mais consome agrotóxicos no Brasil, conforme dados do relatório “Fios da Moda: Perspectiva Sistêmica para Circularidade”.

E não para por aí!

Um estudo pela Boston Consulting Group chamado Pulse of the Fashion Industry de 2019, mostra que até 2030 a indústria global de vestuário e calçados terá crescido 81% chegando a 102 milhões de toneladas de roupas e acessórios, exercendo uma pressão sem precedentes sobre os recursos do planeta.

Por isso, é imprescindível reavaliar a cadeia pro-

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de todo o
desordem
Ecossistema.

dutiva na moda e seus aspectos constitucionais, através da análise pormenorizada dos princípios previstos na Constituição Federal de 1988, através do artigo 170.

Inclusive, através da leitura do referido artigo 170 é possível visualizar que toda a atividade da moda, toda a cadeia produtiva está ali inserida.

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade; IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente;

VII - redução das desigualdades regionais e sociais; VIII - busca do pleno emprego;

IX - tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.

Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.

O artigo 225 da Constituição Federal dispõe sobre o Princípio da Prevenção, que se enquadra perfeitamente neste trabalho, uma vez que, cristalinamente, aduz que não somente ao Poder Público, mas, também, à Coletividade tem direito ao meio ambiente equilibrado; mas, não é somente isto, também, tem o dever de defender, preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações.

Com isto, vemos explicitamente, que todos devem envidar esforços para um ambiente equilibrado, uma cadeia produtiva menos poluente, um consumo mais justo e sustentável, elaboração de instrumentos que representam as normas de compliance nas empresas, os chamados “códigos de conduta”, baseados em preceitos jurídicos.

Veja, a sustentabilidade é dever de todos e precisa e deve ser entendida como fundamental, já pelos artigos constitucionais supracitados como, também, pela interpretação do artigo 5º, LXXIII da Carta Magna.

Precisamos, também, enfatizar a proteção jurídica dada ao meio ambiente através da Política Nacional ao Meio Ambiente, da Política Nacional de Resíduos Sólidos e a Lei de Crimes Ambientais.

Uma mudança concreta na indústria da moda deve ocorrer de forma célere, o novo modelo de desenvolvimento, de políticas internas sustentáveis deve ser repensado e aplicado com urgência, de modo que tenhamos uma moda repensada, justa e transparente, responsável e legal.

Para isto, é imprescindível que todos os responsáveis por fazer a “moda” e colocá-la ao público consumidor se debruce no planejamento e que se alicercem nos princípios constitucionais.

Mas, também, é preciso trazer a sociedade, o poder público de iniciativa privada para interação e aplicação deste planejamento e mudança da cadeia produtiva, uma vez que todos são responsáveis pelo crescimento demasiado de toda essa cadeia produtiva que vemos e estamos inseridos.

Em que pese a tecnologia trazer uma enorme modificação no dia a dia do ser humano, tais modificações chegaram de forma rápida exigindo imediata adequação do ser humano à máquina, à inovação sobre um processo, e sabemos que o mercado da moda permanece na busca da correta utilização de um processo.

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2. A SUSTENTABILIDADE NA MODA COMO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL, SEUS VALORES

E MENOS IMPACTO NA NATUREZA

Nesse capítulo abordaremos acerca do pilar da moda sustentável, o qual está alicerçado no tripé social, ambiental e financeiro. Esses aspectos devem convergir harmonicamente na mesma direção de um negócio.

A sustentabilidade na moda é a definição para práticas e métodos que envolvam todo o processo produtivo da cadeia têxtil, e esse processo não deve agredir o meio ambiente e, tampouco, a sociedade. E a sociedade que aquitratamos não diz respeito ao consumidor final puro e simplesmente, mas, também, todos os que estão inseridos no trabalho em toda a cadeia produtiva.

Inclusive, acerca dessa importância que devemos dar ao consumidor que está presente em toda a cadeia produtiva, podemos trazer à tona o caso do Edifício Rana Plaza que desabou em Bangladesh em 24 de abril de 2013.

Naquele dia aproximadamente 1.134 pessoas morreram e outras 2.250 pessoas ficaram feridas, um fato absurdamente triste, uma verdadeira catástrofe.

O prédio que veio a desabar abrigava inúmeras fábricas têxteis na periferia de Daca e, ali centenas de centenas de pessoas trabalhavam em condições semelhantes ao de escravidão, com trabalho forçado e exaustivo, sem considerar a mão de obra barata.

Os funcionários viviam diariamente em condições sub-humanas em um prédio que já apresentava fissuras em sua estrutura, e que não haviam quaisquer inspeções pelos órgãos de segurança e governamental daquele País e, tampouco, pelos empresários que tinham constituídas as suas empresas naquele local, isto é, as vidas ali ceifadas e os sobreviventes viviam sem qualquer dignidade humana.

Com esse trágico acontecimento que chocou o mundo e, infelizmente isto precisou acontecer, para que medidas sociais foram tomadas aos trabalhadores para garantia de seus direitos, para que as inspeções nas fábricas fossem reforçadas, que as medidas de segurança se tornassem obrigatórias e, principalmente, para que a legislação trabalhista fosse reformada naquela País, tornando mais justos os salários e, de forma global, para que a moda fosse efetivamente repensada.

Por que tratamos deste assunto até aqui?

Porque a moda sustentável diz respeito a uma produção mais sensível e humanizada, preocupada com o meio ambiente, com o consumo de produtos químicos e gastos desenfreados com água, com a quantidade de roupas e acessórios descartados formando lixos têxteis em quantidade extremamente elevada, impossíveis de se decompor no tempo.

A preocupação com a moda sustentável deve se dar, inclusive, sobre a mão de obra que de forma alguma deve ser explorada com salários injustos e excessiva jornada.

É preciso repensar a moda!

Sob a ótica sustentável, as peças produzidas devem ter maior durabilidade, isto, para evitar o consumo desenfreado e o acúmulo de lixo têxtil em um Mundo que já está saturado resíduos têxteis.

Acompanhando esse cenário, é possível ver que muitas marcasestão se voltando para uma produção sustentável e menos poluente, até mesmo porque vivemos em uma era em que os consumidores vêm exigindo cada vez mais essa conscientização daquele que produz – a marca.

Acreditamos que a geração millenials tem exigido mais insistentemente um posicionamento das marcas quanto ao trabalho que vem desenvolvendo para se tornar uma indústria menos poluente e menos impactante aomeio ambiente,

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questionando e exigindo a apresentação de uma nova história no contexto sustentável.

Com isto, para serem aceitas pelos consumidores, inúmeras marcas em crescente escala tem repensado a moda, desenvolvido políticas internas,adotado medidas de compliance, temos notado uma sociedade mais sensível ao tema, mais preocupada com a transparência, mais questionadora. Vemos uma sociedade em transformação!

Também, claramente se observamos que o acesso às informações e sobre conteúdos de moda, que sempre foi bastante limitado, mudou. O acesso dos consumidores à tecnologia tem, inclusive, exigido uma postura sólida e bem posicionada das marcas que pretendem trilhar os caminhos de uma moda ética,preocupada com a sustentabilidade e duradoura.

A identidade corporativa e a marca corporativa contribuem para a reputação de uma marca e estes valor patrimonial são constituídos por ativos tangíveis e intangíveis, que geram percepções diferentes e positivas no mercado têxtil,e de aceitação perante o consumidor.

Por isto, a importância da marca em repensar os seus critérios de trabalho, da sua produção, da sua política interna, das relações de trabalho em um mercado cada vez mais exigente, promover treinamentos e conscientização. E isto, envolve a todos dentro da empresa, desde o colaborador, diretor ao empresário.

3. COMO O CONSUMO CONSCIENTE NA MODA SE COMUNICA COM O MOVIMENTO SLOW FASHION

Neste capítulo abordarei sobre um movimento que vem impactando de forma consciente os empresários e os consumidores, uma forma de combater o excesso desenfreado que vemos atualmente no consumo.

Mas, primeiramente, é importante tratar aqui do que vem a ser o movimento slow fashion, de modo a trazer uma leitura leve sobre o tema.

Slow fashion “a moda devagar” é um movimento criado pela professora e consultora do Center for Sustainable Fashion Kate Fletcher e mencionado pela primeira em seu livro “Sustainable Fashion and Textiles: Design Journeys (2008)” e que surgiu em resposta ao movimento fast fashion, sendo este último movimento o tão conhecido por trabalhar com a produção de roupas baratas, em larga escala e destinadas ao uso de curtíssimo prazo, a qual chamamos de “descartáveis”.

No slow fashion toda cadeia produtiva tem a mesma relevância, isto é, os trabalhadores, as comunidades, o meio ambiente e os consumidores. Aqui vemos que todo o ciclo de vida do produto, do design e da confecção é levado muito a sério.

O meio ambiente aqui é pensado de forma consciente e séria, uma vez que o movimento se preocupa com a redução de resíduos têxteis, valoriza asustentabilidade e valoriza a matéria prima.

Presenciamos ao longo de muitos anos o conceito de um consumo duradouro, de produtos de altíssima qualidade e de preços baixos. Isto, se aplicava em todos os segmentos, uma vez que eram raras as vezes que um bem erasubstituído por um novo, que um artigo do vestuário precisava ganhar novo espaço no armário, porque os bens efetivamente duravam muito.

Contudo, com a revolução industrial essa história do consumo duradouro mudou, e de forma abrupta.

Esse processo industrializado e exagerado de produçãofuncionou sim, e por longos anos, porém, chegamos a uma situação catastrófica e muito preocupante, pois os impactos causados ao meio ambiente se tornaram quase irreversíveis. O mundo está saturado, está contaminado, poluído de resíduos têxteis que não se degradam, que causam o pior impacto global já visto

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na história do mundoquando o assunto é poluição e lixo têxtil.

Com um mundo saturado e clamando por oxigênio, com o meioambiente respirando com ajuda de aparelhos, se é assim que podemos dizer, imperioso se fez rever os processos de produção e, principalmente, de conscientização e de consumo.

Daí surgiu o movimento Slow Fashion!

Com esse movimento tão nobre, é possível trazer à memoria doconsumidor moderno a necessidade do consumo consciente de roupas e, mostrar queé possível comprar um produto duradouro, permanecer na moda, contribuir com a sustentabilidade e consumir de forma consciente os artigos do vestuário, sejam eles roupas, calçados, acessórios.

É preciso colocar em prática o consumo consciente, trazendo uma consciência de que comprar uma peça durável, resistente, com matéria prima orgânica vale a pena.

Para isto, precisamos priorizar: 1) as peças duráveis, investindodinheiro em boas roupas; 2) lavar menos as roupas de modo a contribuir menos impacto ambiental; 3) valorizar a produção local, confeccionadas pelos produtores menores visto que a produção causa menos impacto ambiental e não costumam utilizar da mão de obra escrava; 4) organizar melhor o guarda roupa e de forma regularmente, até porque dessa forma ajuda o consumidor a ter uma visão das roupasque se tem, evitando o desperdício através de novas compras e, inclusive, praticando o a economia circular, a transformação das peças através do upcycling; 5) optar pela doação ou descarte de forma correta, e aqui a doação é extremamente importante que se faça para liberar espaço no armário e para ajudar outras pessoas.

Assim, aconselha-se investir na moda consciente e no movimento slow fashion, uma vez que é extremamente importante estar cada vez mais engajado com as questões ambientais, huma-

nitárias e de transparência na moda quanto as etapas de produção.

Com isto, não poderíamos encerrar esse capítulo sem, antes, perguntar: E você? Quem faz suas roupas?

4. A INFLUÊNCIA DAS BOAS PRÁTICAS DE SUSTENTABILIDADE PELAS MARCA E A MÉTRICA ESG

Neste capítulo abordaremos a intenção explicitada pelos consumidores às marcas, no sentido de trazer ao mercado e dar publicidade à transparência sobre as boas práticas sustentáveis e sociais que tem sido adotadas para um futuro mais verde.

Já falamos no capítulo anterior que o consumidor tem cada vez mais se tornado um público exigente, quando o assunto é sustentabilidade na moda, boas práticas, cadeia produtiva limpa e livre de poluentes, políticas internas. O consumidor moderno, e aqui enfatizamos a geração millenials e geração Z, observa, monitora e trabalha como um fiscal das marcas no segmento têxtil, inclusive, quandoo assunto é inclusão social.

Tem sido priorizado cada vez mais, desde os grandes magazines varejistas às maisons o respeito, a dignidade, o trabalho honesto e segmentado desde a mão de obra interna e especializada, através das boas práticas e políticas internas, até a proposta da empresa como MARCA no mercado consumerista.

Vimos que após o acidente no edifício Rana Plaza em Bangladesh o compromisso social, a sede por transparência das empresas emquestões de sustentabilidade não tem sido mais uma escolha das marcas. São temas que tem recebido cada vez mais atenção e o público consumidor tem se tornado muito exigente, tornando um caminho “sem volta” às empresas que atuam na indústria têxtil.

Abrindo aqui um parêntese, segundo a WGSN.

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“Com o aumento acentuado do custo de vida e às pressões em torno da sustentabilidade, os consumidores estarão cada vez mais interessados em produtos, serviços e ambientes que os ajudem a cuidar melhor de si mesmos, dos outros e dos seus pertences. A chamada “Economia do cuidado”

umas das principais tendências mapeadas pela WGSN para os próximos anos –influenciará em repercussões para diversos segmentos, dentre eles a indústria da Moda” (WGSN Insider, may31, 2022).

Em uma pesquisa global da Nielsen, mostrou que 80% da Geração Z acham que as empresas devem agir para causar impacto positivo no meio ambiente. A sustentabilidade move esta forma de consumir.

Também, uma pesquisa da VIGA em parceria com a OC&G Strategy Consultants mostrou que 27% da Geração Z prefere comprar produtos que demoram a ser descartados e 37% deles buscam comprar apenas o que realmente precisam.

Essa geração que falamos aqui (Millenials e Z) hoje representa mais que 51 milhões de indivíduos no Brasil, ainda não atingiu o mercado de trabalho em massa, contudo, representa não somente 93% de influência no poder de compra do mercado doméstico, mas, também, são adeptos a causas e propósitos.

E, aqui fechando o parêntese, os Millenials trouxeram umarevolução ao mercado e uma tendência às marcas, pois como já dissemos, eles ditam os novos modelos de negócio e prezam pela sustentabilidade, sendo criteriosos ao selecionarem as marcas pela sua autenticidade nas práticas ambientais, de responsabilidade social, transparência e ética.

Então, o ocorrido com o Rana Plaza e por sabermos que a indústria da moda é responsável por mais emissão de carbono do que o transporte aéreo e o marítimo juntos, segundo dados da ONU, imprescindível se faz pensar no tema e tra-

zer a sua aplicabilidade nos dias atuais.

Muitas marcas já tem personalizado os seus monitoramentos e coletado dados sobre os atributos específicos relacionados a sustentabilidade da empresa. Elas tem criado lista de opções com características de interesse destacadas, exemplo, se é sustentável, se a marca se importa com o meio ambiente;também, vem pedido aos consumidores que concordem ou discordem de determinadas condutas e, assim, as marcas também monitoram o seu público consumidor através dessas listas de opções.

Essa métrica ajuda de forma incrível o monitoramento da marca, que pode descobrir o perfil de seus clientes consumeristas, como estes vem reagindoaos investimentos em sustentabilidade.

E, isto, é extremamente importante porque são esses números, alcançados em pesquisas de mercado, que resultarão em reconhecimento, preferência e fidelidade do consumidor à marca. Mas, não é só! Essa coleta de informações pode ajudar as empresas a entender o que está por trás das mudanças,ajudar a revelar o que o público pretende e busca neste século XXI.

Somado a isto, também, precisamos falar sobre a métrica ESG que reúne políticas de meio ambiente, responsabilidade social e governança e, cada vez mais, tem sido cobrado tais medidas às empresas.

ESG – Environmental, Social and Governance é uma sigla em inglês e como dito acima, se refere as práticas ambientais, sociais e de governança de uma empresa e/ou organização e, em português, podemos falar em ASG – Ambiental, Social e Governança.

Os critérios ESG estão totalmente relacionados aos 17 Objetivosde Desenvolvimento Sustentável – ODS, estabelecidos pelo Pacto Global em 2004. Trata-se de uma iniciativa mundial que envolve a ONU e várias entidades internacionais.

Para a KPMG, a integração dos temas ESG está

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presente em todos os seus negócios, isto é, em toda a jornada desde a avaliação, estratégia & propósito, transformação, implementação, medição, reporte até a asseguração.

“A construção de um mundo inclusivo, ético e ambientalmente sustentável, que garanta qualidade de vida para todos, depende da habilidade das empresas em desenvolver e implementar práticas de negócios que alinhem lucro, propósito e transparência. Essa é uma jornada que transforma tanto os negócios como a sociedade”.

Veja, o ESG é uma jornada de transformação dos negócios e envolve a construção de um mundo inclusivo, ético e ambientalmente sustentável, capaz de garantir uma qualidade de vida para todos nós.

Para isto, é preciso que as empresas estejam alinhadas quanto ao desenvolvimento, implementação de práticas de negócios/lucros, propósito etransparência. É preciso que a empresa, a marca não somente esteja focada em resultados financeiros, mas, também, em conquistas não materiais que refletem a missão e o propósito de uma marca, o que ela representa para a sociedade e qual a parcela de responsabilidade que a marca tem perante o meio ambiente e seus clientesconsumeristas.

Em linhas gerais, podemos falar aqui sobre cada uma das siglasESG para trazer maior esclarecimento quanto a importância da adoção e aplicação dessa prática.

A letra E (Envinromental) diz respeito a relação umbilical da empresa com o meio ambiente. Ela representa o impacto que uma empresa causa no ambiente natural e, isto, inclui as questões de poluição, de recursos naturais e a biodiversidade.

Já a letra S (Social) trata da responsabilidade social das empresas, ou seja, ela diz respeito aos fatores relacionados aos funcionários, clientes,à

sociedade como um todo. Aqui podemos pontuar a saúde, a segurança para os funcionários, os padrões de trabalho, a segurança dos produtos aos consumidores, a privacidade e, também, a segurança de dados para os usuários, sendo este último umassunto tão falado nos últimos meses e de grande relevância.

E, finalizando, é possível interpretar a letra G (Governance) aqueles assuntos relacionados à empresa, a administração de seus negócios, os requisitos éticos através de suas políticas internas.

Com isto, vimos que a transparência e responsabilidade são fundamentais no mundo empresarial e essa métrica ESG que aqui falamos, vem sendo adotadas por grandes companhias.

Abordamos no presente trabalho que os consumidores estão cada vez mais exigentes e mais informados, a todo momento estão conectados em questões de sustentabilidade e, inclusive, vem optando em suas escolhas.

E querem um dado interessante? Em pesquisa feita pela McKinsey, empresa global de consultoria de gestão, o público já está mapeado: as mulheres, a geração Z e as pessoas mais ricas são as que mais se preocupam com o assunto.

Mas, o que pretendemos aqui é trazer uma conscientização do leitor sobre a necessidade e importância na validação das métricas ESG, uma vez quecom esse olhar criterioso podemos entender o consumo consciente e nos incluirmos como parte de responsabilidade, inclusive, permitindo-nos caber na frase de João de Barro Botinas “Cuide mais – compre menos – faça durar”.

Sabemos que na Indústria da Moda não é fácil e, tampouco, amigável, o relacionamento com a natureza.

Enfrentamos diariamente problemas com agrotóxicos na plantação do algodão, os microplásticos que estão presentes nos tecidos sintéticos

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e, inclusive, estes poluem absurdamente o meio ambiente, o uso excessivo da água na lavagem do jeans, os escândalos que vemos rotineiramente quando o assunto é trabalho infantil ou análogo à escravidão, condições insalubres de trabalho, ausência de políticas internas e qualidade de trabalho aos trabalhadores, ausência da aplicação de práticas trabalhistas na relação de trabalho.

Mas, para fazer o negócio na indústria têxtil, no mercado da moda dar certo não é impossível e, digo mais, não é tarde. Comece!

5. A REGULAÇÃO DE PRÁTICAS HONESTAS E A APLICAÇÃO DE MEDIDAS LEGAIS NO COMBATE À CONCORRÊNCIA DESLEAL NA INDÚSTRIATÊXTIL

Neste último capítulo, mas não menos importante, abordaremosquestões importantes vivenciadas na indústria têxtil quando o assunto é concorrência desleal. As empresas e suas marcas ao longo dos anos vêm sofrendo prejuízos coma prática ilegal daqueles que, ilicitamente, adotam claramente competições e rivalidades comerciais que configuram a falta de lealdade e trazem prejuízos, muitas vezes, irreparáveis.

A concorrência desleal na hipótese de imitação de marca, é aquela passível de despertar confusão ao consumidor e está caracterizada quando uma empresa e/ou marca utiliza de meios fraudulentos e desonestos para influenciara clientela do concorrente. Neste caso, há intencionalmente o desvio da conduta moral, a violação dos princípios da honestidade comercial, a boa fé e os bons costumes.

Denis Borges Barbosa ao tratar do tema, diz que:

“(...) há concorrência quando distintos agentes econômicos disputam a entrada, manutenção ou predomínio num mercado, definido por serviços ou produtos que sejam iguais ou – do ponto de vista do con-

sumidor – substituíveis entre si; definido ainda pela efetividade dessa disputa num espaço geográfico e temporal determinado”.

No artigo 170 da Constituição Federal de 1988 a concorrência desleal está disciplinada em seu caput, IV e, também, no Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) podemos observar que a repressão aos abusos praticados no mercado e aqui se inclui a concorrência desleal, faz parte do rol dos princípios garantidores da boa relação de consumo.

Também, o artigo 2º da Lei de Propriedade Industrial n. 9.279/96dispõe em acerca da repressão à concorrência desleal, e os artigos 195 e 209 da mesma Lei dispõem dos tipos penais e as ações desleais.

O setor têxtil tem sido noticiado frequentemente nas mídias acerca de apreensão de produtos falsificados, sendo as marcas as verdadeiras vítimas da concorrência desleal, e com isso se tem uma consequência negativa aos consumidores, o desvio ilegal da clientela das marcas alvo de imitações e o prejuízo ao erário que deixa de arrecadar com os impostos sonegados.

E, ainda, acerca deste assunto, importante transcrever decisão recente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO COMINATÓRIA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO

POR DANOS MATERIAIS E MORAIS - MAR-

CA - ASSOCIAÇÃO DE IMAGENS TEXTUAIS

- CARACTERES - UTILIZAÇÃO INDEVIDA

- CONFUSÃO - CONSUMIDOR - COMPROVAÇÃO - ATO ILÍCITO RECONHECIDO - LEI

9.279/96 - DANOS MORAIS - PRESUNÇÃOASTREINTES - LIMITAÇÃO - CABIMENTO.

A Lei 9.279/96 confere proteção à marca, que a identifica perante os consumidores no ramo mercadológico em que atua. Logrando a parte autora comprovar que a parte ré vem se utilizando de marca-sinais designativos, registrada perante

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o INPI, fato capaz de causar ao consumidor confusão entre os signos distintivos visualmente perceptíveis, especialmente quando se trata de produtos da mesma natureza e comercializados por empresas atuantes no mesmo seguimento de mercado, fica configurada a concorrência desleal pelo que é cabível a proteção da marca. É entendimento consolidado no Superior Tribunal de Justiça que, em se tratando de uso indevido de marca devidamente registrada junto ao INPI, os danos morais prescindem de prova. Na fixação da indenização pelos danos morais, deve-se atentar para as circunstâncias dos fatos e das partes, evitando o enriquecimento indevido, mas proporcionando à vítima uma satisfação e ao ofensor um desestímulo à prática de condutas abusivas. O termo inicial das astreintes é o decurso do prazo estabelecido para o cumprimento da obrigação após a ciência inequívoca da parte. O valor da multa diária fixada no caso de obrigação de fazer ou não fazer não faz coisa julgada material e pode ser limitado pelo juiz, ainda que de ofício, conforme a hipótese ocorrente e o excesso havido, fazendo a adequação concreta. (TJ-MG - AC: 10000205690894002 MG, Relator: Marco Aurélio Ferrara Marcolino (JD Convocado), Data de Julgamento: 26/08/2021, Câmaras Cíveis / 15ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 02/09/2021.

A marca tem uma enorme relevância na economia pois as empresas se utilizam delas para diferenciá-las dos demais produtos e serviços disponíveis no mercado e, na maioria das vezes, senão em todas, é a marca o maiorinvestimento para uma empresa.

A proteção da marca está prevista na Lei de Propriedade Industrial, na Convenção da União de Paris e o TRIP´s e, nesse aspecto, podemos falar que a livre iniciativa e a livre concorrência são consagradas como princípios previstos na Constituição Federal, haja vista que norteiam a atividade econômica nacional.

Contudo, quando o assunto passa a ser a concorrência desleal que tem por objetivo o desvio de clientela, estendendo à imitação do conjunto-imagem (trade dress) dos produtos, a reprodução integral ou parcial da marca ou do nome empresarial e tem a finalidade de confundir o consumidor com a finalidade única e exclusiva de obter vantagem ilícita, podemos então afirmar a existência do crime de concorrência desleal.

E aqui podemos falar que são 3 os responsáveis e que concorrem com esse crime: o fornecedor que quer vender a qualquer custo, infringindo as leis, o concorrente que quer ganhar a concorrência de mercado na sua área e o cliente que quer obter vantagem na compra do produto, infringindo a lei.

É bem verdade que o Brasil vem se destacando e alcançando progresso na luta contra a concorrência desleal, através de uma atuação mais severadas esferas do poder legislativo, executivo e judiciário, que, dia após dia, vemproferindo decisões contrárias à falsificação, à adulteração e à imitação de produtos.

Tem sido um desafio!

CONCLUSÃO

Nos dias atuais, a visão e o propósito de uma marca, a sua identidade transparente e a relação com a sustentabilidade são fundamentais para o Consumidor. O consumidor do século XXI vem exigindo cada vez mais da marca quando o tema se desdobra sobre os valores éticos e sustentáveis de uma Marca.

O índice de transparência de uma Marca tem sido condição sinequa non para o seu desempenho, acessibilidade no mercado/segmento têxtil, reconhecimento dos consumidores e isto reflete, positivamente, aos investidores e emsuas operações financeiras.

Uma moda mais justa demanda valores internos de uma Marcaque, consequentemente, luta para

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manter as boas práticas e combater a concorrência desleal nos moldes da Lei de Propriedade Industrial, especialmente, quando falamosde “moda rápida” e “descartável” – Fast Fashion.

Ao longo do deste trabalho, vimos a necessidade de aplicabilidade da Lei e preocupação com a sustentabilidade em toda cadeia produtiva da Indústria Têxtil e do Vestuário e, para isto, imprescindível a atuação conjunta como advogado especializado para dirimir as dúvidas, auxiliar na elaboração das políticas internas e de responsabilidade social, de fiscalização e pesquisa de campo nas fábricas, para aparar as arestas que, certamente, o presente tema trará.

Para trazer a conscientização do consumo consciente paradentro da empresa, a partir do campo de pesquisa de tendências, análise dos fios e tecelagem, do chão de fábrica propriamente dito, vimos que se faz necessário repensar toda a produção da cadeia têxtil, sua viabilidade e retorno positivo que isto proporcionará.

Com isto, convidamos o leitor a repensar nas inúmeras formas de reutilização de produtos, insumos, matéria prima, na logística reversa, para que o lixo têxtil seja utilizado para os diversos nichos do mercado da moda, entre outros.

A conscientização é de ressignificar a moda, poluir menos, gastar menos, produzir menos, manter a economia através das riquezas que podem ser consideradas a partir do descarte de materiais, dito lixo têxtil que abrange roupas, meias, acessórios e calçados.

É possível minimizar as perdas, aumentar a vida útil de uma peça de roupa adquirida, utilizar tecido de menor impacto ambiental, atender às certificações de matérias primas, assegurar as condições dignas de trabalho, como oupcycling, o garimpo de segunda mão.

Ainda, é preciso entender que podemos tratar o lixo têxtil e transformar em “lixo ressignificado”.

A Indústria Têxtil e do Vestuário é uma das in-

dústrias mais sedutoras do mundo, e é preciso refletir sob as problemáticas por trás de qualquer roupa produzida.

Sabemos que há muito por se fazer, se quisermos transformar aeconomia global num sistema que não ponha em causa as necessidades das gerações futuras.

Também, é preciso que o consumidor reflita sobre o seguinte: épreferível abraçar o Fast Fashion em que as roupas têm qualidade inferior, são produzidas em grande escala, em sua maioria, sem respeitar as diretrizes trabalhistasaos seus empregados, apenas porque as roupas são baratas para que se mantenha um guarda roupa “já lotado”? ou devemos rejeitar de uma vez por todas o Fast Fashionpor sua falsa economia, isto é, aparência de “sair no lucro” com uma peça adquirida no valor barato?

Abordo aqui a necessidade de repensar a nossa responsabilidade moral sobre cada peça comprada, a começar de mim e de você; repensar sobre a nossa saúde econômico-financeira, para que os gastos não sejam exagerados sobre determinadas peças de roupas tidas como “descartáveis” e que, em curto período, fará o consumidor retornar as compras para repor o guarda-roupa,através da aquisição de novas peças de roupas.

É preciso comprar de maneira mais consciente e ética, repensando no lixo têxtil, no descarte de insumos e matérias primas, é fundamental se inserir no consumo consciente.

Imperioso se faz repensar o Meio Ambiente, a aplicabilidade das práticas da Sustentabilidade dentro de uma das indústrias que mais polui no mundo –o Têxtil e Vestuário.

É possível, mas ainda temos um longo caminho a percorrer.

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34

A DIFERENÇA ENTRE EDIÇÃO E CESSÃO NO UNIVERSO MUSICAL

A discussão a seguir versa sobre a necessidade de se conhecer a diferença entre as modalidades contratuais de cessão e de edição, suas finalidades, consequências, como elas se aplicam ao direito autoral, ao universo musical e quais as finalidades que cada uma objetiva alcançar. O trabalho se desenvolve a partir de aspectos históricos, apresenta as definições relativas aos enfrentados, as legislações acerca do direito autoral em vigência à época dos casos em estudo. Ademais, é apresentado entendimento dos tribunais ante casos de repercussão. No que concerne aos procedimentos metodológicos, adotou-se um estudo descritivo e minucioso de obras cientificas e de recentes decisões judiciais sobre o tema.

Palavras-chave

Direito de Autor - Direito Autoral - Droit D’Auteur - Copyright - Cessão - Ediçã - Convenção de Berna; Direto Moral - Direito Patrimonial - Transferência - Contrato - Música

Cláudia Mara Serafim Batiston

Especialista em Propriedade Intelectual, Direito do Entretenimento, Mídia e Moda – ESA – OAB/SP.

03 35

O homem possui a característica única de dar forma a seus pensamentos, transformando suas ideias em objetos, formas, obras de artes, poesias, textos,músicas etc. com o intuito de organizar, educar e embelezar de algum modo a sua vida.

“Desde a Grécia clássica e o período de dominação romana, a criação intelectual integra a órbita de interesse de seu autor, mesmo que o foco principal da

reivindicação não se localize no plano econômico...”1, contudo, com o avanço e transformação das sociedades e a possibilidade de se copiar as obras se tornou necessário ter medidas protetivas para evitar a reprodução não autorizada.

Ao mesmo tempo, observou-se a necessidade de se ter instrumentos que permitissem a reprodução das obras e a remuneração do seu criador, assim surgiu asmodalidades contratuais distintas da cessão e edição.

Ocorre que o desconhecimento, o uso inadequado e, até mesmo, a confusão ao se empregar os termos “cessão” e “edição” nos instrumentos contratuais gera questionamentos e controvérsias que poderiam ser solucionados se as particularidades, os objetivos e as finalidades de cada um fossem respeitados.

Em termos musicais, a depender da situação, os autores, imbuídos denecessidades ou de boa-fé, não se atendam ao ler os termos contratuais e depois se dão conta que transferiram a titularidade de suas obras, prejudicando o viés patrimonial que possuíam sobre elas.

Certo é que o entendimento dos Tribunais Brasileiros quanto aos contratos decessão e de edição no âmbito musical é a de respeitar a intenção das partes consoante as normas vigentes à época da celebração do contrato.

O artigo se inicia com uma breve introdução do direito de autor, passa pela definição de direito

1 Costa Netto, José Carlos. Direito autoral no Brasil. 3ª Ed. –São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 95

autoral, analisa a dupla ordem de proteção sobre tal direito, aprofunda na seara do contrato e suas especificidades, apresenta casos recentes que os Tribunais Brasileiros analisaram sobre a questão. E, por derradeiro, apresenta a conclusão com o intuito de nortear o estudioso que se debruçar sobre esta matéria, demonstrando que a confusão entre cessão e edição é algo comum no universo musical e que o rigor técnico se faz necessário ao se redigir os instrumentos contratuais.

2. BREVE HISTÓRICO DO DIREITO AUTORAL

Apesar de se ter notícias de alguma regulamentação do Direito de Autor em escritos jurídicos romanos, fato é que o ordenamento moderno teve início em 1.710, através do Estatuto da Rainha Ana, na Inglaterra, que concedia aos autores o direito exclusivo de imprimir e dispor das cópias de seus livros. Esse Estatuto viria a ser a base do que o mundo moderno conhece como copyright, que visa em sua gênese o aspecto patrimonial do Direito Autoral. Contudo, o mundo seguiu a passos lentos, e somente a partir do século XIX foi que se começou a discutir sobre uma proteção mais efetiva para proteger os interesses dos autores.

O escritor francês Victor Hugo, um incansável defensor do direito autoral, nos idos de 1880, foi um dos responsáveis pelo estabelecimento da “Convenção de Berna concernente à criação de uma União Internacional para a proteção internacional de obras literárias e artísticas”, ou simplesmente: Convenção de Berna2, que estabeleceu as bases para a proteção legal dos autores de obras literárias, artísticas e científicas,a despeito do modo como as criações do espírito são fixadas e expostas ao público. Sendo ratificada por mais de 170 países em todo o mundo, o chamado droit d’auteur,como é conhecido interna-

2 A Convenção de Berna não finalizou a questão em si. Ao longo de décadas, várias discussões ocorreram, vários tratados surgiram com o fito de revisar e modernizar a Convenção. Inclusive, em março de 1967 foi fundada em Genebra, Suíça, a Organização Mundial da Propriedade Intelectual, OMPI, cuja atuação, aprovou em 20 de dezembro de 1996, o Tratado da OMPI sobre Direito de Autor.

36 1. INTRODUÇÃO

cionalmente, “se assenta na pessoa do criador, fundamentando os direitos de autor como direitos naturais do homem”3. E trabalha com dois aspectos preponderantes: a defesa dos direitos patrimoniais (material) e a defesa do direito personalíssimo (moral).

O Brasil se tornou signatário da Convenção de Berna através do Decreto Lei de nº 75.699/1975. Entre 1973 e 1998 vigorava a Lei 5.988/1973, que foi revogada pela lei 9.610/1998, que veio para regular o dispositivo constitucional de 1998 elevou o Direito de Autor ao status de Garantia Fundamental, conforme se observa nos incisos XXVII e XXVIII do artigo 5º da Constituição Federal4

A Lei 9.610/1998 regulamenta diversos aspectos como delimitação do escopoem que ela se aplica, os tipos de obras protegidas, a definição de autor, os direitos morais e os patrimoniais, as formas de transferências destes últimos, entre outrostantos pontos

3. A DEFINIÇÃO DE DIREITO AUTORAL

Para se chegar a uma definição lógica do que seria o Direito Autoral, é precisoentender que este objetiva proteger a relação material e a moral que o autor possui com a obra.

O doutrinador Carlos Fernando Mathias de Souza ensina em seu artigo “Considerações Sobre Direitos Autorais Relativos à Execução Pública de Obras Musicais”, em poucas linhas, que há duas vertentes de proteção, ‘copyright’ e ‘droit d’au-

3 RODRIGUES, Daniela Oliveira. Limites aos direitos de autor: estudo dos limites aos direitos de autor frente aos direitos de acesso ao conhecimento e à educação no ordenamento internacional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 15.

4 XXVII - aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar;

XXVIII - são assegurados, nos termos da lei:

a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;

o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas;

teur’, onde apresenta suas diferenças:

O direito de autor [droit d’auteur] [...] protege fundamentalmente o autor, isto é, o criador da obra[...]

Já o copyright cuida da obra, ou seja de sua exploração patrimonial, por meiodo direito de reprodução..5

Pollaud-Dullan, doutrinadora francesa, aprofunda a distinção ao ponderar queo droit d’auteur se pauta no reconhecimento de que são naturais, logo, merecem o tratamento de direito humano fundamental, devendo, portanto, dialogar com osdemais direitos fundamentais, sendo subjetivo. Esta é a linha adotada pela Constituição Federal do Brasil de 19886

Por outro lado, o copyright resguarda o viés econômico, patrimonial e permite a disposição da obra da forma que entender que lhe será mais vantajosa, sendo empregado nos países que adotam o sistema do common law, como é o caso do Estados Unidos.

Matheus Ferreira Bezerra define direito autoral como:

O direito autoral pode ser entendido como o conjunto de normas jurídicas que visam a estabelecer direitos e deveres sobre as criações humanas, ligadas ao que se convencionou denominar de criações do espírito, e para os sujeitosque, direta ou indiretamente, estejam ligadas a elas.7

Corrobora com entendimento o saudoso doutrinador Carlos Alberto Bittar que esclarece:

Em breve noção, pode-se assentar que o Direito de Autor ou Direito Autoral é o ramo do Direito Privado que regula as relações jurídicas, advindas da criação e da utiliza-

5 Costa Netto, José Carlos et al. Direito autoral atual. 1ª ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2015, p. 86.

6 Pollaud-Dullan (apud Rodrigues, Daniela Oliveira. Limites ao direito de autor – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. P. 15

7 Bezerra, Matheus Ferreira. Manual de propriedade intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. P. 17

37

ção econômica de obras intelectuais estéticas e compreendidas na literatura, nas artes e nas ciências.8

O Brasil adota o sistema droit d’auteur, concedendo ao autor proteção tanto de cunho econômico quanto o de cunho personalíssimo, ou moral, que vincula o criador a obra ad eterno

Em síntese, o Direito Autoral está inserido no ramo do Direito Privado e tem como finalidade proteger àqueles que exteriorizam suas criações do espírito, estejamligadas às artes ou à ciência, independentemente da forma que foram fixadas, sendo oponível contra qualquer um que venha a maculá-la seja no aspecto patrimonial, sejano aspecto moral.

4. A DUPLA ORDEM DE PROTEÇÃO

A legislação em vigor, entende e define como Autor a pessoa natural que transforma seus pensamentos e suas ideias, as ditas criações do espírito, em uma obra artística, literária ou cientifica, exteriorizando-as e fixando-as sobre qualquer tipo de suporte, seja esse tangível ou intangível.

Entre as criações que merecem a proteção legal encontra-se: (i) obras literárias, seja romance, tratado científico, conferências, sermões etc., (ii) obras dramáticas, como filmes e telenovelas; (iii) músicas, tanto a melodia quanto a letra; e tudo o mais que o ser criativo encontrar para expor suas ideias, sendo o rol do artigo 7º da Lei de Direito Autoral (LDA) exemplificativo.

A Lei 9.610/1998 assegura a proteção ao criador independentemente de este ter promovido algum tipo de registro da obra, lhe sendo facultado promover tal ato perante os órgãos públicos, como a Biblioteca Nacional e a Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde os músicos poderão registrar arranjos musicais, composições musicais, letras e partituras de músicas. Sua ausência não obsta a proteção que poderá ser comprovada por outros meios, como o envio do texto para a revisão atra8 Bittar, Carlos Alberto. Direito de autor – 7ª Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019. P. 28

vés do correio eletrônico, por exemplo.

A LDA confere dupla proteção ao autor: proteção moral, ou seja, ter seu nome vinculado à obra a qualquer tempo em que ela venha a ser veiculada e a Patrimonial9, a possibilidade de auferir rendimentos com a sua criação.

Para o doutrinador José Carlos Costa Netto, a expressão Direito Moral é muito restrita perto do universo que abarca a proteção. Para ele o Direito Moral deveria ser tratado como ‘direito de personalidade’, pois se refere ao elemento subjetivo, humano, estando inserida em uma “modalidade dos direitos de personalidade, uma vez que a obra intelectual, como criação do espírito, vincula-se essencialmente à personalidade do seu autor.10”

A seu turno, Carlos Fernando de Mathias de Souza, em artigo já mencionado, aponta que a proteção moral, os direitos morais de autor são, como já assinalados, direitos personalíssimos, por isso que inalienáveis e irrenunciáveis. E, acrescente, com apoio em Clóvis Beviláqua, imprescritíveis [...]”. E complementa que por isto não podem ser objeto de transferência.11

Como dito, a proteção extrapatrimonial visa resguardar o direito do autor de ter seu nome vinculado sempre à obra, mesmo que entre sua criação e a utilização tenha decorridos séculos, como é o caso da famosa obra de Camões, Os Lusíadas. Esta poesia épica da Literatura Portuguesa tem sua origem por volta do ano 1571, e serviu de inspiração para autores, adaptações teatrais, histórias em quadrinhos etc. E mesmo que o direito patrimonial tenha se perdido no tempo, o direito moral ainda persiste, com o dever de se mencionar seu autor, Luís Vaz de Camões.

O Capítulo II do Título III da LDA, artigo 24 apresenta rol exemplificativo de proteção subjetiva, moral, que o autor goza, como de reivindicar, a qualquer tempo, a autoria da obra; de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na

38
9 Esta regra é definida no artigo 22 da Lei nº 9.610/1998. 10 Costa Netto, 2019, p. 229 11 Costa Netto, op. Cit., p. 89

utilização de sua obra; e de assegurar a integridade da obra, opondo-se a quaisquer modificações ou à prática de atos que, de qualquer forma, possam prejudicá-la ou atingi-lo, como autor, em sua reputação ou honra.

Em seu artigo A titularidade dos Direitos Autorais na Obra Publicitária, doutrinadora Maria Luiza de Freitas Valle Egea ensina que “em todos os casos, os direitos morais de autor não são negociáveis e, portanto, seguem pertencendo aos autores, mesmo quando a titularidade sobre os direitos patrimoniais tenham sido transferidos à agência em qualquer condição, uma vez que tais direitos são inalienáveis e irrenunciáveis”12

Ou seja, mesmo que o autor venha a promover a transferência da proteção patrimonial, ele ainda possui o direito sobre a proteção moral e poderá a perseguir sem que necessite de autorização de ninguém.

No que tange a característica patrimonial, ela se refere possibilidade de se utilizar ou reproduzir a obra, obtendo ganhos com ela, inclusive a cedendo a terceiros. Carlos Alberto Bittar define a proteção pecuniária como sendo:

Direitos Patrimoniais são aqueles referentes à utilização econômica da obra, por todos os processos técnicos possíveis. Consistem em um conjunto de prerrogativas de cunho pecuniário que, nascidas também com a criação da obra, se manifestam, em concreto, com a sua comunicação ao público, e o poder que o autor, ou os autores, tem de colocar a obra em circulação13.

O autor terá o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica como bem entender, sendo possível se beneficiar de quaisquer modalidades dispostas na lei:

(i) reprodução parcial ou integral; (ii) edição; (iii) adaptação, arranjo musical; (iv) tradução para qualquer idioma; (v) inclusão em fonograma ou produção audiovisual; (vi) distribuição, quando

12 KAC, Larissa Andréa Carasso et al. Atividade publicitária no Brasil: aspectos jurídicos. 1ª ed. São Paulo: Almedina, 2021, p. 44

13 BITTAR, op. Cit., p. 7

não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra; (viii) quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas14.

Como lhe pertencem, o autor poderá, inclusive, ceder totalmente seus direitos patrimoniais sobre a obra, através do instrumento de cessão, ficando o cessionário responsável por combater o uso indevido e não autorizado da obra. Pontua-se que, caso o cessionário não tome as medidas cabíveis para cessar a mácula à obra, o autor poderá o fazer em respeito ao aspecto moral que o vincula à sua criação.

Observa-se assim, que a dupla proteção, moral e patrimonial, acompanham a obra desde sua exteriorização, sendo que a primeira irá sempre pertencer ao autor, enquanto que a segunda poderá ser transferida, cedida, a terceiros.

5. O CONTRATO E SUAS ESPECIFICIDADES

De forma abrangente é possível inferir que a palavra contrato seria a formalização da vontade de duas ou mais pessoas em contrair negócios sobre um determinado objeto, com a capacidade de produzir efeitos jurídicos. No ensinamento de Arnaldo Rizzardo:

Há um acordo simultâneo de vontades para produzir efeitos jurídicos. Não se trata propriamente de coincidência de vontades, mas da reunião delas. Daí a definição de contrato, ..., como a convenção surgida do encontro de duas ou mais vontades, que se obrigam entre si, no sentido de dar, fazer ou não-fazer alguma coisa15

Como se pode concluir, o contrato é a comunhão de vontade de todos os envolvidos, se fazendo necessário que preencha os requisitos exigidos na lei para quetenha validade. O Código Civil, em seu artigo 166, entende que para que o contrato

14 Cf. arts. 28 e 29 da LDA

15 Rizzardo, Arnaldo. Contratos. 10ª Ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 6.

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tenha validade, por exemplo, ele não deverá ser celebrado por pessoa absolutamente incapaz; seu objeto não pode ser ilícito, impossível ou indeterminável; e não poderá ser revestido de forma prescrita na lei16.

Por seu turno, o artigo 29 da LDA17 afirma que o uso ou transferência de direitos patrimoniais de uma obra depende de autorização prévia e expressa do autorpara se ter validade, em outras palavras, para que a transferência surta efeitos, ela precisa ser de forma inequívoca, tal como preleciona Larissa Andréa Carasso Kac:

Nesse cenário, a redação dos contratos deve observar o tratamento adequado para o Direito tutelado em cada uma das situações, conferindo a autorização, licença ou, quando negociada a cessão, a titularidade patrimonial, ao cliente anunciante, nos termos e condições acordados18

Constata-se que o primeiro requisito a ser perseguido quando se pensa em contratos de Direito Autoral será a formalização da avença de forma antecipada, e especificando os usos que o terceiro poderá dar a obra.

Por força do artigo 4º da LDA, os negócios jurídicos que envolvam Direito de Autor deverão ser interpretados de forma restritiva. A ausência de autorização de uso, implicará em não autorização, logo, o contrato deverá refletir a exata vontade das partes, posto que “é necessária a contemplação da autorização de forma expressa e especifica do que poderá ser utilizado pelo explorador da obra.”19

A constituição Federal confere ao autor a exclusividade de utilização de sua obra, podendo transferir a terceiros a sua característica patrimonial, e poderá o fazer através de uma das formas dispostas na Lei de Direito Autoral, a saber:

• O Licenciamento consiste em uma autorização temporária, precária, dos direitos de propriedade sobre a obra autoral.

16 Cf. art. 166. Código Civil.

17 Cf. art. 29 da LDA

18 KAC, op. Cit., p. 194

19 BEZZERRA, op. Cit., p. 52

• A Cessão, por seu turno, consiste na transferência definitiva e, em regra, total da propriedade da obra a terceiros.

• E a Edição, a modalidade mais usual das obras autorais, consiste em entregar a terceiros a permissão para reprodução mecânica e exploração da obra.

Observa-se, assim, que as formas de negociação, licenciamento, edição ou cessão de direitos, se tornam legítimas quando expressam a vontade das partes, sendo considerados como contratos típicos, nominados e regulados em dispositivos legais próprios, qual seja, a Lei de Direitos Autorais.

Tais negócios jurídicos não se confundem, possuem características e fundamentos próprios que deverão ser respeitados no ato de confecção do instrumento contratual.

O contrato deverá respeitar as modalidades de utilização existentes à data do contrato, podendo o autor interferir quando o terceiro extrapola o uso contratual convencionado. No ensinamento de Carlos Alberto Bittar:

Com isso, impõe-se a prévia consulta ao autor para qualquer uso econômico da obra, que só se legitimará sob sua autorização expressa. Isso significa, pois, que, pelos vínculos que o mantêm unido à obra, mesmo depois de comunicada sob qualquer forma, tem o direito de interferir em qualquer outra modalidade não contratada ou surgida depois com a evolução tecnológica [...]20

6. EDIÇÃO E CESSÃO

As duas modalidades objeto deste estudo, cessão e edição, são mais complexas, e não comporta confusão entre cláusulas e objeto, requerendo do elaborador do instrumento contratual, uma atenção mais apurada.

Ao discorrer, sobre o contrato de edição, Carlos Alberto Bittar o definiu como “aquele por via do

20 BITTAR, op. Cit., p. 73

40

qual o autor entrega a obra ao editor, para que reproduza mecanicamente e a explore. O editor faz a reprodução da obra, [...], fruindo os resultados econômicos da exploração e pagando ao autor a remuneraçãoestipulada”.21

Esta modalidade contratual vincula o editor à obra no que tange a sua obrigação de reproduzi-la, podendo arcar com os custos de produção e distribuição, remunerando o autor de acordo com o percentual combinado, os ditos royalties. Gozando da prerrogativa de exclusividade pelo tempo e nas condições aprazadas com o autor.

Ademais, o contrato de edição será interpretado de forma restritiva e favorável ao autor, ou seja, este poderá dispor da obra como desejar, porém, o editor não poderá o usar além das modalidades convencionadas em contrato. O excesso por parte de terceiro poderá ser considerado como quebra de fidúcia e abuso de direito por parte do adquirente e punível nas formas da lei.

No que se refere ao contrato de cessão, Bittar o definiu como sendo um “contrato por meio do qual o autor transfere, a título oneroso ou não, a outrem, um oumais direitos patrimoniais sobre a criação intelectual”. E complementa:

Despoja-se o autor (ou seus sucessores), por essa forma, de um ou mais deseus direitos exclusivos, no plano patrimonial (direitos de reprodução ou de representação, pelos diferentes processos existentes em cada qual). [...]

Os direitos patrimoniais podem ser cedidos, total ou parcialmente, a terceiro,a título universal ou singular, pessoalmente ou por meio de representante com poderes especiais (art. 49). Na transmissão total, excluem-se os direitosmorais de autor, de natureza personalíssima (como de introduzir modificações e outros) em face do princípio da inalienabilidade desses direitos.22

As duas modalidades são distintas, não se confundem em nenhum momento e, por mais que ocorra contratos que faz uso de características de uma na outra, quando os tribunais se deparam com tais aberrações jurídicas, o todo é analisado paraque seja possível considerar a vontade que as partes pretendiam alcançar.

Salutar expor o ensinamento de Costa Netto sobre a diferença entre as duas espécies contratuais:

[...] no primeiro caso (edição) o editor representa o titular (originário) dos direitos patrimoniais de autor, exercendo, em nome e a título derepresentação do autor (ou seus sucessores legais), esses direitos perante terceiros, e, no segundo caso (cessão ou transferência), o cessionário [...] é o próprio titular (derivado) dos direitos patrimoniais de autor, exercendo-os, assim, em seu próprio nome.23

7. ANÁLISE DE CASOS

Recorda-se que o autor goza de garantias e proteção sobre sua criação a partir do momento em que houve sua exteriorização, desde que a obra “entra no mundo jurídico como obra protegível e, assim, gera, em [seu] benefício [...] direitos de autor de exercício exclusivo”24, podendo praticar quaisquer atos tipificados em lei, como a cessão e a edição.

Ora, fato é que há uma imensa diferença entre materializar a criação do espírito e a administrar, e muitas vezes os compositores musicais, ou precisa constituir sua própria sociedade de gerenciamento ou promover a transferência da administração dos direitos patrimoniais a especialistas, como agentes literários e editoras musicais, que promovem a administração de suas obras.

Diversos detalhes precisam ser cuidados pelo autor, não basta apenas ter uma boa letra e me-

41
21 BITTAR, op. Cit., p. 116 22 BITTAR, op. Cit., p. 118
23 COSTA NETTO, op. Cit.,
366 24 COSTA NETTO, op. Cit., p. 403
p.

lodia, é necessário, a publicação, o cadastro perante umaassociação musical, administração da obra em si, e estas funções tomam bastante tempo. A seu turno as editoras musicais conhecem o seguimento e sabem como atuarpara garantir o controle de direitos patrimoniais de autor.

As editoras serão responsáveis por estipular o valor dos royalties que o compositor terá direito e a inscrição da obra em uma associação de gestão coletiva, que, por sua vez, tem a finalidade de gerenciar a comercialização das músicas em nome dos autores, cobrar os royalties em caso exibição pública, seja por meio de rádio, televisão, locais públicos e on-line.

No Brasil o ECAD (Escritório Central de Arrecadação) fundado em 1976, e disciplinado pelo artigo 99 e seguintes da LDA, é o órgão responsável por promover acobranças de exibição de conteúdos ligados a entidade e “conecta compositores, intérpretes, músicos, editores e produtores fonográficos aos canais e espaços onde amúsica toca e emociona as pessoas”25, arrecadando os royalties e transferindo para as associações que, por sua vez, irão repassar aos autores. O ECAD é composto e administrado por sete associações de gestão coletivas: UBC, Am@r, Assim, SbaceM, Sicam, Socinpro e Abramus.

Entender esta mecânica é fundamental para entender que quando se há confusão no tipo de modalidade de transferência de direitos patrimoniais praticada, isto poderá implicar no percentual de royalties que o compositor terá direito a recebere quando terá direito a receber.

É muito comum que os compositores e as editoras musicais ora assinem contratos de edição, ora assinem contratos de cessão de direitos patrimoniais. E, mais comum ainda, o leigo entender que está assinando edição, quando na verdade é cessão.

Quando isto acontece se torna necessário que o judiciário analise a real intenção, a vontade das partes ao estipular o contrato à época de sua as25 Nós impulsionamos a música enquanto arte e enquanto negócio. Nome do ECAD, Para Manter a Música Viva, ano 2022. Disponível em https://www4.ecad.org.br/sobre/ - Acesso em: 24 de abril de 2022

sinatura, paradefinir se o instrumento contratual rege sobre edição ou cessão e qual o percentual de royalties que os autores terão direito a perceber.

Dois casos emblemáticos chegaram a mídia nos idos de 2019 envolvendo osfamosos compositores Roberto Carlos e Erasmo Carlos, que após décadas de serviços prestados pelas editoras Fermata e Warner questionaram se não estavam sendo lesados, na medida em que tais contratos eram de edição e não de cessão e desejavam reaver a administração de diversas obras escritas por eles.

No Apelo de nº 1032760-15.2019.8.26.0100, de 9 de novembro de 2021, do Tribunal de Justiça de São Paulo, da lavra do Desembargador Relator, Rui Cascaldi,Onde Carlos Braga e Erasmo Esteves demandam contra Editora e Importadora Musical Fermata do Brasil Ltda., há uma excelente lição sobre a distinção sobre asduas modalidades de transferência de direitos:

Nesse sentido, como bem explicado pela Professora Doutora SILMARA JUNY DE ABREU CHINELLATO, Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Presidente da Comissão de Propriedade Intelectual do IASP, em seu parecer de fls. 2420/2431, a distinção entre contratos de “cessão” e “edição” reside no fato de que “a cessão de direitos, de grande amplitude, contém a edição, de âmbito restrito, não importando, eventualmente, se um contrato de cessão do denominado erroneamente como ‘edição’: prevalece o conteúdo do contrato, as cláusulas nele apostas a indicar sua verdadeira natureza ” (fl. 2427).26

O relator continua seu voto e lição, se baseando nas próprias disposições contratuais para enfatizar a relevância de se fazer um contrato que compreenda o queas partes desejam acordar:

26 Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível. 103276015.2019.8.26.0100. Carlos Braga e Erasmo Esteves versus Editora e Importadora Musical Fermata do Brasil Ltda. Relator Rui Cascaldi. São Paulo/SP, 9 de novembro de 2021.

42

No caso dos autos, a evidenciar a natureza de cessão dos contratos impropriamente denominados de edição, sobrelevam as seguintes disposições contratuais:

“O(s) Autor(es), no pleno exercício de suas prerrogativas, cede(m) e transfere(m) à editora seus direitos patrimoniais de autor(es) em todos ospaíses, sobre a(s) composição(ções) musical(is) de sua autoria e propriedade, com o respectivo texto poético, intitulada(s) [...] Com apresente cessão fica a editora, de forma irrevogável, sub-rogada em todosos direitos e privilégios do(s) cedente(s), para autorizar quantas vezes for necessário: a reprodução gráfica ou fonomecânica de qualquer espécie ou por qualquer processo, a gravação, a transmissão por canais de ondascoletivas, a sincronização cinematográfica, a adaptação e transformação para qualquer outra forma de exploração e divulgação, incluindo versões, podendo ainda outorgar direitos e privilégios ora cedidos para subeditoras nacionais ou estrangeiras, bem como efetuar registros e depósitos necessários ao irrestrito reconhecimento da propriedade que neste ato lheé transmitida [...] O prazo de duração deste contrato é regulado pelo período de proteção à OBRA, de acordo com as leis vigentes”.

Acertado, pois, o reconhecimento, pelo juízo originário, da natureza jurídica dos contratos de cessão de direitos autorais

Ora, no vertente caso, observa-se que apesar da titulação do contrato ‘impropriamente’ denominada de edição, a verdade era que todas as suas disposiçõesse referia a uma cessão total e definitiva:

E está mesmo muito claro que a natureza jurídica dos contratos é decessão de direitos autorais.

O relator continua analisando o caso com o entendimento:

Acertado, pois, o reconhecimento, pelo

juízo originário, da natureza jurídica dos contratos de cessão de direitos autorais. E não se colhe contradição alguma do julgado certo que a natureza dos contratos independe do percentual atribuído às partes pelos resultados atingidos por cada uma das obras. E como visto, não há qualquer limitação ao modo de exploração econômica abrangendo inclusive a modalidade digital, já que o contrato foi textualmente expresso ao autorizar “quantas vezes for necessário: a reprodução gráfica ou fonomecânica de qualquer espécie [...] a adaptação etransformação para qualquer outra forma de exploração e divulgação, incluindo versões [...]”.

Na demanda que moveram em face de Warner Chappell Edições Musicais Ltda, Roberto Carlos e Erasmo também não lograram sucesso, restando consignado, que a vontade das partes é mais importante do que a titulação do contrato:

EMENTA: DIREITO DE AUTOR - Nulidade – Inexistência - Sentença bem fundamentada - Cerceamento de Defesa – Não ocorrência - Desnecessidade de outras provas – Contratos intitulados “Contrato de Edição”, “Contratode Cessão de Direitos Autorais” e “Contrato de Edição e Cessão de Diretos Autorais”, firmados na vigência do Código Civil de 1916 e da Lei 5.988/73, afastando a incidência da Lei 9.610/98, que independentemente da nominação têm a natureza de Contrato de Cessão dos direitos patrimoniais dos autores e não de Contrato de Edição - Prevalência da intenção das partes consoante as normas vigentes à época - Previsão nos contratos de remuneração proporcional ao resultado da exploração econômica, que não descaracteriza a transmissão total dos direitos patrimoniais - A transmissão dos direitos patrimoniais foi de forma ampla e não pode haver a exclusão da transmissão digital por meio da plataforma streaming, em especial pelo entendimento do Superior Tribunal de Justiça de cuidar-se de “execução pública” - Os valores devidos por direitos autorais, por execução

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em plataformas de streaming, são estabelecidos pelo ECAD em suas diversas modalidades, e por ele é feita a arrecadação para o rateio entre os autores por meio das respectivas Associações (Abramus, Amar, Assim, Sbacem, Sicam, Socinpro e a UBC), de quem recebem diretamente os valores, e não por intermédio da requerida - Pirataria que não é culpa da ré, e pode ser denunciada diretamente pelos autoresAtuação de Associação em seu combate - Não há direito de resilir ou de resolver os contratos, nem mesmo de modificar suas cláusulas ou de indenizar nestes autos –Recurso desprovido.

[...]

Quanto à natureza dos contratos em discussão, independentemente da nominação atribuída, têm a mesma estrutura, sendo relevante a cláusula II que dispõe: “com a presente cessão fica a EDITORA, de forma irrevogável, sub-rogada em todos os direitos e privilégios do(s) cedente(s), para autorizar quantas vezes for necessário: a reprodução gráfica ou fonomecânica de qualquer espécie ou por qualquer processo, a gravação, a transmissão por canais de ondas coletivas, a sincronização cinematográfica, a adaptação e transformação para qualquer outra forma de exploração e divulgação, incluindo versões, podendo ainda outorgar os direitos e privilégios ora cedidos para sub-editoras nacionais ou estrangeiras, bem como efetuar registros e depósitos necessários ao irrestrito reconhecimento da propriedade que neste ato lhe é transmitida”

Da redação, com frases como “de forma irrevogável” e “irrestrito reconhecimento da propriedade que neste ato lhe é transmitida”, denota-se que se cuidou de transmissão total dos direitos patrimoniais27

27 Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível. 0024958-46.2020.8.26.0100. Carlos Braga e Erasmo Esteves versus Warner Chappell Edições Musicais Ltda. Relator Alcides Leopoldo. São Paulo/SP, 10 de fevereiro de 2022

Este entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo não é novo, ao contrário, em 27 de abril de 2006, o Relator Vito Guglielmi já decidia no mesmo sentido:

Direito autoral. Cessão. Rescisão. Inadmissibilidade. Ausência de vícios no contrato autor que continua tendo participação sobre as vendas. Alteração doambiente objetivo. Irrelevante. Inexistência, ademais, de fato novo a justificarimprevisão. Sentença mantida. Recurso improvido.

A cessão realizada importou na transferência dos direitos, não havendo se falar em mera administração.

A participação recebida pelo autor indica mero pagamento por conta da cessão, diferida no tempo, o que não provoca qualquer desequilíbrio contratual28

Em ambos casos em que envolve Roberto Carlos e Erasmo, observa-se que o judiciário decidiu que ao ter ocorrido a cessão, a transferência definitiva, as editoras estavam autorizadas a publicar as obras em todos os meios, suportes e plataformas existentes e que virão a existir, haja vista que se tornaram titulares definitivas da parcela patrimonial das obras.

