Revista Científica da ESA: Direito Contratual e Direito Civil - Ed. 40

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Revista Científica Virtual

Edição 40

Ano 2022

DIREITO CONTRATUAL E DIREITO CIVIL

DIRETORIA OAB SP (GESTÃO 2022/2024)

Conselho Secional

PRESIDENTE

MARIA PATRICIA VANZOLINI FIGUEIREDO

VICE-PRESIDENTE

LEONARDO SICA

SECRETÁRIA-GERAL

DANIELA MARCHI MAGALHÃES

SECRETÁRIA-GERAL ADJUNTA

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TESOUREIRO

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MEMBROS EFETIVOS

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Alexandre Luis Mendonça Rollo

Ana Cláudia Silva Scalquette

Ana Luisa Porto Borges

Antonio Baptista Gonçalves

Antonio lvo Aidar

Carlos Alberto Maluf Sanseverino

Carlos Cesar Simões

Carlos Eduardo Dantas Costa

Carlos Figueiredo Mourão

Carmen Dora de Freitas Ferreira

Célia Regina Zapparolli Rodrigues de

Freitas

Claudia Maria Soncini Bernasconi

Claudio Cardoso de Oliveira

Coriolano Aurelio de Almeida Camargo

Santos

Cristiano Joukhadar

Daniela da Cunha Santos

Débora de Paula

Eduardo Ferrari Geraldes

Eginaldo Marcos Honorio

Fernanda Matias Ramos

Fernando Peixoto de Araujo Neto

Flavia Filhorini Lepique

Flavia Mariana Mendes Ortolani

Flavio Murilo Tartuce Silva

Flavio Paschoa Junior

Francisco Jorge Andreotti Neto

Gisela da Silva Freire

Guilherme Hansen Cirilo

Guilherme Magri de Carvalho

Gustavo Granadeiro Guimaraes

Haroldo Francisco Paranhos Cardella

Helcio Honda

lrapua Santana do Nascimento da Silva

lsabela Castro de Castro

João Vinícius Manssur

José Chiachiri Neto

Juliana Fernandes de Marco

Katia Maria Louro Cação Araujo

Kelly Greice Moreira

Leandro Godines do Amaral

Ligia Maura Fernandes Garcia da Costa

Lívio Enescu

Luciana Barcellos Slosbergas

Luiz Alberto Bussab

Luiz Fernando Sá Souza Pacheco

Manoel Alcides Nogueira de Sousa

Manuela Tavares

Marcela Carinhato Almeida Prado de Castro Valente

Marcelo Luis Roland Zovico

Marcia Rocha

Marcio Cezar Janjacomo Marcio

Gonçalves

Maria Cecilia Pereira de Mello

Mariana Arteiro Gargiulo

Marília Constantino Vaccari Polverel

Miriam Saeta Francischini

Mizael Conrado de Oliveira

Mônica Aparecida Gonçalves

Natália de Vincenzo Soares Martins

Nercina Andrade Costa

Nilma de Castro Abe

Otavio Pinto e Silva

Priscila Akemi Beltrame

Rebeca de Macedo Salmazio

Ricardo Rui Giuntini

Ricardo Vita Porto

Roberta Guitarrari Azzone Colucci

Rodrigo Lemos Arteiro

Rosa Ramos

Sarah Hakim

Thaís Proençaa Cremasco

Vianei Aparecida Titoneli Principato

Yeda Costa Fernandes da Silva

MEMBROS SUPLENTES

Ademar Pinheiro Sanches

Afonso Pacileo Neto

Alcenilda Alves Pessoa

Aleksander Mendes Zakimi

Alexandre Soares Louzada

Alexandrina Rosa Dias

Ana Carolina Lourenço Santos das Dores

Ana Laura Teixeira Martelli

Ana Paula de Almeida Santos

Ana Paula Menezes Faustino

André Aparecido Barbosa

Andreia Capucci

Arão dos Santos Silva

Awdrey Frederico Kokol

Bruna Fernanda dos Santos Umberto

Carla Cristiane Hallgren Silva

Cesar Amendolara

Charlene Aparecida Francisco da Silva

Claudia Duarte e Trinca

Daliana Cristina Dias Leite

Daniel Amorim Assumpção Neves

Daniel da Silva Castelo Oliveira

Diego Tavares

Élida de Souza Silva

Erazê Sutti

Erick Anselmo Barbosa

Eudécio Teixeira Ramos

Ezequias Alves da Silva

Fabiano Reis de Carvalho

Fabio Paulo Reis de Santana

Fábio Rodrigues Goulart

Fernando Jorge Neves Figueiredo

Flávia de Oliveira Santos do Nascimento

Flávio Marques Alves

Glaudecir José Passador

Gonçalo Batista Menezes Filho

Heloisa Helena Cidrin Gama Alves

Jesualdo Eduardo de Almeida Junior

João Carlos Rizolli

Jocelino Pereira da Silva

José Fabiano de Queiroz Wagner

José Umberto Franco

Josué Justino do Rio

Juliana Abrusio Florencio

Julianelli Caldeira Esteves Stelutte

Laurilia Ruiz de Toledo Veiga Hansen

Leandro Affonso Tomazi

Leisa Boreli Prizon

Leopoldo Luis Lima Oliveira

Luciana Monteiro Cossermelli Tornovsky

Lucimara Ferreira de Sousa

Luís Henrique Neris de Souza

Luiz Eduardo de Moura

Luiza Alexandrina Vasconcelos Oliver

Marco Antonio Pinto Soares Junior

Marcus Vinicius Lourenço Gomes

Maria Adelaide da Silva

Maria do Carmo Roldan Gonçalves

Marilza Nagasawa

Marina Priscila Romuchge

Mauricio Baptistella Bunazar

Max Fernando Pavanello

Natália Sukita Barboza dos Santos

Nathália Carmo Silva Santos

Neilton Correia Neves

Nelci da Silva Rodrigues

Nelson Massaki Kobayashi Junior

Néria Lucio Buzatto

Ricardo Ferrari Nogueira

Rosana Rufino

Roseli da Silva Santos

Sandra Andrade de Paula Amorim

Sara Lúcia de Freitas Osorio Bononi

Silvio Henrique Mariotto Barboza

Simone das Merces Sapienza

Tania Karina Liberman

Tatiana Giorgini Fusco Cammarosano

Thalita Fernanda da Cruz Barreto Costa

Vanessa Rafael de Freitas

Wanderson Martins Rocha

MEMBROS HONORÁRIOS VITALÍCIOS

Antonio Claudio Mariz de Oliveira

Caio Augusto Silva dos Santos

Carlos Miguel Castex Aidar

João Roberto Egydio Piza Fontes

José Roberto Batochio

Luiz Flávio Borges D’Urso

Marcos da Costa

MEMBROS EFETIVOS PAULISTAS NO CONSELHO FEDERAL

Alberto Zacharias Toron

Carlos Jose Santos da Silva

Silvia Virginia Silva de Souza

MEMBROS SUPLENTES PAULISTAS NO CONSELHO FEDERAL

Daniela Campos Liborio

Helio Rubens Batista Ribeiro Costa

Alessandra Benedito

DIRETORIA ESA OAB SP (GESTÃO 2022/2024)

Conselho Curador

DIRETOR ESA OAB SP

FLÁVIO MURILO TARTUCE SILVA

VICE-DIRETORA ESA OAB SP

SARAH HAKIM

COORDENADOR CIENTÍFICO

CARLOS EDUARDO NICOLETTI CAMILLO

COORDENADOR PEDAGÓGICO

ANTÔNIO RODRIGUES DE FREITAS JÚNIOR

COORDENADOR GERAL DAS ÁREAS GEOGRÁFICAS

SÉRGIO CARVALHO DE AGUIAR VALLIM FILHO

ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA NÚCLEOS TEMÁTICOS

Direito e Relações Interdisciplinares

Aguida Arruda Barbosa

Direito Eleitoral

Alexandre Luís Mendonça Rollo

Direito de Seguro e Resseguro

Angelica Lucia Carlini

Direito Constitucional

André Ramos Tavares

Violência Doméstica e Gênero

Bruna Soares Angotti Batista de Andrade

Direito Imobiliário

Cesar Calo Peghini

Direito e Regulação

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Direito Processual Civil

Daniel Amorim Assumpção Neves

Direitos Humanos

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Direito do Consumidor

Fabrício Bolzan

Mediação

Celia Regina Zapparolli Rodrigues de Freitas

Direito Concorrencial

Gabriel de Orleans e Bragança

Arbitragem

Daniela Monteiro Gabbay

Direito Internacional

Gustavo Ferraz de Campos Mônaco

Direito Civil

Marcelo Truzzi Otero

Direito Ambiental

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Prevenção e Solução Extrajudicial De Litígios

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Direito Internacional do Trabalho e Desportivo

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Recuperação Judicial e Falência

Ivan Lorena Vitale Junior

Advocacia Corporativa

Ana Carolina Lourenço

Dogmática do Direito Penal

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Direito Tributário

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Direito Educacional

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Direito Desportivo

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Direito de Família

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Compliance

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Direito Notarial E Registral

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Ciências Criminais

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Advocacia Pública

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Direito Previdenciário

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Filosofia e Sociologia do Direito

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Contencioso Estratégico

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COORDENAÇÃO GESTÃO 2022-24

Coordenador Cientifico

Carlos Eduardo Nicoletti Camillo

Coordenador Geral das Áreas

Geográficas

Sérgio Carvalho de Aguiar Vallim Filho

Coordenador Pedagógico

Antonio Rodrigues de Freitas Jr.

CONSELHO CURADOR: Gestão

2022/2024

PRESIDENTE

Oscar Vilhena Vieira

VICE-PRESIDENTE

Maria Garcia

CONSELHEIROS

Ana Cláudia Torezan Andreucci

Felipe Chiarello de Souza Pinto

Giselda Maria Fernandes Novaes

Hironaka

José Fernando Simão

Ivete Senise Ferreira

Márcio Vicente Faria Cozatti

Renato Cassio Soares de Barros

Prefácio

10

01. A Luta Pelos Direitos Humanos No Século Xxi: Uma Abordagem A Partir Das Violações Do Estado NorteCoreano

24

02. A CONCILIAÇÃO COMO MEIO DE DESJUDICIALIZAÇÃO DE CONFLITOS NOS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO CONSUMIDOR E A NOVA LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO Núbia De Araújo Dourado

39

03. TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL NOS CONTRATOS: COMPRA E VENDA

Katia Siledie Pacheco Dutra

47

04. DA CONTRATUALIZAÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA

Rodolfo De Laurrenttiis Ferraz

63

05. A SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL - SLU - INOVAÇÃO DO DIREITO EMPRESARIAL

Marcos Roberto Fidelis

73

06. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO PLÁSTICO: UM ESTUDO SOB O DANO ESTÉTICO NAS CIRURGIAS DECORRENTES DE PRÓTESES MAMÁRIAS

Leonardo Luiz Fiorini

87

07. RESPONSABILIDADE CIVIL NA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS (LGPD): SUBJETIVA OU OBJETIVA?

97

08. A UTILIZAÇÃO DOS SMARTS CONTRACTS NOS CONTRATOS DE INVESTIMENTOS EM STARTUPS

Hillary Mendes

9

110

09. IMPACTOS JURÍDICOS, SOCIAIS E ECONÔMICOS DA DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA EM VIRTUDE DA MORTE DO SÓCIO

Antonio Petrica

Marcelo Tadeu Cometti

128

10. A APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO DURANTE O PERÍODO PANDÊMICO

DECORRENTE DA COVID 19 À LUZ DA LEGISLAÇÃO ATUAL E DAJURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

Glaucia Cristina Schibik De Moraes Rego

140

11. DA DESCONSTITUIÇÃO DA COISA JULGADA COM BASE NA MUDANÇA DE ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

Natã Domingos De Souza

155

12. SITUAÇÕES FÁTICAS EXCEPCIONAIS NOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE PARA PORTADOR DO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

Anna Letícia Souza Zambaldi

Edição 40 Ano 2022

ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA

São Paulo, OAB SP - 2023

COORDENAÇÃO TÉCNICA COORDENADOR GERAL

Adriano de Assis Ferreira

COORDENADOR ACADÊMICO

Erik Chiconelli Gomes

COORDENADOR AUDIOVISUAL

Ruy Dutra PROJETO GRÁFICO

Rubia Duarte

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Largo da Pólvora, 141- Sobreloja - São Paulo/ SP

Tel. .55 11.3346.6800

Pubicação Trimestral

ISSN - 2175-4462

Direitos - Periódicos.

Ordem dos Advogados do Brasil

Prefácio

A Revista Científica da Escola Superior de Advocacia, Edição 40, traz uma coletânea de artigos profundos e perspicazes, fruto da Especialização em Direito Contratual e Direito Civil na ESA/SP, no ano de 2022. Em um mundo em constante mudança, os textos aqui presentes examinam as nuances e complexidades do Direito, abordando questões cruciais em nosso tempo. Abaixo estão alguns dos temas significativos incluídos nesta edição.

Um dos artigos irá oferecer uma visão sobre o novo conceito de Sociedade Limitada Unipessoal, abordando sua criação, benefícios, riscos e o impacto nas normas empresariais brasileiras.

Outro artigo mergulha no controverso tema da desconstituição da coisa julgada, explorando os precedentes e as implicações decorrentes das mudanças de entendimento nos tribunais superiores.

Com uma abordagem crítica e sensível, outro artigo analisa as violações dos direitos humanos na Coreia do Norte e sua relevância na discussão global sobre direitos humanos.

No artigo sob os impactos jurídicos, sociais e econômicos da dissolução parcial da sociedade empresária, os autores investigam os efeitos multifacetados da dissolução parcial de uma sociedade empresarial devido à morte de um sócio.

Sobre o tema da contratualização no direito de família, teremos o destaque da crescente tendência de contratualização nas relações familiares, com uma análise cuidadosa das implicações éticas e legais.

A discussão acerca da responsabilidade civil na LGPD será o foco de outro artigo, explorando a natureza subjetiva ou objetiva dessa responsabilidade.

Um outro artigo irá analisar a aplicação da teoria da imprevisão durante a pandemia da COVID-19, enfocando a legislação atual e a jurisprudência em São Paulo.

A Edição 40 da Revista Científica da Escola Superior de Advocacia, da OAB/SP, é um testemunho da vitalidade e profundidade do pensamento jurídico contemporâneo. Os temas abordados nesta edição refletem uma variedade de desafios e questões, desde inovações no Direito Empresarial até dilemas éticos em Direito de Família e a busca contínua por justiça em um mundo em rápida mudança. A leitura desses artigos não apenas enriquece o entendimento da lei, mas também fomenta o debate necessário para uma sociedade justa e equilibrada.

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A LUTA PELOS DIREITOS HUMANOS NO SÉCULO XXI: UMA ABORDAGEM A PARTIR DAS VIOLAÇÕES DO ESTADO NORTECOREANO

O presente trabalho objetiva desenvolver a temática da luta pelos direitos humanos no século XXI, fazendo-se uma abordagem a partir das violações do Estado norte-coreano. Para tanto, é analisada a construção histórica da Declaração Universal dos Direitos Humanos e perlustrada a mesma sob a ótica da Teoria Crítica, residindo a problemática no fato de, mesmo após transcorridas sete décadas da referida Declaração, ainda existirem violações extremas aos direitos humanos no Estado norte-coreano. Após, ressaltam-se os aspectos históricos e socioeconômicos da Coréia do Norte e as violações aos direitos humanos que ali ocorrem. Para tal fim, em busca do aprofundamento do presente estudo, a pesquisa se reveste de caráter qualitativo, consistindo em uma revisão bibliográfica e discurso normativo com o escopo de demonstrar as diversas violações humanitárias recorrentes na Coréia do Norte, mesmo com a vigência da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Dentre as considerações finais, destaca-se a necessidade urgente de união entre os povos, a fim de divulgarem a realidade do país em estudo, bem como impulsionar através de meios coercitivos, o cessamento das práticas violadoras aos Direitos Humanos, dentro da Coréia do Norte.

Palavras-chave

Direitos Humanos - Violações - Coréia do Norte

Adaías Souza Clementino

Especialista em Direito Civil Empresarial e Processo Civil, sob orientação do Professor Me. Fábio Vieira Figueiredo

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Muito se utiliza o termo “direitos humanos” e a cada ano, a luta pela defesa destes se assevera, a fim de que os mesmos, como fatores imprescindíveis a uma vida digna a qualquer pessoa, sejam garantidos não apenas na teoria, mas também na prática. Neste ínterim, ressalta-se que, mesmo após décadas da Declaração Universal dos Direitos do Homem, notam-se diversas violações a estes, fato que não é difícil de se ver, mas que em alguns países, a exemplo da Coréia do Norte, pouco se é comentado, mesmo sendo horrorizantes, as violações que láocorrem.

Considerando a realidade ali cada vez mais drástica, questiona-se como se persevera tal situação, mesmo com tanta popularidade dos direitos humanos, bem como, com a vigência de uma declaração que garante a proteção dos que tiverem tais direitos violados, independentemente de sua nacionalidade?

Assim sendo, o presente trabalho tem como objetivos: dissertar sobre a construção histórica e declaração universal dos direitos humanos, analisar tal declaração sob a ótica da teoria crítica, discorrer sobre os aspectos que incidiram na criação do Estado Norte-Coreano e pontuar as diversas violações humanitárias que ali ocorrem.

O presente tema merece ser estudado em razão da pouca ciência sobre o mesmo, haja vista que, poucas pessoas ao redor do mundo conhecem sobre as atrocidades que acontecem na Coréia do Norte. Outrossim, a divulgação e conhecimento pelo maior número de pessoas sobre o tema, incidirá num despertamento da população mundial a lutar por algo que já está garantidoe que todos, independente de raça, cor, sexo ou religião fazem jus, quais sejam, os direitos atinentes a cada ser humano.

O trabalho está estruturado em dois capítulos de desenvolvimento, sendo que o primeiro, trata do movimento reivindicatório dos direitos humanos

nos séculos XX-XXI e o segundo, concentra-se em discutir os aspectos históricos e socioeconômicos do estado norte-coreano e sua relação com os direitos humanos.

Esta pesquisa se reveste de caráter qualitativo, consistindo em uma revisão bibliográfica e discurso normativo, dando-se ênfase aos artigos dispostos na Declaração Universal dos Direitos Humanos e analisando que mesmo com tal disposição, muitos direitos imprescindíveis ao ser humano, ainda continuam sendo violados, a exemplo do que ocorre no Estado emcomento.

Ao final são oferecidas as considerações finais, dentre as quais, ressalta-se a necessidade de uma atuação não só da ONU, mas um engajamento da comunidade global, a fim de difundir

ao mundo, os diversos gravames ocorrentes na Coréia do Norte e labutar para que tal realidade seja erradicada.

2. O MOVIMENTO REIVINDICATÓRIO DOS DIREITOS HUMANOS NOS SÉCULOS XX – XXI

Muito se comenta sobre direitos humanos e sua aplicação em nosso cotidiano, afinal, suaorigem se dá no princípio da dignidade da pessoa humana, o que, consubstancialmente embasa de forma conglobante a essência de cada direito atinente à humanidade e o convalece. Neste diapasão, o presente capítulo abordará os movimentos que deram origem a tais direitos, os quais posteriormente deram origem à Declaração Universal dos Direitos Humanos.

2.1. A Consolidação dos Direitos Humanos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos

A convalidação dos direitos humanos se deu com a Declaração Universal dos Direitos Atinentes ao Homem, tendo em vista que, tal documento se originou como um compromisso entre as nações que o firmaram, além de ser genérica,

11 1. INTRODUÇÃO

abrangendo um ideal comum a diversas culturas e tendências num mundo pluralizado.

Após o acontecimento de duas grandes guerras mundiais que abalaram as estruturas do mundo e com diversas violações à humanidade, viu-se a necessidade de uma intervenção global com fito de evitar acontecimentos degradantes como os outrora ocorridos e com isso surgiu a Organização das Nações Unidas.

Durante a sessão de 16 de fevereiro de 1946 do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas, ficou assentado que a Comissão de Direitos Humanos, a ser criada, deveria desenvolver seus trabalhos em três etapas. Na primeira, incumbir-lhe-ia elaborar uma Declaração de Direitos Humanos, de acordo com o disposto no art. 55 da Carta das Nações Unidas. Em seguida, dever-se-ia produzir, no dizer de um dos delegados presentes àquela reunião, “um documento juridicamente mais vinculante do que uma mera declaração”, documento esse que haveria de ser, obviamente, um Tratado ou Convenção Internacional. Finalmente, ainda nas palavras do mesmo delegado, seria preciso criar “uma maquinaria adequada para assegurar o desrespeito aos direitos humanos e tratar os casos de sua violação” (COMPARATO, 2015, p. 237).

Direitos humanos são universais, ou seja, sua aplicação se dá sem distinções ou discriminação, e inalienáveis, não podem ser cedidos ou abdicados. Entre estes estão inclusos o direito à vida, à liberdade de opinião e de expressão. “Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” (DUDH, art. 3º, 2019, não paginado).

Há de se ressaltar que, a consolidação de tais direitos não foi algo fácil e instantâneo.

A criação da Declaração Universal de Direitos Humanos deu-se após tempos sombrios, quando duas guerras mundiais ameaçaram não só a sobrevivência humana, mas também do planeta

em si. Viu-se, então, a necessidade de garantir uma futura “paz mundial” que somente foi “atingida” na Conferência de Yalta em 1945, quando foi estabelecida a criação de uma organização que pudesse promover e fortalecer a paz e osDireitos Humanos, a ONU (ONUBR, 2016, apud CORREIA; MIRANDA; ALVES, 2018, p. 100).

Desse modo, vê-se que tal documento nasceu com o propósito de prevenir futuros entraves (violações aos direitos humanos, guerras e genocídios), bem como, garantir a promoção e o fortalecimento da paz e dos Direitos Humanos.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos possui 30 artigos, os quais dissertam de forma didática e pontual sobre as prerrogativas imprescindíveis a qualquer ser humano. “Todos são iguais perante a lei e têm direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei. Todos têm direito a igual proteção contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação” (DUDH, art. 7º, 2019, não paginado).

Neste sentido, a declaração reuniu as principais correntes políticas contemporâneas, pelo menos ocidentais, na tentativa de encontrar um ponto de consenso o mais amplo possível. A Declaração Universal reafirma o conjunto de direitos das revoluções burguesas (direitos de liberdade, ou direitos civis e políticos) e os estende a uma série de sujeitos que anteriormente estavam deles excluídos (proíbe a escravidão, proclama os direitos das mulheres, defende os direitos dos estrangeiros, etc.); afirma também os direitos da tradição socialista (direitos de igualdade, ou direitos econômicos e sociais) e do cristianismo social (direitos de solidariedade) e os estende aos direitos culturais. (TOSI, 2005, pp. 15-16).

Nota-se que a mesma se originou a partir de revoluções que suscitaram os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, abrangeu os direitos sociais, além de contextualizar também os di-

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reitos da solidariedade. “Todo ser humano tem direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades estabelecidos na presente Declaração possam ser plenamente realizados” (DUDH, art. 28, 2019, não paginado).

A Declaração, retomando os ideais da Revolução Francesa, representou a manifestação histórica de que se formara, enfim, em âmbito universal, o reconhecimento dos valores supremos da igualdade, da liberdade e da fraternidade entre os homens, como ficou consignado em seu artigo I. A cristalização desses ideais em direitos efetivos, como se disse com sabedoria na disposição introdutória da Declaração, far-se-á progressivamente, no plano nacional e internacional, como fruto de um esforço sistemático de educação em direitos humanos (COMPARATO, 2015, p. 238).

Além de todo o arcabouço histórico que ensejou em sua origem, seus fundamentos

surgiram no intuito reconhecer os valores supremos de igualdade, liberdade e fraternidade, os quais sendo ideais embasadores da Revolução Francesa, deverão ser efetivados de forma progressiva, tanto no interior de cada nação, como também pela união de todas elas, como resultado de um engajamento sistemático de educação em direitos humanos a todos.

Trata-se, portanto, de direitos atinentes ao ser humano em si, os quais incidem a qualquer pessoa, sendo que, a elaboração da referida Declaração se deu com o propósito de abranger a sociedade mundial como um todo, sem fazer acepção de pessoas.

De acordo com os pressupostos conceituais dos direitos humanos, acredita-se ser possível a elaboração de um sistema moral crítico válido em todo o mundo devido à natureza humana universal que pode ser conhecida racionalmente e pelo fato de essa natureza ser essencialmente diferente e superior à restante realidade. O

que deve haver é um diálogo intercultural entre as diversas nações que compõem o mundo para a efetivação desse sistema moral crítico mundial. Não se deve levar essa discussão da universalidade dos direitos humanos às profundezas filosóficas, pois, se assim o fizerem, levarão essa temática ao regresso ad infinitum e não se chegará a lugar algum. (OLIVEIRA, 2016, p. 382).

Observa-se que, para tais direitos alcançarem eficácia, necessário se faz um diálogo entre as diversas culturas do planeta, uma vez que existem diversas divergências sobre o modo de viver, costumes e atributos de cada país, os quais devem ser mensurados quando se fala de universalidade dos direitos humanos.

Tratar do ser humano em si, não é aprofundar-se no senso filosófico crítico, mas elucidara população mundial e os indivíduos componentes desta como um todo, a fim de que entre estes não haja distinções e/ou violações de suas dignidades, ou seja, violações do mínimo comum para uma existência digna.

“Porque assim como em um corpo temos muitos membros, e nem todos os membros têm a mesma operação, assim nós, que somos muitos, somos um só corpo em Cristo, mas individualmente somos membros uns dos outros.” (BÍBLIA, 2014, p. 1270).

Daí a proposta do diálogo intercultural. “O que não pode ocorrer é deixar cada cultura humana com seu mundo de valores como se todos vivessem em mundos diferentes e não houvesse uma natureza humana comum. Independentemente da cor, do sexo, da religião, da condição socioeconômica e da área geográfica, vivemos no mesmo planeta e somos da mesma espécie. Isso já é suficiente para se buscar a legalidade e a legitimidade de um sistema moral crítico válido em todo o mundo”. (OLIVEIRA, 2016,p. 382).

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A Consolidação dos Direitos Humanos reflete um cuidado com a dignidade de cada indivíduo e para que haja a devida eficácia de suas garantias, estabelece um diálogo intercultural, a fim de que, independentemente das diversas diferenças entre cada ser humano, bem como como entre suas culturas, por viverem no mesmo planeta, cada um destes entendaque a luta por sua aplicação se dá não apenas com a promulgação daquela e sim, com o posicionamento de cada ser humano a batalhar por um sistema moral crítico com validade em todo o mundo.

“Resumidamente poderíamos dizer, então, que os direitos humanos, como conjunto de valores históricos básicos e fundamentais, que dizem respeito à vida digna jurídico- político-psíquico-físico-econômica e afetiva dos seres humanos e de seu habitat, tanto daqueles do presente quanto daqueles do porvir, surgem sempre como condição fundante da vida, impondo aos agentes político-jurídico-econômico-sociais a tarefa de agirem no sentido de permitir e viabilizar que a todos seja consignada a possibilidade de usufruí-los em benefício próprio e comum ao mesmo tempo. Assim, como os direitos humanos dirigem-se a todos, o compromisso com sua concretização caracteriza tarefa de todos, em um comprometimento comum com a dignidade comum.” (RÚBIO, 2010, et all, p. 131).

Sendo assim, verifica-se que a Declaração Universal dos Direitos Humanos surge como um norte teórico, o qual estampa garantias imprescindíveis à existência de cada ser humano. Gize-se que, sua construção se deu por intermédio de muitas lutas e revoluções e que atualmente, sua efetivação só é possível quando todos os seres humanos agem no intuito de promover a todas as pessoas, sem acepção, o usufruto de uma vida digna, garantida pelos direitos entabulados na Declaração em comento.

Findada esta análise preliminar sobre a consoli-

dação dos direitos humanos, bem como, sobre o momento histórico no qual ocorreu o surgimento de sua Declaração, faz-se necessário averiguar tais direitos sob a ótica de uma teoria muito peculiar, qual seja, a Teoria Crítica.

2.2. Os Direitos Humanos pela Teoria Crítica

Não obstante os direitos e garantias entabulados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como nos instrumentos internacionais (Tratados e Convenções) e Constituições nacionais, a dignidade da pessoa humana jaz desrespeitada, por governos e grupos econômicos.

Tal fato suscita questionamentos impactantes, sobre como isso ocorre, tendo em vista as promessas asseveradas pelos Estados nos inúmeros fóruns internacionais, as quais serviram de embasamento quanto à ratificação desses tratados e incorporações nos respectivos ordenamentosjurídicos. Nesse sentido, como explicar a supracitada contradição?

Neste diapasão surge a importância de se analisar os Direitos Humanos sob a ótica da Teoria Crítica. Ressalte- que, tal teoria surgiu a partir de críticas à Teoria Tradicional dos Direitos Humanos, quando se identificou nesta, alguns elementos em sua concepção que poderiam ser responsáveis por esta grande desarmonia entre teoria e realidade.

A partir do estudo que se faz quanto ao conceito tradicional de direitos humanos, é que a teoria crítica busca conservar o potencial de transformação que os direitos humanos permitem e, ao mesmo tempo, a não imobilização da luta social.

O termo “teoria crítica” foi cunhado por Max Horkheimer, em meados dos anos 1930, noInstituto de Pesquisa Social, na “Escola de Frankfurt”, junto à Universidade de Frankfurt.

[...] A teoria crítica viu-se confrontada com a tarefa de pensar “radicalmente outro” e tinha por objetivo criticar a teoria científica tradicional, que procurava se-

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parar o conhecimento da realidade, o que a tornava, na verdade, um instrumento de dominação da classe dominante. Sua pedra de toque era o entendimento de que a separação do objeto da teoria tradicional equivale à falsificação da imagem, conduzindo ao conformismo e à submissão. (BATISTA; LOPES, 2014, p. 07).

Nota-se que, são características da Teoria em comento, além da não pretensão de qualquer visão concludente da totalidade e sua preocupação com o incremento sólido do pensamento. Tal teoria exsurge-se do princípio repudiante à forma cientificista da ciência, ou seja, baseia-se em dados sem caráter científico e visa explicar os inúmeros fenômenos sociais. Gize-se que, sua preocupação basilar perpassa-se por entender a cultura de como artifício de transformação da sociedade.

Ao se analisar os direitos humanos sob a ótica da Teoria Crítica e fazendo-se contraposição à Teoria Tradicional, exsurgem-se algumas críticas, entre as quais destacam-se quatro. A primeira crítica que se faz à abordagem tradicional dos direitos humanos é exatamente, quanto ao ideal utópico que eles representam, o que se contrasta de forma ferrenha com o posicionamento dos Estados, na prática.

Questiona-se como uma Declaração Universal de Direitos Humanos pode ser convalidada em um mundo pluricultural e se não haveria violações aos direitos dos povos quando se generaliza, a fim de viabilizar uma conciliação diante das inconciliáveis divergências entre pessoas de diferentes nações que se encontram em diferentes patamares cultural, social e econômico. A crítica contra tal universalidade denuncia que tais direitos humanos possuem uma visão eurocêntrica, na qual o contingente populacional das bases periféricas estaria subordinado e coagido a se encaixar em preceitos que não lhe são apropriados, em prejuízo da perca de suas próprias peculiaridades.

Quanto às segunda e terceira críticas, asseveram

A segunda crítica equipara o discurso dos direitos humanos ao jusnaturalismo ingênuo, afirmando que ele representa uma base frágil para sustentar qualquer argumentação científica, porque, assim como o jusnaturalismo, o discurso dos direitos humanos acabaria se reduzindo a um paradigma ou matriz disciplinar, devido ao fato de ser subjetivo e subordinado a uma ideologia política. A terceira crítica ao discurso dos direitos humanos foi levantada pelo marxismo, cujos teóricos afirmam que o direito nada mais seria que a vontade das classes dominantes e um mero reflexo da estrutura econômica da sociedade. Assim, as classes menos favorecidas e sem perspectivas da sociedade não teriam proteção segura nas leis, que seriam simples instrumentos de dominação. Essa afirmativa costuma ser muito utilizada, especialmente quando não sãodevidamente instrumentalizados os mecanismos de defesa dos direitos ou quando os instrumentos existentes se revelam pouco eficazes. (BATISTA; LOPES, 2014, pp. 08- 09).