CONCLUSÃO

O desenvolvimento deste estudo permitiu uma análise das formas de utilização da obra intelectual pelo autor, sua aplicação no âmbito musical, com foco especial nas duas modalidades mais usuais: cessão e edição. Apresentando casos práticos envolvendo a temática.

Traçou-se uma apresentação da origem e das legislações que guarnecem o Direito Autoral no Brasil. Amplamente influenciado pelo direito

28 Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível. n° 254.045.4/8-00. Antônio barros silva versus Warner Chappell Edições Musicais Ltda

Relator Vito Guglielmi. São Paulo/ SP, 27 de abril de 2006

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[...]
.

francês, no país ele goza de duplo grau de proteção, tanto para seu aspecto moral, quanto para seu aspecto patrimonial, conforme estipula a Lei º 9.610/1998.

O aspecto moral é considerado como inalienável, irrenunciável e imprescritível, enquanto que o aspecto patrimonial, por sua vez, permite a transferência para terceiros, seja por meio de licenciamento ou de cessão, e ainda comporta a permissãopara que terceiros venham a publicar, distribuir e gerir a obra musical por meio do contrato de edição.

Após uma breve análise dos institutos, passa-se a examinar dois casos envolvendo os cantores e compositores Roberto Carlos e Erasmo Carlos, que por volta da década de 1960 firmaram contratos com duas editoras distintas e somente nos idos de 2019 que vieram a questionar o tipo de contrato celebrado.

Para eles os contratos firmados eram de edição, para as editoras eram de cessão. Restando apontado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo que se tratava decontratos de cessão que, apesar de terem sido denominados equivocadamente de edição, possuíam as características de cessão.

O Tribunal Paulista apontou que a confusão entre os dois institutos, que ocorre com alguma regularidade, deverá ser sanada com a leitura detalhada das cláusulas inseridas nos contratos para encontrar a vontade que as partes tinham quando pactuaram a transação. Devendo ser considerado, também, o lapso temporal entre o contrato assinado e a reclamação efetivada pelas partes.

Nos casos apontados, observou-se que entre as assinaturas dos contratos e a interposição das demandas transcorreu-se mais de cinquenta anos e todas as cláusulas se referiam a um acordo de cessão, apesar dos instrumentos receberem, equivocadamente, o nome de contratos de edição.

Conclui-se, assim, que não é cabível a confusão entre cessão e edição, por se tratarem de institu-

tos distintos, e que mesmo que a titularização do instrumento contratual aborde um, o que valerá e será analisado é a vontade das partes, dispostasno corpo do contrato. E que o músico e quem redige tais instrumentos necessitam decuidados para evitar a confusão de tais institutos sob pena de se promover atransferência definitiva da titularidade quando se pretendia, tão somente, pactuar umcontrato de gestão e edição musical.

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Bezerra, Matheus Ferreira. Manual de propriedade intelectual. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2017.

Bittar, Carlos Alberto. Direito de autor; revista, atualizada e ampliada por Eduardo C. B. Bittar – 7ª Ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.

Costa Netto, José Carlos.

Direito autoral no Brasil. 3ª Ed. – São Paulo: SaraivaEducação, 2019.

Estudos e pareceres de direito autoral. – Rio deJaneiro: Forense, 2015.

et al. Direito autoral atual. 1ª ed. Rio de Janeiro:Elsevier, 2015.

KAC, Larissa Andréa Carasso et al Atividade publicitária no Brasil: aspectos jurídicos.1ª ed. São Paulo: Almedina, 2021. Rizzardo, Arnaldo. Contratos. 10ª Ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2010

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‘Nós impulsionamos a música enquanto arte e enquanto negócio. Nome do ECAD, Para Manter a Música Viva, ano 2022’. Disponível em <https://www4.ecad.org.br/sobre/> - Acesso em: 24 de abril de 2022

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Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível. 0024958-46.2020.8.26.0100. Carlos Braga e Erasmo Esteves versus Warner Chappell Edições Musicais Ltda. Relator Alcides Leopoldo. São Paulo/SP, 10 de fevereiro de 2022.

Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível. 1032760-15.2019.8.26.0100. Carlos Braga e Erasmo Esteves versus Editora e Importadora Musical Fermata do Brasil Ltda. Relator Rui Cascaldi. São Paulo/SP, 9 de novembro de 2021.

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A GESTÃO DA MARCA ESPORTIVA COMO FONTE DE RENDA PARA TIMES DE FUTEBOL BRASILEIROS

O objetivo do presente trabalho é abordar a importância econômica das marcas esportivas como fonte de faturamento para times de futebol brasileiro, trazendo uma visão comparativa com os times europeus. Esta análise servirá como forma de demonstrar que questões como licenciamento e comercialização de produtos oficiais pelos times, combate à pirataria e condutas de má gestão que podem impactar na lucratividade que a marca esportiva poderia trazer e como há espaço para aumento do faturamento dos times com uma gestão adequada de suas marcas.

Palavras-chave

Marca Esportiva - Faturamento - Licenciamento - Penhora

Luiz Guilherme Ribeiro Cordoni

Advogado formado e pós-graduado em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (FDSBC), Paralegal certificado pela Universidade da Califórnia em San Diego (UCSD Extension) e membro da Sociedade Honorária Lambda Epsilon Chi (LEX) da Associação Americana de Educação Paralegal dos Estados Unidos (AAfPE). Experiente em pesquisa jurídica, elaboração de peças processuais e atuação em audiências da vara do trabalho e varas cíveis. Possuí conhecimento em análise de casos, planejamento estratégico e negociações. Bom com trabalho em equipe, procura sempre manter a harmonia do ambiente de trabalho para obter a maior eficiência possível.

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1. CONCEITOS BÁSICOS DE MARCAS

De acordo com a Lei nº 9.279/96, conhecida como Lei da Propriedade Industrial (“LPI”), considera-se registrável como marca os “sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais”1, que podem ser divididos em: i) marca de produto ou serviço; ii) marca de certificação; e iii) marca coletiva, conforme conceitua o art. 123 da LPI:

Art. 123. Para os efeitos desta Lei, considera-se:

I - marca de produto ou serviço: aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa;

II - marca de certificação: aquela usada para atestar a conformidade de um produto ou serviço com determinadas normas ou especificações técnicas, notadamente quanto à qualidade, natureza, material utilizado e metodologia empregada; e

III - marca coletiva: aquela usada para identificar produtos ou serviços provindos de membros de uma determinada entidade.

Portanto, todo o sinal que seja distintivo, visualmente perceptível e que não esteja enquadrado nas hipóteses legais de proibição, previstas no art. 124 da LPI, poderão ser registrados como marca.

O segundo o professor João da Gama Cerqueira, marca pode ser conceituada como sendo “qualquer sinal distintivo que, aposto facultativamente aos produtos e artigos das indústrias em geral, serve para identificar sua origem e procedência ou para distingui-la de outros idênticos ou similares” 2 .

1 Art. 122 da Lei nº 9.279/96 - São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis,não compreendidos nas proibições legais.

2 CERQUEIRA, João da Gama. Privilégios de invenção e marcas de fábrica e de comércio. São Paulo: Acadêmica Saraiva, 1930. v. 2. P.41.

Já o professor Newton Silveira define marca como sendo:

Um desses elementos, o produto, recebeu especial atenção do legislador, devido à sua qualidade de poder desligar-se do estabelecimento e circular como mercadoria. As técnicas modernas de prestação de serviço tornaram possível também a desvinculação dos serviços do local de negócios. O nome ou símbolo com os quais o produtor marcava os seus produtos, como signo indicador do próprio produtor ou do local de produção, passaram a constituir nome ou sinal do produto (mercadoria ou serviço). Esse é o significado atual da marca da indústria e/ou comércio e de serviço.

Por fim, Irineu Strenger estabele:

Dois são os elementos objetivos a considerar, como configuradores do conceito de marca:

a) sinal distintivo e b) produtos e serviços. No que concerne ao primeiro, tem-se que toda marca consiste em um sinal que deverá, para existir como tal, ser determinado, fixo ou constante além de reproduzível (...) relativamente ao item b, o elemento objetivo determinante do conceito de marca, enquanto sinal distintivo das empresas, é individualizado por sua relação direta com os produtos e serviços. Significa que uma marca não é um sinal determinado, destinado a distinguir produtos ou serviços indeterminados, mas um sinal determinado a distinguir produtos e serviços também determinados, de modo que, quando há sinais suficientemente distintos entre si, há marcas distintas, mesmo quando os sinais sejam idênticos.3

Ao analisar estes conceitos, nota-se que a marca tem como finalidade a individualização4 de determinado produto ou serviço no mercado de forma a estabelecer uma conexão entre este

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3 STRENGER, Irineu, Marcas e Patentes, São Paulo, LTR, 2004, p.22 4 CRETELLA NETO, José, Manual jurídico do franchising, São Paulo, Atlas, 2003, p. 92

produto/serviço e o consumidor e possibilitar a este consumidor a diferenciar determinado produto dentro de diversos outros similares.

Em função desta finalidade de individualização, Irineu Strenger adota o posicionamento de que é possível concluir que a marca, de modo subjetivo, poderia ser considerada como uma propriedade da pessoa ou empresa que produzam aquele determinado produto ou ofereçam aquele determinado serviço:

As marcas, como qualquer outro elemento do ativo de uma empresa, podem pertencer a esta com plena propriedade ou estar à disposição da mesma por diversos vínculos diversos. Por isso, as marcas podem pertencer a qualquer pessoa, tenha esta ou não caráter empresarial5

Ainda, é importante destacar que as marcas podem ser divididas em marcas nominativas, figurativas e mistas.

As marcas nominativas tratam da nomenclatura que distingue determinado produtos dentro do mercado; marcas figurativas são as imagens e logotipos que são criados para separar produtos; e as marcas mistas são a junção das duas anteriores.

Tome como exemplo a marca Adidas, altamente reconhecida dentro do mercado esportivo, sendo conhecida tanto por sua marca nominativa (Adidas), sua marca figurativa (as três listras) e a sua marca mista conforme a imagem a seguir:

No mercado do futebol, a competitividade é notória, não só dentro dos campos ou das quadras, por esta razão, o presente trabalho terá enfoque voltado para as marcas no mundo esportivo, em especial, no futebol, conforme se verá a seguir.

Marca registrada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), sob o nº 816873380, de titularidade da empresa ADIDAS AG, disponível em: https://busca.inpi.gov.br/pePI/servlet/MarcasServletController?Action=detail&CodPedido=687271, acessado em 07 de julho de 2022

2. MARCAS NO MUNDO ESPORTIVO E SUA IMPORTÂNCIA

Atualmente, ao se falar em marcas no mundo esportivo, facilmente há uma associação entre nomes e escudos de times como marcas destas instituições. No entanto, ao se analisar estes emblemas sob a ótica do direito marcário, é possível notar que esta associação não é tão simples quanto parece.

Do ponto de vista da Lei da Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), muitos times de futebol em nosso país teriam problemas em tentar proteger seus emblemas em função de sua grande maioria adotar denominações e formatos extremamente genéricos e similares.

Temos como exemplos, os casos do São Paulo Futebol Clube e do Fortaleza Esporte Clube. Ambas as denominações são formadas por expressões que somente descrevem os times de futebol das cidades de São Paulo – SP e Fortaleza – CE, respectivamente, enquanto os distintivos possuemformatos semelhantes:

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5 STRENGER, Irineu, Marcas e Patentes, São Paulo, LTR, 2004, p.22. Escudo do Fortaleza Futebol Clube

Nota-se que, em função da genericidade das formas utilizadas, as cores de cada time passam a ser fator determinante para a separação de suas marcas dentro deste mercado, contudo, há casos em que mesmo as cores são similares:

Todavia, esta situação não afetaria todos os times de futebol em nosso país. Alguns times possuem denominações e distintivos que se destacam, por trazerem elementos únicos, como o caso do Sport Club Corinthians Paulista, que possuí nome de origem inglesa e seu emblema possuí elementos únicos dentre todos os times da primeira divisão brasileira:

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Escudo da Associação Atlética Ponte Preta Antigo escudo do Clube Atlético Bragantino Escudo do Coritiba Football Club Escudo do Guarani Futebol Clube Escudo do Santos Futebol Clube Escudo da Associação Chapecoense de Futebol Escudo do São Paulo Futebol Clube

Contudo, à medida que os times ganham notoriedade em âmbito nacional, passam a surgir clubes regionais menores que usam os distintivos dos grandes times como base para seus próprios distintivos, como o caso do Sport Club Corinthians Alagoano, time criado em 1991 na cidade de Maceió – AL (sendo extinto em 2013, após fusão com a Associação Atlética Santa Rita6):

Parágrafo único. A garantia legal outorgada às entidades e aos atletas referidos neste artigo permite-lhes o uso comercial de sua denominação, símbolos, nomes e apelidos.

Com é possível observar, o art. 87 da Lei Pelé trouxe a possibilidade de os times de futebol usufruírem das proteções legais das marcas conferidas pela Lei da Propriedade Industrial, sem a necessidade de realizar o registro de suas marcas.

Ademais, a aludida legislação trouxe dois pontos importantes para a gestão da marca esportiva.

Embora seja possível notar as diferenças entre estes distintivos aos colocá-los lado a lado, em uma situação normal, estes emblemas poderiam causar confusão ao público, principalmente, aqueles que não acompanham o mundo do futebol e não estão acostumados com estas questões, o que, sob o aspecto da Lei da Propriedade Industrial, poderiam surgir como impeditivos para o registro destas marcas perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI).

Contudo, o problema do registro das marcas para os times de futebol foi sanado com o advento da Lei nº 9.615/98, conhecida como Lei Pelé, que em seu art. 87 trouxe a seguinte disposição:

Art. 87. A denominação e os símbolos de entidade de administração do desporto ou prática desportiva, bem como o nome ou apelido desportivo do atleta profissional, são de propriedade exclusiva dos mesmos, contando com a proteção legal, válida para todo o território nacional, por tempo indeterminado, sem necessidade de registro ou averbação no órgão competente.

6 Presidente do Corinthians Alagoano confirma união com o Santo Rita, Globo Esporte, disponível em http://ge.globo. com/al/noticia/2013/11/presidente-do-corinthians-alagoano-confirma-uniao-com-o-santa-rita.html - Acessado em: 12 de junho de 2022.

A primeira, é a proteção de suas marcas por tempo indeterminado, ou seja, enquanto os times/clubes se mantiverem ativos no âmbito esportivo, terão proteção de suas marcas por força da Lei Pelé.

A segunda, está prevista no parágrafo único do artigo mencionado e trata da possibilidade de utilização comercial de denominações, símbolos, nomes e apelidos pelos times e jogadores. Será esta utilização comercial e condutas que podem acarretar na depreciação da marca esportiva o ponto central da análise do presente artigo, que será abordada a seguir.

2.1. Utilização Comercial das Marcas Esportivas

A utilização comercial, como dito no tópico anterior, é possibilitada as marcas esportivas, por força do parágrafo único do art. 87 da Lei Pelé, tendo em vista que os clubes não são obrigados a realizar o registro de suas marcas junto ao INPI para que possam gozar as proteções que a lei da propriedade industrial garante paras as marcas.

As principais formas de utilização comercial que times de modo geral possuem, é por meio da comercialização dos seus materiais esportivos, tais como camisas de jogo do time e roupas esportivas com o escudo da equipe, seja por

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meio de lojas especializadas, por meio de lojas de fornecedores esportivos ou mesmo, por suas próprias lojas7

Todavia, quando se analisa as receitas como um todo, é possível observar que o faturamento com as marcas esportivas não possuí grande impacto no faturamento total dos times11:

No entanto, ao se analisar os balanços financeiros destes times, é possível notar que não há a exploração de todo o potencial econômico que as marcas esportivas possuem, principalmente, por deixarem de utilizar a sua marca como fonte de faturamento.

De acordo com o Relatório Convocados | XP: Finanças, História e Mercado do Futebol Brasileiro8, elaborado pelo Convocados (grupo de especialistas)9 em parceria com a XP Investimentos, a principal fonte de renda dos times brasileiros em 2021, foram os direitos de transmissão, correspondendo em média, a 57% (cinquenta e sete por cento) das receitas totais dos times10:

Nota-se que não há neste estudo, uma análise específica referente ao faturamento com licenciamentos e vendas de produtos, pois, esta área estaria englobada dentro do “outros”, no gráfico acima, o que demonstra a falta de evidência desta fonte de renda dentro do faturamento total dos clubes.

Isto ocorre, pois, o impacto financeiro do faturamento por meio da utilização comercial da marca é muito pequeno dentro das receitas totais dos clubes brasileiros.

2.2. Análise da Utilização Comercial das Marcas

Pois bem, para que seja possível entender o quão subestimado é o potencial da utilização comercial das marcas esportivas pelos times brasileiros, é necessário realizar uma análise do seu impacto no balanço financeiro dos clubes e a forma que os times utilizam para explorar suas marcas no mercado.

7 Loja Online Meu Timão do Sport Club Corinthians Paulista; disponível em: https://www.shoptimao.com.br/lst/mi- camisai, acessado em 17 de junho 2022.

8 Relatório Convocados | XP: Finanças, História e Mercado do Futebol Brasileiro, XP investimentos, disponívelem: https:// conteudos.xpi.com.br/relatorio-futebol-2022/; acessado em 17 de junho de 2022.

9 Convocados – Disponível em https://convocados.net/, acessado em 17 de junho de 2022.

10 Relatório Convocados | XP: Finanças, História e Mercado do Futebol Brasileiro, XP investimentos, disponívelem: https:// conteudos.xpi.com.br/relatorio-futebol-2022/; acessado em 17

A) Impacto Financeiro da Utilização Comercial da Marca Esportiva

Para se ter uma noção do impacto do faturamento da utilização comercial da marca esportiva no Brasil, é necessário analisar o balanço financeiro de dois dos principais clubes do país. Para este estudo, serão examinados os balanços

de junho de 2022, pág. 39.

11 Ibidem, pág. 26.

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financeiros do Sport Club Corinthians Paulista e o da Sociedade Esportiva Palmeiras.

O motivo da escolha destes dois clubes se dá, pois, o primeiro possuí, historicamente, uma das maiores torcidas em números absolutos no país e o segundo teve o melhor desempenho esportivo no ano de 2021.

Desta forma, será possível a análise do impacto da utilização comercial da marca esportiva tanto quando um clube possui, permanentemente, uma grande quantidade de torcedores, quanto em um clube que teve o melhor desempenho esportivo, que pode impulsionar na venda de produtos.

Conforme se observa no balanço financeiro do Sport Club Corinthians Paulista de 202112, disponibilizado pelo clube, o faturamento da equipe com explorações comerciais, licenciamento e franquias foi o seguinte:

Por outro lado, a Sociedade Esportiva Palmeiras, que no ano de 2021, teve resultado esportivos de expressão, com o principalmente com a conquista do título da Libertadores da América de 202014 e 2021, competição mais importante do continente.

Ao se examinar o balanço financeiro da Sociedade Esportiva Palmeira de 202115, nota-se que, mesmo com o sucesso esportivo do time e o aumento na receita proveniente da utilização comercial da sua marca em 14% (quatorze por cento), ainda assim, o impacto financeiro foi de apenas 1% (um por cento) da receita total do time:

Embora em 2020, a pandemia de Covid-19 tenha causado redução nas receitas de todos os times de modo geral, é possível observar que a exploração da marca teve pouquíssima variação para 2021, sendo que o Sport Clube Corinthians Paulista teve um aumento de, somente, R$ 686 mil de 2020 para 2021, sendo que o valor total da exploração comercial da marca correspondeu a, apenas, 1,62% (um virgula sessenta e dois por cento) do total de receitas do clube.

Cabe esclarecer que os resultados esportivos do clube não tiveram qualquer relação com o aumento da receita com exploração comercial, tendo em vista que o Sport Club Corinthians Paulista não conquistou títulos no ano de 202113

12 Balanço Financeiro de 2021 do Sport Club Corinthians Paulista, pág. 10, disponibilizado em: https://static.corinthians. com.br/content/165124080549cbb75927723efba3b4c108ed4a12f3.pdf?rand=Zy4URJomEk XdiLOz, acessado em 17 de junho de 2022.

13 Não foram conquistados títulos com a equipe masculina,

Para que se tenha uma ideia do potencial de retorno financeiro que a utilização comercial da marca esportiva tem como fonte de renda para os times de futebol, é necessário que seja realizado um comparativo com os grandes mercados esportivos europeus, como a Premier League, primeira divisão da Inglaterra.

Conforme se observa abaixo, no balanço financeiro do Manchester United16, um dos times mais ricos do mundo, de acordo relatório Football Money League17, faturou com licenciamento de contudo, a equipe feminina foi campeã do campeonato Brasileiro e Libertadores da categoria em 2021.

14 Conmebol confirma final da Libertadores no Maracanã no dia 30 de janeiro, LANCE, disponível em: https://www.lance.com.br/libertadores/conmebol-confirma-final-maracana-dia-janeiro.html; acessado em: 19 de junho de 2022

15 Balanço Financeiro de 2021 da Sociedade Esportiva Palmeiras, págs. 9 e 11, disponível em: https://sep-bucket- prod. s3.amazonaws.com/wp-content/uploads/2022/03/REPRINT-DFs-SEP-2021.pdf; acessado em 19 de junho de 2022.

16 Balanço Financeiro de 2021 do Manchester United plc, págs. 8, disponível em: https://ir.manutd.com/~/media/Files/M/Manutd-IR/documents/2021-mu-plc-form-20-f.pdf; acessado em 07 de julho de 2022

17 Estudo aponta Manchester City como clube mais rico do mundo pela primeira vez; confira o ranking; Globo Esporte – GE; disponível em: https://ge.globo.com/futebol/

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produtos e merchandising entre 2017 e 2021, a quantia média de 99 milhões de libras, que corresponderia a R$ 636 milhões de reais em uma conversão direta18:

misas de jogo, com o emblema do time, contudo, tal nicho de produto possuí limites.

É possível notar na imagem acima que o faturamento com a venda de produtos licenciados chega próximo de 40% (quarenta por cento) da receita comercial (incluindo além dos produtos licenciados, a receita com patrocínios) total do clube, enquanto, para clubes como a Sociedade Esportiva Palmeiras, a proporção é de, aproximadamente, 5% (cinco por cento).

Ou seja, mesmo quando um clube brasileiro está em evidência esportiva, com conquistas importantes, que geram diretamente em aumento nos retornos financeiros com a venda de produtos licenciados, o faturamento da marca esportiva no Brasil é infinitamente inferior se comparado aos grandes mercados do futebol, o que comprova que há pouco investimento no licenciamento de produtos e estimulação da utilização comercial das marcas no futebol.

Portanto, é evidente que há espaço para aumentar o impacto financeiro da utilização comercial da marca esportiva, e, para isto, é necessário analisar a forma pelo qual os times têm explorado as suas marcas.

B) A importância do Licenciamento e das Formas de Comercialização das Marcas Esportivas no Brasil

Como dito no tópico anterior, a principal forma de utilização comercial dos clubes de futebol, é a venda de equipamentos esportivos, como cafutebol-internacional/noticia/2022/03/21/estudo-apontamanchester-city-como-clube-mais-rico-do-mundo-pela-primeira-vez-na-historia.ghtml; acessado em 07 de julho de 2022.

18 Cotação da libra esterlina, R$ 6,425, disponível em: https:// economia.uol.com.br/cotacoes/cambio/libra-esterlina- reino-unido/; acessado em: 07 de julho de 2022.

Cada clube, normalmente, possuí 3 tipos de uniforme produzidos por seus fornecedores de material esportivo, sendo lançada uma nova versão de cada kit por temporada, ou seja, se trata de um tipo de produto que possuí pouca possibilidade de aquisições recorrentes no decorrer do ano, além de serem itens extremamente caros e a sua utilização, muitas vezes, ser restrita, apenas, a realização de atividades esportivas e eventos casuais, reduzindo, assim, a viabilidade comercial.

No entanto, os times pouco exploram o potencial de suas marcas em outros tipos de produtos, que poderiam ser licenciados e gerarem renda.

Por exemplo, ao acessar a loja de produtos de grandes times do Estado de São Paulo, é possível observa a pouquíssima variedade de produtos (muitas vezes, são apenas variações de um mesmo item), principalmente, na parte destes sites voltadas aos produtos que não são específicos para atividades esportivas, como se vê a seguir:

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Loja online da Sociedade Esportiva Palmeiras, seção de presentes, disponível em: https://www.palmeirasstore.com/presentes??PS=24&O=OrderByReleaseDateDESC; acessado em: 19 de junho de 2022.

Loja online do São Paulo Futebol Clube, sessão de acessórios disponível em: https://www.saopaulomania.com.br/busca?tipo-de-produto=acessorio; acessado em: 19 de junho de 2022.

Loja online do Santo Futebol Clube, sessão de acessórios, disponível em: https://www.santosstore.com.br/acessorios#/pagina-1; acessado em 19 de junho de 2022.

Todos estes produtos são licenciados por seus clubes, gerando assim, um retorno financeiro para os times a cada venda, contudo, a evidente falta de variedade de opções de produtos, gera uma limitação a este retorno financeiro, pois, limita o nicho dos itens que possuem a possibilidade de gerar compras recorrentes.

Para que se tenha uma ideia do potencial de retorno financeiro que estes produtos licenciados podem gerar, cabe realizar um comparativo com as formas de comercialização utilizados por times dos Estados Unidos:

Loja Online da Major League Soccer, seção do Los Angeles Galaxy, disponível em: https://www.mlsstore.com/la- galaxy/ t-81564682+z-801458-104483420?ab={wt-static_graphic}{pt-home} {al-teamlinks}{ct-LA_Galaxy}, acessado em: 26 de junho de 2022

Nota-se na imagem acima a grande variedade de produtos comercializados com a marca do time Los Angeles Galaxy da Major League Soccer, liga de futebol dos Estados Unidos, não se limitando, somente, a produtos esportivos, como, por exemplo, itens colecionáveis, acessórios para cozinha, enfeites decorativos para casa e jardim, roupas de cama, produtos para utilização em dias de jogos e no dia a dia, produtos para animais de estimação, entre outros.

Isto demonstra o quão importante é a utilização comercial da marca esportiva nos Estados Unidos, com uma grande variedade de produtos licenciados para gerar um retorno financeiro de diversas formas, mesmo que os times americanos não possuam o nível de competitividade es-

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portiva que há na América do Sul ou na Europa, por exemplo.

No Brasil a falta de variedade de produtos licenciados vendidos pelos próprios clubes, além de diminuir a margem do seu retorno financeiro, faz com que os consumidores tenham que recorrer a produtos com valor de mercado inferior e não licenciados, cuja receita não é revertida para os times (além da qualidade ser questionável):

sim, há situações e condutas que podem gerar em prejuízo financeiros para os times, inclusive, podendo gerar na perda do direito sobre a sua utilização, tais como má-gestão e a contrafação de produtos.

3.1. Combate a Contrafação

A contrafação é um dos principais problemas do mercado brasileiro como um todo, afetando diversas áreas econômicas, dentre as quais, o comércio de produtos esportivos. Contudo, um dos principais motivos da contrafação de produtos esportivos, se dá por conta do alto custo para aquisição destes itens.

Em um país cuja média salarial líquida de sua população em 2021, foi de R$ 1.149,00 (um mil cento e quarenta e nove reais)19, faz com que os torcedores brasileiros pensem duas vezes antes de adquirir produtos considerados caros, o que inclui as camisas de seus times favoritos.

Com o custo médio de R$ 300,00 (trezentos reais) por cada camisa de clube grande em nosso país, o que corresponderia a pouco mais de 26% (vinte e seis por cento) da média salarial de um brasileiro, adquirir este tipo de produto de forma recorrente não é uma realidade para a maioria da população.

Portanto, é evidente que há espaço para aumento de faturamento dos clubes brasileiros com a suas marcas, tendo em vista a não utilização de todo o potencial comercial, face a ausência de uma maior variedade de produtos licenciados, reduzindo consideravelmente o seu retorno financeiro.

3. CONDUTAS QUE AFETAM NEGATIVAMENTE A MARCA ESPORTIVA

Embora os clubes não utilizem todo o potencial comercial que suas marcas possuem, ainda

Porém, a vontade de ter o “manto” do seu time do coração para representá-lo seja no dia a dia, seja nos estádios continua a existir, fazendo com que os torcedores tenham que recorrer a contrafação para poder ter este tipo de produto, sem que coloque em risco a sua vida financeira, principalmente, para as classes econômicas mais baixa na sociedade.

Segundo levantamento do Fórum Nacional contra a Pirataria e Ilegalidade (FNCP), em 2020, a

19 ALMEIDA, Pauline; Salário líquido médio do brasileiro cai para R$ 1.149 em 2021, aponta pesquisa; CNN;disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/salario-liquido-medio-do-brasileiro-cai-para-r-1-149-em- 2021-apontapesquisa/#:~:text=Compartilhe%3A,DomesticView%2C%20 divulgada%20pela%20consultoria%20Kantar; acessado em: 22 de junho de 2022.

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Pesquisa realizada no site: www.mercadolivre.com.br. Pesquisa realizada no site: www.mercadolivre.com.br.

contrafação de artigos esportivos causou um prejuízo de mais de R$ 2 bilhões aos clubes brasileiros, que corresponderia a uma evasão de produtos falsos na ordem de 40% (quarenta por cento) a 50% (cinquenta por cento)20

Cabe ressaltar que o problema do custo elevado dos produtos não é exclusivo dos grandes times. Tome como exemplo o Paysandú Sport Club. Embora seja considerado o maior clube da região norte do país, trata-se de uma equipe que atualmente disputa a Série C do Campeonato Brasileiro, sendo, portanto, não estando em evidência no cenário nacional.

Em uma rápida consulta à loja do Paysandú Sport Club na internet, é possível observar que os preços dos produtos também são considerados altos para a maior parte da sociedade:

3.2. Má-gestão de clube de futebol

Outro fator que pode gerar em prejuízo para a marca esportiva é a má-gestão do próprio clube por seus dirigentes. Talvez o caso mais emblemático seja do Clube Náutico Capibaribe, que, recentemente, teve a sua marca penhorada em processo trabalhista ajuizado por um ex-jogador.

O Clube Náutico Capibaribe é um time de futebol da cidade de Recife-PE, que atualmente disputa a Série B do Campeonato Brasileiro, porém, até o ano de 2020, possuí um passivo acumulado de R$ 160.013.674,00 (cento e sessenta milhões, treze mil, seiscentos e setenta e quatro reais)21, tendo 10 (dez) anos seguidos de déficit financeiro.

Dentro deste passivo, tem-se o processo trabalhista movido pelo jogador Johnny Meg Do Nascimento Osorio de número 000041480.2011.5.06.0014, em trâmite perante a 14ª Vara do Trabalho de Recife-PE, pleiteando o pagamento de direitos como horas extras, direito de imagem, direito de arena, entre outros.

Embora o combate a contrafação não seja novidade no mundo do futebol, é evidente que o preço dos produtos oficiais não coopera para a solução deste problema, que afeta diretamente a principal fonte de faturamento dos times.

Sendo assim, uma das possíveis formas de combater a contrafação e incentivar a população a comprar produtos oficiais seja a criação de linhas populares, com preços acessíveis, sem a necessidade de oferecer a tecnologia que há nestas vestimentas, que somente possuem função para os jogadores e não no dia a dia.

Após diversas tentativas de penhoras de bens e ativos financeiros, em maio de 2022, o Reclamante alegou que a marca teria importância jurídica a ponto de ter valor econômico e ser susceptível de apropriação, requerendo assim, a penhora da marca mista correspondente ao emblema do clube, que foi deferida pela juíza Roberta Vance Harrop em 03 de maio de 2022, determinando o envio de ofício ao INPI para averbação desta penhora.

Embora esta decisão ainda seja passível de recurso, este caso certamente será um paradigma daqui em diante e demonstra como a má-gestão de um clube de futebol pode impactar negativamente na marca esportiva, a ponto de permitir que esta marca seja penhorada.

20 CESARINI, Beatriz, TRASKINI, Eder, A história de uma camisa, UOL, disponível em: https://www.uol.com.br/esporte/ reportagens-especiais/a-historia-de-uma-camisa-pirata/#cover; acessado em: 28 de junho de 2022.

21 ZIRPOLI, Cássio, Balanço do Náutico em 2020 traz 10º déficit seguido e republicação de outros dois anos, disponível em: https://cassiozirpoli.com.br/balanco-do-nautico-em-2020-traz-10o-deficit-seguido-e-republicacoes- de-tres-anos/, acessado em: 28 de junho de 2022.

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Loja online do Paysandú Sport Club, disponível em: https://www.lojaslobo.com.br/, acessado em: 26 de junho de 2022.

Este é apenas um dos diversos casos em clubes com dívidas milionárias que existem em nossos país, que totaliza em 2021, um endividamento na casa dos R$ 10.5 bilhões22

Portanto, é notório que a má gestão dos clubes, além de trazer impactos no dia a dia destas agremiações, certamente causa prejuízos a marca esportiva, que ficam atreladas a escândalos e dívidas, a ponto de abrir possibilidades como a penhora da marca mista, como o caso do Clube Náutico Capibaribe.

CONCLUSÃO

Portanto, é possível concluir que a marca esportiva no Brasil, embora não necessite de registro perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), possuí proteção além de pode ter utilização comercial pelos clubes por força da Lei nº 9.615/98.

Em um país mundialmente conhecido pelo futebol, a marca esportiva tem potencial considerável para atuar como uma das principais fontes de renda para os clubes brasileiros, como ocorre com os times europeus, onde o licenciamento de produtos chega a gerar 40% (quarenta por cento) da receita comercial destes clubes, contudo, esta não é a realidade no Brasil.

Pouco investimento em acordos de licenciamento, pouca variedade na oferta de produtos, o alto custo dos produtos que já são comercializados e que não possuem retorno financeiro recorrente são alguns dos fatores que impactam no faturamento da marca esportiva no país e que merecem uma análise mais profunda por parte das agremiações.

Exemplos não faltam para incentivar os clubes brasileiros a procurarem formas de aumentarem o seu faturamento com a utilização comercial de 22 SEDA, Vicente, Levantamento financeiro de clubes mostra queda de 7% nas dívidas e aumento de 37% nas receitas, GE – Globo Esporte, disponível em: https://ge.globo.com/negocios-do- esporte/noticia/2022/05/13/levantamento-financeiro-de-clubes-mostra-queda-de-7percent-nas-dividas-e-aumento-de-37percent-nas-receitas.ghtml; acessado em: 28 de junho de 2022.

suas marcas, como procurarem diversificar a lista de produtos licenciados, no mesmo molde que ocorre com os clubes da Major League Soccer dos Estados Unidos.

Além disto, o combate mais efetivo a contrafação e a adoção de melhores políticas de gestão dos clubes também podem contribuir para uma melhor fonte de receita da marca esportiva que pode gerar um acréscimo no retorno financeiro para os clubes, além dos direitos de transmissão e vendas de jogadores, sendo estas duas as principais receitas dos clubes atualmente

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ALMEIDA, Pauline; Salário líquido médio do brasileiro cai para R$ 1.149 em 2021, aponta pesquisa; CNN; disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/business/salario-liquido-medio-dobrasileiro-cai-para-r-1-149-em-2021-aponta-pesquisa/#:~:text=Compartilhe%3A,DomesticView%2C%20divulgada%20pela%20consultoria%20Kantar; acessado em: 22 de junho de 2022

CERQUEIRA, João da Gama. Privilégios de invenção e marcas de fábrica e de comércio. São Paulo: Acadêmica Saraiva, 1930. v. 2. P.41.

CESARINI, Beatriz, TRASKINI, Eder, A história de uma camisa, UOL, disponível em: https://www. uol.com.br/esporte/reportagens-especiais/a-historia-de-uma-camisa-pirata/#cover; acessado em: 28 de junho de 2022.

Conmebol confirma final da Libertadores no Maracanã no dia 30 de janeiro, LANCE, disponível em: https://www.lance.com.br/libertadores/conmebol-confirma-final-maracana-dia- janeiro.html; acessado em: 19 de junho de 2022.

Convocados; Disponível em https://convocados.net/, acessado em 17 de junho de 2022. CRETELLA NETO, José, Manual jurídico do franchising, São Paulo, Atlas, 2003, p. 92

Estudo aponta Manchester City como clube mais rico do mundo pela primeira vez; confira o ranking; Globo Esporte – GE; disponível em: https://ge.globo.com/futebol/futebol- internacional/ noticia/2022/03/21/estudo-aponta-manchester-city-como-clube-mais-rico-do- mundo-pela-primeira-vez-na-historia.ghtml; acessado em 07 de julho de 2022.

Logomarca Adidas, disponível em: https://twitter.com/adidasbrasil, acessado em 22 de junho de 2022.

Loja Online da Major League Soccer, seção do Los Angeles Galaxy, disponível em: https:// www.mlsstore.com/la-galaxy/t-81564682+z- 801458-104483420?ab={wt- static_graphic}{pt-home}{al-teamlinks}{ct-LA_Galaxy}, acessado em: 26 de junho de 2022.

Loja online da Sociedade Esportiva Palmeiras, seção de presentes, disponível em: https:// www.palmeirasstore.com/presentes??PS=24&O=OrderByReleaseDateDESC; acessado em: 19 de junho de 2022.

Loja online do Paysandú Sport Club, disponível em: https://www.lojaslobo.com.br/, acessado em:26 de junho de 2022.

Loja online do Santo Futebol Clube, sessão de acessórios, disponível em: https://www.santosstore.com.br/acessorios#/pagina-1; acessado em 19 de junho de 2022.

Loja online do São Paulo Futebol Clube, sessão de acessórios disponível em: https://www. saopaulomania.com.br/busca?tipo-de-produto=acessorio; acessado em: 19 de junho de 2022.

Loja Online Meu Timão do Sport Club Corinthians Paulista; disponível em: https://www.shoptimao.com.br/lst/mi-camisai, acessado em 17 de junho 2022.

Marca registrada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), sob o nº 816873380, de titularidade da empresa ADIDAS AG, disponível em:https://busca.inpi.gov.br/pePI/servlet/ MarcasServletController?Action=detail&CodPedido=6872 71, acessado em 07 de julho de 2022

Manchester United plc, Annual Report of 2021, disponibilizado em:https://ir.manutd.com/~/

n 59

media/Files/M/Manutd-IR/documents/2021-mu-plc-form-20-f.pdf; acessado em 07 de julho de 2022

Presidente do Corinthians Alagoano confirma união com o Santo Rita, Globo Esporte, disponível em http://ge.globo.com/al/noticia/2013/11/presidente-do-corinthians-alagoano- confirma-uniao-com-o-santa-rita.html - Acessado em: 12 de junho de 2022.

Relatório Convocados | XP: Finanças, História e Mercado do Futebol Brasileiro, XP investimentos, disponível em: https://conteudos.xpi.com.br/relatorio-futebol-2022/; acessado em 17 de junho de 2022.

SEDA, Vicente, Levantamento financeiro de clubes mostra queda de 7% nas dívidas e aumento de 37% nas receitas, GE – Globo Esporte, disponível em: https://ge.globo.com/negocios-do-esporte/noticia/2022/05/13/levantamento-financeiro-de-clubes- mostra-queda-de-7percent-nas-dividas-e-aumento-de-37percent-nas-receitas.ghtml; acessado em:28 de junho de 2022.

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STRENGER, Irineu, Marcas e Patentes, São Paulo, LTR, 2004, p.22

VEIGA, Maurício de Figueiredo Corrêa, PINHEIRO, Luciano Andrade; A disciplina jurídica dos símbolos do desporto, disponível em: https://www.editorajc.com.br/disciplina-juridica-dossimbolos-do-desporto/, acessado em: 17 de junho de 2022.

ZIRPOLI, Cássio, Balanço do Náutico em 2020 traz 10º déficit seguido e republicação de outros dois anos, disponível em: https://cassiozirpoli.com.br/balanco-do-nautico-em-2020-traz10o-deficit-seguido-e-republicacoes-de-tres-anos/, acessado em: 28 de junho de 2022.

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UMA ANÁLISE DA CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA NOS CONTRATOS DE FRANQUIA SOB A ÓTICA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

O presente trabalho visa trazer breves considerações sobre o sistema de franquia empresarial com foco na proteção do know-how do franqueador, materializado pela cláusula de não concorrência, e entender como o Tribunal de Justiça de São Paulo têm aplicado tal cláusula após o encerramento da relação entreas partes.

Palavras-chave

Franquia - know-how do franqueador - Cláusula de não concorrência - Tribunal de Justiça de São Paulo

Carlos Alberto dos Santos Das Dores Junior

Advogado, graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós graduado em propriedade intelectual, direito do entretenimento, mídia e moda, pela Escola Superior da Advocacia (ESA/SP). Foi aluno especial do mestrado da USP – Na matéria de propriedade intelectual – 2018.Membro da Comissão de Propriedade Intelectual da OAB Jabaquara.

05 61

Nos últimos anos houve um crescente aumento de novos empresários no País, o que demonstra que o empreendedorismo tem sido uma excelente alternativa para quem busca a independência profissional e financeira

Nesse ponto, o sistema de franquia empresarial tem exercido papel dedestaque, pois é a porta de entrada de grande parte desses novos empreendedores,principalmente, de quem possui pouco ou nenhum conhecimento sobre o mercado.

Isso porque, ao ingressar na rede de franquia, irá utilizar uma marca de sucesso e um modelo de negócio já testado, com plena aceitação do público consumidor, além de ter acesso a todo conhecimento do franqueador. O que, em tese, diminui o risco inerente à toda e qualquer atividade empresarial.

É diante desse cenário, de pleno crescimento do setor, que o presente trabalho se propõe a trazer breves considerações sobre a proteção do know-how do franqueador, que se dá por intermédio da cláusula de não concorrência, e entender como o Tribunal de Justiça de São Paulo tem realizado a sua aplicação após o encerramento da relação entre as partes.

2. CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS SOBRE O SISTEMA DE FRANQUIA

Apesar de não existir um consenso na doutrina, há uma tendência a considerar que a primeira rede de franquias se originou nos Estados Unidos, nos anosde 1850, quando a sociedade empresária fabricante de máquinas de costuras, Singer Sewing Machine Company, começou a conceder licenças de uso da sua marca e do seu sistema de negócios para interessados em revender os seus produtos em lojas próprias.1

1 SILVA, Ana Caroline da, ARAÚJO, Stephany Nicole Santos. A cláusula de não concorrência nos contratos de Franquia. Revista ASPI. São Paulo, Edição nº 2 dez/2018 a mar/2019, pag. 18, publicaçãoem março de 2019. Disponível em: <https://aspi. org.br/wp-content/uploads/2020/08/Revista-ASPI- 02.pdf>. Acesso em 25 de maio de 2022.

Após alguns anos, outras empresas adotaram o mesmo sistema, como a General Motors que criou as concessionárias de veículos em 1898. E a Coca Cola, em 1899, com as franquias de produção, que em síntese, consistia em uma licença para fabricação e comercialização dos seus produtos em um espaço geográfico pré- definido pelas partes.2

Segundo as lições de Tatiana Dratovsky Sister, houve uma consolidação mais significativa do sistema após a Segunda-Guerra Mundial, visto que os ex-militares buscando ter o próprio negócio se valiam da condição de franqueados, por terem pouco conhecimento sobre o mercado3.4.

No Brasil, o franchising iniciou nos anos de 1960, com as redes de educação Yázigi e CCAA5. Nas décadas seguintes ganhou força com as marcas o Boticário, a Água de cheiro e a Mister Pizza6 Além disso, houve a migração das empresas Internacionais, com destaque para a Norte Americana McDonald’s que teve a primeira unidade inaugurada em 1979, no Estado do Rio de Janeiro7

2 SILVA, ARAUJO. op. Cit., p. 18.

3 Sister, Tatiana Dratovsky. Contratos de franquia: origem, evolução legislativa e controvérsias. 2020. 117 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2020, pg. 11. Disponível em < https://tede2.pucsp.br/ handle/handle/23188>. Acesso em 26 de maio de 2022.

4 No mesmo sentido dispõe Adir Ribeiro et al. “O grande acelerador do Franchising ocorreu após o término da Segunda-Guerra Mundial, quando os ex-combatentes retornavam às suas origens, após a experiência de enfrentar as mais diversas dificuldades e correr risco de morte nas batalhas e cheios deideias e seguros de que não precisavam mais receber ordens de ninguém, senão de si próprios, com forte apelo empreendedor e dispostos a arregaçar as mangas para o trabalho (componente fundamental para o sistema em qualquer época do Franchising no mundo inteiro)!.

Pelo fato de não terem experiências anteriores, alguns não conseguiram êxito em suas jornadas. Com o formato do Franchising se expandindo (...) isso se tornou uma alternativa bem-sucedida e uma combinação perfeita para aquele batalhão (literalmente) de gente motivada a fazer a diferença em suas vidas e nas suas regiões”. (Gestão estratégica do franchising: como construir redes de franquias de sucesso. 2. Ed. São Paulo: DVS Editora, 2019, p. 12-13)

5 RIBEIRO, op. Cit., p. 13

6 PRADO, Melitha Novoa. Conceito de Franquia e seus elementos distintivos. In: JUNIOR, Sidnei Amendoeira et al. (org). Franchising. 1. Ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021, pg. 46.

7 RIBEIRO, op. Cit., p. 13

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1. INTRODUÇÃO

Dando um salto no tempo, estima-se que nos dias atuais o Brasil é o quarto País em número de franqueadoras, ficando atrás apenas da China, Estado Unidos e Coréia do Sul8. De modo que o sistema além de estar totalmente consolidado, possui uma grande representatividade econômica para o País.

3. O QUE SE ENTENDE POR SISTEMA DE FRANQUIA EMPRESARIAL

O artigo 1º da lei 13.966/2019 (nova lei de Franquia) define o sistema de franquia empresarial9 da seguinte forma:

“(...) o sistema de franquia empresarial, pelo qual um franqueador autoriza por meio de contrato um franqueado a usar marcas e outros objetos de propriedade intelectual, sempre associados ao direito de produção ou distribuição exclusiva ou não exclusiva de produtos ou serviços e também ao direito de uso de métodos e sistemas de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvido ou detido pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem caracterizar relação de consumo ou vínculo empregatício em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento”.

Do quanto disposto acima, verifica-se que a relação no Franchising possui os seguintes elementos: (i) as suas partes, franqueador e franqueado10 (ii) a licença de uso da marca e outros

8 SISTER, op. Cit., p. 12.

9 Nesse ponto, se faz pertinente a observação do Profº Sidnei Amendoeira Júnior “o que a lei faz, portanto, é conceituar o modelo ou sistema de franquia no Brasil, não necessariamente o contrato de franquia, mas ao fazê-lo, estabelece seus elementos básicos, quais sejam, licença de uso de marca, distribuição de produtos e/ou serviços e, de forma eventual, a transmissão de know-how com vistas a permitir a reprodução do conceito padrão e expansão do negócio franqueado”. (O contrato de Franquia. In: JUNIOR, Sidnei Amendoeira et al. (org). Franchising. 1. Ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021, pg. 238-239).

10 Franqueador, é o detentor dos direitos sobre a marca, quem entende todo o funcionamento do negócio (know-how), e o responsável por decidir quem irá integrar a sua rede de franquias. Por outro lado, o franqueado é aquele que está procurando um

ativos de propriedade intelectual, (iii) direito de distribuição debens ou serviços, (iv) transmissão do know-how do franqueador ao franqueado (v) pagamento pelo franqueado de remuneração ao franqueador, sendo as mais comuns (taxa de franquia e royalties)11, (vi) ausência de relação trabalhista entre as partes12

Carlos Alberto Bittar, de forma sintética, assevera que o sistema de franquia se configura:

“pela licença outorgada a empresa comercial autônoma, para colocação de produtos no mercado com o uso da marca do titular, que lhe presta assistência técnica e comercial, tudo mediante percentual incidente sobre o respectivo faturamento”.13

Do mesmo modo, Fábio Ulhoa Coelho aduz que “franquia é um contrato14 pelo qual um empresário (franqueador-franchisor) licencia o uso de sua marca a outro (franqueado-franchisee) e presta-lhe serviços de organização empresarial, com ou sem venda de produtos”15

Das lições acima, verifica-se que dois requisitos são essenciais para configuração do modelo de negócios de franquias: a licença de uso da mar-

negócio já testado no mercado para investir, visando com isso diminuir os riscos inerentes à atividade empresarial, já que terá acesso a informaçõesconfidenciais sobre o funcionamento da rede, além de todo suporte do franqueador.

11 A taxa de franquia é o valor pago pelo franqueado no momento do seu ingresso na rede, e está atrelada a orientação e capacitação inicial para que tenha condições mínimas de implantar a sua unidade. Já os Royalties, são pagos periodicamente pelo franqueado, em regra de forma mensal, para continuar tendo acesso ao direito de uso da marca e aos demais ativos de propriedade intelectual, alémde todo suporte prestado pelo franqueador.

12 Segundo André Luiz Santa Cruz Ramos, “vê-se, pois, que o contrato de franquia atende tanto aos interesses do franqueador, que consegue expandir seus negócios e divulgar sua marca sem necessitar investir na construção de novos pontos de negócios, quanto aos interesses do franqueado, o qual se aproveita da “fama” do franqueador e da sua experiencia administrativa e empresarial. (Direito Empresarial Esquematizado. 2. Ed. Rio de Janeiro: Método,2012, pg. 549

13 BITTAR, Carlos Alberto. Contratos Comerciais. 2. Ed. Rio de Janeiro. ed. Forense 1994, pg. 223

14 Como vimos, os elementos do contrato de franquia são os mesmos do sistema, preceituado pela Lei 13.966/2019 (nova lei de Franquia), vide nota de rodapé 9.

15 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. v. 1, pg. 486).

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ca; e a transmissão de todo conhecimento de organização empresarial (know-how) do franqueador para o franqueado.

Inclusive, Melitha Novoa Prado, nos ensina que isso ficou evidenciado com a promulgação da nova lei de Franquias:

“outro importante acerto da nova lei é que legislador alterou o conceito do sistema de franquia, pois o “know-how”, outrora previsto como opcional, é hoje um elemento reconhecido como indispensável para a caracterização da franquia e, sem dúvida, constitui o principal diferencial para franquia em relação a outros modelos de negócio” 16

Feitas tais considerações, resta evidente que o Franchising é uma relação extremamente complexa, pois envolve diversos direitos de ambas as partes. No que tange aos do franqueador, destaca-se a licença de uso de marca e outros ativos de propriedade Intelectual e a transferência do seu conhecimento sobre o negócio (know- how), o qual trataremos com mais ênfase nos próximos tópicos.

4. A PROTEÇÃO DO KNOWHOW COMO ATIVO DE PROPRIEDADE INTELECTUAL (SEGREDO DE NEGÓCIO).

Como salienta Gabriel Di Blasi, “ao criar um negócio, o empresário desenvolve e emprega diversos meios, técnicas e conhecimentos para que o seu empreendimento prospere”17. Em termos bem simples, esse conjunto de informações secretas detidas pelo empresário e que são a chave de sucesso do seu negócio, pode ser conceituado como know-how18 .

16 PRADO, op. Cit., p. 47.

17 BLASI, Gabriel Di. Os direitos da propriedade Intelectual no Franchising. In: JUNIOR, Sidnei Amendoeira et al. (org). Franchising. 1. Ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021, pg. 149.

18 Para Denis Borges Barbosa, “o know how, é assim, o conjunto de conhecimentos disponíveis a respeito do modelo de produção específico de uma empresa, que lhe permite ter acesso a um mercado, manter-se nela, ou nele desfrutar vantagens em relação a seus competidores”. (BARBOSA, Dennis Borges. Uma Introdução à propriedade Intelectual. 2. ed. pg. 627. Disponível

Vimos que a relação entre as partes no franchising, se desenvolve através da transferência do know-how do franqueador para o franqueado, mediante o pagamento de uma contraprestação. Nesse contexto, o mesmo autor nos ensina que:

“ser franqueado significa “pegar emprestado” toda a produção desse conhecimento, uma vez que o conceito já está testado e aprovado no mercado. Isso significa muitas vezes ter acesso a informações e conhecimentos considerados confidenciais, com valor agregado e que aquele franqueador detém para conquistar a sua clientela”19

Dentre os institutos relacionados com à atividade empresarial, o know-how do franqueador pode ser categorizado como um segredo de empresa ou negócio, que nas preciosas lições de Elizabeth E. Kasznar Fekete, pode ser compreendido da seguinte forma:

“O “segredo de empresa”, sinônimo, portanto, de “segredo de negócio” ou “informação confidencial”, representa o gênero agrupante de duas espécies: os segredos industriais, que abrangem, entre muitos outros exemplos possíveis, os processos de fabricação, as fórmulas de produtos, os dados técnicos de P&D e os segredos comerciais, como os projetos de lançamento de novos produtos ou serviços, os estudos de marketing, os resultados de pesquisas de mercado, as listas de clientes ou fornecedores, os métodos internos de trabalho e os estudos financeiros, tais como previsões de lucros, precificação, etc”.20

Assim, a depender da atividade da franquia em <https://www.dbba.com.br/wp-content/uploads/introducao_pi.pdf.>. Acesso em 18/06/2022

19 Id.,2021, 150

20 FEKETE, Elisabeth Kasznar. Segredo de empresa. Enciclopédia Jurídica da PUCSP, tomo IV (recurso eletrônico) : direito comercial / coords. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida - São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2018, pg. 06. Disponível em<https://enciclopediajuridica.pucsp.br/pdfs/segredo-de-empresa_5b47faa6718c8. pdf>. Acesso em 15/06/2022.

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pode existir a transmissão para o franqueado, do segredo industrial e comercial ou apenas um deles.

Vejamos, por exemplo, uma franquia de bolos, que têm nas suas receitas secretas o sucesso do seu negócio (segredo industrial). Além disso, possui métodos internos de trabalho, de captação de clientes, lista de fornecedores homologados, estratégias de marketing (segredos comerciais), agora, imaginemos que todas essas informações são disponibilizadas aos franqueados no momento da entrada na rede.

Por outro lado, podemos pensar em uma franquia de comercialização de sorvetes, em que o produto é desenvolvido na fábrica, sob os cuidados do franqueador, e apenas enviado às lojas dos seus franqueados para venda. Provavelmente existirá diversos segredos comerciais nessa relação, mas não o industrial, pois todo o conhecimento do processo de produção é exclusivo do franqueador21.

Como nos ensina mais uma vez a Profª Elizabeth E. Kasznar Fekete, alguns requisitos precisam ser preenchidos para que uma informação, método ou sistema possa ser caracterizada como segredo de negócio:

“(...) o caráter secreto (“confidenciais” e “excluídos aqueles que sejam de conhecimento público”), a originalidade (“excluídos aqueles que sejam evidentes para um técnico no assunto”) e a aplicabilidade empresarial (“utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços”). (...) a licitude, a ausência de patente, a utilidade relevante, a alienabilidade ou transmissibilidade, o valor ou importância econômica e a exteriorização dos elementos volitivos, no sentido de que providências razoáveis tenham sido tomadas pelo detentor, demonstrando os seus esforços para preservar o sigilo”.22

21 Tais exemplos são meramente ilustrativos para a compreensão do tema.

22 FEKETE, Elisabeth Kasznar. A proteção das informações estratégicas: questões de espionagem industrial nas empresas. Anais do XXVIII Seminário Nacional da Propriedade Intelectual, 2008, pp. 111- 112.

Já Gabriel Di Blasi, apresenta as seguintes condições: “ser um segredo; ter um valor comercial por ser um segredo; e ser objeto de cautelas adequadas por parte de seu detentor para que a informação continue a ser um segredo”23.

Ainda sobre a proteção de tais informações ou métodos empresariais, temos que o Acordo Sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (ADPIC) ou Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS)24, elevou o segredo de negócio ao patamar de direito de propriedade intelectual, pois no seu artigo 39, preceitua que:

1. Ao assegurar proteção efetiva contra competição desleal, como disposto no ARTIGO 10bis da Convenção de Paris(1967), os Membros protegerão informação confidencial de acordo com o parágrafo 2 abaixo, e informação submetida a Governos ou a Agências Governamentais, de acordo com o parágrafo 3 abaixo.

2. Pessoas físicas e jurídicas terão a possibilidade de evitar que informação legalmente sob seu controle seja divulgada, adquirida ou usada por terceiros, sem seu consentimento, de maneira contrária a práticas comerciais honestas, desde que tal informação:

a) seja secreta, no sentido de que não seja conhecida em geral nem facilmente acessível a pessoas de círculos que normalmente lidam com o tipo de informação em questão, seja como um todo, seja na configuração e montagem específicas de seus componentes;

b) tenha valor comercial por ser secreta; e

23 Ibidem, p. 150

24 Segundo Lélio Denicoli Schmidt, “reconhecendo a importância da propriedade intelectual como fator de estímulo à atividade empresarial e ao comércio internacional, o TRIPs estabeleceu um padrão mínimo de proteção para tais direitos. Todos os Países membros da OMC sujeitam-se automaticamente ao TRIPs, (...) No Brasil, o TRIPs foi aprovado pelo Decreto Legislativo 30/94 e promulgado pelo Decreto 1.355, de 31 de dezembro de 1994. (Marcas: Aquisição, Exercício e Extinção de Direitos. 1.ed. Rio de Janeiro, Lumen Juris, 2016, pg. 50).

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c) tenha sido objeto de precauções razoáveis, nas circunstâncias, pela pessoa legalmente em controle da informação, para mantê-la secreta.

Além do referido tratado, a proteção se dá por intermédio da Lei da Propriedade Industrial 9.279/1996, que no artigo 195, inciso XI, criminaliza a concorrência desleal25 daquele que: divulga, explora ou utiliza informações confidenciais, na indústria, comércio ou na prestação de serviços, que obteve sem autorização, por intermédio de uma relação contratual ou empregatícia.

Cita-se:

“Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem: (...)

XI – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;

cláusulas específicas para essa finalidade como a de “confidencialidade” e a de “não concorrência ou no compete”.

5. DA CLÁUSULA DE NÃO CONCORRÊNCIA E SEUS LIMITES

A cláusula de não concorrência se justifica nos contratos de franquia pela irreversibilidade da transferência do know-how do franqueador ao franqueado26, evitando, portanto, que após o término da relação este último concorra com o franqueador se favorecendo de tais segredos de negócio27

No mesmo sentido, Isabela de Sena Passau Alves, aduz que:

“Também chamada de “cláusula de barreira”, tem o condão de impedir que ofranqueado, após o término da relação de franquia, utilize os conhecimentos adquiridos do franqueador para ser seu concorrente direto. Tal cláusula tem base nos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade,e objetiva assegurar ao franqueador o sigilo do segredo de negócio ou do know-how (quando sigiloso) transmitido aos franqueados durante a relação de Franquia”.28

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

Nota-se, assim, que a conduta de um franqueado ou ex-franqueado que divulga, explora ou utiliza, informações confidenciais que obteve durante a relação contratual com a franqueadora, se amolda perfeitamente ao referido crime, podendo responder por tais atos, na esfera civil e criminal.

Nesse contexto, uma das formas que o franqueador possui para resguardar o seu know-how na relação de franquia empresarial, é a criação de

25 Segundo Gama Cerqueira, a concorrência desleal pode ser compreendida como “atos contrários às boas normas da concorrência comercial, praticados, geralmente, com intuito de desviar, de modo direito ou indireto, em proveito do agente, a clientela de um ou mais concorrentes, e suscetíveis de lhes causar prejuízos”. (Tratado da Propriedade Industrial, Editora RT, São Paulo, 2º vol, pág. 1.266).

Isto posto, é mister esclarecer que a referida cláusula não pode estabelecer a proibição eterna do exercício de tal atividade empresarial pelo ex-franqueado, sob pena de ferir os princípios do livre exercício profissional, disposto no artigo 5º inciso XIII, da livre iniciativa e livre concorrência, previstos no artigo 170 caput, e inciso IV, todos da CF/88:

26 SANTOS, Alexandre David. Obrigações pós contratuais, confidencialidade e não concorrência nos contratos de franquia. In: JUNIOR, Sidnei Amendoeira et al. (org). Franchising. 1. Ed. São Paulo: Thomson Reuters, 2021, pg. 499.

27 SILVA, ARAUJO. op. Cit., p. 18

28 ALVES, Isabela de Sena Passau. A eficácia das cláusulas pós-contratuais nos contratos de franquia. Boletim ASPI. São Paulo, Edição nº 47 dez/2015 a mar/2016, pag. 10, publicação em março de 2016. Disponível em <https://aspi.org.br/wp-content/uploads/2020/08/Revista-ASPI-02.pdf>. Acesso em 15 de junho de 2022.

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(...)

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

(...)

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

IV - livre concorrência;

Portanto, para que a cláusula de não concorrência tenha validade é necessário que possua algumas limitações, relacionadas com à atividade, conhecida como (material), prazo geralmente chamada de (quarentena), e de território, comumente denominada como (raio).

No que tange à atividade (limite material), temos que a proibição deve ser regida pelo objeto do contrato de franquia, ou seja, precisa ser a mesma explorada pelo franqueador. Sobre a temática, Alexandre David Santos esclarece que:

“Tal situação se verifica porque há inúmeros segmentos que comportam vários mercados-subsegmentos. Por exemplo: uma franquia cuja atividade e público-alvo são sapatos femininos. É evidente que o público masculino e infantil jamais concorrerão com o segmento de sapatos femininos. Assim, a cláusula de não concorrência, quanto ao seu objeto, não poderá proibir a exploração das ativida-

des relacionadas ao mercado de sapatos masculinos e infantis. Seria extrapolar os limites da boa-fé objetiva, ampliando a restrição a mercados não explorados de públicos distintos”29

O mesmo autor diz ainda que, cláusulas genéricas limitando à atividade pele gênero podem dar margem para invalidação. Como por exemplo: “uma que impeça atuar em alimentação sendo que a franquia era de comida italiana e o ex-franqueado quer atuar com comida japonesa agora”30.

Além disso, a cláusula de não concorrência deve dispor sobre o limite temporal (quarentena), que o ex-franqueado não poderá atuar no mesmo segmento que o franqueador. Visto que a referida proibição não pode ser eterna, sob pena de restringir à liberdade de trabalho, direito constitucionalmente previsto.

Já o terceiro e último requisito, versa sobre o limite territorial (raio). Ou seja, espaço geográfico que o ex-franqueado está adstrito a não exercer à atividade.

Tendo em vista o quanto destacado, denota-se que a cláusula de não concorrência desde que esteja lastreada pelos princípios da boa-fé e razoabilidade, não ofende a Constituição, sendo passível de aplicação.

Por fim, vale salientar que para que a cláusula de não concorrência ter efetividade é necessário trazer em seu bojo as penalidades em caso de descumprimento.

6. ANÁLISE DE CASOS NA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

A fim de verificar a aplicabilidade da cláusula de não concorrência nos contratos de franquia, foi realizada uma pesquisa no Tribunal de Justiça de São Paulo31, dentre as quais destacamos al-

29 SANTOS. op. Cit., p. 505-506.

30 Id., p.506

31 O presente trabalho adotou como critério para delimitar a análise jurisprudencial, o Estado com o maior número de

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gumas decisões que nos ajudam na compreensão do tema.

No agravo de instrumento de nº 229219639.2021.8.26.0000, de relatoria do ministro Grava Brazil, ficou consignado que a aplicação da cláusula de não concorrência previamente pactuada pelas partes, não viola a livre concorrência prevista no artigo 170, inciso IV, da Constituição Federal:

“(...) - Cláusula de barreira que protege o sigilo do know how transmitido pela franqueadora - Inexistência de violação ao art. 170, IV, da CF, e aos arts. 423 e 424, do CC - Franqueados que livremente se obrigaram a cumprir a cláusula de não concorrência, cujas consequências eram conhecidas de antemão, o que mitiga o requisito negativo da irreversibilidade da decisão (...)”.32

Do mesmo modo, é possível a aplicação de tal cláusula na sua integralidade, desde que possua os limites, temporal e espacial, delimitados de forma clara e razoável, e a atividade exercida pelo ex-franqueado coindica com a da franqueadora, conforme entendimento da Ministra Jane Franco no agravo de instrumento de nº 104682860.2020.8.26.0576:33

“(...) Cláusula de não-concorrência - Ausência de abusividade - Contrato que prevê limite temporal e espacial e se mostra adequada à proteção da concorrência, justificando sua manutenção para impedir que o ex- franqueado e com conhecimento técnico acumulado da franqueadora atue em desconformidade com a contratação anterior e em desrespeito

unidades de franquias e marcas, segundo estudo da Associação Brasileira de Franchising. Estudo da ABF assinala as 30 maiores cidades em unidades e marcas no Brasil. Disponível em: <https://www.abf.com.br/estudo-da-abf-assinala-as-30-maiores-cidades-em-unidades- e-marcas-no-brasil/>. Acesso em: 30 junho. 2022.

32 TJSP; Agravo de Instrumento 2292196-39.2021.8.26.0000; Rel. Des. Grava Brazil; 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Campinas; j. 27/05/2022.

33 TJSP; Agravo de Instrumento 1046828-60.2020.8.26.0576; Rel. Des. Jane Franco Martins; 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro São José do Rio Preto; j. 14/07/2021.

aos princípios éticos e de boa-fé que devem ser mantidos na fase pós- contratual (...).

Vale destacar, que é possível encontrar o entendimento acima em diversas decisões do Tribunal34

Por outro lado, a limitação do exercício da atividade do ex-franqueado deve ser feita de forma clara, levando-se em consideração o objeto do contrato, ou seja, aquela exercida pela franqueadora, sob pena de nulidade de tal cláusula. O ministro Fortes Barbosa se debruçou sobre a questão na apelação cível de nº 003324803.2012.8.26.0562, em que a atividade exercida pelo ex-franqueado não coincidia com a da franqueadora, e, por isso, houve o afastamento da proibição:

(...) Alegação de que as franqueadas, após a extinção dos contratos, celebraram nova franquia para exploração da marca “Micromix”, para integrar rede concorrente direta daquela mantida pela recorrente, atuando com deslealdade – Ausência de comprovação de que as rés celebraram um novo contrato de franquia para atuação no mesmo ramo de atividade –

Demonstração da comercialização de cursos profissionalizantes pela recorrida, mas diversos daqueles comercializados pela recorrente – Descaracterização da ilicitude, pois a cláusula invocada não impede o exercício de qualquer atividade profissional, mas apenas aquela correspondente à da antiga rede franqueada integrada – (...).35

34 TJSP; Apelação Civel 1025077-51.2019.8.26.0576; Rel. Des. Grava Brazil; 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de São José do Rio Preto; j. 21/03/2022. TJSP; Agravo de Instrumento 2230318-50.2020.8.26.0000; Rel. Des. J. B. Franco de Godoi; 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de São Paulo; j. 29/09/2021. TJSP; Apelação Cível 1007464-51.2020.8.26.0004; Rel. Des. Fortes Barbosa; 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de São Paulo; j. 22/06/2022.

35 TJSP; Apelação Cível 0033248-03.2012.8.26.0562; Rel. Des. Fortes Barbosa; 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de Santos; j. 23/03/2022.

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Já no Agravo de instrumento de nº 207372789.2022.8.26.0000, de relatoria do desembargador Alexandre Lazzarini, foi exarado o entendimento sobre a possibilidade de modulação dos efeitos da cláusula de não concorrência em caso de ausência de proporcionalidade.

No caso em comento, houve a interposição da uma ação de rescisão contratual do franqueado em face da franqueadora, e dentre os pedidos, a inaplicabilidade da cláusula de não concorrência, por ausência de limitação clara do seu limite geográfico, ou seja, do seu raio, que compreendia todo o território nacional, sendo, portanto, excessivamente ampla.

Como a franqueadora iria realizar a aquisição da loja, e em face de uma possível decretação de nulidade de tal cláusula, pediu que fosse modulado os seus efeitos, para um raio de 10 km do shopping onde o estabelecimento do franqueado estava situado. O desembargador acolheu o pedido, entretanto, limitou para 5 km, levando-se em consideração a distância entre outras lojas franqueadas da mesma rede. Vejamos:

“Agravo de instrumento. Ação de rescisão de contrato de franquia movida pelo franqueado. Decisão que deferiu tutela antecipada para determinar a imediata rescisão do contrato, suspender a exigibilidade de multas e taxas contratuais, e a cláusula de não concorrência. Insurgência da franqueadora. Hipótese de parcial provimento para confirmar liminar recursal, restabelecendo a cláusula de barreira num raio de 5km em torno do shopping onde instalada a unidade franqueada, (...) Limitação da cláusula de concorrência a um raio de 5km do shopping onde instalada a unidade franqueada. Razoabilidade. Recurso parcialmente provido”. 36

Verifica-se, ainda, que em casos onde há rescisão contratual por culpa da franqueadora, a cláusula de não concorrência tende a ser afas-

36 TJSP; Agravo de Instrumento 2073727-89.2022.8.26.0000; Rel. Des. Alexandre Lazzarini; 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de São Paulo; j. 22/06/2022.

tada. Como na Apelação Cível de nº 104891381.2019.8.26.0114, cujo relator é o ministro Azuma Nishi:

“(...)Deficiência dos materiais didáticos fornecidos à franqueada. Inconsistências não corrigidas no tempo e na forma adequada. Prejuízo à reputação e ao bom desenvolvimento dos serviços da unidade franqueada. Inadimplemento contratual da franqueadora configurado. Cláusula penal. Ausência de previsão para a hipótese de rescisão por culpa da franqueadora. Irrelevância. Contrato de adesão e de natureza bilateral. Multa devida. Precedentes. Cláusula de não-concorrência. Não incidência, diante da rescisão culposa da franqueadora. Mitigação do princípio pacta sunt servanda. Preservação da livre iniciativa. Inteligência do art. 170 da CF (...).37

Nota-se, que no presente caso foi afasta a aplicabilidade da cláusula de não concorrência, para preservar o direito o direito à livre iniciativa previsto constitucionalmente, pois não faria sentido a franqueadora ser beneficiada quando deu causa para rescisão.

CONCLUSÃO

Nesse cenário, restou claro que o know-how do franqueador (segredo de negócio), materializado na cláusula de não concorrência, possui proteção por intermédio do Acordo Sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (ADPIC) ou Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS) e pela Lei da Propriedade Industrial 9.279/1996, que no artigo 195, inciso XI, criminaliza a concorrência desleal, exarando tanto efeitos civis quanto criminal.

Entretanto, apesar de ser protegida, a sua aplicação não se dá de forma irrestrita, de modo que deve ser sopesada com o princípio do livre

37 TJSP; Agravo de Instrumento 2073727-89.2022.8.26.0000; Rel. Des. Alexandre Lazzarini; 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro de São Paulo; j. 22/06/2022.

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exercício profissional, disposto no artigo 5º inciso XIII, da livre iniciativa e livre concorrência, previstos no artigo 170 caput, e inciso IV, todos da Constituição Federal.

Dessa forma, para que tenha aplicabilidade plena, a cláusula de não concorrência precisa respeitar os limites da atividade, prazo e território. Inclusive, como visto, o Tribunal de Justiça de São Paulo possui entendimento no mesmo sentido. Por outro lado, quando tais limites são dispostos de forma genérica e desproporcional, tem feito a modulação dos seus efeitos, e em casos extremos decretando a nulidade de tal cláusula.

Portanto, resta evidente que o know-how do franqueador é um dos ativos mais importantes do sistema de franquia, possuindo assim, reconhecimento legal, doutrinário e jurisprudencial. Porém, se faz necessário que as franqueadoras possuam um ponto de atenção no momento de redigir a cláusula de não concorrência, levandose em consideração os seus limites, já balizado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, o que tem o condão de afastar possíveis ações judiciais visando a discussão do tema.

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DA PROTEÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS SOBRE AS TESES JURIDICAS

Pretende-se com trabalho, por meio da análise dos princípios dos direitos autoriais e da ética profissional, a existência ou não da proteção autoral das teses jurídicas elaboradas pelos advogados nos processos judicial, ao trazerem o mundo jurídico teses inovadoras e discussões inéditas..

Palavras-chave

Proteção dos Direitos autorais - Trabalhos Forenses - Direitos de Autor - Ética

Elcio Kirihata

Especialista em Propriedade Intelectual, Direito do Entretenimento, Mídia e Moda, com docência para o ensino superior

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INTRODUÇÃO

O estudo tem como objetivo discutir a existência de proteção autoral das teses elaboradas pelos advogados nas ações judiciais.

Será feita uma suscinta explicação da proteção dos direitos autorais, o posicionamento do poder judiciário e do Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil e após será apresentada a discussão de existência ou não da proteção dos direitos autorais das teses jurídicas dos advogados nos processos judiciais.

PROTEÇÃO DOS DIREITOS AUTORAIS SOBRE AS TESES JURIDICAS

A pretensão do estudo é esclarecer o tema que tem trazido discussões judiciais e éticas sobre os existência ou não dos direitos autorais do advogado face das teses jurídicas elaboradas

Pretende-se fazer uma breve explanação inicial sobre os direitos autorais, sua titularidade bem como sobre os direitos e deveres alusivos, antes de adentramos ao tema principal.

Na discussão principal serão abordadas decisões judiciais e administrativas (Tribunal de Ética da OAB) e demais obras produzidas.

CONCEITOS BASICOS DE DIREITOS AUTORIAIS

O que são direitos autorais?

Conforme explanação do Sebrae, direitos autorais são os direitos que criador de uma obra intelectual tem sobre a sua criação. Direito este exclusivo do autor, de acordo com o artigo 5º da Constituição Federal.

Os direitos autorais estão definidos por vários tratados e convenções internacionais, entre os quais o mais significativo é a Convenção de Berna. Já no Brasil, a Lei nº 9.610 de 19 de fevereiro de 1998, consolida a legislação sobre os direitos autorais.

De quem são os direitos autorais?

Direitos autorais são os direitos que todo criador de uma obra intelectual tem sobre a sua criação. Esse direito é exclusivo do autor, de acordo com o artigo 5º da Constituição Federal e conforme vários tratados e convenções internacionais, entre os quais o mais significativo é a Convenção de Berna.

Os direitos autorais de uma obra, concede ao proprietário o direito exclusivo de fazer uso da obra. Importante lembrar que ao se criar uma obra original, estabelecida em uma mídia tangível, automaticamente, o Autor possui os direitos autorais da obra.

Quais são os requisitos necessários para que uma obra possa ser protegida por direitos autorais?

Podem-se inferir alguns requisitos necessários para que a obra seja protegida pelo direito autoral.

Assim a obra para ser protegida, deve ser original e exteriorizada, expressa em certa forma ou fixada em qualquer suporte, tangível ou não, conhecido ou que se invente no futuro.

Eliane Cordeiro de Vasconcellos Garcia Duarte e Edmeire Cristina Pereira ensinam como se deve registrar uma obra1:

“(...)

20. Como se procede para registrar uma Obra Intelectual? O registro refere-se à base concreta, corpórea (CD-ROM, DVD, impressão em papel etc.) ou incorpórea (digital ou satélite) da obra criada, acabada e pronta para alcançar o público. No Brasil, este registro é facultativo, porém, pode servir como prova de “anterioridade” relativa a uma obra igual publicada por terceiros, sem a devida autorização. Para uma maior segurança, segundo a Lei de Direito Autoral, Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de

1 Direito Autoral: perguntas e respostas. organização: Eliane Cordeiro de Vasconcellos Garcia Duartee Edmeire Cristina Pereira – Curitiba:UFPR, 2009

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1998, 15 conforme a natureza, o criador da obra intelectualpode registrá-la na Fundação Biblioteca Nacional, na Escola de Música, na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, noInstituto Nacional do Cinema ou no Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia. Ao que concerne aos programas de Softwares, estes devem ser registrados no Instituto Nacional da Propriedade Industrial, INPI, conforme preconiza a Lei nº 9.609, de 19de fevereiro de 1998. A Constituição Federal de 1988, em seu Título II, Capítulo I, Inciso XXVII diz que “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a fixar.

(...)”.

A Abramus (Associação Brasileira de Música e Artes) traz as seguintes ponderações de forma suscinta e esclarecedora2:

“O DIREITO AUTORAL são normas estabelecidas pela legislação para proteger as relações entre o CRIADOR e a utilização de suas CRIAÇÕES, sejam elas criações artísticas, literárias ou cientificas, como por exemplo textos, livros, pinturas, músicas, ilustrações, fotografias etc.

Atualmente no Brasil, o Direito Autoral está regulamentado pela Lei de Direitos Autorais (Lei 9.610/98).

Assim, o criador da obra intelectual (a pessoa física do autor) pode receber os benefícios morais e patrimoniais resultantes da exploração de sua criação.

É importante lembrar que o Direito Autoral estende-se aos Direitos Conexos, que são também assegurados aos AUXILIARES da criação, isto é, os intérpretes, músicos 2 https://www.abramus.org.br/noticias/8482/afinal-o-que-e-direito-autoral/

acompanhantes, produtores fonográficos, empresas de radiodifusão, dentre outros.

Os Direitos Autorais são divididos, para efeitos legais, em Direitos Morais e Patrimoniais.

Os Direitos Morais garantem a AUTORIA da criação ao autor da obra intelectual, no caso de obras protegidas por direito de autor.

Já os Direitos Patrimoniais se referem principalmente à UTILIZAÇÃO ECONÔMICA da obra intelectual.

Ressaltamos que é DIREITO EXCLUSIVO DO AUTOR dispor de suaobra como quiser, ou seja, ele poderá utilizar sua criação da maneira que desejar, bem como permitir que terceiros a utilizem, total ou parcialmente.

Ao contrário dos Direitos Morais, que são intransferíveis e irrenunciáveis, os Direitos Patrimoniais podem ser transferidos ou cedidos à outras pessoas, às quais o autor concede direito de representação ou mesmo de utilização de suas criações. Caso a obra intelectual seja utilizada sem prévia autorização, o responsável pelo usodesautorizado estará violando normas de direito autoral, e este ato poderá gerar um processo judicial, tanto na esfera civil como na esferapenal.

E como a obra pode ser protegida?

A proteção da obra, com esclarece o artigo 18 da Lei 9.610/98, independe de registro, sendo facultado ao Autor proceder ao registro no órgão competente.

O registro de obras intelectuais por ser feito na Biblioteca Nacional com a finalidade dar ao autor a segurança quanto ao direito sobre sua obra, de acordo com artigo 1º da Lei nº 10.994, de 14 de

dezembro de 2004:

“(...)

Art. 1º Esta Lei regulamenta o depósito le-

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gal de publicações, na Biblioteca Nacional, objetivando assegurar o registro e a guarda da produção intelectual nacional, além de possibilitar o controle, a elaboração e a divulgação da bibliografia brasileira corrente, bem como a defesa e a preservação da línguae cultura nacionais.

(...)”

De forma que a violação de direitos autorais constitui crime com pena prevista de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano e multa de acordo com o Decreto Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940:

“(...)

Violação de direito autoral

Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

§ 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quemos represente. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)

§ 2o Na mesma pena do § 1o incorre quem, com o intuito de lucro direto ou indireto, distribui, vende, expõe à venda, aluga, introduz no País, adquire, oculta, tem em depósito, original ou cópia de obra intelectual ou fonograma reproduzido com violação do direito de autor, do direito de artista intérprete ou executante ou do direito do produtor de fonograma, ou, ainda, aluga

original ou cópia de obra intelectual ou fonograma, sem a expressa

Quais tipos de obras podem ser protegidas pelos direitos autorais?

A Lei 9.610/98 em seus artigos 7º e 8º trazem de forma taxativa e explicita o que pode e não pode ser protegido pelos direitos autorais:

“(...)

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

- os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;

- as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza;

- as obras dramáticas e dramático-musicais;

- as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma;

- as composições musicais, tenham ou não letra;

- as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive ascinematográficas;

- as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia;

- as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e artecinética;

- as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza; X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência;

- as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;

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- os programas de computador;

- as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.

§ 1º Os programas de computador são objeto de legislação específica, observadas as disposições desta Lei que lhes sejam aplicáveis.

§ 2º A proteção concedida no inciso XIII não abarca os dados ou materiais em si mesmos e se entende sem prejuízo de quaisquer direitos autorais que subsistam a respeito dos dados ou materiais contidos nas obras.

§ 3º No domínio das ciências, a proteção recairá sobre a forma literária ou artística, não abrangendo o seu conteúdo científico ou técnico, sem prejuízo dos direitos que protegem os demais campos da propriedade imaterial.

Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trata esta Lei:

- as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais;

- os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ou negócios;

- os formulários em branco para serem preenchidos por, qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções;

- os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais;

- as informações de uso comum tais como calendários, agendas, cadastros ou legendas;

- os nomes e títulos isolados;

- o aproveitamento industrial ou comercial das idéias contidas nas obras. (...)

Por meio deste rol, temos de forma clara os tipos de obras que podem ser protegidas pela Lei dos Direitos Autorais.

Assim feita a breve exposição dos conceitos básicos dos direitos autorais, requisitos para seu conhecimento, a legislação em vigor e por último o rol das obras que podem ser protegidas pela Lei 9.610/98, adentraremos ao tema principal do trabalho, qual seja a discussão sobre a existência ou não das teses jurídicas elaboradas pelos advogados nos processos judiciais, senão vejamos:

DIREITOS AUTORIAIS DOS ADVOGADOS

Primeiramente pede-se permissão para esclarecer que o tema do presente trabalho está restrito à discussão da proteção autorais do advogado sobre as teses apresentadas nos processos judiciais, não abordando nem adentrando à questão de existência da subordinação diante do vínculo de emprego.

O que diz o Direito autoral sobre o tema?

Conforme já explicitado anteriormente, os direitos autorais estabelecem um conjunto de normas estabelecidas pela Lei 9.610/98 e protegem a criação de uma obra intelectual de um autor, que pode ser pessoa física ou jurídica. Sendo apenas considerado aquilo que é inovador para que este possa usufruir dos benefícios de suas produções.

No âmbito jurídico existem várias posições sobre sua aplicação, uma vez que nas petições elaboradas pelos advogados existe a reprodução da legislação, jurisprudência e súmulas, além da narrativa dos fatos e pedidos que buscam a solução do poder judiciário.

Sendo comum a utilização de modelos de peças processuais facilmente encontradas na internet, havendo apenas a necessidade de pequenas

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adequações ao caso.

Vale aqui dizer que não só se copiam os modelos de petições das páginas especializadas, mas como também, nos autos dos processos, que agora, com o formato digital, ficou mais fácil e acessível.

A prática da cópia de petições sempre existiu, desde o uso de modelos armazenados no banco de dados do escritório para o uso coletivo, passando pela obtenção de modelos por meio de livros e sites, até a cópia de petições dos processos (físicos e/ou digitais).

Tais práticas já foram objeto de lide nos tribunais e processos administrativos no Tribunal de Ética da OAB, vejamos:

DIREITO AUTORAL. Petição inicial. Trabalho forense. Por seu caráter utilitário, a petição inicial somente estará protegida pela legislação sobre direito autoral se constituir criação literária, fato negado pelas instâncias ordinárias. Súmula 7/STJ. Recurso não conhecido. (REsp 351.358/ DF, Rel. Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, QUARTA TURMA, julgadoem 04/06/2002, DJ 16/09/2002,p. 192)

Na decisão o Ministro Ruy Rosado registrou seu posicionamento:

“Tudo está em saber se a petição de que se trata constitui obra literária cuja utilização sem o consentimento dos seus autores requer a aplicação da lei protetiva do direito autoral.

As duas petições iniciais em confronto descrevem a realidade do fato, indicando as circunstâncias em que aconteceu o evento causador do dano que se pretendia reparar naquelas ações de indenização, e nisso elas são diferentes; reproduzem lições da doutrina e da jurisprudência sobre o assunto, e aqui são substancialmente iguais. Mas nessas duas partes, são ambas manifestações a respeito de uma realidade. Ensina Ascenção: “Todas as vezes que a expressão for vinculada como modo

de manifestação da realidade, falta-lhe a criatividade, e não, há, portanto, obra literária ou artística” (op. cit. p. 40).

O fato foi praticado no exercício de uma atividade profissional e, assim, com propósito nitidamente utilitário, hipótese em que se restringe a possibilidade de reconhecimento da criação literária, pois o redator está preso aos fatos, à doutrina e à jurisprudência, do que faz simples relato, seja porque elaborou a própria pesquisa, seja porque a encontrou feita por outrem, em livros, bancos de dados, revistas e outras fontes de informação hoje tão divulgadas. “A presunção de qualidade criativa cessa quando se demonstrar que foi o objeto que se impôs ao autor, que afinal nada criou... pois na obra de destinação utilitária temos antes de mais essa função, e não uma função literária ou artística. Nenhum motivo há para deixar automaticamente essas obras transpor o limiar do direito de autor. Só o poderão fazer se como resultado de uma apreciação se concluir que, além do seu caráter utilitário, têm ainda um mérito particular que justifica que as consideremos também obras literárias” (Ascenção, p. 51 e 60).

O prof. Carlos Fernando Mathias de Souza lembra a inovação introduzida pela nova lei ao definir os casos que não são objeto de proteção, enumerados no art. 8º, entre os quais se incluem as decisões judiciais.

Como nada é referido especificamente aos demais trabalhos forenses, seja para incluir ou excluir, a aceitação da violação ao direito autoral dependerá da aplicação analógica de outras disposições e dos princípios gerais. Usando esses dois indicativos, a conclusão a que se chega não favorece os autores. É que a regra do art. 7º da lei antiga apenas protegia os pareceres judiciais (e neles incluo a petição inicial e outros arrazoados), “desde que, pelos critérios de seleção e organização, constituam criação intelectual”. Há, portanto, uma condicionante. O mesmo decorre dos

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princípios, como acima ficou resumidamente exposto: não basta a existência do texto, é indispensável que se constitua em obra literária.”

Ou seja, o STJ entendeu que a cópia da petição e uso da fundamentação não afronta a Lei de Direitos Autorais. Destacamos o trecho da ementa do acordão transcrito:

“(...)

Por seu caráter utilitário, a petição inicial somente estará protegida pela legislação sobre direito autoral se constituir criação literária, fato negado pelas instâncias ordinárias.

(...)”

De forma que a cópia da petição inicial não infringiu a Lei de Direitos Autorais.

Por sua vez o TED (Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados), reconheceu a ocorrência de infração ética, mas ressalvando e explicitando que não existe proteção autoral:

“E-3.137/2005 – EMENTA Nº 3 – PETIÇÕES FORENSES - REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL - DIREITOS AUTORAIS – INEXISTÊNCIA - INFRAÇÃO ÉTICA - POSSIBILIDADE, EM TESE. As petições forenses não gozam da proteção do direito autoral, segundo entendimento do TED-I. A reprodução desautorizada, contudo, de peças forenses pode, mercê dascircunstâncias a serem analisadas em cada caso, caracterizar a infração ético-disciplinar prevista no art. 34, inciso V, do EAOAB, sempre que reiterada. Possibilidade de afronta, ademais, dos “princípios éticos basilares do viver honesto, do não lesar ao próximo e de dar a cada um o que é seu”, conforme ementa constante do proc. E-3.075/04 - v.u., em 18/11/04, do parecer e ementa do rel. Dr. Luiz Francisco Torquato Avólio - rev. Dr. Luiz Antônio Gambelli - presidente Dr. João Teixeira Grande. V.U., em 14/04/2005, do parecer e ementa do Rel. Dr. FÁBIO DE SOUZA RA-

MACCIOTTI – Rev.ª. Dr.ª. MARIA DO CARMO WHITAKER – Presidente Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE.

(https://www2.oabsp.org.br/asp/tribunal_ etica/pareceres/parecer22.ht ml)” destaques do Autor

“E-4.558/2015 TRABALHOS FORENSES - CÓPIA DE PETIÇÕES SEM AUTORIZAÇÃO - ANÁLISE EM TESE - INFRAÇÃO ÉTICA. Advogado que copia petição de outrem, ipsis literis, sem indicação da fonte e sem autorização, ainda que tácita ou decorrente decomportamentos concludentes, comete a infração ética prevista no art. 34, V, do CED e afronta princípios imemoriais do direito e da moral, quais sejam: honeste vivere, alterum non laedere e suum cuique tribuere. A reprodução parcial, se desbordar os limites análogos aos do direito de citação, também pode, em tese, ensejar o cometimento de infração disciplinar. Precedentes da Primeira Turma: E-2.391/01, E- 3.075/04 e E-3.137/2005. Proc. E-4.558/2015 - v.u., em 17/09/2015, do parecer e ementa do Rel. Dr. FÁBIO DE SOUZA RAMACCIOTTI -Rev. Dr. GUILHERME FLORINDO FIGUEIREDO - Presidente em exercício Dr. CLÁUDIO FELIPPE ZALAF.

RELATÓRIO - O consulente indaga o seguinte: “a presente consulta tem a finalidade de saber se copiar, total ou parcialmente, a petição inicial feita por outro advogado em caso análogo fere o Código de Éticaou o Estatuto da Ordem”.

PARECER - Embora tenha sido formulada de forma por demais ampla,é possível o conhecimento da consulta, já que ausentes indícios de tratar-se de indagação acerca da conduta de terceiros. A resposta, porém, será lavrada em tese.

Independentemente das petições gozarem ou não da proteção típica dos direitos autorais, o fato é que, do ponto de vista estritamente ético, quem copia a petição de outrem, ipsis literis, sem indicação da

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fonte e sem autorização, ainda que tácita ou decorrente de comportamentos concludentes, pode, mercê das situações a serem analisadas em cada caso concreto, cometer infração ética, nos termos do art. 34, V, do CED2.

A reprodução parcial, se desbordar dos limites análogos ao direito de citação, também pode ensejar o cometimento de infração, diga-sesempre em tese.

Em casos semelhantes, esta Turma já decidiu o seguinte:

TRABALHOS FORENSES - APROVEITAMENTO POR TERCEIROS - DIREITOS DE AUTOR - INEXISTÊNCIA -DEVER CONTUDO DE DECLINAR AUTORIA - REGRA ÉTICA VIOLADA

1. Os trabalhos forenses dos advogados não podem ser tidos por obra literária, artística ou cientifica, para efeitos de proteção de eventual direito autoral, configurando um meio, uma atividade meio, para o fim de concretização do direito. O seu aproveitamento, por terceiros, dado o seu caráter quase público, não pode ser tido como violação de autoria.

2. Tal como os textos legais, as sentenças, os acórdãos e demais decisões judiciais são res sine domino; assim têm o mesmo cariz os trabalhos dos advogados, desenvolvidos nos procedimentos donde aqueles exsurgiram, valendo lembrar que - tal como se faz às decisões - o seu aproveitamento ou repetição por terceiros deverá, por dever de ética e princípio mínimo de dignidade e honorabilidade profissional, declinar o autor e a fonte.

3. Viola a ética profissional o advogado que, sem declinar a origem, repete ou propicia e entrega a outro - para que o repita - trabalho de colega, omitindo ambos sobre a origem.

4. Nos termos do art. 49 do CED, ao Tribunal de Ética e Disciplina da OAB compete orientar sobre ética profissional, respondendo a consultas em tese. As consultas à Seção Deontológica só serão atendidas se versarem sobre atos próprios, não referidos a atos oucomportamentos de terceiros

e se forem em tese (não caso concreto). Éa disciplina da Resolução 07/95 e a pacífica jurisprudência desta Casa. Ademais, devem as consultas ser feitas uma para cada assunto, de modoa permitir ementa esclarecedora de sentido pedagógico. (Resolução 07/97 deste Tribunal). Precedentes:

E-1555 - E-1567 - E-1571 - E- 1571- a) Proc.

E-2.391/01 - v.u. em 19/07/01 do parecer e ementa do Rel. Dr. ERNESTO LOPES RAMOS - Rev. Dr. JOSÉ ROBERTO BOTTINOPresidente Dr. ROBISON BARONI.

TRABALHOS FORENSES - REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DE PETIÇÃO INICIAL - DIREITOS AUTORAIS - EXISTÊNCIA DE INFRAÇÃO ÉTICA. As petições forenses, enquanto trabalho intelectual utilitário, não gozam da proteção do direito autoral, por lhes faltar a nota típica da originalidade. Sua reprodução desautorizada, contudo, caracteriza em tese infração ético- disciplinar prevista no art. 34, inciso V do EAOAB, desde que reiterada,por afrontar, ademais, os princípios éticos basilares do viver honesto, do não lesar ao próximo e de dar a cada um o que é seu. Se o ensino jurídico não preparou devidamente todos os advogados, abre-se um constante desafio aos mais experimentados para a elevação do nível geral de instrução e de consciência profissional, evitando-se, de outra parte, o enriquecimento sem causa daqueles que auferem honorários à custa do trabalho intelectual alheio. Proc. E-3.075/04 - v.u., em 18/11/04, do parecer e ementa do Rel. Dr. LUIZ FRANCISCO TORQUATO AVÓLIORev. Dr. LUIZ ANTÔNIO GAMBELLI - Presidente Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE.

PETIÇÕES FORENSES - REPRODUÇÃO

TOTAL OU PARCIAL - DIREITOS AUTORAIS – INEXISTÊNCIA - INFRAÇÃO ÉTICA - POSSIBILIDADE, EM TESE. As petições forenses não gozam da proteção do direito autoral, segundo entendimento do TED-I3. A reprodução desautorizada, contudo, de peças forenses pode, mercê das circunstâncias a serem analisadas em cada caso, caracterizar a infração ético-

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-disciplinar prevista no art. 34, inciso V, do EAOAB, sempre que reiterada. Possibilidade de afronta, ademais, dos “princípios éticos basilares do viver honesto, do não lesarao próximo e de dar a cada um o que é seu”, conforme ementa constante do proc.

E-3.075/04 - v.u., em 18/11/04, do parecer e ementa do rel. Dr. Luiz Francisco Torquato Avólio - rev. Dr. Luiz Antônio Gambelli - presidente Dr. João Teixeira Grande. Proc. E-3.137/2005 (ementa nº 3) – v.u., em 14/04/2005, do parecer e ementa do Rel. Dr. FÁBIO DE SOUZA RAMACCIOTTI –Revª. Drª. MARIA DO CARMO WHITAKER –Presidente Dr. JOÃO TEIXEIRA GRANDE.

Deste modo, em tese, a reprodução total ou parcial, independentemente de caracterizar ou não violação de direitos autorais, de peças jurídicas, pode configurar infração à Ética Profissional, dependendo das circunstâncias e peculiaridades de cada caso concreto, a serem examinadas pelas Turmas Disciplinares.

É o parecer, que submeto ao douto colegiado.

que à ética profissional.

Art. 34. Constitui infração disciplinar: V –assinar qualquer escrito destinado a processo judicial ou para fim extrajudicial que não tenha feito, ou em que não tenha colaborado.

Esta questão, no presente parecer, não será apreciada, por resultar de interpretação legal e não de questões puramente éticas. No entanto, em determinados casos, apesar do que já decidi, penso que é possível, em determinados casos, a caracterização da petição como criação suficiente a ensejar a proteção dos direitos autorais. Cf. nota 1 supra.

Desta forma, tem-se que o posicionamento pacífico do Tribunal de Ética da Ordem dos Advogados que o advogado que copia a petição de outros advogado, comete apenas infração ética, devendo ser punido nos termos do artigo 34 do Estatuto da Advocacia e da OAB (https:// www.jusbrasil.com.br/topicos/11707088/artigo-34-da-lei-n-8906-de-04-de-julho- de-1994):

“Art. 34. Constitui infração disciplinar:

(...)

[1] “O fato foi praticado no exercício de uma atividade profissional e, assim, com propósito nitidamente utilitário, hipótese em que se restringe a possibilidade de reconhecimento da criação literária, pois o redator está preso aos fatos, à doutrina e à jurisprudência, do que faz simples relato, seja porque elaborou a própria pesquisa, seja porque a encontrou feita por outrem, em livros, bancos de dados, revistas e outras fontes de informação hoje tão divulgadas. (STJ, REsp 351.358, 4ª Turma, Min. Ruy Rosado, j. 04/06/2002). Pessoalmente, penso que, em determinadas circunstâncias, em que a petição traz verdadeira criação intelectual, consistente em tese, talvez inédita, é possível cuidar-se da proteção típica dos direitos autorais. Mas este tema não será aqui desenvolvido, já que se trata de tema mais afeto à legalidade do

V – assinar qualquer escrito destinado a processo judicial ou para fim extrajudicial que não tenha feito, ou em que não tenha colaborado.”

Mas o mais relevante é que o TED entende que não existe violação aos direitos autorais, mesmo nos casos de cópia integral do texto, vejamos o trecho da ementa:

“(...)

As petições forenses não gozam da proteção do direito autoral, segundo entendimento do TED-I3. (...)”

De forma que, tanto o Superior Tribunal de Justiça como o Tribunal deÉtica dos Advogados, tem entendimento de que não há proteção autorial nas petições.

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Neste aspecto, apesar da Lei de Direito Autoral expressamente prever aproteção dos textos que obedecem aos requisitos da criatividade e a originalidade, essa regra não se aplica ao trabalho do advogado, seja o teor petição inicial, da contestação ou do recurso.

O trabalho do advogado, seja na elaboração de uma petição inicial, umacontestação, recurso ou qualquer outra peça, inegavelmente é resultado de trabalho intelectual. E na grande maioria das vezes existe a necessidade da criatividade e originalidade para defender os interesses do cliente.

Não obstante a ocorrência inequívoca, em muitas situações, do esforço intelectual criativo e original suficiente para caracterização de uma obra literária as teses jurídicas não encontram proteção na lei de direitos autorais.

Nem há como se falar na ausência de registro da “obra”, pois este não é requisito para concessão da proteção outorgada pela Lei 9.610/98.

Então o que impede a tutela da Lei dos Direitos Autoriais das teses jurídicas?

Aqui lembramos e transcrevemos o rol do artigo 8º da Lei 9.610/98 edestacamos o inciso IV para responder a essa questão:

“Art. 8º Não são objeto de proteção como direitos autorais de que trataesta Lei:

I- as idéias, procedimentos normativos, sistemas, métodos, projetos ou conceitos matemáticos como tais;

II - os esquemas, planos ou regras para realizar atos mentais, jogos ounegócios;

II - os formulários em branco para serem preenchidos por, qualquer tipo de informação, científica ou não, e suas instruções;

IV- os textos de tratados ou convenções, leis, decretos, regulamentos, decisões judiciais e demais atos oficiais;

(...)”

Pela taxação no inciso IV do artigo 8º da Lei 9.610/98, entendemos pela impossibilidade da concessão da proteção autoral às teses jurídicas apresentadas nos processos. Ainda que obedecidos os critérios da originalidade e criatividade. Ainda que não haja menção direta às petições das partes elas são interpretadas na regra por meio do item “demais atos oficiais”. Ainda que possa ser confuso e contraditório, os atos praticados por cada uma das partes nos processos seja o Autor, o Réu e o Juiz (relação tripartite) sem prejuízo ainda das manifestações do Ministério Público e terceiros, são considerados atos oficiais.

Desta feita, não obstante a ocorrência dos requisitos ensejadores da proteção autorial, criatividade e originalidades, as teses jurídicas apresentadas nos processos não gozam de qualquer proteção da Lei 9.610/98.

Necessário destacar que a frustação que assola o advogado nestes casos,também atinge o Magistrado. Ainda que o Juiz apresente decisão criativa e original para o processo, esta jamais terá a proteção autoral pela aplicação do mesmo inciso IV do artigo 8º.

Mas o que pode ser feito e que detém toda a proteção autorial é a elaboração de tese doutrinária nos exatos termos do inciso I do artigo 7º da Lei 9.610/98:

“Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;(...)”

Podem os advogados, juízes e quaisquer pessoas escreverem suas teses jurídicas e trazer a conhecimento público por meio de livros, artigos em periódicos e outros outros escritos expondo seu entendimento e posicionamento sobre os temas jurídicos e assim garantido sua proteção

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autoral.

Se por um lado, a apresentação da tese nos processos judiciais não traz qualquer proteção autoral, a elaboração de livros, escritos e outros textos fora dos autos judiciais, concede ao texto e ao autor, a devida proteção dos direitos autoriais.

Mas esta proteção não impede a utilização destes argumentos nos processos judiciais pelos advogados e magistrados.

CONCLUSÃO

Passados os conceitos básicos dos direitos autoriais, sua fundamentação e requisitos caracterizadores para a concessão da proteção autorial, bem como a análise discussões judiciais e no tribunal de ética na Ordem dos Advogados do Brasil, concluímos pela impossibilidade da proteção autoral das teses jurídicas apresentadas nos processos, mas pela concessão de proteção destas quando exteriorizadas na apresentação em livros, artigos em periódicos e textos.

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Direito Autoral Atual, coordenação geral Jose Netto; coordenação nacional Maria Luiza de Freitas Valle Egea, Larissa Andréa Carasso; coordenação internacional Anitta Mates, Leonardo Machado Pontes – 1ª ed., Rio de Janeiro, Elsevier, 2015

Barbuda, Ciro Lopes e. Princípios do Direito Autoral; Rio de Janeiro, Lumens Juris, 2015 CONJUR, https://www.conjur.com.br/2020-nov-04/trabalhador-cria-patrao-nao-direito-autoral, acesso em 10.04.22

JUS BRASIL, https://jus.com.br/artigos/21655/os-direitos-autorais-do-empregado, acesso em 10.04.22

LEXLATIN, https://br.lexlatin.com/opiniao/direitos-autorais-e-relacao-de-trabalho, acesso em 10.04.22

DIVALDO AMORIM ADVOGADOS, http://advdivaldo.com.br/direito-autoral-na-relacao-de-trabalho/, acesso em 10.04.22

SEDEP, https://www.sedep.com.br/artigos/direitos-autorais-do-empregador-consequenciasda-nao-previsao-no-direito-autoral-brasileiro/, acesso em 10.04.22

JUSBRASIL, https://jus.com.br/artigos/57931/a-criacao-autoral-no-ambito-do-contrato-deemprego, acesso em 10.04.22

SEBRAE, https://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/o-que-sao-direitos-autorais,9acecdbc74834410VgnVCM1000003b74010aRCRD, acesso em 10.04.22

PORTAL MIGALHAS, https://www.migalhas.com.br/coluna/pi-migalhas/246664/a-peticao-e-protegida-pelo-direito-autoral--e-as-sentencas, acesso em 10.04.22

CERS – COMPLEXO DE ENSINO RENATO SARAIVA LTDA, https://noticias.cers. com.br/noticia/um-advogado-pode-ser-acusado-de-plagio/, acesso em10.04.22

JUSBRASIL, https://meggielecioli.jusbrasil.com.br/artigos/369417207/pode-o-advogado-reproduzir-inteiro-teor-de-peticao-de-colega, acesso em 10.04.22

ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, https://www.oabsp.org.br/tribunal-de-etica-e-disciplina/ementario/2015/E-4.558.2015, acesso em 10.04.22

RODRIGO MORAES ADVOCACIA, https://www.rodrigomoraes.adv.br/index.php?site=1&modulo=eva_conteudo&co_cod=8, acesso em 10.04.22

PORTAL CONJUR, https://www.conjur.com.br/2002-jun-27/stj_nega_indenizacao_plagio_peticao_inicial, acesso em 10.04.22

VICENTE ADVOGADOS, http://www.vicentevieirasoltanovitch.adv.br/artigo/direitos-autorais-peticoes-e-teses-juridicas, acesso em 10.04.22

FADISP – FACULDADE AUTÔNOMA DO DIREITO, https://fadisp.com.br/revista/ojs/index.php/pensamentojuridico/article/view/241, acesso em10.04.22

SILVEIRA ADVOGADOS, http://www.silveiraadvogados.com.br/port/artigo-completo.asp?id=18, acesso em 10.04.22

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GOOGLE, https://support.google.com/legal/answer/4558836?hl=pt-BR, acesso em 10.04.22 https://blog.hubjur.com.br/post/132214982088/copia-de-peticao-e-infracao-disciplinar, acessoem 10.04.22

JUSTOCANTINS – PORTAL JURIDICO, https://justocantins.com.br/noticias-do-brasil-10133-nao-ha-ilicitude-no-plagio-de-peticao-inicial.html, acesso em 10.04.22 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

https://repositorio.ufba.br/bitstream/ri/15656/3/direito_autoral_propriedade_intelectual_plagio_RI.pdf, acesso em 10.04.22

BIBLIOTECA NACIONAL, https://www.bn.gov.br/servicos/direitos-autorais, acesso em10.04.22

ABRAMUS, https://www.abramus.org.br/noticias/8482/afinal-o-que-e-direito-autoral/, acessoem 10.04.22

TRIBUNAL REGIONAL DO TRABAHO DA 4ª REGIÃO, www.trt4.jus.br/jurisrprudencia, acesso em 10.04.22

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DIREITOS AUTORAIS NAS REDES SOCIAIS – A PROTEÇÃO DE OBRAS DE TERCEIROS UTILIZADAS EM VÍDEOS DE REACT

Este artigo tem por objetivo abordar os principais conceitos e aspectos jurídicos que envolvem a proteção de direitos autorais, bem como o uso de obras autorais por influenciadores digitais em conteúdos disponibilizados na internet por meio de vídeos denominados react. Pela análise da legislação, doutrina e jurisprudência, este estudo aborda formas proteção de direitos autorais na internet e responsabilidade civil dos agentes, com um olhar acerca das limitações à proteção pelo direito autoral no que diz respeito à citação de obras preexistentes e utilização de pequenos trechos, além da caracterização do novo conteúdo criado pelos influenciadores digitais como obra derivada, passível de proteção por direito autoral.

Palavras-chave

Direitos Autorais - Internet - Vídeos de React - Pequenos trechos - Citação - Obra Derivada

Joana Mendes Maneschy

Especialista em Propriedade Intelectual, Direito do Entretenimento, Mídia e Moda – ESA – OAB/SP.

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INTRODUÇÃO

A grande facilidade na criação de conteúdos na rede mundial de computadores e sua disponibilização nas mais diversas plataformas e sítios eletrônicos, acarretam uma falsa impressão social de que não há regras quanto à proteção de direitos autorais na internet. Em razão disto, houve uma grande expansão do mercado de criação de conteúdo audiovisual no ambiente conectado, neste trabalho será abordada a criação em especial dos vídeos de react, que possuem por objeto a realização de comentários e reações a partir de obras preexistentes que são protegidas e/ou protegíveis por direitos autorais de terceiros. Assim, por meio da análise da legislação, doutrina e jurisprudência deste tema é possível verificar os conceitos legais que permeiam as relações entre o autor e sua obra, bem como as consequências da utilização de obras preexistentes de terceiros para a concepção de novos conteúdos criados e disponibilizados na internet.

Para tanto é necessário que seja esclarecido: qual o objeto de proteção da Lei nº 9.610/1998 (“Lei de Direitos Autorais” ou “LDA”), considerando o que a legislação classificacomo obra passível de proteção; quais são os direitos garantidos pela lei; quem é ou quem sãoos titulares detentores deste direito; e quais as exceções aplicadas à proteção das obras.

A elucidação dos temas atinentes ao Direito Autoral para fins de estudo deste trabalho se complementa com a identificação de quais são os tipos de conteúdo gerados na internet, uma vez que não são todos os vídeos que se utilizam de obras preexistentes para criação de um novo conteúdo. Sendo assim, o presente artigo diz respeito a uma forma específica de conteúdo, osdenominados vídeos de react, em que o criador apresenta comentários e reações acerca de obras preexistentes, tendo como requisito necessário para produção de seu conteúdo, a utilização deobras que são passíveis de proteção por

direitos autorais de terceiros.

Além da definição legal de direitos autorais e de apresentação das diferentes formas de exploração de obras na rede conectada, o presente trabalho também destaca importante peçaneste cenário: a própria internet e sua regulamentação acerca da responsabilidade dos envolvidos nesta sistemática da produção, disponibilização e compartilhamento de um conteúdo na rede virtual, sendo que sobre cada parte, recai uma responsabilidade diferente, sendo ela objetiva ou subjetiva.

O presente artigo explora aspectos relevantes referentes a responsabilidade do criadorde conteúdo na internet com o uso de obras preexistentes protegidas por direito autoral, alémda caracterização do conteúdo como obra derivada.

1. CONCEITOS SOBRE DIREITOS AUTORAIS

Para análise da relação entre os criadores de conteúdo de react com as obras de direito autoral preexistentes que podem servir de base para a criação de novos conteúdos, é necessário que sejam esclarecidos alguns conceitos acerca dos direitos de autor.

O Direito Autoral, visa proteger obras artísticas, definindo para tanto as relações de direito entre o criador de determinada obra e suas criações, perante terceiros. A LDA, em seu artigo 7º, definiu as obras intelectuais como “as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro”.

De modo a melhor esclarecer quais seriam as criações de espírito objeto de proteção pelo Direito Autoral, a LDA apresenta uma lista exemplificativa do que considera como obras protegidas pelo direito autoral brasileiro, elencadas nos in-

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1.1. Obras passíveis de proteção pelo Direito de Autor

cisos do mencionado artigo 7º.Vide:

Art. 7º. São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas;

II - as conferências, alocuções, sermões e outras obras da mesma natureza; III - as obras dramáticas e dramático-musicais;

IV - as obras coreográficas e pantomímicas, cuja execução cênica se fixe por escrito ou por outra qualquer forma; V - as composições musicais, tenham ou não letra; VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive as cinematográficas;

VII - as obras fotográficas e as produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia; VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética; IX - as ilustrações, cartas geográficas e outras obras da mesma natureza; X - os projetos, esboços e obras plásticas concernentes à geografia, engenharia, topografia, arquitetura, paisagismo, cenografia e ciência; XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova; XII - os programas de computador; XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual.

Destaca-se pela legislação que as obras consideradas para fins de proteção de direito autoral são todas aquelas advindas do intelecto e mente humana, criadas no âmbito das artes,literatura e ciência, sendo que a última diz respeito à forma como a criação científica é apresentada. Nesse sentido, nas palavras de José de Oliveira Ascensão1 “A obra científica nãoé a teoria, é a forma literária (e eventualmente artística) que a exprime”.

1 ASCENSÃO. José de Oliveira. Direito Autoral. 2ª edição, refundida e ampliada. Rio de Janeiro. Renovar. 1997, p.37, apud aula ministrada por Sônia Maria D’Elboux em agosto de 2020 no Curso de Especialização em Propriedade Intelectual, Direito do Entretenimento, Mídia e Moda

Importante destacar que de acordo com a legislação, uma criação deve ser exteriorizada ou fixada por meio de qualquer suporte para ser objeto de proteção, ou seja, as meras ideias não podem ser objeto de proteção por meio do Direito Autoral sem que haja sua materialização através de um suporte de qualquer natureza. Apesar disso, a proteção pelo Direito Autoral nasce juntamente com a obra, não sendo necessário qualquer registro para que o criador possa exercer seus direitos morais ou patrimoniais sobre a obra, bastando a sua mera exteriorização.

Muito se discute acerca do requisito de originalidade ou criatividade para uma obra serprotegida por Direito Autoral. Entende-se que para uma criação de espírito ser considerada uma obra intelectual ela deve conter um mínimo de originalidade ou criatividade.

Para Eliane Y. Abrão2, para que uma obra seja protegida basta que esta não consista na reprodução de outra criação já existente, e que a obra seja suficientemente criativa e não necessariamente original:

(...) protege a lei qualquer obra que contenha elementos criativos, e não uma obra mais criativa que outra, ou autor mais criativo que outro. Portanto, é a criação fixada a condição de proteção e não a originalidade em relação ao universo das obras criativas. (...) Como a lei não requisita a originalidade como condição de proteção, direcionando esta ao resultado tangível de uma criação, basta que uma obra seja criada e publicadapara que seja protegida contra cópias não autorizadas.

Já para José Carlos Costa Netto3, a originalidade é requisito necessário para a configuração de uma obra como passível de proteção por Direito Autoral, no que se diz respeito a forma como a

2 ABRÃO. Eliane Y. Direitos de autor e direitos conexos. 2ª. edição, revista e ampliada. São Paulo: Editora Migalhas, 2014, p.94

3 COSTA NETTO. José Carlos. Direito Autoral no Brasil. 3ª. edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 159 e 160

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criação é exteriorizada:

(...) à originalidade, que deve ser tomada como uma característica respeitante à formade exteriorização da ideia, e não em relação à ideia em si, que como visto, não é considerada como objeto dos direitos de autor.

(...) o termo “originalidade de forma” deve ser entendido de maneira subjetiva, tendo em vista as características próprias à modalidade da obra intelectual em questão.

Assim, percebe-se que apesar das divergências doutrinárias quanto a nomenclatura dos requisitos de criatividade e/ou originalidade, ambas as correntes assumem que a obra deverá ser suficientemente distinta de outras previamente existentes para que haja proteção, ainda que preexistam “estilos” ou “escolas”, que definam a linguagem e as técnicas destas expressões artísticas, literárias ou científicas de modo a identificá-las e classificá-las entre si.

Deste modo, percebe-se que a originalidade diz respeito a obra em si e sobre como é realizada a sua representação, independente de se tratar de um tema, estilo ou escola identificada como “comum” entre os artistas. Assim, se a sua expressão é suficientemente criativa, a obraserá considerada original. Como é o exemplo de pinturas surrealistas, expressionistas ou cubistas, que dentro de cada escola são representadas da mesma forma, mas não deixam de ser originais por seu grau individual de criatividade. Do mesmo modo os estilos musicais como funk, jazz, rock e samba, possuem a mesma técnica e base histórica e cultural, sendo por muitas vezes representadas de formas semelhantes, o que, contudo, não afasta a criatividade de cada obra musical criada dentro destes estilos.

1.2. Direito Moral e Patrimonial de Autor

A criação de espírito protegida por Direito Auto-

ral está sempre conectada à pessoa física de seu criador, a quem é atribuída a autoria, sendo este, detentor dos direitos morais de autor. Contudo, a titularidade financeira da obra, decorrente de sua exploração, também pode recair sobre terceiros, pessoas físicas ou jurídicas, que detém o direito patrimonial sobre a obra, como será visto a seguir.

Eliane Y. Abrão4, demonstra a característica dualística do direito autoral, ao ensinar que “direitos de autor são um conjunto de prerrogativas de ordem moral e de ordem patrimonial,que se interpenetram quando da disponibilização pública de uma obra literária, artística e/oucientífica”.

Os direitos morais de autor, conforme acima mencionado, dizem respeito à pessoa física do criador de determinada obra. Tais direitos garantem ao autor, entre outros, a identificaçãode autoria de uma obra, bem como a sua preservação e conservação, além do direito de reivindicação de paternidade, entre outros dispostos no artigo 24 da LDA.

De acordo com a doutrina5, os direitos morais de autor são personalíssimos e, portanto, irrenunciáveis, irrevogáveis, inalienáveis, imprescritíveis e indisponíveis, ou seja, vinculam perpetuamente o autor à sua obra, mesmo após a sua morte.

Já os direitos patrimoniais de autor dizem respeito a titularidade da obra, tendo relação com o direito de exploração econômica. Neste caso, tanto pessoas físicas como jurídicas podem ser titulares destes direitos, como é o exemplo de herdeiros, cessionários e licenciados para exploração, uso ou fruição da obra. A titularidade do direito patrimonial de autor é geralmentepermeada por contratos que dispõe sobre as condições de uso, distribuição, exploração e remuneração das obras entre outros critérios inerentes à exploração comercial.

4 ABRÃO. Eliane Y. Direitos de autor e direitos conexos 2ª. edição, revista e ampliada. São Paulo: EditoraMigalhas, 2014. P. 02

5 COSTA NETTO. José Carlos. Direito Autoral no Brasil. 3ª. edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

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1.3. Hipóteses de limitação dos Direitos Autorais

O Direito Autoral visa proteger a obra contra terceiros que venham a copiá-la, utilizá-la, explorá-la ou ainda que possam fruir desta sem autorização do titular. Contudo, a LDA, em seus artigos 46 a 48, determina algumas limitações a este direito, em que mesmo havendo utilização não autorizada da obra por terceiros, tal utilização não será configurada como infração de direitos autorais:

Art. 46. Não constitui ofensa aos direitos autorais: (...) III - a citação em livros, jornais, revistas ou qualquer outro meio de comunicação, de passagens de qualquer obra, para fins de estudo, crítica ou polêmica, na medida justificada para o fim a atingir, indicando-se o nome do autor e a origem da obra; (...) VIII - a reprodução, em quaisquer obras, de pequenos trechos de obras preexistentes, de qualquer natureza, ou de obra integral, quando de artes plásticas, sempre que a reprodução em si não seja oobjetivo principal da obra nova e que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida nem cause um prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores.

Tais exceções, por exemplo, dizem respeito a situações de interesse público, transmissão de informação e cultura, inclusão capacitativa ou até mesmo em razão do interesse do autor oudos titulares de direitos patrimoniais

Destaca-se os incisos III e VIII do artigo 46 da LDA, no que diz respeito a reproduçãode obras preexistentes, que se aplicam ao tema estudado.

O inciso III determina que não haverá violação ao direito autoral quando passagens deobras forem citadas por um veículo cuja finalidade desta reprodução seja para o estudo, discussão, crítica ou polêmica. Nota-se que o artigo traz três requisitos para o afastamento da violação:

a) que haja citação de passagens da obra preexistente, ou seja, não poderá haver reprodução completa;

b) que haja a finalidade de crítica ou polêmica, ou seja, uma discussão acerca do tema;

c) que seja feita a devida citação da obra e sua autoria

Tal inciso diz respeito ao direito de citação, cuja finalidade é inerente ao direito de difusão da informação e cultura.

Ainda, o inciso VIII do mesmo artigo determina que não constitui violação de direito autoral a “reprodução de pequenos trechos de obras preexistentes”. De acordo com o que se extrai da leitura do referido inciso, para que a utilização de pequeno trecho não configure em ilícito são necessárias três condições:

a) que a obra nova possua outro objetivo que não a reprodução da obra preexistente;

b) que tal reprodução não cause prejuízo à exploração comercial da obra original; e

c) que não haja qualquer outro prejuízo injustificado ao autor.

Contudo, a legislação não determina o que configura um pequeno trecho, tampouco traz alguma margem de porcentagem sobre qual o “tamanho” aceito para reprodução ser considerada como uma limitação à proteção por direito autoral. Tampouco a doutrina estabelece um parâmetro para o que deveria ser considerado um pequeno trecho para caracterização da limitação do direito autoral. Entretanto, frequentemente as discussões sobre o assunto acabam por esclarecer que não se trata do tamanho utilizado da obra preexistente, mas sim a sua expressão, ou seja, o valor que determinado trecho representa nesta nova obra. Nesse sentido, a Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (“ABDR”) define que o ““Pequeno trecho” não se refere à extensão da

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reprodução, mas sim ao conteúdo reproduzido”.6

Na mesma linha, os Tribunais7 tem entendido admissível a reprodução de pequenos trechos quando seguidas as regras da legislação e destacando tal possibilidade de acordo com o caráter de acessoriedade do trecho reproduzido na nova obra, ou seja, quando o pequeno trecho se trata de objeto acessório e não principal, não representando assim qualquer prejuízo ao autor da obra preexistente.

Quando o objetivo e finalidade principal do conteúdo é efetivamente a discussão ou comentário acerca de uma obra preexistente, seja para fins de disseminação de informação ecultura ou até mesmo para finalidades humorísticas, o trecho da obra eventualmente reproduzido, possuirá apenas caráter acessório nos denominados vídeos de react

Nota-se que ambos os incisos apontam um aspecto relevante da reprodução: o peque-

6 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DIREITOS REPROGRÁFICOS. Perguntas Frequentes. O que é “pequeno trecho” de uma obra? Disponível em <http://www.abdr.org.br/site/perguntas-frequentes/>. Acesso em 23/05/2022.

7 TJSP; Apelação Cível 0122419-33.2011.8.26.0100; Relator (a): Carlos Alberto de Salles; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível - 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 21/03/2017; Data de Registro: 10/04/2017; 0385072-15.2016.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). EDUARDO GUSMAO ALVES DE BRITO NETO - Julgamento: 24/03/2022 - DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL;

REsp n. 1.343.961/RJ, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 6/10/2015, DJe de 9/11/2015;

TJSP; Apelação Cível 1000784-92.2021.8.26.0011; Relator

(a): Rui Cascaldi; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XI - Pinheiros - 5ª Vara Cível; Data do Julgamento: 17/05/2022; Data de Registro:18/05/2022;

TJSP; Apelação Cível 1058521-17.2020.8.26.0002; Relator

(a): Carlos Alberto de Salles; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II - Santo Amaro - 9ª Vara Cível; Data do Julgamento: 28/09/2021; Data de Registro: 28/09/2021;

0019670-75.2007.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a).

MYRIAM MEDEIROS DA FONSECA COSTA - Julgamento: 08/06/2022 - QUARTA CÂMARA CÍVEL

0385072-15.2016.8.19.0001 - APELAÇÃO. Des(a). EDUARDO GUSMAO ALVES DE BRITO NETO - Julgamento: 24/03/2022 - DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL

no trecho ou passagem reproduzida de obras preexistentes, juntamente com as definições doutrinárias e jurisprudência, devem ser inexpressivos em relação ao objetivo final do vídeode react produzido.

2. O QUE SÃO VÍDEOS DE REACT

Após a conceituações importantes acerca de temas de direito autorais, se faz necessária a elucidação acerca dos vídeos de reação ou react, que são modalidade de conteúdo frequentemente utilizada por influenciadores e criadores de conteúdo na internet.

2.1. Os diferentes conteúdos criados por vídeos nas redes sociais

Com o crescimento cada vez maior das redes sociais, há atualmente um consumo das mais diversas modalidades de conteúdos criados por influenciadores, artistas e criadores por meio de plataformas eletrônicas como por exemplo: o Instagram, Tik Tok, Twich e Youtube.

O consumo de conteúdo produzidos em formato de vídeo vem crescendo exponencialmente devido a diversos fatores sociais, mas especialmente em razão da perda deatenção do internauta em relação a conteúdos escritos, paralelamente ao crescimento da produção de conteúdo em formato de vídeo, que tendem a ser mais rápidos, e possuem geralmente uma comunicação simples e direta. Além disso, os conteúdos em vídeo tendem a criar uma noção de identificação maior com o usuário e consumidor deste conteúdo, que se identifica pessoalmente com os criadores do conteúdo, muitas vezes por possuir a mesma faixa etária, etnia ou cultura, tornando a experiência audiovisual mais atrativa do que a simples leitura de um texto.8

8 Informação obtida de forma oral através de entrevista com especialista na área de comunicação, Joyce Arruda, comunicadora, publicitária e Mestre em Branding e Cultura pela Goldsmiths Universidade de Londres, com mais de 13 anos de carreia e atualmente trabalhando com design de produtos digitais.

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Esse crescimento entra em um ciclo autossustentável uma vez que os conteúdos disponibilizados em formato de vídeo muitas vezes são monetizados diretamente pelas plataformas que os hospedam, e conferem uma remuneração ao criador de acordo com a quantidade de visualizações deste conteúdo, ou ainda, garantem ao criador uma visibilidade interessante de modo que empresas terceiras podem patrocinar a criação de novos conteúdoscomo meio de fomentar a publicidade de seus produtos. Tais fatores, não excluindo inúmeros outros, como o crescimento tecnológico e o fácil acesso ao mundo conectado, fizeram com que a quantidade de conteúdos audiovisuais na internet ganhasse destaque com uma grande variedade de modalidades.

Diante de uma infinidade de conteúdos criados diariamente para a internet é possívelidentificar tipos de vídeos comuns nas redes sociais mais populares, como por exemplo vídeosde DIY9 – Do It Yourself (do inglês faça você mesmo) nos quais são ensinados passo a passo para uma variedade de tarefas; vídeos de ASMR10 (Resposta Sensorial Autônoma do Meridiano), que promovem o relaxamento do expectador pelo estímulo dos sentidos visual eprincipalmente auditivo; e os vídeos de react.