Desta forma, verifica-se que, para a segunda crítica os direitos humanos assemelhando-seao pensamento jusnaturalista, resultam numa base frágil para sustentar qualquer argumentação científica e, consubstancialmente, se reduziriam a um mero texto ou base disciplinar devido à sua subjetividade e subordinação a uma ideologia política, ao passo que, a terceira crítica suscitada por Karl Marx elucida que tais direitos são um mero reflexo da estrutura econômica da sociedade, o que faz com que as classes desfavorecidas não tenham a devida proteção das leis, as quais seriam apenas instrumentos de dominação das classes dominantes, fazendo com que tais direitos se tornem ineficazes quanto ao seu propósito-fim, qual seja, proteção à dignidade dapessoa humana.

Já a quarta crítica, classifica a teoria tradicional como um mero aspecto inerte e ingênuo, tendo

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Vanessa Oliveira Batista e Raphaella de Araújo Lima Lopes (2014):

em vista que, por não analisar cada peculiaridade inerente à sociedade, tal concepção transfere todas as perguntas sobre direitos humanos à esfera de implementação, como se as agressões aos direitos humanos fossem um simples posicionamento político e não uma questão estrutural no âmbito da sociedade capitalista, ou seja, não se colocando à prova a estrutura social, tal teoria auxilia na imobilização das lutas e reivindicações sociais.

Há de se encarar os direitos humanos como meios para alcançar a dignidade. Parafraseando José Herrera Flores, “os direitos humanos seriam os resultados sempre provisórios das lutas sociais por dignidade”. Sendo assim, com base na Teoria Crítica, os processos culturais de formação e a educação são na verdade, tão ou até mais importantes que a positivação de direitos e a luta por sua efetivação. Neste cenário, entende-se que, os direitos humanos não são produtos acabados, mas conquistas a serem efetivadas no cotidiano, as quais dependem do envolvimento uníssono da população mundial.

À teoria crítica corresponde uma metodologia, que constitui um instrumento que permite pensar para além da questão de direitos humanos posta individualmente. Assim, por exemplo, não basta a concepção de mecanismos que permitam às coletividades e aos indivíduos se contraporem ao poderio das empresas transnacionais, mas a visibilização desta assimetria de poder e como é ela inerente à estrutura social oriunda de um sistema capitalista. E isto não significa ignorar as leis nacionais, convenções ou declarações de direitos humanos, mas simplesmente ter consciência de sua limitação para garantir direitos efetivamente em uma estrutura que é, por si só, assimétrica e conflitiva. Neste sentido, aliás, é de fundamental importância o empoderamento de comunidades, indivíduos e coletivos para que possam realizar a luta política e também jurídica. (BATISTA; LOPES, 2014, p. 11).

Percebe-se então que, em contraposição à teoria tradicional, sua antítese parte de uma visão um tanto que relativa relacional, na qual se compreende que as instituições, os direitos e soluções para uma vida em sociedade eficaz, surgem como respostas ao contexto atual de cada sociedade e assim, cada povo tem a responsabilidade de, conforme sua situação, construir seu próprio entendimento sobre direitos humanos, ou seja, para a teoria crítica, a esfera política estaria dissociada da esfera acadêmico-teórica.

Ao propor o diálogo intercultural, em substituição à universalidade a priori, Herrera Flores contribui para a possibilidade de uma nova forma de ver o mundo, de pensa-lo em outra perspectiva. Ainda que existam coisas que são indizíveis em outras culturas ou idiomas, esta parece ser uma forma muito mais democrática e efetivamente coerente com uma ideia de direitos humanos que seja emancipadora e não sufocadora de culturas. Assim, a universalidade deixa de ser ponto de chegada e passa a ser ponto de partida. A teoria de Herrera Flores avança, portanto, na crítica à teoria tradicional, propondo um novo paradigma de compreensão e utilização de todo o potencial emancipador que possui o conceito de direitos humanos. (BATISTA; LOPES, 2014, p. 16).

Verifica-se, portanto, que a teoria crítica suscita o pensamento libertador de uma armadilha ideológica outrora proposta pela teoria tradicional, forçando um pensamento voltado para a realidade, no qual constata-se que a não correspondência entre a teoria e a realidade, resulta em ineficiência dos direitos humanos outrora entabulados. Ressalte-se que, a eficácia de tais direitos está anexada ao pensamento no bem-estar do próximo, ou seja, no sofrimento deste, devendo-se surgir uma indignação como um marco crucial, do qual todos de forma uníssona atuarão com fito de construir condições que viabilizem a superação das causas que suscitaram a pretérita indignação.

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NORTE-COREANO E SUA RELAÇÃO COM OS DIREITOS HUMANOS

A República Popular Democrática da Coreia (Coreia do Norte) é um dos Estados menos conhecidos e difíceis de compreender do mundo. Além de ser conhecida como uma nação fechada, também pouco se sabe sobre o que acontece em seu interior, bem como sobre a verdadeira realidade de seus nativos.

3.1. Aspectos Políticos e Sociais do Estado Norte-Coreano

Em 9 de setembro de 1948, Kim Il-sung proclamou a República Popular Democrática da Coreia e tornou-se o primeiro líder da nação, que conquistou sua independência do Japão. Ao fim da 2ª Guerra Mundial, forças japonesas no norte da Coreia se renderam às forças da União Soviética, e as forças do sul se renderam aos Estados Unidos. Consequentemente, em 1948, surgiram a Coreia do Norte e a Coreia do Sul. No norte, Kim Il-sung obteve o poder por meio do apoio soviético; no sul, Syngman Rhee foi nomeado presidente.

Em seus primórdios, desde sua independência em 1948, o país seguiu o percurso comunista e encarou a primeira guerra contra as tropas norte-americanas na Guerra da Coreia, entre 1950 e 1953. Após invadir o país vizinho, o Conselho de Segurança das Nações Unidas decidiu intervir contra a invasão com uma força liderada pelos Estados Unidos. A UniãoSoviética e a China decidiram apoiar a Coreia do Norte.

A consequência dessa guerra foi a morte massiva de civis, tanto no Norte quanto no Sul. O que evidenciou que a Coreia do Norte não seria um país comunista dirigido por uma liderança coletiva, ao contrário, seria por uma só pessoa, Kim Il-sung.

Após sua morte, em 1994, Kim Il-sung foi sucedido por seu filho Kim Jong-il, o qual foi sucedido

em 2011 pelo filho Kim Jong-un. A fim de se destacarem internacionalmente, seus líderes lutam para promover sua tecnologia nuclear, tornando o mundo consciente de suaexistência.

A tentativa de ser levada a sério pela comunidade internacional tem se mostrado bem- sucedida, com o ano de 2018 sendo marcado por cúpulas históricas. Em junho, o líder norte- coreano, Kim Jong-un, se reuniu pela primeira vez com um presidente norte-americano e teve três encontros com o presidente sul-coreano, Moon Jae-in. O último dos três encontros com Moon Jae-in ocorreu em 18 de setembro no Comitê Central do Partido dos Trabalhadores da Coreia do Norte na capital, Pyongyang.

Adentrando-se no cenário cultural, há de se ressaltar que neste país, religião significa basicamente um culto aos líderes. Todos têm de participar de reuniões semanais e sessões de autocrítica e memorizar mais de 100 páginas de material de aprendizagem ideológica, incluindo documentos, poemas e músicas, que louvam os feitos e majestade dos Kims. Até mesmo crianças na pré-escola são doutrinadas.

O país tem duas ideologias como base: a juche, que diz que o homem é autossuficiente, e o kimilsungismo, ou seja, a adoração aos líderes. O governo submete a população a um sistema de classificação social, chamado Songbun, que divide os norte-coreanos

em: núcleo (28%), hesitantes (45%) e hostis (27%). Essas categorias são divididas em 51 subclasses. Cristãos e seus descendentes estão registrados na classe hostil. As classes ditam a posição social, acesso a direitos, bem como o sistema de distribuição de alimentos. (PORTAS ABERTAS, c2019, n.p.).

Ainda há seguidores do budismo e do confucionismo no país, apesar da adoração aos líderes não dividir espaço com qualquer outra religião, em teoria. No entanto, essas religiões perten-

17 3.
O ESTADO

cem à mentalidade cultural e podem ser vividas sem que qualquer um note. O cristianismo, ao contrário, é visto como uma religião perigosa que deve ser combatida ferozmente.

O país quer ser levado a sério e ser ouvido internacionalmente, o que é uma das razões por que seus líderes têm batalhado para avançar sua tecnologia nuclear e espacial, fazendo o mundo perceber sua existência. Essa política foi bem-sucedida e rendeu a Kim Jong-un um encontro histórico com o presidente americano, Donald Trump, em junho de 2018, bem como, em junho do corrente ano.

Em abril de 2018, os presidentes das duas Coreias se reuniram e lançaram a Declaração Panmunjon, um passo marcante após vários anos de silêncio e hostilidade. A maior realização, no entanto, foi se tornar o primeiro líder coreano a se encontrar com um presidente americano.

Entretanto, mudanças tangíveis no país ainda não são visíveis. Pelo contrário, fontes do país dizem que há um aumento da repressão contra todos os “elementos antissocialistas” e que a cooperação com a China em repatriar desertores se aprofundou. A questão de direitos humanos é vista como uma barreira ao progresso e como interferência em questões internas tanto pela China como pela Coreia do Norte.

Embora a maioria dos norte-coreanos não esteja passando fome como na década de 90, o suprimento de necessidades básicas continua sendo um desafio devido às condições geográficas e climáticas. Fome é um inimigo presente todos os dias. Altas porcentagens da população são subnutridas e o número de crianças raquíticas continua alto. A situação é agravada pelo fato do regime se recusar a cooperar com organizações internacionais e dar a elas acesso a áreas mais afetadas. Em julho de 2018, uma rara visita de avaliação por um alto oficial da ONU (a primeira desde 2011) mostrou as terríveis condições de vida de muitos cidadãos. (PORTAS ABERTAS,

c2019, n.p.).

A Coreia do Norte enfrenta um alto potencial de desastres naturais, uma vez que as chuvas torrenciais, os tufões, as inundações e as ondas de tempestade ocorrem anualmente. A erosão e sedimentação do solo, deslizamentos de terra, secas e tempestades de poeira e areia representam sérias ameaças à vida e aos meios de subsistência no país.

Ademais, a cada ano que se passa, os relatórios das Nações Unidas continuam a mostrar que milhões de pessoas norte-coreanas sofrem de insegurança alimentar crônica (em vários

graus), altas taxas de desnutrição e problemas econômicos profundamente arraigados. As crianças pequenas, as mulheres grávidas e lactantes e os idosos são os mais vulneráveis.

Quando se trata de proteger sua ideologia, a Coreia do Norte não se preocupa com sua reputação internacional nem com queda diplomática ou econômica – como com a Malásia (após o assassinato do meio irmão), que era uma das poucas nações com, relativamente, boas relações com o país. O caso Warmbier também chocou o mundo aomostrar quão terrível a situação nos campos de trabalhos forçados da Coreia do Norte pode ser – publicidade que o país tenta evitar a todo custo. (PORTAS ABERTAS, c2019, n.p.).

Contudo, mesmo esses eventos recentes não mudaram a política interna nem a resposta da comunidade internacional. Pelo contrário, uma ousada Coreia do Norte está determinada a exigir seu lugar no mundo e continua a colocar diferentes países uns contra os outros.

Sendo um país tão repressivo, torna-se impossível realizar qualquer tipo de atividade que mostre vida ativa de qualquer religião, logo, reuniões entre seus respectivos congregados acontecem de forma secreta, sem levantar qualquer tipo de suspeita das autoridades, já que qualquer pessoa engajada em atividades religiosas clan-

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destinas é submetida à discriminação, prisão, detenção em campos de trabalhos forçados, desaparecimento, tortura e execução pública, juntamente com sua família, conforme se estudará no capítulo seguinte.

3.2. As Violações de Direitos Humanos no Estado Norte-Coreano

O assassinato do meio-irmão de Kim Jong-un, Kim Jong-nam, em Kuala Lumpur, em fevereiro de 2017, mostrou a truculência do regime, quando se vê ameaçado. A morte de Otto Warmbier, estudante norte-americano, após 14 meses em um campo de trabalhos forçados também destacou a terrível situação vivida no país. Há um ditado norte-coreano que ilustra bem a mentalidade da sociedade: “Onde quer que estejam duas ou três pessoas reunidas, uma é espiã”.

Pessoas na Coreia do Norte estão presas em um círculo vicioso, no qual o fracasso do Estado em fornecer necessidades básicas faz com que elas busquem alternativas precárias nos mercados paralelos, onde enfrentam uma série de violações de direitos humanos em um ambiente de incertezas legais. É o que aponta um novo relatório de direitos humanos das Nações Unidas, publicado nesta terça-feira (28) pelo Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos (ACNUDH). O documento destaca como o sistema público de distribuição na Coreia do Norte está quebrado há mais de duas décadas. Além disso, o documento afirma que as pessoas buscam soluções para viver em uma economia precária legalmente paralela, expostas a prisões arbitrárias, detenções e extorsões. (ONU Brasil, 2019, n.p.).

Esta situação leva invariavelmente a uma série de violações mais graves de direitos humanos, por conta da ausência do Estado de Direito e de garantias de devido processo legal. Pessoas frequentemente passam por tratamentos desumanos e degradantes durante a detenção e, às vezes, são torturadas durante interrogatórios e procedimentos disciplinares.

Salienta-se que, quando pessoas tentam participar de atividades comerciais simples, correm risco de prisão e detenção, incluindo por viajarem dentro do país. Na Coreia do Norte, é necessário ter permissão para viajar internamente.

Em relatório publicado recentemente pela ONU, fora destacado que o Estado em análise, não cumpriu suas obrigações sob o direito internacional de direitos humanos para cumprir o direito de seus cidadãos a um padrão de vida adequado, não buscou modificar seu sistema público falho e sequer ajudou a estabelecer um setor funcional e legal para aliviar a destituição econômica enfrentada por parte da população.

Ainda, destacou que as pessoas que vivem no nordeste do país e em províncias rurais sofrem mais com a falta de serviços básicos. Segundo o Índice de Fome Global de 2018, o nível de fome no país é classificado como “sério” e “à beira do alarmante”.

“Estes são números fora do comum e terríveis”, disse Bachelet. “Você raramente encontra este nível de privação até mesmo em países afetados por conflito. Estou preocupada que o constante foco na questão nuclear continue desviando atenção do terrível estado de direitos humanos para muitos milhões de norte-coreanos. Não só direitos civis e políticos, mas também sociais, culturais e econômicos, que são tão importantes quanto.” (ONU Brasil, 2019, n.p.).

Observa-se que, o padrão de vida na Coréia do Norte está longe de claro, por conta da escassez de dados e da falta de acesso de equipes de direitos humanos da ONU ao país. Esta situação é agravada pelo ambiente doméstico opressor, no qual não há espaço para pessoas compartilharem seus pontos de vista, para organizações independentes da sociedade civil operarem ou para jornalistas relatarem livremente a situação.

Outrossim, na nação mais fechada do mundo, o cristianismo é visto como ocidental e hostil e se

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espera que os cidadãos adorem somente a família Kim, que governa o país desde sua fundação, em 1948. Por esse motivo, cristãos escondem a fé até mesmo da própria família temendo ser presos e enviados para campos de trabalhos forçados. O exercício da fé cristã em comunidade também é afetado, já que igrejas não podem existir, e reunir-se com outros cristãos é uma atividade perigosa, bem como ler a Bíblia ou expressar a fé cristã de qualquer maneira.

Se cristãos são descobertos (tanto se são herdeiros de comunidades cristãs de antes da guerra ou se converteram de outras formas – como por exemplo durante a grande fome nos anos 1990, que causou a fuga de milhares de cidadãos para a China, que

frequentemente encontravam ajuda em igrejas chinesas), não apenas eles são enviados a campos de trabalhos forçados como criminosos políticos ou mortos na hora, mas também sua família terá o mesmo destino. Os cristãos não têm o menor espaço na sociedade; pelo contrário, o governo adverte a sociedade contra eles. Encontrar com outros cristãos para adorar é quase impossível e se alguns ousam fazê-lo, deve ser feito no mais extremo sigilo. As igrejas que são mostradas aos visitantes em Pyongyang são meras propagandas. (PORTAS ABERTAS, c2019, n.p.).

Tais práticas ferem gravemente a Declaração Universal dos Direitos Humanos, além de demonstrar o descaso do Estado com as necessidades básicas de seu povo. A televisão na Coreia do Norte tem apenas um canal com programas sobre o “Grande Líder”. Também são transmitidos programas da China ou da Rússia, todos baseados nos ideais socialistas. Há apenas um jornal e os artigos publicados também estão vinculados ao Grande Líder. O mesmo ocorre com os livros que leem e com todas as outras formas de educação e entretenimento.

Em reportagem publicada em 2017 no site BBC News Brasil, a Jornalista Suki Kim afirmou o

seguinte: “A religião aqui não é permitida, e o proselitismo é um crime muito sério, castigado com a morte. O único que se venera no país é o Grande Líder. [...] O controle no paísé algo muito forte. Controlam cada aspecto da vida e tudo está relacionado ao Grande Líder”.

Aos norte-coreanos são proibidas viagens ao exterior, casamento com estrangeiros, além da exigência de autorização para viajar pelo país. Além disso, existe o terror da delação, em que cada cidadão é responsável por vigiar seus circunvizinhos e a qualquer deslize destes, devem delatá-los às autoridades.

Um em cada 40-50 adultos é um informante assalariado, estima Lankov. Há vigilância entre vizinhos (os inminban são grupos de 20-40 famílias que se vigiam umas às outras) e social: todos pertencem ao partido único, ao sindicato, à liga juvenil ou à de mulheres. A dissidência não existe porque o castigo é infinitamente cruel. O acusado, e toda a sua família, são levados a campos de prisioneiros. Com cerca de 100.000, é o país que tem proporcionalmente mais prisioneiros políticos do mundo. (GORTÁZAR, 2014, n.p.)

O Human Rights Watch descreveu esse tipo de prisão como caracterizada por abusos sistemáticos e muitas vezes condições que levam à morte, incluindo refeições escassas que praticamente causam inanição, quase sem cuidados médicos, alojamento ou roupas adequadas e com maus-tratos frequentes como abuso sexual, torturas por parte dos guardas ou execuções.

Park Min-Soo, em reportagem publicada em 2015 no site El País, aduziu que o principal motivo é o aumento das perseguições. As ordens para impedir o trânsito de desertores, afirma, vêm diretamente de Kim Jong-un e de seus assessores. “Para ele, os desertores são escória humana, traidores. Pessoas que difamaram o regime e o questionaram diante da comunidade internacional.”

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Não fosse o bastante tais violações, nota-se, conforme relatório da ONU (2019) que a postura das autoridades locais sequer demonstra preocupação ou posicionamento positivo em resolvê-las, pelo contrário, restou demonstrado que seu foco recai mais quanto a questõesmilitares e testes nucleares, enquanto o povo local padece necessidades básicas.

A Comissão de Inquérito sobre Direitos Humanos de 2014 na República Popular Democrática da Coréia, mandatada pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, constatou que, durante os anos de fome, a alocação de recursos pelo governo “deixou de priorizar o objetivo de libertar pessoas da fome e desnutrição crônica, especialmente em tempos de fome em massa.” Embora reconhecendo o impacto do colapso da União Soviética, resultando na perda de empréstimos, petróleo barato, tecnologia subsidiada e ajuda bilateral; cortes na ajuda chinesa; condições climáticas e da terra; e desastres naturais (inundações em 1995 e 1996); a Comissão descobriu que, em meio à fome, o governo havia alocado “quantidades desproporcionais de recursos em suas forças armadas, no culto à personalidade do Líder Supremo , eventos relacionados à glorificação e compra de luxo. (ONU, 2019, não paginado, tradução nossa, grifo nosso).

Parece, portanto, que o Governo continua a não tomar medidas até o “máximo de seus recursos disponíveis” para realizar progressivamente o direito a um padrão de vida adequado ou cumprir suas obrigações principais com efeito imediato. Em seu relatório mais recente sobre direitos humanos, o Instituto Coreano de Unificação Nacional (KINU), o qual é financiado pelo Governo da República da Coréia, afirmou que a escassez de alimentos em andamento para os agricultores estava sendo causada pela coleta excessiva de produtos pelo governo, racionamento discriminatório de alimentos com base na classe e priorização de alimentos, racionamentomilitar.

A insegurança alimentar continua sendo uma questão importante na República Popular Democrática da Coréia. De acordo com entidades das Nações Unidas que operam no país, em 2019, cerca de 10,9 milhões de pessoas (mais de 43% da população total) estão subnutridas e sofrem de insegurança alimentar, e também têm necessidades não atendidas de saúde, água, saneamento e higiene. Quase 10 milhões de pessoas não têm acesso a água potável segura e 16% das pessoas não têm acesso a instalações de saneamento básico, aumentando o risco de doenças e desnutrição. (ONU, 2019, não paginado, tradução nossa, grifo nosso).

Ao final do relatório apresentado pela ONU em 2019, recomendou-se reformas drásticas, incluindo revisão do código criminal e outras legislações relevantes para acabar com processos por participação em atividades comerciais legítimas e para respeitar o direito à liberdade de movimento dentro do país e de suas fronteiras.

Nota-se, são inúmeras as violações aos direitos humanos ocorrentes do Estado em estudo, violações estas que ainda são pouco conhecidas pela comunidade internacional, o que agrava demasiadamente a situação da população local. Gize-se, além de todas as dificuldades enfrentadas decorrentes das guerras e aspectos geográficos, os coreanos são submetidos a um regime ditatorial que tenta mostrar ao mundo uma falsa ideia de normalidade, quando naverdade, o que acontece internamente é estrondosamente assustador e confrontador à Declaração Universal dos Direitos Humanos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho possibilitou entender os fatores históricos que ensejaram o nascimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, sua análise sob a ótica da Teoria Crítica, além de discorrer sobre a construção histórica da Coréia do Norte e sua triste realidade, no que pertine às

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diversas violações aos direitos humanos.

Para se atingir uma compreensão dessa realidade, fora realizada pesquisa em diversas fontes, a fim de se constatar ao menos as principais violações aos direitos humanos ocorrentes no Estado em comento, tendo em vista que, o que fora discorrido neste, ainda é ínfimo diante da realidade local.

Por fim, conclui-se que apesar de muito se falar em direitos humanos e da vigência da DUDH, ainda existem muitas pessoas que sofrem por não terem o mínimo para viver de forma digna, valor este imprescindível a uma sociedade global mais justa e sem desigualdades.

Faz-se necessário uma atuação não só da ONU, mas um engajamento da comunidade global, a fim de difundir ao mundo, os diversos gravames ocorrentes na Coréia do Norte e labutar para que tal realidade seja erradicada.

Nota-se atualmente, um posicionamento do governo brasileiro em favor das pessoas que têm sofrido perseguição ao redor do mundo. Gize-se inclusive, o pronunciamento do Presidente do Brasil em Assembleia recente da ONU, na qual o mesmo enfatizou a triste realidade que muitas pessoas sofrem e seu engajamento no intuito de auxiliar na extinção das diversas violações ora existentes.

Posicionamentos como este são imprescindíveis para que se alcance o que está entabulado na Declaração Universal dos Direitos Humanos e, se todos os governantes, bem como a população mundial em geral se engajar da mesma forma, tal realidade começará a mudar, pra melhor.

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A BÍBLIA. Livro de Romanos, capítulo 12, versículos 5 e 6. Tradução de João Ferreira Almeida. Rio de Janeiro: King Cross Publicações. Velho Testamento e Novo Testamento, 2008.

BATISTA, Vanessa Oliveira; LOPES, Raphaela de Araújo Lima. Direitos Humanos: o embate entre teoria tradicional e teoria crítica, 2014.

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OLIVEIRA, Saullo Pereira. A SUPREMACIA DOS DIREITOS HUMANOS UNIVERSAIS PERANTE A SOBERANIA DE UM ESTADO ARBITRÁRIO. THEMIS: Revista da Esmec,v. 11, p. 375-392, 2016.

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n 23

A CONCILIAÇÃO COMO MEIO DE DESJUDICIALIZAÇÃO DE CONFLITOS NOS CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS

O aumento na quantidade e a rapidez na celebração de contratos de consumo aumentaram também os conflitos oriundos destas relações, fator que contribuiu para o aumento de processos no Judiciário, que já sofre há muitos anos com o excesso de processos em trâmite, morosidade e falta de estrutura. Nesse contexto, o surgimento e a difusão dos Meios Adequados de Solução de Conflitos tem grande importância para auxiliar o Judiciário na diminuição de processos e/ou solução mais ágil destes, bem como para ajudar a sociedade como um todo a solucionar melhor seus conflitos através do diálogo e do consenso, auxiliando na implementação da cultura da paz na sociedade. O tema deste trabalho surgiu pela crença de que os meios adequados são necessários para a sociedade, como forma de melhorar as relações de consumo, relações contratuais, bem como a sociedade como um todo em suas diversas relações e o atravancamento do Judiciário. O trabalho foi desenvolvido através de pesquisas de doutrinas sobre o tema, bem como artigos, manuais e dados obtidos pelo Judiciário ao longo dos anos, que demonstram o avanço gradativo dos meios adequados no auxílio da solução de litígios não só nas relações de consumo, mas também nos demais áreas do direito, adequando-se o meio escolhido com base no conflito existente. O trabalho teve foco na conciliação por ser o meio cabível as relações de consumo e contratuais, na qual é permitido ao terceiro que auxiliará as partes que faça sugestões para facilitar um eventual acordo, o que é de grande serventia nesta modalidade de conflito. Sendo assim, novas medidas, projetos e leis que incentivem a difusão e aplicação dos MASC´s devem ser prioridade, visando contribuir de forma efetiva para a situação dos consumidores, dos prestadores de serviços, do Judiciário e da sociedade como um todo.

Palavras-chave

Masc´s – Meios Adequados De Solução De Conflitos– Conciliação- Desjudicialização de Conflitos – Contratos de Prestação de Serviços Ao Consumidor – Lei do Superendividamento

Núbia De Araújo Dourado

Pós Graduação Lato Sensu Contratos, Execução Contratual e Responsabilidade Civil, na Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo

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AO CONSUMIDOR E A
SUPERENDIVIDAMENTO
NOVA LEI DO

INTRODUÇÃO

Este artigo pretende dar ênfase e difundir a importância dos meios adequados de solução de conflitos, em especial a conciliação, na resolução dos conflitos contratuais entre consumidores e empresas prestadoras de serviços, deixando clara a vantagem de uma solução construída pelas partes através do diálogo, o que possibilita, além de um resultado ganha-ganha, a difusão da cultura da paz e a melhoria do congestionamento processual no Judiciário.

Todos os fatores acima mencionados demonstram a importância deste tema e fundamentam sua necessidade de estudo e difusão, não só entre os estudiosos da área jurídica, mas também entre a sociedade como um todo, tanto pessoas físicas como jurídicas, permitindo que estas ao conhecerem o que será tratado aqui optem por esta possibilidade na resolução de seus conflitos.

A difusão de boas práticas, de medidas que auxiliam a sociedade como um todo, é um modo de garantir a construção de um país mais justo, mais igualitário e fraterno. Ao ensinarmos as pessoas do poder que elas têm de solucionar seus conflitos de forma pacífica, através do diálogo, da empatia, de uma escuta ativa, ajudaremos não só essas pessoas a terem menos conflitos no futuro, ou os resolverem de uma forma mais rápida e efetiva, mas também ajudaremos o meio emque estas pessoas vivem: suas famílias, empresas e comunidades.

Para tanto, vamos esclarecer quais são os principais métodos adequados de solução de conflitos e as peculiaridades de cada um, focando nos mais aplicados atualmente no país.

Na sequência vamos dar ênfase na conciliação, esclarecer suas principais características, como se aplica, seus benefícios e legislação vigente.

Outro tema abordado é a importância da conciliação na desjudicialização de conflitos para a melhoria do número de processos parados nos

Tribunais, bem comopara o desenvolvimento da cultura da paz, explicando o que é e sua importância.

Tamanha é a importância do tema a ser abordado que a conciliação, bem comoos demais métodos adequados de solução de conflitos, tem papel de destaque em diversas legislações, em especial nas mais modernas, o tema teve grande ênfase noCódigo de Processo Civil de 2015, tem lugar de destaque no Código de Defesa do Consumidor e existe uma política nacional do CNJ voltada a auxiliar na difusão da adoção dessas medidas.

1. MEIOS ADEQUADOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS

Os meios adequados de solução de conflitos consistem em vários métodos quebuscam a resolução de disputas entre as partes, inicialmente, sem a utilização do Judiciário como interveniente, seja via negociação, conciliação, mediação ou arbitragem, entre outros meios, sendo estes os principais e mais difundidos.

“A expressão “meios alternativos de solução de conflitos” (MASC) corresponde à homônima em língua inglesa “alternative dispute resolution” (ADR). Ela representa uma variedade de métodos de resolução de disputas distintos do julgamento que se obtém ao final de um processo judicial conduzido pelo Estado. São exemplos a arbitragem, a mediação, a conciliação, a avaliação neutra, o ministral, a própria negociação entre outros.”1

Busca-se que as partes sejam capazes de através da cooperação e do diálogo obterem sozinhas, ou ainda, por meios que estas pré definiram, a solução das disputas a que deram causa, tirando-as da conduta passiva e trazendo-as a um papel mais ativos diante de seus conflitos,

1 Adolfo Braga Neto e outros, Negociação, Mediação, Conciliação e Arbitragem. Curso de métodos adequados de solução de controvérsias.

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evitando assim que a solução dos conflitos seja simplesmente terceirizada para a um juiz.

A solução consensual permite um viés prospectivo, onde sejam analisados os casos individuais, um procedimento menos burocrático e com maior eficácia, onde haja um reequilíbrio de interesses e se aproxime da somatória de vontade entre as partes, existindo maiores chances de um resultado ganha-ganha.

A negociação pode ser feita diretamente entre as partes, ou entre advogados, ou ainda com ambos, e visa a solução dos conflitos sem a interferência ou participaçãode terceiros, no geral é uma via mais objetiva.

Nos demais meios apresentados em todos existe a participação de um terceiro,que na arbitragem será uma, ou mais pessoas, que foram escolhidas para solucionar o conflito via o devido processo arbitral. Já na conciliação e na mediação este terceiro será imparcial e terá a função de auxiliar as partes na construção do diálogo e na geração de alternativas, que poderão ou não, culminar num acordo, cabendo as partes a palavra final.

Deste modo, verifica-se que em todas as suas nuances os meios adequados de solução de conflitos recebem este nome por colocarem as partes em um papel ativo perante os conflitos a que “deram” causa, ou seja, colocam as partes em um papel de protagonistas diante da disputa existente e não mais como seres inanimados aguardando que um terceiro solucione o conflito por eles.

A conciliação e a mediação podem ser aplicadas extrajudicialmente de forma privada, de forma pré-processual através do judiciário, ou ainda, durante o processo em qualquer fase, até mesmo em casos que aguardam o julgamento de recursos emtodas as instâncias e Tribunais.

O grande entusiasta e difusor da aplicação dos meios adequados de solução de conflitos é o Judiciário, que através do Conselho Nacional de

Justiça busca há muitos anos difundir a cultura da solução de litígios pelas partes, como uma forma deauxiliar no atravancamento do Judiciário, bem como visando gerar nos cidadãos uma maior responsabilidade sobre as suas disputas e difundir a cultura da paz.

“Segundo o relatório Justiça em Números do Conselho Nacional de Justiça, a cada ano, para cada dez novas demandas propostas no Poder Judiciário brasileiro, apenas três demandas antigas são resolvidas. Some-se a este preocupante dado que se encontram pendentes cerca de 93 milhões de feitos. Sem dúvida, vivemos sério problema de déficit operacional.”2

Ademais, na solução de conflitos via Judiciário muitas vezes as partes “vencedoras” tem a sensação de “perdedoras”, seja em função do tempo de demora do processo, dos custos, financeiros e sentimentais, bem como pela perda devínculos, tal situação faz com que muitas vezes no final o resultado pretendido seja muito distante do conquistado e ambas as partes não se sintam satisfeitas, visto queao final do processo não viram seus anseios preenchidos.