React ou vídeos de reação são aqueles vídeos em que criador de conteúdo assiste em “tempo real” a um conteúdo de terceiros, demonstrando suas reações à obra e tecendo comentários, que não necessitam ser de caráter informativo.

2.2.Vídeos de reação ou react e o uso de obra pré-existente de terceiros

Os vídeos de react necessariamente utilizam

9 Entenda O Que Significa Diy Com Os Melhores Canais No Youtube. Disponível em: <https://www.yazigi.com.br/ noticias/cultura/entenda-o-que-significa-diy-com-os-melhores-canais-no-youtube.> Acesso em 01/06/2022.

10 Saiba o que é ASMR, os vídeos que fazem sucesso sem palavras. Disponível em <https://www.correiobraziliense. com.br/diversao-e-arte/2022/04/5000606-saiba-o-que-e-asmr-os-videos-que- fazem-sucesso-sem-palavras.html.> Acesso em 22/04/2022.

obras preexistentes de terceiros para criação de um novo conteúdo baseado no primeiro. O jornalista e escritor do New York Times Sam Anderson, em seu artigo “Watching People Watching people Watching people”, descreve o fenômeno dos vídeos de react atribuindo como seu marco inicial um clipe de conteúdo pornográfico intitulado “two girls one cup” que possuía, de acordo com Anderson, cenas chocantes.

O vídeo ganhou fama não por seu conteúdo em si, mas devido a uma grande quantidade de compartilhamento de filmagens das reações de pessoas comuns ao assistirem tal conteúdo. Em seu artigo, o jornalista atribui o fenômeno como um periscópio social11:

(...) Os vídeos resultantes eram como um periscópio social. Eles permitiam que as pessoas assistissem a esta coisa tabu por procuração, experimentar sua perigosa emoção sem ter que encontrá-la diretamente.

(...) Logo amadureceu em um memorando completo na Internet, o que significa que você também poderia assistir as reações de Super Mario, Darth Vader, Kermit the Frog, Stewie de “Family Guy” e múltiplos gatos. (tradução livre)

Rapidamente um movimento que começou com vídeos de reação a cenas chocantes, constrangedoras ou até mesmo assustadoras, deu lugar a um espaço abrangente de reações detodo tipo de conteúdo, muitas vezes relacionados à materiais musicais e audiovisuais como filmes, séries e videoclipes.

A consolidação dos vídeos de react como forma popular de entretenimento em conjunto com o crescimento da monetização de vídeos nas redes sociais, que geram renda para os criadores de conteúdo, provocam um olhar cuidadoso quanto as medidas das próprias plataformas no

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11 ANDERSON, Sam. People Watching People Watching People Watching. The New York Times Magazine, 25nov. 2011. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2011/11/27/magazine/reaction-videos.html.> Acesso em: 18/04/2022.

que diz respeito a proteção de direito autoral de terceiros, como será abordadoa seguir.

3. A PROTEÇÃO DE DIREITOS AUTORAIS NA INTERNET

3.1.Como os Direitos Autorais são protegidos na internet

A Lei 12.965/2014 (“Marco Civil da Internet” ou “MCI”) regula as atividades relacionadas ao ambiente virtual para garantir um uso livre e igualitário da internet. A legislaçãopossui cunho principiológico ao disciplinar a matéria para garantir a democratização do uso da internet.12

A discussão acerca da responsabilidade civil decorrentes de ilícitos por conteúdos postados na internet é de extrema importância, uma vez que as redes sociais e demais veículosde comunicação on line são utilizados como instrumentos de expressão de ideias, pensamentos, divulgação de conteúdos e obras. Uma vez disponibilizadas na rede, quem são os responsáveis pelos conteúdos gerados ou compartilhados? Quem deve responder pelos danos causados pelos conteúdos ilícitos postados na rede? Pensando nestas questões, o MCI trouxe uma seção específica para tratar da responsabilidade civil dos provedores de internet, contida nos artigos 18 a 21 da referida Lei 12.965/2014.

Quanto ao provedor de acesso ou conexão (aquele que viabiliza a conexão do usuário à internet por meio de envio e recebimento dos pacotes de dados, como por exemplo: VIVO, CLARO NET, GVT, entre outros)13, a regra geral, de acordo com o artigo 18, afasta expressamente a sua responsabilidade pelo conteúdo gerado por terceiros: “O provedor de conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de

12 Informação prestada em aula ministrada no Curso de Especialização em Propriedade Intelecutal, Direito do Entretenimento, Mídia e Moda, em outubro de 2021.

13 TEFFÉ, Chiara Spadaccini, et al Marco Civil da Internet: jurisprudência comentada. Coordenadores Carlos Affonso de Souza, Ronaldo Lemos, Celina Bottino. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais. 2017. 2ª tiragem, p.95 e 96.

conteúdo gerado por terceiros.”

Importante frisar que o provedor de conexão não está envolvido na controvérsia acercada responsabilidade civil por conteúdo postado por terceiros pelo simples fato de que este provedor não faz parte da dinâmica de criar, hospedar e/ou disponibilizar conteúdo. Uma vezque sua função é apenas garantir o acesso à rede, a responsabilidade não recairá sobre este agente, conforme destacam os autores Chiara Spadaccini Teffé, Mario Viola, Gabriel Itagiba,Beatriz Laus Marinho Nunes e Vinícius Jorás Padrão:

Duas são as justificativas utilizadas para reconhecer a ausência ou não de responsabilidade dos provedores de conexão por conteúdos de terceiros. A primeira consiste na impossibilidade técnica por parte dos provedores em evitar comportamentos lesivos de seus usuários. Esta conduta é, inclusive, indesejada, uma vez que resultaria no aumento de práticas de monitoramento em massa. Em segundo lugar, verifica-se que não há nexo causal entre o dano gerado a terceiro e o ato de simplesmente disponibilizar o acesso à rede por determinado usuário. É evidente que a conexão à Internet por si só não é a causa direta e imediata do dano sofrido pela eventual vítima, mas sim o comportamento concretamente desempenhado pelo usuário que gerou o conteúdo ilícito. Os serviços do provedor de conexão à internet, reitera-se, limitam-se a tão somente prover a conectividade aos usuários para que eles possam explorar, inserir e desenvolver os conteúdos na rede, não cabendo ao provedor o monitoramento ou filtragem das atividades de seus usuários.14

Quanto ao provedor de aplicação (aqueles que provem as funcionalidades dos aplicativos acessados na internet, como por exemplo os provedores de conteúdo como Youtube, Facebook, Instagram, Twitter, entre outros)15 a responsabilidade é subjetiva, pois depende de prévia de-

14 TEFFÉ, Chiara Spadaccini, et al. Op. Cit., p. 97

15 TEFFÉ, Chiara Spadaccini, et al. Op. Cit., p. 96

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terminação do Poder Judiciário, que possui a legitimidade para determinar se certo conteúdo postado por terceiros é ou não ilícito:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.

A preocupação do legislador em garantir a liberdade de expressão determinou que, antes de se falar em responsabilidade civil do provedor de aplicação por dano causado por um conteúdo postado, deverá haver uma notificação judicial determinando a retirada do conteúdo do ar. Somente se o provedor de aplicação não retirar o conteúdo, após a determinação da justiça, a responsabilidade pelos danos causados pela postagem poderá lhe ser atribuída.

Tal cuidado da Lei mantém o equilíbrio dos direitos daqueles envolvidos com o uso da internet, uma vez que não obriga que o provedor de aplicação retire do ar todo e qualquer conteúdo questionado por usuários e terceiros nas suas plataformas (o que iria de encontro coma liberdade de expressão), mas, garante que o conteúdo seja retirado, caso haja uma análise que conclua por sua irregularidade.

A legislação conforta os provedores de aplicação, uma vez que seria praticamente impossível para estes fazerem uma análise prévia sobre uma possível ilicitude de todos os conteúdos postados por terceiros, por outro lado, há uma barreira ao autor da obra disponibilizada na rede, que precisa do apoio do Judiciário para obrigar o provedor de aplicação a retirar do ar um conteúdo que viole seu direito. Essa sistemática demonstra a responsabilidade subjetiva,

que requer a comprovação de uma conduta ilícita de terceiro por parte do lesado, afim de interromper a violação de seu direito.

3.1.1. Medidas utilizadas pelas plataformas para controle de violação de Direito Autoral

Apesar das determinações do MCI quanto a responsabilidade do provedor de aplicação acerca do conteúdo postado por terceiros, a fim de preservarem a sua atividade, as próprias redes sociais, por meio de seus termos e condições de uso, determinam as medidas a serem tomadas em caso de alegação de violação de direitos autorais.

Os provedores de aplicação costumam se utilizar a medida conhecida como notice and takedown, em tradução livre “noticiado e derrubado”, no qual após tomar ciência de que um conteúdo postado viola direito autoral de outrem, o provedor de aplicação retira o conteúdo do ar. Esta medida é utilizada pelos aplicativos e sites de internet, para garantir sua própria proteção, pois, ao receber a notificação e retirar o conteúdo do ar, o provedor não faz qualquer juízo de valor, evitando sua responsabilização por eventuais danos causados.

Assim o titular de um direito autoral violado pode cientificar a plataforma por meio de ferramentas disponibilizadas para garantir a proteção de seus direitos, como é o caso, por exemplo, do Spotify16, Youtube17 e Instagram18

3.1.2. Responsabilidade Civil do Autor do conteúdo disponibilizado na internet

A responsabilidade civil pela violação de direitos autorais não se limita somente aosprovedores de conteúdo e quando tratamos da responsabiliza-

16 Spotify. Políticas de direitos autorais. Disponível em <https://www.spotify.com/br/legal/copyright-policy/> acesso em 06.04.2022

17 Youtube. Direitos autorais. Disponível em <https://www. youtube.com/intl/pt-BR/about/copyright/#support- and-troubleshooting> acesso em 06.04.2022

18 Instagram. Direitos Autorais. Disponível em <https:// help.instagram.com/126382350847838/?helpref=faq_content> acesso em 06.04.2022

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ção daquele que efetivamentecometeu o ilícito, ou seja, quem reproduziu a obra de terceiro e a disponibilizou na rede, a responsabilidade civil é objetiva e diferentemente do que ocorre com os provedores deconteúdo, não é necessária qualquer comprovação culpa ou dolo para consideração da violação.Sobre a responsabilidade objetiva para violação de direitos autorais, José Carlos Costa19

Netto dispõe que “resta patente a desnecessidade de constatação de culpa ou dolo na caracterização do ato ilícito.”

A doutrina e a própria legislação estabelecem que somente o autor da obra tem o direito de autorizar sua reprodução, de modo que basta o descumprimento legal para que esteja caracterizado o ato ilícito, e consequentemente o dever de indenização por ele decorrentes. No mesmo sentido, Sérgio Cavalieri Filho20 entende que:

Tal qual o dano moral, também o dano patrimonial decorre da simples violação da lei. Com efeito, se a utilização econômica da obra depende de prévia e expressa autorização do autor, consoante artigo 29 da Lei Autoral, então o ato ilícito se configura pela mera violação desse dispositivo. Temos aqui a culpa contra a legalidade, culpa in re ipsa, que só pode ser afastada mediante prova em sentido contrário.

Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça – STJ, entende que uma vezconfigurada a violação de direito autoral, a responsabilidade é objetiva uma vez que “a legislação especial não deixou espaço para a indagação acerca da culpa do contrafator”21. O tribunal reforça a ausência de necessidade de comprovação de dolo em diversas outras decisões acerca do tema22

19 COSTA NETTO. José Carlos. Op. Cit., p. 351

20 CAVALIERI FILHO, Sergio. Direito autoral e responsabilidade civil. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 4, n. 13, p. 43-50, 2001. Disponível em <https://bdjur.stj.jus.br/jspui/handle/2011/73419>. Acesso em 30.03.2022

21 REsp 1.123.456/RS, DJe 03/12/2010

22 AgInt no AREsp n. 1.529.555/PB, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 10/2/2020, DJe de 13/2/2020;

deixando clara a natureza da responsabilidade do infrator de direitos autorais. Diante da objetividade da responsabilização por violação de direitos autorais, é primordial que o criador de conteúdo na internet tome as devidas precauções e não reproduza,sem a devida autorização, obra preexistente de terceiros para que não sejam configurados tais ilícitos.

3.2. Os vídeos de react e o Direito Autoral

3.2.1. Os vídeos de react como criação de nova obra de direito autoral

Apesar de toda a problemática envolvendo a responsabilidade civil por reprodução indevida de obras de terceiros nos chamados vídeos de reação, não é possível descartar as características de criação de espírito tal qual apontadas na LDA para configuração de tais conteúdos como obras, ainda que derivadas, conforme conceito legal23.

A doutrina também define a obra derivada quando “a derivação efetivamente ocorreu (traduções, adaptações, transformações de gênero de obra intelectual etc., que possam ser consideradas “criação intelectual nova”), quando então deverá ser respeitado o direito de autor da obra preexistente”24

Atualmente, o criador de conteúdo para vídeos de react não se limita a somente postar areação de terceiros acerca de certo tema ou conteúdo preexistente. São apresentados conteúdos, em sua maioria humorísticos, que exigem pesquisa, trabalho de edição, elaboração de texto agrande desenvolvimento criativo.

Deste modo, por mais que a inspiração para os criadores de vídeos de react seja a existência de

REsp n. 1.727.173/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 3/9/2019, DJe de 6/9/2019;

REsp n. 1.123.456/RS, relator Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 19/10/2010, DJe de 3/12/2010

23 LDA, Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se: (...) VIII - obra: (...) derivada - a que, constituindo criaçãointelectual nova, resulta da transformação de obra originária.

24 COSTA NETTO. José Carlos. Op. Cit., p. 161

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outro vídeo, música, filme ou outro conteúdo audiovisual, a realidade demonstra que o resultado dos vídeos passa por grande produção podendo ser ao fim considerados como uma criação de espírito para fins de proteção por direito autoral:

[...] uma vez regularmente autorizadas pelos autores das obras preexistentes, e respeitando as exigências que que eventualmente lhes sejam feitas por estes, os autores das obras derivadas – uma vez presentes nestas o requisito de originalidade – podem assumir verdadeira titularidade originária de direito de autor sobre sua criação intelectual, independente dos direitos de autor dos criadores intelectuais das obras preexistentes, que continuam íntegros.25

IImportante ressaltar que o vídeo de react é um tipo de conteúdo que não afasta a necessidade de pesquisa e esforço criativo para seu desenvolvimento, sendo possível aferir a necessária originalidade quanto a exteriorização de cada vídeo, os configurando como obras.

Contudo, ainda que tais conteúdos possam eventualmente ser considerados como obras (ainda que derivadas) para fins de direitos autorais, devido a todo esforço criativo que neles são empregados, não é possível também afastar a necessidade de autorização do titular deste direito para reprodução da obras, ainda que seu objetivo seja a adaptação, modificação, comentário,criação em cima da obra original, etc., uma vez que a ausência de tal autorização gera a necessidade de reparação de danos pela violação de direito autoral de terceiros.

3.2.2. Considerações sobre o uso de obras preexistentes nos vídeos de react

Como já abordado, ambos os incisos III e VIII do artigo 46 da LDA a reprodução permitida pela limitação dos direitos autorais deve ser uma re-

produção parcial, que garanta o acesso à informação e cultura pelo conteúdo novo, sem prejudicar o titular do direito autoralpreexistente.

Assim, no que diz respeito aos vídeos de react, em que se pressupõe o uso de obras preexistentes de terceiros, o vídeo a ser utilizado para reação não deve integralmente reproduzido ao novo conteúdo criado, uma vez que a sua finalidade do vídeo de react não deve ser reprodução de obra da terceiros, e sim a criação de um novo conteúdo, informativo, humorístico ou simplesmente de opinião sobre aquela determinada obra preexistente, que setrata somente um acessório, servindo de plano de fundo para o conteúdo efetivamente criado.

Ainda, é preciso destacar que o artigo 46, VIII da LDA dispõe que o pequeno trecho utilizado não cause “prejuízo injustificado aos legítimos interesses dos autores”. De acordo com o disposto no artigo e com as regras gerais referentes aos direitos de autor (que possuem natureza dupla, de direito moral e patrimonial) nota-se o prejuízo mencionado no inciso não se limita àquele de cunho patrimonial.

O prejuízo acarretado pela reprodução de obras de terceiros também pode ser um danode ordem moral. A mensagem a ser passada sobre a obra preexistente pelo criador do vídeo de react poderá incorrer em violação ao direito moral de autor, caso afetem a dignidade ou honra da obra ou de seu autor, que possui o direito se insurgir contra prática destes atos, para mantera integridade de suas obras.

A integridade da obra no âmbito moral não é limitada somente a características vexatórias, mas também à finalidade pretendida pelo autor da obra. Se um vídeo de reação vier a colocar uma obra preexistente num lugar fora do seu propósito original, também poderá macular a sua imagem, ferindo o direito moral do autor.

Para exemplificar a situação acima, basta imaginar um criador de conteúdo que faça um vídeo reagindo a uma obra religiosa e a colocando em

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25 COSTA NETTO. José Carlos. Op. Cit., p. 180

situações que seriam condenáveis àquela determinada religião, então o direito moral estaria ferido, por mais que o influencer não estivesse diretamente difamando a obra ou seu autor. Do mesmo modo, se um vídeo de reaçãocoloca qualquer obra num cenário de cunho preconceituoso, homofóbico, racista, entre outros, que não correspondam a real finalidade de obra, então o direito moral será violado.

Há limitação da liberdade criativa para concepção de um conteúdo deste tipo, por maisoriginal e criativo que seja, uma vez que ele se debruça em uma obra preexistente. O humor, a crítica, a polêmica e os debates acerca de uma obra preexistente são permitidos e protegidospela lei, para garantia da liberdade de informação, de expressão e de disseminação da cultura,desde que respeitadas as questões de cunho moral.

De tal modo, ainda que o influenciador utilize somente pequenos trechos ou passagens de obras preexistentes para desenvolver suas reações, tomando todos os cuidados para não ofender, depreciar ou desmoralizar a obra e seus titulares, não há como descartar a possibilidade de o autor se insurgir contra o vídeo de react, solicitando às plataformas que retirem o conteúdo do ar pela violação de direitos autorais.

Uma vez que as plataformas utilizam em sua grande maioria o modelo de notice and takedown, no qual, ao receberem denúncias de violação de direito autoral automaticamente derrubam o conteúdo, para depois ser realizada uma avaliação acerca da denúncia (de modoextrajudicial e sem a necessidade de apoio do poder judiciário, conforme disposto nos Termos e Condições de Uso das plataformas, como anteriormente exposto) a possibilidade de um vídeo deste tipo de conteúdo ser retirado do ar é grande. Nem mesmo a utilização de criações originais dentro do conteúdo dos vídeos de react é garantia de exoneração de responsabilidade do influencer.

Ressalta-se que o ato de informar o autor da obra originária não garante a possibilidade de utili-

zação da obra. Tal indicação apenas garante o direito contido no inciso II do artigo 24 da LDA26, dando o devido crédito ao autor da obra utilizada nos novos conteúdos, o que é suficiente para enquadrar a reprodução em uso aceitável da obra preexistente. O que determina as condições de uso aceitável da obra é o conjunto de circunstâncias dispostas no artigo 46 daLDA, já expostas anteriormente.

Considerando toda a problemática que envolve os pequenos trechos e a citação de obrapreexistente, o melhor caminho para garantir licitude dos conteúdos criados por influenciadores na internet, com uso de obra preexistente é a solicitação de uma autorização do autor da obra.

CONCLUSÃO

Ao longo do presente estudo buscou-se compreender os conceitos e limites da proteção das obras por meio do Direito Autoral, além d seu uso de forma total ou parcial, por criadores de conteúdo na internet com a finalidade de servirem de base para comentários e reações.

A LDA, nos incisos III e VIII do artigo 46 traz limitações a proteção dos direitos autorais, que dizem respeito à citação de obra preexistente e a utilização de pequenos trechos. Apesar da controvérsia acerca da métrica do que deveria ser considerado para caracterização de uso apenas como pequeno trecho, a doutrina e a jurisprudência demonstram em relação a ambos os incisos que a utilização da obra pré-existente não deve se caracterizar como objetivo principal no conteúdo desenvolvido nos vídeos de react

A violação de direitos autorais de terceiros acarreta além da obrigação de reparação dos danos causados, a retirada do conteúdo das plataformas, o que pode causar desperdício de recursos e esforço criativo do influenciador digital. Assim, o conteúdo desenvolvido não deve utilizar obras

26 Art. 24. São direitos morais do autor: (...) o de ter seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ouanunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra

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de terceiros, e quando sua utilização for necessária para tecer comentário, crítica ou desenvolver um novo conteúdo, tal uso deve ser meramente acessório para a obra derivada.Quando se trata de utilização de obras preexistentes para vídeos de reação disponibilizados na internet, não é possível evitar completamente a insurgência dos titulares dedireitos autorais, principalmente quanto a sua natureza de ordem moral, uma vez que tais vídeos consistem em expressar opiniões, tecer comentários não informativos e criar humor através dasreações acerca de uma obra preexistente, de modo que tal conteúdo pode ferir direitos de ordem moral do autor e sua obra.

Assim, destaca-se a importância de solicitação de autorização de uso da obra de terceiro como acessório para criação de novo conteúdo, que com a devida autorização pode ser configurado inclusive como obra derivada, trazendo direitos de autor ao criador do novo conteúdo, sem prejuízo da liberdade de expressão e difusão da informação e cultura.

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n 99

POSSÍVEIS PROTEÇÕES À PERSONAGENS VISUAIS PELA PROPRIEDADE INTELECTUAL

Entre as obras protegidas pela Propriedade Intelectual é possível incluir os personagens visuais, que, inicialmente, foram criadas para os quadrinhos (como obras visuais) e, rapidamente, obtiveram igualmente espaço no âmbito das criações audiovisuais. Objetivou- se, por meio deste artigo, identificar as possíveis proteções conferidas à personagens visuais dentro dos limites da Propriedade Intelectual. Verificando-se por meio da análise da legislação e revisão bibliográfica que, diante da versatilidade com a qual os personagens visuais transitam entre a indústria do entretenimento e o mercado de consumo há a possibilidade de proteção tanto pelo Direito Autoral como pelo Direito Industrial (marcas e desenho industrial), ocorrendo, desta forma, a sobreposição de direitos, mediante o preenchimento de requisitos e do enquadramento na finalidade protetiva de cada um dos ramos mencionados. Demonstra-se, por fim, por meio do estudo do caso: Turma da Mônica - “O banho pirata do Cascão” que, ainda que um personagem seja protegido por mais de um instituto no âmbito da Propriedade Intelectual, essa cumulação não ocorre de forma simultânea, pois a depender da função exercida pelo personagem, no caso concreto, haverá a prevalência da proteção de um instrumento jurídico.

Palavras-chave

Obras visuais - Personagens - Sobreposição de direitos - Direito Autoral - Direito Industrial - Desenho Industrial - Marcas

Kelly Daniely Vieira Morato

Especialização em Propriedade Intelectual, Direito do Entretenimento, Mídia e Moda – ESA – OAB/SP.

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INTRODUÇÃO

Fruto da criatividade humana, os personagens visuais são tutelados pela Propriedade Intelectual, que garante a proteção jurídica de seus titulares, conferindo a eles o direito de exploração exclusiva sobre a sua criação.

Inicialmente criados para o entretenimento, os personagens visuais saíram das obras expressas nas tirinhas de jornais e nos quadrinhos e ganharam forma nas mídias audiovisuais,

como jogos eletrônicos, séries e filmes animados, conquistando uma multidão de fãs ao redor do mundo.

Devido ao grande sucesso e a conectividade emocional que os personagens possuem com seu público, principalmente o infantil, foi possível sua utilização como bens de consumo1 (seja como brinquedos, vestuário, papelaria, produtos destinados cuidados pessoais ou associados aos alimentos) agregando valor ao produto e possibilitando um aumento de até 50% nas vendas em relação aos produtos tradicionais2, movimentado um mercado estimado em cerca de US$ 300

1 Apenas a título de curiosidade, menciona-se que o inverso também ocorre, como no caso de brinquedos que viraram animações, como por exemplo a Barbie e o Lego e, até mesmo filmes interpretados por atores reais, como no caso dos Transformers. (Disponível em: <https://www.guiadasemana.com. br/cinema/noticia/brinquedos-que-viraram-filmes>. Acesso em 16 jun. 2022). Outro fato interessante ocorre com os personagens criados como ícones de marca, que foram originalmente criados como estratégia de marketing para agregar valor e estabelecer vínculo com o consumidor, como no caso dos confeitos de chocolate M&Ms, que na década de 1950 criou os personagens Mr. Plain (confeito vermelho) e Mr. Peanut (confeito amarelo) que rapidamente caíram na graça do público e conquistaram espaço em outros segmentos do mercado devido à forte ligação emocional de seus personagens com seus consumidores. E hoje, contam com produtos como camisetas, canecas, mochilas, bonecos de pelúcia,chaveiros, etc, além de lojas temáticas espalhadas pelo mundo. PUGA, Rodrigo. Análise de ícones visuais e personagens de marcas. Disponível em: <https://www.mundodomarketing.com.br/ultimas- noticias/35028/analise-de-icones-visuais-e-personagem-de-marcas.html>.

2 Segundo a ABRAL – Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e Personagens citada por Correiro Brasiliense. MENDES, Jaqueline. Marcas licenciadas crescem acima da média do varejo. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2018/11/21/internas_economia,720570/marcas- licenciadas-crescem-acima-da-media-do-varejo.shtml>. Acesso em 21 jun. 2022.

bilhões no mercado mundial em 20213

Frente a fluidez com a qual os personagens visuais transitam entre a indústria do entretenimento e o mercado de consumo, a hipótese desenvolvida consiste na possibilidade dehaver proteção por mais de um instrumento jurídico no âmbito da Propriedade Intelectual, podendo, desta forma, ocorrer a sobreposição de direitos.

Mediante a análise da legislação e revisão bibliográfica, este artigo objetivou identificar, dentre os sub-ramos da Propriedade Intelectual, quais os que conferem proteção àpersonagens visuais, bem como, seus requisitos e a finalidade específica a que cada um se destina, tecendo apontamentos essenciais à compreensão da matéria4.

Na parte final deste texto, mediante o estudo do caso: Turma da Mônica - “O banho pirata do Cascão”, demonstraremos que diante da possibilidade de sobreposição de direitos dentro dos limites da Propriedade Intelectual, a proteção não ocorre de forma simultânea, pois haverá a prevalência de um instituto em razão da função exercida pelo personagem no caso concreto.

1. NOÇÕES SOBRE PERSONAGENS VISUAIS E A POSSIBILIDADE DE SOBREPOSIÇÃO DE DIREITOS NO ÂMBITO DA PROPRIEDADE INTELECTUAL

Personagens são seres fictícios antropomorfizados, dotados personalidade complexa (que é o conjunto de características que o identifica e o distingue dos demais), que vivenciamo enredo das histórias. Quando os personagens possuem imagens, ela é representada graficamente, e para o fim deste artigo, a chamaremos de personagens visuais5.

3 ABRAL - Associação Brasileira de Licenciamento de Marcas e Personagens. Licenciamento cresce e impulsiona lojas Disponível em: <https://abral.org.br/licenciamento-cresce-e-impulsiona-lojas/>. Acesso em21 jun. 2022.

4 Insta salientar que não constitui objeto deste artigo o esgotamento sobre o tema.

5 Cumpre salientar que constitui objeto deste artigo somente a análise da proteção pela Propriedade Intelectual dosaspectos visuais dos personagens criados, originalmente, para a indústria do entretenimento. Faz-se importante este recorte, pois o

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Essa importante dicotomia entre personagem e a imagem do personagem é muito bem descrita por André Andrade e Carolina Tinoco Ramos, que definiram que6:

(...) personagem é toda a construção complexa de forma física, comportamento, temperamento, forma de se relacionar, enfim, é a colocação de características humanas – humanização – de algo que pode ou não ter forma humana. (...) O que importa é que determinada personagem possua características psíquicas humanas, ou seja, que possua emoções, conflitos, problemas, alegrias, desafios etc.

(...) Por outro lado, a imagem da personagem é a figura, o desenho pelo qual ela é representada. (...) Contudo, a imagem não é uma característica obrigatória da personagem. Há aquelas personagens cuja existência se limita às obras literárias (...), que não possuem uma imagem pictórica, apenas uma representação visual que desenvolvemos, internamente, a partir das descrições contidas no texto. (destacamos)

No exemplo abaixo, tem-se a representação gráfica da personagem Mônica, criada por Maurício de Sousa em 1963, que teve como inspiração uma de suas filhas, de mesmo nome.

conceito de personagem é amplo e carece de um estudo mais aprofundado. Recomenda-se a leitura do artigo “Proteção autoral de personagens na era da informação” de André Andrade e Carolina Tinoco Ramos, disponível em: <http://docplayer. com.br/18966302-Protecao-autoral-de-personagens-na-era-da- informacao.html>. Bem como, não será abordado os personagens celebridade, recomenda-se para este estudo aleitura de BARBOSA. Denis Borges. Do direito de propriedade intelectual das celebridades. In: Revista de Propriedade Intelectual – Direito Contemporâneo e Constituição – out/dez 2012. Disponível em: < https://ri.ufs.br/bitstream/riufs/9328/2/PIDCC-n1.pdf>.

6 ANDRADE, André; RAMOS, Carolina Tinoco. Proteção autoral de personagens na era da informação. Disponível em: <http:// docplayer.com.br/18966302-Protecao-autoral-de-personagens-na-era-da-informacao.html>. Acesso em 01 abr. 2022.

Fonte: Site Turma da Mônica7

Descrita como baixinha, gorducha e dentuça, a personagem, que só usa vestido vermelho e não desgruda de seu coelhinho de pelúcia chamado Sansão, possui uma personalidade forte e temperamental, é briguenta e mandona, além de ter uma força física incomum para sua idade.

Indubitavelmente os personagens visuais são obras da criatividade humana, sendo protegidos, portanto, dentro dos limites da Propriedade Intelectual8, que é o ramo do Direito que protege as criações fruto do intelecto humano, estando prevista nos incisos XXVII, XXVIIIe XXIX do art. 5º da Constituição Federal entre o rol dos direitos e garantias fundamentais9

Segundo classificação da OMPI – Organização Mundial da Propriedade Intelectual, divide-se em duas categorias: “Direito de autor e direi-

7 Imagem extraída do site Turma da Mônica. Disponível em: <https://turmadamonica.uol.com.br/home/#cinemaeanimacao>. Acesso em 02 jul. 2022.

8 Sobre a matéria, João da Gama Cerqueira acrescentou que, os direitos de Propriedade Imaterial devem ser analisados “em duas ordens diferentes: os de caráter patrimonial ou pecuniário, consistentes na faculdade de fruir, de modo exclusivo, todas as vantagens materiais que a obra oferecer; e o direito moral do autor, inerente à sua personalidade, que se manifesta, principalmente, no direito que lhe assiste de ser reconhecido como tal em relação à sua obra e de lhe ligar-lhe o nome”. CERQUEIRA, V.I., op. Cit., p. 34.

9 Já em matéria infraconstitucional, acrescentou Newton Silveira que, “as criações intelectuais protegidas pelo Direito brasileiro são objeto de quatro leis: a Lei de Direitos Autorais, a Lei do Software, a Lei de Cultivares e a Lei de Propriedade Industrial”. SILVEIRA, Newton. Propriedade industrial, direito de autor, software, cultivares, nome empresarial, título de propriedade intelectual, abuso de patentes. 6. ed. Barueri: Manole, 2018. p. 80. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca. com.br/#/books/9788520457535/>. Acesso em: 23 jun. 2022. Importante mencionar que há ainda a proteção sui generis.

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tos conexos que abrangem obras literárias, artísticas e científicas, incluindo interpretações ou execuções e radiodifusões e a Propriedade Industrial que inclui patentes, desenhos industriais, marcas e indicações geográficas”10

Da análise da legislação, depreende-se três possíveis proteções à personagens visuais nos limites da Propriedade Intelectual: como obra protegida pelo Direito Autoral, como marcaou como desenho industrial (as duas últimas no âmbito do Direito Industrial)11. Não obstante a possibilidade de proteção à personagens visuais por esses institutos, advertiu Denis Borges Barbosa que, “a escolha de que instrumento jurídico a se usar na proteção não é arbitrária. Há um instrumento adequado para cada ‘função’ desempenhada pelas criações protegidas”12,conforme será demonstrado nos capítulos seguintes.

Ocorre que a utilização de um personagem visual pode atingir mais de uma finalidade, por exemplo, quando a sua exploração se dá na indústria do entretenimento tendo sua função voltada ao deleite ou no aproveitamento industrial e comercial, com caráter ornamental ou comosinal distintivo.

Desta forma, quando o uso de um personagem visual preenche os requisitos e se enquadra na finalidade específica a qual cada instituto se destina a proteger, recairá sobre ele a proteção

10 WIPO – World Intellectual Property Organization. Livreto informativo. Disponível em: <https://www.wipo.int/edocs/ pubdocs/pt/wipo_pub_450_2020.pdf>. Acesso em 04 mai. 2022.

11 Discorreu Maitê Moro, em matéria análoga, sobre a cumulação da proteção sobre a forma tridimensional, afirmando que pode ocorrer “mais de um tipo de proteção dentro dos limites da propriedade intelectual. Desde que cumpram os requisitos necessários a casa uma delas, podendo ocorrer a proteção por direito autoral, desenho industrial e marca (...)”. (MORO, Maitê Cecília Fabbri. Marcas Tridimensionais: Sua proteção e os aparentes conflitos com a proteção outorgada por outros institutos da propriedade intelectual. São Paulo: Saraiva, 2009. p.245/254 passim).

12 BARBOSA. Denis Borges. Imagens de personagens ficcionais apostos a produtos têxteis como objeto de proteção pela lei autoral. Disponível em: <file:///C:/Users/proje/Downloads/Imagens_de_personagens_ficcionais_aposto.pdf>. Acesso em 15 mar. 2022.

de cada um deles, podendo haver, inclusive, haver a cumulação de tutelas13

Mas, isso não importa dizer que diante da sobreposição de direitos haverá necessariamente a proteção simultânea14, uma vez que será necessário analisar em cada caso concreto qual será a função exercida pelo personagem visual a fim de que lhe seja atribuída a correspondente proteção jurídica15

13 Sobre o tema acrescentou Denis Borges Barbosa, referenciando o próprio comentário feito em seu Tratado sobre o caso Phillishave citando Gama Cerqueira, que: “(...) a regulação constitucional da cumulação das proteções presume exatamente a funcionalidade específica de cada exclusiva. Além de atenderem tese - a remuneração do trabalho criativo, cada forma específica de propriedade intelectual tem uma função determinada, um papel constitucional a cumprir”. BARBOSA, op. Cit.

14 A este respeito Patrícia Porto advertiu que: “(...) não obstante a existência de dois ou mais direitos incidindo sobre um mesmo bem incorpóreo, isso não significa a incidência de múltiplas proteções simultâneas. Temos que atentar que cada uso feito e destinação dada a um bem imaterial funcionalizam esse bem de uma forma. E a proteção dada para determinado bem em determinada função será diferente da proteção dada a este bem quando este estiver exercendo função diversa. Isso porque se deve respeitar o modelo de proteção constitucionalmente criado para cada função exercida por um bem imaterial”

PORTO, Patrícia Carvalho da Rocha. Limites a Sobreposição de Direitos de Propriedade Intelectual. In: Revista da ABPI, nº 109, nov/dez 2010. Disponível em: <https://web.archive.org/ web/20181228035239/http://nbb.com.br/pub/limites_sobreposicao_direitos_pi.pdf>. Acesso em 15 mar. 2022.

15 Neste sentido, a quinta turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, sob relatoria do Ministro Napoleão NunesMaia Filho, no julgamento do HC 145131/PR, que concedeu o Habeas Corpus e trancou a ação penal movida em face de duas comerciantes do Paraná por violação de Direitos Autorais por venderem em uma feira camisetas com estampas de personagens da DC Comics, Warner, Walt Disney e Hanna-Barbera, entendeu que pelo fato dos personagens estarem registrados no INPI, como marcas mistas e as circunstancias nas quais as obras foram indevidamente utilizadas estavam voltadas ao processo de industrialização e venda em massa, tratava-se de crime contra registro de marca, previsto no artigo 190 da Lei de Propriedade Industrial - Lei nº 9.279/96 e não de violação de direitos autorais, tipificação prevista no artigo 184, § 2º do Código Penal. Fundamentando a decisão no artigo 8º da Lei de Direitos Autorais – Lei nº 9.610/98, que prevê que não são objetos de proteção dos direitos autorais o aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras. E, diante da ausência de representação das partes lesadas ocorreu a prescrição da punibilidade do crime que ocorreu há maisde 9 anos. Disponível em: < https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/8575521/ habeas-corpus-hc-145131- pr-2009-0161566-3-stj>. Acesso em 17 jun. 2022.

103

PELOS DIREITOS AUTORAIS

O Direito Autoral é o ramo da Propriedade Intelectual que tem por escopo a proteção das obras estéticas16, ou seja, aquelas criadas para o deleite, exteriorizadas em um suporte material tangível ou intangível. São excluídas, em tal contexto, tanto as ideias como as criaçõesque apresentem natureza inventiva ou utilitária.

A proteção aos criadores intelectuais, por meio dos direitos autorais, é considerada como cláusula pétrea pelo texto constitucional (incisos XXVII e XXVIII do artigo 5º da ConstituiçãoFederal) e pelas regida pelas normas infraconstitucionais consubstanciadas na Lei nº 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais – LDA), sendo que esta elencaem seu artigo 7º - um rol meramente exemplificativo de obras protegidas, ao passo que o artigo 8º prevê um rol taxativo das obras excluídas de sua guarida.

Assim sendo, em uma primeira análise, podemos afirmar que os personagens visuais são protegidos pela Lei de Direitos Autorais – LDA17

16 Acrescentou, José Carlos da Costa Netto “o objeto do direito de autor – ou o bem jurídico protegido – é a criação ou obra intelectual, “qualquer que seja seu gênero, a forma de expressão, o mérito ou destinação”. COSTA NETTO, José Carlos. Direito autoral no Brasil. 3. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 159. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com. br/reader/books/9788553611089/pageid/159>. Acesso em 06 mai. 2022.

17 Diversamente do que ocorre quando se trata de personagens no sentido da “construção de um ser fictício que irá desenvolver relações e comportamentos (...), tendo em mente o conjunto de características dessa personagem (que é a obra)” a proteção dos direitos autorais se dá pela interpretação sistemática da lei pela doutrina e jurisprudência, uma vez que a Lei de Direitos Autorais não apresenta no rol exemplificativo, tanto do que é protegido, quanto do que não é. Ademais, acrescentaram os autores que “o nome de uma personagem (art. 8º, inciso VI, da LDA) só é protegido em associação com a obra”. Isto porque, nem todo personagem pode ser considerado como obra para efeitos da proteção do direito autoral. Visto que há personagens que não são dotados de suficiente distintividade, ou seja, esse personagem não possui um conjunto de características e certo grau de complexidade capaz de manter a sua identidade após ser retirado de seu contexto de ficção. Esses personagens, são denominados como personagens-ideias. E, normalmente são os personagens que somente aparecem na trama para dar suporte à história. Diferentemente do que

por força do inciso VIII do artigo 7º da Lei de Direitos Autorais18, na qualidade de obras de desenho, desde o momento de sua criação, independentemente de registro19, sendo este facultativo e meramente declaratório20

Entretanto, ainda que haja previsão expressa para que os personagens visuais sejam protegidos pelo Direito Autoral, os requisitos exigidos pela Lei de Direitos Autorais precisam ser preenchidos, conforme ponderou Henry Jessen, citado por José Carlos da Costa Netto, ao afirmar que a criação para ser protegida pelo Direito Autoral “deverá preencher os seguintes requisitos:

“a) pertencer ao domínio das letras, das artes ou das ciências; b) ter originalidade; c) achar-se no período de proteção fixado pela lei”21

Em relação ao requisito elencado na alínea “a” (pertencer ao domínio das letras, das artes ou das ciências), refere o autor ao fato de estar excluída a proteção sobre as obras de caráter inventivo ou utilitário22, bem como o aproveitamento industrial ou comercial das ideias contidas nas obras, conforme previsto no inciso VII do artigo 8º da Lei de Direitos Autorais.

Já o requisito elencado na alínea “b” – ter originalidade, diz respeito a forma como a obra é exteriorizada, e não em relação a ideia, visto o campo das ideias não ser protegido pelo Direito Autoral.23

ocorre com os chamados personagens- constructos, sobre os quais recai a proteção do Direito Autoral por serem considerados obra literária em razão de serem dotados de personalidade suficiente para ser possível criar obras derivadas. Sendo, normalmente, os personagens principais, como o protagonista e o antagonista, conforme ensinaram André Andrade e Carolina Tinoco Ramos. (ANDRADE; RAMOS, op. Cit.).

18 Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: (...) VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética.

19 A este respeito discorreu Maitê Moro, que “a proteção por direito autoral independe de registro, sendo devida a partir do momento em que a obra é exteriorizada pelo autor. MORO, op. Cit., p. 254.

20 No Brasil, pode ser feito na Biblioteca Nacional.

21 COSTA NETTO, op. Cit., p. 159.

22 Que são amparadas pelo Direito Industrial.

23 Conforme ensinou José Carlos da Costa Netto, a originali-

104 2. PROTEÇÃO

Sobre o requisito da alínea “c” - achar-se no período de proteção fixado pela lei, necessário salientar que o período de proteção fixado pela lei de que se trata, diz respeito ao direito patrimonial24, direito este que é conferido ao autor da obra para exploração exclusiva (podendo este utilizar, fruir ou dispor de sua criação intelectual).

Salienta-se que o período de proteção é fixado, por toda a vida do autor mais 70 anos após o seu falecimento, a contar de 1º de janeiro do ano subsequente a sua morte, quando a obrafor visual25, nos termos do artigo 41 da LDA. Já em relação às obras audiovisuais o prazo é de 70 anos, a contar de 1º de janeiro do ano subsequente ao de sua divulgação, conforme previsto no artigo 44 da LDA, passado esse tempo, a obra cairá em domínio público.

Diferentemente do que ocorre com os chamados direitos morais do autor, previstos a partir do artigo 24 da Lei de Direitos Autorais, que apresentam como característica fundamental sua perpetuidade26, ou seja, mesmo após ultrapassar o período protetivo da obra sob o prisma patrimonial – com o ingresso desta em domínio público – o direito moral continuará a vigorar. Ressalte-se ainda, como característica dos direitos morais de autor, sua inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade, uma vez que estão inseridos entre os direitos de perdade pode ser absoluta, quando a criação não foi derivada de outra obra intelectual ou originalidade relativa, quando a obra deriva de outra, como nos casos das traduções, adaptações, etc.), na qual o autor da obra derivada adquire a titularidade originária dos direitos de autor correspondentes a essa nova obra, devendo ser respeitado o direito de autor da obra preexistente. COSTA NETTO, op. Cit., p. 161.

24 Previsto no Capítulo III da Lei de Direitos Autorais.

25 Na qual as histórias em quadrinho se enquadram.

26 Como exemplo, cita-se o caso do Mickey Mouse, em sua primeira versão que aparece no curta-metragem Steamboat Willie, criado em 1928 por Walt Disney e Ub Iwerks. Os direitos patrimoniais hoje pertencem a The Walt Disney Company, mas ingressará em domínio público no dia 1º de janeiro de 2024, ou seja, 95 anos após a primeira publicação, conforme previsto pela legislação dos Estados Unidos da América. Todavia, cumpre observar que os direitos morais são imutáveis, ou seja, não importa se a obra caíra em domínio público, outra pessoa não pode usurpar a sua autoria, ainda que dela possa tirar proveito econômico independente de autorização.

sonalidade27

Sobre o tema, o ilustre Prof. Carlos Alberto Bittar, citado por Marina Machado Silva, ensinou que “é possível a classificação dos direitos extrapatrimoniais em anteriores (de inédito, de paternidade, de nominação) e posteriores (à integridade, à modificação e àreivindicação) da obra”.28

Importante mencionar que a Lei de Direitos Autorais estabeleceu previamente quem seriam os titulares desses direitos, ao definir no inciso XIV do artigo 5º que o titular originário29 de direito de autor é o autor de obra intelectual30

Considera-se como autor31, nos termos do artigo 11, a pessoa natural criadora de obra literária, artística ou científica, ressalvando no parágrafo único que, nos casos previstos nesta lei, a proteção concedida ao autor poderá ser aplicada também às pessoas jurídicas32.

Enquanto a titularidade derivada ocorre quando o titular originário (autor) transfere os direitos patrimoniais, que consiste na exploração econômica de sua criação por terceiros, que podem

27 A este respeito sintetizou Maitê Moro: “Os direitos morais, pelas características pessoais de que se revestem, não caducam, o que não ocorre com os direitos patrimoniais. Estes, conforme os preceitos legais (art. 41 da Lei 9.610/96), perduram por setenta anos após a morte do autor, contados de 1º de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento. Após esse período, os direitos patrimoniais cairão em domínio público”. MORO, op. Cit., p. 188. 28 SILVA, Marina Machado da. A proteção jurídica de personagens visuais nos sistemas de Propriedade Intelectual do Brasil e dos Estados Unidos. p. 54. Disponível em: <https:// repositorio.ufsc.br/handle/123456789/216236>. Acesso em 27 abr. 2022

29 Frisa-se que o intérprete, o produtor fonográfico e as empresas de radiodifusão que são mencionados no inciso XIV do artigo 5º da LDA, são titulares originários de direitos Conexos e não de Direito de Autor. E, portanto, não será abordado neste artigo.

30 Sendo considerados também como titulares originários de autor quem: adapta, traduz, arranja ou orquestra obra caída no domínio público. Não podendo, no entanto, se opor a outra adaptação, arranjo, orquestração ou tradução, salvo se for cópia da sua, por forma do artigo 14 da LDA.

31 Tratando-se de obra audiovisual, serão considerados coautores os criadores dos desenhos aminados que nela forem utilizados, conforme o disposto no parágrafo único do artigo 16 da LDA.

32 O que constitui uma exceção no sistema protetivo aos direitos de autor

105

tanto pessoas físicas como jurídicas, sendo tal prática usual na indústria do entretenimento33

Observa-se que a titularidade originária decorre da criação da obra e inclui tanto os direitos patrimoniais quanto os morais de autor. À medida que a titularidade derivada é adquirida por meio da transmissão pela via contatual ou sucessória, abarcando somente os direitos patrimoniais.

3. PROTEÇÃO PELA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

O Direito Industrial, também denominado como Propriedade Industrial, protege as criações no campo da técnica34, sendo tal ramo composto pelos direitos sobre os sinais distintivos e sobre as criações industriais35 que possuem caráter inventivo ou utilitário, dentre os quais estão incluídas as marcas e o desenho industrial36.

João da Gama Cerqueira define Propriedade Industrial como “o conjunto dos institutos jurídicos que visam garantir os direitos de autor sobre as produções intelectuais do domínio da indústria e assegurar a lealdade na concorrência comercial e industrial”37

Regulado, em âmbito nacional, pelo inciso XXIX do artigo 5º da Constituição Federal, pela Lei nº 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial – LPI) e pelas Resoluções do Instituto Nacional da Pro-

33 A este respeito cita-se o exemplo de personagens como o Hulk, Homem-Aranha, Thor, Homem de Ferro, Viúva Negra e Pantera Negra, dentre muitos outros, que são conhecidos como personagens da Marvel Comics (desde2009 pertence à The Walt Disney Company), que foram criados, inicialmente para os HQs, por Stan Lee (em coautoria). Neste contexto, verifica-se que a titularidade originária dos personagens pertence a Stan Lee (hoje a seus herdeiros), já a Marvel, possui a titularidade derivada, que obteve por meio de transmissão contratual.

34 A este respeito, alertou Newton Silveira que “A Lei de Propriedade Industrial não protege, entretanto, todas as invenções técnicas, mas apenas as invenções industriais, ou seja, as que consistem em um novo produto ou processo industrial”. SILVEIRA, op. Cit., p. 6.

35 SILVEIRA, op. Cit., p. 84

36 Também estão incluídas as patentes de invenção e modelos de utilidade e a indicação geográfica, que nãoconstituem objeto deste estudo.

37 CERQUEIRA, V.I., op. Cit., p. 36.

priedade Industrial – INPI38, sendo o órgão responsável pela concessão dos registros no Brasil.

a) Proteção como desenho industrial

Regulado no Título II, entre os artigos 94 a 121 da LPI, o Desenho Industrial constitui um sub-ramo da Propriedade Industrial que regulamenta as criações ornamentais aplicadas, em escala industrial, a um produto, conferindo-lhe uma nova forma visual, esteticamente mais agradável39

O consagrado autor João da Gama Cerqueira conceituou os desenhos industriais como:

criações de forma destinadas a produzir efeito meramente visual e que distinguem essencialmente pelo seu caráter ornamental e supérfluo (...) compreendem qualquer combinação de linhas ou cores, ou de linhas e cores, representando não só objetos, imagens ou figuras, como também quaisquer criações fantasistas e arbitrárias ou simples efeitos decorativos e motivos ornamentais sem sentido determinado, que emprestem aos objetos um aspecto particular e característico40

Partindo de tais observações, é relevante assinalar que os desenhos industriais possuem duas formas de apresentação, o chamado padrão ornamental, que consiste na combinação de linhas e cores e a forma plástica ornamental, na qual o produto possui um objeto diferenciado, contendo três dimensões: altura, largura e profundidade41

38 Autarquia federal, criada pela Lei nº 5.648, de 11 de dezembro de 1970, que tem por principal finalidade executar as normas que regulam a Propriedade Industrial.

39 Importante mencionar que a proteção pelo desenho industrial recai somente sobre a forma diferenciada daquele produto, limitando-se as características de caráter estético, não se levando em consideração, portanto, o caráter técnico ou funcional, que é objeto de proteção do modelo de utilidade.

40 CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da propriedade industrial: V.II – Tomo I – Dos privilégios de invenção, dos modelos de utilidade e dos desenhos e modelos industriais Atual.: Newton Silveira e Denis Borges Barbosa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 361-362.

41 Manual de Desenho Industrial do INPI. Disponível em: < http://manualdedi.inpi.gov.br/projects/manual-de- desenho-

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Denis Borges Barbosa, ao fazer referência às suas anotações ao Tratado de João da Gama Cerqueira, expõe que uma criação será protegida pelo desenho industrial se preencher os requisitos42 da novidade, licitude, aplicabilidade industrial, originalidade e ornamentalidade, além de apresentar a possibilidade de ser “aplicada a um objeto reproduzido industrialmente, dotando tal objeto, a par de suas características funcionais, de um fator subsidiário de caráter ornamental”43

Destaque-se que, a propriedade do desenho industrial é obtida por meio do registro outorgado pelo INPI, que confere ao seu titular o direito de exclusividade de fabricação e venda de seu produto pelo prazo de vigência de 10 anos, contados da data do depósito, havendo a possibilidade de prorrogação por mais 3 períodos de 5 anos, mediante requerimento. Logo, estará ao alvedrio do titular a possibilidade de contar com a exclusividade conferida pelo ordenamento jurídico brasileiro pelo período total de 25 anos.

Maitê Moro esclareceu que “expirado o prazo de proteção, ou não renovado o registro nas épocas devidas o objeto do registro poderá ser usado, fabricado e vendido por qualquer interessado44”

Vislumbra-se, nessa ordem de ideias, a possibilidade de proteção pelo desenho industrial aos personagens visuais quando sua aplicação for consubstanciada em produtos em escala industrial e destinada, unicamente, a ornamentá-lo, ou seja, com a intenção de torná-los visualmente mais agradáveis e atraentes, revestindo-os de forma suficientemente distintiva, resultando numa aparência nova e original.

Apenas para melhor elucidação, citaremos na sequência alguns exemplos hipotéticos derivados de produtos disponíveis no mercado de consumo brasileiro.

-industrial/wiki/02_O_que_%C3%A9_considerado_desenho_ industrial>. Acesso em 24 jun. 2022

42 Os requisitos exigidos para a obtenção do registro estão dispostos entre os artigos 95 e 98 da LPI.

43 BARBOSA, op. Cit.

44 MORO, op. Cit., p. 230/254 passim

Padrão ornamental aplicado a estampa de tecido

Fonte: O pequeno reino45

Padrão ornamental aplicado a estampa de cerâmica

Fonte: Lojinha da Mônica 46

Forma plástica ornamental aplicado em bonecos

Fonte: Magazine Luiza47

b) Proteção como Marca

Dentre os sub-ramos da Propriedade Industrial, encontram-se as marcas, regulamentadas pelo Título III, entre os artigos 122 a 175 da Lei de Pro-

45 Imagem extraída do site O pequeno Reino. Disponível em: <https://www.opequenoreino.com.br/lancamentos/vestido/ vestido-turma-da-monica-brincadeiras-mon- sucre?variant_ id=6007>.Acesso em 24 jun. 2022.

46 Imagem extraída do site Lojinha da Mônica. Disponível em: < https://www.lojinhadamonica.com.br/caneca- turma-da-monica-stickers>. Acesso em 24 jun. 2022.

47 Imagem extraída do site Magazine Luiza. Disponível em: <https://www.magazineluiza.com.br/boneco-turma- da-monica-8cm-4-unidades-i9-brinquedos/p/181402000/br/bnco/>. Acesso em 24 jun. 2022.

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priedade Industrial, que tem por objeto a proteção dos signos marcários, garantindo ao seu proprietário o direito de exclusividade sobre determinado sinal para que ele identifique um produto ou serviço, diferenciando-o de outros no mercado de consumo, em todo território nacional.

Para João da Gama Cerqueira, marca é “todo sinal distintivo aposto facultativamente aos produtos e artigos das indústrias em geral48 para identificá-los e diferençá-los de outros idênticos ou semelhantes de origem diversa”49

Depreende-se, entretanto, da análise do artigo 122 da Lei de Propriedade Industrial que, nem todo sinal utilizado para distinguir um produto ou serviço é passível de proteção pelo nosso ordenamento jurídico e isto porque somente são suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis e não compreendidos pelas proibições legais previstas pelos 23 incisos do artigo 124 desta lei50

Verifica-se, desta forma, que um personagem visual, que tem por finalidade identificar um

48 Acrescentando Newton Silveira (na atualização da obra) que a LPI, no inciso I do artigo 123 ampara, ainda, as marcas de serviço.

49 CERQUEIRA, V.I., op. Cit., p. 253.

50 Salienta-se que para um sinal distintivo poder ser registrado como marca é preciso preencher os seguintes requisitos: (a) distintividade: o sinal tem que ser apto a distinguir um produto ou serviço no mercado51. O artigo 124 da LPI elenca nos incisos II, VI, VII, VIII, XVIII e XXI elementos que não são passíveis de registro por não ter distintividade; (b) disponibilidade: o sinal precisa estar disponível, não podendo haver direitos de terceiros sobre o sinal distintivo51. O artigo 124 da LPI elenca nos incisos IV, V, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XIX, XX, XXII e XXIII, assim como os artigos 125 e 126 da LPI, elementos que não são passíveis de registro por serem protegidos por direitos anteriores; (c) liceidade: o sinal não pode ser contrário à moral e aos bons costumes ou que contrariem as normas51. O artigo 124 da LPI elenca nos incisos I, III, XI, XIV elementos que não são passíveis de registro por contrariarem às normas, à moral e aos bons costumes; (d) veracidade: o sinal não pode fazer indicação enganosa quanto à origem, procedência, natureza, finalidade ou utilidade dos produtos ou serviços que o mesmo visa assinalar51. O artigo 124 da LPI elenca no inciso X elementos que não são passíveis de registro por conter indicação enganosa quando a indicação do que se destina. Conforme o disposto no Manual de marcas do INPI. Disponível em: <http://manualdemarcas.inpi.gov.br/#4-Exame-formal>. Data de Acesso: 24 jun. 2022.

produto ou serviço, distinguindo-o de outros da mesma natureza, é passível de registro como marca, desde que seu elemento distintivo não se enquadre no rol de proibições elencado no artigo 124 da Lei de Propriedade Industrial.

Importante mencionar que as marcas podem ser classificadas quanto à sua natureza (de produto ou de serviço, de certificação e coletiva) ou quanto à sua forma de apresentação (nominativas, figurativas, mistas, tridimensionais e de posição)51

Diante das possibilidades, verifica-se que um personagem visual pode ser registrado como:

Quanto à natureza: marca de produto ou serviço52, quando usado para distinguir produto ou serviço de outros idênticos, semelhantes ou afins, de origem diversa;

Quanto a forma de apresentação: Marca figurativa: não possui nenhum elemento nominativo, é constituída apenas por desenhos, imagens, emblemas, algarismos, letras e outros sinais gráficos, como figuras, símbolos e ideogramas isolados; Marca Mista: é constituída por elementos figurativos e nominativos53, recaindo a proteção sobre o elemento como um todo, protegendo o logo, a palavra estilizada, assim como, a palavra por si só54

Abaixo consta um exemplo de personagem visu-

51 Frisa-se que faremos apenas os apontamentos quanto a classificação das marcas, definindo apenas os tipos de marcas nas quais os personagens visuais podem ser registrados. Para uma melhor compreensão, indica-se a leitura do Manual de Marcas do INPI. Disponível em: < http://manualdemarcas. inpi.gov.br/projects/manual/wiki/02_O_que_%C3%A9_marca>. Data de Acesso: 24 jun. 2022.

52 Previsto no inciso I do artigo 123 da Lei de Propriedade Industrial.

53 A marca nominativa é composta apenas por palavras ou combinação de letras e algarismos romanos, sendo apenas a palavra sem qualquer forma de apresentação diferenciada.

54 Importante observar que, quando a marca é formada apenas por um elemento nominativo, mas as letras são estilizadas é considerada uma marca mista em razão da forma de apre-

sentação ser original. Cita-se como exemplo: Fonte: INPI. Pesquisa realizada em 23 jul. 2022.

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al registrado como marca figurativa e de marca mista:

Padrão ornamental aplicado a estampa de tecido

ceções.

Entretanto, conforme alertou Lélio Denicoli Schmidt, “a proteção não abarca os produtos e serviços diversos, ainda que inseridos na mesma classe, mas se estende aos que sejam semelhantes ou afins, mesmo quando compreendidos em classe diversa”58.

Registro nº 006940030

Padrão ornamental aplicado a estampa de cerâmica

Registro nº 006685404

Fonte: INPI55

Adverte-se que, diferentemente do que ocorre no Direito Autoral, no qual o registro apresenta finalidade meramente declaratória, a propriedade de uma marca apenas se adquire pelo registro concedido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial - INPI, conforme disposto no artigo 129 da Lei de Propriedade Industrial. Sendo, portanto, considerado titular de uma marca o que efetuou o pedido de registro previamente56

Enfatize-se que, em razão do princípio da especialidade, no ato do pedido de registro, devem ser especificados os produtos ou serviços que a marca visa identificar, bem como a classe57 que pretende proteger, delimitando desta forma, o âmbito de proteção da marca, salvo algumas ex-

55 Pesquisa realizada em 23 jul. 2022.

56 Ressalvado o direito de precedência ao registro àquele que de boa-fé, usava marca idêntica ou semelhante há mais de 6 meses, nos termos do § 1º do artigo 129 da Lei de Propriedade Industrial.

57 O INPI adota a classificação Internacional de Nice, que é identificada pela sigla NCL, seguida da respetiva versão, apresentada entre parênteses, que possui uma lista com 45 classes, sendo divididas em produtos, listados nas classes 1 a 34, e serviços, listados nas classes 35 a 45. Disponível em: <https:// www.gov.br/inpi/pt- br/servicos/marcas/classificacao-marcas>. Acesso em 24 jun. 2022.

Diversamente dos outros institutos da Propriedade Intelectual – com a possibilidade de renovação periódica de sua proteção – na prática não ocorre um limite temporal para proteção das marcas se seu titular for suficientemente diligente, sendo o prazo de vigência inicial de 10 anos, contados da data da concessão, prorrogáveis por períodos iguais e sucessivos, mediante requerimento e pagamento de taxas junto ao INPI, que deve ser formulado no último ano de vigência, conforme dispõe o artigo 133 da Lei de Propriedade Industrial.

4. ANÁLISE DO CASO: TURMA DA MÔNICA - “O BANHO PIRATA DO CASCÃO”

Criada pelo cartunista Mauricio de Sousa há mais de 50 anos, a Turma da Mônica conquistou gerações e conta com publicações e produtos licenciados em mais de 40 países59, e mesmo em meio à pandemia da Covid-19, propiciou à empresa Mauricio de Sousa Produções – MSP60 uma receita bruta no montante de R$ 72.336.220,30 no ano de 202061

58 SCHMIDT, Lélio Denicoli. Marcas: Aquisição, Exercício e Extinção de Direitos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019. p. 221-222

59 APEXBRASIL - Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos. A Turma da Mônica representará o Brasil em ações dos Jogos Olímpicos. Disponível em: <https://portal.apexbrasil.com.br/noticia/a-turma-da-monica-representara-o-brasil-em-acoes-dos-jogos- olimpicos/>.

Acesso em: 27 jun. 2022.

60 Criada inicialmente como uma distribuidora de quadrinhos e denominada “Bidulândia Serviços de Imprensa”, a partir de setembro de 1965 passou a atuar mais como uma criadora de conteúdo para entretenimento. SOUSA, Mauricio de. Mauricio: A história que não está no gibi. Rio de Janeiro: Primeira Pessoa, 2017, passim.

61 Informação obtida na consulta pública à JUCESP – Junta

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A trajetória do autor, de um menino do interior de São Paulo a responsável pelo 4º maiorestúdio de animação do mundo62 foi contada na biografia “Mauricio: a história que não está no gibi”63

Na biografia mencionada o cartunista relatou que a principal fonte de inspiração para acriação de seus personagens em famosas tiras publicadas em revistas e jornais, com cenas de crianças se divertindo, derivou de suas memórias de sua infância no interior assim como da experiência com seus filhos64

Os primeiros personagens de sucesso na carreira de Mauricio de Sousa foram Franjinhae seu cãozinho Bidu, que protagonizaram a primeira tirinha oficial, publicada em 18 de julho de 1959 no jornal Folha da Tarde65

A tirinha foi denominada como “Bidu”66, continha nove quadrinhos dispostos navertical retratando um homem em cima de um caixote discursando para uma plateia. Aos poucos a plateia ia diminuindo até que sobra somente um garoto. Ao perceber que não atrairiamais público, o homem vai embora praguejando, sobrando somente o garoto, que levanta o caixote e liberta o cãozinho Bidu67

Devido à grande aceitação de seu trabalho, novos personagens como o Cebolinha, MariaCebolinha, Piteco, Mônica, Magali, Cascão, Anjinho e Chico Bento foram criados e, com o tempo, o número aumentou e conquistou espaço em outras publi-

Comercial de São Paulo, por meio da análise do DRE – Demonstração de Resultado do Exercício de 2020. Acesso em 29 jun. 2022.

62 RICCIARDI, Alex. Mauricio de Souza, líder do 4º maior estúdio de animação do mundo, completa 80 anos. Disponível em: <https://forbes.com.br/negocios/2015/10/mauricio-de-souza-lider-do-4o-maior-estudio-de- animacao-do-mundo-completa-80-anos/>. Acesso em: 29 jun. 2022.

63 SOUSA, op. Cit., passim.

64 Idem. passim.

65 Em janeiro de 1960 houve a fusão dos jornais Folha: da Manhã, da Tarde e da Noite, nascendo, então, o jornal Folha de São Paulo. Idem. p. 65

66 Nome escolhido por meio de uma enquete entre os colegas de trabalho de Mauricio de Sousa, que, na gíria da época significada adivinhão ou esperto. Idem. p. 63.

67 Idem. p. 63

cações68

Além disso, despertou o interesse de governos para utilizar os personagens em campanhas institucionais e educativas de interesse público, bem como de editoras para a utilização em livros didáticos e de empresários interessados em licenciar os personagens para aplicação em produtos com a intenção de gerar um vínculo emocional com seus consumidores69

A utilização dos personagens para fins de merchandising sempre foi feita cercada de todas as precauções, sendo o próprio Mauricio de Sousa o responsável por todo o processo de licenciamento, desde a concepção do produto até sua divulgação, a fim de garantir que sua “turminha” jamais fosse associada a produtos que não beneficiassem as crianças ou que descaracterizassem seus personagens por meio de atitudes reprováveis e que destoassem do sadio ambiente que imaginou70

Ocorre que, na década de 1970, enquanto assistia à televisão (ainda em preto e branco), Mauricio de Sousa foi surpreendido pela veiculação de um comercial em desenho animado, noqual dois de seus personagens foram utilizados sem a devida autorização agravada pela descaracterização da essência de um deles.

Mauricio de Sousa relatou o ocorrido em sua biografia e na crônica 169 - “O banho pirata do Cascão”, ilustrando na imagem abaixo a propaganda veiculada, que era de um chuveiro elétrico e mostrava o personagem “Cebolinha” espiando por uma janela falando “olha,o Cascão tomando banho”. Na sequência, aparecia o Cascão tomando banho todo feliz,comentando: “mas, só se for com o chuveiro “Y” (marca do chuveiro)” 71

68 Idem. passim.

69 Idem. passim.

70 Idem. p. 129

71 SOUSA, Mauricio de. Crônica 169 - “O banho pirata do Cascão”. Disponível em: <https://web.archive.org/ web/20071016142717/http://www.monica.com.br/mauricio/cronicas/cron169.htm>. Acesso em: 29 jun. 2022.

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Fonte: Arquivo Site da Mônica72

Importante mencionar que o personagem Cascão integra a Turma da Mônica, cúmplice das peraltices do Cebolinha e amigo da Mônica e da Magali. Tem sete anos de idade, os pés descalços e se veste com um calção preso por apenas uma alça do suspensório73. Sua principal característica é não gostar de água, razão pela qual sempre foge para não tomar banho, passando a imagem de que anda sempre meio sujinho, com uns riscos nas bochechas e um cabelo eriçado74 Foi publicado pela primeira vez em 1963 numa tirinha do Jornal da Folha de São Paulo.

Indignado ao ver seu personagem sendo utilizado sem o seu consentimento e em uma situação estranha à sua natureza, relatou Mauricio de Sousa que, à época do fato, desconhecia seus direitos como titular da obra, então, somente entrou em contato com o produtor, que alegougran-

72 Idem.

73 Sua roupa foi inspirada em mais uma de suas memórias de infância, o cartunista lembrou que sua mãe sempre fazia roupas, e por mais que costurasse bem, um dos botões sempre caía e ele acabava ficando com o calção preso por apenas uma alça do suspensório. SOUSA, op. Cit. p. 88.

74 Em 1961, com a intenção de aumentar a “turminha”, Mauricio de Sousa criou um esboço de um personagem que teve como inspiração um amigo de infância, que seu pai havia apelidado de Cascão, por viver com marcas encardidas nas dobras do braço e no pescoço, pois em razão de morar em um bairro sem água encanada, sua mãe apenas passava uma aguinha para tirar o grosso, dando banho de verdade somente aos sábados. Com o personagem pronto, Mauricio de Sousa teve uma crise de consciência e decidiu não o publicar, uma vez que pensava que o fato de o personagem Cascão não gostar de tomar banho seria um exemplo nada edificante para as crianças. Somente em agosto de 1963 o personagem foi publicado em uma tirinha do jornal, após o incentivo de sua, então esposa, que argumentou que toda criança do mundo já teve um dia de Cascão e foi para a cama sem tomar banho e adorou, assim como os adultos também já fizeram isso e por esta razão, não estranhariam um personagem que não gosta de tomar banho. SOUSA, op. Cit. passim.

des dificuldades financeiras e afirmou que se o comercial saísse do ar seu estúdio iria à falência. Movido por sua generosidade e pela comoção gerada pelas lamúrias do produtor, o cartunista permitiu que o comercial continuasse sendo veiculado por mais alguns meses75

Depreende-se da narrativa que, houve violação dos direitos intelectuais de Mauricio de Sousa por uso indevido de seus personagens, conforme passaremos a analisar à luz da legislação nacional vigente76

Decorre do Direito Autoral a proteção primária conferida aos personagens Cascão e Cebolinha, por força do inciso VIII do artigo 7º da Lei de Direitos Autorais, que protege as obras de desenho, desde o momento de sua exteriorização, uma vez que sua tutela prescinde deregistro nos termos do artigo 18 do mesmo diploma legal.

A Lei de Direitos Autorais atribui ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre sua criação77 e estabelece que qualquer forma de utilização da obra depende de autorização prévia e expressa de seu titular78, isto porque, somente ao titular é dado o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor de sua criação79, podendo, em caso de violação de seus direitos, utilizar as medidas judiciais cabíveis para ter o dano reparado.

Se o fato ocorresse atualmente, o produtor do comercial mencionado, ao apropriar-se indevidamente de criação alheia para produzi-lo, violaria os direitos autorais de Mauricio de Sousa e seria responsabilizado tanto na esfera civil (sob a regência do Código Civil pelos artigos186 e 927 e da Lei de Direitos Autorais) como na criminal, ao incorrer no crime previsto pelo artigo 184 do Código Penal80

75 SOUSA, op. Cit

76 Ressalte-se que anteriormente seria aplicável o Código Civil de 1916, a Lei 5.988/73 (Lei de Direitos Autorais) e o Decreto-Lei

7.903/45 (Código de Propriedade Industrial).

77 Conforme o previsto no artigo 22 da Lei de Direitos Autorais.

78 Conforme o previsto no artigo 29 da Lei de Direitos Autorais.

79 Conforme o previsto no artigo 28 da Lei de Direitos Autorais.

80 Insta salientar que não constitui como objeto deste artigo a análise dos aspectos penais da violação de direitos autorais.

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O produtor, além de violar os direitos patrimoniais de autor, ao utilizar os personagensCascão e Cebolinha, incluindo-os em uma produção audiovisual consubstanciada em uma propaganda veiculada na TV, obtendo proveito econômico por meio de criação alheia sem a autorização prévia e expressa de seu titular, violou também os direitos morais de autor relativos à integridade da obra, posto que alterou características inerentes ao personagem Cascão (que énotoriamente avesso à água) ao colocá-lo em publicidade de um chuveiro, na qual aparece feliztomando banho.

Não obstante a proteção conferida aos personagens pelo Direito Autoral, verifica-se que o caso igualmente poderia ser analisado sob o enfoque da proteção concedida pelo registro de marca, que é regulado pela Lei de Propriedade Industrial e assegura ao titular o direito de uso exclusivo de seu sinal distintivo em todo território nacional, conforme previsto no artigo 129.

Os personagens Cascão e Cebolinha, foram criados para o entretenimento e devido ao vínculo afetivo que possuem com o seu público e alto potencial de exploração em outros segmentos, passaram a assumir a função de marca, identificando produtos e serviços, diferenciando-os de outros da mesma natureza no mercado de consumo, com registros de marca vigentes junto ao INPI81, conforme informações abaixo:

nagens ao produto anunciado,optou por utilizá-los indevidamente.

A Lei de Propriedade Industrial estabelece que incorre no crime capitulado no inciso I do artigo 189 aquele que reproduz marca registrada sem a autorização de seu titular.

Entretanto, com base na análise dos registros dos personagens no INPI, verifica-se que à época do fato – início da década de 1970, os registros ainda não haviam sido concedidos, não podendo, desta forma, falar que o produtor praticou crime contra registro de marca.

Todavia, mesmo que a Lei de Propriedade Industrial estabeleça em seu artigo 129 que a propriedade da marca se adquire com o registro validamente expedido pelo INPI, é asseguradoao depositante o direito de zelar pela sua integridade material ou reputação, conforme previsto no inciso III do artigo 130, podendo se valer dos meios judiciais cabíveis para tanto.

Neste contexto, verificou-se que os personagens Cascão e Cebolinha receberam dupla proteção nos limites da Propriedade Intelectual: pelo Direito Autoral, desde a criação, como obras de desenho destinadas ao entretenimento e pelo Direito das Marcas, quando revestidos daqualidade de marca, que cumprem a função de identificar produtos ou serviços, distinguindo- os de outros da mesma natureza, mesmo antes do o registro outorgado pelo INPI, pois é assegurado ao depositante o direito de zelar pela integridade e reputação de sua marca.

O produtor, no caso analisado, ao invés de utilizar os meios legais mediante o licenciamento de marca82, para viabilizar a associação dos perso-

81 Pesquisa realizada em 03 jul. 2022.

82 O licenciamento de marca representa 90% dos lucros da Mauricio de Sousa Produções. Iniciou na década de 1960, com o licenciamento dos personagens para uso em produtos como roupas, brinquedos e alimentos, e hoje, conta com uma ampla gama de bens de consumo, chegando a cerca de quatro mil itens de 150 varejistas e fabricantes, com maior destaque para o personagem Jotalhão que é estampado nas embalagens do

Demonstrou-se no presente caso, a sobreposição de direitos no âmbito da Propriedade Intelectual, e mesmo considerando para a análise, que à época do fato, os registros das marcasdos personagens já tivessem sido concedidos pelo INPI, recaindo, portanto, a ampla proteção conferida ao titular de registro de marca previsto na molho de tomate da Cica (agora pertence à Cargill). NAÇÕES UNIDAS BRASIL. Propriedade Intelectual protege obra de Mauricio de Sousa. Disponível em: <https://brasil.un.org/pt-br/151804-propriedade-intelectual- protege-obra-de-mauricio-de-sousa>. Acesso em 04 jul. 2022.

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Lei de Propriedade Industrial, haveria a prevalência da proteção pelo Direito Autoral, que protege as obras visuais, desde a data de sua criação.

Isto porque, nitidamente os personagens foram utilizados em sua função expressiva e não na função marcaria83, haja vista que a intenção do produtor ao utilizar os personagens na peça publicitária foi de valer-se da atração que os personagens exercem nos pretensos

consumidores, em razão do vínculo afetivo que possuem com o seu público, vínculo este criado com o sucesso dos enredos das tirinhas, revistinhas em quadrinho e animações, para alavancar as vendas de forma ardilosa, sem a prévia e expressa autorização de seu titular, locupletandose indevidamente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Objetivou-se, por meio deste artigo, demonstrar que, dentre as obras intelectuais, encontram-se os personagens visuais e devido a fluidez com a qual transitam entre a indústria do entretenimento e o mercado de consumo, podem ser revestidos da proteção de mais de um instituto no âmbito da Propriedade Intelectual, podendo, inclusive, ocorrer a sobreposição de direitos.

Identificou-se, dentre as possibilidades, a proteção pelo Direito Autoral e no sub-ramo do Direito Industrial: as marcas e o desenho industrial. Ocorre que a proteção por cada instituto necessita do preenchimento de determinados requisitos e é restrita à função exercida pelos personagens visuais.

Para que os personagens visuais possam obter a tutela do Direito Autoral, que ocorre desde a data da criação, uma vez que a proteção prescinde de registro, além da previsão expressa no inciso VIII do artigo 7º da Lei de Direitos Autorais, que os protege como obras de desenho,precisam de ser

83 Que, repisa-se, é de identificar um produto ou serviço, distinguindo-o de outros de mesma natureza no mercado de consumo

dotados de originalidade, estarem no período de proteção legal estabelecido nos artigos 41 (obra visual) e artigo 44 (obra audiovisual) e exercerem a função de obras destinadas ao deleite.

No domínio da Propriedade Industrial a proteção é obtida por meio do registro outorgado pelo INPI e pode ocorrer tanto como marcas: quando os personagens visuais exercem a função de identificar produtos ou serviços, distinguindo-os de outros de mesma natureza dentro do mercado de consumo, desde que sejam dotados de sinais distintivos visualmente perceptíveis e não compreendidos pelas proibições legais; quanto como desenho industrial: quando são revestidos do caráter ornamental, exercendo a função de deixar um produto esteticamente mais agradável, conferindo-lhe uma nova forma visual, em escala industrial.

Constatando-se, por fim, que mesmo diante da possibilidade de proteção à personagensvisuais por mais de um instituto nos limites da Propriedade Intelectual a cumulação de proteção não ocorrerá de forma simultânea, ou seja, haverá a preponderância de apenas um instituto para casa função exercida pelo personagem

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Doutrina

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SEMIÓTICA, INSTRUMENTO PARA AFERIR A FUNÇÃO DISTINTIVA DA MARCA

O presente estudo tem por escopo uma melhor compreensão da importância da semiótica no direito marcária e como esta ciência pode auxiliar nos conflitos da área, de forma a tornar a marca um sinal distintivo

Palavras-chave

Semiótica. Sinal distintivo - Marca - Tutela jurídica - Registro noInstituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) - Secondary meaning - Trade Dress

Camila José dos Santos Navas

Especialização em Propriedade Intelectual, Direito do Entretenimento, Mídia e Moda – ESA – OAB/SP.

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INTRODUÇÃO

Em uma breve análise social é possível verificar uma sociedade extremamente competitiva, sendo que para uma marca busque o distanciamento dasdemais é preciso assumir um contorno que a diferencie da trajetória já trilhada pelas outras marcas do mesmo setor.

Pensando na perspectiva de se diferenciar do conglomerado já constituído é que se analisará a semiótica na constituição da distintividade marcária, visto que estaciência estuda os signos e as formas que os mesmos podem assumir perante uma sociedade.

Em análise ao presente estudo será possível compreender como um signo que antes era comum, logo mais, por meio de um conjunto de fatores que compõem a exploração da imagem da marca, pode vir a constituir um segundo significado que vem emergir no mercado consumidor.

Por meio de algumas disposições que mais a frente serão devidamente explanadas, será possível entender um pouco mais a respeito desse universo tão fantástico que busca nos apresentar inúmeras particularidades que antes eram tomadas como irrelevantes, contudo sobre esta nova ótica podem assumir inúmeras dimensões.

1. SEMIÓTICA E A SUA RELAÇÃO COM O SIGNOS DISTINTIVOS

Ao se buscar exprimir o que vem a ser semiótica de uma forma habitual, não é preciso ir muito longe, haja vista se tratar do campo da ciência que estuda os signos e o processo de significação a eles atribuídos.

A referida construção não alcançaria tão grande complexidade se não fosse levado em consideração a sociedade regida pelos seres humanos, visto que em meio aos animais é possível verificar a existência de alguns signos, contudo, de forma alguma este conjunto alcançaria a amplitude que é encontrada na comunidade humana.

Mediante esta disposição inicial há de se observar que o campo de estudo e a exploração da se-

miótica possui uma infinidade de possibilidades, vez que dispõe de diversos meios de estabelecer uma comunicação.

Sendo primordial entender que está transmissão pode ser verbal ou não verbal, de forma que possibilita a sua disposição em várias áreas de estudo sem que se esgote ou delimite a sua abrangência, podendo ser analisada na psicologia social, no marketing, no direito, no alfabeto dos surdo-mudo, nas regras de etiqueta... enfim, esse parágrafo seria pouco para descrever a veiculação dessa ciência multidisciplinar.

Na concepção de Ferdinand de Saussure1 a semiótica é “uma ciência que estuda a vida dos signos no seio da vida social”, visto que é por meio desses diversos símbolos que os indivíduos conseguem se comunicar, posto que dentro de cada contexto social há uma pequena ou grande disparidade de entendimento.

Partindo desta primazia, há de se entender que um terceiro só conseguirá entender ou interagir com aquele outro grupo após observar algumas particularidades que delimitam aquela convivência, de forma que somente depois desse breve contato haverá um êxito na comunicação.

Neste mesmo sentido é possível compreender a importância do estudo e a compreensão dos signos, haja vista que por meio deles torna-se viável uma análise da organização social, posto que os indivíduos expressam aquilo que captam no seu dia a dia, pensam, aprendem ou sentem (emoções).

Sendo que somente após o interpretante ter conhecimento de todo este emaranhado poderá buscar meios de interagir com a comunidade, visto que cada corpo social compreende de uma forma distinta um mesmo signo, de modo que um entendimento equivocado pode gerar grandes emaranhados.

Em uma das suas brilhantes colocações Umberto Eco2 descreve que:

1 SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral. 4 ed. São Paulo: Cultrix, 1972, p. 23.

2 ECO, Umberto. O signo. 5ª ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2014, p. 21.

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Contemplar a cultura em sua globalidade sub specie semiótica não quer ainda dizer que a cultura, em sua complexidade, pode ser entendida melhor se for abordada de um ponto de vista semiótico. Quer dizer, em suma, que os objetos, os comportamentos e os valores funcionam como tais porque obedecem a leis semióticas. (grifo nosso).

1.1. Sociedade no ponto de vista semiótico

A primeira seria uma visão puramente voltada para a semiótica, onde o indivíduo (interpretante) pega uma bolacha levíssima (signo) que muito lhe agrada, visto ter uma massa gostosa, contendo em sua composição aveia e mel (designatum), fato que é de preferência daquele adquirente, observando-se que para outras pessoas (intérpretes) aquela mesma bolacha pode ser denominada como biscoito, visto a mudança do quadro social.

Segundo Charles Morris, por meio dessa composição teremos a configuração da semiose que é o processo onde determinado fator passa a possuir um signo, sendo que para a sua configuração se fará necessário a existência de três ou quatro agentes:

O interpretante e/ou intérprete, signo, designatum, ao analisar a disposição observa-se que há uma relação de dependência entre os integrantes da relação, visto que um designata só será aquele signo se o interpretante assim o denomina, do contrário se o intérprete vier a nomear de outra forma, esta seria a nomenclatura atribuída ao designata.

Perante o descrito, é possível verificar que a semiótica não analisa separadamente os agentes da relação, visto que para que ocorram fatos que fomentem a semiótica é preciso a incidência da semiose, ou seja, uma relação em que os três ou quatro agentes se façam presentes, de forma que a partir da inserção destes será possível se fazer um preponderação pragmática, sintaxe e semântica.

Por meio deste lampejo de informação é possível verificar o quanto a extensão do assunto pode ir

muito além do que se visualiza inicialmente, visto que ao se mensurar que o estudo da semiótica também estudará a gramática e outras matérias a mais, poderá então verificar a complexidade desta ciência.

Portanto, em observação a determinada particularidade é possível mencionar que esta ciência analisará o significado dos signos e o designatum, fatores que tendem a diminuir as falhas de entendimento e consequentemente proporcionam uma menor incidência de ambiguidades e erros na comunicação, logo mais clareza no diálogo e na gramática cognoscível.

1.2. Semiótica no dia a dia

A segunda concepção seria uma versão atribuída pelo engajamento social do indivíduo, que ao verificar a embalagem da bolacha de aveia e mel poderia ser remetido a uma memória sócio afetiva

Circunstâncias estas que farão menção a recordações de momentos em que viveu junto com a sua família, sua avó fazendo bolachas, brincando com as crianças, momento estes que vieram fomentar a construção do caráter deste adulto, posto que um instante tão enriquecedor tal qual a este, merece ser lembrado por toda a vida.

Com esse cenário em mente, deve-se mencionar que muitas vezes a marca da bolacha dispôs de muitas ferramentas de marketing para que no momento em que o cliente tivesse contato com a sua embalagem pudesse ser remetido a particularidades, tais quais está a que lhe veio à mente, visto que mesmo sem que o indivíduo perceba a marca criou um elo entre o seu símbolo e a memória sócio afetiva do indivíduo.

Por meio do descrito por Umberto Eco é possível verificar todas estas realidades em conjunto, visto que um fator está intimamente atrelado ao outro, ou seja, a semiótica está tão voltada para a cultura, como a cultura está vinculada a semiótica, como se fossem institutos indissolúveis.

Sendo que o contato com esta ciência fará com que as particularidades inerentes a sociedade sejam compreendidas de maneira mais percep-

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tível, retirando as impurezas que os vícios incutidos pelo cotidiano vem agregando ao indivíduo.

Em suma, por meio desse arranjo e em constatação ao entendimento que vem sendo construído, é possível demonstrar que existe uma dependência entre semiótica e a cultura, de maneira que uma vez absorvido as particularidades de cada uma delas, então se poderá entender a amplitude que está junção tem oferecer à sociedade.

1.3. Signo distintivo

Compreendido a importância de se buscar um aprimoramento nessa ciência, é possível perceber o quanto o referido campo de entendimento está inteiramente atrelado com diversos temas, sendo que neste momento se buscará concentrar a energia para entender o nexo que há entre a semiótica e a marca, visto que por meio dessa composição é possível visualizar a criação de um signo distintivo.

E para que o símbolo venha alcançar essa singularidade, deve haver a construção de importâncias que são almejadas pelo detentor dos produtos ou serviços.

Visto ser imprescindível discorrer que em torno da marca há um nome empresarial que faz todo um trabalho almejando incutir significados aos signos que a representa, sendo que mais a frente se verificará as possíveis ligações que podem estar atreladas a marca.

Em contínua reflexão sobre o assunto aqui tratado, faz-se preciso dispor sobre a concepção de Ferdinand de Saussure, que relata que o nome ou a palavra que é atribuído as coisas são símbolos arbitrários.

O estudioso relata que em cada língua há uma expressão distinta para denominar um mesmo signo, de forma que o significado sofre alterações no seu fonema de uma língua para a outra, ao exemplo: amor (português), love (inglês), kärlek (sueco).

Partindo dessa conjuntura constata-se que apesar das diversas denominações empregadas ao

sentimento no qual é feito menção, o nome utilizado não modifica a totalidade da natureza do presente sentimento afetivo.

Assim sendo, é possível entender que quando uma marca se vincula de forma intensiva por meio de uma propaganda, há uma construção arbitrária onde o signo terá um novo significado.

Esses vínculos criados pelas marcas muitas vezes têm por intuito atributos ao produto ou serviços adjetivos positivos, onde de forma sutil o subconsciente passa a arbitrar a marca (signo) um determinado significado, como: superação e felicidade, de forma que adquirir o bem, o indivíduo se sente mais pleno e feliz com a aquisição, visto que o seu subconsciente já fez essa ligação almejada pela propaganda.

Por meio de pequenas incrementações tais quais a esta, é que uma marca alcança a distintividade no mercado, passando a ter mais visibilidade nos seus pronunciamentos, de forma que os seus posicionamentos são mais aceitos pela comunidade.

Tais atributos concederão a marca mais liberdade para tornar singular um produto ou um serviço, ou seja, mesmo que esta diferenciação seja decorrente de diminutas alterações em uma composição já existente, a marca poderá arbitrar um novo signo ao produto, sendo que por meio de uma construção visual diferenciada o bem é apresentado ao mercado de forma totalmente distinta.

Como bem expressa Lélio Denicoli Schmidt3 “a marca deve criar um nome próprio para o produto, diverso do nome comum que o identifica enquanto gênero”, tal observação alertar a respeito da necessidade da marca sempre está em busca de se diferenciar, visto que serão fatores tais quais a estes que farão com que haja um distintividade da mesma no mercado.

Visto que por meio de um conjunto de características devidamente articuladas, o consumidor irá se familiarizar com o produto ou serviço, de

3 SCHMIDT, Lélio Denicoli. A distintividade das marcas: seconday meaning, vulgarização e teoria da distância. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 25

120

modo que tais fatores serão capazes de formular uma distinção entre o bem oferecido e o domínio marcário, de forma a repelir a perda da distintividade.

Assim sendo, faz-se claro que não se deve registrar como uma marca a denominação celular quando o produto também é um celular, em virtude que este registro não preencherá um dos requisitos para a sua formalização, ofendendo o disposto na Lei nº 9.279/96 (art. 124, VI, da Lei de Propriedade Industrial).

Dado o exposto, há evidências que para uma marca consiga se distanciar do que vem a ser comum, se fará necessário vincular o seu sinal representativo a determinados signos que a tornará distintiva no mercado, sendo que será por meio da semiótica que se trilhará esta trajetória.

2. DEFINIÇÕES E FUNÇÕES DE UMA MARCA

Ao se buscar definir o que vem a ser uma marca é preciso ter cautela, haja vista que tal signo pode ser disposto de algumas formas, sendo que neste artigo se buscará explorar a marca enquanto instituto jurídico que pode vir a sofrer algumas intervenções do conceito mercadológico.

Em linhas gerais, é possível verificar um entendimento que se faz predominante, de modo que por meio deste se compreenderá que a marca é um sinal distintivo que tem por intuito separar os produtos ou serviços parecidos, idênticos e/ ou afins.

As características que compõem uma marca, devem tornar a mesma diferente de outras que já estão inseridas no mercado, este conjunto de atributos virão de encontro ao estabelecido pelo princípio da especialidade (art. 123, I, da lei 9.279/96), contudo não será apenas por meio desse princípio que se configura as especificações de uma marca.

Visto que, apesar de se fazer indispensável que haja uma diferenciação entre as marcas para que não ocorra confusão na mente do consumidor, é possível que marcas idênticas existam sem que

firam o princípio da especialidade, conforme assim dispõe o professor Denis Borges Barbosa4: “a exclusividade de um signo se esgota nas fronteiras do gênero de atividades que ele designa”.

Consequentemente, para que não haja conflitos entre as marcas idênticas, as mesmas devem fazer parte de classes diferentes e sempre estarem em buscas de fatores que lhe acrescentem características singulares das já existentes. Partindo destas primícias, é indispensável que haja um distanciamento visual de uma marca a outra, posto que apesar de possuírem nomes iguais nada impede que busquem uma total dissociação nos demais fatores figurativos.

Ao se dispor a respeito de uma marca frente ao mercado consumerista, pode- se entender que o sinal distintivo seria a impressão digital do negócio, ou seja, aquilo que diferencia um produto ou serviço do outro de forma aparente.

Sendo que por meio da marca o indivíduo poderá fazer a sua escolha de forma mais respaldada, visto que mesmo não conhecendo a forma de fabricação ou a execução, ao vir adquirir a mercadoria/serviço e não apreciar, terá respaldo para nãovoltar a usar a referida marca.

Tais fatores não ocorreriam se não por meio do sinal distintivo. Se não fosse deste modo, como seria possível diferenciar um produto ou serviço do outro?

Para uma maior compreensão do descrito é que será exposto a imagem de duas marcas que possuem o mesmo nome, contudo não expressam nenhuma confusão frente ao mercado em que atuam:

121
4 DENIS BORGES BARBOSA, in Uma Introdução à Propriedade Intelectual, 2.ed., Lumen Juris, Rio deJaneiro, 2003.

Por meio dos exemplos expostos, em conjunto com o a breve explanação descrita, é possível verificar a importância de sua regularização, uma vez que para evitar emaranhados em torno de marcas com o mesmo nome, é que se faz preciso que as empresas além de buscarem um distanciamento visual, também registrem as suas marcas junto ao INPI.

Sendo que por meio do registro inicial, o INPI irá analisar se foram cumpridas todas as particularidades dispostas na lei n. 9.279/96. Uma vez obedecidas as regras, haverá uma concessão legal ao detentor da marca, de modo que a partir deste momento o símbolo poderá ser usado e explorado exclusivamente pelo seu titular.

Cumprido os requisitos, haverá as garantias de proteção em todo o território nacional no período de 10 anos, sendo que o mesmo poderá ser prorrogado por igual ciclo de modo sucessivo, ou seja, desde que feito a renovação no prazo correto a marca não tem um prazo de durabilidade.

Desta forma, a marca terá plena liberdade para buscar mais desenvolvimento e crescimento, posto que o registro concede segurança jurídica ao empreendimento, que poderá ainda, contar com o respaldo do INPI para arbitrar e dirimir qualquer afronta a proteção que lhe foi garantida ao efetuar o registro, visto que a inscrição da marca terá validade erga omnes

Em meio a estes benefícios, deve-se preponderar que após ter sido formalizada a referida proteção, a empresa detentora da marca poderá investir para uma maior expansão de mercado, dado que a partir deste momento haverá uma diminuição de problemas diretamente relacionados a dualidade de marcas atuando no mesmo setor, e caso o detentor venha encontrar esse infortúnio, terá os legítimos recursos para se defender.

Feito o investimento inicial, por certo o detentor da marca ainda terá uma longa caminhada até que o seu sinal distintivo venha alcançar graça nos olhos dos consumidores, visto que o ato de cativar o seu cliente e feito de forma contínua, posto haver diversos fatores a serem levados e conta no momento dessa conquista.

Uma vez transcorrido essa longa caminhada e obtido o tão sonhado êxito, se visualizará uma marca forte, sendo que o símbolo passará a ter grande importância não só para o seu detentor que terá o sinal representativo como a alma do negócio, como o consumidor agregará os valores subjetivos do produto ou serviço como passaporte para o meio social que está inserido.

Quando disposto a respeito da marca como um passaporte social, é possível verificar uma das formas de se demonstrar a soberania do signo, posto que a partir deste momento a utilidade do bem adquirido não possui somente a sua valorização fundamental.

Visto que a partir do rompimento desta barreira, a utilização do artigo proveniente da referida marca agregará pretensões subjetivas, tais quais, o objetivo de evidenciar e ostentar a sua utilização, de forma a manifestar o pertencimento a denominado grupo social.

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Registro no INPI nº 006533973, classe: 38 : 20 Registro no INPI nº 812345630, classe: 03 : 10

Tais observações a cada momento se apresentam de forma mais severas, visto que os produtos ou serviços além de apresentarem uma marca desejada pelos consumidores também trazem outros atraentes valores agregados.

Em conhecimento deste fato, as marcas apresentam várias jogadas de marketing, de forma a ampliar a sua clientela, vez que, mesmo dispondo que o indivíduo não pode fazer parte do ciclo social de uma celebridade, há a sugestão que usando o mesmo produto patrocinado pelo artista, se aproximará do universo idealizado:

Sendo que em virtude disso, a marca deve estar ávida por novas conquistas e em buscar de um marketing que esteja sensível às respostas transmitidas pelos consumidores.

Haja vista que apesar de se buscar transmitir um significado que agregue ao interpretante (cliente), nem sempre se terá a recepção almejada, posto que segundo a visão de Peirce um mesmo signo pode ter diversas representações para cada indivíduo, sendo preciso persistir na conquista, de maneira a alcançar a plena distintividade marcária.

3. TRADE DRESS

Como mencionado anteriormente, para que Dispondo a respeito da necessidade de buscar a distintividade, é que se introduziu o trade dress, que é um conceito jurídico que foi criado nos Estados Unidos da América (EUA), sendo disposto de um conjunto de atributos que compõem um produto ou serviço que é apresentado ao consumidor de forma inovadora.

https://propmark.com.br/ex-embaixador-da-oi-marcos-mion-e-o-novo-garoto-propaganda-da-tim/

Analisando estas disposições e observando a sua importância perante a sociedade, faz-se indubitável que o ser humano é cercado por signos que permitem toda a construção e o alicerce da comunicação em um todo, sendo que por meio da análise da semiótica é possível dispor das peculiaridades que norteia o mercado extremamente complexo, no qual a marca é um dos protagonistas.

Por meio destes precedentes se discorrerá sobre a importância da marca está em constante desenvolvimento, haja vista que o seu sinal representativo deve buscar inspirar ao seu consumidor ou ao seu potencial consumidor a verificarem a relação de valor que a mesma oferece ao seu público alvo.

Como bem exposto, a marca é um reflexo dos anseios da comunidade capitalista, de forma que já pertence a está estrutura, por isso sempre deve buscar suprir as necessidades do seu consumidor.

Na inspiração por características visuais são levados em consideração alguns fatores tais quais: os sinais, a cor ou o esquema de cores, a embalagem, as formas, as frases que são dispostas nas embalagens, a textura, os ornamentos que compõem a sua disposição, a estilização, o cheiro da loja ou do produto, de forma que estes investimentos e outros mais, tem o poder de agregar charme a marca, o que consequentemente determinará uma maior aceitação do consumidor.

Em meio a todo o dinamismo que a comunidade mundial está envolta, por certo há de se considerar que o Brasil acabou por incorporar as ideias que foram se desenvolvendo em torno do conceito de trade dress, de modo que nacionalmente esta percepção visual vem a ser denominada como conjunto-imagem.

Contudo, mesmo com a evidente aceitação, deve-se considerar que o conceito ainda é novo no direito brasileiro e apesar de ser admitido pela doutrina e pela jurisprudência, ainda não há uma legislação que venha discorrer a respeito

123

Como bem define José Carlos Tinoco Soares5, o trade dress é “a imagem total do negócio; num sentido bem geral é o ‘look and feel’, isto é, o ver e o sentir do negócio”.

Partindo desta primazia, vários aspectos devem serem levados em consideração, posto que apesar de pouco se discorrer a este respeito, temos neste aparato uma evidente exposição do quanto a semiótica é um fator que está intrínseco a presente construção gráfica, uma vez que é por meio da conjunção desses diversos signos que se constituirá está marca forte.

Convém ainda informar que a roupagem devidamente arquitetada tem por intuído incutir características que venham ser categóricas e instintivas da marca, de forma que os signos nela empregado possam transmitir a marca sem que seja necessária uma verificação literal do seu sinal representativo, uma vez que a verificação foi aceita pela comunidade.

Tais implementações possuem intenções ousadas, tendo por alvo constituir um conjunto-imagem que seja um prolongamento da marca, de forma que só a verificação de um fator que pertença ao aglomerado já seja capaz de criar um vislumbre da marca na mente do cliente.

Por certo este vínculo que gradativamente é construído com o consumidor e aceito pelo mercado, aos poucos estabelece a distintividade da marca, de forma a fazê-la forte perante os concorrentes e consequentemente afastar qualquer outra associação que possa haver com as demais empresas que atuem no mesmo seguimento.

Deve-se considerar que pesar do consumidor criar uma conexão sensorial com a marca por um dos fatores que integram o seu trade dress, deve-se dispor que aquele determinado signo ou signos que lhe chamam mais a atenção que o outro, é um chamariz exclusivo de determinado grupo que aceita melhor esta particularidade.

5 SOARES, José Carlos Tinoco. “Concorrência desleal”: “Trade dress” e/ou “conjunto-imagem”. São Paulo: Ed. do Autor, 2004, p. 213.

Contudo, há de se considerar que o trade dress é composto por um conjunto, de forma que não deve ser admitido que um concorrente venha tentar diluir cada um dos itens de forma unitária ou por agrupamento.

Para melhor visualização deste fato, é possível apresentar o exemplo do caso da marca Vanish (processo nº 820863793, 820863807 e 827202903) que possuía uma cor6 peculiar e distintiva para o segmento em que atua, contudo com o decorrer do tempo este fator foi se perdendo, diluindo.

Posto que outras marcas se aproveitaram de um dos componentes do trade dress da marca Vanish de forma unitária, visto que atualmente várias marcas do mesmo setor fazem uso da cor que antes era distintiva da referida representante.

Perante o exemplo mencionado devem as marcas detentoras dos respectivos trade dress buscarem resguardos em preceitos legais como no registro da marca, nas cores e suas denominações estabelecidas o artigo 124, inciso VII, da lei nº 9.279/96, ou por meio de crimes de concorrência desleal do artigo 209 da mesma lei:

Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio. (grifo nosso)

Dessa forma, há de se dispor que apesar de ainda se fazer necessário uma defesa um tanto quanto rebuscada para repelir atos que venham infringir o trade dress de uma marca, deve ser levado em conta que este ato também é uma infração ao consumidor como bem dispõe Clóvis

124 do mesmo.
6 Vide o disposto no Artigo 124, VIII da Lei da Propriedade Industrial

da Costa Rodrigues7:

“o grande público se compõe de leigos, de desprevenidos, de espíritos desatentos, que procuram os produtos pelos nomes e quando não os dizem incompletos, pronunciam-nos errados, deles guardando, não raro, vaga reminiscência ou traços indecisos de sua feição gráfica e de suas cores.”.

Portanto, apesar do instituto ainda não ter uma legislação brasileira que venha regulamentar o tema e/ou dispor a respeito de possíveis sanções no caso de descumprimento, a jurisprudência e a doutrina nacional já possuem entendimentos pacificados a respeito do assunto.

De forma que a cada momento o trade dress vem se fazendo mais presente no meio mercadológico e fomentando meios para a consolidação do secondary meaning

4. SECONDARY MEANING: TODA REGRA TEM UMA EXCEÇÃO

A legislação brasileira vem dispor que para que uma marca seja registrada, faz- se preciso que a mesma tenha distintividade, conforme já foi disposto acima, contudo, será que esta regra comporta exceções? Com este questionamento em mente que se iniciará o presente capítulo.

A secondary meaning ou significado secundário é um fenômeno semiótico que não tem regras pré-estabelecidas para que um signo comum venha ser incrementado ao universo empresarial, até porque na pretensão inicial não se tinha por objetivo que determinado evento viesse a tornar uma denominação vulgar em uma marca distintiva, a ponto de diferenciar um produto ou serviço.

De forma que não há aparentes requisitos substanciais que devem ser preenchidos de pronto, para que consequentemente passe a existir meios que venham propiciar a existência da distintividade da referida marca que até então era

7 RODRIGUES, Clóvis da Costa. Concorrência desleal. Editora Peixoto, 1945, p. 138.

um signo comum.

Contudo, observa-se que determinado fato passa existir de uma forma natural no psicológico do consumidor, que muitas vezes sem se atentar às particularidades passa a fazer uso da função marcária sem que haja uma confusão com o seu significado primário.

Cabendo distacar que o significado usual da palavra normalmente é uma denotativa que faz parte do dia a dia do consumidor, no entanto, o significado secundário passa a predominar de uma forma tão regular que vem a se sobrepõe ao uso original.

Sendo que o cliente se permite fazer uso do produto ou serviço sem que isso venha gerar embaraços, de forma que os dois signos passam a conviverem em harmonia, tendo cada uma a sua importância.

A marca passa a ser tão presente que o cliente lhe confere confiança e credibilidade, sendo que sem uma conferência literal o consumidor já consegue se deslocar a prateleira e pegar o produto por meio de seu trade dress, uma vez que reconhece o seu formato, as suas disposições visuais, a combinação de cores e o seu conteúdo.

Perante a plena aceitação do consumidor, a marca pode vir a considerar a aquisição da sua distintividade, vistos que os anos se passaram e apesar da constante mutação linguística que o tempo vai gerando, a comunidade consegue continuar fazendo a distinção da marca e o significado original da palavra, conforme bem observa Rudolf Callmann8:

Se algo se torna um símbolo, isto se dá porque a própria comunidade está pronta para reconhecê-lo e aceita-lo como tal. Esta característica repousa naverdade base da lei de marcas, porque ela afeta as questões da confusão e secondary meaning e aplicada porque a reação do público é fator decisivo.

125
8
RODRIGUES, Clóvis da Costa. Concorrência desleal. Editora Peixoto, 1945, p. 138.

Contudo, é sabido que para que isso ocorra a empresa deve se desprender de muitos incentivos publicitários e ser perseverante, visto que mesmo após ter alcançado a distintividade e poder usufruir da proteção legal, deve sempre estar atenta a ínfima separação que há entre o signo que tomou por sinal representativo e o seu uso comum.

A devida atenção deve estar presente de forma contínua, visto que a disposição adotada como marca possui um entendimento subjetivo e próprio, fato que não deveproibir que o cidadão comum venha utilizar o signo no seu uso costumeiro.

Essas realidades estão tão intrínsecas a convivência em sociedade, que não épreciso de muitas pesquisas para encontrar marcas que por meio do secondary meaning passaram a possuírem a sua distintividade reconhecida, como é o exemplo das marcas: ABRIL® e da CASA DO PÃO DE QUEIJO®, que apesar de não possuíremdireito ao uso exclusivo das palavras empregadas, possuem a proteção marcária.

Não obstante a algumas resistências encontradas no uso do secondary meaning no Brasil, é possível encontrar respaldo para a aplicação do referido fenômeno na legislação pátria, visto que o artigo 2º, inciso VI, da Lei nº 9.784/99, assim dispõe:

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse públicoe eficiência. (...)

VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;

Por meio do regulamento acima o INPI deve respaldar as suas decisões, de forma que deve haver o reconhecimento da distintividade devidamente regulamentada pelo secondary meaning

Partindo do mesmo entendimento, há de se mencionar o inciso VI, artigo 124, da Lei 9.279/96:

Art. 124. Não são registráveis como marca: (...)

VI - sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e épocade produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva;

O mencionado dispositivo alerta com relação ao fato que não caberá registro de marca de sinais genéricos, comuns ou vulgares, contudo ao discorrer a este respeito não é levado em conta que no caso do secondary meaning o sinal estará revestido de distintividade, fato que faz total diferença.

Devendo ainda se reportar a compatibilidade da disposta legislação com a Convenção de Paris no seu Art. 6º, quinquies C – 1, que assim relata: “Para determinar se a marca é suscetível de proteção deverão ser levadas em consideração todas as circunstâncias de fato, particularmente a duração do uso da marca”.

Portanto, por mais que haja algumas admoestações em restringir a aplicação do secondary meaning, os tribunais do Brasil vêm analisando o caso concreto e se posicionando de forma positiva com relação a notoriedade adquirida por determinadas marcas.

Perante este fato, apesar da real existência de signos vulgares na denominação, com o passar do tempo e a aceitação da sociedade, passasse fazer presente a incidência do fenômeno.

Desta forma, o reconhecimento do secondary meaning é aplicado ao caso tanto na esfera administrativa do INPI, ao exemplo dos processos nº 917326156, 918845904, 919470068, como no judiciário, conforme se verifica na disposição abaixo:

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PROPRIEDADE INDUSTRIAL – Marca mista – Super Tenda – Expressão incomum no ramo de festas universitárias – Secondary Meaning – Direito ao uso exclusivo da expressão pela Autora – Anterioridade do depósito da Autora reconhecida – Violação ao direito marcário – Indenizatória procedente – Recurso provido. PRO-

PRIEDADE INDUSTRIAL- Marca – Lucros cessantes – Violação ao direito de exclusividade da marca - Divulgação nas redes sociais de evento festivo universitário sob o nome “Super Tenda” - Início de prova do prejuízo material presente – Superveniente alteração do nome para “Mega Tenda” –Lucros cessantes limitados a 1º de outubro de 2019, a partir de quando a Ré passou a utilizar outra expressão – Indenizatória procedente – Apelação da autora provida para este fim. DANO MORAL – Marca – Violação ao direito de exclusividade conferido à autora – Simples fato da violação da propriedade industrial apto para abalar a imagem e reputação da demandante –Prejuízo extrapatrimonial presumido – Pedido de indenização por dano moral procedente – Verba indenizatória fixada em R$ 10.000,00 – Apelação provida para este fim. Dispositivo: dão provimento.

(TJ-SP - AC: 11022880520208260100 SP 1102288-05.2020.8.26.0100,

Relator: Ricardo Negrão, Data de Julgamento: 31/03/2022, 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 31/03/2022) 9 (grifo nosso)

CONCLUSÃO

Por meio desta modesta exposição é possível dispor o quanto a semiótica auxilia na concepção de fatores que constituem o universo em um sentido geral, visto que como bem descreve Umberto Eco, não é usando está ciência para denominar os fatos que cercam o indivíduo que vem a ser a forma mais acertada de se posicionar.

9 https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1444442131/ apelacao-civel-ac-11022880520208260100- sp-11022880520208260100/inteiro-teor-1444442150

Até porque, esta ciência foi desenvolvida para conceder subsídios para uma melhor compreensão do conjunto de eventos que cercam os seres humanos, não sendo ela a única criadora dos fatores, contudo se os elementos forem analisados por meio dos limites estabelecido pela semiótica, então será possível entendem os valores funcionais de cada fragmento de forma mais compatível.

Partindo desse entendimento que comporta uma visão macro, se voltando para um determinado segmento, qual seja a distintividade marcária, deve-se observar que por meio dessa ciência será possível dispor de instrumentos que auxiliem na referida aferição, visto que ao tratar da sociedade em um todo, diversos fatores devem serem levados em consideração.

Posto que, só fazer-se-á viável buscar esta qualidade que tornam as marcas exclusivas no setor de atuação, após se verificar as condições do mercado de consumo, quais os signos que predominam no segmento e como o sinal representativo da marca irá se portar perante os parâmetros já constituídos no ramo. Todas estas particularidades serão mais perceptíveis se os fatores forem observados por meio da semiótica, de modo que a marca poderá observar como o seu público alvo (intérprete) está se portanto frente ao seu sinal representativo e o seu eventual trade dress e/ou secondary meaning.

Sendo que, somente após ter se respaldado em todo este estudo, é que se poderá buscar meios de criar vínculos sensoriais com seus consumidores, de forma a fortalecer a sua presença no mercado.

Portanto, faz-se indubitável que a semiótica é um instrumento que auxilia a construção da distintividade da marca no mercado de consumo, de forma que uma análise mais rebuscada dessa ciência ajudará no fortalecimento do sinal representativo.

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BARBOSA, Denis Borges, in Uma Introdução à Propriedade Intelectual, 2.ed., LumenJuris, Rio de Janeiro, 2003.

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A PROTEÇÃO DAS MARCAS, DIREITOS AUTORAIS E DADOS PESSOAIS NO MERCADO DE INFOPRODUTOS

O mercado dos infoprodutos começou a ganhar espaço junto com o desenvolvimento da internet e, principalmente, após a COVID-19. Isto porque diante da necessidade de manter o distanciamento social, muitos produtos e serviços passaram a ser disponibilizados de forma digital, trazendo um novo perfil de consumidores e prestadores de serviços. A palavra “infoproduto” é uma maneira de se referir a produtos digitais, que nada mais são do que livros, podcasts, cursos e workshops disponibilizados na internet. Na era digital, muitas profissões precisaram se reinventar e, uma solução comum encontrada foi a criação de infoprodutos, cujo objetivo é ensinar outras pessoas a executarem determinado tipo de serviço, melhorar sua qualidade de vida, finanças, etc. Entretanto, com a rápida evolução deste novo mercado, muitas lacunas ainda não foram preenchidas no que diz respeito à proteção das marcas e direitos autorais dos infoprodutos, bem como à proteção dos dados pessoais dos consumidores. O objeto principal deste artigo é analisar, especificamente, o ramo de infoprodutos, e verificar quais são as práticas utilizadas para proteger a propriedade intelectual dos produtores e seus colaboradores, bem como funciona o tratamento de dados de seus consumidores.

Palavras-chave

Direitos Autorais - Marcas - Propriedade Intelectual - LGPD - Marketing Digital - Infoprodutos

Larissa Abud Guedes Daulisio Palo

Advogada, com MBA em Propriedade Intelectual pela Universidade Cândido Mendes.

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A pandemia COVID-19 transformou o mundo em vários aspectos e marcou um momento histórico em que muitas pessoas perderam seus empregos e ficaram reclusas em suas casas, sem perspectiva de trabalho ou produção de renda, nesta situação, algumas viram a oportunidade de trabalhar em casa1 e monetizar o seu conhecimento intelectual, enquanto outras ainda estão em processo de adaptação ao “novo normal”.

A Propriedade Intelectual nunca esteve tão evidente. A revolução digital é real e está cada dia mais avançada e, junto ao novo normal, também surgiram novas formas dese relacionar e trabalhar.

Em 2021, 81% da população brasileira acessou a internet2 e, de acordo com a pesquisa realizada3 pela TIC Domicílios

“46% dos usuários de internet no Brasil compraram produtos e serviços pelainternet em 2021. Em 2019, o índice havia sido de 39%. O percentual de consumidores pela internet em 2021 representou 68,3 milhões de pessoas, de acordo com o levantamento. Houve um aumento de 15,7 milhões de consumidores pela internet entre 2019 e 2021, sendo 13,8 milhões da Classe C.”

A internet possibilitou a evolução da comunicação e do mercado de trabalho, visto que há menos de 03 décadas não era possível fazer com-

1 SANTANA, Pablo. “Em meio à pandemia de coronavírus, setor de comunicação digital cresce exponencialmente” Março de 2020. Disponível em: https://www.infomoney.com. br/negocios/em-meio-a-pandemia-de-coronavirus-empresas-de-tecnologia-de-trabalho-remoto-colhem-bons-frutos/ Acesso em 29 de junho de 2022.

2 SILVA, Victor Hugo. “81% da população brasileira acessou a internet em 2021, diz pesquisa; TV supera computador como meio”. Junho de 2022. Disponível em https://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2022/06/21/81percent-da-populacao-brasileira-acessou-a-inter net-em-2021-diz-pesquisa.ghtml Acesso em 25 de junho de 2022.

3 CETIC. “Cresce o uso de Internet durante a pandemia e número de usuários no Brasil chega a 152 milhões, é o que aponta pesquisa do Cetic.br”. Disponível em https://cetic.br/ pt/noticia/cresce-o-uso-de-internet-durante-a-pandemia-e-numero-de-usuarios-no-brasil -chega-a-152-milhoes-e-o-que-aponta-pesquisa-do-cetic-br/ Acesso em 20 de junho de 2022.

pras no mercado por um aplicativo ou realizar diversos cursos sem sair de casa.

Atualmente, quem tem um celular com internet, tem um universo de informações na palma da mão e, foi nesse contexto que nasceram os infoprodutos, uma nova modalidade de oferecer produtos que revolucionou a vida de profissionais das mais diversas áreas e possibilitou novas formas de ganhar dinheiro sem precisar sair de casa.

O mercado de infoprodutos é extremamente promissor e está evoluindo de forma muito rápida, por isso é indispensável analisar as criticidades jurídicas que envolvem esse novo mundo de oportunidades, possibilitando que todos os envolvidos nesta relação estejam devidamente protegidos e não tenham seus direitos violados.

O presente artigo tem o objetivo de analisar a proteção intelectual dos produtos oferecidos em ambiente digital e dos dados pessoais dos consumidores envolvidos nessas relações.

2. O UNIVERSO DOS INFOPRODUTOS INFOPRODUTOS

A palavra “infoproduto”4 é utilizada para identificar produtos digitais que são distribuídos na internet, como e-books, cursos online, podcasts, audiobooks e consultorias, por exemplo.

Os produtos digitais estão cada vez mais presentes na vida das pessoas por seu acesso ser muito fácil e rápido, visto que os consumidores não precisam de nada além de um aparelho eletrônico com internet para adquirir um e-book ou aprender a falar uma nova língua.

Por serem produtos intangíveis (digitais), requerem pouco investimento financeiro e têm um alto potencial de escala, visto que não há os custos básicos de produtos físicos, como aluguel,

4 PEREIRA, Marcos. “Ganhe dinheiro na internet criando e vendendo seu próprio infoproduto!” Abril, 2022. Disponível em: https://hotmart.com/pt-br/blog/tipos-criar-infoprodutos Acesso em 28 de junho de 2022.

130 1. INTRODUÇÃO

distribuição e contratação de funcionários.

Dito isto, os infoprodutores têm uma margem de lucro muito alta, podendo faturar milhares5 de reais mensais sem precisar sair de casa.

INFOPRODUTORES

Não há regras específicas para ser um infoprodutor, pois qualquer pessoa que é especialista em determinado assunto pode transformar seu conhecimento em um curso online ou e-book

Na prática, infoprodutor é aquele que ensina algo através de um produto digital, muitas vezes com a promessa de demonstrar situações práticas e corriqueiras que só podem ser aprendidas por quem já vivenciou determinada experiência, a exemplo de um curso para confeiteiros ou jovens advogados que não sabem o passo a passo para protocolar uma petição no e-SAJ.

CONSUMIDORES

Em regra, consumidores de infoprodutos são pessoas com acesso à internet e que têm o objetivo obter conhecimento ou entretenimento de forma rápida e objetiva.

O público consumidor de um infoproduto irá variar de acordo com o tema abordado nele, por exemplo, um e-book com receitas veganas terá um público diferente de um e-book de homebrewing, e assim sucessivamente.

Pode-se concluir que os consumidores de infoprodutos têm um perfil diferente dos consumidores de produtos tradicionais:

“Enquanto o primeiro está na rede em busca do melhor custo-benefício, é participante ativo do processo, pode ser o comprador de um produto e até vender outro - indicando o produto ou serviço utilizado, com o consumidor tradicional nada desse

5 TERRA. 2019. “Empreendedores digitais chegam a lucrar R$ 100 mil mensais com infoprodutos”. Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/dino/empreendedores-digitais-chegam-a-lucrar-r-100-mil-mensais-com-nfoprodutos,117117b8b21f354d9748cdb20e5b3f9abe6hu1ip.html#social-comments Acesso em 29 de junho de 2022

comportamento é visto. Este ainda prefere o método mais engessado do processo, sem falar da desconfiança. Ainda há consumidores que não confiam em comprar um produto sem tocá-lo para ter certeza de que é bom. Ainda há consumidores que preferem a ida à livraria, pegar no livro de papel, sentir suas páginas e o cheiro de novo, em vez de adquirir um e-book. Portanto, conclui-se que o comportamento do consumidor de infoproduto é o perfil de quem está na rede – aquele que pesquisa, compara preços, exige qualidade, debate a qualidade do produto, cobra e paga (muitas vezes) por um produto ou serviço direcionado ao seu próprio perfil.”6

DISPONIBILIZAÇÃO DE INFOPRODUTOS

Os infoprodutos podem ser disponibilizados de forma gratuita ou paga, a depender do objetivo do produto e da estratégia escolhida pelo infoprodutor.

No mais, podem ser encontrados em diferentes sites7 e formatos, seja enviados diretamente via e-mail, ou em plataformas de hospedagem, como a Hotmart8 e até mesmo em sites de venda de produtos tradicionais, como a Amazon e o Mercado Livre.

Com mais de 30 milhões de usuários, 400 mil produtos e vendas para quase 200 países9, a empresa brasileira Hotmart Company, criada

6 COSTA, Ana Cássia; SILVA, Monique de Almeida. “O comportamento do consumidor de infoproduto”. 2021. Disponível em: https://redib.org/Record/oai_articulo3091999-o-comportamento-do-consumidor-de-infoproduto Acesso em 29 de junho de 2022

7 SEBRAE. “Dicas de plataformas para infoprodutos”. Dezembro. 2021. Disponível em: https://www.sebrae.com.br/ sites/PortalSebrae/ufs/ms/artigos/dicas-de-plataformas-para-infoprodutos,8 48e05eb05f9d710VgnVCM100000d701210aRCRD. Acesso em 28 de junho de 2022.

8 HOTMART. “Conheça a história da Hotmart, empresa global de tecnologia, focada no empreendedorismo digital”. Disponível em: https://hotmart.com/pt-br/blog/o-que-e-a-hotmart. Acesso em 28 de junho de 2022.

9 FONSECA, Mariana. Março. 2022. “Hotmart: a história do unicórnio dos produtos digitais”. Disponível em:https://www. infomoney.com.br/do-zero-ao-topo/hotmart-a-historia-do-unicornio-dos-produtos-digita is/. Acesso em 28 de junho de 2022.

131

em 2011, se tornou referência no ramo de hospedagem de infoprodutos e, após aporte de R$ 735 milhões10, Hotmart em 2021, se tornou uma das mil companhias em todo o mundo a alcançar o status de unicórnio (empresas com valor de mercado a partir de US$ 1 bilhão).

Dito isto, resta claro que o mercado de infoprodutos está revolucionando não só a forma de consumo de conteúdo, mas toda a economia mundial e isso é apenas o começo.

3. A PROTEÇÃO INTELECTUAL DOS INFOPRODUTOS

Por serem produtos multidisciplinares e possuírem peculiaridades específicas de acordo com cada modalidade de apresentação (PDF, vídeo, áudio etc.), a proteção intelectual é um fator determinante na manutenção da qualidade e escalabilidade de um infoproduto.

DIREITO AUTORAL

O artigo 7º da Lei 9.610/98 prevê quais são os tipos de obras protegidas por direitos autorais:

“São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

I - os textos de obras literárias, artísticas ou científicas; (...)

VI - as obras audiovisuais, sonorizadas ou não, inclusive ascinematográficas; (...)

VIII - as obras de desenho, pintura, gravura, escultura, litografia e arte cinética; (...)

XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;

10 JULIO, Rennan A. “Após aporte de R$ 735 milhões, Hotmart se torna o mais novo unicórnio brasileiro”. Março. 2022. Disponível em: https://revistapegn.globo.com/Startups/noticia/2021/03/apos-aporte-de-r-735-milhoes-hotmart-se-torna -o-mais-novo-unicornio-brasileiro.html. Acesso em 28 de junho de 2022.

XIII - as coletâneas ou compilações, antologias, enciclopédias, dicionários, bases de dados e outras obras, que, por sua seleção, organização ou disposição de seu conteúdo, constituam uma criação intelectual. (...)”

Ao analisar o conteúdo deste artigo, é possível observar dois pontos importantes, para que uma obra seja protegida por direito autoral ela deve: (i) ter sido exteriorizada de alguma forma e (ii) ser fixada em qualquer meio, tangível ou intangível. Neste sentido, Sérgio Branco11 aponta que:

“De fato, é relevante mencionar que só são protegidas as obras que tenham sido exteriorizadas. As ideias não são passíveis de proteção por direitos autorais. No entanto, o meio em que a obra é expressa tem pouca ou nenhuma importância, exceto para se produzir prova de sua criação ou de sua anterioridade, já que não se exige a exteriorização da obra em determinado meio específico para que, a partir daí, passe a existir o direito autoral. Ou seja, este existe desde o momento em que a obra é exteriorizada, independentemente do meio.”

Portanto, é possível concluir que mesmo existindo apenas no formato digital, os infoprodutos são protegidos por direitos autorais.

No mais, os direitos autorais também estão previstos na Constituição Federal, sendo tratados como direito fundamental no artigo 5º, XXVII, o qual dispõe que “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”, ou seja, a pessoa que cria um infoproduto preenche a função de autor da obra, possuindo todos os direitos autorais advindos dela.

11 BRANCO, Sérgio; PARANAGUÁ, Pedro. “DIREITOS AUTORAIS”. Rio de Janeiro, Editora FGV. 2009. Disponível em: https:// bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/2756/ Direitos%20Autorais.pdf. Acesso em 28 de junho de 2022.

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(...)

Importante mencionar que os direitos autorais nascem junto com a criação da obra enão é necessário fazer algum tipo de registro para eles sejam válidos, entretanto, é extremamente recomendável como medida cautelar, servindo para comprovar a autoria e autenticidade da obra, podendo ser utilizado em casos de reprodução indevida dos infoprodutos.

Dito isto, o artigo 22 da Lei 9.610/98 dispõe que ao autor pertencem os direitos morais e patrimoniais da obra que criou, conforme declara a autora Eliane Abrão12

“O fato gerador dos direitos morais é o fato da criação, isto é, a expressão formal e estética registrada em qualquer suporte tangível ou intangível, independentemente da observância de qualquer formalidade (registro público ou particular ou menção de reserva). O fato gerador dos direitos de ordem patrimonial é a publicação da obra.”

Como detentor dos direitos morais da obra, o infoprodutor pode reivindicar a autoria da obra, a qualquer tempo, conservá-la inédita, retirá-la de circulação e todas as outras possibilidades previstas no artigo 24 da LDA.

Os direitos patrimoniais, que são o direito de explorar economicamente a obra, também pertencem ao infoprodutor. Diante disto, ele pode ser o único titular dos direitos patrimoniais da obra ou pode cedê-los parcialmente a algum colaborador, como no caso de infoprodutos que são gerenciados por especialistas e agências de lançamento.

A forma expressa do infoproduto determinará qual é a melhor ferramenta a ser utilizada para efetivar sua proteção. Houve um tempo em que a Biblioteca Nacional era referência para registro de obras escritas, porém, atualmente, com o avanço tecnológico, surgiram outros softwares e ferramentas online que disponibilizam um certificado de anterioridade com validade internacional de forma mais célere e com baixos custos.

12 ABRÃO, Eliane Y. “Direitos do Autor e Direitos Conexos” 1ª Edição. Disponível em: http://www.direitoautoral.com.br/index.php?page=livros. Acesso em 28 de junho de 2022.

A título de exemplo, temos a Câmara Brasileira do Livro - CBL13 que emite certificado de anterioridade, ISBN, fichas catalográficas de obras físicas e digitais, a plataforma AUTHORA14 e o site AVCTORIS15.