Na cultura da solução adequada de conflitos, via conciliação ou mediação, conforme cabível ao caso concreto, as partes são colocadas numa posição de protagonistas na sessão, sendo a todo momento convidadas a dialogarem, exporem suas visões e sentimentos em relação ao conflito, deixando claro seus interesses e necessidades, permitindo desta forma a possibilidade de que a outra parte compreenda questões que até então estavam ocultas e fazendo, muitas vezes, com que os motivos obscuros do conflito se tornem visíveis e permitindo que se aproximem de uma solução possível para ambos.

Na sessão as partes recebem o auxílio de um conciliador ou mediador, que é um terceiro, im-

2 Texto Soluções amigáveis devem ser prioridade empresarial – site Conjur - https://www.conjur.com.br/2014- abr-07/solucoes-amigaveis-disputa-prioridade-empresarial - consulta em 17/01/2022

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parcial, que irá facilitar e incentivar o diálogo entre as partes, sem impornada, nem fazer nenhuma espécie de juízo de valor, terá uma função de apoio na construção de um diálogo harmonioso e, se for da vontade das partes, de um acordo onde ambas possam sair satisfeitas.

Diante da sua postura imparcial, que não tem como intuito exclusivamente obter acordos a qualquer custo, o terceiro imparcial também pratica o chamado teste de realidade, situação na qual ajuda as partes a analisarem se o acordo ao qual se comprometeram é mesmo algo que são capazes de cumprir, auxiliando com que os acordos sejam efetivamente cumpridos.

Via de regra, situações em que as partes se comprometem de livre e espontânea vontade a formalizar um acordo, abrindo mão de ser o único vencedor emuma situação, concordando em chegar muitas vezes a um meio termo para ver o conflito resolvido, tem maiores chances de gerar acordos que serão efetivamente cumpridos.

Cabe esclarecer que, tanto a conciliação quanto a mediação podem ser parciais, ou seja, podem ser utilizadas para solucionar apenas parte do litígio, inclusive para dirimir dúvidas em procedimentos arbitrais, permanecendo o restante do conflitopara ser dirimido por um juiz ou arbitro.

Os meios adequados de solução de conflito, embora ainda encontrem considerável índice de resistência entre alguns advogados e clientes, ainda focados na cultura da judicialização dos conflitos, já evoluiu muito devido ao incentivo do CNJ e da mudança de paradigma de muitos operadores do direito que após longos anos de experiência em conflitos judiciais e constatação da insatisfação dos clientes mesmoquando saem “vencedores”, sem falar nos casos de “ganhou mais não levou”,entenderam na prática que algo deve ser alterado nos rumos da resolução dedisputas.

Em muitos casos, infelizmente, o Judiciário continuará sendo a única forma de solução de disputas, as vezes por escolha das partes, ou ainda

pela complexidade damatéria tratada, mas mesmo nestes casos com o advento do Código de Processo Civil, a menos que haja recusa de ambas as partes, os juízes devem indicar os processos para a realização de audiências de conciliação no CEJUSC da comarca/foro.

Sendo assim, na maioria dos casos a audiência de conciliação, prevista no art.

334 do Código de Processo Civil, será obrigatória nos procedimentos cognitivoscomuns. Restando demonstrada a verifica a importância dada pelo Legislador e peloJudiciário para que seja aplicado sempre que possível a autocomposição aos litígios.A discussão sobre o tratamento adequado de conflitos teve início no Congresso Nacional em 1998 com a Mediação no Processo Civil Brasileiro, que teve como resultado a criação do Conselho Nacional de Justiça e a edição por este da Resoluçãonº 125 de 2010 que estabeleceu a “Política Judiciária Nacional de tratamento

adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário”.3

Segundo a Resolução nº 125 de 2010 em seu art. 3, §2º, deve ser priorizada asolução amigável de conflitos, cabendo ao Estado promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos, sendo também dever dos juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processocivil, estimular a solução consensual dos conflitos via conciliação, mediação ou outrosmétodos de solução consensual de disputas.

A referida Resolução previa ainda a obrigação dos Tribunais de criarem Centros Judiciais de Solução Consensual de Conflitos, os atuais CEJUSC´s, que segundo o plano seriam, e efetivamente o são na prática, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação, bem como pelo desenvolvimento de

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3 Renato Montans de Sá. Manual de Direito Processual Civil P.637.

programas com a finalidade de auxiliar e estimular a autocomposição. Estes Centros atuam hoje também de forma efetiva no auxílio da formação de conciliadores e mediadores que futuramente atuarão no Judiciário.

2. CONCILIAÇÃO E SUAS CARACTERÍSTICAS PRINCIPAIS

Primeiramente, cabe esclarecer que a conciliação foi escolhida neste artigo para figurar como principal meio de dirimir conflitos contratuais dentre os demais meios de solução adequada de conflitos, como será a seguir explicado, pelo fato de nela o terceiro imparcial que auxilia as partes poder dar sugestões e auxiliar as partesa acharem soluções, tendo, portanto, uma conduta mais ativa no auxílio as partes.

A conciliação se aplica aos casos em que o conflito entre as partes decorre de uma relação jurídica, e quando estas não tiverem uma relação anterior a que deu causa ao litígio, situação em que não será necessária a preocupação em resguardar e/ou manter o diálogo entre as partes posteriormente a eventual solução do conflito.

Na conciliação um terceiro imparcial irá atuar como conciliador, tendo como função auxiliar as partes a construírem um diálogo harmonioso, baseado na escuta ativa, na empatia, onde todos terão momentos e oportunidades iguais de fala, de demonstrarem sua visão sobre o conflito, expressarem seus pontos de vista, e serão estimulados a todo o tempo a criarem alternativas juntos para a solução do conflito.

Nesta modalidade de método adequado de solução de conflitos o terceiro imparcial pode inclusive sugerir alternativas para as partes, como forma de fomentar a geração de opções, pode questioná-las sobre as opções geradas visando um testede realidade sobre a real possibilidade de cumprimento do que foi desenhado como solução.

A decisão final sobre a celebração ou não de um

acordo será das partes, não podendo existir por parte de ninguém nenhuma forma de pressão para que haja acordo. As partes tem total autonomia para estar ou permanecer na sessão, bem como para decidir se desejam ou não fazer acordo.

A conciliação pode ser realizada dentro ou fora do Judiciário, pode ser feita namodalidade presencial ou virtual, bem como em caso da via judicial poderá ser realizada em qualquer fase processual, em qualquer instância ou Tribunal.

As sessões de conciliação, assim como ocorre com a mediação, são realizadas de forma simplificada, sem muitas formalidades, prezando sempre pelo sigilo e confidencialidade do procedimento, sendo vedada a gravação das sessões, bem como a utilização do que é dito nestas como prova ou arrolamento dos participantes como testemunhas, o procedimento é oral e só constará em eventual termo de acordo o que for relevante em relação ao acordo, bem como aquilo que as partes concordarem.

Na conciliação as partes assumem um papel de protagonistas em relação à disputa a que deram causa, sendo incentivadas a todo o momento pelo conciliador ainformarem sua visão do conflito, seus interesses, as possibilidades que vislumbram para a solução do litígio, bem como são incentivadas a ouvir de forma atenta e empática a visão e os anseios da outra parte.

Embora ainda prevaleça a cultura da resolução judicial de conflitos, onde as partes terceirizam seu conflito para as mãos de um juiz, o Judiciário, seguindo as alterações legislativas, incentiva que seja aplicada a conciliação aos conflitos como forma de tentar solucioná-los de forma mais rápida, eficaz, barata e benéfica para ambas as partes, e para tanto diversas alterações incentivando e privilegiando a conciliação e/ou mediação foram inseridas no CPC de 2015, bem como em legislações atuais como a nova lei de falências e recuperação judicial.

Em linhas gerais ao incentivar a conciliação

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como meio de solucionar conflitos tem se em mente que ninguém melhor do que aqueles que estão inseridos na disputapara saber qual a melhor forma de solucioná-lo para ambos, gerando um resulta ganha-ganha, visto que muitas vezes mesmo aquele que sai vencedor em casos solucionados via sentença judicial se sente um perdedor, seja pelo tempo que a demanda demorou para ser efetivamente resolvida, seja pelo famoso “ganhou mais não levou”, seja pelos altos custos financeiros envolvidos, pelo desgaste emocional, pelo grande tempo gasto, ou ainda pelo resultado final que muitas vezes fica bem aquém do pretendido.

Vivemos em uma sociedade em que o números de transações celebradas diariamente é imenso, em que o tempo de negociação muitas vezes é curto, em que muitas negociações são celebradas virtualmente, seja por meio de sites, aplicativos ou e-mail, e que muitas vezes questões ficam controversas e geram conflitos que umdiálogo poderia solucionar, já que o que está sendo tratado são direitos disponíveis, entre agentes capazes, questões muitas vezes meramente burocráticas, ou ainda questões que as partes conseguiriam resolver entre si com maior êxito do que o Judiciário.

Diante desse cenário a conciliação, em suas várias vertentes, pode e deve seraplicada como um meio de solucionar o conflito de um modo mais rápido, barato e eficaz, visto que é estatisticamente comprovado que os acordos oriundos de conciliação têm muito menos incidência de descumprimento, já que as partes tiveram a oportunidade de expor suas vontades, interesses, deixar claro suas possibilidades,bem como pelo fato de serem aplicados testes de realidade as propostas apresentadas.

Existe também a possibilidade de que a conciliação seja realizada com a açãojudicial em curso, em qualquer instância ou Tribunal, situação que também auxilia na diminuição do número de processos em cur-

so tendo em vista que após a homologação do acordo o processo em regra é suspenso ou arquivado.

Um dos principais entraves para a maior difusão da conciliação, assim como de outros meios adequados de solução de conflitos, no país é a cultura da litigiosidade na mente dos cidadãos e a falta de informação de que um acordo celebrado na via extrajudicial, desde que revestido das formalidades legais, poderá ser homologado pelo juízo e, consequentemente, terá força de título executivo judicial, ou ainda, mesmo que não homologado se respeitados os ditames do CPC poderá ter força de título executivo extrajudicial.

Em ambos os casos, seja com força de título executivo judicial ou extrajudicial,eventual execução do acordo entabulado entre as partes terá maior eficiência do queo trâmite normal de um processo judicial de conhecimento teria para chegar até a fase de execução da condenação, ou seja, em qualquer uma das duas situações o acordoé mais vantajoso, mais ágil, eficiente e menos dispendioso e problemático para ambasas partes.

Embora já haja grande incentivo do CNJ na propagação da cultura da soluçãoadequada de conflitos, tanto na parte institucional com membros do Judiciário, MP, advogados e serventuários, ainda é necessário levar estes conhecimentos aos cidadãos para que detendo essas informações possam fazer escolhas melhores na hora de solucionar seus conflitos e privilegiem a escolha dos meios adequados em detrimento da via judicial, oposto do que ocorre atualmente.

No mais, para que esse quadro evolua também deveriam haver imposições para que o tema seja tratado e incentivado na formação dos bacharéis de direito queserão os futuros operadores do direito, semeando essa mentalidade neles desde a sua formação com certeza será mais fácil que sejam adeptos dela em seu exercício profissional.

3. A IMPORTÂNCIA DA

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DESJUDICIALIZAÇÃO DE CONFLITOS PARA A CULTURA DA PAZ E PARA O JUDICIÁRIO

Conforme já apresentado nos tópicos anteriores o Judiciário sofre com o grandenúmero de processos em trâmite, fator prejudicado pela maior judicialização de conflitos nos últimos anos e pelo déficit operacional, fatores que mesmo com a

digitalização dos processos nos últimos anos não permitiram uma diminuição considerável dos processos aguardando julgamento.

O termo desjudicialização de conflitos se refere a possibilidade de as partes juntas solucionarem seus conflitos fora do Judiciário, sendo necessário para tanto que o objeto da disputa seja disponível e que as partes sejam juridicamente capazes. Neste caso, caberá a estas a opção de solucionarem o conflito existente pelas vias alternativas ou adequadas de solução de conflitos, sendo as mais comuns a conciliação e a mediação.

Ao escolher tratar seus conflitos fora do ambiente judicial as partes já assumemuma postura mais apaziguadora, sabendo, via de regra, que caberá a elas negociar seus interesses e balancear com os interesses da parte contrária buscando alcançar um denominador comum que permita uma solução consensual a disputa.

A desjudicialização de conflitos é ampla e claramente incentivada pelo Poder Judiciário, motivou a criação da Lei da Mediação, seu ideal foi incluso em diversas outras legislações vigentes, tem papel importante no CPC de 2015, em outras legislações atuais, sempre visando semear na cabeça dos cidadãos a cultura da autocomposição.

Não é de hoje que se escuta sobre os inúmeros processos no Judiciário aguardando julgamento, sobre a morosidade na tramitação dos processos, sobre a necessidade de novas postu-

ras, bem como sobre o acelerado crescimento de demandas que tratam de direitos privados, grande parte das vezes demandas que seriam facilmente solucionadas diretamente entre as partes com maior êxito do que no tratamento pelo Judiciário.

Sendo este um dos principais motivos que levou o Judiciário, por meio do CNJa incentivar e criar mecanismos de difusão dos meios autocompositivos, em especial a conciliação a mediação, como forma não só de desafogar o Judiciário, mas tambémde auxiliar na criação de uma cultura de paz.

Antes de adentrar no mérito do que é cultura da paz e de sua importância, faz-se necessário esclarecer que a desjudicialização de conflitos via a adoção dos métodos adequados de solução garante celeridade na resolução das disputas, segurança jurídica, eficiência e eficácia, além de gerar maior chance de cumprimentointegral dos acordos.

Com base na definição da ONU cultura da paz “é um conjunto de valores, atitudes, modos de comportamento e de vida que rejeitam a violência, e que apostam no diálogo e na negociação para prevenir e solucionar conflitos, agindo sobre suas causas”.

A cultura da paz visa criar novos paradigmas no Judiciário e na sociedade comoum todo, as partes trabalham como co-construtoras de suas realidades, com uma nova visão valorativa, com um modelo consensual, estimulo a autocomposição, a visando a comunicação, a superação do conflito, abrir mão do passado e focar no futuro, deixar o conflito para trás e buscar por uma solução ganha-ganha para ambasas partes, busca o reequilíbrio, a construção de uma solução em conjunto.

“Hoje, depois de vinte anos de magistratura, é muito mais importante a atuação do juiz, do profissional do Direito na pacificação da sociedade do que na solução

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do conflito. É mais relevante para o juiz um acordo amigável, mediante uma conciliação das partes, do que uma sentença brilhante proferida e que venha a ser confirmada pelos tribunais superiores.”4

“Somente com um movimento assim organizado, implementado e monitorado conseguiremos transformar a cultura da sentença, hoje predominante, em cultura da pacificação, da solução amigável dos conflitos de interesses.”5

A judicialização de conflitos ainda é o principal meio buscado pelas partes para solucionar problemas, e esse quadro será assim ainda por algum tempo, as mudançasinfelizmente são demoradas, mas os avanços existem e com insistência e persistênciado Judiciário e o apoio das demais partes atuantes no processo isso pode mudar.

O Judiciário não consegue acompanhar, e não conseguirá sem o auxilio de outros meios para dirimir conflitos, o avanço constante de lides, que é muito ampliado,conforme já dito, pelos avanços da tecnologia que permitem que as transações comerciais sejam feitas de forma mais rápida e simplificada, e muitas vezessimplificada em demasiado e pecando nos cuidados básicos ou falhando na atenção.A desjudicialização de conflitos conseguirá gerar também maior acesso a cidadania, permitindo acesso de todos a tratamento digno mediante a resolução deconflitos em tempo hábil e de forma eficaz, o que é o principal intuito dos meiosalternativos de solução de conflitos, sendo necessário apenas a adequação do melhor meio para cada espécie de conflito. Conforme já dito, aqui foi escolhido dar ênfase a conciliação pelo entendimento de que por suas características permitiria maior chancede resultados positivos.

Por fim, verifica-se que é imperioso, não só pela cultura da paz, que beneficiaria a sociedade

como um todo e as gerações futuras ao criar indivíduos mais capazes para o diálogo, mas também para o bom funcionamento do Judiciário, para atuar em lides nas quais ele é realmente necessário, que haja incentivo maior do que o já aplicado e/ou obrigatoriedade ao uso dos meios alternativos de solução de conflitos como primeira medida adotada.

4. CONTRATOS DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS AO CONSUMIDOR E SEUS PRINCIPAIS CONFLITOS

Como todo estudante de direito aprende no início das aulas de direito contratualna faculdade, o contrato faz lei entre as partes, ou seja, o que é estabelecido ali pelalivre vontade das partes envolvidas deverá ser respeitado e cumprido por estas, estando estas livres para pactuarem sobre o que a lei não proibir.

Nesse sentido, cabe mencionar que o contrato para se formar necessita que estejam presentes, inicialmente, alguns requisitos de validade, quais sejam: agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei.

Sendo assim, verifica-se que além de ser consensual a celebração contratual as partes devem ter capacidade civil para fazê-los, ou seja, serem maiores e capazespara os atos da vida civil nos termos da lei, o objeto deve ser idôneo, apto a venda, determinado ou passível de determinação, e a forma do contrato deve ser a que a lei prevê, ou ainda, de forma livre se não existir disposição neste sentido.

Quanto à forma, cabe ressaltar que é possível que os contratos sejam escritos ou não, e esta segunda hipótese se aplica muito nas relações de consumo mais simples, onde não é celebrado um contrato formal e escrito, mas que existe uma pactuação verbal, em geral nas compras, onde a concretização da venda se dá pela tradição da coisa adquirida.

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4 Kazuo Watababe, Texto Modalidade de Mediação- Série Cadernos CEJ, 22. 5 Kazuo Watababe, Cadernos FGV Projetos 30 – Solução de Conflitos.

Nos serviços efetuados de forma mais simples e não habitual no geral também existem muitas contratações verbais, o que não impede que o consumidor possa provar a realização deste, bem como requerer reparação em caso de danos.

Atualmente com o grande avanço do mercado de consumo de produtos e serviços, em especial pelas compras e negociações feitas via internet, seja por sites,e-mails, redes sociais ou aplicativos de mensagens o volume de “contratos”

celebrados diariamente é enorme, aumentando também na mesma proporção o número de problemas que surgem em virtude destes.

Deste modo, no geral, como se tratavam de contratações e aquisições simples,que foram feitas em um clique, qual a dificuldade em solucioná-las também de forma simples e rápida, sem a necessidade de movimentar o Judiciário e utilizar-se de um sistema burocrático e no geral muito moroso.

Pensando nisso diversas empresas já são parceiras de plataformas on line que visam auxiliar a solução de conflitos entre consumidores e fornecedores quando impossível a negociação direta, entre elas existe o “reclame aqui, o “consumidor.gov”, os Procons, os sites de mediação/ conciliação privados on line, a opção de negociaçãoextrajudicial e em última opção deveria estar o Judiciário.

As relações entre consumidores e prestadores de serviços/fornecedores são regidas por contratos, sejam estes escritos ou não escritos, e na atualidade são inúmeros os serviços contratados e produtos adquiridos, bem como os contratos assumidos pelas partes, somos uma sociedade de consumo que avança com rapideze com a mesma rapidez avançam também os números de conflitos gerados nessas negociações.

O conflito é inerente ao ser humano, nascemos e já nos vimos inseridos em diversos conflitos, que surgem, via de regra, pela divergência de in-

teresses entre as partes, ou seja, uma das partes não teve seus interesses preenchidos pela outra como achava que merecia e normalmente está instalado o conflito.

Via de regra as pessoas tem a ideia de que o Judiciário é o mais indicado parasolucionar conflitos, para restituir a elas seus direitos que foram desrespeitados, no entanto, por desconhecimento da realidade do Judiciário Brasileiro, ou ainda pelo mero fator combativo, não imaginam que uma simples questão consumerista entre sentença e recursos pode levar anos para ser solucionada, trazendo mesmo após uma decisão favorável mais dessabores do que soluções eficazes.

Os conflitos gerados nas relações de consumo são os mais diversos, desde a diferença de qualidade ou quantidade entre o que foi pactuado e o que efetivamente foi entregue, questões de prazos, danos morais e matérias, valores cobrados em excesso ou equivocados, valores não pagos, entre outros.

Nesse sentido, cabe esclarecer que o CDC adotou como conceito de consumidor no sentido econômico, caput do art. 2º do CDC, que consumidor é toda pessoa, física ou jurídica, que adquire bens ou contrata serviços como destinatário

final, ou seja, visando suprir uma necessidade própria. Pelo CDC o consumidor é visto como a parte hipossuficiente da relação de consumo, devendo ser protegido eauxiliado.

Já o prestador de serviços, ou fornecedor, tem sua definição legal prevista no art. 3º do CDC, onde consta que: “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”6

6 Artigo 3º do Código de Defesa do Consumir, Lei nº 8.078/90

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Por fim, vale salientar que relação de consumo será toda a relação firmada entre consumidor e fornecedor tendo como objetivo a aquisição de um produto ou a contratação de um serviço.

Diante de tudo o que já foi dito sobre o tema, vale ressaltar que os conflitos decorrentes de relações de consumo, por tratar-se de questões referentes a direitos disponíveis, são plenamente aptos a resolução via conciliação, prevalecendo a vontade das partes, que tem liberdade para abrir mão de parte do que almejavam inicialmente para obter uma solução rápida a ser fixada de mútuo acordo entre as partes, existindo a possibilidade do conciliador sugerir soluções como forma de incentivar e auxiliar as partes.

A conciliação permite que em uma, ou algumas sessões, seja solucionado um conflito que levaria anos em juízo, evitando perda de tempo o que gera inclusive maior benefício ao consumidor pela agilidade na resolução do problema, favorecendo este que é tipo na legislação consumerista como a parte hipossuficiente nas relações de consumo.

No geral, ao ter conflitos referentes a relações de consumo o consumidor ao chegar ao ponto de conseguir contato como o fornecedor solicitando a resolução do seu problema, mesmo que este seja gerado pelo próprio consumidor, como no caso de débitos, já despendeu muita energia e já via seu dano e sofrimento majorados.

A cultura da conciliação permite neste caso benefícios imensos a ambos os lados, ao consumidor por ver seu conflito e motivo de desassossego solucionado, e ao fornecedor que ao auxiliar o consumidor de forma rápida, eficaz e justa aos olhos deste tem maiores chances de contratar com este novamente em breve, garantindo amanutenção da relação de consumo e sua boa imagem no mercado, o que hoje é umativo muito importante.

No mais, a área do direito do consumidor é uma das áreas que mais necessitado auxílio da conciliação para a solução de litígios e desafoga-

mento de demandas, principalmente devido a vulnerabilidade de hipossuficiência dos consumidores lesados, funcionando este meio de resolução adequado de litígios como uma forma um mecanismo de proteção ao consumidor, facilitando a solução de problemas com rapidez e em tempo razoável.

As decisões judiciais, no geral, demasiadamente demoradas, destoam da agilidade que vemos nos temos digitais, gerando maior prejuízo e danos ao consumidor.

O incentivo do uso da conciliação nos conflitos consumeristas deveria vir aindana formalização da relação, sendo acrescidos aos contratos cláusulas que prevejam a conciliação como primeira via obrigatória na solução de conflitos, devendo tal postura ser adotada também nas relações em que não existem contratos sendo adotada por empresas públicas e privadas quando o problema não puder ser solucionado via negociação direta entre as partes.

No geral, a questão aqui é de mudança de paradigma e para tanto o incentivo,ou ainda, a obrigatoriedade desta postura, deve vir do Judiciário, dos demais agentes atuantes no Judiciário, bem como dos patronos.

Os avanços existem, mas diante do número anual de novos conflitos, do crescimento das relações contratuais, e do resultado que isto gera no Judiciário, são pequenos e devem seguir crescendo, sendo feitos incentivos maiores para que o avanço seja substancial.

5. EVOLUÇÕES NA CONCILIAÇÃO E A NOVA LEI DO SUPERENDIVIDAMENTO

Entrou em vigor em julho de 2021 a Lei nº 14.181/2021, conhecida como Lei do Superendividamento, que visa auxiliar consumidores com muitas dívidas a solucionarem sua insolvência entre outros objetivos.

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A referida lei tem como principal objetivo dar aos cidadãos afundados em dívidas uma chance de se tornarem novamente saudáveis financeiramente. Pela lei cabe aos devedores buscar o Tribunal de Justiça em seu estado e solicitar auxilio paraa renegociação de seus débitos.

Via esse procedimento será marcada uma sessão de conciliação com todos os credores, onde estes serão convocados por um juiz a comparecem e juntamente como devedor e um profissional de conciliação será negociado um único plano depagamento das dívidas, em condições que não comprometam a sobrevivência do devedor e a capacidade de arcara com seus outros compromissos financeiros e de sua família.

Esse procedimento não é uma novidade trazida por esta lei, visto que desde 2014 o CEJUSC de Porto Alegre/RS realiza negociações globais de dívidas específicas para pessoas superendividadas.

A nova lei visa aplicar o procedimento pioneiro e bem sucedido em todo o país,visando, além de auxiliar os devedores a retornarem à condição de solventes, a contera cultura da judicialização de conflitos.

A repactuação de débitos também pode ser realizada pelos órgãos que integram o Sistema nacional de Defesa do Consumidor, entre os quais estão os Procons, que já realizam há muito tempo sessões visando a conciliação entre consumidores e fornecedores.

A lei é nova, a perspectiva e a intenção são excelentes, sendo necessário o empenho e dedicação de cada Tribunal de Justiça para implementar os meios cabíveis para que a lei tenha efetividade em seu território.

O Procon de São Paulo por exemplo já conta, desde 2019, com o PAS – PROGRAMA DE APOIO AO SUPERENDIVIDADO, que permite a inscrição de consumidores nesta situação para receberem auxílio na renegociação dos débitos, inclusive com sessão de conciliação coletiva, quan-

do necessário, além de palestras com dicas de orientação financeira e planejamento familiar e econômico.

No mais, existem, além do Procon, diversos outros meios de negociação extrajudicial de conflitos, tais como o Consumidor.gov, bem como sites particulares de conciliação/mediação de conflitos e também a possibilidade de assistência pré processual oferecida pelos próprios CEJUSC´s, na qual é agendada uma sessão para tentativa de solução do conflito com o auxílio de conciliadores/mediadores cadastrados pelo Tribunal de cada estado.

Nesse sentido, na II Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios,encontro realizado nos dias 26 e 27 de agosto de 2021, que obteve número recorde de inscritos, foi gerado, entre outros enunciados, o que consta abaixo referente ao

incentivo ao uso da plataforma consumidor.gov e dos Procons para solucionarconflitos, que segue abaixo, inclusive com a explicação:

“ENUNCIADO 141 - Recomenda-se o estímulo à utilização e à integração de mecanismos como a plataforma CONSUMIDOR. GOV.BR, criada pela Secretaria Nacional do Consumidor – Senacon com o apoio de Procons, com vistas a promover o acesso e a criação de alternativas para a solução eficiente dos conflitos de consumo.

Justificativa: De acordo com informações do Ministério da Justiça (SENACON), os conflitos oriundos das relações de consumo são a segunda causa mais recorrente de processos na justiça estadual. Pesquisa encomendada pelo Conselho Nacional de Justiça, realizada pela Associação Brasileira de Jurimetria, apontou que os contratos de prestação de serviços envolvendo bancos, empresas de telecomunicações e de energia são responsáveis por mais de 50% de volume de processos em todo país, o que torna altamente recomen-

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dável a integração de sistemas eletrônicos de solução extrajudicial de conflitos entre o Judiciário e as demais esferas de defesa do consumidor.”7

Sendo assim, verifica-se que inúmeros são os caminhos para a tentativa de solução alternativa, ou adequada, de conflitos, bastando boa vontade das partes, bem como real interesse em deixar o conflito no passado e focar no futuro.

Em virtude da pandemia foi massificada a possibilidade de sessões de conciliação/mediação virtual via plataformas de comunicação on line, já utilizada em plataformas pagas, como a MEDIAR e outras, e agora também utilizada pelo Judiciário tanto na modalidade judicial quanto extrajudicial, permitindo que mesmo durante a pandemia inúmeros conflitos tenham sido solucionados com eficiência e eficácia.

6. DADOS DE PROCESSOS E A CONCILIAÇÃO NO JUDICIÁRIO

A cada ano os números gerais da aplicação dos meios adequados de solução de conflitos pela sociedade são melhores, infelizmente não existe um panorama extrajudicial oficial destes números, o controle é feito apenas na via judicial através do controle anual realizado pelo CNPJ no Judiciário.

Nesse sentido, consta na última divulgação da Justiça em números, que teve dados coletados em 2020 que:

“(...)3,9 milhões de acordos firmados por conciliação foram homologados pela Justiça brasileira em 2019, segundo a última edição do Relatório “Justiça emNúmeros”.

O número representa 12,5% dos processos judiciais do país no ano. De acordo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que divulga o levantamento anualmente, o índice de conciliação apresenta uma leve

7 Retirada do site em consulta realizada em 25/01/2022 file:///C:/Users/Nubia/Downloads/ Enunciados%20Justificativas%20aprovados-VF.pdf

tendência de alta na série histórica. (...) Já os juizados especiais registraramum índice de conciliação de 20%, sendo de 23% na Justiça Estadual e de

12% na Justiça Federal. Na execução, a taxa foi de 21%.” 8

Conforme estudos realizados pela FGV, baseando em números do CNJ de 2017, verificasse que dos casos levados a semana de conciliação, realizada anualmente no país como forma de incentivar os acordos em processos judiciais, aproximadamente metade dos casos tem êxito na celebração de acordo, conforme demonstra a tabela abaixo.

No mais, consta abaixo em quadro ilustrativo do mesmo estudo feito pela FGV

(CadernosFGVProjetos_30_solucaodeconflitos –FLS. 47), que demonstra que os setores de serviços públicos, em todas as esferas, serviços de telefonia e bancos são os maiores litigantes da Justiça Nacional, ou seja, se estes serviços adotassem primeiro a conciliação para solucionar seus conflitos com os consumidores inúmeros processos deixariam de entrar anualmente no Judiciário, além de garantir a solução mais benéfica, ágil e eficaz de litígios.

8 Informação retirada do texto Justiça em números 2020 consultado em 12/01/2022 no link https://www.mediacaonline. com/blog/justica-em-numeros-2020-mediacao-e-conciliacao-no-poder- judiciario/)

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Imagem retirada de Cadernos FGV Projetos_30_solucaodeconflitos – FLS. 47

O quadro abaixo, oriundo dos dados obtidos pelo CNJ no ano de 2020 pelo estudo Justiça em Números, demonstra que desde 2015 o número de casos conciliados é maior a cada ano em todas as fases do processo, o que também é resultado do incentivo constante do Judiciário, seja via legislação, via criação de CEJUSC´s, semana de conciliação nacional e demais ações de incentivo promovidaspelo CNJ.

ciedade tenha acesso efetivo a cidadania por meio do acesso à Justiça, pela possibilidade de solução de conflitos de forma eficaz, rápida esatisfatória para ambas as partes.

A solução para o objetivo acima apresentado pode ser melhor obtida através da conciliação, mas também existe a opção dos outros meios alternativos de soluçãode conflitos.

Ademais, conclui-se pelos estudos feitos que a expansão da conciliação, bem como dos demais meios de solução adequadas de conflitos dependem da mudança de paradigma da população, em primeiro lugar, e da expansão deste paradigma no meio judicial, entre juízes, membros do MP, serventuários, advogados e demais operadores do direito, aí incluídos estudantes de direito.

Idem, fls. 172.

Deste modo, verifica-se que com incentivo e comprometimento do Judiciário, bem como do Legislativo e do Executivo, é possível aumentar o número de casos solucionados via conciliação, ou outros meios de solução adequada de conflitos, e, consequentemente, a diminuição de casos que ingressam no Judiciário todos os anose desta forma garantindo a economia de recursos, financeiros, de pessoal e estrutura,para que foquem nos casos em que o Judiciário é realmente essencial.

Conclusão

Diante de todas as pesquisas e estudos feitos para a elaboração deste artigo só aumentou a certeza de que os meios de solução adequadas de conflitos são primordiais para que toda a so-

Deste modo, cabe ao Judiciário, por meio do CNJ, prosseguir investindo em campanhas e outros modos de disseminação da desjuducialização de conflitos e da cultura da paz, que além de auxiliarem no melhor funcionamento do Judiciário conseguirão também garantir uma sociedade melhor, mas consciente e responsável perante seus conflitos.

Sendo assim, a criação de uma sociedade melhor, com menos conflitos, que consiga solucionar de forma autônoma esses conflitos, que viva na cultura da paz e que tenha mais acesso à Justiça depende não só do Judiciário, mas da sociedade como um todo.

A construção de uma sociedade que viva com dignidade passa sem dúvida peloacesso à Justiça, mas também pela cultura da paz, pela responsabilidade de cada indivíduo pelos seus próprios conflitos e pela capacidade de diálogo e de empatia.

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Imagem retirada de Cadernos FGV Projetos_30_solucaodeconflitos – FLS. 47

Legislação

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BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo. Brasília, DF, 16 mar. 2015. Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2015- 2018/2015/Lei/L13105.htm. Acesso em: 22/11/2021.

Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015. Lei de mediação, Poder Executivo. Brasília, DF, 26 jun. 2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015- 2018/2015/Lei/L13140.htm Acesso em: 22/11/2021.

Lei nº 14.181, de 1 de julho de 2021. Lei do Superendividamento. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/L14181.htm. Acesso em 22/11/2021.

Conselho Nacional de Justiça. Resolução n. 125 do Conselho Nacional de Justiça. Dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário e dá outras providências. Acesso em: 22/11/2021.

Livros

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FISHER, Roger; URY, William; PATTON, Bruce. Como chegar ao sim: Como negociar acordos sem fazer concessões

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil: Contratos em Espécie –4 – Tomo II. 5ª. Ed. Saraiva, 2012.

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SÁ, Renato Montans. Manual de Direito Processual Civil. 5ª. Ed. Saraiva, 2020.

SOBRINHO, Liton Lanes Pilau; ZIBETTI, Fabíola Wusr; SILVA, Rogério. Balcão do Consumidor, Coletânea Cidadania, Mediação e Conciliação. UPF Editora.

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Artigos

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Outros

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Disponível em https://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de- estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/cadernos-cej/mediacao-um-projeto- inovador/@@download/arquivo - Acesso em 17/01/2022.

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TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL NOS CONTRATOS: COMPRA E VENDA

O presente artigo visa analisar a Teoria de Adimplemento substancial nos Contratos de Compra e Venda de Imóveis, verificando se existe a obrigatoriedade do adimplemento total, sem o qual não se tem a definitiva propriedade.

Analisaremos a teoria do adimplemento substancial e suas conseqüências e possibilidades, com a verificação dos objetivos de sua utilização sem impedir que o credor possa receber o que foi pactuado na relação contratual, mas protegendo o devedor de perder o que adquiriu desde que tenha agido com boa-fé objetiva, sempre a luz da função social do Contrato.

Palavras-chave

Domínio Público; Direito Adquirido; (Ir)retroatividade de Normas; Função Social do Direito

Katia Siledie Pacheco Dutra

Advogada – Palestrante- Especilização em Direito Empresarial- Comercial e Trabalhista

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INTRODUÇÃO

O presente estudo analisa a Teoria proveniente do Direito Inglês, que tomou forma no Direito Brasileiro, aqui chamada de Teoria do Adimplemento Substancial, em Inglês “Substantial Performance”, esta teoria está relacionada à função social do contrato, a preservação da dignidade Humana baseada na Constituição Federal Brasileira de 1988, tem o condão de evitar o enriquecimento sem causa, e se baseia na Boa fé Objetiva sendo aplicada aos contratos quando estes se encontram quase liquidados, contudo possuam clausulas de Resolução, é utilizada quando uma parte pequena do que deveria ser quitado fica em aberto, ou seja, não tenhasido cumprida pelo devedor de forma perfeita, mas mesmo assim o contrato alcança o seu resultado próximo ao desejado, de forma que temos que se inviabiliza seu desfazimento se for considerado exagerado ou desproporcional a extinção do negocio jurídico Realizado.

Nosso estudo se baseia em analisar a Teoria á luz de sua utilização nos contratos de Compra e venda de Imóveis, e quanto a sua efetividade em não prejudicar o Credor, mas também em não deixar o devedor a mercê de perder um patrimônio quando quase todo adimplido os pagamentos do mesmo.

Veremos como os Tribunais tem reagido à aplicação desta Teoria, e qual a sua efetividade em não prejudicar nem o credor e tão pouco o devedor.

1. O QUE SIGNIFICA A TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL

A Teoria do Adimplemento Substancial, recentemente recepcionada pela doutrina e jurisprudência pátrias, tem sua origem no sistema do Common Law, na Inglaterra do século XVIII. Os Tribunais ingleses, objetivando alcançara justiça, relativizaram a exigência do exato e estrito cumprimento de um contrato celebrado.

Adimplemento substancial, na visão de Clóvis do COUTO E SILVA é: “um adimplemento tão próximo do resultado final, que, tendo-se em vista a conduta das partes, exclui-se o direito de resolução, permitindo tão somente o pedido de indenização.” (1)

Já Anelise BECKER esclarece que:

“o adimplemento substancial consiste em um resultado tão próximo do almejado, que não chega a abalar a reciprocidade, o sinalagma das prestações correspectivas. Por isso mantém-se o contrato, concedendo-se ao credor direito a ser ressarcido pelos defeitos da prestação, porque o prejuízo, ainda que secundário, se existe deve ser reparado.” (2)

No adimplemento substancial é preciso avaliar se a relação obrigacional concreta foi atingida, ou seja, se o contrato atingiu seus objetivos. A relação obrigacional complexa exige a satisfação dos interesses do credor,porém tem que se levar em consideração, também, os interesses do devedor, de acordo com a boa-fé.

A teoria do adimplemento substancial nos Contratos não propõe a aniquilação da chamada força obrigatória do contrato, neste estudo veremos que não estamos utilizando a Teoria para quebrar o “pacta sunt servanda”, mas para entender que justamente o animo dela é preservar o pacto em nome da segurança jurídica, dada a importância deste para os contratantes e para o meio de preservação da sua função social, observados osprincípios de Boa Fé e da dignidade Humana.

2. DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS E A BOA-FÉ OBJETIVA

A Função social do contrato é a relação dos contratantes com a sociedade, e que produz efeitos perante terceiros. A função jurídica da função social dos contratos é a ineficácia de rela-

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ções que acabam por ofender interesses sociais, a dignidadeda pessoa.

A função social e a boa-fé objetiva são princípios fundamentais do Código Civil 2002 - CC. Boa-fé objetiva é horizontal, endógena; enquanto função social é vertical, exógena.

Em um contrato as partes estão em posição horizontal, devendo agir com boa-fé objetiva,cooperação, honestidade e lealdade. Engloba apenas os contratantes e está nos arts. 422, 113, 187 do Código Civil .

Diz o art. 113 do Código Civil: “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar da celebração”. Recorde-se ainda o texto do art. 112, que estatui que “nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que o sentido literal da linguagem”. Enquanto traz o Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

Temos que a função social e a boa-fé objetiva serão norteadas pelos direitos fundamentais constitucionais. A interação entre o Código Civil e a Constituição trazem quea Função social e boa-fé são emanações do princípioconstitucional da solidariedade. O contrato visa o bem comum, a cooperação entre as partes.

O princípio da boa-fé, é o que exige das partes comportamento ético, baseado na confiança e na lealdade, e deve nortear qualquer relação jurídica

Segundo Paulo de Tarso Sanseverino, “No plano do direito das obrigações, a boa-fé objetiva apresenta-se, especialmente, como um modelo ideal de conduta, que se exige de todos integrantes da relação obrigacional (devedor e credor) na busca do correto adimplemento da obrigação, que é a sua finalidade última”.

Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do con-

trato, observado o disposto na Declaração de Direitos de Liberdade Econômica.

Pode ocorrer que um Contrato seja Bom para as partes existindo boa-fé., mas se este contrato ofender a terceiros, ou seja, se o contrato em si lesar outras partes, não atingirá a função social.

Não se trata de quebrar a autonomia privada das partes, mas de preservar o instrumento da realização do direito que tem as partes, sem excluir terceiros ou a sociedade.

Para entendimento desta teoria teremos que analisar o Instituto do Inadimplemento, bem como analisar suas causas e efeitos como absoluto e relativo, utilizando-se de

critérios da utilidade do cumprimento defeituoso ou tardio da obrigação para o credor.

Como explica, didaticamente, Silvio de Salvo Venosa, “o fato de a obrigação ainda poder ser cumprida, ainda que a destempo (ou no lugar e pela forma não convencionada), é critério que se aferirá em cada caso concreto”.

3. DO INADIMPLEMENTO ABSOLUTO, DO RELATIVO E DA MORA

Logo temos que o total o inadimplemento se a obrigação é completamente descumprida, e sobre o inadimplemento parcial ocorre quando a prestação é entregue apenas em parte.

Configura-se o inadimplemento absoluto quando a obrigação não foi cumprida e nem poderá ser cumprida de forma útil o credor, nestes mesmo que ainda haja a possibilidade de cumprimento da obrigação pelo devedor, haverá o inadimplemento absoluto, pois a prestação se tornou inútil ao credor.

Quanto ao inadimplemento relativo, esse se apresenta nos casos de mora do devedor, ou seja, quando há o cumprimento da obrigação, mas essa obrigação é realizada de maneira im-

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perfeita, não respeitando a observância do tempo, lugar ou forma acordado entre as partes.

Para a analise da teoria do Adimplemento substancial utilizaremos como base apenas o inadimplemento relativo.

Ha que se observar que o inadimplemento relativo é a impossibilidade do devedor em quitar parcelas do negocio, logo ocorre nos casos em que o devedor ainda pode honrar a sua prestação sem necessariamente resolver o contrato, ficando este em Mora.

O conceito clássico de mora se restringe somente à demora, retardamento no cumprimento da prestação, como se encontra disposta no artigo 394, do Código Civil, que determina que mora refere-se tanto à figura do credor quanto à do devedor, quando não houver o cumprimento da prestação no lugar, tempo e modo convencionado.

Importante salientar que se detivermos somente o conceito de mora vinculado ao retardamento do cumprimento da prestação, haveria conflito com a mora do credor, por exemplo, que se recusa a receber a prestação, ou não coopera para que o devedor tenha a possibilidade de adimplir a prestação, logo temos que concluir que o atraso refere-se somente a um dos requisitos para a configuração da mora.

Se o credor não cumprir os seus deveres de cooperação objetivando a liberação do devedor, permitindo-lhe o conseqüente adimplemento da obrigação, haverá a mora do credor, ou também denominada mora accipiendi ou mora creditoris

O credor não tem o direito de impedir o cumprimento da obrigação por parte do devedor, eternizando a relação obrigacional, por mero capricho ou arbítrio. Há de se levar em consideração a boa-fé, e conseqüentemente que o credor haja com correção, lealdade e honestidade, cooperando para que o devedor se liberte da obrigação pactuada.

O devedor por sua vez que de boa fé não cumprir o que foi pactuado em razão de tempo e lugar, mas tendo agido com boa-fé , lealdade, correção e honestidade, poderá ter acrescido a sua obrigação uma valor , que chamamos de Mora. Logo observamos que não havendo o cumprimento da obrigação no tempo ou no lugar ou no modo estipulado pelas partes, ou determinado em lei, estar-se-á diante da mora. Sendo que esta pode ser tanto por parte do devedor, mora debitoris ou mora solvendi, o que é mais comum, quanto por parte do credor, mora accipiendi ou mora creditoris

A diferença entre inadimplemento e mora reside no critério de utilidade para o credor. Em ambos os casos, a prestação não é cumprida, sendo inadimplemento se a prestação não é mais útil ao credor e mora se a prestação ainda é útil ao credor.

4. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS

O contrato de compra e venda é o compromisso firmado entre o vendedor e o comprador, onde se registra a intenção do primeiro em entregar a coisa, no caso o imóvel , mediante a disponibilização do respectivo cumprimento do pagamento estipulado pelo comprador.

Por serem geralmente os imóveis negócios de valores elevados, para sua venda é normalmente elaborado o Contrato de Compra e Venda, antes da escritura definitiva, com um sinal, e estabelecidas as condições de demais pagamentos que se sujeitara o comprador para que seja efetivada a escritura em seu nome.

Muitas vezes estes contratos são confeccionados com parcelas a serem quitadas sendo a obrigação do comprador cumpri-las, e do vendedor entregar o bem, oua sua posse.

Há ainda muitas vezes que o bem imóvel e par-

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celado e que o vendedor entrega a posse do imóvel, mediante a assinatura do contrato e pagamento do valor de sinal e

/ou x parcelas, cumprindo aqui o vendedor parte da obrigação entregando a posse, e restando-lhe como obrigação final passar a escritura quando findar-se o pagamento. Por outro lado a obrigação do Comprador é pagar as parcelas como estão ali estipuladas, sob pena de não o fazendo em XX dias ser lhe aplicado multa e juros e XX. Parcelas sendo-lhe aplicado a rescisão Contratual, perdendo parte do valor quitado ( o comprador) em desfavor do vendedor e devolvendo-lhe o bem, o que chamamos de resolução contratual.

No entanto, há muitas vezes que o credor recebe quase que em totalidade os valores e o comprador por razoes que não são de má-fé, deixa de quitar no prazo estipuladotais parcelas.

Tendo em vista a clausula de resolução poderia o vendedor entrar com o pedido de resolução do contrato e que lhe seja devolvida a coisa o imóvel em questão, contudo baseado no principio da boa –fe e da função social do contrato, em sua defesa na Resolução contratual, poderá o comprador se utilizar da Teoria do Adimplemento substancial, de forma que possa cumprir o que falta sem resolver o contrato, e não prejudicando o credor, que com quase a totalidade do valor já teve ovalor do imóvel quitado.

5. DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO SUBSTANCIAL NOS CONTRATOS DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS

Como já vimos anteriormente à teoria do adimplemento substancial somente se opera no campo do inadimplemento relativo, eis que o inadimplemento absoluto não pode ser considerado pois desvirtua a boa- fé e afasta a sua incidência.

Se entendermos que como inadimplemento relativo, que o devedor cumpre parte de sua obri-

gação, no entanto deixa de cumprir exatamente os termos do contrato, e uma vez possível a integralização pela utilidade ao credor e apesar de disto o descumprimento parcial determinar a resolução do negócio jurídico, como uma das opções legais para que o credor prejudicado, possa se utilizar da execução forçada da obrigação (art. 475, CC), a presença de alguns requisitos a prejudicará tal execução

A teoria do adimplemento substancial visa impedir a resolução contratual pelo inadimplemento, deixando que se pondere juridicamente entre a utilidade para o credor da extinção deste contrato e os prejuízos resultantes para o devedor e terceiros de tal resolução.

Se a importância do cumprimento parcial feito ,se aproximar ao cumprimento integral, com plausível e suposta satisfação dos contratantes e apenas uma pequena parcela da obrigação ficar inadimplida, se o devedor agiu com lisura, entende-se que o Instrumento Contratual merece ser preservado, baseando-se na função social do contrato.

Nestes casos o Adimplemento Substancial poderá ser a via que ira conter a desproporcionalidade na exigência da contraprestação, e evitara o mal da resolução, quando for observado e conseguir se determinar que o adimplemento foi suficiente para impedir a ruptura do pacto, podendo entender-se como adimplemento como se fosse integral para a manutenção do status quo contratual, podendo a parte exigir apenas o restante, sem sacrificar o negocio todo.

Em sua maioria os contratos trazem em seu Bojo clausulas que impedem a resolução imediata , é o caso quando vemos que o mero vencimento da obrigação positiva e líquida para que o devedor, no compromisso de compra e venda, incorra em mora, mesmo que tenha pleno conhecimento de seu atraso, deverá ser notificado,e findo o prazo ali estipulado pela notificação, de 15 (quinze) ou 30 (trinta) dias, conforme a natureza do imóvel transacionado, que não realizou o pagamento e

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nem tampouco justificou a falta, essa mora poderá ser considerada inadimplemento absoluto.

Portanto evidente que para alegar-se e utilizar-se da Teoria do Adimplemento Substancial o devedor devera em sua defesa tecer a resposta com o pedido da aplicação da mesma.

É o que explica Francisco Eduardo Loureiro[5], com apoio em Araken de Assis:” a notificação pode servir para fixar o exato momento a partir do qual o credor não terá mais interesse no recebimento da prestação, abrindo- se o caminho para a resolução por inadimplemento”

Vale conferir, sobre esse tema, a oportuna lição de Valter Farid Antonio Junior: “Ainda que haja, no contrato de compromisso de compra e venda, a determinação do tempo, modo e local para o cumprimento da obrigação de pagar o preço nele avençado, a prévia notificação do compromissário comprador em mora é indispensável, sem o que não se aprecia o mérito da ação de resolução contratual. Trata-se de hipótese de mora ex persona e que demanda prévia notificação do devedor para que, no prazo nela assinalado, quite o saldo devedor acrescido os encargos legais e contatuais decorrentes da mora, sob pena de ser o contrato resolvido judicialmente. A exigência decorre das normas de ordem pública, previstas em leis especiais, que regem o contrato de compromisso de compra e venda. (...). Feita a notificação o cumprimento das obrigações não satisfeitas pelo adquirente ainda se mostra viável, desde que o pagamento seja feito com o acréscimo dos encargos da mora e dentro do prazo da notificação, hipótese em que o contrato prosseguirá com normal execução. Todavia, se o compromissário comprado permanecer inerte ou não der cumprimento integral às obrigações atrasadas, a mora converter-se-á em inadimplemento, que, por sua vez, autoriza o compromitente vendedor a se socorrer do Poder Judiciário para a resolução do contrato”[6].

Temos, portanto que vigoram, no direito pátrio, dispositivos legais específicos para a constitui-

ção em mora do promitente comprador. Logo é certo que, não observando o vendedor os procedimentos antes de ingressar com a ação de resolução contratual, quer quanto à realização da notificação prévia, quer quanto ao prazo, sua pretensão nem mesmo será apreciada, por ausência de interesse de agir, sendo praticamente pacífica a orientação jurisprudencial nesse sentido.

Por outro lado, de acordo com entendimento de significativa parte da doutrina, não é suficiente, para a aplicação da teoria da Teoria do Substancial adimplemento, somente a analise quantitativa do comprimento da obrigação pelo devedor. È necessário que paralelamente, sejam analisadas as condutas do devedor ao longo da execução contratual, principalmente em relação à satisfação dos deveres laterais ou anexos.

Outrossim há que se questionar se, mesmo não tendo cumprido a obrigação principal na íntegra, o devedor se portou, durante a execução do negócio, consoante os ditames de boa-fé objetiva. E nesta análise deverão ser levados em conta o tempo de utilização do imóvel sem o pagamento de qualquer valor a titulo de contraprestação, o cumprimento de outras obrigações pecuniárias relacionadas ao imóvel transacionado, como as tributárias e as condominiais, e a circunstância de não ter o devedor, mesmo tendo condições financeiras para tal, se valido do prazo concedido quando da notificação, para a purgação da mora, nem tampouco ter contatado o credor para tratativas amigáveis visando solucionar a pendência.

A Teoria vem sendo utilizada e adotada nos últimos anos após o advento do Código civil de 2002 no Brasil , e tem se firmado na jurisprudência como vemos :

Nas palavras do ministro Luis Felipe Salomão, “a teoria do substancial adimplemento visa a impedir o uso desequilibrado do direito de resolução por parte do credor, preterindo desfazimentos desnecessários em prol da

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preservação da avença, com vistas à realização dos princípios da boa-fé e da função social do contrato” (REsp 1.051.270).

Cumprimento expressivo do contrato - preservação do pacto

“(...) 5. Segundo a Teoria do Adimplemento Substancial, diante do inadimplemento das partes, constatado o cumprimento expressivo do contrato, em função da boa-féobjetiva e da função social, mostra-se coerente a preservação do pacto celebrado.” AgInt no REsp 1691860

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa análise sobre o tema nos permitiu entender que a Teoria do Adimplemento Substancial, pode ser utilizada sempre que uma parte pequena , ou parcela do contrato de compra e venda tenha sido descumprida, mas desde que este não afete o credor, podendo este receber o que falta de outra forma e com os respectivos valores corrigidos , se a mora ocorreu e se não houve má-fé do vendedor.

Entendemos que a finalidade da mesma, não é beneficiar o Devedor, tão pouco prejudicar o credor, mas sim de conseguir, manter o contrato firmados e quitados com boa-fé, onde as partes agiram com condutas de lisura e honestidade, preservando o pacto firmado, pelo bem da função social dos contratos.

Temos que tal possibilidade resulta de meio de defesa, ao invés de se usar a resolução definitiva do Contrato, aplicar-se a Teoria do Adimplemento Substancial, traria um resultado melhor sem prejudicar ambas as partes.

Vimos que há muito tempo esta modalidade é utilizada em outros países e que a mesma nasceu na Inglaterra, e que desde 2002 , com advento do Código Civil, foi possível tal entendimento e sua utilização.

Hoje temos que nossos tribunais tendem a acei-

ta-la nos contratos de Compra e venda de Imóvel, desde que restem cerca de 25% de saldo a pagar.

A jurisprudência e a utilização desta teoria vem crescendo , sempre coma finalidade de prezar a Boa Fe contratual e o cumprimento da finalidade Social do Contrato, cumprindo o que diz a Constituição Federal, preservando-se a dignidade Humana.

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SILVA, C. V. do C. e. Apud: BECKER, A. op. cit.,p.60. (1)

BECKER, A. op. cit., p. 63.(2)

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DA CONTRATUALIZAÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA

Nos deparamos atualmente com diversas questões relacionadas ao direitode família, notadamente relacionadas aos direitos de quem estão inseridos num contexto familiar, ou para aqueles que estão buscando formar uma família e, por consequência, para os mais precavidos, buscam alternativas jurídicas mediante os limites da autonomia privada, para resguardar direitos que adiante poderão ser objetosde custosas e intermináveis discussões. Para tanto, estão se servindo de contatos para pontuar disposições cruciais com o propósito de manter a paz e harmonia familiar, ou ao menos tentar.

Palavras-chave

Contratos – Família – Requisitos

Rodolfo De Laurrenttiis Ferraz

Advogado na área da Família, especialista em administração e pós graduando em direito contratual

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INTRODUÇÃO

A conformação na atualidade das famílias e do direito que regula essas interações, primordialmente no Brasil, vem enfrentando profundas transformações, de modo que tais mudanças nos papeis dos membros da família, tais como: aumento daexpectativa de vida das pessoas, rediscussão do gênero, evoluções demográficas, transformações da privacidade, redimensionamento da sexualidade, independência feminina, avanços na medicina e tecnologia, vem influenciando sobremaneira ocontexto familiar.

Aos operadores do direito é notório o fato de existirem muitas normas cogentesou de ordem pública no âmbito do Direito de Família, implicando em limitações a liberdade manifestada nos pactos firmados nessa seara, tendo como alternativa a busca de alternativas contratuais como uma opção, mesmo que de modo limitada, em busca de uma autonomia privada e familiar.

Pois bem, o Direito de Família, contemporaneamente, deve ser visto como manifestação máxima da liberdade jurídica, ou seja, valorizando a subjetivização da família e do próprio direito, com vistas a compreender o que cada um pode escolher e definir o que a família deve significar na sua vida, sobretudo através de contratos não patrimoniais, apostando na diminuição dos espaços de regulação estatal no âmbito das famílias e na plena autonomia de vontade das partes nas relações privadas.

Para tanto, a elaboração do projeto científico sob a temática da contratualização no Direito de Família se faz pertinente, sendo certo que o conteúdo apoiado nas matérias desenvolvidas durante a grade curricular e a práxis jurídica poderão dar subsídios ao trabalho elaborado. Desse modo, o projeto apresentado levaem consideração a teoria geral do negócio jurídico, dos vínculos afetivos que possam desencadear relações jurídicas pertinentes, espécies de contratos, nos quais podemos encontrar situações ligadas ao Direito das Sucessões.

Destaca-se a necessidade de reconhecimento pleno da autonomia privada nasrelações da família fundamenta-se, exatamente, a partir da distorção entre as situações jurídicas previstas nas normas e no descompasso da realidade social, já que nos deparamos com a perda da referência legal do sistema normativo da matéria,acompanhada da crescente construção jurisprudencial nos anos, impondo um momento histórico de destaque, em que decisões judiciais tem mais importância que a norma construída pelo Poder Legislativo, derrubando assim, a ideia segundo a qual cabia apenas ao legislador a construção da norma em contraponto a judicialização pela influência decrescente do Direito codificado e ampliando assim as convicções pessoais acerca das próprias relações jurídicas.

Ou seja, é a aceitação do “não conciliável”. Na perspectiva do Direito de Família, o pluralismo significa ter à disposição alternativas, opções e possibilidades jurídicas para solucionar casos concretos que demandam intervenção do Poder

Judiciário. A experiência brasileira da construção de direitos para as famílias é, pornatureza, intrínseca, complexa e diversificada.

Por derradeiro, a par das transformações de ordem teórica e metodológicas, houve um lento e gradual processo de subjetivização das relações afetivas nasociedade ocidental e, de modo particular, na sociedade brasileira. Tal processo autorizou a criação de uma maneira particularizada de pensar as relações afetivas e de família, com uma liberdade jamais imaginada, relegando ao ostracismo, cada vez mais, as normas codificadas sobre Direito de Família, que remanesceram focadas muito mais em aspectos patrimoniais que pessoais dos direitos resguardados.

No mais, plano da existência, da validade e da eficácia são os três planos nos quais a mente humana deve ser sucessivamente examinar o negócio jurídico, a fim de verificar se ele obtém plena realização. Se tomarmos, por exemplo, um

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testamento, temos que enquanto determinada pessoa apenas cogita de quais as disposições quegostaria de fazer para terem eficácia depois de sua morte, o testamento não existe, pois enquanto manifesta essa vontade sem a declarar por meios próprios o que pretende o que venha a ser sua última vontade, o testamento não existe.

Por outro lado, quando a declaração se faz dotada de forma e conteúdo, se caracteriza como declaração de vontade, o testamento entra no plano da existência, porém não significa que seja válido. Para que o negócio tenha essa qualidade, a lei exige requisitos: por exemplo, que o testador esteja no gozo de suas faculdades mentais, que as disposições feitas sejam lícitas, que a forma utilizada seja a prescrita.

Por fim, ainda que estejam preenchidos os requisitos e o testamento seja válido, ele ainda não é eficaz, uma vez que será preciso para a aquisição da sua eficácia, que o testador mantenha a sua declaração, sem revogação até a sua morte.

1. CONTEXTO FAMILIAR

As famílias conjugais, isto é, aquelas constituídas pelo casamento e união estável, têm uma evolução mais lenta, pois o seu núcleo central tem um conteúdo moral, na maioria das vezes contaminada por uma moral sexual e religiosa.

Considere que para entender o Direito da Famílias hoje é preciso vê-lo sob duas perspectivas: família parental e família conjugal, que estão cada vez mais independentes uma da outra. Basta lembrar que há pessoas que querem casar e não ter filhos, e outras que querem ter filhos e não querem casar, e nem mesmo ter relaçãosexual. Uma pode existir sem a outra, ou estarem juntas.

A evolução do conceito de família parental é mais simples, pois aí, na maioria das vezes, não tem um conteúdo moral. Por exemplo, ninguém dúvida que as famíliasanaparentais (irmãos que vivem juntos sem descendentes/ascendentes) é

uma realidade constitucional, embora não esteja prevista expressamente.

Por outro lado, as vozes contrárias ao reconhecimento da família conjugal homoafetiva era de que ela não estava prevista na Constituição, esquecendo-se de que o rol do artigo 226 Constituição Federal não é númerus clausus. Se o fosse, não poderíamos reconhecer como famílias aquelas que se constituem pela adoção, as anaparentais, as ectogenéticas etc. Desde 1988 não há mais filhos e famílias ilegítimas. Todos são legítimos e legítimas. E foi assim que fomos construindo o conceito de famílias socioafetivas, multiparentais e coparentais.

Famílias coparentais são aquelas cujos pais se encontram apenas para ter filhos, de forma planejada, para criá-los em sistema de cooperação mútua, sem relacionamento conjugal ou mesmo sexual entre eles. Isso já é uma realidadebrasileira. Pessoas fazem contratos de geração de filhos e, portanto, formam apenas uma família parental. O número desses contratos no Brasil tem aumentado, proporcionado pelos sites de relacionamento. Na coparentalidade pressupõe-se umaboa relação entre o pai e a mãe, que pode evoluir para uma grande amizade, em prol da criação dos filhos comuns.

Com o passar do tempo e com o avanço social novas relações e modalidades de família foram surgindo abrindo espaço para as chamadas família de fato, que são aquelas que nascem de forma natural na sociedade e que se fundam em outras bases,como a afetividade e a publicidade, e não nas formalidades do casamento.

Esse caminhar da evolução social ganhou força a partir do surgimento do casamento civil 1980, consolidado pela Constituição Republicana de 24 de fevereiro de 1891. Antes desse período a celebração do casamento se dava observadas às formalidades religiosas e era indissolúvel, observando a máxima “O que Deus ajuntou não o separa o homem” (Mateus 19:6).

Posteriormente, com a Constituição Federal de

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1988, a união estável foireconhecida como entidade familiar, retirando-a do campo do direito das obrigações como sociedade de fato e colocando-a no direito de família como entidade familiar merecedora da proteção estatal da mesma forma que o casamento.

Essas evoluções se assemelham ao surgimento do contrato de namoro, que apesar da pouca aceitação atual pode progredir e se tornar então uma forma legal de relacionamento entre duas pessoas amparada pelo Direito e com a devida proteção ezelo do Estado.

No entanto, é preciso deixar claro que um fato apenas terá relevância para o Direito, se for considerado algo jurídico. A união estável é considerada ato jurídico lícito e se configura “na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”, conforme o artigo 1.723 do Código Civil.

Pois bem, o casamento exige a manifestação expressa da vontade de ambas as partes de estabelecer, perante o Juiz, um vínculo conjugal, fato que o caracteriza como “fato jurídico”, versado no art. 1.514 do Código Civil.

Apesar de não normatizado, o namoro já é uma realidade social que vem se consolidando massivamente entre jovens e adultos em decorrência da mudança dos

costumes, da diminuição do número de casamentos e da flexibilidade e facilidadesdas relações informais.

No namoro, o foco é a busca por novas experiências, o conhecimento da outrapessoa, o desbravamento da vida em conjunto ou a adequação de costumes e características entre duas pessoas que nutrem sentimentos mútuos, mas que tem outros objetivos e buscam evoluir também em suas vidas particulares, na sua carreirae estudos.

É um tipo de relação formada por um par onde o Estado não se faz presente, isto é, não existem obrigações assistenciais tampouco responsa-

bilidades, características que diferem do casamento e da união estável, no qual existe uma experiência de casamento informal. Em ambos os modelos de união as pessoas passam a ser sujeitos de direitos e obrigações e principalmente tendem ou buscam formar uma família e assumem um vínculo perante um Juiz, fatores determinantes na diferenciação das formas de relacionamento com o namoro, pois apresentam em comum fatores como a publicidade, continuidade e a estabilidade.

Desta maneira para fins estritamente jurídicos, o namoro vinha sendo considerado irrelevante, e por este motivo nunca foi estudado com afinco pelos juristas brasileiros. Contudo, dado o crescente aumento de pedido de reconhecimento de união estável, famílias mais abastadas começam a se preocupar com eventuais namoros.

A relação de dois jovens que namoram e convivem em um apartamento alugado durante o período de estudos na faculdade, esta convivência é namoro ou união estável? É cada dia mais comum que jovens casais passem a viver juntos, dividir contas, mas sem jamais cogitar casar ou ter filhos. Como devemos encarar juridicamente esta relação?

No entendimento jurídico brasileiro o tempo é um fato importante na constituição de uma união. Assim, o relacionamento deve ser duradouro, estável, sólido e inabalado, porém, hoje em dia não se fala mais em prazo predefinido para classificação da união. A inexistência de prazo faz com que o fator determinante seja então a tendência da durabilidade da relação, ou seja, a análise dos fatos que levama crer que o vínculo do casal irá perdurar no tempo e não apresenta fatores que levama crer que seu fim é possível ou previsível.