No caso do mercado de infoprodutos, embora o registro seja facultativo, ter um certificado de anterioridade traz mais segurança e possibilita que ações repressivas contra cópias e reproduções indevidas sejam executadas com muito mais eficácia.

MARCAS

Os infoprodutos possuem formas de proteção multidisciplinares como já vimos anteriormente. Diferentemente dos direitos autorais, que são direitos que não precisam de registro para ter validade, as marcas precisam ser registradas para que se tornem propriedade de seu titular.

A marca é o sinal que possibilita que um produto ou serviço seja identificado no mercado. O artigo 122 da Lei 9.279/96 prevê que são suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais.

No ambiente digital a marca ganha ainda mais importância e notoriedade, pois é através dela que potenciais consumidores conseguirão identificar e distinguir um infoproduto nas ferramentas de busca disponíveis.

Neste sentido, o artigo 123, I da Lei 9.279/96 dispõe que marca de produto ou serviço é aquela usada para distinguir produto ou serviço de outro idêntico, semelhante ou afim, de origem diversa.

A marca é um ativo de muito valor, entretanto, os infoprodutores iniciantes ainda nãotêm essa percepção.

13 CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO. Disponível em: https:// www.cblservicos.org.br/registro/. Acesso em 28 de junho de 2022.

14 AUTHORA. Disponível em: https://www.authoradigital.com. br/. Acesso em 28 de junho de 2022

15 AVCTORIS. Disponível em: https://avctoris.com/. Acesso em 28 de junho de 2022.

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As pessoas que atuam no ramo de infoprodutos há mais tempo sabem que a marca é um fator decisivo na hora de se conectar com os seus consumidores e, por isso, não economizam na hora de investir na proteção desse ativo intelectual tão importante.

Como é o caso da empresa Ignição Digital, gerenciada por Érico Rocha, um empresário e infoprodutor pioneiro neste ramo.

Abaixo, é possível observar que Érico têm diversos pedidos de registro16 da marca “6 em 7” e algumas variações dela na mesma área de atuação (Classe 41):

grande aumento19 no número de marcas depositadas no Instituto Nacionalde Propriedade Industrial – INPI, órgão responsável por conduzir os processos de registro de marcas no Brasil.

Isto porque os personagens que atuam no mercado digital ainda estão aprendendo aimportância de ter uma marca registrada para proteger o nome do seu infoproduto.

Frise-se que o mercado de infoprodutos está em ascensão e as instituições de ensino “tradicionais “também estão se adaptando a essa nova realidade, como o SEBRAE20, por exemplo.

Entretanto, existe uma grande diferença entre as marcas criadas por infoprodutores independentes e pelas instituições de ensino tradicionais, visto que, enquanto os infoprodutores criam produtos sobre os mais diversos assuntos, com nomes inusitados e criativos, as instituições tradicionais não se preocupam com o aspecto da originalidade da marca, visto que utilizam termos evocativos e genéricos já gastos no mercado como no caso do curso de “Direito da Propriedade Intelectual, ofertado pela PUC Rio21.

Isto se dá porque a marca “6 em 7” é referência nacional no ramo do mercado digitale tem como público consumidor pessoas que desejam faturar R$ 100.000,00 (cem mil reais) em uma semana17, como explica o empresário Érico Rocha:

“Você passa a ser um six-figure, uma pessoa muito acima da média. O 6 em 7 é ganhar o que um six-figure ganha em um ano em uma semana. É ganhar acima de 100 mil, o que é bem mais do que o salário de um anointeiro para muitas pessoas, em 7 dias consecutivos de venda.”18

Marcas como essa surgem diariamente no mercado digital e durante a pandemia houve um

16 INPI. Disponível em: https://busca.inpi.gov.br/pePI/servlet/ MarcasServletController. Acesso em 28 de junho de 2022

17 Oliveira, Larissa. “6 em 7: o que é, principais dúvidas e 7 estratégias para alcançar”. Fevereiro.2022. Disponível em: https://herospark.com/blog/6-em-7/. Acesso em 28 de junho de 2022

18 ROCHA, Erico. “6 em 7: como você pode ganhar um ano de vendas em 7 dias”. Disponível em:https://www.ericorocha. com.br/6-em-7-o-que-e/. Acesso em 28 de junho de 2022.

Portanto, conclui-se que se um infoprodutor deseja ter um produto digital conhecido na internet, ter uma marca distintiva e registrada é fator indispensável para que ele possa atrair mais clientes e se posicionar com segurança.

PLÁGIO E CONCORRÊNCIA DESLEAL

O plágio e a concorrência desleal também estão presentes no universo dos infoprodutos e são executados das mais diversas formas.

No caso dos cursos online, os alunos podem ser

19 OLIVON, Beatriz. “Pedidos de registros de marcas bate recorde durante pandemia”. Disponível em: https://valor. globo.com/legislacao/valor-juridico/coluna/pedidos-de-registros-de-marcas-bate-recorde-d urante-pandemia.ghtml. Acesso em 28 de junho de 2022.

20 SEBRAE. “Aprenda a criar e vender infoprodutos do zero”. Disponível em: https://www.sebraepr.com.br/ comocriarevenderinfoprodutosdozero/. Acesso em 28 de junho de 2022.

21 PUC Rio. “Direito da Propriedade Intelectual”. Disponível em: https://cce.puc-rio.br/sitecce/website/website.dll/folder?nCurso=direito-da-propriedade-intelectual&nIn st=cce. Acesso em 28 de junho de 2022.

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os principais agentes violadores da propriedade intelectual. A prática mais comum nesse ramo é quando o aluno se inscreve no curso, baixa todas as aulas e materiais no seu computador e, após, disponibiliza todo o conteúdo por um valor muito inferior.

As plataformas mais utilizadas para disponibilizar os infoprodutos de forma irregular são a Shopee, Mercado Livre e Drive do Google e já temos alguns julgados que versam sobre esse assunto:

“Apelação - Direitos Autorais – Propriedade Intelectual Preliminares - Segredo de Justiça -Hipóteses legais não caracterizadas - A publicidade dosatos processuais, frente ao disposto no artigo189 do NCPC e nos arts.5º, LX e 93, IX da CF, foi eleita como uma garantia constitucional e só pode ser restrita, em caráter excepcional Precedentes desta Primeira Câmara de Direito Empresarial do TJSP doutos

Desembargadores Alexandre Lazzarinie Fortes Barbosa - Cerceamento de Defesa. Não ocorrência - Juiz é o destinatário da prova (art. 370,CPC de 2015), podendo indeferir as provas desnecessárias. Prova oral despicienda para a formação do convencimento Novo Precedente desta Primeira

Câmara de Direito Empresarial do TJSPDD

Desembargador Azuma Nishi Mérito- Instituição de ensino autora que disponibiliza cursos “online” cujas aulas são ministradas em seu próprio site e não em outra plataforma Precedente do Tribunal de Justiça de São Paulo da Relatoria do eminente

Desembargador Viviani Nicolau - Comercialização de videoaulas da autora pelo réu junto à plataforma “Mercado Livre” - Ausência de consentimento nesse sentido - Concorrência Desleal e desvio de clientela caracterizados - Necessidade de indicação dos anúncios ou “URLs” a serem removidos, em cumprimento. ao comando do art. 19 da Lei12.965/14 Outrossim, precedentes desta 1ªCâmara de Direito Empresarial Desembargadores Fortes Barbosa e Cesar Ciampolini - Danos materiais e lucros cessantes a ser fixados em liquidação de sentença nos termos dos

art. 208 e 210 da Lei nº9.279/96, observando-se o critério que lhe seja mais favorável - Danos morais “in re ipsa” - Precedente do Doutor Desembargador J.B. Franco de Godói desta Primeira Câmara Reservada de Direito Empresarial Valor de danos morais fixados de forma exagerada em primeiro grau e reduzidospara R$ 3.000,00 (três mil reais) - Recurso parcialmente provido.”22

“Apelação - Marca - Propriedade intelectual - Ação cominatória - Sentença de improcedência - Apelação do autor - Preliminar em contrarrazões de inovação de pedido em sede recursal - Inocorrência - Autor que disponibiliza curso online de sua autoria e pretende identificação dos usuários que o estão anunciando e comercializando na plataforma da ré (Mercado Livre), retirada dos anúncios e abstenção de comunicação ao usuário identificado acerca do ocorrido - Pedido de reforma integral da sentença apelada para acolhimento de sua pretensão inicial - Preliminar rejeitada - Mérito - Requerimento de registro da marca “Enriquecendo Online” junto ao INPI pendente de exame no mérito - O depósito do pedido ostenta efeitos expressivos, provocando um dever de abstenção oponível “erga omnes” e viabilizando exclusividade -Também sob o enfoque da propriedade intelectual, a proteção autoral do curso idealizado pelo autor (imaterial) autoriza a adoção de medidas para identificação de usuários que o estariam comercializando por meio de anúncios na plataforma da ré - Autor que notificou a ré para tal fim e especificou, na petição inicial, dezoito URL’s com conteúdo a ser retirado da plataforma – Cumprimento do art. 19 da lei 012.965/14 em relação aos URL’s indicados - Impossibilidade, contudo, de exclusão de outros anúncios genericamente relacionados ao autor, e de fiscalização antecipada e per-

22 TJSP - AC 1012169-48.2018.8.26.0009; Relator (a): Jane Franco Martins; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 2ª VARA EMPRESARIAL E CONFLITOS DE ARBITRAGEM; Data do Julgamento: 12/08/2021; Data de Registro: 12/08/2021

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manente de anúncios pela ré - Precedentes do C. STJ e desta E. Câmara Reservada de Direito Empresarial - Redistribuição dos ônus sucumbenciais - Sentença parcialmente reformada - Recurso Provido em Parte.23”

“APELAÇÃO CRIMINAL. VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL. ACERVO PROBATÓRIO

FIRME E COESO. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. RECURSO DESPROVIDO.

I. A confissão do réu e os depoimentos colhidos na instrução, aliado ao extrato da conta-poupança de titularidade do acusado, são aptos a sustentaro édito condenatório, porquanto hábeis a comprovar que o apelante, com o intuito de lucro, vendeu obra intelectual reproduzida com violação do direito autoral.

II. Recurso conhecido e não provido.”24

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO AGRAVADA QUE, EM AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM REPARAÇÃO DE DANOS, FUNDADA EM SUPOSTA VIOLAÇÃO DE DIREITO AUTORAL, INDEFERIU A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. “DIGITAL INFLUENCER”, AUTOR DE VIDEOAULAS E CURSOS ON-LINE, DISPONIBILIZADOS EXCLUSIVAMENTE ATRAVÉS DE SEU SITE (LUISMIRANDAUSA.COM). COMERCIALIZAÇÃO INDEVIDA DOS SEUS CURSOS, SEM QUALQUER TIPO DE AUTORIZAÇÃO OU REPASSE, ATRAVÉS DA PLATAFORMA VIRTUAL DO 1º RÉU (MERCADO LIVRE).

EMPRESA PROVEDORA DO SÍTIO ELETRÔNICO DESTINADO À COMERCIALIZAÇÃO ON LINE DE PRODUTOS OU SERVIÇOS, RECEBENDO SUA REMUNERAÇÃO NA

FORMA DE PARCELA DO PREÇO DE AQUI-

23 TJSP - AC 1054061-81.2020.8.26.0100; Relator (a): Jane Franco Martins; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível - 2ª VARA EMPRESARIAL

E CONFLITOS DE ARBITRAGEM; Data do Julgamento: 14/07/2021; Data de Registro: 16/07/2021

24 TJDFT - APELAÇÃO CRIMINAL 0002601-48.2016.8.07.0001; Relator (a): J.J. COSTA CARVALHO; Órgão Julgador: 1ª TURMA

CRIMINAL; Data do Julgamento: 02/05/2019; Data de Registro: 10/05/2019

SIÇÃO. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SEUS SERVIÇOS AO PERMITIR A VEICULAÇÃO DE ANÚNCIOS COM OFERTAS ILEGAIS, VIOLANDO AS REGRAS DE SUA PRÓPRIA POLÍTICA DE RESTRIÇÃO. HIPÓTESE EM QUE NÃO SE TRATA DE SÍTIO ELETRÔNICO DE BUSCAS NA INTERNET OU DE RELACIONAMENTO SOCIAL. NECESSIDADE DE CONTROLE SOBRE OS PRODUTOS E SERVIÇOS OFERECIDOS AO PÚBLICO CONSUMIDOR EM GERAL, NO QUE TANGE À LEGALIDADE DE SUA COMERCIALIZAÇÃO, PORQUANTO A EMPRESA DEMANDADA OBTÉM A SUA REMUNERAÇÃO COM BASE NO ÊXITO DE CADA OPERAÇÃO DE VENDA. VIOLAÇÃO DO DIREITO AUTORAL. OBRIGAÇÃO DO PROVEDOR DE CESSAR O DANO APÓS A DENÚNCIA RECEBIDA. PREJUÍZO EVIDENTE QUE SE AGRAVA COM O DECURSO DO TEMPO. PRESENÇA, NO CASO CONCRETO, DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DA CONCESSÃO PARCIAL DA TUTELA DE URGÊNCIA. ART. 300 DO CPC/2015. ART. 19,

§4º, DA LEI DO MARCO CIVIL DA INTERNET - LEI Nº 12.965, DE 23 DE ABRIL DE 2014. PARCIAL PROVIMENTO DO RECURSO.”25

“APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. MERCADO LIVRE. EXPOSIÇÃO À VENDA DE CURSO POR USUÁRIO DA PLATAFORMA RÉ SEM AUTORIZAÇÃO DO AUTOR. VIOLAÇÃO A DIREITOS AUTORAIS. NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL PARA EXCLUSÃO DA OFERTA. INÉRCIA DA DEMANDADA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA FACE A AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO LOCALIZADOR URL. MANUTENÇÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA. IRRESIGNAÇÃO DAS PARTES.

PRELIMINAR. NULIDADE DA DECISÃO POR AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO JUDICIAL (ART. 489, I, DO CPC). APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ART. 282, § 2º, CPC. MÉRITO FAVORÁVEL AO RECORRENTE. ANÁLISE

25 TJRJ - AGRAVO DE INSTRUMENTO 001119720.2018.8.19.0000; Relator (a): MAURO PEREIRA MARTINS; Órgão Julgador: DÉCIMA TERCEIRA CÂMARA CÍVEL; Data do Julgamento: 06/06/2018; Data de Registro: 08/06/2018

136

DA PREFACIAL DISPENSADA.

MÉRITO. NÚMERO DOS ANÚNCIOS DEVIDAMENTE IDENTIFICADOS NA DENÚNCIA

ADMINISTRATIVA REALIZADA PELO AUTOR À RÉ. EXCLUSÃO DAS OFERTAS NÃO EFETIVADA. VIOLAÇÃO A DIREITOS AUTORAIS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS USUÁRIOS E DA REQUERIDA NOS

TERMOS DO ART. 104 DA LEI N. 9.610/1998. INTELIGÊNCIA DO ART. 31 DA LEI DO MARCO CIVIL DA INTERNET. DEVER DE EXCLUSÃO DOS ANÚNCIOS E DE INDENIZAR O SUPLICANTE PELOS PREJUÍZOS EXPERIMENTADOS. EXEGESE DOS ARTS. 186 E 927 DO CÓDIGO CIVIL. REFORMA DA SENTENÇA.

ORDEM JUDICIAL LIMINAR DE EXCLUSÃO DOS ANÚNCIOS CONSIDERADA GENÉRICA PELA RÉ. TESE ACOLHIDA. COMANDO QUE DEVE SER RESTRITO AOS ANÚNCIOS INDEVIDOS E IDENTIFICADOS NA INICIAL E AO LONGO DO PROCESSO. SENTENÇA AJUSTADA NO PONTO.

DANO MATERIAL. VENDAS INDEVIDAS DE CURSO. VALORES NÃO RECEBIDOS PELO

DEMANDANTE, TITULAR DO DIREITO AUTORAL E DO DIREITO EXCLUSIVO DE COMERCIALIZAÇÃO. PREJUÍZO EVIDENTE. APURAÇÃO DO QUANTUM POSTERGADA PARA A FASE DE LIQUIDAÇÃO.

ABALO MORAL. AUTOR CRIADOR DE CURSO ONLINE. TRABALHO QUE EXIGIU ESFORÇO PRÓPRIO, TRABALHO INTELECTUAL, GRAVAÇÕES DE VÍDEO-AULAS, EDIÇÕES E MARKETING. VENDA DO PRODUTO SEM SUA AUTORIZAÇÃO E EM VALOR CORRESPONDENTE A 10% AO PREÇO DEFINIDO. DESCASO DA DEMANDADA APÓS DENÚNCIA DA INFRAÇÃO PELO USUÁRIO DE SUA PLATAFORMA.

PERTURBAÇÕES QUE EXTRAPOLARAM O MERO ABORRECIMENTO. DANO MORAL EVIDENCIADO. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. QUANTUM INDENIZATÓRIO. VERBA FIXADA EM QUANTIA HARMONIZADA COM AS CIRCUNSTÂNCIAS

SUB EXAMINE, GUARDANDO O NECESSÁRIO CARÁTER PEDAGÓGICO E INIBIDOR AO CASO CONCRETO. OBSERVÂNCIA DOS CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE.

ENCARGOS SUCUMBENCIAIS. ALTERAÇÃO DO JULGADO NESTA INSTÂNCIA. REDISTRIBUIÇÃO NECESSÁRIA. CONDENAÇÃO DA REQUERIDA AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

RECURSO DA RÉ CONHECIDO E PROVIDO. RECLAMO DO AUTORCONHECIDO E PROVIDO.”26

Esse tipo de prática, embora comum, pode ser combatida pelas plataformas de hospedagem e os infoprodutores que, por sua vez, precisam entender a importância de estabelecer contratos e regras específicas sobre a utilização dos produtos digitais.

CONTRATOS

Todas as relações são beneficiadas quando são pautadas por contratos bem redigidos, e no mercado de infoprodutos não é diferente.

Os contratos são ferramentas importantes na hora de um infoprodutor contratar uma agência para fazer a divulgação do seu e-book, ou quando um aluno compra um curso online e não sabe quais são os limites de uso do material fornecido.

O artigo 4º da Lei 9.610/98 prevê que se interpretam restritivamente todos os negócios jurídicos que versem sobre os direitos autorais, por isso, na hora de comercializar um produto digital, ter um contrato estabelecendo todas as regras da relação é uma vantagem que deve ser aproveitada.

No mais, estabelecer contratos com todos os envolvidos na cadeia de produção, divulgação e consumo do infoproduto é um ato de cuidado e

26 TJSC – Apelação nº 0300824-45.2017.8.24.0033; Relator (a): Luiz Felipe Schuch; 4ª Câmara de Direito Civil; Data do julgamento: 27/01/2022; Data de Registro: 04/02/2022

137

evita problemas futuros.

É no contrato que deverá estar estabelecido quais são os direitos e obrigações das partes, bem como a quem pertence os direitos autorais morais e patrimoniais, direitos e formas de utilização da marca, sigilo, não concorrência e outros aspectos que promovam a proteção de todos os personagens envolvidos, bem como de todoo conteúdo intelectual do infoproduto.

Portanto, utilizar-se de todos os meios disponibilizados para manter a proteção de um produto digital é o melhor caminho para mantê-lo seguro e bem posicionado no mercado.

4. A PROTEÇÃO DOS DADOS DOS CONSUMIDORES

Por se tratar de uma área ainda em desenvolvimento e, portanto, pouco estudada, o mercado de infoprodutos ainda é pautado em algumas práticas que podem ser consideradas abusivas, principalmente depois que a Lei Geral de Proteção de Dados27 entrou em vigor em setembro de 2020.

A Lei Geral de Proteção de Dados (13.709/2018) tem como principal objetivo proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural28

LEADS29

Uma das principais formas de coleta de dados na internet é através do oferecimento de iscas digitais30, que são formas de captação de da-

27 BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/ l13709.htm>. Acesso em: 30 de junho de 2022

28 Ministério Público Federal. “O que é a LGPD?”. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/servicos/lgpd/o-que-e-a-lgpd#:~:text=A%20Lei%20Geral%20de%20

Prote%C3% A7%C3%A3o,da%20personalidade%20da%20pessoa%20natural. Acesso em 28 de junho de 2022

29 PATEL, Niel. “Marketing de Conteúdo: O Que É e Como Fazer em 2021”. Disponível em: https://neilpatel.com/br/o-que-e-marketing-de-conteudo-o-guia-passo-a-passo/ Acesso em 28 de junho de 2022.

30 VERSIANI, Rafael. “10 ideias de iscas digitais para você

dos pessoais de potenciais clientes através do oferecimento de algum conteúdo que promete grande transformação ao consumidor, também conhecido como conteúdo de valor31 na áreado marketing digital.

Em troca desse conteúdo que, muitas vezes pode vir em forma de descontos, videoaulas ou e-books gratuitos, as pessoas oferecem seus dados e, a partir deste momento, se tornam leads:

Lead, em marketing e vendas, é uma oportunidade de negócio que deu informações de contato, como nome e email, em troca de uma oferta da empresa (como um e-book). Como um Lead demonstrou interesse no seu segmento, provavelmente gostaria de ouvir mais sobre o produto ou serviço em um momento adequado32.

Portanto, ao disponibilizar algumas informações pessoais, ao invés de apenas receber o “bônus” que esperavam, os leads começam a receber propagandas por meio de e-mails, mensagens no WhatsApp e até ligações periódicas com o intuito de vender algum produto ou serviço de valor mais elevado oferecido por aquele infoprodutor que deixou a isca digital anteriormente.

CONSENTIMENTO E TRATAMENTO DE DADOS

O consentimento do titular dos dados deve ser manifestado de forma livre e inequívoca e é elemento essencial para o seu tratamento, que só poderá ocorrer nashipóteses previstas no artigo 7º da LGPD.

No mercado de infoprodutos, no entanto, por desconhecimento da lei ou, em alguns casos, intencionalmente, a devida atenção ao tratamento de dados dos consumidores e a anuência inequívoca destes para tal tratamento acabam não sendo observadas da forma adequada.

capturar muito mais leads”. Disponível em: https://enotas. com.br/blog/iscas-digitais/. Acesso em 28 de junho de 2022. 31 Digital House. “Como criar conteúdo de valor? Saiba as principais estratégias e os erros mais comuns nesse processo.”. Disponível em: https://www.digitalhouse.com/br/blog/ como-criar-conteudo-de-valor/. Acesso em 28 de junho de 2022.

32 Resultados Digitais. “O que é um Lead? Entenda para que serve a gestão de Leads e como o seu negócio ganha com isso”.Disponível em: https://resultadosdigitais.com.br/marketing/leads/. Acesso em 28 de junho de 2022.

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Neste sentido, o artigo 5º, XII, da LGPD, é bem específico ao afirmar que a manifestação de consentimento do consumidor para o tratamento de seus dados e informações, é dado para que tal tratamento atenda uma finalidade determinada33, o que acaba sendo bem diferente do que ocorre neste mercado.

Na prática, aquilo que, a princípio, parece apenas uma pequena formalidade aos olhos tanto de infoprodutores quanto de seus consumidores, transforma-se abusivae ilícita aos olhos da LGPD, pois os consumidores, de boa-fé, acabam tendo dados e informações particulares fornecidos a terceiros e, desta forma, tendo sua privacidade violada.

Assim sendo, cabe afirmar que o mercado de infoprodutos deveria se autorregular, por intermédio dos infoprodutores, de seus consumidores e, principalmente, por aqueles que assistem profissionalmente este mercado e que detêm conhecimento o suficiente para adequar, à luz da LGPD, a forma como dados e informações pessoais são tratados.

CONCLUSÃO

É evidente que o mercado dos infoprodutos ainda é muito recente e, por isso, ainda não há nenhuma regulamentação específica consolidada neste sentido.

De acordo com a análise feita no presente artigo, foi possível observar que a Propriedade Intelectual faz parte de toda a jornada de produção, comercialização e distribuição dos infoprodutos, seja na escolha da marca, na gravação de videoaulas, podcasts ou na disponibilização de materiais escritos.

Em relação a proteção de dados também ficou evidente que é urgente e necessário um comprometimento dos infoprodutores em utilizar ferramentas éticas e objetivasna hora de cole-

33 FRAZAO, Ana. “Nova LGPD: principais repercussões para a atividade empresarial” Disponível em: https://www.jota. info/opiniao-e-analise/colunas/constituicao-empresa-e-mercado/nova-lgpd-principais-r epercussoes-para-a-atividade-empresarial-29082018. Acesso em 28 de junho de 2022.

tar os dados de seus consumidores. Embora a internet transmita a sensação de informalidade e falta de regras, isso não condiz com a realidade, inclusive, os julgados trazidos neste artigo demonstram exatamente o oposto e que ainda há um longo caminho a ser percorrido.

Não há como pegar um atalho e prever o que irá acontecer nesse mercado ainda em expansão, pois apenas as experiências serão capazes de trazer diferentes perspectivas a serem analisadas.

Este trabalho tem o objetivo de apontar uma tendência que já faz parte da nossa realidade e não esgota todas as possibilidades que podem surgir dessas relações.

Por isso, o estudo do mercado de infoprodutos deve continuar, de modo que os infoprodutores adquiram o conhecimento necessário para proteger seus produtos digitais dentro dos parâmetros previstos na legislação vigente.

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A PROTEÇÃO AUTORAL VITALÍCIA DE HERDEIROS DURANTE A VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.610/1998

O presente artigo visa a verificar se a proteção de obras intelectuais por prazo equivalente a toda a vida de sucessores específicos (pais, filhos e cônjuge) de autores falecidos entre dezembro de 1958 e junho de 1998 prevista pela legislação autoral brasileira anterior pode ser considerada válida e aplicável sob a égide da legislação autoral em vigência (Lei nº 9.610/1998). Embora pouco discutida pela doutrina, trata-se de questão complexa e relevante no cenário autoral brasileiro, considerando o longo período em que a referida proteção vitalícia permaneceu em vigor. Inicialmente, analisaremos a definição de domínio público e os fundamentos que justificam a sua existência. Em seguida, verificaremos aevolução da legislação autoral brasileira e o panorama legislativo atual quanto aos critérios adotados para determinar o prazo de proteção autoral de uma obra, analisando, nesse ínterim,o denominado “direito vitalício” de herdeiros, conforme o Código Civil de 1916 e a Lei nº 5.988/1973. Finalmente, com base nas previsões constitucionais e legais, bem como emensinamentos doutrinários, estudaremos os institutos do direito adquirido e da (ir)retroatividade de normas buscando compreender se o direito vitalício conferido a certos herdeiros de autores falecidos entre o período acima referido é aplicável ou não sob a égide daLei nº 9.610/1998 ou se esta última deve prevalecer em nome da função social do domínio público e do direito autoral.

Palavras-chave

Domínio Público - Direito Adquirido - (Ir)retroatividade de Normas - Função Social do Direito

Juliana Ribeiro De Mattos Perissinotto

Especialização em Propriedade Intelectual, Direito do Entretenimento, Mídia e Moda – ESA – OAB/SP.

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INTRODUÇÃO

Ao ingressar em domínio público, uma obra intelectual deixa de ser objeto de apropriação exclusiva de seu autor, titular ou respectivos sucessores1. Com efeito, o estudo do domínio público mostra-se indispensável à própria essência do direito autoral, na medida em que, se, por um lado, a lei deve assegurar a autores, titulares e respectivos sucessores o direito exclusivo e temporário de explorar uma obra intelectual, por outro, deve atender o interesse de toda a coletividade ao acesso de obras intelectuais sem que qualquer autorização ou pagamento sejam necessários.

Nesse contexto, o Código Civil Brasileiro de 1916 previa que os herdeiros e sucessores de autores de obras intelectuais gozariam do direito sobre estas pelo prazo de 60 anos contados a partir da morte do autor. Em 1958, a Lei nº 3.447 alterou o referido diploma legal para prever que diante da morte do autor caso este deixasse herdeiros que fossem seus filhos, pais ou cônjuge, não se aplicaria o prazo acima e a proteção sobre a obra se extinguiria somente após a morte dos referidos sucessores. A Lei nº 5.988/1973 incorporou esta regra, que apenas foi revogada com o início da vigência da Lei nº 9.610/1998 em junho de 1998.

Com efeito, o objeto do presente estudo é averiguar se a proteção de obras intelectuais por prazo equivalente a toda a vida de sucessores específicos de autores falecidos entre dezembro de 1958 e junho de 1998, ainda que já revogada, pode ser considerada como válida e aplicável sob a égide da Lei nº 9.610/1998, que prevê como regra geral o prazo de proteção autoral de 70 anos contados de 1º de janeiro do ano subsequente ao da morte do autor.

Trata-se de conflito de normas no tempo que, além da análise do panorama legislativo atual e pretérito autoral no que concerne ao domínio

1 Autor é a pessoa física que cria uma obra literária, artística ou científica (art. 11, Lei nº 9.610/1998), sendo o titular originário dos direitos sobre a referida obra. O titular derivado de direitos autorais pode ser uma pessoa física ou jurídica, seja por tê-lo adquirido pela via contratual ou pela via sucessória (diante do falecimento do autor). (ABRÃO, Eliane Yachou. Direitos de autor e direitos conexos. São Paulo: Ed. do Brasil, 2002, p. 3).

público, requer a compreensão dos institutos do direito civil do direito adquirido e da (ir)retroatividade das leis,todos estes a serem abordados no presente trabalho.

Embora seja pouco tratada pela doutrina, a elucidação desta questão é de grande importância, tendo em vista que a regra da proteção vitalícia conferida a certos herdeiros permaneceu válida por quase 40 anos.

Vejamos o caso de Elis Regina, falecida em 1982 deixando 3 filhos: Maria Rita, Pedro Mariano e João Marcelo Bôscoli. Seguindo a regra geral da Lei nº 9.610/1998, o conjunto da sua obra entraria em domínio público2 a partir de 2053. Todavia, pela regra de proteção autoral vitalícia a herdeiros estabelecida pela Lei nº 5.988/1973, vigente à época de sua morte, esse conjunto não “cairia” em domínio público antes do falecimento de seus 3 filhos. Maria Rita, a caçula, nasceu em 1977. Caso viva até os 100 anos de idade, a obra desua mãe estaria sob apropriação exclusiva até 2077.

Neste exemplo, aplicar a regra da proteção vitalícia aos herdeiros implicaria em “prazo adicional de exclusividade autoral” de 14 anos, o que, de um lado, beneficiariafinanceiramente os herdeiros, editoras, gravadoras ou quem quer que controle os direitos autorais da cantora e, de outro, geraria um negativo efeito cultural, criativo e educativo em razão do retardamento da devolução da obra à sociedade.

Nesse contexto, considerando ainda os prazos e critérios de proteção autoral estabelecidos pela nossa legislação atual, o presente artigo buscará analisar a viabilidade da concessão da exclusividade autoral por toda a vida de um sucessor longevo do autor, tanto sob a perspectiva do direito adquirido, quanto da função social do domínio público e do direito autoral.

1. DOMÍNIO PÚBLICO: DEFINIÇÃO

E FUNDAMENTOS

O domínio público é definido por Sérgio Branco

2 Estamos considerando obras musicais compostas por Elis Regina individualmente.

145

como “o conjunto de obras cujo prazo de proteção por direitos autorais já tenha expirado”34, proteção esta que se inicia tão logo à criação da obra5 e que se encerra de acordo com as regras, prazos e critérios adotados pela legislação autoral em vigor de cada território. Tendo em vista a natureza jurídica dualista dos direitos autorais6, são os direitos patrimoniais de autor que se sujeitam ao domínio público, justamente por possibilitarem a exploração econômica exclusiva da obra por período determinado, ao término do qual se extinguem.

José Oliveira de Ascensão, por sua vez, adota definição mais ampla ao afirmar que o “domínio público há quando a obra não está sob apropriação exclusiva de ninguém. Consequentemente, estariam no domínio público as obras que todos podem usar sem autorização”7. Para o autor, “o domínio público abrange todo o acervo de obras intelectuais comuns a todos e utilizáveis por todos” e não apenas as obras cujo prazo de proteção de direitos patrimoniais de autor tenham expirado8

Dessa forma, e com base na legislação autoral atualmente em vigor no Brasil (Lei nº 9.610/1998), Ascensão9 explica que também pertencem ao domínio público as (i) obras de autor desconhe-

3 BRANCO, Sérgio. O Domínio Público no Direito Autoral Brasileiro – Uma Obra em Domínio Público. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Juris, p. 57

4 Quando falamos em prazo de proteção autoral, estamos nos referindo ao período em que o titular ou detentor dedireitos de uma obra pode explorá-la com exclusividade.

5 A legislação autoral brasileira não exige o registro para que uma obra intelectual seja considerada como protegida (cf. art. 18 da Lei nº 9.610/1998 e art. 17 da Lei nº 5.988/1973)

6 A natureza jurídica dos direitos autorais é dualista, dividindo-se em direitos de ordem moral (extrapatrimonial) e, de outro, direitos de ordem patrimonial. Os primeiros são inerentes à pessoa física do autor e visam vinculá-lo à sua criação, sendo irrenunciáveis, inalienáveis e indisponíveis, enquanto os segundos concernem à exploração econômica da obra, isto é, o seu uso, fruição e disposição. (ABRÃO, 2002, p. 2 e p. 70)

7 ASCENSÃO, José de Oliveira. A Questão Do Direito Público

In: Estudos De Direito De Autor E InteressePúblico. Coordenadores: Marcos Wachowicz e Manoel J. Pereira dos Santos. p. 28-33. Disponível em https://www.gedai.com.br/wp-content/ uploads/2018/08/LIVRO_Estudos-de-Direito-de-Autor-e-Interesse- P%C3%BAblico_-Anais-II-CODAIP.pdf. Florianópolis, Fundação Boiteux, 2008, Acesso em 06.03.2022, p. 18-19.

8 ASCENSÃO, loc. sit.

9 ASCENSÃO, loc. sit.

cido e que não venha a ser revelado durante o prazo de proteção autoral; (ii) as criações intelectuais que não são objeto de apropriação exclusiva por determinação legal10 e

(iii) obras que “nunca gozaram de proteção autoral, como sejam aquelas que foram criadas antes de ser estabelecido exclusivo autoral”.11

Em linhas gerais, as obras que pertencem ao estado do domínio público não são objeto de exploração exclusiva de seus autores ou dos titulares que os sucedem, podendo ser compartilhadas com toda a sociedade, que poderá utilizá-las independentemente de qualquer licença perante os autores ou titulares, respeitando-se, entretanto, os direitos morais de autor da integridade e a autoria da obra, nos termos da lei12.

Assim, diferentemente das formas convencionais de propriedade, a proteção conferida a direitos autorais é limitada pelo tempo, o que se justifica pela necessidade de restituição à sociedade de um direito que ela mesmo contribuiu para existir. Afinal, a obra é fruto do meio em que o autor vive13.

Com base nessa premissa, a compreensão da função exercida pelo domínio público e das regras que levam uma obra a esta condição jurídica demanda a análise de duas perspectivas distintas: de um lado, o interesse individual e privado do autor ou titular de direitos autorais. De outro, o interesse público da sociedade na maior circulação de obrasculturais.

Pela primeira, a proteção dos direitos autorais é

10 O art. 8º da Lei nº 9.610/1998 apresenta de forma taxativa os conteúdos intelectuais que não podem ser objeto de apropriação autoral exclusiva e, portanto, não se revestem de proteção autoral (a título de exemplo: ideias, métodos, conceitos, formulários, tratados, decisões, etc).

11 Sérgio Branco possui o mesmo entendimento quanto às obras criadas anteriormente à previsão legal deproteção autoral, afirmando que não há obra protegida enquanto não houver previsão legal: “os direitos autorais são criação da lei, consistindo em monopólio conferido pelo legislador a seu autor ou a quem este designar”. (BRANCO, 2011, p. 215)

12 Conforme Eliane Y. Abrão: “mesmo caindo em domínio público, a obra publicada no Brasil continua tendo a sua integridade e autoria asseguradas pelo Estado nos termos do §2º do art. 24 [da Lei 9.610/1998]” (ABRÃO, 2002, p. 73)

13 ABRÃO, 2002, p. 24

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conferida ao autor ou ao titular de uma obra intelectual como um privilégio temporário, com o intuito de incentivar a criação e a originalidade do autor14, bem como de assegurar a subsistência de seus herdeiros e sucessores em caso de seu falecimento e, especialmente quanto a grupos empresariais titulares de direitos autorais, como forma de recompensa aos investimentos aportados para a criação da obra15

Já pela segunda, o domínio público de obras intelectuais fundamenta-se no interesse público pela difusão da cultura e do conhecimento, com base no direito ao acesso, criação, educação e informação, visando, de um modo geral, o desenvolvimento cultural do país.

No Brasil, permite-se o uso livre de obras que integram o domínio público, porém,é preciso cautela na análise das condições que determinam a extinção dos direitos patrimoniais de autor, sendo preciso averiguar, em cada caso específico, a data de falecimentodo autor, a existência de um ou mais autores na criação de uma obra, o tipo de obra intelectualem questão e, especialmente, a existência de eventuais herdeiros do autor ou autores.

2. EVOLUÇÃO E PANORAMA LEGISLATIVO BRASILEIRO ACERCA DA CONTAGEM DO PRAZO DE PROTEÇÃO AUTORAL

Com a evolução e a sucessão de leis regulando a matéria autoral no ordenamento jurídico brasileiro, os critérios e parâmetros adotados para o cômputo do prazo máximo pelo qual uma obra intelectual pode ser explorada exclusivamente pelo seu autor ou titular foram alterados (como veremos a seguir), sem, contudo, modificar a definição e tampouco a função exercida pelo domínio público.

14 CHAVES, Antônio. Direitos de Autor – Princípios Fundamentais. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1987 (apud BRANCO, 2011, p. 59)

15 FULIARO, Ana Paula. A sucessão em direito de autor: aspectos morais e patrimoniais. Direitos Autorais – Estudos em Homenagem a Otávio Afonso dos Santos. São Paulo. Ed: Revista dos Tribunais, 2007. P. 15 (apud BRANCO, 2011, p. 59 e 60)

2.1. Da Lei Medeiros e Albuquerque (Lei nº 496/1848) à Lei nº 5.988/1973

A Lei nº 496/1898, chamada de “Lei Medeiros e Albuquerque”, foi a primeira a regular direitos autorais no Brasil, estabelecendo como prazo geral de proteção autoral 50 anos contados da data de publicação da obra1617. A referida lei apenas foi revogada pelo Código Civil de 1916, pelo que Eduardo Pimenta destaca que “se a obra foi publicada no último dia da vigência da Lei 496/1898, ela cairia em domínio público em 1966” (ou seja,após decorridos 50 anos de 1916)18.

Já o Código Civil Brasileiro de 1916 não apenas aumentou o referido prazo como alterou o seu marco inicial ao estabelecer, no §1º do seu art. 649, regra única segundo a qual herdeiros e sucessores de autores de obras intelectuais gozariam dos direitos sobre estas pelo prazo de 60 anos contados a partir da morte do autor19. Além disso, o referido diploma legal introduziu a regra segundo a qual a obra “cairia” no estado de “domínio comum” as obras de autores que morressem sem deixar herdeiros.

Em 1958, contudo, a Lei nº 3.447 alterou o Código Civil de 1916 para prever, adicionalmente às regras acima, que diante da morte do autor, caso este (i) não deixasse herdeiros ou sucessores até

16 BRANCO, 2011, p. 215

17 Art. 3º da Lei 496/1898: “O prazo da garantia legal para os direitos enumerados no art. 1º é: 1º. para afaculdade exclusiva de fazer ou autorisar a reproducção por qualquer fórma, de 50 annos, a partir do dia 1 de janeiro do anno em que se fizer a publicação; 2º, para a faculdade exclusiva de fazer ou autorisar traduções, representações ou execuções, de 10 annos, a contar, para as traducções da mesma data acima prescripta, para asrepresentações e execuções, da primeira que se tiver affectuado com autorisação do autor”. (BRANCO, loc. cit.)

18 PIMENTA, Eduardo. Princípios de Direitos Autorais – Livro I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004 p. 323 (apud BRANCO, loc. cit.)

19 Em 1922, o Brasil aderiu à Convenção de Berna, tratado multilateral que regula sobre a proteção literárias e artísticas. Assim, deve observar os prazos mínimos de proteção autoral ali estabelecidos, sendo o prazo padrão50 anos contados do 1º de janeiro do ano subsequente ao da morte do autor, conforme o art. 7 da Convenção de Berna. OMPI - Organização Mundial da Propriedade Intelectual. Guia da Convenção de Berna Relativa à proteção das Obras Literárias e Artísticas (Acta de Paris, 1971);

Genebra: OMPI, 1980, disponível em https://www.wipo.int/edocs/pubdocs/pt/copyright/615/wipo_pub_615.pdf. Acesso em 05.06.2022.

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o 2º grau, a obra entraria no “domínio comum”; ou (ii) deixasse herdeiros que fossem seus filhos, pais ou cônjuge, a proteção da obra seria extinta somente após a morte dos últimos:

Art. 649. Ao autor de obra literária, científica ou artística pertence o direito exclusivo de reproduzi-la.§ 1º Os herdeiros e sucessores do autor gozarão dêsse direito pelo tempo de 60 (sessenta) anos, a contar do dia de seu falecimento.§ 2º Se morrer o autor, sem herdeiros ou sucessores até o 2º grau, a obra cairá no domínio comum.§ 3º No caso de caber a sucessão aos filhos, aos pais ou ao cônjuge do autor,não prevalecerá o prazo do § 1º e o direito só se extinguirá com a morte do sucessor. (Grifos Nossos)

Assim, os herdeiros e sucessores de autores passaram a ter tratamento distinto a depender de sua posição na linha sucessória: enquanto pais, filhos e cônjuge poderiam explorar com exclusividade as obras do autor falecido enquanto permanecessem vivos, herdeiros de 2º grau poderiam usufruir deste direito pelo prazo de 60 anos contados do falecimento do autor e herdeiros a partir do 3º grau sequer teriam direito à exploraçãoexclusiva das obras.

Com a publicação da Lei de Direitos autorais de 1973 (Lei nº 5.988), manteve-seo tratamento distinto a herdeiros, à medida em que aqueles de 1º grau em ascendência ou descendência e os cônjuges continuaram sendo beneficiados com o direito vitalício de proteção autoral20, enquanto que os demais herdeiros (abrangidos desta vez os herdeiros além do 2º grau) foram contemplados com o prazo de 60 anos contados a partir do primeiro dia do ano seguinte ao de falecimento do autor para obras em geral ou do primeiro dia do ano seguinte ao da conclusão da obra para as obras cinematográficas, fotográficas ou de arte aplicada21:

20 Ressalta-se que este direito é vitalício não apenas com relação à vida do autor, mas também à vida dos herdeiros de 1º grau e cônjuge.

21 Destaca-se que a Lei nº 5.899/1973 foi a primeira a introduzir no direito brasileiro parâmetros distintos para a contagem do prazo de domínio público, variando conforme: (i) o tipo de

Art. 42, Lei nº 5.988/1973. Os direitos patrimoniais do autor perduram por toda sua vida. § 1º Os filhos, os pais, ou o cônjuge gozarão vitaliciamente dos direitos patrimoniais do autor que se lhes forem transmitidos por sucessão mortos causa. § 2º Os demais sucessores do autor gozarão dos direitos patrimoniais que este lhes transmitir pelo período de sessenta anos, a contar de 1º de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento. (Grifos nossos)

Enquanto permaneceu vigente, não havia dúvidas quanto à validade do “direito vitalício” conferido a certos herdeiros, tanto é que em 1964 o Supremo Tribunal Federal determinou a sua aplicação com relação à obra de Eça de Queiroz, já que à época da publicação da Lei nº 3.447/1958 dois filhos do autor português ainda estavam vivos:

Direitos autorais, no Brasil, relativos a obras de Eça de Queiroz. Aplicação da lei brasileira, em face do disposto da Convenção de Berna e na Convenção especial entre Brasil e Portugal. Em face da vigente Lei 3.447, de 23 de outubro de 1958, que modificou o art. 649 do Código Civil, a obra só cai no domínio comum: 1) se o autor morre sem deixar herdeiros ou sucessores mas que não sejam filhos, pais ou cônjuge; 2) sessenta anos após a morte do autor sem deixar tais herdeiros ou sucessores mas que não sejam filhos, pais ou cônjuge; 3) deixando um ou mais destes, quando morrer o último. Ora, existem dois filhos vivos de Eça de Queiroz e é indubitável a aplicação da Lei 3.447, e os benefícios, pois as obras do escritor, pelo Código Civil, só cairiam em domínio comum em 1960 (Eça faleceu em 1900) e aquela lei veio antes, em 1958 22 (Grifos Nossos)

obra; (ii) a existência de coautores; (iii) a forma de publicação (se em anonimato, sob pseudônimo ou não)

22 STF - SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Recurso Extraordinário 55.183, Tribunal Pleno, rel. Min. Luis Galotti, transcrição da parte inicial da ementa, DJ 2-7-1964, p.02140 (apud COSTA NETTO, José Carlos.Direito autoral no Brasil. 3ª Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019, p. 121-122)

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Tal regra, entretanto, não foi incorporada pela Lei nº 9.610/1998, que também aumentou em 10 anos os prazos de proteção autoral e estabeleceu de forma clara parâmetros para a contagem da proteção de obras, conforme veremos a seguir.

2.2. Marca

Pelo art. 45 da Lei nº 9.610/1998, “pertencem” originalmente ao domínio público as obras intelectuais cujos autores sejam desconhecidos, incluindo obras folclóricas, mas excetuando-se a proteção legal aos conhecimentos étnicos e tradicionais (inciso II do art. 45) e“caem” em domínio público as obras cujo prazo de proteção tenha decorrido ou as obras cujo autor tenha falecido sem deixar herdeiros (inciso I do art. 45)23.

Com efeito, o art. 41 da Lei nº 9.610/1998 determina como prazo padrão de vigência dos direitos autorais patrimoniais no Brasil o período de 70 anos contados a partir da data de 1º de janeiro do ano subsequente ao da morte do autor (em se tratando de uma obra de autoria de um único autor)24.

Ressalta-se que após a morte do autor e até o término do prazo de proteção legal da obra, os direitos patrimoniais a esta inerentes serão exercidos pelos herdeiros de acordo com a ordem sucessória estabelecida pelo art. 1.829 do Código Civil: “descendentes e cônjuge sobreviventes, ascendente e cônjuge, cônjuge sobrevivente não havendo descendentes, ecolaterais”25.

Com relação às obras póstumas, o parágrafo único do art. 41 da Lei nº 9.610/199826 também estabelece como prazo de proteção 70 anos contados a partir do 1º de janeiro do ano subsequente ao do falecimento. Isto é, “se uma obra de autor falecido for publicada no décimo ano de sua morte, a obra terá sessenta anos (restantes) de proteção”27, conforme explica Eliane Y. Abrão.

23 ABRÃO, 2002, p. 148

24 Art. 41 da Lei nº 9.610/1998: Os direitos patrimoniais do autor perduram por setenta anos contados de 1° dejaneiro do ano subsequente ao de seu falecimento, obedecida a ordem sucessória da lei civil.

25 ABRÃO, 2002, p. 136.

26 Cf. Art. 41, parágrafo único, Lei nº 9.610/1998.

27 ABRÃO, loc. cit.

Nas obras indivisíveis realizadas em coautoria28, o período de proteção é de 70 anos computados a partir de 1º de janeiro do ano subsequente ao da morte do último dos coautores sobreviventes, nos termos do Artigo 42 da Lei nº 9.610/1998.29

Isto significa que se ao menos um dos coautores de obra indivisível não houver falecido há mais de 70 anos, a proteção autoral permanecerá vigente. Nesta hipótese, todos os valores decorrentes de sua exploração econômica continuarão sendo devidos a todos os seus titulares, inclusive aos que já tiverem falecido há mais de 70 anos, neste caso, através de seus herdeiros ou sucessores, conforme o parágrafo único do Art. 42 da Lei nº 9.610/199830

Todavia, conforme ensina Eliane Y. Abrão, caso um dos coautores da obra indivisível faleça sem deixar herdeiros ou sucessores, os seus direitos serão acrescidos aos dos autores sobreviventes, mas não aos herdeiros destes.31

Com relação às obras divisíveis em coautoria32, os prazos de proteção autoralserão computados separadamente com relação à cada criação, pelo fato de poderem ser consideradas como obras isoladas que fazem parte de uma obra comum. Por essa razão, uma das obras que constitui a obra comum pode cair em domínio público enquanto a outra permanece protegida pelo direito autoral.

Tratando-se de obras publicadas sob o anonimato ou sob a forma de pseudônimo (por intenção do próprio autor), o art. 43 da Lei nº 9.610/1998 prevê o prazo de proteção autoral de 70 anos contados de 1º de janeiro do ano subsequente ao de sua publicação33. Porém, caso a identidade do autor venha a ser revelada antes da expiração do prazo definido pelo referido art. 43, o

28 Obras indivisíveis em coautoria são obras criadas em conjunto por dois ou mais autores, em que não é possíveldiferenciar a contribuição de cada autor para a sua elaboração.

29 Cf. Art. 42, Lei nº 9.610/1998.

30 Cf. Art. 42, Parágrafo único, Lei nº 9.610/1998

31 ABRÃO, 2002, p. 136.

32 Obras divisíveis em coautoria são obras constituídas pela conjunção de criações individuais de dois ou mais autores e podem ser exemplificadas por obras lítero-musicais cuja letra foi criada por um autor e a melodia por outro.

33 Cf. Art. 43, Lei nº 9.610/1998.

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período de proteção da obra passará a ser calculado nos termos daregra padrão estabelecida pelo art. 41 da Lei nº 9.610/1998.

Quanto às obras fotográficas e às obras audiovisuais, o art. 44 da Lei nº 9.610/199834 prevê prazo específico de proteção autoral: 70 anos contados de 1º de janeiro do ano subsequente ao da divulgação inicial de tais obras. Destaca-se que tal prazo é computado independentemente se eventuais obras, fonogramas ou outros direitos autorais e/ou conexos de terceiros inseridos na obra audiovisual ou fotográfica tenham ou não caído em domínio público, já que estes possuem prazos próprios de proteção35

Os prazos de proteção de direitos conexos aos de autor são computados de forma semelhante às regras estabelecidas quanto à proteção de direitos autorais: 70 anos contados a partir de 1º de janeiro do ano subsequente ao da (i) primeira fixação, para os fonogramas; (ii) transmissão para as emissões de empresas de radiodifusão; (iii) e da execução e representação pública para os demais casos, conforme o Art. 96 da Lei nº 9.610/199836

Por fim, como vimos acima, além de aumentar em 10 anos o prazo de proteção autoral de obras intelectuais, a Lei nº 9.610/1998 reestabeleceu prazos uniformes de proteção autoral em favor de quaisquer herdeiros do autor conforme a linha sucessória do art. 1.829 do Código Civil, não acolhendo o direito vitalício até então conferido a filhos, cônjuge e pais de autores falecidos. Isto é, o prazo para que herdeiros usufruam os direitos autorais de um autor falecido voltou a ser o mesmo, independentemente do grau de parentesco entre estes.37

Com isso, a sucessão legal provoca conflito de normas entre a aplicação do chamado “direito vitalício” de herdeiros específicos, que já havia

34 Cf. Art. 44, Lei nº 9.610/1998.

35 ABRÃO, 2002, p. 150.

36 Cf. Art. 96, Lei nº 9.610/1998.

37 SANTIAGO, Vanisa. As Regras de Domínio Público em Direito de Autor e Direitos Conexos e sua Aplicação Prática Palestra promovida pela União Brasileira de Compositores –UBC, 1999. Disponível em: https://www.recantodasletras.com. br/textosjuridicos/235293. Acesso em 16 de abril de 2022.

sido conferido anteriormente à revogação da Lei nº 5.988/1973, e a aplicação das novas regras de cômputo do prazo de proteção autoral conferido pela Lei nº 9.610/199838, cuja elucidação é o objeto deste trabalho.

Trata-se de questão complexa e que ganha relevância em razão do longo período em que a proteção vitalícia de sucessores específicos permaneceu em vigor (por quase 40 anos), durante o qual diversos autores de relevância no cenário artístico brasileiro faleceram deixando filhos como herdeiros, dentre os quais exemplificamos Elis Regina, Tom Jobim, Renato Russo e Tim Maia.

3. O DIREITO VITALÍCIO DOS HERDEIROS DE AUTORES

FALECIDOS ENTRE 1958 E 1998 DURANTE A VIGÊNCIA

DA LEI Nº 9.610/1998

3.1. A (ir)retroatividade de normas e o direito adquirido

A publicação de uma nova lei, alterando ou regulando de modo diverso a mesma matéria tratada por norma anterior pode gerar conflitos entre as novas disposições legais e as relações jurídicas já consolidadas no âmbito da lei antiga39, tal como ocorreu na sucessão da Lei nº 5.988/73 pela Lei nº 9.610/1998. Maria Helena Diniz e Carlos Roberto Gonçalves40 ensinam que há dois critérios para solucionar tais conflitos: o (i) das disposições transitórias e

(ii) dos princípios da retroatividade e da irretroatividade das normas.

Pelo primeiro, o legislador estabelece no próprio texto legislativo disposições de aplicação temporária voltadas a harmonizar a nova lei com as relações já estabelecidas pela norma anterior

38 ASCENSÃO, 2008, p. 28.

39 DINIZ, Maria Helena. Curso De Direito Civil Brasileiro, Volume I: Teoria Geral Do Direito Civil. 29ª Ed. SãoPaulo: Saraiva, 2012, p. 115.

40 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume I: parte geral – de acordo com a Lei n. 12.874/2013; 12 ed. – São Paulo: Saraiva, 2014, p. 83

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“com o objetivo de resolver e evitar conflitos ou lesões que emergem da nova lei em confronto com a antiga”41, o que não se aplica à questão que buscamos esclarecer, pois a Lei nº 9.610/1998 não prevê nenhuma norma específica determinando expressamente a validade ou não do §1º do art. 42 da Lei nº 5.988/73.

Quanto ao segundo, os princípios da retroatividade e da irretroatividade das normas são construções doutrinárias destinadas à resolução de conflitos quando não há disposições transitórias42.

É irretroativa a norma que não pode ser aplicada a situações constituídas sob a vigência de lei anterior, para “assegurar a certeza, a segurança e a estabilidade do ordenamento jurídico, preservando as situações consolidadas em que o interesse individual prevalece”4344. É retroativa a nova norma que atinge os efeitos de atos jurídicos praticados soba égide da lei revogada45.

Gonçalves destaca que embora a retroatividade das leis seja muito criticada, trata- se de questão essencialmente política, pelo que em certos casos a aplicação da lei nova a casos pretéritos é justificada pelo interesse social, progresso ou equidade. Assim, o direito brasileiro adota o princípio da irretroatividade das leis como regra, mas admite retroatividade das leis em caráter de exceção46.

O art. 5º, XXXVI da Constituição Federal47 e o

41 DINIZ, loc. cit.

42 DINIZ, loc. cit.

43 GONÇALVES, 2014, p. 83-84

44 Estamos falando do princípio da segurança jurídica que, para José Afonso da Silva, consiste em “conjunto de condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida. Uma importante condição da segurança jurídica está na relativa certeza que os indivíduos têm de que as relações realizadas sob o império de uma norma devem perdurar ainda quando tal norma seja substituída”. (SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição

São Paulo: Malheiros, 2006, p. 133 (apud PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di. O STJ e o princípio da Segurança Jurídica. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/302189/o-stj-e-o-principio-da-seguranca-juridica. Publicado em 14.05.2019. Acesso em 22.03.2022.)).

45 DINIZ, loc. cit.

46 GONÇALVES, loc. cit

47 Art. 5º, XXXVI, CF: A lei não prejudicará o direito adquirido, o

art. 6º da Lei nº 12.376/2010 (Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – “LINDB”)48 determinam que uma lei não pode retroagir para ofender o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Em razão disso, Gonçalves49 afirma que o nosso ordenamento acolhe a teoria subjetivista (ou clássica) quanto à proteção do direito adquirido, cujo principal representante é o italiano Carlo Francesco Gabba50

Pelo §2º do art. 6º da LINDB, “consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”.

Com base neste dispositivo e no conceito clássico de Gabba, Maria Helena Diniz51 e Flávio Tartuce52 definem o direito adquirido como o direito que já tenha se incorporado definitivamente ao patrimônio de seu titular. A esse respeito, e a partir do entendimento de Savigny53, Reynaldo Porchat aduz que direito adquirido é “todo direito fundado sobre um fatojurídico que já sucedeu, mas que ainda não foi feito valer”54

ato jurídico perfeito e a coisa julgada.

48 Art. 6º, Lei nº 12.376/2010: A lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitando o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

49 GONÇALVES, 2014, p. 84.

50 Na resolução de conflito intertemporal de leis, Gabba afirma que a lei nova não pode violar direitos precedentemente adquiridos, que define como as “consequências de um fato idôneo a produzi-lo em virtude da lei vigente no tempo em que se efetuou, embora o seu exercício venha a se apresentar sob o império da lei nova”. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Direito Constitucional Intertemporal. RD, n. 304, p. 29, 1988; (apud ROSSI, Luís Antônio. O Instituto do Direito Adquirido e Seus Impasses Teóricos e Sociais. 2006. 122 f.; Dissertação (Mestrado em Filosofia do Direito) – Pontifícia Universidade Católica, São Paulo, 2006, p. 63).

51 DINIZ, 2012, p. 115.

52 TARTUCE, Flávio. Direito Civil, 1: Lei de introdução e parte geral. 10ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: METODO p. 45, 2014

53 Friedrich Carl von Savigny (1779-1861), precursor da teoria clássica ou subjetivista do direito adquirido, entendia que direitos adquiridos são consequências de fatos jurídicos passados que ainda não foram realizadas e, portanto, que não se tornaram efetivas (PORCHAT, Da Retroatividade das Leis Civis São Paulo: Duprat, 1909, p. 12.). A teoria subjetivista do direito adquirido foi corroborada por Ferinand Lassalle (1825-1864), conforme ROSSI, 2006, p.50-54.

54 PORCHAT loc. sit.

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Nessa linha, Diogo Dias Teixeira55 esclarece que o direito adquirido é o resultado de um direito subjetivo não exercido pelo seu titular durante a vigência da lei revogada:

Caso um direito subjetivo não seja exercido, sobrevindo uma lei nova, transformarse-á em direito adquirido, porque configurava um direito exercitável e exigível à vontade do seu titular e que foi incorporado ao seu patrimônio, para ser exercido quando lhe conviesse.

Ainda, o autor argumenta que, em se tratando de direito subjetivo, o seu titularnão é obrigado a exercê-lo, bem como que “o não exercício do direito que lhe pertencequando da entrada de uma lei nova, não caracteriza motivo para que esta prejudique direito que já é seu”.

Embora a regra seja a de que uma lei não pode retroagir para atingir direito adquirido, diante de conflitos de leis no tempo que impactem questões de interesse público, o direito adquirido não deve se revestir de caráter absoluto. Contudo, como destaca Limongi França56, trata-se de questão tormentosa, que divide a doutrina e provoca oscilações najurisprudência.

França defende que nestas hipóteses, o interesse de ordem pública deve prevalecer, mas reconhece que a doutrina se divide em 3 grupos: (i) os que afirmam a possibilidade de a lei de ordem pública retroagir (Porchat, Lafayette, Bevilaqua e Carvalho Santos); (ii) os que defendem a proteção do direito adquirido independentemente do que dispõe a lei nova (Caio Mário e Oscar Tenório); e (iii) os que defendem somente o efeito imediato destas leis, ainda que para tanto, os direitos adquiridos tenham que ser desconsiderados (Pontes de Miranda e Vicente Rao).

Nesse mesmo sentido, José Adércio Leite Sam-

55 TEIXEIRA, Diogo Dias. Prazos e considerações relativos à prescrição no Direito Autoral. Disponível em: https://www. direitonet.com.br/artigos/exibir/3067/Prazos-e-consideracoes-relativos-a-prescricao-no-Direito- Autoral. Publicado em 12.12.2006. Acesso em 20.03.2022.

56 FRANÇA. Limongi R. A Irretroatividade das Leis e o Direito Adquirido. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2000. P. 264 (apud ROSSI, 2006, p. 101)

paio, a partir da teoria da finalidade social da nova lei adotada pelo jurista Barbalho, explica que é legítima a retroatividade de normas que promovam o interesse público ou da coletividade em detrimento de eventuais direitos individuais.57

Ademais, Flávio Tartuce58 considera que a proteção do direito adquirido e do ato jurídico perfeito foi relativizada pelo próprio Código Civil, em razão do parágrafo único do art. 2.035, segundo o qual “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos”. Segundo Tartuce, o dispositivo prevê o princípio da retroatividade motivada ou justificada pelo qual “as normas de ordem pública relativas à função social da propriedade e dos contratos podem retroagir”, não havendo em que se falar de inconstitucionalidade desta norma, uma vez que os incisos XXII e XXIII do art. 5º da Constituição Federal asseguram a função social da propriedade.

Com base no exposto acima, analisaremos a seguir a aplicação do direito vitalício dos herdeiros sob a guarida da Lei nº 9.610/1998 a partir de duas perspectivas: a da teoria clássica do direito adquirido e a da relativização do direito adquirido diante de questões de interesse público.

3.2. O direito vitalício dos herdeiros como direito adquirido

Com a morte de um autor durante o período compreendido entre o início da vigência da Lei nº 3.447/1958 (em dezembro de 1958)59 e a revogação da Lei nº 5.988/1973 (com a entrada em vigor da Lei nº 9.610/1998 em junho de 1998), seus herdeiros específicos são contemplados e por toda a sua vida com o direito exclusivo de usar, fruir, dispor e explorar economicamente as obras do autor falecido na medida permitida

57 SAMPAIO. José Adércio Leite. Direito Adquirido e Expectativa de Direito. São Paulo: Del Rey, 2005 (apud ROSSI, 2006, p. 93).

58 TARTUCE, 2014, p.48.

59 A Lei nº 3447/1958 não prevê a data do início de sua validade, portanto, aplica-se o prazo de 45 dias contados de sua publicação, conforme o Decreto-Lei nº 4.657/1942, aplicável à época.