A ausência de formalismo é outra característica que difere as formas de união,está relacionada à união estável e ao namoro, ou seja, uniões extramatrimoniais, o que difere do casamento para o qual a celebração é solene e formal, perante

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o Juiz onde, segundo redação do Código Civil e jurisprudência, duas pessoas manifestam sua vontade de estabelecer vínculo conjugal.

O último elemento aqui destacado é o elemento decisivo a definir se estamosdiante de uma união estável ou namoro. Isto porque na união estável os companheirostêm intuito de constituir família o que não se verifica no caso no namoro. O namoro não tem por objetivo a formação de uma família, desta forma não é protegida pelo Estado, não está sujeito às normas do direito de família.

Como já ventilado acima, não há uma classificação legal do que é o namoro. Omais próximo que nossa legislação contempla é a união estável, o qual já se sabe se distingue do namoro por pequenas nuances. Nessa linha, a doutrina e a Jurisprudência vêm para nos auxiliar a desmistificar esse termo com o surgimento da expressão namoro qualificado1

Conforme o citado julgado, o namoro qualificado e a união estável possuem basicamente as mesmas características, com a exceção de que na união estável há nítido propósito de constituir entidade familiar, a qual é reconhecida, nos termos da Lei 9.728/97, pela convivência duradoura, pública e contínua, estabelecida com objetivo de constituição de família. Temos, pois, que na união estável o casal está unindo esforços e estão imbuídos, no momento presente, pelo desejo de formar umafamília.

No namoro qualificado a convivência duradoura, pública e contínua podem atéestar presentes,

1 Referida expressão foi citada pelo STJ no julgamento do REsp 1454643, no qual restou estabelecido que “O propósito de constituir família, alçado pela lei de regência como requisito essencial à constituição da união estável – a distinguir, inclusive, esta entidade familiar do denominado “namoro qualificado” -, não consubstancia mera proclamação, para o futuro, da intenção de constituir uma família. É mais abrangente. Esta deve se afigurar presente durante toda a convivência, a partir do efetivo compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material entre os companheiros. É dizer: a família deve, de fato, restar constituída.”. No caso dos autos o STJ entendeu que as partes “não vivenciaram uma união estável, mas sim um namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento projetaram para o futuro - e não para o presente -, o propósito de constituir uma entidade familiar”.

mas há ausência desse desejo atual da constituição de família. E neste ponto que reside a distinção.

É importante pontuar que a vida em comum sob o mesmo teto não é um elemento essencial à classificação de união estável. É possível que o casal habite no mesmo teto e não tenha a união estável reconhecida, assim como é possível que o casal não habite no mesmo teto e tenha a união estável reconhecida2

2. REQUISITOS PARA A FORMAÇÃO DO CONTRATO

2.1. Existência

No pano do fato jurídico, denominação que se dá a todo fato do mundo real sobre o qual incide norma jurídica, sendo que quando acontece, aquilo que estava previsto na norma cai sobre o fato, qualificando-o como jurídico e, a partir de então, passa a ter existência jurídica, ou seja, são acontecimentos em virtude dos quais relações de direito nascem e se extinguem.

Todavia, o exame de qualquer fato jurídico deve ser feito em dois planos, partindo na preambular verificação para reunir os elementos de fato para que ele exista (plano da existência) e, em seguida, averiguar se ele passa a produzir efeitos (plano da eficácia).

Pois bem, elemento do negócio jurídico é tudo aquilo que compõe sua existência no campo do direito e, se nesses diversos graus de abstração, considerando no ápice, a categoria do negócio jurídico e descendo pelas categorias intermediárias até o negócio jurídico concreto.

Nesse passo, seguindo a classificação dos elementos do negócio jurídico no plano da existên-

2 Nesse sentido definiu o STJ no julgamento do REsp 474962 esclarecendo em sua ementa que “Não exige a lei específica (Lei nº 9.728/96) a coabitação como requisito essencial para caracterizar a união estável. Na realidade, a convivência sob o mesmo teto pode ser um dos fundamentos a demonstrar a relação comum, mas sua ausência não afasta, de imediato, a existência da união estável”

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cia, consideramos os seguintes: a) elementos gerais, isto é, comunsa todos os negócios; b) elementos categoriais, isto é, próprios de cada tipo de negócio;

c) elementos particulares, ou seja, aqueles que existem em um negócio determinado, sem serem comuns a todos os negócios ou a certo tipo de negócio.

Sendo que, elementos gerais são aqueles indispensáveis à existência de todo e qualquer negócio, tais como: a forma que a declaração de vontade se manifesta (escrita, oral, gestual, etc.); o objeto constituído por conteúdo como cláusulas contratuais de um contrato, disposições testamentárias, o fim que se manifesta na própria declaração, entre outras; e as circunstâncias negociais, isto é, o eu fica da declaração da vontade, despida da forma e do objeto, irredutível a expressão e ao conteúdo, fazendo com que a manifestação de vontade seja vista socialmente como a destinada a produção de efeitos jurídicos. Também conhecido como elementos gerais intrínsecos ou constitutivos, de todo e qualquer negócio jurídico.

Sem os citados elementos gerais, qualquer negócio se torna impensável, pois na falta de algum deles passa inexistir o negócio jurídico. Pois se faltarem os elementos tempo ou lugar, não há sequer fato jurídico; ao passo que sem agente, pode haver fato, mas não ato jurídico e, finalmente, sem circunstâncias negociais, forma ou objeto, poderá haver fato ou ato jurídico, mas não negócio jurídico. A falta de qualquer desses elementos acarreta a inexistência do negócio jurídico, seja comonegócio ou até mesmo como ato ou fato jurídico, considerando que são eles elementos necessários, e se nos ativermos ao negócio jurídico como categoria geral,são também suficientes.

Os elementos gerais extrínsecos são três: tempo, lugar e agente, dos quais os dois primeiros são comuns a todo fato jurídico e o último, ao ato jurídico em sentido amplo, também conhecidos

como pressupostos, no sentido preciso de que existem antes do negócio ser realizado.

2.2. Validade

Entre existir e produzir efeitos, interpõe-se a questão de valer, no qual é justamente o plano da validade a principal consequência da característica específica do negócio, ou seja, de ser, entre os fatos jurídicos, o único que consiste em declaração de vontade, isto é, manifestação de vontade vista socialmente como destinada a produção de efeitos jurídicos. Sendo certo que o papel maior ou menor da vontade, a causa, os limites da autonomia privada quanto à forma e quanto ao objeto são algumas das questões que se coloca, quando se trata da validade do negócio, e que, sendo peculiares dele, fazem com que mereça um tratamento especial, diante dos outros fatos jurídicos.

A validade é, pois, a qualidade que o negócio deve ter ao entrar no mundo jurídico, consiste em estar de acordo com as regras jurídicas. Assim, se o negócio jurídico é a declaração de vontade e os elementos gerais constitutivos de modo que a declaração transborda em objeto, forma e circunstâncias negociais, e se os requisitos são qualidades dos elementos, temos que: a declaração de vontade, tomada como um todo deverá ser: a) resultante de um processo volitivo; b) querida com plena consciência da realidade; c) escolhida com liberdade; d) deliberada sem má-fé.

O objeto deverá ser lícito, possível e determinado ou determinável e a forma será livre, porque a lei nenhum requisito nela exige, ou deverá ser conforme a prescrição legal. Quanto as circunstâncias negociais, não tem requisitos para tento, jáque elas são o elemento caracterizador da essência do próprio negócio.

No trato dos elementos gerais extrínsecos, temos que: a) o agente deverá ser capaz e, em geral, legitimado para o negócio; b) o tempo, se o ordenamento jurídico impuser que o negócio se faça em um determinado momento, quer essa determinação seja em termos absolutos ou em

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termos relativos, deverá ser o tempo útil; e c) o lugar, se excepcionalmente, tiver algum requisito, há de ser o lugar apropriado.

Pois bem, o que deve prevalecer é a autonomia privada manifestada pelas partes no pacto, prevalecendo a vontade individual dos envolvidos e a sua autonomia para a prática dos atos civis. Deixa-se de lado, portanto, um exagerado apego a formalismos, com o que o Direito Civil Contemporâneo não pode mais conviver.

A autonomia privada traz a necessidade imperiosa de respeito e de observância a normas de ordem pública e a outros princípios contratuais, como são, no Código Civil, a função social do contrato (art. 421) e a boa-fé objetiva (art. 422).

Não obstante, importa destacar, nenhum contrato afetivo ou de família pode desrespeitar a dignidade humana dos envolvidos, tratar homens e mulheres de forma diferente, viabilizar distorções por questões de gênero, tolerar qualquer tipo de violência física, psicológica ou patrimonial, ou deixar de observar os direitos e garantias constitucionais de crianças, adolescentes, idosos, portadores de deficiênciaou qualquer outro grupo em situação de vulnerabilidade.

Outrossim, em busca da ampliação do campo da privacidade e da intimidade, em paralelo, diminui a influência dos princípios de ordem pública, pois a organizaçãojurídica da família e o direito matrimonial passam a ser vistos com aspectos jurídicos em franca decadência, posto que regulamentam aspectos da vida familiar de maneira padronizada, inibindo as manifestações individuais de afeto e relacionamento sexual.

Frente a tal relativismo, no que tange ao Direito de Família, esse tem se transformado num direito individual, num direito de caso concreto que, quando gera normas, serão sempre através de modelos contratuais, de negociação entre sujeitos privados.

Em matéria de sucessões, deve-se observar que as limitações que devem ser consideradas pelo

intérprete a respeito da citada contratualização, que encontra óbices nos próprios fundamentos do Direito das Sucessões no Brasil. Nesse contexto,o nosso sistema não admite, por exemplo, a renúncia prévia ou mesmo o repúdio à herança por qualquer contrato ou negócio jurídico que a almeje.

A respeito da renúncia à herança, aliás, trata-se de um ato jurídico formal, quedeve observar estritamente os requisitos previstos no Código Civil. Assim, conforme o seu art. 1.806, a renúncia da herança deve constar expressamente de instrumento público ou termo judicial, após o falecimento do de cujus. Para que a renúncia ou o repúdio prévio à herança seja possível, é preciso alterar a legislação a respeito da matéria, inserindo uma previsão nesse sentido no art. 426 do Código Civil.

2.3. Eficácia

Tratamos da eficácia jurídica, relacionada aos efeitos manifestados como queridos. De fato, muitos negócios para a produção de seus efeitos, necessitam dos fatores de eficácia, entendida a palavra fatores como algo extrínseco ao negócio, algo que dela não participa, que não o integra, mas contribui para a obtenção do resultadovisado.

São por exemplo os negócios que precisam de fatores de eficácia, os atos subordinados e a condição suspensiva. Enquanto não ocorre o advento do evento, onegócio, se tiver preenchido todos os requisitos, é válido, mas não produz os seus efeitos e, certamente, a condição como cláusula faz parte do negócio. Mas uma coisaé a cláusula e a outra o evento a que ela faz referência, sendo o advento do futuro, nesse caso, um fator de eficácia.

Considerando a classificação, podemos elencar três espécies, a saber: a) os fatores de atribuição de eficácia em geral, que são aqueles sem os quais o ato praticamente não produz efeito algum (ato sob condição suspensiva) em que, durante

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a ineficácia, poderá haver a possibilidade de medidas cautelares, mas quanto aos efeitos do negócio, nem se produzem os efeitos diretamente visados, nem outros, substitutivos deles; b) os fatores de atribuição da eficácia diretamente visada, que são aqueles indispensáveis para que um negócio, que já é de algum modo eficaz entre aspartes, venha a produzir exatamente os efeitos por ele visados; e c) os fatores de atribuição de eficácia mais extensa, que são aqueles indispensáveis para um negócio, já com plena eficácia, inclusive produzindo exatamente os efeitos visados, alargue o seu campo de atuação, tornando-se oponível a terceiros ou, até mesmo, erga omnes.

No campo dos contratos, tem-se associado a conservação à sua função social,como preceitua o Enunciado n. 22, da I Jornada de Direito Civil: “a função social do contrato, prevista no art. 421 do novo Código Civil, constitui cláusula geral que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas úteis e justas”

Destaca-se ainda à hipótese em que um casal celebra pacto antenupcial, por escritura pública, elegendo determinado regime de bens, e não contrai o casamento posteriormente, passando a viver em união estável. Nesse caso, qual regime regerá essa união entre os conviventes? Aquele escolhido pelas partes no pacto antenupcial ou o regime legal, da comunhão parcial de bens? Imagine-se, a título de ilustração, situação concreta em que é elaborado pelo casal um pacto antenupcial escolhendo o regime da separação convencional de bens, tratado nos arts. 1.687 e 1.688 do CódigoCivil, não seguido pelo matrimônio.

O tema tem relação com o art. 1.653 do Código Civil Brasileiro, segundo o qualé nulo o pacto antenupcial se não for feito por escritura pública, e ineficaz se não lhe seguir o casamento. No caso descrito o pacto antenupcial é válido, pois foi feito por escritura pública. De toda sorte, deveria ele ser considerado ineficaz, caso não houvesse qualquer relacionamento entre os envolvidos.

Porém, como passaram elesa viver em união estável, deve ser reconhecida a eficácia da sua opção, manifestada por escrito, como contrato de convivência ou contrato de união estável.

Trata-se de posição que prestigia a autonomia privada, o princípio da conservação do negócio jurídico, uma das aplicações da eficácia interna da função social do contrato, retirada dos arts. 421 e 2.035, parágrafo único, da codificação material vigente. O último dispositivo, aliás, reconhece que a função social do contratoé princípio de ordem pública, colocado ao lado da função social da propriedade e, portanto, com substrato constitucional no art. 5º, inc. XXIII, da Constituição Federal.

Na presente situação, caso os noivos não venham a contrair casamento, o pacto antenupcial, a toda evidência, será ineficaz. No entanto, não se pode esquecera possibilidade de ser estabelecida uma união estável entre eles, sendo que, se os nubentes não casam, mas passam a conviver em união estável, o pacto antenupcial será admitido como contrato de convivência entre eles, respeitando a autonomia privada. Até mesmo em homenagem ao art. 170 do Código Civil que trata da conversão substancial do negócio jurídico, permitindo o aproveitamento da vontade manifestada.

Pois, se o negócio jurídico nulo contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam as partes permitir supor que o teriam querido, se houvessem previsto a nulidade. Pelo teor do comando, um negócio nulo pode ser convertido em outro, se as partes quiserem tal conversão – de forma expressa ou implícita – e se o negócio nulo tiver os requisitos mínimos de validade desse outro negócio, para o qual será transformado.

Outrossim, pode-se considerar como conversão do negócio ineficaz ou pós- eficacização, haja vista trata-se de hipótese em que determinado negócio jurídico não produz efeitos em um primeiro momento, mas tem a eficácia reconheci-

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da pelasituação concreta posterior que, aqui, é a convivência entre os envolvidos3

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça há acórdão na mesma linha4, sendo certo que de acordo com a referida decisão, nos termos do art. 1.725 do Código Civil, ao tratar do contrato de convivência, não exige qualquer formalidade específica para a escolha de um regime de bens diverso da comunhão parcial de bens.

2.4. Inexistência, Invalidade e Ineficácia

O exame do negócio, sob o ângulo negativo, deve ser feito através do que podeser conhecido como técnica de eliminação progressiva, a qual consiste no seguinte: primeiramente Há de se examinar o negócio no plano da existência e, aí, ou ele existeou não existe. Se não existe, não é negócio jurídico, é aparência de negócio e, então, esse aspecto não passa como negócio para o plano seguinte, ou seja, morre no plano da existência.

No plano seguinte, o da validade, já não entram os negócios aparentes, mas sim somente os negócios existentes, sendo eles válidos ou inválidos, sendo que se forem inválidos não passam para o plano da eficácia, pois ficam no plano da validade,sendo que somente os negócios válidos continuam e em no plano da eficácia. Por derradeiro, no plano da eficácia, os negócios, existente e válidos, serão eficazes ou ineficazes.

3 A jurisprudência caminha nesse sentido: “o pacto antenupcial celebrado entre os litigantes que estabeleceu o regime da separação convencional de bens inclusive para aqueles adquiridos antes do casamento, é válido como ato de manifestação de vontade para estabelecer a separação total relativamente aos bens adquiridos durante a união estável que precedeu o casamento. Precedente” (TJRS, Apelação Cível n. 70016647547, 8ª Câmara de Direito Privado, Comarca de Porto Alegre, Rel. Des. José Ataídes Siqueira Trindade, julgado em 28/09/2006, DJRS 04/10/2006).

4 “o contrato pode ser celebrado a qualquer momento da união estável, tendo como único requisito a forma escrita. Assim, o pacto antenupcial prévio ao segundo casamento, adotando o regime da separação total de bens ainda durante a convivência em união estável, possui o efeito imediato de regular os atos a ele posteriores havidos na relação patrimonial entre os conviventes, uma vez que não houve estipulação diversa”. (REsp n. 1.483.863/ SP, 4ª Turma, relatora Ministra Maria Isabel Gallotti, p. 22/06/2016)

Com relação a técnica de eliminação progressiva, somente aos atos existentes se pode dar a qualificação de nulo, ou também de válido ou anulável, destacando que o negócio aparente, denominado de negócio inexistente, uma vez que não chegou a se projetar no plano da validade, não é nem válido, nem anulável, nem nulo, pois não representa um diferencial a mais com relação aos outros requisitos, em relação a qualquer um destes, não se aproxima mais do nulo, nem se afasta mais do válido, pois está em plano diverso.

O negócio inexistente se opõe ao negócio existente e somente este, por ter passado ao plano da validade, é que poderá ser, de acordo com o preenchimento dos requisitos, válido, anulável ou nulo.

Todavia, tanto dentro de cada plano nas relações entre um plano e outro há um princípio fundamental que domina toda a matéria da inexistência, invalidade e ineficácia, qual seja, o princípio da conservação. Ou seja, consiste na busca pelo legislador bem como do intérprete, procurando conservar, em qualquer um dos três planos (existência, validade e eficácia) o máximo possível do negócio realizado pelo agente.

No prisma da validade, a própria divisão dos requisitos em mais ou menos graves, acarretando a nulidade ou anulabilidade é decorrência do princípio da conservação, já que graças a essa divisão, abre-se a possibilidade de confirmação dos atos anuláveis, conforme dispõe o art. 172 do Código Civil, evitando assim, por excessiva severidade, percam-se negócios úteis, seja no plano econômico ou social.

Outrossim, a nulidade de uma cláusula, apesar de o negócio ser um todo, pode não levar a nulidade do negócio, recaindo em uma nulidade parcial, admitindo que o negócio persista, sem a cláusula defeituosa, se for possível, de acordo com o art. 184do Código Civil, de modo que a nulidade de forma pode acarretar a conversão formalque tona válido o negócio, graças a adoção

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de uma forma menos rigorosa que a escolhida pelas partes.

No caso de eventual nulidade, busca-se a viabilidade jurídica de cada pacto, levando em consideração as concepções dominantes no círculo social em que o negócio haverá de ter eficácia, sendo que, havendo necessidade de manifestação judicial, caso existam conflitos de interesse nos contratos de Direito de Família, dois parâmetros podem auxiliar o Estado a realizar a ponderação que a circunstância exige, evitando julgamentos decisionismos e alimentando a segurança jurídica.

O primeiro seria verificar se as partes estariam em níveis compatíveis de equilíbrio contratual, tendo em vista que, nos casos envolvendo questões existenciais, a autonomia privada terá um peso maior do que nos concernentes a questões econômico-patrimoniais. Ademais, nesses últimos casos, a proteção da autonomia privada em face de um eventual direito fundamental restringido deverá variar em função da essencialidade do bem envolvido.

No segundo parâmetro, tomando como base o critério de essencialidade do bem jurídico, apoia-se na perspectiva de hierarquização abstrata daquilo que ésupérfluo, útil ou essencial à vida das pessoas, ao longo do tempo, ressaltando-se a mudança que as vontades sofrem com o passar da vida e da experiência humana.

Outrossim, é pertinente observar que os pactos firmados entre as pessoas, muitas vezes com hipossuficiência econômica de uma das partes, deverão respeitar as normas cogentes, conforme previsão no art. 1.655 do Código Civil, ao controlar a validade das previsões constantes do pacto antenupcial, a saber: “é nula a convenção ou cláusula dela que contravenha disposição absoluta de lei”, ou seja, as normas de ordem pública, premissa que também se aplica aos contratos de convivência firmadosentre companheiros.

A título de exemplo sobre invalidade, serão nulas

as seguintes cláusulas constantes do pacto antenupcial ou em contrato de convivência, frente a existência de normas de ordem pública ou de matéria cogente, que visam a uma determinada proteção, podemos considerar:

a) previsão contratual que estabelece que o marido, nos regimes da comunhãouniversal ou parcial de bens, possa vender imóvel sem outorga conjugal, afastando o art. 1.647, inc. I, do CC;

b) cláusula que determina a administração dos bens de forma exclusiva pelo marido, pois a mulher é incompetente para tanto, afastando a isonomia constitucional;

c) cláusula que estabeleça a renúncia prévia aos alimentos, infringindo a absoluta regra do art. 1.707 do CC;

d) cláusula que regulamenta previamente as regras referentes à guarda dos filhos, para o caso de divórcio do casal;

e) cláusula que imponha multa para caso de infidelidade, sendo certo que as perdas e os danos não podem ser fixados previamente em casos tais, pois a eventual responsabilidade que surge do fim do vínculo tem natureza extracontratual, envolvendo questões de ordem pública;

f) cláusula que afaste o regime da separação obrigatória de bens nas hipótesesdescritas pelo art. 1.641 do CC; e

g) cláusula que exclui expressamente o direito sucessório do cônjuge sobrevivente, afastando as regras da sucessão legítima e trazendo a renúnciaprévia à herança, havendo claro pacto sucessório, em infringência ao art. 426 do Código Civil.

A respeito do último exemplo, a propósito, em hipótese concreta em que houve a tentativa de se criar um regime de separação total de bens com efeitos sucessórios,para que não houvesse herança no caso concreto, violando a proibição das pacta corvina, julgou-se considerando a nu-

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Ademais, sobre a tentativa de se afastar a concorrência sucessória por meio de pacto antenupcial, o que é nulo, mais uma vez por infração ao art. 426 do Código Civil caminha no mesmo sentido6.

3. ESPÉCIES DE CONTRATOS

No campo dos contratos e dos negócios jurídicos em geral, a autonomia privada se desdobra em duas liberdades. Inicialmente, percebe-se a liberdade para a celebração dos pactos e avenças com determinadas pessoas, sendo o direito a contratação inerente a própria concepção de pessoa em um direito advindo do princípio da liberdade.

Noutro prisma, a autonomia pode estar relacionada com o conteúdo do pacto, ponto em que residem limitações maiores a liberdade da pessoa, ou seja, trata-se daliberdade contratual, que tem relação específica com as previsões que as partes escolheram para a regulamentação dos seus interesses, com as cláusulas contratuais

5 “as normas de direito sucessório dispostas no Título II, Capítulo I, do Código Civil (artigos 1.829 e seguintes) são de caráter cogente, não se admitindo disposição em contrário, revestindo-se de nulidade, nos termos do artigo 1.655 do Código Civil, toda e qualquer norma que confronte disposição legal” (TJMT, Apelação 15809/2016, Capital, Rel. Des. Sebastião Barbosa Farias, j. 21.06.2016, DJMT 24.06.2016, p. 82)

6 ”o Código Civil de 2002 trouxe importante inovação, erigindo o cônjuge como concorrente dos descendentes e dos ascendentes na sucessão legítima. Com isso, passou-se a privilegiar as pessoas que, apesar de não terem qualquer grau de parentesco, são o eixo central da família. Em nenhum momento o legislador condicionou a concorrência entre ascendentes e cônjuge supérstite ao regime de bens adotado no casamento. Com a dissolução da sociedade conjugal operada pela morte de um dos cônjuges, o sobrevivente terá direito, além do seu quinhão na herança do de cujus, conforme o caso, à sua meação, agora sim regulada pelo regime de bens adotado no casamento. O artigo 1.655 do Código Civil impõe a nulidade da convenção ou cláusula do pacto antenupcial que contravenha disposição absoluta de lei” (STJ, REsp 954.567/PE, 3.ª Turma, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 10.05.2011, DJe 18.05.2011). Como consta do voto do relator, “a pretensão da recorrente de que o pacto antenupcial teria excluído o viúvo da sucessão dos bens próprios da falecida não prospera, porquanto o artigo 1.655 do Código Civil impõe a nulidade da convenção ou cláusula do pacto antenupcial que contravenha disposição absoluta de lei”

propriamente ditas.

Dessa dupla liberdade do sujeito contatual emerge a autonomia privada, que não é absoluta, encontrando limitações em normas de ordem pública e outros princípios, afirmação que existe em nosso Direito desde sempre.

No plano conceitual, elementos categoriais caracterizam a natureza jurídica de cada tipo de negócio e não resultam da vontade das partes, mas, sim, da ordem jurídica, isto é, da lei e do que, em torno desta, a doutrina e jurisprudência constroem. Cabendo destacar que são essenciais ou inderrogáveis aqueles que servem para definir cada categoria de negócio e que, portanto, caracterizam a sua essência, ao passo que defluindo da natureza do negócio, podem ser afastados pela vontade da parte, ou das partes, sem que por essa razão o negócio mude de tipo, sendo enquadrados como naturais ou derrogáveis.

Quanto aos elementos particulares, são aqueles ajustados pelas partes em umnegócio concreto, sem serem próprios de todos os negócios ou de certos tipos de negócios, porém utilizados de forma voluntária, tais como: a condição, o termo e o encargo, por serem os mais comuns. São modalidades que dão ao negócio uma fisionomia particular, a que corresponde a determinadas peculiaridades que visam limitar as consequências legais do ato.

Pois bem, os modelos contratuais podem ser apresentados por grupos vislumbrando categorias distintas das costumeiramente elencadas, além da possibilidade de adaptação às circunstâncias de cada caso, cujo rol é exemplificativo, ao passo que cada família pode estabelecer as suas próprias regras de convivência, conforme segue:

Pactos pré-nupciais/antenupciais: contratos de família mais tradicionais no Direito de Família, e buscam formalizar regras patrimoniais como regime de bens, doações entre cônjuges e administração de bens particulares, bem como

57 lidade do ato5

podem construir as regras de convivência da família que vai se constituir. Na prática, inúmeras regras podem ser estipuladas por esta modalidade contratual, tais como: instituição de cláusula penal nas hipóteses de violência doméstica; negócios sobre a distribuição do trabalho doméstico; regras que disciplinam os cuidados com os filhos, horas de dedicação as atividades escolares em casa e acompanhamento nas atividades extracurriculares; acordos sobre relações sexuais ou estabelecimento da monogamia como regra ou não, entre outras.

A título de exemplo, em decorrência da linha tênue existente entre namoro e união estável, situações que na prática são bem difíceis de se distinguir e demonstrar, e considerando ainda os reflexos que o término de um relacionamento poderia resultar

– união estável há patilha de bens e no namoro não – a celebração de um contrato de namoro se mostra de extrema relevância possibilitando que os e namorados mantenham resguardados seus patrimônios e evitem uma futura indesejada partilha de bens.

O documento seria, portanto, a declaração expressa da vontade das partes de que não estão inseridas em uma união estável, que não almejam naquele momento a constituição de família e que, consequentemente, desejam manter a incomunicabilidade de seus patrimônios. Nessas condições, segundo defende Zeno Veloso, o ex-parceiro não teria direito de exigir da outra parte, em tribunais ou fora deles, nenhum tipo de direito advindos de sua antiga posição:

Tenho defendido a possibilidade de ser celebrado entre os interessados um “contrato de namoro”, ou seja, um documento escrito em que o homem e a mulher atestam que estão tendo um envolvimento amoroso, um relacionamento afetivo, mas que se esgota nisso, não havendo interesse ou vontade de constituir uma entidade familiar, com as graves consequências pessoais e patrimoniais desta. (VENOSO,

2009)

Notoriamente o contrato de namoro visa afastar os direitos e deveres contemplados na união estável com o fito de ser utilizado como elemento probatório para evitar que o ex-parceiro lucre com o término do relacionamento. Poderia, inclusive, argumentar que tal contrato visa evitar enriquecimento ilícito de um dos ex-parceiro.

Todavia, válido reforçar que ainda não temos um entendimento pacificado sobre a validade ou não deste contrato. Nesta senda, aqueles que pretendem de fato

resguardar seu patrimônio podem se valer de meios alternativos como o contrato deconvivência.

Não obstante, cumpre registrar que o Código Civil admite a celebração de contratos atípicos, no qual poderia se enquadrar o contrato de namoro, motivo pelo qual acreditamos que há embasamento para celebração do mesmo.

Pactos pós-nupciais/intramatrimonial: acordos de família que servem para definir questões patrimoniais e regras de convivência ao longo do relacionamento, o qual é firmado durante o casamento ou da união estável, e não antes, como ocorre nos pactos antenupciais. Pode ser uma opção oportuna para aqueles que, a despeito de enfrentarem dificuldades ao longo da relação afetiva, não desejam terminar o casamento ou sua união estável, mas desejam tornar o vínculo mais forte, interessante e adaptado às mudanças que o tempo impõe na vida de cada indivíduo,haja vista que muitas questões decisivas sobre a outra pessoa ou sobre a organização da família somente podem ser descobertas e compreendidas com o passar do tempo, ao longo da convivência. Assim, a necessidade de um ajuste, durante o caminho, paraque as coisas fiquem mais confortáveis e seguras para todos os envolvidos.

De fato, pode ser que durante a união as condições se alteram e o casal passe a ter interesse

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em constituir família, mas deixem de substituir este contrato por um contrato de convivência ou até mesmo um casamento. Porém, nesta hipótese as partes poderiam acionar o judiciário a fim de demostrar a alteração dos fatos e, desde que demonstrada a modificação do status da relação, comprovando a presença da união estável, poderia se reconhecer a união estável com a aplicação de seus efeitos.

Um casal que se uniu e visa se proteger ou simplesmente deseja estabelecer regras diversas da disposta no Código Civil, o qual prevê que se aplica as regras da comunhão parcial de bens à união estável, pode celebrar contrato de convivência.

O contrato de convivência advém do princípio da autonomia privada é o instrumento pelo qual os sujeitos de uma união estável promovem as regulamentações e regras que irão disciplinar a relação. É considerado um pacto informal que pode ou não ser registrado em cartório. Pode até mesmo conter disposições ou estipulações esparsas, instrumentalizadas em conjunto ou separadamente em negócios jurídicos diversos, desde que contenha a manifestaçãobilateral da vontade dos companheiros, identificando o elemento volitivo pelas partes.

É de se esperar que ninguém inicie um relacionamento com o objetivo de que ele chegue ao fim. De toda forma, é importante que as pessoas se resguardem e estabeleçam as regras que irão reger a união, dispondo não só sobre a partilha de bens que se aplicaria ao caso, mas como também sobre outras regras que fizeram sentido para aquele casal como relações familiares e desde que não contrariem a ordem pública, não podendo afastar ou suprimir direitos e garantias estabelecidos emlei em favor dos companheiros, como o direito aos alimentos, herança, direito real de habitação, pensão previdenciária, entre outros.

Pactos pré-divórcio/dissolução união estável: pactos de família que servem para estabelecer

quais metas e os caminhos a serem percorridos quando do ponto final do relacionamento, criando normas para que o divórcio ou dissolução da união estável seja consensual, não litigioso ou com o mínimo de disputas processuais possíveis. Noutro prisma, pode-se fazer escolhas processuais que diminuam a duração das ações, estipulem limitações de recursos, a fim de que os processos não eternizem a disputa pela dissolução da antiga família ou, ainda, para os casais que também são sócios de empresas e precisam estipular caminhos para que o fim do relacionamento afetivo não implique dissolução do negócio e ampliação dos prejuízos econômicos. A utilização de bens comuns, a partilha inicial dos bens e acertos para afixação de eventual pensão alimentícia também pode ser objeto desses acordos.