152

pela legislação.

Trata-se, pois, de direito subjetivo a ser exercido por tais sucessores através de quaisquer das prerrogativas asseguradas pela legislação autoral e que se prolonga até que o próprio herdeiro venha a falecer.

No entanto, a Lei nº 9.610/1998 não contemplou o “direito vitalício” dos herdeiros, que se tornam impossibilitados de usufruir plenamente de todas as prerrogativas que haviam sido conferidas pela Lei nº 5.988/73, visto que não mais poderiam exercê-las até o dia em que viessem a falecer, estando limitados pelos prazos definidos pela nova lei.

Diante disso, e com base na teoria clássica do direito adquirido, adotada pelo ordenamento jurídico brasileiro por meio do art. 5º, XXXVI da Constituição Federal e do art. 6º da Lei nº 12.376/2010, a vitaliciedade autoral conferida aos herdeiros configurar-se-ia como direito adquirido e, como tal, deveria prevalecer mesmo sob a vigência da Lei nº 9.610/1998. Isso porque, conforme esclarecido acima, os referidos dispositivos constitucional e legal estabelecem que a lei nova não pode retroagir para atingir direito adquirido.

Nesse sentido, Vanisa Santiago, entende que os direitos vitalícios de herdeiros conferidos durante a vigência da Lei 5.988/73 permanecem vigentes mesmo com o advento da nova lei autoral (Lei nº 9.610/1998), “como uma exceção de direito à norma jurídica”60.

Todavia, ainda que este direito vitalício de herdeiros possa se configurar como direito adquiri-

60 A autora reconhece as inconveniências resultantes do sistema de cômputo de prazos distintos definido pela Lei 5.988/1973, mas afirma que os direitos vitalícios permanecem válidos: “[...] a Lei 5.988.1973 estabeleceu um regime especial para a sucessão de direitos autorais, que ao mesmo tempo em que criava uma vitaliciedade para herdeiros de 1º grau na linha descendente ou ascendente (filhos ou pais) e cônjuges, excluía uma série de parentes chamados à sucessão pelo Código Civil, sistema esse que criou vários inconvenientes [...]. Com o advento da nova lei esses inconvenientes desapareceram. No entanto, restam os casos dos herdeiros que adquiriram direitos vitalícios na vigência da Lei 5.988/1973, que permanecerão vigentes como uma exceção do direito à norma jurídica. (Grifos Nossos) (SANTIAGO, loc. cit ).

do, a sua aplicabilidade e validade diante da Lei nº 9.610/1998 é questão complexa e conflituosa, ainda pouco discutida na doutrina e que, até a presente data, não foi levada à apreciação do poder judiciário61. Por essa razão, a seguir a analisaremos sob a perspectiva do afastamento do direito vitalício de herdeiros em vista da função social do domínio público e do direito autoral.

3.3. O direito vitalício dos herdeiros frente à função social do domínio público e do direito autoral

Como vimos acima, há entendimento doutrinário no sentido de que uma lei nova promovendo o interesse público ou da coletividade pode retroagir em desfavor de interesses individuais, atingindo direitos adquiridos, bem como de que o direito adquirido foi relativizado pelo parágrafo único do art. 2.035 do Código Civil em nome da função social da propriedade62

Sob este prisma, a validade do chamado “direito vitalício” de herdeiros não prevaleceria sob a égide da Lei nº 9.610/1998, uma vez que esta estabelece prazos de proteção autoral menos longos quando comparados ao período de vida de um herdeiro longevo e, portanto, mais favoráveis ao retorno da obra à coletividade. Estaríamos, pois, diante de hipótese em que uma lei posterior (Lei nº 9.610/1998) poderia retroagir para alcançar o direito adquirido de sucessores (pais, filhos e cônjuges) de autores falecidos entre dezembro de 1958 e junho de 1998 em nome de interesse de ordem pública: devolução da obra à fruição da sociedade, fundamentada no direito ao acesso, criação, educação e informação.

Temos, de um lado, o interesse particular dos herdeiros em exercer o direito exclusivo de exploração da obra ou do legado intelectual do autor falecido durante todo o prazo de vida dos primeiros e, de outro, o interesse de toda a sociedade em ter acesso e usufruir da obra/legado intelectual do autor sem que, para tanto, neces-

61 Após pesquisa feita perante a base de dados do STJ, STF e tribunais de justiça estaduais, não encontramos decisões do poder judiciário que versem sobre a validade e aplicabilidade do direito vitalício conferido a herdeiros pela legislação anterior durante a vigência da Lei nº 9.6101/998.

62 TARTUCE, loc. cit

153

site de autorização prévia de seu titular.

Apesar de ambos serem legítimos e estarem protegidos em nível constitucional, diante da perspectiva da relativização do direito adquirido, o interesse público consistente no retorno da obra à coletividade prevaleceria, o que justifica a aplicação retroativa da Lei nº 9.610/1998 em detrimento ao “direito vitalício” dos herdeiros previsto pela lei anterior.

Ressalta-se, nesse sentido, que a definição pela lei de critérios para que uma obra entre no campo do domínio público e, dessa forma, não esteja sob a apropriação exclusiva de ninguém, fundamenta-se no direito ao acesso à educação, à informação, à cultura, ao conhecimento que, de modo geral objetivam o desenvolvimento cultural do país, conforme aduz Sérgio Branco:

A instituição de um domínio público é a mais perfeita forma de devolver à sociedade aquilo que ela proporcionou: a inspiração livre para obras subsequentes (...) juridicamente, o domínio público permite a efetivação plena de diversos preceitos constitucionais, como o direito de acesso à informação, à educação, à liberdade de expressão; à dignidade da pessoa humana, enfim.63

É fácil, portanto, perceber o impacto social do domínio público. Ao se devolver à sociedade aquilo que a própria sociedade propiciou (por conta das múltiplas influências culturais que sofre, individualmente, cada um dos artistas criadores de obras intelectuais), permite-se, de fato, que as pessoas possam desfrutar, independentemente das limitações legais ou de licença, da obra anteriormente protegida. Da mesma forma, permite-se que a obra original sirva de matéria-prima direta para novos trabalhos.64

No mesmo sentido, destaca-se o entendimento de José de Oliveira Ascensão65:

63 BRANCO, 2011, p. 86

64 BRANCO, 2011, p. 58

65 ASCENSÃO, 2008, p. 24

O domínio público não é exceção nem resto. É a situação normal, mais, o objetivo para que se tende, para que o espaço de diálogo social e liberdade de acesso à cultura não sofram entraves desnecessários. Por isso, esta liberdade natural não pode ser restringida sem razão ponderosa que o justifique.

Trata-se, pois, da função social do domínio público, consistente na garantia ao acesso ilimitado de um conjunto de obras intelectuais pela sociedade e que resulta não apenas na ampliação do acesso à cultura, informação e educação, mas também no fomento dacriatividade e da liberdade de expressão, movimentando a economia da cultura e do entretenimento do país e que está estritamente relacionada com a função social da propriedadeautoral.66

Isso porque, o direito autoral, como espécie de propriedade imaterial, também se submete ao princípio da função social da propriedade, previsto pelo art. 5º, XXIII da Constituição Federal67, à medida em que a vertente patrimonial do direito autoral, que confereao seu titular a exclusividade para explorá-lo durante certo período, não possui caráter absoluto, encontrando barreiras nos limites impostos pela legislação em nome do direito ao acesso à cultura e à informação pela sociedade.

Nesse sentido, Jaime L. Miranda Alves e Neiva C. de Araújo afirmam que “a função social do direito autoral compreende as garantias que o Estado regala à coletividadeem razão do acesso à

66 BRANCO, 2011, p. 253.

67 Nesse sentido, Isabel Vaz aduz: “Evidentemente a natureza dos bens objeto da regulamentação impõe regrasjurídicas distintas daqueles incidentes sobre outros tipos de propriedade. Mas a sua essência e as prerrogativas atribuídas ao titular aproximam a disciplina dos bens intelectuais do regime jurídico das Propriedades, quer se trate de direitos de autor ou da chamada propriedade industrial” (VAZ, Isabel. Direito econômico daspropriedades. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1992, p. 461 apud CARLI, Kalinca De. A Função social dosdireitos autorais enquanto expressão do direito de propriedade. Publicado em 08/10/2013. Disponível em https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/36845/a-funcao-social-dos-direitos-autorais-enquanto- expressao-do-direito-de-propriedade#_ftn3. Acesso em 21 de abril de 2022)

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informação”68, destacando-se o art. 215 da Constituição Federal: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.”

A esse respeito, segundo Isabel Vaz:

O progresso cultural e o avanço tecnológico multiplicaram as modalidades de criação do espírito humano, entendidas atualmente como necessárias à satisfação de um interesse social, que, a despeito da proteção dos direitos autorais, sobrepõe-se ao interesse do indivíduo-autor69

Diante disso, e sendo admitida a retroatividade da lei nova para abarcar direitos adquiridos em nome do interesse público e da função social da propriedade, o interesse privado dos herdeiros (e, eventualmente, de grupos empresariais que controlem os direitos decorrentes das obras intelectuais dos autores falecidos) não prevaleceria, uma vez que está diretamente ligado à exploração comercial da propriedade autoral.

Por conseguinte, a tutela da função social do domínio público e da própria função social do direito autoral justificaria a retroatividade da Lei nº 9.610/1998 para abarcar oscasos de autores falecidos deixando cônjuge e/ou herdeiros ascendentes ou descendentes de primeiro grau durante a vigência das Leis nº 3.447/1958 e nº 5.988/1973, em desfavor ao interesse particular destes últimos.

Nesse sentido, destacamos que Ascensão é explicitamente contrário à aplicação da vitaliciedade dos herdeiros sob a guarida da Lei nº 9.610/1998 e chega até a afirmar que este direito não pode ser considerado como adquirido pelos herdeiros:

A finalidade da lei não é a de dar aos sucessores o máximo de vantagens possí68 ALVES e ARAÚJO, Jaime Leônidas Miranda Alves e Neiva Cristina de. A função social do direito autoral: análise principiológica confrontando as óticas existencialista e patrimonialista Disponível em http://www.publicadireito.com.br/ artigos/?cod=64fbd80968671548. Acesso em 21 de abril de 2022. 69 VAZ, loc. cit.

veis. A lei estabelece prazos de caducidade para servir o interesse público no livre disfrute dos bens intelectuais. Há pois apenas que interpretar a lei, por recurso aos princípiosgerais, para verificar que implicações resultam daí para os prazos em curso.70

No entanto, no presente momento, não é possível vislumbrar uma solução definitiva para o conflito entre o direito vitalício dos herdeiros e a aplicação retroativa da Lei nº 9.610/1998. Considerando que a própria possibilidade de retroatividade de leis para atingir o direito adquirido é nebulosa e divide a doutrina, discussões a respeito da retroatividade da Lei nº 9.610/1998 são complexas e controversas, envolvendo interesses econômicos relevantes – que não se limitam aos próprios herdeiros, mas dizem respeito também a editoras, gravadoras, distribuidoras ou a quem quer que possua interesse em utilizar osdireitos dos autores falecidos durante o período em destaque – e geram impacto cultural em razão do retardamento da devolução da obra à sociedade. Tais discussões ainda não estão em evidência e dependem de profunda reflexão, tanto doutrinária, quanto do poder judiciário.

CONCLUSÃO

Como vimos, o domínio público pode ser considerado como o conjunto de obras intelectuais disponíveis à utilização da sociedade como um todo sem que a autorização prévia de qualquer pessoa seja necessária, o que inclui as obras cujo prazo de proteção autoral tenha expirado conforme as regras e critérios estabelecidos por cada legislação autoral.

Nota-se que ao longo da evolução da legislação autoral brasileira, os critérios temporais utilizados como parâmetros para a definição das obras que pertencem ao estado do domínio público foram alterados, o que, entretanto, não implica na modificação da conceituação do estado de domínio público e tampouco dos fundamentos que justificam a sua existência: o interesse de toda a sociedade em acessar livremente uma obra 70 ASCENSÃO, 2008, p. 29

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intelectual. Trata- se, pois, da função social do domínio público e do próprio direito autoral.

É certo que a lei deve garantir um período de exclusividade para que os autores, sucessores e titulares de direitos autorais possam explorar as obras intelectuais. Porém, este direito exclusivo não é eterno, devendo perdurar na medida do necessário para que os autores possam ser compensados pela sua criação, os titulares pelos seus investimentos e os sucessores terem asseguradas a sua subsistência.

Com efeito, se, por um lado a proteção de obras intelectuais por prazo equivalente a toda a vida de pais, filhos e cônjuge de autores falecidos estabelecida pela nossa legislação autoral anterior71 configura-se como direito adquirido, por outro, há entendimento doutrinário no sentido de que o direito adquirido não é absoluto, sendo relativizado pelo interesse público e pela função social da propriedade, em especial por conta do disposto no parágrafo único do art. 2035 do Código Civil72. Sob este prisma, a tutela da função social do domínio público e da própria função social do direito autoral justificaria a retroatividade da Lei nº 9.610/1998 em detrimento do direito vitalício dos herdeiros específicos de autores falecidos entre dezembro de 1958 e junho de 1998.

Diante disso, tendo sido apresentadas e explanadas as duas perspectivas que circundam o conflito existente sobre a aplicabilidade o denominado “direito vitalício” de herdeiros durante a vigência da Lei nº 9.610/1998, entendemos que, ainda não é possível lhe conferir uma solução definitiva. Exige-se, pois, uma análise profunda da doutrina e a apreciação do poder judiciário, o que acreditamos que virá à tona dentro dos próximos anos, especialmente a partir de 2029, em que se completarão 70 anos contados de 1959 (ano subsequente ao ano em que a regra ora questionada entrou em vigor).

71 Código Civil de 1916 com a atualização da Lei nº 3.447/1958 e Lei nº 5.988/1973

72 TARTUCE, loc. cit.

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DISTINTIVIDADE DO SINAL MARCÁRIO, INDEFERIMENTOS DE PROCESSOS PELO ARTIGO 124, VI, DA LPI

A distintividade é o elemento principal para registrabilidade e exclusividade do sinal marcário, uma vez que, uma marca com suficiente forma distintiva diferencia o titular do produto e/ou serviço dos seus concorrentes para o público consumidor. A doutrina brasileira se baseou na classificação norte-americana que prevê uma escala de distintividade, de modo que, a marca tem níveis de proteção diferentes, de acordo com seu grau distintivo. O elemento distintivo de uma marca pode variar em consoante ao objeto a que ela se refere, de forma que, uma marca é considerada distintiva para certos produtos e serviços e não-distintiva para outros, implicando diretamente na sua exclusividade e nível de proteção. Dessa forma, o presente trabalho objetiva analisar esse assunto, sem a pretensão de esgotar o tema, enfocando as decisões administrativas do INPI negativas com fundamento no artigo 124, VI, da Lei de Propriedade Industrial, que foram reformadas ou mantidas após as análises dos recursos dos titulares dos pedidos de registros.

Palavras-chave

Distintividade - propriedade intelectual - propriedade industrial - sinal marcário

Karla de Souza Sant’Ana

Especialista em Propriedade Intelectual, Direito do Entretenimento, Mídia e Moda – ESA – OAB/SP.

159 12

INTRODUÇÃO

Diante do cenário atual do mercado econômico, com o grande crescimento dos negócios pelo meio eletrônico nos últimos anos, bem como, pela ininterrupta conectividade entre as pessoas, a marca distintiva ganha cada vez mais importância para seus titulares, principalmente, pela intensa competitividade entre os empresários, que cada vez mais se deparam com desafios de tornar possível a produção de bens e o fornecimento de serviços de maneira menos custosa, mais tecnológica e atrativa ao consumidor, o que exige demasiados investimentos.

Dessa maneira, a criação de signos distintivos é fundamental não apenas para tornar o produto/ serviço único e destacá-los dos demais, como também para atrair a atenção do público- alvo com ampla proteção e exclusividade.

A partir da eficiência da função distintiva e da sua capacidade de atrair o consumidor, a marca é um dos ativos mais valiosos de uma empresa, que tem sempre grande preocupação no que concerne à sua proteção e possibilidades de impedir seus concorrentes de utilizarem e se apropriem indevidamente, pela exclusividade, afastando a temida concorrência desleal.

Isto posto, o presente trabalho voltar-se-á em um primeiro momento ao estudo das marcas, abrangendo as suas características, princípios e funções, como também a importância de sua proteção. Então, analisaremos os graus de distintividade do sinal marcário e em seguida, entraremos na seara dos processos com decisões indeferitórias por falta de caráter distintivo, no INPI-Instituto Nacional da Propriedade Industrial, responsável pelas análises de pedidos de marcas em território Nacional.

Entretanto, assim como todos os outros requisito de registrabilidade que mencionaremos no desenvolvimento do artigo, a distintividade não pode ser analisada isoladamente, sendo preciso verificar vários fatores, uma vez que, uma expressão e/ou figura pode ser considerada distintiva para um produto ou serviço e não-distintiva para outro – podendo ainda, uma marca inicialmente genérica, passar por um processo onde

adquire distintividade, enquanto, uma marca fantasiosa, que a princípio detinha alto grau de proteção e exclusividade, perder esse “status” pela degeneração, por ter sido usada por muito tempo como sinônimo do produto ou serviço que assinala.

Dessa forma, após traçarmos o conceito de distintividade, e explicitarmos as suas classificações e graus de proteção, também analisaremos alguns processos de marcas negadas por serem consideradas comuns para as atividades e/ou produtos que assinalam.

Por fim, exploraremos a insegurança jurídica e dúvidas causadas pela falta do antigo apostilamento que acompanhava as marcas concedidas pelo INPI

1. DEFINIÇÕES DE PROPRIEDADE INTELECTUAL, PROPRIEDADE INDUSTRIAL E MARCA

1.1. Propriedade Intelectual

A Propriedade Intelectual compreende às criações provenientes da inteligência humana, abarcando desde obras de artísticas, literárias e cientificas; programas de computador; invenções, modelos de utilidade, desenhos industriais, marcas e outros sinais comerciais, bem como, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, e, desempenha um relevante papel no cenário cultural e econômico, albergando bens imateriais, conforme o entendimento da Organização Mundial da Propriedade Intelectual - OMPI (WIPO)1

Sobre a definição de Propriedade Intelectual, o professor Denis Borges Barbosa2, faz diversas exposições e dispõe que “a noção de Proprie-

1 WIPO – World Intellectual Property Organization. What Is intellectual property. Disponível em:<https://www.wipo.int/ edocs/pubdocs/pt/wipo_pub_450_2020.pdf>. Acesso em 29 de janeiro de 2023.

2 BARBOSA, Denis Borges. Uma Introdução à Propriedade Intelectual. Segunda Edição Revista e Atualizada. Lumen Juris, 2010, p.10. Disponível em: < https://www.dbba.com.br/wp-content/uploads/introducao_pi.pdf>. Acesso em 29 de janeiro de 2023.

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dade intelectual como a de um capítulo do Direito, altissimamente internacionalizado, compreendendo o campo da Propriedade Industrial, os direitos autorais e outros direitos sobre bens imateriais de vários gêneros”.

Ainda em relação a Propriedade Intelectual, temos a lição de João da Gama Cerqueira3 que diz:

A propriedade imaterial compreende a propriedade literária científica e artística que, como o nome indica, abrange as produções intelectuais do domínio literário, científico e artístico; e a propriedade industrial, que pode ser definida como o conjunto dos institutos jurídicos que visam garantir os direitos de autor sobre as produções intelectuais do domínio da indústria e assegurar a lealdade da concorrência comercial e industrial.

1.2. Propriedade Industrial

Dentro propriedade intelectual, encontra-se a propriedade industrial, que nos interessa neste trabalho, pois engloba o tema de sinais distintivos. A propriedade industrial tem o seu conceito de forma ampla, encontrado na Convenção Internacional da União de Paris (1883)4, conforme disposto:

A proteção da propriedade industrial tem por objeto as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos ou modelos industriais, as marcas de fábrica ou de comércio, as marcas de serviço, nome comercial e as indicações de proveniência ou denominações de origem, bem como a repressão da concorrência desleal.

A propriedade industrial é fator relevante para o desenvolvimento econômico e social, aumentado a competitividade, criatividade, inovação, com base na segurança da proteção conferida às criações e investimentos incidentes sobre um bem imaterial, cuja proteção legal implica sem-

3 CERQUEIRA, João da Gama. Tratado de Propriedade Industrial. V. 1. Parte I Da Propriedade Industrial e do Objeto dos Direitos. Newton Silveira e Denis Borges Barbosa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.36.

4 Convenção Internacional da União de Paris – CUP, art. 1 § 2, 1883.

pre em um privilégio de uso ou de exploração no âmbito industrial e comercial, reprimindo ainda a concorrência desleal.

O ilustríssimo doutrinador, João da Gama Cerqueira5, traz que:

a propriedade industrial, que pode ser definida como o conjunto dos institutos jurídicos que visam garantir os direitos de autor sobre as produções intelectuais do domínio da indústria e assegurar a lealdade da concorrência comercial e industrial.

A Lei da Propriedade Industrial – LPI (Lei n.º 9.279/1996), se aplica na via ordinária6, às invenções (patentes e modelos de utilidade), aos desenhos industriais, às indicações geográficas, proteção de cultivares, à concorrência desleal e às marcas, contudo, ao longo deste trabalho, focaremos especificamente no estudo das marcas e seu requisito de distintividade.

Isto posto, diante dos diversos requisitos para proteção e registrabilidade dos sinais distintivos, enfocaremos, à análise da distintividade dos sinais marcários, aprofundando sobre os motivos de indeferimentos de processos de registros, no INPI- Instituto Nacional da Propriedade Industrial7, pelo art. 124, VI, da LPI8, que diz que não são registráveis como marcas:

5 CERQUEIRA, João da Gama. Tratado de Propriedade Industrial. V. 1. Rio de Janeiro: Edição Revista Forense, 1946, p. 72 e 73

6 Lei n.º 9.279/1996 - Art. 2º A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante: I - concessão de patentes de invenção e de modelo de utilidade; II - concessão de registro de desenho industrial; III - concessão de registro de marca; IV - repressão às falsas indicações geográficas; e V - repressão à concorrência desleal.

7 Criado em 1970, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Economia, responsável pelo aperfeiçoamento, disseminação e gestão do sistema brasileiro de concessão e garantia de direitos de propriedade intelectual para a indústria.

Entre os serviços do INPI, estão os registros de marcas, desenhos industriais, indicações geográficas, programas de computador e topografias de circuitos, as concessões de patentes e as averbações de contratos de franquia e das distintas modalidades de transferência de tecnologia. Disponível em: <https:// www.gov.br/pt-br/orgaos/instituto- nacional-da-propriedade-industrial>. Acesso em 29 de janeiro de 2023.

8 Lei nº 9.279/96, artigo 124, VI.

161

sinal de caráter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo, quando tiver relação com o produto ou serviço a distinguir, ou aquele empregado comumente para designar uma característica do produto ou serviço, quanto à natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade e época de produção ou de prestação do serviço, salvo quando revestidos de suficiente forma distintiva.

1.3. Marca

A definição de marca como “um sinal distintivo cujas funções principais são identificar a origem e distinguir produtos ou serviços de outros idênticos, semelhantes ou afins de origem diversa” é descrita no Manual de Marcas do INPI9

As marcas no Brasil são protegidas pela Constituição Federal e pela LPI, sendo que, o ordenamento pátrio adota o sistema atributivo de direitos, assim, para o titular do sinal distintivo ter o monopólio sobre esse bem, é necessário a concessão do registro da marca pelo INPI, que apenas é aprovado se não atingir nenhuma das proibições legais, conforme previsão do art. 122, da LPI: “São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais”.

Sobre o sistema atributivo de direito de marca, Gama Cerqueira10 ensina que “o registro assume o caráter constitutivo do direito ao uso exclusivo da marca, sendo seu efeito o reconhecimento da propriedade que, antes dele, é privada de proteção”.

Nas lições da professora Kone Prieto Furtunato Cesário11, encontramos que

Seja qual for a forma de apresentação, como signo distintivo linguístico ou simbólico, as marcas têm a função de informar

9 INPI – Instituto Nacional da Propriedade Intelectual. Manual de Marcas. Disponível em: <http://manualdemarcas.inpi.gov. br/projects/manual/wiki/Manual_de_Marcas.>. Acesso em 29 de janeiro de 2023

10 CERQUEIRA, 2010, p.62.

11 CESÁRIO, Kone Prieto Furtunato. Proteção das Marcas Visualmente Perceptíveis. 1ª edição. Curitiba: Juruá Editora, 2020, p.40 e 41.

circunstâncias que o empresário buscou comunicar sobre o seu produto ou serviço; por exemplo, indicar preço ou qualidade ou o luxo. Isso incentiva a competição, sobretudo quando associada a meios publicitários comparativos.

A marca assegura ao consumidor a possibilidade de discernir entre o bom e o mau produto, uma vez que, pelas normas de direito do consumidor, elas vinculam diretamente os fornecedores, nos casos de responsabilidade por vícios do produto e do serviço.

Nas palavras de Carlos Eduardo de Carvalho12, a marca “criará em torno de seu objeto um campo de atração comercial e referência, que será magnetizado com satisfações boas ou ruins que os consumidores terão ao adquirir os produtos ou serviços assinalados por este sinal distintivo”.

Para Newton Silveira13, a marca “torna possível aos consumidores reconhecer, de imediato, os produtos que pretendem adquirir (ou os serviços que desejam utilizar) e ao empresário referi-los em sua publicidade”.

A esse respeito, Gama Cerqueira define a marca como “todo sinal distintivo aposto facultativamente aos produtos e artigos das indústrias em geral para identificá-los e diferenciá- los de outros idênticos ou semelhantes de origem diversa”.

Para o ilustre professor Denis Barbosa14:

Ao designar um produto, mercadoria ou serviço, a marca serve, tradicionalmente, para assinalar a sua origem e, em face de outras marcas para itens competitivos, indicar a diferença. Mas, usada como propa-

12 CARVALHO. Carlos Eduardo Neves de. Aquisição e perda de distintividade marcária. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2020, ebook. Não Paginado

13 SILVEIRA. Newton. Propriedade Intelectual: propriedade industrial, direito de autor, software, cultivares. 3ª edição. São Paulo: Manole, 2005, p.24.

14 BARBOSA, Denis Borges. O Fator Semiológico na Construção do Signo Marcário, Rio de Janeiro, 2006, p. 34. Disponível em: < https://www.dbba.com.br/wp-content/uploads/introducao_pi.pdf>. Acesso em 29 de janeiro de 2023.

162

ganda, além de poder também identificar a origem e as diferenças relativas em face de competidores, deve primordialmente incitar ao consumo ou valorizar a atividade empresarial do titular.

Para Lélio Schmidt15, a marca: integra o conjunto formado pelos signos distintivos, ao qual também pertencem os nomes empresariais, os títulos de estabelecimento e os nomes de domínio. A marca é o signo distintivo que identifica um produto ou serviço. Já o nome empresarial identifica o empresário, o título de estabelecimento identifica o local em que ele exerce suas atividades e nome de domínio identifica o endereço eletrônico usado na internet.

Enquanto, na concepção de Wilson Pinheiro Jabur16, a marca “é um sinal que distingue os produtos e serviços de uma empresa ou pessoa”.

1.3.1. Classificações das marcas

As marcas podem ser classificadas pela natureza, como:

• Marca de produto ou de serviço (utilizada para distinguir produto ou serviço de outros idênticos, semelhantes ou afins, de origem diversa);

• Marca coletiva (indica ao consumidor que aquele produto ou serviço provém de membros de uma determinada coletividade representada por uma entidade, como associação, cooperativa, sindicato, federação, dentre outras); e,

• Marca de certificação (aquela usada para atestar a conformidade de um produto ou serviço com determinadas normas, padrões ou especificações técnicas, notadamente quanto à qualidade, natureza, material utilizado e metodologia empregada).

Elas também podem ser classificadas pela forma de apresentação, como:

15 SCHMIDT. Lélio Denicoli. A Distintividade das Marcas. 1ªedição. São Paulo: Manole, 2005, p.23.

16 JABUR, Wilson Pinheiro. Sinais Distintivos e Tutela Judicial. Série GVlaw. São Paulo: Saraiva, 2007, p.282.

• Marca nominativa (formada por uma ou mais palavras no sentido amplo do alfabeto romano, neologismos, combinações de letras e/ou algarismos romanos e/ou arábicos – sendo que, esses elementos não podem conter forma fantasiosa ou figurativa);

• Marca figurativa ou emblemática (constituída por: desenho, imagem, figura e/ou símbolo; forma fantasiosa ou figurativa de letra ou algarismo isoladamente, ou acompanhado por desenho, imagem, figura ou símbolo; palavras compostas por letras de alfabetos distintos da língua vernácula, ideogramas- sendo que, a proteção será conferida para imagem);

• Marca mista (formada pela combinação de elementos nominativos e figurativos ou mesmo apenas por elementos nominativos cuja grafia se apresente sob forma fantasiosa ou estilizada);

• Marca tridimensional (constituída pela forma plástica distintiva em si, capaz de individualizar os produtos ou serviços a que se aplica, deverá estar dissociada de efeito técnico); e,

• Marca de posição (formada pela aplicação de um sinal em uma posição singular e específica de um determinado suporte, resultando em conjunto distintivo capaz de identificar produtos ou serviços e distingui-los de outros idênticos, semelhantes ou afins, desde que a aplicação do sinal na referida posição do suporte possa ser dissociada de efeito técnico ou funcional) – sendo essa classificação uma inovação no sistema brasileiro.

1.3.2. Princípios e requisitos para registrabilidade da marca

As marcas registradas no Brasil são regidas por diversos princípios, dentre eles temos como principais, o princípio da territorialidade, o princípio da especialidade e o princípio do sistema atributivo.

• O princípio da territorialidade, confere proteção e exclusividade dentro do território nacional, tendo como exceção a marca notoriamente reconhecida.

163

• No princípio da especificidade (especialidade) acolhe-se os produtos e serviços, especificados no processo de registro pelo requerente e as afinidades que podem confundir os consumidores, salvo quando o INPI reconhece sua natureza de “marca de alto renome”, que confere a proteção ampliada para todos os ramos da atividade econômica.

• O já mencionado, sistema atributivo, concede ao titular a propriedade e exclusividade da marca pelo registro, tendo como regra, que tem prioridade ao registro àquele que primeiro depositar o processo, esbarrando na exceção do usuário anterior de boa-fé.

Além de respeitar os princípios legais, para que as marcas sejam passíveis de registro e, consequentemente, de proteção legal, elas devem preencher cumulativamente os seguintes requisitos: distintividade, novidade, veracidade, caráter lícito e disponibilidade.

• O requisito da distintividade, que será o foco do próximo capítulo, diz que as marcas devem possuir elementos que a tornem individualizadas, isto é, suficientemente distintas das demais marcas já utilizadas para identificar o mesmo tipo de produtos e serviços no mercado.

• O requisito da novidade está relacionado ao princípio da especialidade, uma vez que, para ser considerada “nova” a marca não pode já ter sido empregada para identificar produtos e/ou serviços idênticos ou afins, diferenciando-a das demais já existentes.

• Para que preencha o requisito da veracidade, é essencial que a marca não induza o consumidor ao erro com relação às características dos produtos e serviços que assinala, assim, a marca deve ser correspondente à natureza, à qualidade, à origem, à composição dos bens que a estampam.

• Já na quarta condição, do caráter lícito, o sinal não pode ser “escandaloso, contrário à moral ou aos bons costumes, nem contrário à ordem pública ou proibido por lei.

• Também é requisito indispensável a disponi-

bilidade do sinal distintivo, ou seja, que a marca esteja livre para registro, sem esbarrar nas hipóteses de impedimento legal trazidas pela Lei n.º 9.279/1996, arts. 124, incisos IV, V, IX, XII, XIII, XV, XVI, XVII, XIX, XX, XXII e XXIII, 125 e 126.

2. DISTINTIVIDADE DO SINAL MARCÁRIO

2.1. Classificação quanto ao grau de distintividade

A distintividade como já mencionado no capítulo anterior é um dos cinco requisitos para registrabilidade de uma marca, e é suscitada no art. 122, da LPI17, considerada como a função mais importante de uma marca. No entanto, na legislação brasileira ainda interpretação de impedimento à concessão de registros não visualmente perceptíveis, como as marcas olfativas, sonoras, gustativas, táteis, de cor única (mesmo que distintivos), sendo suscetível de registro nome, palavra, emblemas, monogramas, figuras, símbolos, e outros sinais distintivos que sejam visualmente perceptivelmente e não estejam compreendidos nas proibições legais.

Nesse sentido, Carlos Eduardo Neves de Carvalho18 aduz que:

O caráter distintivo ou distintividade de uma marca é a principal condição de sua validade e proteção legal, previsto no art. 122, da Lei de Propriedade Industrial. É a partir da distintividade que o consumidor irá distinguir um produto ou serviço de congêneres existentes no mercado.

A marca nasce com a distintividade de um signo. Tal requisito é imprescindível para a registrabilidade de uma marca, e obrigatoriamente deverá estar presente quando do depósito do pedido de registro, seja no Brasil ou no exterior, como, por exemplo, a

17 Art. 122. São suscetíveis de registro como marca os sinais distintivos visualmente perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais

18 CARVALHO. Carlos Eduardo Neves de. Aquisição e perda de distintividade marcária. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2020, p.20.

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observância das legislações dos Estados Unidos, União Europeia, e tratados internacionais de propriedade industrial, como Convenção de Paris e Acordo TRIPS.

Sobre a temática, Denis Barbosa diz que: “a existência fáctica da marca depende da presença destes dois requisitos: capacidade de simbolizar, e capacidade de indicar uma origem específica, o qual não poderá confundir o destinatário do processo de comunicação em que se insere: o consumidor”.

Nas palavras da professora Maitê Moro, citada nas obras de Lélio Schmidt e Carlos Eduardo Neves de Carvalho, a distintividade “significa a capacidade que o sinal tem, por suas características particulares, de individualizar e identificar o produto ou serviço por ele assinalado.

Nesse sentido, Lélio Denicoli Schmidt19, a distintividade “é tão essencial à marca que é revelada por sua própria definição como sinal destinado a diferenciar um produto ou serviço de outro. A função distintiva prende-se à gênese etimológica da palavra”.

Para Thomas Thedim Lobo20, a marca “não pode deixar de ser distinta, sob duplo aspecto: ser característica em si mesma, possuir cunho próprio, e distinguir-se das outras marcas já empregadas”.

Nas lições de Kone Cesário21, a distintividade é tão importante que “qualquer coisa pode ser um sinal visual ou de percepção visual, mas somente alguns terão capacidade distintiva, o que lhes habitará serem registráveis.”

O requisito de distintividade possui diversos graus, com uma escala adotada pela doutrina brasileira (com base na criação norte-americana), que demonstra os níveis de proteção de acordo com a capacidade distintiva do sinal marcário. Nesse sentido, dispõe o Manual de

19 SCHMIDT, Lélio Denicoli. A Distintividade das Marcas. 1ªedição. São Paulo: Manole, 2005, p.23.

20 LOBO, Thomas Thedim. Introdução à Nova Lei de Propriedade Industrial: Lei nº 9.279/96. São Paulo: Atlas, 1997.

21 CESÁRIO, Kone Prieto Furtunato. Proteção das Marcas Visualmente Perceptíveis. 1ª edição. Curitiba: Juruá Editora, 2020, p. 79.

O caráter distintivo de um sinal está vinculado à sua maior ou menor capacidade inerente de funcionar como marca. Trata-se de uma escala, dependente do produto ou serviço assinalado, que varia da ausência total de cunho distintivo aos graus mais elevados de distintividade.

A distintividade é uma das funções principais das marcas, uma vez que visa a identificar e distinguir produtos ou serviços, sendo pressuposto para registrabilidade do sinal. Assim, as marcas que atuam em segmentos mercadológicos afins precisam conter cunho distintivo em relação aos seus concorrentes, minimizando os riscos de confusão para o consumidor e a tão temida concorrência desleal.

Como principal elemento que possibilita o consumidor diferenciar o produto ou serviço que pretende adquirir, a distintividade pode ser classificada como: (i) não distintivo ou genérico; (ii) descritivo; (iii) evocativo/sugestivo; (iv) arbitrário; e (v) fantasia.

O caráter distintivo de um sinal está vinculado à sua maior ou menor capacidade de funcionar como marca. Ou seja, se diferenciar no mercado. Assim, trata-se de uma escala que dependente do produto ou serviço, podendo ser caracterizador em:

• Não distintivo – formados por imagens, expressões ou termos que identificam o próprio produto ou serviço, descrevem suas características, ou os que não são capazes de serem identificados como marca pelo público-alvo. Os “sinais genéricos ou não distintivos” são os compostos por termos, expressões e/ou elementos figurativos que remetem ao próprio significado do produto ou do serviço que identificam, nesse sentido, os signos genéricos são aqueles que “dão nome ao gênero”, ou ainda, constituem aquilo que o próprio produto ou serviço é.

• Descritivo - são aqueles que simplesmente descrevem as características dos produtos ou serviços que visam a assinalar, e possuem um grau de distintividade um pouco maior do que os

165
Marcas do INPI:

sinais genéricos, mas ainda não possuem cunho distintivo a ponto de identificarem de forma individualizada os produtos ou serviços que visam a assinalar e de indicar a sua origem, como por exemplo: “DENTAL CARE” para creme dental e “MAIS SABOR” para produtos alimentícios.

• Evocativo/sugestivo – são sinais formados por elementos nominativos ou figurativos que sugerem características do produto ou serviço sem os descreverem diretamente. Mesmo contendo proximidade conceitual com elementos descritivos, não possuem relação imediata com os produtos ou serviços que visam assinalar, sendo, portanto, passíveis de registro. Os “sinais evocativos ou sugestivos” possuem grau um pouco maior de distintividade com relação aos sinais descritivos, sendo constituídos por elementos nominativos ou figurativos que sugerem características dos produtos ou serviços sem os descreverem diretamente. Não obstante tenham proximidade conceitual com elementos descritivos, não possuem relação direta com os produtos ou serviços a que visam assinalar, sendo, em geral, registráveis no INPI, de acordo com o disposto no Manual de Marcas. Como exemplos de marcas evocatícias temos: “FOFO” para amaciantes de roupas, “SEDA” para shampoos e condicionadores e “NETSHOES” para calçados.

• Arbitrário - o sinal pode ser considerado arbitrário quando não há relação conceitual entre ele e o produto ou serviço que visa assinalar; consistem em termos ou expressões já existentes na linguagem padrão, mas que são empregados para identificar produtos ou serviços que não têm qualquer relação com o seu significado. Isto é, são marcas apostas em produtos/serviços que não possuem qualquer semelhança ou relação com o significado real daquela expressão, como “APPLE” para computadores e “JUPITER” para instrumentos musicais.

• Fantasioso - são os sinais formados sem qualquer significado intrínseco, ou seja, não retirados do vernáculo. As marcas fantasias, cujas constituições não pertencem ao vernáculo, ou nas palavras de Carlos Eduardo Carvalho22, “são

22 CARVALHO. Carlos Eduardo Neves de. Aquisição e perda de distintividade marcária. Rio de Janeiro: Editora Lumen

palavras, figuras, ou formas novas no vocabulário, e não possuem nenhum significado e relação com o produto ou serviço assinalado”. Como exemplos, temos: “TAM”, para identificar serviços aéreos, “UBER”, para serviços de transporte e “SAGATIBA”, para cachaça e “PEPSI”, para bebidas.

As marcas evocativas ou sugestivas possuem um grau de distintividade (ou exclusividade) menor que as marcas totalmente inventadas, como as fantasiosas. Por isso, nestes casos, é aconselhado realizar o pedido de registro na forma mista.

Nessa escala de classificação que quanto mais próximo um sinal estiver do patamar da fantasia para identificar determinado produto ou serviço, mais distintivo ele será e maior será a sua proteção, assim os sinais arbitrários e fantasiosos são entendidos como fortemente distintivos e com ampla proteção.

O espectro de distintividade marcário se divide como distintividade intrínseca para as marcas fantasiosa e arbitrárias e como distintividade extrínseca para as marcas descritivas e evocativas da marca.

Nas lições de Antônio Ferro Ricci23, temos que:

A distintividade intrínseca ocorre quando o sinal analisado em si mesmo, nos eu sentido primário e usual, aferindo se o mesmo guarda relação direta ou indireta com os produtos ou serviços. Para tanto, deverão ser levadas em consideração as peculiaridades linguísticas, filológicas e culturais do país no qual a norma terá aplicação. Já a distintividade extrínseca é a capacidade distintiva adquirida do sinal pelo uso prolongado no mercado. Nesta situação, a análise do sinal distintivo é feita com base no seu campo econômico, e na percepção

Juris, 2020, p.40.

23 RICCI, Antônio Ferro. O sentido secundário da marca (secondary meaning): interpretação do art. 6º, Quinquies, C.1 da Convenção da União de Paris e os reflexos do uso prolongado e das demais circunstâncias de fato na proteção das marcas. In: Seminário Nacional da Propriedade Intelectual, XXVI, p.190-199, Brasília, Anais ABPI, 2006, p.192.

166

dos consumidores.

A distintividade de um sinal não pode ser analisada de maneira isolada, ela deve ser verificada com relação ao produto ou serviço que ela visa a identificar, de forma que, o elemento distintivo de uma marca pode variar em função do objeto que ela se refere, assim, uma marca pode ser considerada distintiva para certos produtos e serviços e não-distintiva para outros.

O professor Lélio Schmidt, explica que a escala de distintividade é dinâmica, consistindo em “um filme que se desenrola durante toda a vida da marca, pode ocorrer que, no momento inicial, ela não tenha nenhuma distintividade e que com o passar do tempo ela venha a adquirir esta distintividade, podendo ocorrer também o fenômeno inverso”.

Assim sabemos que um sinal originariamente genérico pode, ao longo do tempo, adquirir um significado secundário e se transformar em sinal distintivo chamado de secondary meaning ou “capacidade distintiva adquirida”, enquanto, um sinal inicialmente fantasioso, com o uso prolongado no tempo pode tornar-se sinônimo do produto ou serviço que assinala e perder a sua capacidade de distintiva denominado pela doutrina de “vulgarização”, “degenerescência” ou “degeneração”. No primeiro caso, temos um processo de aquisição de distintividade, e no segundo, o processo é de perda de distintividade marcária.

2.2. Dos indeferimentos de processos por

falta de distintividade

Como mencionado anteriormente, para que seja registrável o sinal marcário deve ser minimamente distintivo, ou seja, não pode ser considerado um sinal genérico, necessário comum, vulgar ou meramente descritivo. Nesse sentido, o Manual de Marcas, traz alguns exemplos como:

2.2.1. vestuário - irregistrável para assinalar roupas;

2.2.2. fast food - irregistrável para assinalar serviço de alimentação;

2.2.3. pina colada - irregistrável para assinalar bebidas;

2.2.4. branquinha - irregistrável para assinalar aguardente de cana-de-açúcar;

O Manual de Marcas também elucida sinais irregistráveis por serem comumente empregado para designar uma característica do produto ou serviço, como os indicativos de natureza, nacionalidade, peso, valor, qualidade, época de produção ou de prestação de serviço.

As marcas figurativas ou mistas sem distintividade, que sejam compostas por elemento figurativo descritivo ou de uso comum, também são considerados irregistráveis. Assim, entendemos que, a análise de distintividade demanda verificação quanto a capacidade que o conjunto marcário efetivamente tem para identificar e distinguir especificamente o produto ou serviço que assinala.

2.3.Dos processos indeferidos pelo INPI com decisões reformadas para deferimentos

O INPI tende a indeferir os processos de registros de marcas pelo art. 124, IV da LPI, sempre que o examinador entende que o sinal marcário em análise carece de distintividade, de forma a ser expressão ou figura insuscetível de ser apropriada a título exclusivo como marca pelo requerente.

Nesse sentido, acompanhamos o andamento do processo nº. 911996400, da marca CASA DAS VERDURAS, na classe: 35, que inicialmente teve seu indeferimento publicado com base no art. 124, VI, da LPI, e após interposição de recurso do titular, teve sua decisão reformada para deferimento.

O processo em comento fixou o entendimento de que: “A expressão composta por “casa da(s)/ do(s) + nome de produto” possui suficiente distintividade para ser registrada como marca, desde que não seja comprovado o uso da expressão em segmento de mercado para identificar estabelecimento de comércio de produtos/serviços.”, conforme publicado na Coletânea de Decisões

167

da 2ª Instância Administrativa24 do INPI.

Do parecer técnico dessa decisão extraímos ainda que:

O pedido de registro sobre a marca em epígrafe foi indeferido pelo artigo 124, VI, da LPI, sob o entendimento de que a expressão CASA DAS VERDURAS possui caráter descritivo em relação aos serviços assinalados, tratando-se de expressão insuscetível de ser apropriada a título exclusivo como marca. Em análise ao recurso administrativo, foi observado que o termo “casa” possui significados múltiplos, razão pela qual a análise do requisito de distintividade deve se pautar nas circunstâncias de fato específicas ao segmento de mercado em que se busca registrar a marca. Constatou-se que a expressão “casa de carnes”, por exemplo, é fartamente utilizada em seu segmento, sendo, portanto, irregistrável à luz do artigo 124, VI, da LPI. Por outro lado, quanto a expressão “casa das verduras”, não foi constatada a existência de elementos capazes de conduzir ao entendimento de que a expressão seja utilizada no mercado como descritiva do local onde se comercializa verduras. Concluiu-se que, não havendo elemento que ateste a costumeira utilização do termo “casa” como indicativo de estabelecimento comercial em determinado segmento específico de mercado, não há incidência do artigo 124, VI, da LPI, motivo pelo qual foi reformado o indeferimento do pedido de registro de marca.

https://busca.inpi.gov.br/pePI/servlet/MarcasServletController?Action=detail&CodPedido=3458661. Acesso em 08/02/2023.

Temos como exemplo outra decisão emblemática de reforma para deferimento, o processo nº. 909425140, da marca A TAPIOCA TAPIOCARIA, na classe 43, também indeferido inicialmente pela marca ser constituída por expressões descritivas, sem suficiente forma distintiva, em que no parecer técnico, o entendimento foi de que o sinal não infringe o art. 124, VI, da LPI, na medida em que se encontra revestido de suficiente forma distintiva, em que pese as expressões “tapioca” e “tapiocaria” sejam irregistráveis isoladamente.

24 Coletânea de Decisões da 2ª Instância Administrativa. 1ª Edição. 2021. Disponível: https://www.gov.br/inpi/pt- br/servicos/recursos-e-nulidades/revista-jurisprudencia-marcas-versao-final.pdf. Acessado em 08/02/2023.

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https://busca.inpi.gov.br/pePI/servlet/MarcasServletController?Action=detail&CodPedido=3200092. Acesso em 08/02/2023.

Já a marca CROSSFIT, processo nº. 903046261, na classe 41, que o INPI indeferiu por considerar expressão comum para prática de esportes, após análise do recurso interposto, a decisão indeferitória foi reformada para deferimento, com entendimento fixado na Coletânea25 de decisões do INPI:

O uso legítimo de marca no Brasil, por licenciados não vinculados entre si, não configura a diluição da marca. O elemento nominativo criado por particular para identificar determinado produto ou serviço, regularmente registrado como marca em seu país de origem, não é sujeito à incidência da norma prevista no art. 124, VI, da LPI.

https://busca.inpi.gov.br/pePI/servlet/MarcasServletController?Action=detail&CodPedido=2414281. Acesso em 08/02/2023

Assim, retiramos da Coletânea em comento informações do inteiro teor do parecer técnico:

O artigo 124, VI, da LPI visa evitar a monopolização de termos que integram o domínio público e, portanto, podem ser livremente utilizados por todos. A marca CROSSFIT foi indeferida por ter sido entendido que se trata de termo simplesmente descritivo para identificar prática esportiva específica. Em análise ao recurso, constatou-se que se trata de termo adotado pelo criador do método de treinamento e fundador da empresa titular de registros de marca em diversos países destinados a assinalar serviços de academia de ginástica e correlatos. Também, consignou-se o reconhecimento, por parte da mídia especializada, de que CROSSFIT é marca estrangeira que, inclusive, é utilizada de forma licenciada por atores do segmento no mercado nacional. Diante destas circunstâncias, concluiu-se que o termo CROSSFIT é marca internacionalmente reconhecida e, como tal, pode ser registrada em território brasileiro. O termo decorre de criação particular, não pertence ao patrimônio comum e, portanto, em interpretação teleológica da norma, revela-se insuscetível da incidência da norma prevista no artigo 124, VI, da LPI. Sob este entendimento, foi reformado o indeferimento do pedido de registro de marca.

25 Coletânea de Decisões da 2ª Instância Administrativa. 1ª Edição. 2021. Disponível: https://www.gov.br/inpi/pt- br/servicos/recursos-e-nulidades/revista-jurisprudencia-marcas-versao-final.pdf. Acessado em 08/02/2023.

Temos outros exemplos de decisões reformadas administrativamente, após análises dos recursos de seus titulares, por entendimento de que os conjuntos marcários contém suficiente forma

169

distintiva para serem registráveis como marca, os processos abaixo:

Processo: 921774362

Marca mista: ALHO DA TERRA, na classe 31

Processo: 921774362

Marca mista: AÇAÍ CALZONE, na classe 35

Processo: 921556144

Marca mista: ADEGA MALL, na classe 35

Processo: 920508197

Marca mista: CLÍNICA SOLUÇÃO MÉDICA, na classe 44

Processo: 921309015

Marca mista: TREVO ARQUITETURA E JARDINAGEM, na classe 35

Processo: 920690467

Marca mista: MAXI PROTECK, na classe 01

Processo: 920690564

Marca mista: MAXI SPRAY MAIS, na classe 01

Processo: 918399793

Marca mista: MARROQUINA CERA DEPILATORIA DE CHOCOLATE, na classe 03

Processo: 911712194

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Marca mista: PRODUTOS SABOR, na classe 30

deferimento do pedido de registro, que assim, fixou o entendimento na Coletânea de decisões do INPI26: “É irregistrável o conjunto marcário que tenha por elemento principal termo considerado irregistrável, ainda que requerido em forma mista de apresentação que não confira suficiente distintividade ao conjunto”, de onde extraímos o parecer técnico em inteiro teor:

Processo: 920187900

Marca nominativa: HARVEST, na classe 01

2.4.Dos processos indeferidos com decisões mantidas após análises de recursos administrativos

Os processos de indeferimento de marca dos quais a decisão é mantida por falta de distintividade da marca como prevê o art. 124, VI, da LPI, representando assim casos dos quais os sinais são genéricos, comuns ou vulgares, são definidos judicialmente por parte do órgão por não estarem dentro dos padrões de binômios que estão previstos na LPI, sendo assim a análise do Instituto Nacional de Propriedade Industrial prevê que a marca de produto ou serviço analisada não possui exclusividade e, portanto, não há a necessária distintividade dos demais produtos de ramo ou gênero semelhante.

Nesse sentido, temos como exemplo de recurso contra o indeferimento com provimento negado, onde o examinador entendeu que realmente há falta de elemento distintivo para aprovação da marca, o processo nº 824936841, da marca

QUALYTAH COZINHAS E DORMITÓRIOS, na classe 20, mesmo na forma mista, impossibilitando o

A análise de distintividade de marca demanda verificação quanto a capacidade do conjunto marcário efetivamente identificar a origem específica de produto/ serviço. O artigo 124, inciso VI da LPI visa impedir que algum particular se aproprie à título exclusivo de elemento amplamente adotado pela sociedade para identificar determinado produto ou serviço. No caso objeto de análise recursal, constatou-se que a apresentação mista na qual foi requerida a marca não continha elementos de fantasia que possuíssem considerável relevância no conjunto marcário requerido, a ponto de conferir capacidade distintiva à marca. Entendeu-se que, apesar da forma mista de apresentação na qual foi requerida marca, a representação gráfica não era suficiente para desviar a atenção do consumidor do elemento nominativo irregistrável. Por isso, concluiu-se permanecer o impedimento legal, razão pela qual foi mantido o indeferimento do pedido de registro de marca.

O parecer técnico mencionado, especifica a necessidade do conjunto marcário ser minimamente distintivo, uma vez que, a expressão nominativa “Qualytah”, não é um elemento distintivo relevante mesmo que associada das características visuais do logotipo requerido, que também são comuns, portanto, mesmo como marca mista, o sinal é irregistrável.

26 Coletânea de Decisões da 2ª Instância Administrativa. 1ª Edição. 2021. Disponível: https://www.gov.br/inpi/pt- br/servicos/recursos-e-nulidades/revista-jurisprudencia-marcas-versao-final.pdf. Acessado em 08/02/2023.

171

Podemos citar ainda outros vários casos em que o examinador manteve a negativa do processo de registro de marca por entender que o conjunto carece de distintividade, senão vejamos:

Processo: 922525161

Marca mista: ANNALYZE, na classe 42

Processo: 920604897

Marca mista: SHOP DO AUDIO, na classe 35

Processo: 914049704

Marca mista: PME PEQUENAS E MÉDIAS EMPRESAS CONSULTORIA EMPRESARIAL, na classe 35

Processo: 913533840

Marca mista: LOJA DO CUTELEIRO, na classe 35

Processo: 913686530

Processo: 921981414

Marca mista: VEG & FIT, na classe 29

Marca mista: GELATTO EXPRESS, na classe 35

Processo: 913687006

Processo: 920520979

Marca mista: GYM, na classe 41

Marca mista: GRAXASÓLIDA, na classe 04

Analisando os processos indeferidos com as decisões reformadas para deferimentos ou os com seus recursos improvidos, que foram mencionados nesse trabalho, cujos titulares visando distinguir os seus produtos e serviços, requereram

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https://busca.inpi.gov.br/pePI/servlet/MarcasServletController?Action=detail&CodPedido=1550909. Acesso em 09/02/2023

perante o INPI o registro de suas marcas, tendo tido suas pretensões impedidas em primeira análise pelo que preceitua o inciso VI, do art. 124, da LPI, podemos concluir que além do preceito do ordenamento jurídico, a decisão final também caberá ao entendimento subjetivo do examinador, pois algumas marcas com características visuais teoricamente distintivas tiveram manutenção do indeferimento, enquanto outras com sinais visuais apenas de letras estilizadas foram aprovados.

A análise de uma marca mista, também chamada de composta, com elementos figurativos e letras estilizadas, que possua cunho próprio distintivo, apresentando-se disponível quanto à condição de distintividade de sinal, não se podendo determinar que seja “sinal ou expressão de uso necessário”, conforme ditame legal do artigo 124, inciso VI, uma vez que trata-se de um nome idealizado a partir da união de palavras e figuras, sendo apenas uma expressão marcária que deve ser vista “no seu conjunto”, perfeitamente enquadrada na condição de distintividade do sinal, relacionando-se com a própria função da marca, assim, as marcas devem sempre ser tratadas com base no tratamento isonômico.

3. DO APOSTILAMENTO

Até a Resolução nº. 161/2016, o INPI publicava o apostilamento junto com as concessões dos registros de marcas, de modo que, quando a marca era formada por alguma expressão comum, de cunho genérico, ou vulgar, considerado com irregistrável por carecer de distintividade, constava como apostilas de não exclusividade, no respectivo certificado.

Com relação à sua finalidade, de acordo com a versão anterior do Manual de Marcas do INPI, a

apostila esclareceu a parte sobre o âmbito da proteção conferida à marca, o qual era, e continua sendo, determinado com base nas proibições constantes da LPI. Para Lélio Schmidt27

As apostilas são observações feitas pelo INPI ao conceder o registro de marca, anotadas no ato de concessão e no respectivo certificado de registro, para aclarar que a proteção não se estende às palavras, figuras ou formas não distintivas que integram uma marca mista ou complexa.

Já o professor Denis Barbosa28, entende o apostilamento como:

como propósito restringir os novos direitos ao limite da possibilidade do domínio público baseado no princípio da proporcionalidade, ou seja, o apostilamento deve ressalvar o máximo possível a pretensão do depositante em face do domínio comum.

A partir desse apostilamento, tínhamos medidas mais restritivas ao que se refere ao limite de proteção de uso e exclusividade da marca, tanto para quem obtém seu registro quanto aos juízes que avaliam tal marca. Segundo o professor Lélio Schmidt29, ao que se refere a prática do apostilamento:

ser costumeira ou legal, há controvérsias devido ao apostilamento restringir o uso comum da marca dependendo de seu território, e delegando tal responsabilidade para o país do qual a marca é registrada e suas próprias apostilas. O Brasil apresenta uma forma distinta de apostilamento, que já é de costume administrativo e jurídico, sendo assim apenas o aplicou no seu âmbito de Propriedade Industrial, prática

27 SCHMIDT, Lélio Denicoli. A Distintividade das Marcas. São Paulo: Manole, 2013, p.60.

28 BARBOSA, Denis Borges. Novos textos – signos distintivos. Apostilamento no direito de marcas. Disponível em: https:// www.dbba.com.br/wp-content/uploads/apostilamento-no-direito-de-marcas.pdf. Acesso em: 09/02/2023.

29 SCHMIDT, Lélio Denicoli. A Distintividade das Marcas. São Paulo: Manole, 2013, p.117e118.

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essa que é feita sem a anuência de seu depositante, do contrário do que é estabelecido em outros países.

Sabendo as motivações do apostilamento por parte do INPI na certificação das marcas, podemos analisar as consequências que a falta desse apostilamento pode gerar. A presença da apostila em determinados registros de marca, que são constituídos por sinais de caráter comum estabelecem que esses sinais não podem ser de uso exclusivo de determinada empresa, o exemplo utilizado por Schimidt é da marca DECOLAR VIAGENS E TURISMO:

A presença da apostila no registro da marca mista “DECOLAR VIAGENS E TURISMO” (822.079.429), ressalvando a ausência de proteção para elementos nominativos, levou o STJ a reconhecer o direito dos demais concorrentes ao livre uso das expressões “turismo”, “viagens” e “decolar” na composição de outras marcas de serviços de turismo.

Porém em contrapartida, o INPI em diversos momentos utilizou de forma errática o apostilamento de uso exclusivo de elementos da marca, o que concede uma margem para empresas utilizarem com exclusividade sinais de uso comum, limitando o uso das expressões comuns por outras empresas do mesmo ramo.

O uso e desuso da apostila por parte da Autarquia, possui diversos precedentes desse mesmo gênero. Entende-se que por parte do INPI, a utilização de termos genéricos ou descritivos de forma óbvia não deve ser entendida como não utilizável, ou seja, não pode ser uma alegação em casos de indeferimento ou nulidade da marca, por serem obviamente de uso comum, por mais que não esteja prescrita em apostila. O apostilamento então cabe como um auxílio ao discernir a análise de termos exclusivos ou

de uso comum, e não um fator determinante para o uso exclusivo do elemento.

A Resolução que suprimiu o apostilamento, trazendo um texto padrão para todos os certificados, foi duramente criticada pelos especialistas e atuantes na seara da propriedade industrial, visto que traz certa insegurança jurídica para o tema exclusividade, o que muitas vezes precisa de tutela judicial para definição de impasses entre concorrentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por meio deste trabalho de conclusão de curso, buscou-se analisar a importância do elemento de distintividade para registrabilidade, proteção e exclusividade dos sinais marcários, conforme as disposições contidas no ordenamento jurídico brasileiro.

Assim, inicialmente abordamos o conceito da marca, bem como os seus princípios e classificações. Sendo que, se por um lado as funções primordiais da marca são identificar a origem de um produto ou serviço naquilo que ele visa a identificar, sendo vital a distintividade para efeitos da exclusividade, por outro, há sua função social, uma vez que, a marca atende tanto aos princípios da livre iniciativa privada e da livre concorrência, em benefício do particular; quanto aos princípios do acesso à informação, e da liberdade de expressão, em favor do consumidor.

Uma vez conceituado caráter distintivo, tratamos dos graus de classificação, de modo a demostrar, que a escala de distintividade adotada pela legislação pátria, demonstra os níveis de proteção que variam de acordo com a menor ou maior capacidade inerente de funcionar sinal diferenciador de outras marcas. Trata-se de uma escala, dependente do produto ou serviço assinalado, que varia da ausência total

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de cunho distintivo aos graus mais elevados de distintividade, como nos casos das marcas fantasias.

Para assegurar que os sinais marcários estão sendo aplicados dentro do grau de distintividade correto para que possa ser registrado como marca, é importante realizar uma análise de cada um dos elementos presentes, já que sinais distintivos ou evocativos possuem um grau menor de distintividade, enquanto sinais arbitrários ou fantasiosos um grau maior.

Além disso, a composição deste marcário estará mais propensa ao registro se o mesmo contiver elementos diferenciadores que comumente não são empregados no ramo de serviços ou para os produtos que visa proteger. Para ser considerado suficientemente distintivo, o sinal marcário deve ser composto por elementos suficientemente diferenciadores, fantasiosos ou estilizados e que possuam relevância no conjunto requerido, ressalvados os casos de proibição absoluta. Muitas vezes, ainda que a expressão nominativa não seja distintiva, o conjunto pode adquirir proteção, se houver elementos visuais com relevantes características diferenciadoras.

Isto posto, há de se dizer que, a lei, ao amparar as marcas com medidas excepcionais, não visa proteger tão-somente a simples combinação de palavras ou emblemas, mas proteger o direito, resultado de trabalho, da capacidade da inteligência e da probidade do seu titular, assim, sempre devem ser observados todos os elementos, sejam nominativos, figurativos e/ou letras estilizadas, que caracterizem um cunho próprio distintivo, apresentando-se disponível quanto à condição de distintividade de sinal, não se podendo determinar que seja “sinal ou expressão de uso necessário”, uma vez que, a expressão marcária que deve ser vista em seu conjunto.

Nesse sentido, amplamente esclarecemos que, a distintividade é uma das condições de fundo para validade de uma marca, assim, quando a lei faz referência à sinais distintivos, é mister concluir que tal exigência se relaciona com a própria função da marca, de maneira que seja possível sua individualização.