Pactos pós-divórcio/dissolução união estável: ajustes no âmbito familiar que servem para reajustar, sempre que necessário, os acordos ou decisões anteriormente estabelecidas quando do fim do relacionamento afetivo, cuja proposta é a manutenção e construção de uma convivência harmônica entre as pessoas que mantem, mesmo após o divórcio ou dissolução da união estável, vínculos jurídicos em comum, quais sejam: cuidados com os filhos; pessoas com deficiência; utilização de bens comuns; gestão compartilhada de negócios de titularidade dos ex-cônjuges ou companheiros, mudança de domicilio para outras cidades/países; reajustamentos periódicos de pensões alimentícias. Essa modalidade contratual propõe a construção progressiva de normas jurídicas para famílias, ao longo do tempo, com o propósito noexercício da autonomia plena da vontade das partes, mantendo assim o equilíbrio afetivo e o respeito entre os envolvidos.

Demais contratos: além dos modelos indicados, cumpre lembrar que outros contratos são possíveis de serem criados, estipulados para grupos específicos, situações especiais ou determina-

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das ocasiões. A proposta é construir modelos contratuais que possam estar cumprindo as normas da legislação brasileira, mas que atendam aos interesses específicos de cada casal, grupo ou família.

Nesse cenário, o modelo de um pacto de não processar (pactum de non petendo) representa um elemento de grande valia. Conceitualmente tais pactos são acordos de vontades por meio dos quais os pactuantes firmam o compromisso mútuode, durante determinado período de tempo, ou, até que sejam preenchidas certas condicionantes, não acionarem uns aos outros em juízo. Não se equiparam àsobrigações naturais, pois, através deles, não ocorre renúncia ao direito material que fundamenta a ação (pretensão de direito material), mas a mera abstenção, temporáriaou perpétua, do exercício judicial desses direitos (pretensão de direito processual), razão pela qual são mantidas intactas não só as demais prerrogativas processuais por eles asseguradas (como o direito de eles serem alegados em defesa), como tambémseu próprio exercício extrajudicial (o que permitiria seu protesto e o uso de notificações, por exemplo).

Assim, em vez de acirrar a animosidade, tais acordos podem ajustar o contrário:evitar futuros litígios. Essa afirmação se torna especialmente verdadeira quando os pactos contemplam prazos de reflexão ou condicionam a propositura de demanda aofracasso de certas práticas colaborativas antecedentes (cláusulas de paz), para o qual são elaborados ao menor sinal de que as coisas não estejam caminhando bem entreo casal.

Portanto, é perfeitamente possível que os sujeitos envolvidos na disputa familiar (conflito) optem por transformar o processo (litígio) em algo bem mais célere, simples, barato e menos desgastante, sendo os pactos de não processar uma importante ferramenta para que se atinja esse propósito.

A polarização dos meios de solução dos conflitos

é outra prática que talvez precise ser abandonada. O apego demasiado a este ou àquele método, com a consequente rejeição de qualquer outro não parece ser o ideal, até porque nenhum conflito é igual ao outro. A negociação, a mediação, a conciliação, as práticas colaborativas, a constelação e a conciliação podem representar excelentes instrumentos para a solução de certas disputas, mas fracassarem enormemente ao tentarem resolver outras.

CONCLUSÃO

O Direito de Família previsto na lei não é suficiente para solucionar as questõesapresentadas, devido as singularidades, conquistas e realidades, sendo certo que asexpectativas das pessoas em relação ao vínculo afetivo, casamento, filhos e vida emcomum estão em processo de atualização e evolução de entendimentos e reconhecimento, o que demanda a construção de regras específicas do aludido Direitopara cada circunstância, respeitando as opções e as peculiaridades de cada membroou grupo familiar.

Em tempos outros as regras familiares tinham um propósito único, qual seja, a vigência para toda a vida, sem questionamento ou sobressaltos. Todavia, atualmente, ao contrário, as regras devem servir para cada ciclo familiar, demandando assim dividir os contratos de Direito de Família em grupos, representando as etapas em que o contexto familiar está inserido, cujo objetivo é atualizar as regras tendo em vista asmutações no direito que regulam os fatos jurídicos aqui inseridos.

Como pudemos verificar, o contrato de namoro ainda não está sedimentado nonosso âmbito jurídico existindo entendimentos para ambos os lados. No entanto, entendemos o namoro qualificado reflete uma modernização das relações e da população como um todo, cabendo destacar que, se após a celebração do contrato houver alteração nos interesses do casal estes, em caso de término do relacionamento, não necessariamente ficariam desprotegidos.

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Isto porque, se restar verificada a existência de elementos da união estável, a validade do contrato poderia ser questionada judicialmente, quando o magistrado analisaria o caso concreto e verificaria se o contrato foi fraudulento ou se foi uma medida prévia e válida tomada para estipular as alternativas requisitadas pelo casal.

Partindo dos elementos imprescindíveis a qualquer contrato, no plano da existência, se faltar um dos elementos próprios a todos os negócios jurídicos, não hánegócio jurídico, podendo haver um ato jurídico em sentido restrito ou um fato jurídico,e é a isso que se chama “negócio inexistente”. Se houver os elementos, mas,

passando ao plano da validade, faltar um requisito neles exigido, o negócio existe mas não é válido. Por fim, se houver os elementos e se os requisitos estiverem contidos, mas faltar algum fator de eficácia, o negócio existe, é válido, mas ineficaz.

É fundamental deixar claro que a eventual nulidade de cláusula do pacto antenupcial não pode prejudicar o restante do ato, o que é a aplicação do princípio daconservação dos negócios jurídicos, que visa justamente à manutenção da autonomia privada, também quanto ao que foi pactuado entre as partes em sede de casamento ou união estável.

A liberdade de contratar está relacionada com a escolha da(s) pessoa(s) com que o negócio será celebrado, bem como o momento em que se contrata, sendo uma liberdade plena, salvo poucas e raras as restrições a essa liberdade de contratar.

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CUNHA PEREIRA, Rodrigo. O contrato de geração de filhos e os novos paradigmas da família contemporânea. 2020. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/1609/O+contrato+de+gera%C3%A7%C3%A3o+de+filhos+e+os+novos+p aradigmas+da+fam%C3%ADlia+contempor%C3%A2nea Acesso em 15 de junho de 2022.

TARTUCE, Flávio. Autonomia privada e Direito de Família – Algumas reflexões atuais. 2021. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/1742/Autonomia+privada+e+Direito+de+Fam%C3%ADlia+-+Algumas+reflex%C3%B5es+atuais Acesso em 17 de abril de 2022.

TARTUCE, Flávio. Os fundamentos do Direito das Sucessões e tendência de “contratualização” da matéria. 2020. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/1587/Os+fundamentos+do+Direito+das+Sucess%C3%B5es+e+a+tend% C3%AAncia+de+%22contratualiza%C3%A7%C3%A3o%22+da+mat%C3%A9ria Acesso em 12 de maio de 2022.

TARTUCE, Flávio. Conversão de pacto antenupcial em contrato de convivência. 2018. Disponível em:https://ibdfam.org.br/artigos/1257/Convers%C3%A3o+de+pacto+antenupcial+em+contrato+de+conviv%C3%AAncia Acesso em 27 de maio de 2022.

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CALMON, Rafael. O pacto de não processar e o direito das famílias. 2020. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/1442/O+pacto+de+n%C3%A3o+processar+-+E+o+direito+das+fam%C3%ADlias Acesso em 11 de maio de 2022.

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JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antônio. Negócio Jurídico – Existência, Validade e Eficácia, Ed. Saraiva, São Paulo, 4ª ed., 2010

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A SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL - SLU - INOVAÇÃO DO DIREITO EMPRESARIAL

Uma das principais inovações oriundas da Lei da Liberdade Econômica foi a criação da figura da Sociedade Limitada Unipessoal (SLU) na ordem jurídica nacional. O presente trabalho buscou analisar os aspectos gerais e os efeitos decorrentes do novel tipo societário em questão como um estímulo à livre concorrência e à iniciativa privada.

Para tal, utilizou-se o método de abordagem dedutivo; as técnicas de pesquisa bibliográfica e documental, fundamentando-se em artigos, livros e a legislação pertinente; os métodos de procedimento histórico-comparativo e monográfico; além de possuir, quanto ao nível de profundidade, natureza explicativa;objetivando, por conseguinte, a construção de uma pesquisa qualitativa, com caráterestritamente social, em consonância aos ditames necessários à composição de um trabalho científico.

Ademais, foi dividido em, iniciando a discussão com uma abordagem relativa aos antecedentes à institucionalização da SLU no sistema; trazendo, logo em seguida, uma explanação acerca do conceito da SLU; e, por fim, os efeitos decorrentes do novíssimo tipo societário em tela.

Concluiu-se, ao fim do estudo, que a institucionalização da Sociedade Limitada Unipessoal simboliza um avanço, ao permitir àqueles que, sozinhos, desejarem constituir empresa, o fazer, com o diferencial da responsabilidade limitada, e da não obrigatoriedade de integralização de um capital social mínimo, diferentemente do que ocorria com os formatos já existentes, revelando, pois, um grandioso avanço no que tange o prisma da livre iniciativa e da autonomia privada

Palavras-chave

Empresa individual - Sociedade Limitada Unipessoal - Inovação no Regramento Jurídico - Responsabilidade do Sócio - Bens do Titular Preservado - Realidade Brasileira.

Marcos Roberto Fidelis

Pós-Graduação Lato Sensu Direito Civil, Empresarial e Processo Civil

05 63

O excesso de burocracia sempre fora considerado um óbice ao desenvolvimento das atividades econômicas e empresariais, além de representar, também, um fator para a potencialização da prática de atos ilícitos dentro de tais atividades.

Nesse sentido, emergiu a lei nº 13.874/2019, comumente denominada de Lei da Liberdade Econômica, que trouxe em seu corpo normativo novas perspectivas para o setor econômico do país, com a desburocratização das atividades e um novo modo de pensar a livre iniciativa.

Dentre as inúmeras inovações e contribuições trazidas pelo novo diploma, é significativo mencionar a criação da Sociedade Limitada Unipessoal (SLU). Neste caminhar, o novo formato empresarial, ao seguir a linha de valorização da livre iniciativa e da autonomia privada esculpida pela então legislação recém-criada, desponta como um mecanismo que visa simplificar os trâmites legais para sua respectiva constituição e posterior funcionamento.

Além disso, a Sociedade Limitada Unipessoal passou a integrar, igualmente, otexto do Código Civil de 2002, que, em seu art. 1.052, reconhece a SLU como tipo societário. Todavia, por ser resultado de um diploma completamente recente, a nova modalidade suscita dúvidas, questionamentos e comparações com outros tipos empresariais.

Diante disso, o presente trabalho buscou trazer a compreensão acerca dos aspectos gerais que envolvem a SLU, além das principais inovações que foram frutode sua criação, de modo a apreender e esclarecer as nuances que envolvem o recente tipo societário adotado pelo ordenamento pátrio.

2. A EMPRESA E O EMPRESÁRIO

O comércio como fato social e econômico, é a atividade humana que põe em circulação a ri-

queza produzida, aumentando-lhe a utilidade.

No início, o comércio era chamado de economia troca, caracterizada pela permuta dos produtos do trabalho individual efetuada diretamente do produtor e o consumidor. (REQUIÃO; RUBENS, 1988)

Com o desenvolvimento da civilização, o sistema de trocas dá lugar a outros tipos de mercadorias, como conchas, animais e metais preciosos, estes servindo como denominador comum do valor (é a moeda), facilitando as trocas. (idem) Assim surge a economia de mercado (monetária). O produtor passa a vender adquirindo moeda para aplicá-la como capital num novo ciclo de produção.

Nas palavras de Alfredo Rocco: “O comércio é aquele ramo de produção econômica que faz aumentar o valor dos produtos pela interposição entre produtorese consumidores, a fim de facilitar a troca das mercadorias.” (apud)

Por sua vez, o economista inglês Stuart Mill explica a necessidade do comércio através da figura do comerciante:

“Quando as coisas têm que ser trazidas de longe, uma mesma pessoa não pode dirigir com eficácia, ao mesmo tempo, a manufatura e a venda a varejo; quando, para que resultem mais baratas ou melhores, se fabricam em grande escala, uma só manufatura necessita de muitos agentes locais para dispor de seus produtos, e é muito mais conveniente delegar a venda a varejo a outros agentes; e até os sapatos e os trajes, quando se tem de fornecer em grande escala de uma vez, como para abastecer um regimento ou um asilo, não se compram diretamente aos produtores, mas a comerciantes intermediários, que são os que melhor sabem, por ser este o seu negócio.” (apud)

O professor Inglez de Souza, assim definiu juridicamente o comércio:

64 1. INTRODUÇÃO

“É o complexo de atos de intromissão entre o produtor e o consumidor, que,exercidos habitualmente com fins de lucros, realizam, promovem ou facilitam a circulação dos produtos da natureza e da indústria, para tornar mais fácil e pronta a procura e a oferta.” (apud)

Surgem desse conceito três elementos: mediação, lucro e profissionalidade (habitualidade).

E nas palavras de João Eunápio Borges, “o comércio é o ramo da atividade humana que tem por objeto a aproximação de produtores e consumidores, para a realização ou facilitação de trocas”. (apud)

Percebe-se que os grandes estudiosos do assunto não conseguiram definir, com precisão, quais seriam os atos do comércio.

No Brasil, a ausência de um rol dos atos do comércio, fez surgir o chamado regulamento nº 737, de 25 de novembro de 1850, que mesmo após a sua revogaçãose manteve entre a matéria comercial e civil.

Art. 19. Considere-se mercancia:

§ 1º a compra e venda ou troca de efeitos móveis ou para os vender por grosso e a retalho, na mesma espécie ou manufaturados, ou para alugar o seu uso;

§ 2º as operações de câmbio. Banco e corretagem;

§ 3º as empresas de fábricas, de comissões, de depósitos, de expedição, de consignação e transporte de mercadorias, de espetáculos públicos;

§ 4º os seguros, fretamentos, risco e quaisquer contratos relativos ao comércio marítimo;

§ 5º a armação e expedição de navios.

Com as dificuldades da apreensão da ideia abrangida pelos atos de comércio, difundiu-se

pelo mundo uma nova concepção do direito comercial. Na Itália (1942), abandonou-se a concepção de atos de comércio. Surge o direito das empresas.

A tendência chegou no Brasil, e se propagou com a edição do Código de Defesa do Consumidor e mais recente no Código Civil.

Atualmente o centro passa a ser o empresário, que é aquele que exerce atividade economicamente organizada para a produção ou circulação de bens e serviços para o mercado. Surge o Direito Empresarial.

Conforme ensina Fábio Ulhoa Coelho, a empresa é a “atividade econômica organizada de produção ou circulação de bens ou serviços”.

Nos termos do artigo 966, do Código Civil, conclui-se que a empresa é a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços para o mercado.

Nesta senda, conceituada a empresa como atividade econômica organizada pelo empresário para a produção ou circulação de bens ou serviços, surgem alguns caracteres: a) subjetivo – empresário; b) objetivo – estabelecimento; c) funcional – atividade; e d) corporativa – instituição.

Por ser a empresa uma atividade, deve haver um sujeito que a exerça, otitular da atividade: o empresário.

O empresário é o sujeito de direitos, ele possui personalidade, podendo ser pessoa física (empresário individual) ou pessoa jurídica (sociedade empresária).

Os elementos que caracterizam o empresário são:

Economicidade (sempre desenvolve ativi-

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dade econômica);

Organização (responsável pela organização dos fatores de produçãopara o bom exercício da atividade);

Profissionalidade (estabilidade e habitualidade da atividade exercida);

Assunção dos riscos (incertos e ilimitados); Direcionamento ao Mercado (necessidades alheias)

Nos termos do parágrafo único do artigo 966, do Código Civil, não são empresários aqueles que exercem profissão intelectual, ainda que com auxílio de colaboradores, a não ser que tais atividades constituem elemento da empresa, como por exemplo, sociedade de médicos que desempenham atividade de análise laboratorial (STJ).

Portanto, historicamente o direito comercial tem uma fase subjetivista – ius mercatorum (Direito Mercador) que vai do séc. XII até XVIII; uma fase objetivista – atos do comércio (Código de Napoleão) do séc. XVIII até início do séc. XX; e fase subjetivista atual– teoria da empresa.

3. - EMPRESÁRIO INDIVIDUAL

O Código Civil conceitua a figura do empresário no seu artigo 966: “Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.”

Portanto, o empresário individual é a pessoa que exerce a empresa em seu próprio nome, assumindo todo o risco da atividade. Ela será o titular da atividade. Não há distinção entre pessoa física em si e o empresário individual. Ou seja, é a pessoa física que explora uma empresa. (TOMAZETTE; MARLON, 2020)

Ainda que lhe seja concedido um CNPJ próprio, distinto do seu CPF, não há distinção entre pes-

soa física em si e o empresário individual. Deve ter sua inscrição efetuada na Junta Comercial. Além de responder ilimitadamente (risco integral).

O Enunciado 5 da I Jornada de Direito Comercial diz que:

“Quanto às obrigações decorrentes de sua atividade, o empresário individual tipificado no art. 966 do Código Civil responderá primeiramente com os bens vinculados à exploração de sua atividade econômica, nos termos do art. 1.024 do Código Civil.”

Todavia, não havendo uma pessoa jurídica na atuação do empresário individual, o patrimônio é um só e responde por todas as obrigações decorrentes de sua atuação. E assim já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

“o empresário individual responde pela dívida da firma, sem necessidade de instauração do procedimento de desconsideração da personalidade jurídica (art. 50 do Código Civil e arts. 133 e 137 do Código de Processo Civil), por ausência da separação patrimonial que justifique esse rito.” (Resp. 1682989/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda turma, j. 19/09/2017, DJe 9/10/2017).

Para ser empresário individual deve-se cumprir os requisitos legais da capacidade civil e não estar legalmente impedidos (art.972, CC). E mesmo se exercer sem cumprir com os requisitos responderá pelas obrigações (art. 973, CC).

Cabe a exceção no caso do incapaz ser autorizado pelo juiz, sendo representado ou assistido, desde que a incapacidade seja superveniente, ou haja herdado a empresa.

Cabe pontuar que a capacidade é condição de validade do ato jurídico, e no direito comercial não foge a esta regra, com algumas exceções, como por exemplo,a emancipação.

No caso do empresário individual casado, pode-

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rá, sem necessidade da outorga conjugal, qualquer que seja o regime de bens, alienar imóveis que integrem o patrimônio da empresa ou gravá-los de ônus real.

4. - AS SOCIEDADES LIMITADAS

Antigamente, as sociedades dividiam-se em sociedades de pessoas de simples constituição e responsabilidade ilimitada, e as sociedades anônimas de responsabilidade limitada, porém de constituição e funcionamento complexos.

Ocorreu que para os pequenos e médios empresários os dois tipos de sociedades existentes dificultavam, ou impediam, o exercício da atividade em razão das formalidades ou complicações e o risco ilimitado dos prejuízos.

Surge um novo tipo societário que conjugava as vantagens das sociedades de capitais e das sociedades de pessoas, assegurando aos sócios responsabilidade limitada pelas obrigações sociais, sem a complexidade da sociedade anônima.

Em 1892, o legislador alemão faz surgir a sociedade limitada, que se difundiu pela Europa, chagando ao Brasil em 1919, com o Decreto nº 3.708/2019. (TOMAZETTE; MARLON, 2020)

Atualmente, no Brasil este tipo societário representa mais de 98% das sociedades constituídas, desempenhando papel fundamental na economia do país, pelo elevado número de relações nas quais está presente.

Com o advento do Código Civil, as sociedades limitadas passam a ser disciplinadas nos artigos 1.052 a 1.087.

Muito se debateu sobre a natureza jurídica da sociedade limitada. Nas lições do professor Fábio Ulhoa Coelho:

“Como já mencionado anteriormente, este tipo de sociedade não é, em abstrato, nem “de pessoas”, nem “de capital”, como

acontece com os demais tipos. Cada sociedade limitada em concreto é que será “de pessoas”ou “de capital”. Dependerá do previsto em contrato social o enquadramento em uma ou outra categoria.”

O Código Civil afastou a discussão doutrinária, assegurou aos sócios a liberdade de adotar as regras das sociedades simples ou das sociedades anônimas. Assim, o contrato pode fazer referência à lei das sociedades anônimas ou, nosilêncio, buscar solução nas normas sobre sociedades simples.

O certo é que até meado do ano 2000, conceituava-se a sociedade limitada como sendo a categoria de empresa que é composta por dois ou mais sócios, que contribuem para a formação do capital social do empreendimento, sendo a responsabilidade dos sócios limitada ao capital integralizado, ou a integralizar.

Todavia, diante do imenso informalismo nas relações comerciais, o legislador brasileiro trouxe para o ordenamento jurídico a figura da sociedade unipessoal.

5. – O MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL (MEI)

O Código Civil não se refere a microempresa e empresa de pequeno porte.

Apenas faz referência ao pequeno empresário em duas oportunidades.

No art. 970, menciona a existência de um tratamento diferenciado para o registro dos pequenos empresários e dos empresários rurais. Além disso, o art. 1.179, § 2º, dispensa o pequeno empresário da escrituração.

Atualmente a lei Complementar nº 123/2006 conceitua a microempresa aquela com receita brutal anual igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais), e empresa de pequeno porte aquela cujo faturamento seja superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta

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mil reais) ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais). (TOMAZETTE; MARLON, 2020)

Na intenção de retirar da informalidade boa parte da economia, a Lei Complementar nº 128/2008 introduziu a figura do microempreendedor individual(MEI).

Para o nosso estudo, o que importa destacar é que será considerado microempreendedor individual - MEI o empresário individual que tenha receita bruta anual até R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais). Além disso, omicroempreendedor individual deverá cumprir certos requisitos elencados na lei.

O microempreendedor individual tem tratamento diferenciado, abrangendo uma tributação diferenciada (SIMPLES), bem como regras diferentes sobre registro, protesto, acesso ao mercado e acesso aos juizados especiais.(idem)

6. – A EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA (EIRELI)

Com o advento da lei 14.382/2022, revogou-se o artigo 980-A do Código Civil que disciplinava a EIRELI. Todavia, as empresas constituídas na vigência da lei revogada, sob a denominação de EIRELI, continuam tendo sua existência válida soba denominação de Sociedade Limitada Unipessoal (SLU).

A lei nº 12.441, de 11 de julho de 2011, introduziu ao ordenamento jurídico a figura da EIRELI – empresa individual de responsabilidade limitada.

Sua criação se deu para afastar a ilimitação da responsabilidade, que tinha o aspecto negativo de inibir novos empreendimentos, pois nem todos estão dispostosa assumir riscos para obter rendimentos econômicos.

A EIRELI tem uma série de direitos e obrigações próprios que não se confundem com os direitos

e obrigações de seu titular. Existe uma separação entre aatividade empresarial e outras atividades do titular.

Importante destacar que a EIRELI não é sociedade unipessoal, mas uma nova pessoa jurídica.

O enunciado nº 469, da V Jornada de Direito Civil diz que: “A empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI) não é sociedade, mas novo ente jurídico personificado.”

Do mesmo modo, o Enunciado nº 3 da I Jornada de Direito Comercial: “A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) não é sociedade unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade empresária.”

O certo é que a EIRELI destina-se aos pequenos e médios empreendimentos, cujo sujeito é uma pessoa física que queira exercer a atividade empresarial, sem comprometer todo seu patrimônio pessoal.

Dizia o artigo 980-A do CC diz que a EIRELI “será constituída por uma única pessoa”, sem especificar ou delimitar. Por isso, o entendimento que prevalece é no sentido de que, tando a pessoa física ou pessoa jurídica, poderiam constituir EIRELI.Importante frisar que o Código Civil exigia um capital mínimo de 100 vezes o maior salário-mínimo vigente no país, para a constituição da EIRELI.

A ideia desta determinação era a garantia mínima para os credores.

Ademais, exigia que tal valor fosse integralizado na própria constituição, ou seja, não havia possibilidade de se deixar capital a integralizar.

Também não se admite contribuição em serviços. O capital somente pode serformado por dinheiro ou bens.

Na EIRELI não se cogita a responsabilidade do titular, uma vez que a empresa tem patrimônio

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próprio que responde por suas obrigações. Excepcionalmente, por ser pessoa jurídica, afasta esta limitação nos casos de desconsideração da personalidade jurídica.

Deve-se lembrar que a falência da EIRELI não implica a falência do seutitular, havendo uma dissociação entre a sorte do titular e a sorte da pessoa jurídica falida.

7. - A SOCIEDADE LIMITADA UNIPESSOAL (SLU)

Alguns países da Europa buscam uma forma de limitar a responsabilidade do comerciante individual, admitindo a sociedade unipessoal como situação comum, e não como exceção.(TOMAZETTE; MARLON, 2020)

No direito português, o professor Coutinho de Abreu também indica essa ideia, pois para ele a sociedade é conceituada como:

“a entidade que, composta por um ou mais sujeitos (sócio(s)), tem um patrimônio autônomo para o exercício de atividade econômica que não é de mera fruição, a fim de (em regra) obter lucros e atribuí-los ao(s) sócio(s) – ficando este(s), todavia, sujeito(s) a perda(s).” (idem)

Não há dúvida que a pluralidade de sócios não significa reforço para os credores, mas a pluralidade é uma exigência inerente ao funcionamento orgânicodas sociedades, pois afasta a ideia da affectio societatis, a expressão de uma vontade social e especial a existência de um interesse social. Haveria um desvirtuamento das regras do direito societário para essa limitação de riscos, a qual não é necessária nesse caso, pela existência de outras técnicas. (Marlon Tomazette,2020). (idem)

A Lei nº 13.874/2019, conhecida como a lei da liberdade econômica, introduziu a figura da sociedade limitada unipessoal, conforme disposto no artigo 1.052, que diz: “A sociedade limitada pode ser constituída por 1 (uma) ou mais pes-

soas. Se for unipessoal, aplicar-se-ão ao documento de constituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre o contrato social.”

Posteriormente, com o advento da Lei 14.195/2021, o artigo 41 enunciou:

“As empresas individuais de responsabilidade limitada existentes na data daentrada em vigor desta Lei serão transformadas em sociedades limitadas unipessoais independentemente de qualquer alteração em seu ato constitutivo.”

O Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração – DREI, disciplinará a forma de transformação da EIRELI para SLU, conforme rege o parágrafo único do artigo acima.

O fato é que a natureza jurídica da Sociedade limitada Unipessoal (SLU) foi criada para incentivar o empreendedorismo no país, tendo como principal característica a responsabilidade limitada, ou seja, o patrimônio pessoal do titular é separado do patrimônio da empresa.

A grande novidade é que não é exigido um capital mínimo para constituir uma SLU, sendo permitida diversas atividades da indústria, comércio e serviços.

A sociedade limitada unipessoal é uma alternativa para quem não pode ser MEI.

Como dito acima, a Sociedade Limitada Unipessoal originou-se através da

criação da lei nº 13.874/2019, popularmente denominada de Lei da Liberdade Econômica. Além de estar contida no referido diploma, a SLU passou a integrar, igualmente, o texto do Código Civil de 2002.

Desse modo, a novel legislação passou a adotar a ideia de parte da doutrina que não considerava a pluralidade de sócios, característica esta arduamente defendida pela corrente clássica, como fator primordial para constituição de sociedade (ROCHA, 2020).

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Assim, conforme o que já foi exposto, sociedade limitada unipessoal é uma modalidade na qual apenas um sócio, sendo este o único titular da empresa, atua sozinho e o seu patrimônio não se confunde com o da sociedade, não podendo,pois, as dívidas desta serem respondidas através dos bens da pessoa física que é titular. Além disso, para sua constituição, não há a exigência de integralização de umcapital social mínimo, diferentemente, nesse sentido, da EIRELI (FAQUIM; HARO, 2019).

Cabe destacar que, o fato ocorrido com o advento da Sociedade LimitadaUnipessoal, foi tão somente a formalização e institucionalização desta, haja vista a existência, antes disso, das denominadas sociedades fictícias. Muitas décadas antesda criação da SLU, Carmo (1989) já sinalizava para este respectivo problema. Para ele, a discordância da corrente tradicional em aceitar a SLU como tipo societário decorre de uma ideia ultrapassada, vez que, independentemente da institucionalização daquela ou não, haverá, sob outras formas, o tipo societário em questão.

O pensamento acima exposto é corroborado por Rocha (2020, p.67), segundoo qual: ‘’a sociedade com um sócio só, efetivamente, já existe no Brasil há décadas’’.Assim, em consonância às lições do autor, é possível inferir que as pessoas acabavam por constituir sociedades de fachada com a contribuição de familiares, amigos, parentes etc., na condição de membros, apenas para cumprir o quesito de pluralidade de sócios estabelecido pela lei. Exemplo disso são sociedades limitadas em que um sócio detém a maioria das quotas de participação chegando, inclusive, em alguns casos, a 99% – ao passo que o outro possui uma parcela ínfima de participação (FAQUIM; HARO, 2019).

Destarte, a criação da SLU parece ter apenas institucionalizado o tipo societário em questão no sistema nacional. Há de se concordar, genericamente, nesse sentido, vez que a existência

de sociedades fictícias objetivando a unipessoalidade limitada já simbolizava uma realidade. Contudo, também não se deve negar que a formalização da SLU representa um avanço, sobretudo em razão de esta trazer a possibilidade de ser constituída em conformidade aos trâmites legais, além de desburocratizar o processo de sua respectiva constituição, representando, verdadeiramente, uma expressão da livre iniciativa e da autonomia privada.

8. - CONCLUSÃO

Ao longo deste estudo, procurou-se analisar a Sociedade Limitada Unipessoal, sendo esta uma figura nova dentro do ordenamento pátrio, objetivando extrair seu conceito e suas principais inovações dentro do sistema como uma ferramenta de estímulo à livre iniciativa e à autonomia privada.

Para isso, foi feita uma abordagem percorrendo os antecedentes que levaram à criação da SLU, como a presença de sociedades e entes unipessoais no sistema, além da questão da limitação da responsabilidade individual; logo em seguida, explanou-se as principais considerações a respeito de seu conceito; e, por fim, houve o apontamento sobre sua incidência na ordem jurídica.

Assim, concluiu-se que a criação da SLU foi resultado de um processo gradual, o qual decorreu da necessidade de se estabelecer um tipo societário unipessoal com a limitação da responsabilidade.

Posto isso, mostrou-se que a EIRELI foi a modalidade mais próxima dasupracitada necessidade, todavia a condição por ela exigida de integralizar um valor mínimo equivalente a cem vezes o maior salário mínimo vigente como capital social acabou por limitar e afastar o empresariado nacional, principalmente em tempos de crise econômica, inviabilizando, pois, sua potencialização no sistema.

Além disso, sua institucionalização também foi

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observada como um fator parao decrescimento das chamadas sociedades fictícias; por outro lado, o advento da SLU, igualmente, significou o fim da EIRELI, tendo em vista as semelhanças de ambos os formatos, porém com o diferencial da não-obrigatoriedade de integralização de um capital social mínimo por parte da SLU.

Portanto, a criação da Sociedade Limitada Unipessoal, apesar das críticas e divergências, configura uma realidade, e, conforme exposto, trouxe inúmeras inovações, sobretudo do ponto de vista do incremento à livre concorrência e à iniciativa privada, indo ao encontro dos preceitos constitucionais da ordem econômica.

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REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, 1º volume, 18º Ed., Saraiva. São Paulo, 1988.

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual Direito Comercial, 10ª Ed., Saraiva. São Paulo,1999.

TOMAZETTE, Marlon. Curso Direito Empresarial 1 - Teoria Geral e Direito Societário, 11ª Ed., Saraiva. São Paulo, 2020.

FAQUIM, David Guilherme Antonietti; HARO, Guilherme Prado Bohac De. Criação da figura da sociedade limitada unipessoal – fim da EIRELI?. Revista ETIC – Encontro de Iniciação Científica, São Paulo, v.15, n.15, p.1-5, 2019.

ROCHA, Gustavo Ribeiro. Ordem Econômica Constitucional, lei n. 13.874/2019 e direito comercial brasileiro. Dom Helder Revista de Direito, v.3, n.5, p.57-74, jan./abr.2020.

MARCONI, Marina de Andrade; LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de Metodologia Científica. 5ª ed. São Paulo: Atlas S.A., 2003.

BARROS, Ivo Emanuel Dias. Sociedade Limitada Unipessoal: aspectos gerais e principais inovações. Revista Brasileira de Direito e Gestão Pública, Ed. Verde. Paraíba, 2020.

WWW.GOV.BR - Planalto. Lei nº 10.406/2002. Institui o Código Civil. Brasília – DF, 2022.

WWW.GOV.BR – Planalto. Lei nº 12.441/2011, altera o Código Civil para permitir a constituição de empresa individual de responsabilidade limitada. Brasília-DF, 2022.

WWW.GOV.BR – Planalto. Lei nº 13.874/2019. Lei da Liberdade Econômica. Brasília-DF, 2022.

WWW.GOV.BR – Planalto. Lei 14.195/2021. Lei do Ambiente de Negócios. Brasília- DF, 2022.

WWW.GOV.BR – Planalto. Lei nº 14.382/2022, revogou o art. 980-A do Código Civil. Brasília-DF, 2022.

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A RESPONSABILIDADE CIVIL DO CIRURGIÃO PLÁSTICO: UM ESTUDO SOB O DANO ESTÉTICO NAS CIRURGIAS DECORRENTES DE PRÓTESES MAMÁRIAS

O presente trabalho tem como principal objetivo analisar a responsabilidade civil do médico cirurgião-plástico nas cirurgias estéticas, conceituando o dano estetico e o erro médico, bem como suas possiveis reparações, possibilitando proporcionar uma visão sobre a responsabilidade civil do cirurgião em danos estéticos oriundos de procedimentos estéticos, em especial, na colocação de próteses mamárias, e com isso contribuir para ajudar na construção do conhecimento acerca das obrigações do cirurgião plástico, bem como as reparações e punições que advém desses danos, fatos estes de suma relevância hordionamente, visto que o nosso país é o segundo no mundo em procedimentos cirúrgicos estéticos.

Palavras-chave

Responsabilidade civil - Dano Estético - Reparação - Punição

Leonardo Luiz Fiorini

Advogado. Bacharel Unicastelo. Pós-Graduado em Processo Penal (Damásio) e Pós-Graduado em Execução contratual, responsabilidade civil e direito contratual (ESA/OABSP)

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho realizou uma análise sobre a “Responsabilidade civil do cirurgião plástico: Um estudo sob o dano estético nas cirurgias decorrentes de próteses mamárias, ou seja, teve intuito de explanar e explorar sobre os efeitos jurídicos decorrentes do erro médico, que resultou em dano estético ao paciente, e logo sobre a responsabilidade civil dos profissionais responsáveis pela realização destes procedimentos.

Tal temática se faz relevante, visto que hodiernamente os procedimentosestéticos estão aumentando cada vez mais em nossa sociedade, visto que o estabelecimento de padrões estéticos leva as pessoas, que ao tentarem se encaixar ou enquadrar nesses modelos, busquem cada vez mais a cirurgia plástica como o meio mais eficaz e rápido de serem “aceitas socialmente”.

Nesse sentido, este artigo se faz de suma relevância pois objetiva-se proporcionar uma visão sobre a responsabilidade civil do cirurgião em danos estéticos oriundos de procedimentos estéticos, em especial, na colocação de próteses mamárias. Com isso, poderemos contribuir para ajudar na construção do conhecimento acerca das obrigações do cirurgião plástico, bem como as reparações e punições que advém desses danos.

No campo jurídico não cabe analisar a necessidade destes comportamentos, visto que se trata da esfera subjetiva da vida privada, contudo, cabe ao direito buscar observar e resguardar todos os aspectos que aenvolvem, para assim, entender a relação entre as partes, para que ambas nãosofram danos.

Portanto, este artigo foi elaborado tendo como metodologia a pesquisa bibliográfica e documental, realizada em amplo acervo teórico de livros, artigos científicos, doutrinas bem como em arestos proferidos pelos Tribunais Superiores.

Sendo assim, fizemos a explanação de um estudo acerca do dano estético fundamentados em

posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais para buscar alcançar o melhor entendimento dentro do Direito civil sobre a responsabilidade civil e as possíveis reparações/punições.

1. A RESPONSABILIDADE CIVIL

palavra responsabilidade vem do latim “respondere”, que basicamente significa responder a alguma coisa, ou também, reparar o dano causado a alguém, fazendo com que o lesado volte ao status quo ante ou, ao menos, amenize o dano existente (GAGLIANO, 2017). Para Sergio Cavalieri Filho (2012), a responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que se originou da violação de dever jurídico originário.

Em nosso país, o ordenamento jurídico estabelece as normasnecessárias para o bom convívio em sociedade, normas estas que zelam da responsabilidade civil a garantia da reparação de danos, seja ela via meios amigáveis ou judiciais.

Logo, podemos concluir que responsabilidade é o compromisso de dar, fazer ou não fazer alguma coisa, indenizar ou reparar danos, ou seja, responder por algo ou alguma coisa.

Portanto, a responsabilidade civil é a obrigação adquirida ao causador de um dano, seja estes coletivos ou individuais, que assumi o prejuízo de seus atos dentro da área judicial ou extrajudicial, ficando como obrigação do agente causador compensar ou restituir qualquer perda ou dano que for causado indevidamente a terceiro.

Como dever jurídico, a responsabilidade civil para Cavalieri Filho (2012) é definida como:

Entende-se, assim, por dever jurídico a conduta externa de uma pessoa imposta pelo Direito Positivo por exigência da convivência social. Não se trata de simples conselho, advertência ou recomendação, mas de uma ordem ou comando dirigido e à vontade dos indivíduos, de sorte que impor deveres jurídicos importa criar obrigações. (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 2).

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O mesmo autor ainda esclarece que, sobre o descumprimento de um dever jurídico:

A violação de um dever jurídico configura o ilícito, que, quase sempre, acarreta dano para outrem, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano. Há assim, um dever jurídico originário, chamado por alguns de primário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo, também chamado de secundário, que é o de indenizar o prejuízo. A título de exemplo, lembramos que todos têm o dever de respeitar a integridade física do ser humano. Tem-se, aí, um dever jurídico originário, correspondente a um direito absoluto. Para aquele que descumprir esse dever surgirá um outro dever jurídico: o dareparação do dano. (CAVALIERI FILHO, 2012, p. 2).

Portando, a responsabilidade civil é um dever jurídico no qual umapessoa presta a pagar, ressarcir ou reparar um dano causado por sua ação ou omissão, acatando, de acordo com a lei vigente, todas as sanções que lhe forem impostas.

Assim sendo, a responsabilidade civil é de suma importância, visto que, uma vez baseada em regras e normas, busca proteger os sujeitos que são prejudicados, além de punir os que trazem prejuízo a alguém por desobedecerem a estas regras/normas, ou seja, o objetivo da responsabilidadecivil é não prejudicar aquele que segue a norma jurídica e garantir seus direitos.

1.1. Elementos da Responsabilidade Civil

A responsabilidade civil foi introduzida em nosso país por José de Aguiar Dias, que afirmava que “toda manifestação humana traz em si o problema da responsabilidade”, seguindo esse pensamento, a responsabilidade civil irá derivar de uma agressão a um interesse jurídico como consequência do descumprimento de uma norma jurídica já pré-existente, seja ela contratual

ou não contratual, e nesse ponto, através da lei se buscará reconstituir o ordenamento jurídico violado.

Dependendo da natureza jurídica da norma que foi violada, que como dito pode ser de duas espécies:

• contratual (artigos 389 e 395 do Código Civil Brasileiro), combase no adimplemento da obrigação;

• extracontratual ou aquiliana, oriunda do descumprimento direto da lei (artigos 168 e 927 do Código Civil Brasileiro).

Quando a responsabilidade é contratual, sua efetivação é processualmente mais facilitada visto que há a existência de um contratovinculando as partes, tendo assim uma presunção de dano e de culpa.

Na responsabilidade extracontratual ou aquiliana, o princípio regente é aquele segundo o qual a ninguém é facultado causar prejuízo a outrem, sendo chamado de princípio do neminem laedere, que é uma expressão em língua

latina que significa, “a ninguém ofender”, e dentro do direito é representado como um princípio, que rege a chamada responsabilidade aquiliana, oriunda dodescumprimento direto da lei (artigos 186 e 927 do Código Civil Brasileiro).Vale ressaltar que na responsabilidade aquiliana a vítima sempre deverá provaro dano.

Os elementos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil são:

• conduta ou ato humano;

• nexo de causalidade

• e o dano ou prejuízo.

Ressaltamos aqui, que a culpa não é um elemento geral da responsabilidade civil e, mas um elemento acidental da mesma.

O primeiro elemento da responsabilidade civil

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tem por núcleo a noção de voluntariedade, podendo ser positiva ou negativa (ação ou omissão). Na voluntariedade, a pessoa tem consciência daquilo que se faz, está ausente nos atos reflexos, no sonambulismo e na hipnose, por exemplo. A regra geral é de que a conduta deve ser ilícita, mas também pode haver responsabilidade civil decorrente de ato lícito, por isso, a ilicitude não pode ser um elemento geral.

A responsabilidade civil pode ser ato próprio como também pode ocorrer por ato de terceiro ou por fato da coisa ou do animal, chamada responsabilidade civil indireta. Neste último caso haverá conduta humana mesmo que por omissão. As pressunções de culpa não exitem mais no Código Civil Brasileiro sendo substituída, na maioria das vezes, pela responsabilidade objetiva.

O nexo de causalidade é o vínculo ou liame que une a conduta humana ao resutlado danoso. As teorias explicativas do nexo de causalidade são as seguintes:

• Equivalência de condições (conditio sine qua non): para essa teoria todos os antecedentes fáticos que contribuírem para o resultado são causa dele. Deve ser limitada para não levar o intérprete ao infinito. Bending diz que se levar a teoria ao infinito poderia se cometer o absurdo de condenar o marceneiro que feza cama onde foi cometido o adultério. Não foi adotada pelo Código Civil Brasileiro.

• Causalidade adequada: foi criada por Von Kreies e afirma que causa é o antecedente causal abstratamente idôneo à realização do resultado segundo um juízo de probabilidade. Também não foi adotada pelo Código Civil Brasileiro.

• Causalidade direta e imediata: para outros autores, como Gustavo Tepedino e Pablo Stolze, foi adotado pelo Código Civil Brasileiro e afirma

que a causa serviria apenas o antecedente fático ligado necessariamente ao resultado danoso como uma consequência direta e imediata.

O dano é a lesão a um interesse jurídico tutelado, material ou moral.Para que um dano seja indenizável é preciso alguns requisitos: violação de um interesse jurídico material ou moral, certeza de dano, mesmo dano moral tem que ser certo e deve haver a subsistência do dano.

1.2. A responsabilidade civil do cirurgião plástico.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça compreende que a obrigação dos médicos na cirurgia plástica de natureza estética é de resultado, o que difere das cirurgias plásticas de natureza reparadora, visto que nesse caso a obrigação é de meio (BRASIL, 2011).

Sobre a responsabilidade do médico, esta está prevista no Código Civil, no Art. 951 bem como no Código de Ética Médica Art. 29:

Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho (BRASIL, 2002)

Art. 29 - Praticar atos profissionais danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência (CREMESP, 2007).

Logo, a responsabilidade do médico consiste na obrigação do profissional de reparar qualquer dano causado a outrem, durante o exercício de seu mister (COUTO FILHO; SOUZA, 2008), ou seja, a responsabilidade civil médica é uma espécie de responsabilidade civil (COUTO FILHO; SOUZA, 2008), uma ramificação de responsabilidade civil profissional.

Sendo assim, a responsabilidade do médico é

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subjetiva, com natureza, geralmente, contratual (Recurso Especial N° 1.051.674) (BRASIL, 2009), no qual o médico assume a obrigação de tratar o paciente com diligência, empregando todos os meios indicados pela ciência (GOMES, 1988).

Também podemos dizer que a responsabilidade civil do médico pode ser extracontratual, de acordo com os fatos e circunstancias que levem o médico a atuar, devido ao seu dever de assistência (CARVALHO, 2013), como também, diante de um descumprimento legal ou regulamentar de sua profissão. Podendo assim receber o enquadramento de extracontratual, a atuação do médico servidor público (PENNEAU, 1988 apud

AGUIAR JUNIOR, 1995).

2. DANO ESTÉTICO

O dano estético se caracteriza quando altera a substância ou a forma da pessoa, caracterizado pela ofensa direta à integridade física do indivíduo, demandando também reparação pecuniária. Para Teresa Ancona Lopez, é concretizado quando uma pessoa sofre uma “transformação”. “Tais danos, em regra, ocorrem quando a pessoa sofre feridas, cicatrizes, cortes superficiais ou profundos em sua pele, aleijões, amputações, entre outras anomalias que atingem a própria dignidade humana

2.1. Conceito

O dano estético é caracterizado quando ocorre uma alteração da forma de origem da vítima, causando um “enfeiamento”, fazendo com que haja um estado de inferiorização da sua aparência antes de algum e/ou qualquer procedimento estético, causando também embaraço, porém de forma visual, estética.

Para Tartuce (2019):

O dano estético é muito bem-conceituado por Teresa Ancona Lopez, uma das maiores especialistas do assunto em nosso País. Ensina a Professora Titular da USP que, “Na concepção clássica, que vem de

Aristóteles, é a estética uma ciência prática ou normativa que dá regras de fazer humano sob o aspecto do belo. Portanto, é a ciência que tem como objeto material a atividade humana (fazer) e como objeto formal (aspecto sob o qual é encarado esse fazer) o belo. É claro que quando falamos em dano estético estamos querendo significar a lesão à beleza física, ou seja, à harmonia das formas externas de alguém. Por outro lado, o conceito de belo é relativo. Ao apreciar-se um prejuízo estético, deve-se ter em mira a modificação sofrida pela pessoa em relação ao que ela era” (O dano…, 1980, p. 17). Para a mesma doutrinadora, portanto, basta a pessoa ter sofrido uma “transformação” para que o referido dano esteja caracterizado. (TARTUCE, 2019, p. 484).

O dano estético pode ser comprovado por meio do contato visual com a vítima, seja este contato pessoalmente ou através de imagens, e que demonstre a diferença visual após o procedimento estético danoso causando assim, para a vítima, uma sensação embaraçosa e desagradável.

Vale ressaltar, que para que se comprove o dano estético se faz necessário que:

A) Existência do dano à integridade física da pessoa. Ou seja: lesão que promova “afeamento” à imagem externa da pessoa atingida, sendo que tal alteração deve ser para pior. Mais sucintamente, tal piora deve ocorrer em relação ao que a pessoa era antes da ocorrência da mesma relativamente aos seus traços naturais (de nascimento), não em comparação com determinado exemplo de beleza1

B) A lesão promovida deve ter um resultado duradouro ou permanente. Caso contrário, não há dano estético propriamente dito, mas sim atentado reparável à integridade física ou lesão estética passageira. Fica evidente que a característica que se busca neste tópico identificar

1 Disponível em https://sergiopontes.jusbrasil.com.br/artigos/604574443/a-responsabilidade- civil-pelo-dano-estetico Acesso em dezembro de 2021.

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consiste na irreparabilidade do prejuízo causado à aparência externa da pessoa sofredora da lesão2

C) Não há necessidade de a lesão ser aparente. Ou seja, não existe necessidade que a mesma seja facilmente vista por terceiros. Basta somente que a mesma exista no corpo, mesmo que resida em partes nem sempre em evidência. Logo, há de se ater à possibilidade da lesão ser vista sob qualquer circunstância3

D) Por fim, em se tratando do ponto mais importante a ser evidenciado quando se promove a conceituação de dano estético, há de ser ressaltado que o dano estético necessariamente enseja dano moral. Ou seja: persiste a necessidade de a lesão à imagem externa da pessoa proporcionar à mesma um “mal-estar”, ou melhor, humilhação, tristeza, constrangimento, enfim, menos feliz em virtude do sofrido4

O dano estético é integrado por elementos do dano moral e do dano patrimonial. O dano estético, quando configurado, equivale a uma hipótese autônoma de responsabilização, independente do dano material e do dano moral5

Para Serpa Lopes (LOPES, 2000, p. 402) o dano estético:

[...] um prejuízo que pode ser corrigido in natura, através dos milagres da cirurgia plástica, cuja operação inegavelmente se impõe como incluída na reparação do dano e na sua liquidação. Por conseguinte, o dano estético só pode ter lugar quando se patenteia impossível corrigir o defeito resultante do acidente através dos meios

2 Disponível em https://sergiopontes.jusbrasil.com.br/artigos/604574443/a-responsabilidade- civil-pelo-dano-estetico Acesso em dezembro de 2021.

3 Disponível em https://sergiopontes.jusbrasil.com.br/artigos/604574443/a-responsabilidade- civil-pelo-dano-estetico

Acesso em dezembro de 2021.

4 Disponível em https://sergiopontes.jusbrasil.com.br/artigos/604574443/a-responsabilidade- civil-pelo-dano-estetico Acesso em dezembro de 2021.

5 Disponível em https://sergiopontes.jusbrasil.com.br/artigos/604574443/a-responsabilidade- civil-pelo-dano-estetico Acesso em dezembro de 2021.

cirúrgicos especializados.

Carrard (1940, p. 405) afirma que:

[...] o dano estético pode também resultar de um atentado à voz, ou à faculdade de se mover: a vítima, que possuía uma voz quente e sedutora, não tem mais, em consequência das lesões, do que uma voz estridente; a vítima que se movia com graça, não pode mais fazer senão movimentos irregulares e sacudidos.

Logo, o dano estético pode gerar prejuízos na atividade laboral exercida, configurando um dano patrimonial. Se a aparência for condição indispensável para a profissão exercida, o déficit resultante força uma compensação indenizatória. São dois os dispositivos do Código Civil que amparam a vítima neste sentido:

Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

Art. 950. Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.

Parágrafo único. O prejudicado, se preferir, poderá exigir que a indenização seja arbitrada e paga de uma só vez

Para Cavalieri Filho (2010 p.73) :

[...] Conceitua-se, então, o dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, que se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc.

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Em suma, dano é lesão deum bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral. [...] (

Para Lotufo (2202, p. 315):

Não se pensou que quando há uma lesão à honra pessoal, à dignidade humana, tem-se valores que se não podem estar no comércio jurídico, também não estão para serem banalizados, sob pena de se atentar contra o próprio fundamento da República, e das declarações universais dos direitos fundamentais dos seres humanos

Sendo assim se torna possível a cumulação do dano moral e do dano estético, quando ambos têm fundamentos distintos, mesmo que tenham tido origem do mesmo fato, como quando forem passíveis de apuração em separado, com causas inconfundíveis, como por exemplo, quando a implantação de uma prótese mamária cause deformidade no individuo, causando, além de deformação, que seria o dano estético sequelas psíquicas por si bastantes para reconhecer-se existente o dano moral.

Contudo, há uma linha tênue a ser observada, visto que, quando falamos em dano estético, a responsabilidade civil se configura a partir do momento em que, seja por uma ação ou uma omissão de outrem, a vítima sofra transformações em sua aparência física a modificando para pior, ou, de acordo como algumas pessoas preferem: “enfeiamento”.

Logo, podemos elencar três elementos que são capazes de caracterizar o dano estético: o primeiro é a transformação para pior, o segundo é a permanência ou efeito danoso prolongado e o último é a localização na aparência externa da pessoa.

Sendo assim, o dano estético é aquele que agride a pessoa em sua autoestima, podendo ter reflexos também em sua saúde e integridade física. Vale ressaltar que para essa modalidade de responsabilização, as lesões verificadas na

aparência da vítima devem ser permanentes.

Já o dano moral, é aquele que causa a vítima dor, sofrimento, humilhação, constrangimento, entre outros. Logo, podemos ver que a diferença é entre o dano estético e o dano moral é notória, visto que o primeiro pode se perpetuar até morte enquanto o segundo o tempo se encarrega de fazer a vítima superar.

Assim, haja vista as diferenças significativas na caracterização de ambos os danos, se conclui que o dano estético é um dano único ao indivíduo, e suas consequências, na maioria das vezes, é permanente e muito mais dolorida emocionalmente do que um dano moral por si só. Contudo, ambos os danos provocam efeitos iguais na vítima, como o constrangimento, a humilhação, o sofrimento psicológico.

Assim, o dano físico permanente que um indivíduo sofreu e que provocou nele uma piora ao seu estado físico anterior, faz com que este seja considerado vítima de dano estético, e como esse dano deixa o indivíduo abalado moralmente, podemos afirmar que o dano estético provocou o dano moral, o que possibilita, de acordo com o próprio STJ, a dupla indenização na Súmula nº 387, que aduz: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral”.

Essa licitude, se configura em arbitrar um valor que abranja ambas as indenizações, por danos estéticos (físicos) e danos morais (psicológicos), devendo ficar claro que os valores condizem com a compensação por ambos os danos.

Sendo assim, podemos concluir que os danos estéticos acabam por prejudicar não somente a imagem ou o físico de um individuo, mas principalmente o abalo emocional e psicológico. Ao se deparar com marcas, cicatrizes, manchas ou qualquer outra deformidade, a vítima adentra num profundo estado de abalo psíquico e emocional, uma vez que esses ‘defeitos’ ficam sujeitos a exposição ao ridículo e a situações vexatórias (MARQUES, 2017).

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O Código de Ética Médica traz o ensinamento de que a profissão de médico é desempenhada a serviço da saúde do ser humano e isso impõe a esse profissional o dever de exercer a medicina com honra e dignidade, aprimorando os seus conhecimentos e utilizando o progresso científico da forma melhor possível, em benefício do paciente.

Sendo assim, o erro médico é ato ilícito praticado pelo médico no exercício de sua atividade profissional, ou seja, é o resultado de uma ação delituosa ou de omissa por parte do médico.

Para Laércio de Castro assim define:

“Erro médico é a falha do médico no exercício da profissão. É o mau resultado ou resultado adverso decorrente de ação ou da omissão do médico, por observância de conduta técnica, estando o profissional no pleno exercício de suas faculdades mentais. Excluem-se as limitações impostas pela própria natureza da doença, bem como as lesões produzidas deliberadamente pelo médico para tratar um mal maior. Observa-se que todos os casos de erro médico julgados nos Conselhos de Medicina ou na Justiça, em que o médico foi condenado, ou foi por erro culposo”.

Moraes (2003) o erro médico está:

[...] caracterizado, pela Justiça, pela presença de dano ao doente, com nexo comprovado de causa e efeito, e de procedimento em que tenha havido uma ou mais de três falhas por parte do médico: imperícia, imprudência e negligência (MORAES, p. 423)

Logo, não podemos falar em erro médico sem a existência de um dano ou agravo à saúde que tenha decorrido de uma conduta inadequada do profissional onde se tem uma inobservância técnica, por meio de uma negligência, imprudência ou imperícia (FRANCA; GOMES; DRU-

MOND, 2002).

3. A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO POR DANO ESTÉTICO NAS CIRURGIAS DE PRÓTESES MAMÁRIAS

3.1. A Reparação do Dano Estético

A responsabilidade de reparar será decorrente da privação de um bem jurídico o qual o agente lesado teria um referido interesse reconhecido juridicamente, portanto o indivíduo lesado deve reclamar uma devida reparação pecuniária em razão de dano extrapatrimonial, muito embora não se tenham um valor concreto pela dor que sentiu ou ainda sente, mas poderá de certa maneira reparar a lesão jurídica sofrida.

A indenização por dano estético será concedida caso tornar-se irreversível a deformidade. Se a recuperação for possível mediante cirurgia plástica, o responsável pelo dano suportará as despesas exigidas para a correção. Caso a vítima desista da operação, perderá o direito a qualquer indenização.

A condenação ao pagamento de reparação por dano moral visa a compensar o abalo psicológico infligido à vítima, enquanto que a condenação em reparação por dano estético busca compensar as consequências visíveis na imagem e no corpo da vítima advindas do acidente de trabalho.

No que se refere a indenização, esta somente será amparada quando verificado a gravidade e a intensidade da ofensa, ou seja, o grau de abalo emocional da vítima, as condições pessoais, a culpabilidade do agente, os efeitos do fato danoso, as condições financeiras de ambas as partes, para somente assim se delimitar uma reparação justa (MARQUES, 2017).

3.1.1. Funções da Responsabilidade Civil: indenização reparatória, compensatória, punitiva e preventiva

80 2.2.
O erro médico

Podemos dizer que dentro do direito, a responsabilidade civil possui as funções reparatória, compensatória, e função punitiva e função preventiva. As funções reparatória e compensatória são as funções mais clássicas da responsabilidade civil, enquanto as funções puntivas e preventivas são mais recentes.

De acordo com Nader (2016), a a responsabilidade civil visa o ressarcimento da lesão sofrida pelo ofendido, por meio do retorno ao statu quo ante, e a indenização pecuniária quando não há possibilidade de reparar o dano causado, como nos danos de natureza moral ou quando a coisa é destruída, deste modo, o valor a ser estipulado deve ser o suficiente para compensar a lesão, portanto, junto a função reparatória, está também a função compensatória

É necessário evidenciar ainda, que o retorno ao statu quo ante, segueo princípio restitutio in integrum, isto é, “tanto quanto possível, repõe-se a vítima à situação anterior à lesão. Isso se faz através de uma indenizaçãofixada em proporção ao dano” (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 28).

Portanto, a reparação deve abranger todos os danos impostos pelo agente à vítima, sejam estes materiais ou morais, sendo possível a cumulação das modalidades, visto que, de acordo com Cavalieri, “o dano causado pelo atoilícito rompe o equilíbrio jurídico-econômico anteriormente existente entre o agente e a vítima e assim há a necessidade fundamental de se restabelecer esse equilíbrio”(CAVALIERI FILHO, 2015, p. 28).

Rosenvald (2017), afirma que:

[...] nenhum ressarcimento, por mais que se assuma compensativo, poderá eliminar a perda produzida pelo ilícito.A responsabilidade não é capaz, em passe de mágica, de produzir o retorno a um passado ideal e repor ao lesado a situação anterior ao ilícito. A série de eventos desencadeada pelo comportamento ilícito é irreversível e o ressarcimento, quando muito, realizará

uma alocação subjetiva de uma parte da riqueza monetária que transitará do ofensor ao ofendido. Nesse sentido, o ressarcimento opera uma parcial compensação de caráter intersubjetivo (ROSENVALD, 2017, p. 64)

Logo, de acordo com o autor, o ressarcimento não elimina a perda produzida pelo ilícito, mas serve para compensar a lesão.

Sendo assim, a função reparatoria consistirá na obrigação de reparar o dano causado, sendo ligada diretamente a responsabilidade civil, e não pela

gravidade da conduta do autor que praticou o ato danoso, mas sim pelaproporção do dano causado, e a função compensatória visará compensar a vítima pelo dano sofrido.

Para Mazzamuto (1978), na função reparatória há três tipos de tutela:

• Restitutória: Sendo esta a principal dentre as outras, pois irá compensar o dano sofrido pela vitima, buscando fazer com que o estado seja estabelecido como era anteriormente ao fato. A importância desta função é de grande valor pois ela faz com que o bem que até então está perdido, seja restituído, ou se por outro motivo não seja possível, haverá então a indenização que poderá ser em valor ao dano causado ao bem.

• Ressarcitória: Trata de devolver à vitima todos os valores acerca de um ato ilícito. Compensando o lesado pelo prejuízo econômico sofrido. Podendo ter caráter subsidiário em relação à restitutória, onde não poderá ser viável, ou mesmo se colocar em relação de complementaridade, que é quando a restituição do fato original não descarte todo o desequilíbrio econômico sofrido pela vítima.

• Satisfativa: Obriga o culpado a reparar o dano causado, contribuindo para impedir a prática de outros atos lesivos, não sendo somente pelas mesmas pessoas mas sim por outas também6.

6 Disponível em https://dirceucris.jusbrasil.com.br/

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Diniz (2019) afirma que tanto a função punitiva quanto a preventiva integram uma segunda função intrínseca à responsabilidade civil, que vai além de sua função meramente reparadora:

A responsabilidade civil constitui uma sanção civil, por decorrer de infração de norma de direito privado, cujo objetivo é o interesse particular, e, em sua natureza, é compensatória, por abranger indenização ou reparação de dano causado por ato ilícito, contratual ou extracontratual por ato lícito. [...] A sanção. Portanto, dupla é a função da responsabilidade: a) garantir o direito do lesado à segurança; b) servir como sanção civil, de natureza compensatória, mediante a reparação do dano causado à vítima, punindo o lesante e desestimulando a prática de atos lesivos (DINIZ, 2019, p.24-25).

Ou seja, de acordo com Nader, primeiro se condena o dos danos, para atender a vítima e proporcionar-lhe justiça e em seguida, condena-se para se evitar a reincidência ou para que as pessoas não violem os direitos subjetivos de outrem, logo, a função punitiva consiste na aplicação de uma pena civil ao ofensor como forma de desestímulo de comportamentos reprováveis.

Resedá (2008, p. 230):

Conceitua-se o punitive damage como sendo um acréscimo econômico na condenação imposta ao sujeito ativo do ato ilícito, em razão da sua gravidade ou reiteração, que vai além do que se estipula como necessário para compensar o ofendido, no intuito de desestimulá-lo, além de mitigar a prática de comportamento semelhantes por parte de potenciais ofensores, no intuito de assegurar a paz social e consequente função social da responsabilidade civil.

Isso vem de encontro com o pensamento de Fábio Ulhoa Coelho, admite as indenizações puniartigos/745140589/direito-civil-funcoes- reparatoria-punitiva-precaucional Acesso em dezembro de 2021.

tivas: “Entendo, portanto, ser cabível no direito brasileiro, mesmo sem lei que a estabeleça em termos gerais ou específicos, a indenização punitiva nos casos em que a conduta do demandado tiver sido particularmente reprovável” (COELHO, 2016, p. 296).

3.2. Deveres e obrigações do cirurgião plástico.

Ao falarmos em cirurgia estética, Ferreira (2000, p. 62) a define como aquela em que se dá novas formas estruturais ao corpo, objetivando-se melhorar a aparência e a autoestima de pessoas cujos problemas não tenham sido causados por doenças ou deformidades. Igualmente conceituando esses procedimentos, Pitanguy, Salgado e Radwanski (1999, p. 78), os definem comoaqueles que têm como função precípua harmonizar a imagem e o espírito do indivíduo.

Há de se deixar claro que, no presente trabalho, considerar-se-á, para fins de melhor esclarecimento, a cirurgia plástica como gênero do qual são espécies a cirurgia reparadora e a cirurgia estética.

É a cirurgia plástica especialidade médica de desenvolvimento extremamente recente, tendo sido, por muito tempo, área subaproveitada, inexistindo grande interesse na pesquisa. Isso se deu, segundo Pitelli (2011, p. 94), em função da perseguição da igreja católica medieval, que considerava imperdoável heresia o ato de modificar o corpo humano, ainda que com finalidade reparadora.

No que diz respeito a obrigação do cirurgião plástico quanto a prestação de serviços a um paciente, este assume a obrigação de prestar aquele serviço (objeto ou prestação), e, o segundo, de pagar o serviço realizado e cumprir as orientações do médico para que o serviço mantenha seuêxito, e quando não há o resultado esperado, o contrato é tido como inadimplido. Assim, presume-se que o resultado não fora alcançado por culpa do médico.

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Os artigos 186 do Código Civil e artigo 14, § 4° do Código de Defesado Consumidor, afirmam, respectivamente, que:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

(...) § 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Logo, uma vez que o cirurgião plástico assume perante o paciente umaobrigação de resultado, e que este não é alcançado, resulta automaticamente na inadimplência por parte do fornecedor do serviço, visto que os atos do cirurgião plástico, no caso de cirurgias estéticas pode ser compreendido no Código Cívil como:

Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

Sendo assim, o cirurgião possui uma responsabilidade objetiva, ouseja, deve responder por uma obrigação objetiva, visto que estão obrigados a chegar ao resultado prometido, sendo assim, estão obrigados a indenizar pelo erro médico, independentemente de culpa, visto que a cirurgia plástica estética é feita unicamente com o objetivo de melhorar a aparência do paciente, aperfeiçoando algum aspecto físico que não gosta, ou seja, condições que não lhe causam prejuízo da ordem funcional, mas sim de ordem psicológica, como no caso da implantação de próteses mamárias por estética, no qual a pessoa visa somente melhorar/aprimorar por meio do procedimento sua estética e sua autoestima.