Entramos, então, em nosso tema central, analisando processos indeferidos pelo INPI, com base no inciso VI, do art. 124, da LPI, que após interposições de recursos de seus titulares, tiveram ou não suas decisões reformadas. Assim, verificamos que apesar de vários entendimentos fixados sobre os critérios de análise, o titular também contará com o caráter subjetivo da análise do examinador.

Por isso, fizemos referência a Resolução nº. 161/2016, que suprimiu o apostilamento das concessões dos registros, e a partir de então há publicação de texto padrão para todos os certificados, que também conta com entendimento subjetivo da legislação, e trouxe certa insegurança jurídica para o tema exclusividade, o que muitas vezes precisa de tutela judicial para definição de impasses entre concorrentes.

Ante o exposto, concluímos que a distintividade marcária, é elemento essencial para registrabilidade e exclusividade, bem como, diferencia o detentor da marca de seus concorrentes. Assim, para que se encerrem as controvérsias existentes sobre o tema, entendemos ser necessário um exame mais minucioso e padronizado por parte dos examinadores do INPI, sempre pautado pelo princípio da isonomia, de modo a não praticar injustiças com os requerentes dos pedidos de registros, considerando que, mesmo com a fixação de entendimentos técnicos para os exames, na prática nos deparamos com diversas incoerências que causam prejuízos para aqueles que buscam a proteção dos direitos marcários e a repressão dos atos de concorrência desleal.

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A POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO INFLUENCIADOR DIGITAL PELO CRIME DO ART. 190 DA LEI DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL

O presente artigo discute a possibilidade de imputação do crime de exposição à venda de produto com marca de outrem, reproduzida ilegalmente. Para tanto o presente artigo explora a figura do influenciador digital, bem como os conceitos básicos tanto de marcas, quanto dos crimes que podem contra ela serem praticados. Após tais análises, o presente artigo se predispõe a indicar se a hipótese de imputação do referido crime e suas implicações civis podem recair sobre os influenciadores digitais ou não poderiam.

Palavras-chave

Influenciadores digitais - Marcas - Crimes marcários - Exposição à Venda

Natanael Lucas Pereira Da Silva

Advogado, pós graduando em Propriedade Intelectual, Direito do Entretenimento, Mídia e Moda, pela Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil.

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INTRODUÇÃO

Os influenciadores digitais são uma figura nova no mundo. Eles estão presentes nas mídias digitais e ganharam força com o surgimento de redes sociais como o Youtube e o Instagram; sua função no meio social ainda é uma incógnita, no entanto, vem crescendo e se tornando mais importante no mundo, uma vez que o mercado publicitário vem se utilizando destas pessoas como mecanismos de divulgação de suas marcas, produtos e/ou serviços. Tal aumento da presença dos influenciadores no mercado publicitário, tem alertado o CONAR para a regulamentação deste meio de publicidade.

Ao direito cabe regular as relações humanas, que tem relevância jurídicas, o mesmo não poderia deixar de ser com os influenciadores. Dessa maneira, no presente trabalho iremos averiguar o que poderia ocorrer quando estes influenciadores estão a realizar atos que podem ser considerados infrações aos direitos marcários. Para isso, devemos levar em consideração o que diz a Lei9.279/96 sobre essa matéria.

Devemos então observar que a LPI (Lei da Propriedade Industrial) é mais antiga que a figura do influenciador digital em si, e, diante disso, o exercício que faremos no presente artigo é verificarmos a possibilidade de um influenciador incidir em uma das modalidades de crimes previstos no art. 190 da LPI, maisespecificamente o crime de “exposição à venda”.

Assim, teremos que verificar o que é a figura do influenciador, passando após a observar como funciona a proteção dos direitos de marca, para que então, possamos examinar as hipóteses de infrações contra estes direitos e se o influenciador digital pode incorrer neste. Dessa forma, iniciaremos agora verificar como se caracteriza o influenciador e quais suas responsabilidades perante seus seguidores e demais participantes da indústria.

1. DO INFLUENCIADOR

Pra que possamos começar a entender o que é um influenciador digital e suas atribuições e res-

ponsabilidades no meio social temos que, verificar o que seria esta pessoa que está na internet se comunicando com milhares ou até milhões de pessoas diariamente, através de ferramentas digitais como o Instagram, Youtube, entre outros. Uma primeira definição é a feita pelo jornalista Chico Felitti em seu podcast Além do Meme1, que descreve o influenciador da seguinte maneira:

É difícil explicar pra alguém que não consome muito internet o que que éum influencer. É uma comediante? É uma novela da vida real que a gente acompanha pelos stories todos os dias? É uma melhor amiga postiça? É tudo isso e talvez seja tudo isso e mais um pouco. (FELITTI, 2022).

Já para o CONAR, quando o assunto é a relação entre os influenciadores ea publicidade por eles feita, podem ser tidos como promotores de produtos e serviços2:

A publicidade digital vem ampliando o número de participantes e formatos, incluídos terceiros que passaram a endossar produtos e serviços perante o público consumidor. Conhecidos como Influenciadores Digitais, referidos agentes ganharam projeção na comunicação comercial em rede. Em geral, os Influenciadores abordam temas de diversas naturezas, sendo o caráter orgânico do conteúdo produzido por cada um deles a base da relação de confiança entre os Influenciadores e seus seguidores. (BRASIL, 2021).

Em ambas as definições trazidas, temos a presença de um elemento em comum, qual seja, a presença do elemento de proximidade/confiança entre quem passa a mensagem e quem recebe a informação, quer ela tenha caráter

1 ALÉM DO MEME: bota pó #17. [Locução de]: Chico Felliti. [S. l.]: Além do Meme, 25 mar. 2022. Podcast. Disponível em: https://open.spotify.com/episode/60zQVs2LohWahOHPv6EY4O?si=Be4yVB6wQkqTyhooU612ZA&nd=1. Acesso em: 05 abr. 2022.

2 BRASIL. Guia de publicidade por influenciadores digitais. São Paulo: CONAR, 2021. Disponível em: http://www.conar.org.br/pdf/CONAR_Guia-de-Publicidade-Influenciadores_2021-03-11.pdf. Acesso em: 5 abr. 2022.

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publicitário ou não. Percebemos então que o influenciador que divulga e compartilha informações com os seguidores, cria um vinculo de confiança com estes. É uma verdadeira relação de amizade e admiração por parte de quem o segue, que passa então a querer se identificar com aquele suposto “amigo”, que, no entanto, está apenas a exercer o seu trabalho de forma habitual.

1.1. Da responsabilidade do influenciador

Portanto, o trabalho do influenciador digital é o compartilhamento de conteúdo com seus seguidores. Muitos desses conteúdos são pagos, sendo considerados pelo CONAR como verdadeira publicidade, pois de fato os são. Exatamente por este motivo, o CONAR editou o Guia de Publicidade por Influenciadores Digitais no capítulo em que trata das formas de conscientização,afirmando que:

A profusão do conteúdo pelos usuários de rede, e a crescente relevância da publicidade realizada pelos Influenciadores contratados, recomendam com maior ênfase a atuação educativa prévia, ressaltando a importância da abertura de canais de conscientização, capacitação e aprendizagem sobre os parâmetros para a promoção da publicidade responsável (...). (BRASIL, 2021).3

Como pudemos observar, para o principal órgão de autorregulamentação do setor publicitário brasileiro, o influenciador deveria ser capacitado e aprender sobre como realizar uma publicidade responsável em sua comunicação com os seusseguidores, em outras palavras, os influenciadores devem ser responsáveis e profissionais na sua atividade. Isso porque estes atuam como verdadeiras pontes entre os fornecedores e consumidores4, pois através de seus posts já é

3 Ibid., 2021.

4 “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço comodestinatário final”; “fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”; de acordo com o art. 2 º e 3º do Código de Defesa do Consumidor

possível ser diretamente direcionado ao site de compras do fornecedor com apenas um deslizar de dedos. Assim, quando tudo acontece de forma correta e legal, os seguidores do influenciador (consumidores) seguem para a compra no site de seu anunciante(fornecedores), realizam a compra e seguem sua vida.

Percebe-se que a publicidade realizada através do influenciador digital vem crescendo cada vez mais no mercado. O CONAR já definiu também as formas comoelas podem ocorrer, quais sejam, de forma paga com a contratação do influencer para fazê-lo, bem como na forma de mensagem ativada – os conhecidos “recebidos/brindes” –, que muito embora não gerem um retorno financeiro direto ao influencer ainda sim é considerada como uma ferramenta de publicidade do produto/serviço, uma vez que levam ao seu público consumidor o conhecimento daquele bem e muitas vezes o endossam e, por esse motivo, as marcas os enviam.

Vale ressaltar que, todas as ferramentas de publicidade utilizadas pelas marcas têm o fim de conquistar consumidores para si; e, sobre a importância da utilização deste mecanismo para as marcas, já ficou consignado pela ilustre professora Cesário (2019, n. p.) que

a publicidade, que é a principal ferramenta de divulgação e construção da marca, realiza seu propósito de divulgar, promover e difundir um produto ou serviço no mercado, ampliando a clientela e acirrando a concorrência.5

Como dito pela doutora, o mercado publicitário é um dos mais importantesna formação da imagem da marca de forma a angariar clientes fiéis a ela, aumentando seu conhecimento no mercado e fomentando a concorrência. Dessa maneira, o influenciador ao estar presente nas redes sociais diariamente exercendo sua atividade no chamado mercado de influência, como um verdadeiro agente do ramo publicitário, deve agir com prudência e diligência no fechamen-

(Lei nº 8.078/90).

5 CESÁRIO, K. P. F. As novas marcas visuais à luz dos princípios do direito comercial. Paraná:Juruá, 2019.

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to de parcerias, uma vez que o influenciador em suas ações publicitárias pode muitas vezes acabar violando direitos de terceiros àquela relação originária, qual seja, influenciador e anunciante, ocorrendo um verdadeiro ato ilícito.

Quando o assunto é o ato ilícito o Código Civil discorre da seguinte maneira:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. (BRASIL, 2002).

E mais adiante:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (BRASIL, 2002).

Portanto, o ato ilícito pela previsão do Código Civil pode ocorrer de forma comissiva ou omissiva, por negligência6 ou imprudência7. Ainda poderia cometer o ilícito civil independente da culpa “quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”. (BRASIL, 2002).

Muito embora haja doutrinadores que aleguem que a vinculação de uma publicidade em meio digital não pode indicar risco a alguém em especifico8, tal afirmação não pode prosperar, uma vez que a publicidade feita por um influenciador pode sim trazer risco ao seu anunciante

6 Para o Dicio (2022), o significado de negligência é a “falta de cuidado, de aplicação, de exatidão, de interesse, de atenção; desleixo, descuido”.

7 Para o Dicio (2022), o significado de imprudência é agir “Sem prudência; ausência de cautela”.

8 DAVANZO, D. A. A responsabilidade civil do influenciador digital. In: MOSSE, C. N. G. (coord.). Social media law. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.

ou até mesmo para um concorrente direto. Assim seguindo a redação proposta pelo Enunciado n°. 38 da I Jornada de Direito Civil9; percebemos que em uma hipótese de publicidade de produto contrafeito da marca Nike, o dano a ela causado é maior que a outrem. Dessa feita, podemos claramente identificar o indivíduo que sofreria mais danos que os demais participantes da sociedade, ficando evidente a possibilidade de aplicação do prescrito pelo art. 927 do CC (Código Civil), quanto à teoria do risco da atividade.

Tal fato não passou despercebido à Justiça do Rio de Janeiro, pois quando acionada condenou a influenciadora digital Virginia Fonseca, que atualmente possui 36 milhões de seguidores no Instagram, ao pagamento do valor desembolsado por uma seguidora na compra de um produto indicado por Virgínia; assim, consignou em sua sentença o juiz leigo:

Assim, ao perscrutar os autos verifico que a ATIVIDADE NORMALMENTE DESENVOLVIDA pela requerida (Virgínia) implicar em expor produtos de terceiros a venda, sob sua chancela e indiscutível influência [...] Portanto, é notório que a segunda requerida faz tal ato com habitualidade, conforme se apura em seu perfil virtual na plataforma do instagram, aliado a isso, essa rénão nega tal intermediação [...] devendo RESPONDER PELOS RISCOS DO SEU EMPREENDIMENTO, CONSIDERANDO QUE QUEM RETIRA PROVEITO DE UMA ATIVIDADE DE RISCO, COM PROBABILIDADE DE DANOS, OBTENDO VANTAGENS, LUCROS, BENEFÍCIOS, DEVE ARCAR COM OS PREJUÍZOS DELES DECORRENTES. (RODAS, 2021).10

Observamos então, que, muito embora a discussão levada a justiça carioca tenha se tratado de 9 Segundo Brasil (2002), “a responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade”.

10 RODAS, S. Influenciadora digital responde por golpe dado por loja que indicou. ConJur, São Paulo, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-ago-21/influenciadora-digital-responde- golpe-loja-indicou. Acesso em: 5 abr. 2022.

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direito do consumidor, o juízo daquela comarca entendeu devidaa condenação da influencer no pagamento dos valores desembolsados pela sua seguidora, por se tratar tal fato de um risco de sua atividade, pois segundo osentenciante, a sua atividade é expor produtos de terceiros à venda e com tal atividade obtém lucros, vantagens e benefícios. A partir disso, caracterizando assim, a função de influenciador digital como um empreendimento, tal qual uma empresa, com a finalidade principal de exposição de produtos à venda.

2. DO DIREITO MARCÁRIO

A marca é o signo responsável por distinguir um produto ou serviço dos demais disponíveis no mercado. Seguindo a doutrina de Salomão Filho (2015, p. 139 e 140)11,

A marca passa a ser uma forma de ligação do produto à clientela, através da diferenciação dos demais produtos. [...] Incorpora, portanto, a reputação do bem e é um poderoso veículo de transporte de preferências.

O poder da marca para diferenciar os bens de consumo é de tão importante para assegurar o direito a livre concorrência e por isso fora necessário criar uma proteção quase tão forte quanto a de um monopólio sobre o referido bem. Sobre o tema, escreve Silveira (2018, p. 19)12 que

Pela importância econômica da marca, por sua utilidade para os consumidores e pelo estímulo que representa à livre concorrência, o legislador, a par de manter as normas que reprimem a concorrência desleal e punem os atos confusórios, conferiu à marca o status de bem imaterial exclusivo - status esse que decorre do registro criado pela lei.

Isso implica dizer que a legislação brasileira se

11 SALOMÃO FILHO, C. Teoria crítico-estruturalista do direito comercial. São Paulo: MarcialPons, 2015.

12 SILVEIRA, N. Propriedade industrial, direito de autor, software, cultivares, nome empresarial, título de estabelecimento, abuso de patentes São Paulo: Manole, 2018.

utiliza do sistema atributivo de marcas, ou seja, para a validade da marca e oposição da mesma perante terceiros é necessário o registro daquela perante o INPI, conforme preconiza o art. 129, caput da LPI13.

Assim, para que um sinal possa se constituir em marca registrável é necessário o cumprimento de alguns requisitos básicos, que conforme Schmidt (2019, p. 211 a 212)14 , podem ser definidos como:

a) Exigência de percepção visual: suas formas de expressão mais comuns consistem numa palavra ou sequência de letras (marca nominativa), numa figura (marca figurativa) ou numa combinação de ambas (marca mista);

b) Licitude: são ilícitas as marcas que atentem contra a moral, a religião, os bons costumes ou a fé pública (falsa indicação de procedência, qualidade ou utilidade);

c) Distintividade: são desprovidos de distintividade os signos de uso comum, necessário, vulgar ou técnico;

d) Veracidade: violam o princípio de veracidade as marcas enganosas, retratadas nos incisos IV, IX e X do art. 124 da Lei 9.279/96, bem como aquelas que afetam direitos previamente constituídos em favor de terceiros e

e) Disponibilidade: marcas que já são objeto de algum direito prévio, decorrente do uso, notoriedade ou outra fonte que gere um direito de preferência à obtenção do registro.

13 Vale dizer que, em algumas hipóteses previstas em Lei, a marca não registrada ou não passível de registro, não está completamente desamparada de proteção, como é o caso do uso de boa-fé (art. 129, §1° da LPI) ou a proteção pelo instituto da concorrência desleal. Tanto é assim que Vilhena (2012, p. 144), quando esta a tratar do requisito da perceptibilidade visual, alerta que “os meios alternativos de proteção não são capazes de oferecer uma segurança jurídica similar à encontrada nodireito de marcas. Assim, parece-nos que o critério da perceptibilidade visual é insuficiente para garantir a completa proteção dos novos tipos de marcas”.

14 SCHMIDT, L. D. Marcas: aquisição, exercício e extinção de direitos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.

182

Cumpridos os requisitos para concessão da marca, é garantido ao seudetentor alguns direitos15, assim previstos pela LPI em seu art. 130, sendo eles “I - ceder seu registro ou pedido de registro; II - licenciar seu uso; III - zelar pela sua integridade material ou reputação.” (BRASIL, 1996).

2.1. Da violação aos direitos

Com a concessão dos referidos direitos sobre as marcas, a LPI criou formas de proteção desses direitos, bem como crimes que poderiam ser cometidos contra as marcas registradas perante o INPI. Assim, o legislador redigiu os art. 189 e 190da LPI, os quais indicam condutas que podem ser adotadas pelo sujeito ativo do delito e que poderiam ser consideradas como crimes contra as marcas.

Portanto, o art. 190 da LPI indica as seguintes condutas:

Art. 190. Comete crime contra registro de marca quem importa, exporta, vende, oferece ou expõe à venda, oculta ou tem em estoque:

I - produto assinalado com marca ilicitamente reproduzida ou imitada, de outrem, no todo ou em parte. (BRASIL, 1996, grifo nosso).

O doutrinador Cerqueira (1982, p. 1097) define da seguinte forma o crime cometido na modalidade exposição à venda:

Por exposição à venda entende-se o fato de se possuir mercadorias destinadas à venda, ainda que nenhuma se realize. Não é necessário a exposição pública dos produtos, na loja ou armazém ou nas suas montras, para que a infração se verifique. Basta que as mercadorias estejam àdisposição de compradores eventuais.16

15 No entanto, a própria lei criou restrições a esses direitos, conforme o previsto pelo art. 132 da LPI. Assim, se o detentor de direitos marcários tentar se impor contra os usos previstos pelo referidoartigo, estaria ele cometendo abuso de direito.

16 CERQUEIRA, J. da G. Tratado da propriedade industrial São Paulo: RT, 1982. 2v.

Como dito pelo doutrinador, na modalidade de exposição a venda não é necessária a venda do bem para que o crime seja cometido, bastando apenas tê-lo em estoque.

Observamos que na definição apresentada há uma mescla entra duas modalidades de crime previstas pelo artigo, sendo elas exposição à venda e ocultação em estoque. No entanto o autor, já àquela época, deixou consignado que “O Código Penal, porém, destacou a guarda em depósito como delito diferente da exposição à venda, tendo o Código da Propriedade Industrial reproduzido a sua disposição”. (CERQUEIRA, 1982, p. 1097). De tal forma, se o mesmo decidiu usar uma definição mesclada entre os dois crimes, o fez propositalmente.

Contudo, nos dias atuais há uma verdadeira exposição de bens contrafeitos nos termos estritos da palavra, que é tida como: “ação de expor, de apresentar por escrito ou oralmente; demonstração, explanação: exposição de uma teoria, de um produto”. (DICIO, 2022)17. Assim, o crime aqui tratado depende de uma exposição efetiva do produto falsificado, seja ela em vitrine de loja ou em qualquer outro meio de exposição ao público.

Portanto, os elementos constitutivos do crime são: a) existência de umregistro válido, nos termos acima explanados e b) o fato constitua uma violação ao direito do titular do registro.

De tal sorte, uma publicidade feita por um influenciador de um produtocontrafeito da marca registrada Nike, com a exposição desse produto em suas redessociais com um link para compra, que prontamente poderia ser acessado por seus milhares ou milhões de seguidores, com um deslizar de dedos – sem sequer sair da plataforma em que estão – se enquadraria na hipótese prevista pela lei, e, assim, sequer seria cabível o crime tentado no presente caso18. Logo, a publicação de produto falso por influenciadores com

17 DICIO. 2022. Disponível em: https://www.dicio.com.br Acesso em: 05 abr. 2022.

18 Importante destacar que conforme a redação do art. 12 do Código Penal, ao crime previsto pela Leida Propriedade Industrial recaem as regras gerais previstas por aquela Lei Geral, inclusive no que tange ao crime tentado ou consumado

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intuito de venda seria o suficiente para consumação do fato delituoso.

Maia e Ponte (2021)19 dizem que é necessário que qualquer um que for realizar um post em sua rede social relembre que as marcas registradas continuam o sendo e, portanto, existem com seus limites de uso previstos em lei, e qualquer uso dela deveria levar em conta suas limitações legais. Tal cuidado deve ser então redobrado quando se trata de uma pessoa que receberá um benefício em troca da publicação de um produto com a marca de outrem. Contudo, destacam que devido a extrema informalidade do meio digital não é bem assim que agem os influenciadores, que acham que as

marcas de titularidade de terceiros poderiam ser utilizadas “a la vonte” ou mesmo de que a publicidade no uso seria sempre benéfica e, portanto, não haveria motivo para o titular se opor. Entretanto, é necessário que os usos de signos sejam feitos dentro dos limites legais. (MAIA; PONTE, 2021, p. 221).20

Logo, se partimos do pressuposto que o homem médio deveria ter prudênciaao realizar um post que contenha marca registrada de outrem, essa cobrança sobre a postura dos influenciadores é ainda maior, de tal modo que quando não age com a prudência que lhe é cabida acabaria por cometer um ato ilícito nos termos do CódigoCivil e um crime de acordo com a previsão da LPI, ainda que de forma culposa.

2.2. Da persecução em face do influenciador

Assim, é plenamente possível que as atitudes dos influenciadores possam ser enquadradas no crime previsto no artigo 190 da LPI, e, portanto, o detentor do direito da marca poderia realizar a persecução do crime na esfera penal, o que geraria para o réu, caso fosse condenado, uma pena de detenção de 1 (um) a 3 (três) meses, ou multa; tal ação, no entanto, não gera nenhuma condenação pecuniária que poderia ser rever-

19 PONTE, A. B. B.; MAIA, L. B. O uso das marcas nas redes sociais. In: MOSSE, C. N. G. (coord.). Social media law. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.

20 Ibid., p. 221

tida em favor do autor da ação. Dessa forma, o possuidor do direito marcário apenas desembolsaria seu dinheiro com a produçãode provas contra o réu do processo e não obteria com isso nenhum retorno financeiro, tendo a ação apenas um caráter repressivo para futuras ações contra outros influenciadores.

Schmidt (2019, p. 306) exemplifica bem tal fato em seu livro, quando diz que contudo, a única utilidade prática da tipificação desses delitos reside em permitir que o lesado proponha a ação cível de reparação no foro do autor ou do local do fato (art. 53, V, do CPC). As repercussões penais desses delitos são quase nulas. Isso se dá porque as penas cominadas são muito pequenas: detenção de 3 (três)meses a 1 (um) ano no caso dos arts. 189 e 195 da LPI e de 1 (um) a 3 (três) meses no caso do art. 190.21

Podemos perceber que as tipificações penais trazidas pelo art. 190 da LPI são meros instrumentos para que se possa aplicar a punição do infrator na esfera civil, isto fica ainda mais evidente quando colocamos a previsão do referido artigoem face do artigo 207 da LPI que diz o seguinte: “independentemente da ação criminal, o prejudicado poderá intentar as ações cíveis que considerar cabíveis na forma do Código de Processo Civil.” (BRASIL, 1996).

Tal ação civil, como visto no capitulo que trata da responsabilidade doinfluenciador com base nas previsões do Código Civil também é possível, uma vez que tanto os requisitos para ocorrência do ilícito civil, quanto da imputação da responsabilidade com base na teoria do risco estariam presentes na atividade do influenciador digital, que por exercer uma atividade profissional de forma reiterada poderia causar dano ao direito de outrem e deveria ter o devido cuidado ao executa- la.

De fato, a persecução do ato na esfera civil é muito mais vantajosa para o detentor da marca infringida, uma vez que este pode receber

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21 SCHMIDT, L. D. Marcas: aquisição, exercício e extinção de direitos. 2. ed. Rio de Janeiro: LumenJuris, 2019.

em seu favor as indenizações previstas pelos artigos 208 e 209 da LPI22, através da chamada tutela reparatória, bastando apenas que o titular do direito comprove que houve a violação para fazer jus a indenização, conforme explicado por Schmidt (2019)23

2.3. Casos Práticos

Muito embora não se tenha notícias de que há persecução de influenciadores com relação às condutas discutidas, ainda podemos analisar casos em que seria possível, caso a marca queira, mover ação contra o influenciador com base nos fundamentos acima explicitados.

Primeiramente, devemos observar o caso da influenciadora Dani Russo24, em novembro de 2019, após ser acusada pelo também influenciador Fellipe Escudero em seu twitter, de que realizava a publicidade de produtos falsificados na modalidade “mensagem ativada”25. A influenciadora postou a seguinte mensagem “eu ganhando 10 tênis falsos, pagando com 1 story que bate 1 milhão, e vocês sendo enganados achando que é de qualidade”. A influenciadora ainda afirmou que os tênis contrafeitos chegavam a custar R$1.000,00 (hum mil reais).

Vale destacar que estamos falando de bens contrafeitos que chegam acustar um valor muito alto e a influenciadora alega que desconhecia o fato de os produtos não serem originais, tal informação fora contraditada pelo influenciador. Porfim, não se têm mais acesso às publicida-

22 Art. 208. A indenização será determinada pelos benefícios que o prejudicado teria auferido se a violação não tivesse ocorrido. Art. 209. Fica ressalvado ao prejudicado o direito de haver perdas e danos em ressarcimento de prejuízos causados por atos de violação de direitos de propriedade industrial e atos de concorrência desleal não previstos nesta Lei, tendentes a prejudicar a reputação ou os negócios alheios, a criar confusão entre estabelecimentos comerciais, industriais ou prestadores de serviço, ou entre os produtos e serviços postos no comércio.

23 SCHMIDT, L. D. Marcas: aquisição, exercício e extinção de direitos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.

24 MENDES, J. E. Dani Russo promove produtos falsificados no Instagram Feed Club, [s. l.], 2019. Disponível em: https:// www.feedclub.com.br/dani-russo-produtos-falsificados/ Acesso em: 19 abr. 2022.

25 Na mesma publicação em que Escudero (2022) afirmou que a influenciadora realizava a publicidade de produtos falsos, o mesmo alegou que além dos recebidos ela receberia um “cachê”.

des feitas por Dani Russo, se tornandodifícil de auferir a veracidade das informações, tanto dela quanto de Escudero (2022), sendo isto um dos maiores empecilhos para eventual ação judicial pela falta de provas.

Num outro caso também suscitado por Escudero (2022), em vídeo postado em 30 de janeiro de 2022 na plataforma youtube26, afirmando que o influenciador Wesley Alemão (3.1 milhões de seguidores27 ) estaria realizando para seus seguidores a publicidade de roupas falsas da marca Givenchy em seus stories.

O influenciador Alemão (2019) respondeu aos comentários de Escudero(2022) falando que as roupas eram 100% originais, que a loja possuía todos os documentos necessários para funcionamento e venda dos produtos, e que em caso de serem falsos, Wesley também teria sido enganado. Ocorre que bastava que Alemão (2019) entrasse no instagram da loja que estava divulgando para que percebesse que a estrutura da mesma não era condizente com as demais lojas da marca Givenchy. Além disso, os preços praticados pelo seu contratante, embora não fossem baratos, estavam muito aquem dos preços praticados pela loja oficial da Givenchy.

Portanto, se qualquer pessoa que pretendesse realizar uma compra deprodutos de uma marca de luxo se cercaria dos cuidados básicos, como verificar o local de onde está comprando e os preços praticados pela empresa no mercado perceberia que os produtos não condiziam com produtos originais. Assim, Alemão (2019) ao fazer a publicidade, destacando-se o seu trabalho, deveria tê-lo feito como mínimo de prudência e responsabilidade. Além disso, sendo certo que por ter deixado de fazê-lo, poderia incorrer no crime de exposição à venda de produtos falsos.

Finalmente, cabe dizer que em nenhum dos ca-

26 INFLUENCERS de roupas falsas: vendendo givenchy pirata. [S. l. : s. n.], 2022. 1 vídeo (13 min). Apresentado por Fellipe Escudero. Publicado pelo canal Hyped Content Brasil. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=AKjNsRUEze0 Acesso em: 25 abr. 2022.

27 WESLEY ALEMÃO. [S. l.]. 19 abr. 2022. Instagram: @wesleyalemão. Disponível em: https://www.instagram.com/wesleyalemao/. Acesso em: 19 abr. 2022.

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sos houve um posicionamento dos detentores de direitos das marcas quanto aos fatos e muito menos fora intentada uma ação contra os influenciadores citados. No caso de Dani Russo, não se possui mais os stories ou prints dos supostos produtos, no entanto, no caso de Alemão (2019), todos os prints, vídeos e áudios foram preservados no vídeo do youtube de Escudero (2022). Caso seja intentada alguma medida pelo detentor dos direitos, os mesmos poderiam ser utilizados como elementos probatórios para a instrução processual.28

CONCLUSÃO

Após a análise do que é a figura do influenciador digital, sua responsabilidade nas mídias sociais – com base no Código Civil Brasileiro –, bem como nas normativas do CONAR, além dos crimes contra as marcas que o mesmo pode cometer, levando em conta a tipificação do artigo 190 da LPI, pudemos verificar que seria plenamente possível que o influenciador incorresse na conduta criminosa de exposição à venda de produto contrafeito, bem como nas implicações civis previstas pela LPI para o referido crime.

No entanto, a prova desse crime é de difícil produção, uma vez que na maioria das vezes o crime é cometido via publicação em stories, publicações estas que desaparecem após 24 horas no ar, ou seja, para que haja a persecução do crime em grande parte dos casos é necessário que o titular do direito marcário tome ciência do ato infratório quase que imediatamente após ser cometido, o que não é fácil nem para uma empresa de grande porte quiçá para uma empresa pequena.

Isso é diferente quando a publicação é feita no feed, que fica disponível por tempo indeterminado ou até que alguém apague a publicação.

28 Importante mencionar que o prazo para intentar a ação para obtenção de reparação do dano à propriedade industrial é de 5 anos, conforme art. 225 da LPI. No caso mencionado houve umasuposta troca de e-mails com o grupo LVMH em 28 de janeiro de 2022, que falava sobre a suposta loja que estava vendendo produtos falsos, sendo que esta poderia ser tida como a data de conhecimento do fato para contagem de prazo prescricional em eventual ação

Não obstante, muito dificilmente um influenciador admitirá que está promovendo um produto falso e com a maior qualidade das réplicas, as quais apenas um profissional poderia auferir a originalidade do produto ou não, se torna ainda mais difícil a prova do referido crime.

Contudo, nos casos em que existe a guarda da publicação antes de sua retirada do ar e há a possibilidade de realizar essa prova, entende-se que sim, poderia o influenciador ser condenado seja penalmente ou civilmente no crime de exposição à venda de produto falsificado, de acordo com o art. 190 da LPI econforme fora demonstrado no presente trabalho.

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PUBLICIDADE DIRECIONADA NO BRASIL E PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS

Este trabalho tem o objetivo de compreender a possibilidade de realização do tratamento de dados pessoais no contexto de publicidade direcionada, no cenário da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais – LGPD, alcançando seu objetivo de melhor atingir ao público sem afetar negativamente os titulares dos dados e seus direitos previstos na lei. Para tanto, serão abordados conceitos básicos da LGPD, bem como seus princípios, hipóteses legais e direitos dos titulares, e alguns pontos previstos na General Data Protection Regulation - GDPR, legislação europeia que serve de inspiração para a nacional, visando compreender a aplicação destes conceitos ao tratamento de dados pessoais nos casos de publicidade direcionada, de forma que essa ocorra atendendo aos requisitos legais e ao objetivo do tratamento.

Palavras-chave

Proteção de dados - LGPD - Dados Pessoais - GDPR

Monique Peixoto De Souza

Especialista em Propriedade Intelectual, Direito do Entretenimento, Mídia e Moda – ESA – OAB/SP.

189 14

INTRODUÇÃO

Com a aceleração e o desenvolvimento das tecnologias nas últimas décadas, incluindo daquelas que permitem o rápido compartilhamento de dados em largas quantidade e longas distâncias, bem como de ferramentas que permitem o uso dessas informações e dados de formas até então inimagináveis, fez-se necessária maior atenção a questão da proteção dos chamados dados pessoais e de seus titulares. Com o foco voltado para o desenvolvimento de medidas capazes de abranger a proteção ao maior número de situações em que há o tratamento de dados pessoais, surgem discussões de como adequar certas atividades de tratamento de dados ao previsto na legislação, buscando atender aos princípios da lei e os direitos fundamentais do titular. A publicidade direcionada pode, em um primeiro momento, causar certa estranheza àqueles que à observam do ponto de vista da privacidade, em razão de sua natureza e aplicação, entretanto é possível identificar através da legislação brasileira e, também, da legislação europeia, que serve de inspiração para o ordenamento brasileiro, as formas adequadas de realizar referido tratamento.

Pensando no melhor entendimento dos conceitos básicos necessários à compreensão da matéria, o primeiro capítulo vai trazer um breve panorama da questão da privacidade e proteção de dados no Brasil, bem como os princípios norteadores da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (“LGPD”), principal ordenamento nacional que trata sobre proteção de dados pessoais; as hipóteses legais para a realização de eventual tratamento de dados pessoais; e, por fim, os direitos do titulares desses dados pessoais diante dos agentes de tratamento.

Na sequência, o segundo capítulo vai abordar algumas referências à publicidade direcionada na General Data Protection Regulation (“GDPR”), regulamento europeu que serviu de inspiração e base para a atua lei brasileira, e legislações correlatas, e como, com base no observado no ordenamento europeu, podemos compreender ser a melhor forma de tratamento de dados pessoais para esta finalidade em concordância

com a LGPD.

Uma vez que a lei brasileira busca também colaborar com o desenvolvimento econômico, dentre outros fundamentos neste sentido, espera-se identificar que não há qualquer ensejo de dificultar o tratamento de dados pessoais, mesmo em uma situação de maior complexidade para conciliação com os direitos dos titulares e princípios da lei, sendo mais provável a aplicação das bases legais de legítimo interesse e consentimento, resguardadas suas particularidades e as condições específicas de cada tratamento de dados pessoais.

1. DA PROTEÇÃO DE DADOS

Os dados pessoais são considerados como um dos principais ativos do mundo atual, dentre muitas razões, também por sua grande valia para o desenvolvimento efetivo de ações de publicidade direcionada, buscando atingir os consumidores de forma mais proveitosa e direta do ponto de vista comercial1. Diante disto, bem como do desenvolvimento da tecnologia, que possibilitou um grande avanço no tratamento de dados, e do crescimento da transferência internacional de dados pessoais gerada pelo surgimento dos blocos econômicos e da globalização, atentou-se para a necessidade de proteção de direitos fundamentais que pudessem vir a ser negativamente afetados por essas mudanças.2

1.1. O cenário atual da proteção de dados no Brasil

A proteção de dados pessoais é assegurada como um direito fundamental, pelo artigo 5º, LXXIX da Constituição Federal do Brasil, competindo à União organizar, fiscalizar e legislar sobre o assunto3. Desta forma, o principal disposi-

1 DONEDA, Danilo Cesar Maganhoto. A proteção de dados pessoais nas relações de consumo: para além das informações creditícias. Bras lia: Secretaria de direito econ ômico / Departamento de proteção e defesa do consumidor, 2010. p. 9

2 MALDONADO, Viviane Nóbrega; BLUM, Renato Opice (Coord.).

Lei Geral de Proteção de Dados Comentada. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 22.

3 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil Bras lia, DF: Presidência da Repúbli-

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tivo relativo à proteção de dados no Brasil é a Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018, mais conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (“LGPD”), que entrou em vigor em setembro de 2020, e dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, visando proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade, e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural.4 Tal lei se aplica a qualquer tratamento de dados pessoais realizado, seja por meios físicos ou digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, desde que a operação aconteça em território nacional, tenha por objetivo a oferta ou o fornecimento de bens ou ser serviços ou o tratamento de dados de titulares localizados no Brasil, ou quando os dados pessoais tenham sido coletados em território nacional.5

Ademais, além da LGPD, a proteção de dados pessoais em âmbito nacional encontra-se baseada em outras legislações, como o Marco Civil da Internet, que traz entre seus fundamentos a proteção dos dados pessoais, bem como direitos e garantias dos usuários da internet, e procedimentos, relativos a referidos fundamentos;6 e, o Código de Defesa do Consumidor, que prevê direitos do consumidor relativos à proteção de dados pessoais;7 além dos dispositivos normativos editados pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (“ANPD”), órgão competente por zelar pela proteção de dados pessoais, conforme o Capítulo IX da LGPD.8

ca, 1988. Dispon vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 20 mar. 2022. arts. 5º,LXXIX; 21, XXVI; e, 22, XXX.

4 BRASIL. Lei nº 13709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Brasília, Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em: 15 mar. 2022. art. 1º.

5 BRASIL. Lei nº 13709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Brasília, Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709. htm.Acesso em: 15 mar. 2022. art. 3º.

6 BRASIL. Lei nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Marco Civil da Internet. Brasilia. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm. Acesso em: 24 mar. 2022.arts. 2º, II e III; 7º, VI, VIII e X; Capítulo III, Seção II.

7 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 21 mar. 2022.

8 BRASIL. Lei nº 13709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de

1.2. Princípios da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais

A LGPD traz, em seu artigo 6º, os princípios a serem observados na aplicação da lei, principalmente quando da observância da legitimidade do tratamento de dados pessoais e dos direitos dos titulares. Todo e qualquer tratamento de dados pessoais deverá, além da esperada boa-fé, seguir os princípios da i. finalidade, que prevê a indispensabilidade de propósitos legítimos, específicos, explícitos e informados ao titular, não havendo a possibilidade de tratamento posterior incompatível com as finalidades apresentadas ao titular9, ou seja, “o motivo da coleta deve ser compatível com o objetivo final do tratamento dos dados”10; ii. adequação, intrinsecamente ligado ao princípio anterior, que exige que todo tratamento de dados a ser realizado deverá ser compatível com as finalidades informadas ao titular11; iii. Necessidade, que delimita o tratamento de dados pessoais ao mínimo necessário para a realização prática das finalidades apresentadas ao titular, não permitindo que se excedam as formas de tratamento e os dados pessoais além do estritamente necessário às finalidades previamente apresentadas ao titular dos dados12; iv. livre acesso, que trata incisivamente de um direito do titular, garantindo a este a consulta facilitada e gratuita sobre a forma e duração do tratamento, e da integralidade de seus dados13; v. qualidade dos dados, que, seguindo na esteira dos direitos dos titulares, garante que seus dados pessoais deverão ser exatos, claros, relevantes e atualizados, em consonância à necessidade e à(s) finalida-

Proteção de Dados (LGPD). Brasília, Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm.

Acesso em: 15 mar. 2022. art. 3º.

9 Ibid. Art. 6º, I.

10 MALDONADO, Viviane Nóbrega; BLUM, Renato Opice (Coord.). Lei Geral de Proteção de Dados Comentada. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 138.

11 BRASIL. Lei nº 13709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Brasília, Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em: 15 mar. 2022. art. 6º, II.

12 BRASIL. Lei nº 13709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Brasília, Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em: 15 mar. 2022. art. 6º, III.

13 Ibid., art. 6º, IV

191

de(s) do tratamento14, buscando evitar qualquer imprecisão no tratamento de dados pessoais e, como consequência, impactos negativos ao titular dos dados15; vi. transparência, que, também abordando um direito dos titulares, garante informações claras, precisas e facilmente acessíveis sobre o tratamento de dados e os agentes de respectivos tratamentos16; vii. segurança, que obrigada os agentes de tratamento a aplicarem medidas técnica e administrativas aptas à proteção dos dados pessoais tratados, seja de acessos não autorizados ou de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou difusão17; viii. prevenção, que, seguindo o princípio da segurança, traz a adoção de medidas para prevenir a ocorrência de danos ocasionados em razão do tratamento de dados18; ix. não discriminação, que coíbe o tratamento de dados para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos19; e, x. responsabilização e prestação de contas, que prevê a demonstração e a comprovação da adoção de medidas que garantam a observância das normas de proteção de dados pessoais de forma eficaz.20

1.3. Hipóteses Legais para o tratamento de dados pessoais

A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais é bem clara e direta ao definir as hipóteses legais legitimadoras de tratamentos de dados pessoais e dados pessoais sensíveis, em seus artigos 7º e 11. No caso dos dados pessoais comuns, são dez as bases legais que devem ser consideradas, sem qualquer prioridade, sendo elas o cumprimento de obrigação legal ou regulatória pelo controlador dos dados; a execução de políticas públicas pela administração pública; a realização de estudos por órgão de pesquisa, desde que garantida a anonimização dos dados pessoais sempre que possível; a execução de contrato ou de procedimento preliminar re-

14 Ibid., art. 6º, V.

15 MALDONADO, Viviane Nóbrega; BLUM, Renato Opice (Coord.). Lei Geral de Proteção de Dados Comentada. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 149.

16 BRASIL, op. cit., art. 6º, VI

17 Ibid., art. 6º, VII.

18 Ibid., art. 6º, VIII

19 Ibid., art. 6º, IX.

20 Ibid., art. 6º, X.

lacionado a contrato, desde que o titular seja parte integrante deste contrato e a seu pedido; o exercício regular de direitos em processos, sejam judicial, administrativo ou arbitral; a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro; a tutela da saúde, desde que em procedimento realizados por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária; a proteção ao crédito; e, por fim, nas duas hipóteses mais relevantes quando da discussão da publicidade direcionada, através da coleta de consentimento do titular, em conformidade com requisitos específicos trazidos pela lei, e quando necessário para atender aos interesses legítimos do controlador ou de terceiro, excetuados casos em que prevaleçam direitos e liberdades fundamentais do titular.21 Já para o tratamento de dados pessoais sensíveis, há a prevalência da preferência pela adoção da hipótese legal de coleta de consentimento do titular, e, no caso de não haver este fornecimento de consentimento, podem ser adotadas as demais bases anteriormente mencionadas, com exceção da execução de contrato ou de procedimentos preliminares; a proteção ao crédito; e, o interesse legítimo; e com a adoção do exercício regular de direitos em contrato junto ao exercício de direitos em processos, e da nova base de garantia da prevenção à fraude e à segurança do titular em processos de identificação e autenticação de cadastro em sistemas eletrônicos.22Dando ênfase para as hipóteses legais mais recorrentes quando dos fluxos de tratamento de dados pessoais com a finalidade de publicidade direcionada, é possível observar algumas especificidades apontadas pela LGPD no que tange a aplicação destas bases. No tocante ao consentimento, definido pela lei como a “manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada”23, cabe destacar que deverá ser fornecido por escrito ou por qualquer outro meio que demonstre a vontade do titular, apontado finalidades deter-

21 BRASIL. Lei nº 13709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Brasília, Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709. htm. Acesso em: 15 mar. 2022. art. 7º.

22 Ibid., art. 11.

23 Ibid., art. 11.

192

minadas, de forma que disposições genéricas serão consideradas nulas, e em cláusula apartadas das demais quando realizado por escrito24 Será de plena responsabilidade do controlador o ônus de prova da coleta do consentimento do titular nos termos expressos pela LGPD, e o titular dos dados poderá revogar seu consentimento a qualquer momento, por meio de uma manifestação expressa, de forma gratuita e fácil.25 Cabe destacar que, no caso de tratamento de dados pessoais comuns, o consentimento poderá ser dispensado para os dados tornados manifestamente públicos pelo titular, o que não desobrigará os agentes de tratamento de cumprirem com as disposições da LGPD, em especial na observância dos direitos dos titulares e princípios26. Por fim, caso as informações prestadas ao titular sejam enganosas, abusivas ou sem a devida prévia transparência, o consentimento será considerado como nulo27, e no caso da mudança de finalidade para o tratamento de dados pessoais incompatível com o consentimento original, o controlador deverá solicitar o consentimento do titular previamente, de forma que o titular poderá não o conceder caso não concorde com o tratamento, e este deverá ser cessado28.

Já no caso do legítimo interesse, este deverá fundamentar finalidade legítimas, baseadas em situações concretas, como por exemplo, o apoio e promoção de atividades do controlador, ou a proteção do exercício regular dos direitos do titular ou prestação de serviço que o beneficie, respeitando sempre as legítimas expectativas, os direitos e liberdades fundamentais do titular29. Ademais, há a previsão que reforça a necessidade de transparência nos fluxos de tratamento de dados pessoais baseados na hipótese legal do interesse legítimo do controlador30, e do

24 Ibid., art. 8º, caput e §§ 1º e 4º.

25 BRASIL. Lei nº 13709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Brasília, Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709. htm. Acesso em: 15 mar. 2022. art. 8º, caput e parágrafos 2º e 5º.

26 Ibid., art. 7º, §§ 4º e 6º.

27 Ibid., art. 9º, § 1º.

28 Ibid., art. 9º, § 2º.

29 Ibid., art. 10.

30 Ibid., art. 10, § 2º.

tratamento apenas dos dados necessários para o alcance da finalidade31. Diante do uso da hipótese legal de interesse legítimo, a ANPD poderá ainda solicitar ao controlador o relatório de impacto à proteção de dados pessoais32.

1.4. Direitos dos Titulares

A LGPD é bem clara em seu objetivo de proteção à privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural33, e traz essa proteção ao titular e aos seus dados pessoais não apenas em seus princípios e hipóteses legais, mas também através de previsões explícita de direitos dos titulares. Toda pessoa natural tem por direito a titularidade de seus dados e, em razão não somente da LGPD, mas principalmente da Constituição Federal, os direitos fundamentais de liberdade, intimidade e privacidade3435 . O titular terá o direito de, junto ao controlador, requisitar e obter a confirmação de tratamento de seus dados pessoais, bem como o acesso a esses dados36, imediatamente em formato simplificado e, no prazo de até quinze dias, por meio de declaração clara e completa, constando a origem dos dados, inexistência de registro, critérios utilizados e finalidade do tratamento37; correção no caso de estarem incompletos, inexatos ou desatualizados38; o direito de anonimização, bloqueio ou eliminação de dados desnecessário, excessivos ou tratados em desconformidade com a LGPD39; a portabilidade de seus dados pessoais para outro fornecedor40; a

31 Ibid., art. 10, § 1º.

32 Ibid., art. 10, § 3º.

33 Ibid., art. 1º.

34 BRASIL. Lei nº 13709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Brasília, Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709. htm. Acesso em: 15 mar. 2022. art. 17.

35 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 20 mar. 2022. art. 5º, caput e X.

36 BRASIL. Lei nº 13709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Brasília, Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709. htm. Acesso em: 15 mar. 2022. art. 18, I e II.

37 Ibid., art. 19.

38 Ibid., art. 18, III.

39 Ibid., art. 18, IV.

40 Ibid., art. 18, V.

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revogação do consentimento quando do tratamento de dados pessoais se der baseado nesta hipóteses legal41, bem como a eliminação de tais dados42; informações sobre entidades com as quais seus dados foram compartilhados43; e, informações sobre a possibilidade de não fornecimento do consentimento e o impacto negativo desta decisão44

O titular terá ainda o direito de petição junto à ANPD, contra o controlador, no que concerne seus dados pessoais45, e poderá se opor ao tratamento de seus dados no uso de qualquer uma das bases legais previstas em lei, quando o tratamento for realizado em discordância com o previsto na legislação46. Por fim, quando houver decisão baseada unicamente em tratamento automatizado, sem a interferência humana, que afete seus interesses, inclusive quando de tratamentos para fins de perfilamento, o titular terá o direito de solicitar a revisão desta decisão47. Embora no texto original da lei houvesse a previsão de que tal revisão deve-se ser realizada por pessoal natural, esse trecho foi retirado pela MP 869/2018, o que abre margem para o entendimento de que tal revisão não necessariamente deverá ser realizada por pessoa natural, podendo acontecer de forma automatizada, à escolha do controlador48

2. DO TRATAMENTO DE DADOS NA PUBLICIDADE DIRECIONADA

A LGPD tem forte inspiração da General Data Protection Regulation (“GDPR”)49regulamento europeu que visa uniformizar a legislação sobre privacidade no âmbito dos países da União

41 Ibid., art. 18, IX.

42 Ibid., art. 18, VI.

43 Ibid., art. 18, VII.

44 Ibid., art. 18, VIII.

45 Ibid., art. 18, § 1º.

46 Ibid., art. 18, § 2º.

47 BRASIL. Lei nº 13709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Brasília, Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.

htm. Acesso em: 15 mar. 2022. art. 20.

48 MALDONADO, Viviane Nóbrega; BLUM, Renato Opice (Coord.). Lei Geral de Proteção de Dados Comentada. 3. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 256 e 257.

49 Ibid., p. 24.

Europeia, em vigor desde maio de 2018. O GDPR conta com 173 considerandos e 99 artigos, também complementados por legislações individuais dos países e disposições das autoridades nacionais, tratando dos mais diversos assuntos e aplicações no que concerne à privacidade e proteção de dados. Cabe destacar que a GDPR não é a primeira legislação europeia tratando sobre o assunto, e que o tema já é legislado, consolidado e discutido há muitos anos no contexto europeu. Diante disso, é comum buscarmos apoio na legislação e regulamentações europeias quando nos deparamos com um ponto de privacidade e proteção de dados pessoais ainda não discutido ou diretamente regulado no Brasil. Com isso, trazer um breve panorama sobre a proteção de dados na publicidade direcionada em âmbito europeu é essencial para nos esclarecer alguns possíveis entendimentos da aplicação da LGPD no tocante ao assunto, uma vez que ainda nos falta eventual manifestação oficial da autoridade nacional.

2.1. Panorama do tratamento de dados pessoais para fins de publicidade direcionada sob a égide do GDPR

O marketing direto, termo utilizado em âmbito europeu, está previsto em algunsconsiderandos da GDPR, bem como na sessão relacionada aos direitos do titular. Ademais, é possível identificar importantes conceitos a serem considerados para as discussões em âmbito nacional. Como definição de marketing direto, temos a previsão da seção 122 (5) do Data Protection Act 2018, legislação do Reino Unido responsável por implementar o GDPR em seu território, que traz que “marketing direto significa a comunicação (por qualquer meio) de publicidade ou material de marketing direcionado a indiv duos específicos”50, o que pode abranger telefonemas, e-mails, mensagens de texto, dentre outras comunicações específicas a um individuo, que contenham material promocional ou publicitário51.

50 REINO UNIDO. Data Protection Act 2018. Disponível em: https://www.legislation.gov.uk/ukpga/2018/12/contents/enacted. Acesso em: 02 set. 2022. seção 122 (5).

51 REINO UNIDO. INFORMATION COMISSIONER’S OFFICE. Electronic and telephone marketing: What is ‘direct marketing’?

Disponível em: https://ico.org.uk/for-organisations/guide-to-pecr/electronic- and-telephone-marketing/. Acesso em: 02

194

No considerando 47, a legislação traz apontamentos fundamentais sobre interesse legítimo, indicando que este poderá ser considerado como um fundamento jurídico para o tratamento de dados, devendo prevalecer os interesses, direitos e liberdades fundamentais do titular, e desde que levada em consideração a expectativa razoável do titular dos dados baseada na relação com o controlador. Como exemplo, traz ainda a relação do titular de dados como cliente ou funcionário do controlador, entretanto destaca que a aplicação do interesse legítimo requer uma avaliação com muito cuidado, em especial para compreender se há a expectativa razoável do titularde dados, quando e no contexto da coleta, da possível realização do tratamento com tal finalidade, e caso não seja compreendida tal expectativa razoável, prevalecem os direitos e interesses do titular. Por fim, especificamente abordando a publicidade direcionada, prevê a possibilidade de considerar tal modalidade de tratamento de dados como um legítimo interesse52 Já o considerando 70, aponta que quando realizado um tratamento de dados com o objetivo de marketing direto, o titular dos dados terá o direito de objeção a tal processo, incluindo os casos de perfilamento relacionados à publicidade, seja com relação ao tratamento inicial ou posterior, a qualquer tempo e de graça. Esse direito deve ser explicitamente levado ao conhecimento do titular dos dados e apresentado de forma clara e separada das demais informações53

O Artigo 21 da GDPR, que trata sobre o direito de objeção do titular, traz em seus tópicos 2 e 3, indicação direta ao marketing direto. Assim como no considerando70, o tópico 2 prevê o direito de objeção a qualquer tempo, nos casos de tratamento de dados com o propósito de marketing direto, incluindo os casos de perfilamento no

set. 2022.

52 UNIÃO EUROPEIA. Regulation (EU) 2016/679 of the European Parliament and of the Council: General Data Protection Regulation. Disponível em: https://gdpr-info.eu. Acesso em: 07 mar. 2022. considerando 47.

53 UNIÃO EUROPEIA. Regulation (EU) 2016/679 of the European Parliament and of the Council: General Data Protection Regulation. Disponível em: https://gdpr-info.eu. Acesso em: 07 mar. 2022, considerando 70

que se relacionar ao marketing54 No tópico 3, traz que quando houver a objeção do titular dos dados ao tratamento, os dados pessoais não deverão mais ser tratados com a finalidade de marketing direto55.

Ademais, o Considerando 38, aponta a necessidade de proteção especial aos dados de crianças, em especial nos casos de marketing direto, perfilamento ou coletade dados quando em serviços oferecidos diretamente à crianças, uma vez que este público pode estar menos cientes de riscos, consequências e garantias a respeito deseus direitos relacionados à proteção de seus dados pessoais56

Apesar de todas as disposições relativas ao legítimo interesse, é essencial destacar que, assim como traz a redação da própria GDPR, o legítimo interesse poderá se aplicar como base legal nestes casos, entretanto não é a única hipótese legal existente, devendo cada tratamento ser analisado de forma individual e específica para que se identifique a base legal mais adequada ao caso. Neste sentido, outra base legal comumente aplicável aos casos de marketing direto, é o Consentimento, seja em razão da não aplicabilidade do interesse legítimo, por não aprovação no teste de balanceamento, por exemplo, ou por previsões legislativas que indicam seu uso para determinados tratamentos, como os casos previstos na e- Privacy Directive57, que prevê a necessidade do consentimento em determinadas ações de marketing direto e-mail e mensagens de textos sem o “soft opt-in” do titular dos dados, ligações automatizada ou ligações não-automatizadas para titulares que tenham rejeitado tais ligações58. Cabe trazer que o e-Privacy Directive

54 Ibid., art. 21, 2.

55 Ibid., art. 21, 3.

56 Ibid., considerando 38.

57 UNIÃO EUROPEIA. Directive 2002/58/EC Of The European Parliament And Of The Council. União Europeia, Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal- content/EN/TXT/PDF/?uri=CELEX:02002L0058-20091219&from=EN. Acesso em: 06 set. 2022.

58 REINO UNIDO. INFORMATION COMISSIONER’S OFFICE. When can we rely on legitimate interests?: can we use legitimate interests for our marketing activities?. Disponível em: https://ico.org.uk/for-organisations/guide-to-data-protection/guide-to-the-general-data-protection- regulation-gdpr/ legitimate-interests/when-can-we-rely-on-legitimate-inte -

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poderá ser substituído em breve pela e-Privacy Regulation, que está em trâmite de votação no contexto europeu, e trará um cenário ainda mais restritivo no que se relaciona a tratamentos a serem executados com base na hipótese do consentimento.

2.2. Exposição dos entendimentos/práticas que podem ser entendidos como aplicáveis no Brasil, em concordância com a LGPD

A LGPD traz em seu artigo 2º, o desenvolvimento econômico e tecnológico e ainovação, bem como a livre iniciativa e a livre concorrência, como alguns de seus fundamentos. Neste sentido, é fácil compreender que embora seu principal objetivo seja a proteção dos dados pessoais e seus titulares, não há qualquer intenção em barrar o tratamento de dados pessoais, prática fundamental para o desenvolvimento do mundo atual, desde que realizado respeitando os princípios, direitos dos titulares e preceitos trazidos pela legislação.

Quando da análise das bases legais disponíveis no ordenamento nacional, e com base no contexto europeu e na aplicação de hipóteses de acordo com o GDPR,é possível compreender que as bases legais do legítimo interesse e do consentimento são as mais apropriadas para o tratamento de dados pessoais também no contexto brasileiro.

Parte do mercado entende que a aplicação da base legal de consentimento, deve ser a principal opção para os tratamentos de dados pessoais no âmbito do marketing direto, sendo possível definir melhor as finalidades e identificar a anuênciado titular de dados59, além de aplicável nos casos em que não será possível a aplicação do interesse legítimo, como quando do uso de dados pessoais sensíveis oude não aprovação no teste de balanceamento. Entretanto, quando em uma análise comparativa, a hipótese de coleta do consentimento pode não ser tão atrativa do ponto de vista prático, uma vez que deve seguir diver-

rests/#marketing_activities. Acesso em: 04 set. 2022. 59 SILVA, ALEXANDRE PACHECO DA (org.). Guia de Proteção de Dados Pessoais: marketing. São Paulo: Gfgv Dci - Diretoria de Controles Internos, 2020. 55 p. Disponível em: https://portal.fgv.br/sites/portal.fgv.br/files/u12834/guia_marketing.pdf.

Acesso em: 13 set. 2022. pag. 22

sos requisitos muito específicos de coleta, respeitando todas as disposições da LGPD quanto a transparência e fornecimento de todas as informações ao titular dos dados pessoais, despendendo todo o esforço e dificuldade de coleta e manutenção do consentimento dos titulares, inclusive de dados já coletados anteriormente60

Já a base legal de legítimo interesse, além de se encaixar adequadamente a muitos cenários da publicidade direta, traz ainda mecanismos que podem colaborar com à proteção dos titulares, como o teste de balanceamento e a análise sobre as legítimas expectativas do titular de dados pessoais, o que pode ser enxergado como pontos positivos na garantia aos direitos do titular61, mas também como um ponto dedificuldade, uma vez que traz a obrigatoriedade de um procedimento trabalhoso.

Ademais, embora não haja ainda uma regulamentação específica para o assunto, a ANPD emitiu o ofício nº 06/2002/CGTP/ANPD/PR, tratando sobre a coleta de cookies pelo portal oficial do governo brasileiro (gov.br), trazendo algumas disposições para melhorias, que podem ser estendidas aos demais agentes de tratamento de dados, como a utilização do consentimento (opt-in) para os cookies não necessários, e do legítimo interesse (sem o opt-in) para os cookies necessários; a categorização dos cookies por finalidades, bem como a possibilidade de escolha de permissão de coleta de cada um dos cookies, pelo titular; e, botão que facilite ao titular a rejeição de todo e qualquer cookie não necessário62

CONCLUSÃO

Diante da elevada importância dos dados pessoais para as relações de serviçoe consumo, alcançada não somente com o desenvolvimento e crescimento econômico mundial, mas principalmente pelo desenvolvimento das tecnologias

60 RAMOS, Pedro Henrique Soares Melo. A regulação de proteção de dados e seu impacto para a publicidade online: um guia para a LGPD. São Paulo: Baptista Luz, 2019. p. 4.

61 Ibid., p. 3.

62 OPICE BLUM. ANPD emite recomendações sobre coleta de cookies no portal gov.br. Disponível em: https://opiceblum.com.br/anpd-emite-recomendacoes-sobre-coleta-de-cookies-no-portal-gov-br/. Acesso em: 13 set. 2022

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e pela globalização, que permitem hoje o tratamento de dados pessoais em cenário mundial,de forma rápida e extensa, é essencial que existam regulamentações e normativos para guiar os procedimentos de tratamento de dados pessoais sem que isso afete negativamente os titulares destes dados. Na Europa o assunto já está consolidado, econta com uma legislação robusta e diversas regulações das autoridades nacionais tratando sobre os mais diversos temas dentro da área, já no Brasil a discussão ainda é recente e ainda suscita muitas dúvidas, mas já conta com uma lei consolidadatratando sobre os principais pontos, bem como com um órgão responsável pelo tema.

Em razão da forte influência e inspiração da legislação europeia na construçãoe no desenvolvimento da LGPD, bem como dos normativos e posicionamentos da ANPD, é possível buscar nos países da Europa a complementação para algumas lacunas a serem ainda preenchidas no Brasil. Um destes pontos em branco é a questão da publicidade direcionada, ou marketing direto como é chamado na Europa, importante ferramenta de publicidade que busca atingir o público de forma mais personalizada, de acordo com suas preferência, e, assim, alcançar melhores resultados. Apesar de tão importante para as relações comerciais, não há ainda posicionamento ou orientação da ANPD quanto ao assunto, o que nos leva a, junto à interpretação da legislação brasileira, buscar também as posições adotadas em âmbito europeu, visando esclarecer os melhores caminhos na conciliação da proteção aos princípios e direitos dos titulares, e da livre atuação comercial.

Uma vez que a GDPR indica as principais diretrizes para este tipo de tratamento de dados pessoais, utilizando-se de mecanismo também encontrados na LGPD, como a hipótese legal do interesse legítimo, é possível enxergar tal aplicação em cenário nacional, de forma a facilitar o tratamento de dados pessoais com essa finalidade, sem permitir que isso afete negativamente aos titulares dos dados. Além disso, é também possível vislumbrar a possibilidade da realização deste tratamento com basena hipótese legal do consentimento que não encontra impedimentos

para sua aplicação e pode viabilizar o tratamento nos casos em que a base legal de interesse legítimo não for aplicável, como por exemplo, caso o fluxo não seja completamente aprovado em um eventual teste de balanceamento ou trate dados pessoais sensíveis.Até que haja um posicionamento sobre o assunto por parte da ANPD, é possível e seguro seguir aplicando o raciocínio baseado nas disposições legais brasileiras, e vislumbrando o cenário europeu como fonte de inspiração para o melhor entendimentodo assunto.

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199
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Edição 39 Ano

2022

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