Portando, quando o médico cirurgião submete um paciente a cirurgia estética de implantação de proteses mamarias, este assume a obrigação de resultado, logo, quando esse resultado não é alcançado a culpa do profissional é presumida bastando que a vítima demonstre o dano, seja ele fisico ou moral.

Podemos ver um exemplo desses, no caso7 julgado na 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do RS reformaram sentença de 1º Grau, que havia negado o pedido da autora da ação. em que um cirurgião plástico teve que indenizar em R$ 20 mil uma paciente que ficou com os seios deformados após passar por procedimento cirúrgico. Os Desembargadores entenderam que, nos casos de cirurgia estética ou plástica, o profissional assume a obrigação de resultado e, no caso em concreto, as fotos apresentadas nos autos comprovaram que os seios da paciente ficaram assimétricos e com cicatrizes.

A autora ajuizou ação indenizatória por danos morais, materiais e estéticos alegando erro médico, e requereu o custeio da cirurgia reparadora, a restituição dos valores das próteses e o pagamento de indenização por danos morais e estéticos.

Conforme relato da paciente, ao todo, foram quatro procedimentos cirúrgicos. Ao constatar que, após a primeira cirurgia, suas mamas teriam ficado assimétricas e com cicatriz saliente, ela procurou o médico novamente e ainda passou por outros três procedimentos, na tentativa de corrigir os problemas, mas sem sucesso.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho analisou a Responsabilidade Civil Do Cirurgião Plástico sob o dano estético nas cirurgias decorrentes de próteses mamá-

7 Disponível em https://tj-rs.jusbrasil.com.br/noticias/100686055/erro-medico-em-cirurgia- plastica-gera-indenizacao-de-r-20-mil-a-paciente Acesso em novembro de 2021.

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rias.

Eses danos estéticos podem ser considerados toda e qualquer alteração na aparência externa do indivíduo causando nele uma diminuição na sua estética em relação ao que era antes da ocorrência do fato danoso, gerando prejuízos que merecem ser reparados, juntamente com a reparação moral e material.

Logo, a reparação deve ter uma medida que satisfaça a vítima, analisando-se que a mesma sofreu abalo e dor em sua órbita moral e psíquica, de forma a tentar devolver a mesma o estado em que se encontrava anteriormente ao evento danoso, isto é, o status quo ante da vítima, o que torna-se tarefa difícil em se tratando de um dano moral.

A indenização deve atender ainda o caráter punitivo do autor da ofensa, que nada mais é do que uma forma de evitar que o mesmo venha a cometer novamente atos desta espécie, a fim de que a ordem jurídica e o equilíbrio social não venham ser violados de novo. O quantum fixado pelo magistrado competente deve atender, portanto, a esses dois parâmetros de forma a agraciar a vítima com uma indenização pertinente e a punir o ofensor com quantia que valha sua ofensa.

Sendo assim, podemos concluir que a cirurgia estetica de implantação de proteses mamáriaas no ordenamento jurídico terá obrigação de resultado, pois não se trata de reparar algo e sim tem o propósito de melhorar a aparênciado paciente, e quando isso não ocorre, seja por negligência, imperícia ou

imprudência do cirurgião plástico, se trata de dano estético, podendo haver danos morais, e cabendo assim reparação.

Logo a jurisprudência tem a tendência de tratar da responsabilidade civil dos cirurgiões plásticos na realização de cirurgias estéticas de implantação de proteses mamarias de maneira mais rigorosa, atribuindo-lhes a obrigação de resul-

tado, sendo obrigados a alcançar um resultado específico, ou seja, o efeitoembelezador prometido, e sendo assim, quando esse resultado não é alcançado será considerado haver inexecução contratual, e portando, deve ser reparado e/ou compensado. ALVES, Rainer Grigolo de Oliveira; LOCH, Jussara de Azambuja. Responsabilidade Civil do cirurgião plástico em procedimentos estéticos: aspectos jurídicos e bioéticos.

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RESPONSABILIDADE CIVIL NA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS (LGPD): SUBJETIVA OU OBJETIVA?

Este artigo científico visa abordar a respeito da responsabilidade civil na seara da Lei Geral de Proteção de Dados, principalmente, trazendo à baila discussão a respeito do seu fundamento se é com base na culpa ou no risco.

Palavras-chave:

Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) - Proteção de dados - Responsabilidade Civil

Camila Capobianco Furlaneto

Especialista em Direito Contratual, Execução Contratual e Responsabilidade Civilr

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INTRODUÇÃO

O crescimento das tecnologias de informação, a sociedade, para adquirirbens e serviços, passou a disponibilizar seus dados pessoais com apenas um click. Do outro lado, as empresas coletam, armazenam, cruzam e compartilham por meio de inteligência artificial, as informações dadas.

E no intuito de proteger a privacidade e a segurança dos dados da pessoa que sobreveio a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), muito embora o nosso ordenamento jurídico já trouxesse algumas leis esparsas a respeito de tratamento dedados pessoais.

Claro que a positivação desta lei sobre o tratamento de dados trouxe disposições que recaem em diversas áreas do direito, dentre elas a responsabilidade civil, tanto que a Lei 13.709/2018 dedica uma seção específica a ela.

Neste ponto, a doutrina e a jurisprudência vem divergindo a respeito da modalidade da responsabilidade civil, discutindo se a intenção dalei foi responsabilizar o agente de tratamento de dados de modo subjetivo ou objetivamente. E é exatamente tal ponto que será discutido no presente trabalho, trazendo, a princípio, um panorama geral acerca da responsabilidade civil e desta na Lei Geral de Proteção de Dados, sendo, por último, a discussão doutrinária que versa sobre a responsabilidade do agente de tratamento de dados, se será analisada a sua conduta culposa em caso de dano ao titular dos dados pessoais ou se há risco do proveito da atividade.

Após a análise dos mais diversos posicionamentos, a resposta aoquestionamento feito ao título do trabalho será dada.

1. - RESPONSABILIDADE CIVIL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Para falar sobre responsabilidade civil, antes de

tudo, é preciso trazer à baila oconceito deste instituto.

Silvio Rodrigues, em sua obra “Direito Civil – Responsabilidade Civil”, cita RenéSavatier e a define como:

(...) a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar prejuízo causado aoutra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam”.Pontua, ainda, que o campo que a teoria da responsabilidade civil procura cobrir é de “(...)saber se o prejuízo experimentado pela vítima deve ou não ser reparado por quem o causou. (RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002).

Rui Stocco pontua de forma certeira o conceito de responsabilidade civil:

A noção de responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra,que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana” (STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: Doutrina e Jurisprudência. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 114).

Tem-se, portanto, que o conceito de responsabilidade civil está intimamente ligado ao ressarcimento de atos ilícitos, como forma de restaurar o status quo entre as partes litigantes.

O conceito de responsabilidade civil, ou o de reparar o dano injustamente causado, sempre esteve presente e sempre foi combatido pelas leis e pelo direito. Porém, ao longo dos séculos modificou-se a forma de ação contra os danos experimentados pelos atos ilícitos.

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Pode-se dizer que nos primórdios da evolução da humanidade e também, porque não, da responsabilidade civil, a culpa do causador do dano era irrelevante, bastando a ação ou omissão do agente e o prejuízo sofrido pela vítima para que o primeiro fosse responsabilizado. Neste período, a ação lesiva do ofendido era exercida mediante a vingança coletiva.

Posteriormente ao período acima mencionado, passou a vigorar a chamada “vingança privada”. A lei de talião, que se deriva do latim talio, que significa retribuição, é interpretada pela fórmula de “olho por olho, dente por dente” e é atribuída, originalmente, ao código babilônico de Hamurabi (datado de 1770-1750 a.C.). Invariavelmente, a mudança representou um progresso no sistema deresponsabilidade civil, muito embora hoje seja vista como contendo preceitos chocantes e desproporcionais.

No período em que a lei de talião era aplicada, o Poder Público, em muitos casos, permanecia inerte, intervindo apenas em casos complexos para declarar se avítima realmente poderia exercer seu direito de retaliação. Prevalecia, neste período,a responsabilidade objetiva, fundada no princípio da equidade.

Seguidamente ao período acima, inicia-se o período da composição tarifada, onde o próprio Estado determinava a quantia indenizatória conforme o caso concreto.Surge, com o advento dessa dinâmica, o princípio segundo o qual o ofensor deve responder com suas dívidas com seu patrimônio e não mais com sua vida.

A evolução mais significativa do instituto ocorre com o advento da Lei deAquilia, também chamada de responsabilidade aquiliana, que deu origem adenominação da responsabilidade civil delitual ou extracontratual. Tal legislaçãotrouxe a substituição da multa fixa por uma pena mais proporcional ao dano causado. Após este período o Estado assume definitivamente o ius puniendi, sendo o responsável de punir os ofensores da ordem jurídica estabeleci-

da. Somente nos séculos que se sucederam à Idade Média é que houve a diferenciação entre responsabilidade civil e penal, sendo a primeira circunscrita à reparação de danos no âmbito privado e a segunda com a imposição de penas perante o Estado.

Feito este breve histórico sobre sua evolução, é salutar discutir a função da responsabilidade civil na sociedade. Evidencia-se que a responsabilidade civil tem, como função primária, a reparação dos prejuízos sofridos por alguém, porém, existemoutras funções, tais como a sancionatória e a preventiva.

A função compensatória surge da necessidade de recompor o status quo alterado pelo dano, reestabelecendo o equilíbrio jurídico violado. Já a função sancionatória visa a punição do ilícito com uma pena ao infrator, sempre de forma proporcional ao dano causado. Por sua vez, a função preventiva atua juntamente coma função punitiva, de forma a desmotivar condutas nocivas futuras, seja por aquele agente ou qualquer outro.

Portanto, claro está que a função principal da responsabilidade civil atualmente é o interesse de restabelecer o equilíbrio violado pelo dano e, por assim sendo, a indenização deve ser proporcional, não trazendo benefícios exagerados ao ofendido,mas, sim, a recomposição do equilíbrio violado.

Há quatro espécies de responsabilidade civil, sendo duas caracterizadas pela existência de culpa ou não e, as outras duas, que se referem a natureza da norma violada. Passa-se, pois, a apresentá-las:

De forma resumida e simplista, pode-se estabelecer que a responsabilidade civil objetiva independente de culpa do agente – casos específicos estabelecidos em Lei -, ao passo que a subjetiva está diretamente atrelada a culpa stricto sensu – caracteriza-se quando o agente praticou o ato ilícito por negligência ou imprudência –ou ao dolo, que é a vontade livre e consciente que visa

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produzir o resultado.

Em um primeiro momento, a responsabilidade civil subjetiva era suficiente para a solução dos casos, entretanto, com o passar do tempo, especialmente com a evolução da sociedade industrial, verificou-se que o modelo baseado apenas da culpaou dolo não era suficiente.

Assim, com a indigência de proteção à vítima, surge a figura da a culpa presumida, invertendo-se o ônus da prova afim de resolver a dificuldade de demonstração de culpa por quem sofreu um dano. Ato contínuo, foi desconsiderar a culpa como elemento indispensável da reparação em alguns casos previstos em Lei,surgindo então a responsabilidade objetiva.

Nessa espécie, prescinde-se a culpa, utilizando-se a teoria do risco, ao passo que todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado independente de ter agido ou não com culpa. No ordenamento pátrio, o código civil de 2002 ajustou-se a tal evolução, trazendo o seguinte texto em seu artigo 927: “Haverá obrigação de reparar o dano, independente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Portanto, para a caracterização da responsabilidade civil é imprescindível a prova da culpa (responsabilidade subjetiva), exceto quando houver disposição legal permitindo a responsabilização objetiva.

No âmbito do Código de Defesa do Consumidor, o sistema de responsabilização é a objetiva, sendo que ao fornecedor é imposta tal responsabilidade, a qual prescinde a culpa para sua verificação. Os artigos 12 e 14 do referido código deixam claro tal escolha:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa pela reparação dos

danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência da culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos

Nota-se que ambos os artigos trazem a expressão “independentemente da existência de culpa”, ou seja, há a responsabilização objetiva do fornecedor de serviços, bem como do fabricante, produtor, construtor, entre outros.

A responsabilização objetiva de tal cadeia não será aplicada apenas no caso de excludentes de responsabilidade, previstas nos incisos 2º, 3º e 4º do artigo 14 da lei:

§ 2º O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas;

§ 3º O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II – a culpa exclusiva doconsumidor ou de terceiro.

§ 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

Logo, conclui-se que a regra do código de defesa do consumidor, ao contráriodo estabelecido no código civil, é a responsabilização objetiva de quem gerou o dano.

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CONTEXTUALIZAÇÃO DA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS

Os avanços tecnológicos impactaram a forma da troca de informações e em diversos segmentos, principalmente aqueles relacionados à comunicação, tendo em vista a variedade de bens e serviços oferecidos na internet, com o qual os consumidores estão cada vez mais conectados.

Com isso as pessoas passaram a disponibilizar seus dados pessoais, tais comonome, número de documento de identificação, fotos, localização, preferências de informações, produtos e serviços com apenas um “click”.

De outro lado, as empresas coletam, armazenam, cruzam e compartilham por meio de inteligência artificial, as informações, o que afeta claramente a privacidade e a segurança dos dados da pessoa que forneceu.

E, a fim de proteger os direitos fundamentais de liberdade e privacidade, bem como os da personalidade da pessoa natural, sobreveio o advento da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

Muito embora no nosso ordenamento jurídico já exista diversas leis que tratavam a respeito da privacidade e da intimidade, além da Constituição Federal prever expressamente como direito em seu artigo 5º, inciso XII, o sigilo de dados e da correspondência, carecia de uma lei efetiva que disciplinasse sobre o tratamento de dados pessoais.

Nesse contexto, então, em 15 de agosto de 2018, foi publicada a Lei 13.709/2018, mas que teve somente a sua vigência iniciada em 18/09/2020, exceto no que se refere às sanções administrativas.

Referida lei traz ressalva que todo o tratamento de dados pessoais, exceto casos especiais dispostos na lei, serão objeto de suas disposições.

Isso porque, “os dados pessoais são constantemente compartilhados sem qualquer critério,

tampouco controle, constituindo fonte de lucro àqueles que os exploram violando a privacidade de seus titulares” (MAIMONE, Flávio HenriqueCaetano de Paula. Responsabilidade civil na LGPD: efetividade na proteção de dados pessoais. 1ª ed. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2022. p. 30).

Apesar de ser fruto de um movimento em razão do desenvolvimento tecnológico, a LGPD não está restrita ao ambiente virtual.

Assim, “com o advento da LGPD, o debate já estabelecido passa para uma nova fase em relação a preocupações, cuidados e responsabilidades acerca do tratamento dos dados pessoais” (MAIMONE, Flávio Henrique Caetano de Paula. ibidem. p. 29).

Embora as sanções administrativas previstas na referida lei estejam em períodode vacância, seus princípios e deveres já são adotados e podem ensejar responsabilidade civil em caso de descumprimento.

3. - A RESPONSABILIDADE CIVIL NA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS

Ainda que a Lei Geral de Proteção de dados tenha determinado um conjunto de princípios e regras que objetivam estabelecer um ambiente de responsabilidade de cunho preventivo, o risco de ocorrência de lesão na coleta e no tratamento de dados pessoais, especialmente ante os riscos inerentes à uma sociedade de classificação, urge por regras de responsabilidade civil com o intuito de propiciar a efetiva tutela da vítima e a reparação integral do dano.

Com o propósito de fornecer sustentação para estas situações de lesão, Lei Geral de Proteção de dados Pessoais regulamentou a responsabilidade civil nos artigos 42 a 45 da Lei nº 13.709/2018.

Tais disposições refletem a determinação do princípio consignado no inciso X, do art. 6º, da referida Lei, que dispõe sobre a responsabiliza-

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-

ção e prestação de contas, ou seja, a demonstração, pelo agente, da adoção de medidas eficazes e capazes de comprovar a observância e o cumprimento das normas de proteção de dados pessoais e, inclusive, da eficácia dessas medidas”.

É clara que a intenção do legislador não apenas aqui em não só estabelecer o ressarcimento de eventualmente danos causados pelo vazamento de dados, como também de prevenir e evitar a ocorrência deste dano.

As normais previstas na referida lei “não serão aplicáveis em todos os casos envolvendo responsabilidade civil, vez que, dependendo da relação jurídica envolvida, ela passa a ceder espaço para as normas específicas”, como, por exemplo, é o caso do Código de Defesa do Consumidor, que é ressaltado expressamente no artigo 45 da LGPD (CAPANEMA. Walter Aranha. A responsabilidade civil na Lei Geral de Proteção de Dados. Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 21, n° 53, p. 163-170, Janeiro-Março/2020. p. 164/165).

Claro está que a responsabilidade civil na LGPD surge do exercício de proteção de dados e que viola a legislação de proteção de dados. E aqui não se trata só da violação à LGPD, mas às todas normas que tratam de proteção de dados, sendo a LGPD apenas o eu alicerce.

Neste ponto cabe a interpretação do caput do artigo 42 em conjunto com o parágrafo único do artigo 44:

Art. 42. O controlador ou o operador que, em razão do exercício de atividade de tratamento de dados pessoais, causar a outrem dano patrimonial, moral, individual ou coletivo, em violação à legislação de proteção de dados pessoais, é obrigado a repará-lo.

Art. 44. O tratamento de dados pessoais será irregular quando deixar de observar a legislação ou quando não fornecer a segurança que o titular delepode esperar, consideradas as circunstâncias relevantes,

entre as quais:

Parágrafo único. Responde pelos danos decorrentes da violação da segurança dos dados o controlador ou o operador que, ao deixar de adotar as medidas de segurança previstas no art. 46 desta Lei, der causa ao dano.

O artigo 46, por outro lado, estabelece que os agentes de tratamento deverão adotar medidas de segurança, técnicas e administrativas visando a proteção de dados pessoais, sendo que as tais normas poderão ser editadas pela ANPD (Agência Nacional de Proteção de Dados):

Art. 46. Os agentes de tratamento devem adotar medidas de segurança, técnicas e administrativas aptas a proteger os dados pessoais de acessos não autorizados e de situações acidentais ou ilícitas de destruição, perda, alteração, comunicação ou qualquer forma de tratamento inadequado ou ilícito.

Segundo Walter Aranha Capanema, “em razão da complexidade da atividade de segurança de informação, devem ser consideras apenas aquelas medidas previstas em padrões devidamente reconhecidos, como as denominadas normas ISSO” (CAPANEMA. Walter Aranha. ibidem. p.165).

Portanto, percebe-se que a responsabilidade civil na LGPD somente ocorrerá em duas situações possíveis de violação: a primeira é a violação de normas jurídicas do microssistema de proteção de dados; e a segunda é a violação de normas técnicasdevidamente reconhecidas voltadas à segurança de proteção de dados pessoais, taiscomo as normas ISO ou aquelas editadas pela ANPD, cabendo, assim, a indenização por danos materiais ou moral ao titular que tiver ter tido seus dados pessoais violados.

O artigo 42 da referida lei restringe a responsabilidade civil somente aocontrolador ou ao operador.

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(...)

Contudo, se a relação jurídica do titular com controlador e o operador for consumerista, as normas aqui aplicadas serão aquelas que tratam da responsabilidade civil solidária prevista no Código de Defesa do Consumidor em seusartigos 12 e 18.

O § 1º do artigo 42 da LGPD traz exceção à regra de alternância prevista no caput, permitindo a solidariedade entre controlador e operador em dois casos específicos com o objetivo de “assegurar a efetiva indenização ao titular dos dados”.

No inciso I, há determinação de responsabilidade solidária do operador caso descumpra a legislação de proteção de dados ou se não seguir “as instruções lícitas do controlador, hipótese em que o operador se equipara ao controlador”.

No inciso II, a solidariedade entre os controladores ocorrerá quando estiverem diretamente envolvidos no tratamento, isto é, serão solidários os controladores que estabelecerem, em conjunto, decisões que violem o microssistema da proteção de dados ou às normas técnicas cabíveis.

Cabe ressaltar que essas hipóteses de solidariedade serão afastadas caso estejam presentes as hipóteses de exclusão de responsabilidade previstas no artigo 43 da Lei Geral de Proteção de Dados, quais sejam: (I); ausência de “violação à legislação de proteção de dados” (II) e; que o dano decorreu de “culpa exclusiva do titular dos dados ou de terceiro” (III).

Já o artigo 44 da referida lei define o conceito de “tratamento irregular”, ao dispor que assim o será sempre que “deixar de observar a legislação ou quando nãofornecer a segurança que o titular dele pode esperar”, bem como define circunstânciaspara auxiliar nessa avaliação, sendo elas: “o modo pelo qual é realizado” (I); “o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam” (II); “as técnicas de tratamento de dados pessoais disponíveis à época em que foi realizado” (III).

O § 2º, do artigo 42, da Lei Geral de Proteção de dados, possibilita a inversão do ônus da prova a favor do titular de dados, desde que verossímil a alegação, haja a hipossuficiência para a produção da prova ou quando esta for excessivamente onerosa a ele e que fique a critério do juiz.

Neste ponto, cabe ressaltar que de forma semelhante acontece tal inversão noCódigo de Defesa do Consumidor em seu artigo 6º, inciso VIII, claro que exigindo muito menos do quanto estipulado no dispositivo em comento da LGPD.

Cumpre salientar, ainda, que há amplo debate na doutrina a respeito da responsabilidade civil na Lei Geral de Proteção de dados com o enfoque no debate quanto ao fundamento para a imputação da obrigação de indenizar, se há culpa ou se há o risco, isto é, se a responsabilidade subjetiva ou objetiva.

4. – A RESPONSABILIDADE CIVIL NA LGPD É OBJETIVA OU SUBJETIVA?

A Lei Geral de Proteção de Dados não deixa expressamente a qual tipo de responsabilidade.

Diante disso, há doutrinadores que defendem que a responsabilidade civil na LGPD é subjetiva, ou seja, há que se analisar a conduta culposa dos agentes de tratamento em casos de danos aos titulares de dados pessoais.

Outros entendem que a Lei Geral de Proteção de Dados, em razão do risco proveito ou da atividade, indica para a responsabilidade objetiva.

O Dr. Fernando Antônio de Tasso, juiz de Direito no Estado de São Paulo, destaca que o legislador sempre excepciona a regra da responsabilidade subjetiva nodireito privando, fazendo-o de modo expresso, como é o caso quando há o uso do emprego da expressão “independentemente da existência de culpa” nos artigos 12 e14 do Código de Defesa do Consumidor, assim como àquele dado ao artigo 927, parágrafo único do Código

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Civil, quando se refere à obrigação de reparar o dano “independentemente de culpa”. (TASSO, Fernando Antônio. A responsabilidade civil na Lei Geral de Proteção de Dados e sua interface com o Código Civil e o Código do Consumidor. Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 21, n° 53, p. 97-115, Janeiro- Março/2020. p. 107).

Todavia, há que se observar, do ponto de vista da interpretação literal, que a Lei Geral de Proteção de Dados em nenhum momento se vale do uso de tais expressões.

Em continuidade, há doutrinadores que militam que a responsabilidade que trata a referida lei é subjetiva pelo simples fato dela indicar um rol de deveres de açãoe de abstenção aos agentes de tratamento, devendo aqui ser feito uma análise sistêmica dos dispositivos.

Nesse argumento, Gisela Sampaio da Cruz Guedes e Rose Melo Venceslau Meireles foram as primeiras a defender, argumentando que “o que se pretende é responsabilizar os agentes, independentemente de culpa de fato, não fazendo sentidocriar deveres a serem seguidos, tampouco responsabilizá-los quando tiverem cumprido perfeitamente todos esses deveres” (GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz; MEIRELES, Rose Melo Venceslau. Término do Tratamento de Dados. In: FRAZÃO, Ana; TEPEDINO, Gustavo; OLIVA, Milena Donato. Lei Geral de Proteção de Dados

Pessoais e suas repercussões no Direito Brasileiro. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 219-241. ISBN 978-85-5321-663-5. pp. 231).

Destacam que, embora se analise todas os dispositivos legais em conjunto, a LGPD estabeleceu um “verdadeiro standard de conduta”, trazendo uma noção de “culpa normativa”, isto é, não se analisa o comportamento do agente a partir da violação à ordem jurídica, mas a sua adequação, ou não, ao padrão de comportamento esperado naquelas circunstâncias concretas estabelecidas pela lei.

Isto é para que haja o tratamento regular dos dados deve ser observado todos os deveres impostos pela lei, vez que não se tratam de recomendações, mas regras,e o agente que as descumprir responderá de forma subjetiva, exceto se provar que cumpriu com os deveres impostos pela lei ou recair em alguma causa excludente de responsabilidade prevista no inciso II, do artigo 43.

Tasso ainda afirma que a única possibilidade de aplicabilidade da responsabilidade civil na modalidade objetiva, para além das hipóteses de relação de consumo, é aquela no caso em que o tratamento de dados é feito por ente público, aplicando aqui a regra prevista no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.

Há um outro argumento que os defensores da responsabilidade subjetiva utilizam é que no decorrer do processo legislativo da referida lei houve a supressão do termo “objetivamente” que constava no artigo 35 do Projeto de Lei nº 5276/2016, que assim indicava: “o cedente e o cessionário respondem solidária e objetivamente pelo tratamento de dados, independentemente do local onde estes se localizem, em qualquer hipótese”.

Diferentemente é o entendimento daqueles que se pautam pela responsabilidade objetiva. Para estes, “o tratamento de dados apresenta risco intrínseco aos seus titulares”, eis que há toda uma construção normativa da lei em buscar restringir todas as situações em que o tratamento de dados é permitido pelo ordenamento jurídico. (MENDES, Laura Schertel; DONEDA, Danilo. Reflexões iniciais sobre a nova Lei Geral de Proteção de Dados. Revista de Direito do Consumidor. vol.120. ano 27. p. 469-483. São Paulo: Ed. RT, nov.-dez. 2018).

A título de exemplo, o artigo 7º traz uma limitação exaustiva das hipóteses emque o tratamento de dados pessoais poderá ser utilizado; o artigo 16 determina acercada necessidade de eliminação dos dados quando seu tratamento esteja encerrado.

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Caitlin Mulholland argumenta, ainda, que os fatores que amparam a responsabilidade ser objetiva são, primeiro, por estar diante de “danos a um direito fundamental” e, segundo; que “tais danos se caracterizam por serem quantitativamente elevados e qualitativamente graves, ao atingirem direitos difusos, o que por si só, já justificaria a adoção da responsabilidade civil objetiva” (MULHOLLAND, Caitlin. A LGPD e o fundamento da responsabilidade civil dosagentes de tratamento de dados pessoais: culpa ou risco? Disponível em: [https://www.migalhas. com.br/coluna/migalhas-de responsabilidade-civil/329909/a- lgpd-e-o-fundamento-da-responsabilidade-civil-dos-agentes-de-tratamento-de dados-pessoais--culpa-ou-risco]. Acesso em 27/04/2022)

Muito embora haja tanta divergência e ainda não haja jurisprudência sedimentada, a forte tendência doutrinária tem se respaldado em adotar a responsabilidade subjetiva, com culpa presumida e, por consequência, afasta a responsabilidade objetiva ante a aplicabilidade do artigo 42 e incisos II e III do artigo 43 da referida lei, que expressamente isenta a responsabilidade daquele não violou alei, exceto quanto às relações de consumo, pois excluídas pelo seu artigo 45.

Contudo, filio-me ao posicionamento de ser objetiva, vez que quando se pensaem responsabilidade civil, o preceito nuclear que vem à mente é o artigo 186 do ou oartigo 187, ambos do Código Civil.

E como ressaltado, no início deste capítulo, o artigo 186 quando trata de responsabilidade subjetiva ele é expresso ao mencionar a ação, omissão voluntária por negligência ou imprudência, que são modalidades culposas. E o artigo 187 que trata do abuso de direito, que é objetivo, já não trata das figuras culposas.

Ou seja, quando o legislador tem a intenção de que a responsabilidade seja subjetiva ele deixa em evidência, o que já não o faz na Lei Geral de Proteção de Dados.

CONCLUSÃO

A Lei Geral da Proteção de dados surgiu como uma resposta ao tratamento de dados pessoais que tem sido adotado na sociedade contemporânea ante os avanços tecnológicos, principalmente aqueles ligados à comunicação.

Diante disso, muito embora o nosso ordenamento jurídico já trouxesse algumasleis a respeito da proteção do titular dos dados, principalmente a nossa Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso XII, carecia efetivamente de uma lei que tratasse

somente sobre o tratamento de dados, visto que outros países, como a UniãoEuropeia já vinham fazendo.

Entrada em vigor a Lei nº 13.709/2018 discussões giraram, e ainda continuamem debate, a respeito da responsabilidade civil na referida lei, uma vez que não deixouclara a respeito da sua modalidade, se subjetiva ou objetiva.

Foi possível verificar que há grande divergência de posicionamento neste aspecto, tendo aqueles que acreditam que deve ser analisada a conduta culposa dosagentes de tratamento em casos de danos aos titulares de dados pessoais, enquanto outros já se posicionam pelo risco da atividade.

Como já ressaltado, filio-me ao posicionamento de ser responsabilidade objetiva, vez que a Lei Geral de Proteção de Dados não trouxe a culpa como elemento necessário para a configuração de responsabilidade, pelo contrário o artigo 44 deixa certo que há um dever de segurança que o agente de tratamento tem que observar, cuja violação ocasionará em sua responsabilização civil.

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CAPANEMA. Walter Aranha. A responsabilidade civil na Lei Geral de Proteção de Dados. Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 21, n° 53, p. 163-170, JaneiroMarço/2020.

GUEDES, Gisela Sampaio da Cruz; MEIRELES, Rose Melo Venceslau. Término do Tratamento de Dados. In: FRAZÃO, Ana; TEPEDINO, Gustavo; OLIVA, Milena

Donato. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e suas repercussões no Direito Brasileiro. 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2019. p. 219-241. ISBN 978-85-5321-663-5. pp. 231

MAIMONE, Flávio Henrique Caetano de Paula. Responsabilidade civil na LGPD: efetividade na proteção de dados pessoais. 1ª ed. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2022.

MENDES, Laura Schertel; DONEDA, Danilo. Reflexões iniciais sobre a nova Lei Geral de Proteção de Dados. Revista de Direito do Consumidor. vol. 120. ano 27. p. 469-483. São Paulo: Ed. RT, nov.-dez. 2018

MULHOLLAND, Caitlin. A LGPD e o fundamento da responsabilidade civil dos agentes de tratamento de dados pessoais: culpa ou risco? Disponível em: https://www.migalhas.com.br/coluna/ migalhas-de responsabilidade-civil/329909/algpd-e-o-fundamento-da-responsabilidade-civil-dos-agentes-de-tratamento-de dadospessoais--culpa-ou-risco]. Acesso em 27/04/2022

RODRIGUES, Silvio. Direito civil: responsabilidade civil. 19ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil: Doutrina e Jurisprudência. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007

TASSO, Fernando Antonio. A responsabilidade civil na Lei Geral de Proteção de Dados e sua interface com o Código Civil e o Código do Consumidor. Cadernos Jurídicos, São Paulo, ano 21, n° 53, p. 97-115, Janeiro-Março/2020.

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A UTILIZAÇÃO DOS SMARTS CONTRACTS NOS CONTRATOS DE INVESTIMENTOS EM STARTUPS

A revolução digital iniciada ao final do século passado trouxe uma nova forma de fazer negócios no mundo moderno. O velho modelo industrial sucumbiu aos computadores e novos modelos empresariais surgem para se adequar ao boom da internet. Esse mercado criou um conceito econômico de empresa. A criação de tecnologias deu margem à multiplicação dos fluxos de capital e à criação de produtos financeiros que não existiam. É deste contexto que surgem empresas, dinâmicas, flexíveis e disruptivas que transformam a cada dia o mundo em que vivemos. Conhecidas como startups, por se iniciarem como um grande controle de custos e poucas receitas, essas empresas trouxeram grandes impactos no mundo jurídico. As relações de trabalho, de empreendimento e, sobretudo, de investimentos, ganharam novos aspectos. Nesse sentido, a presente dissertação pretende analisar o conceito, a natureza jurídica, as estruturas societárias das startups e os impactos que estas trazem nos contratos de investimento que são gerados entre os empreendedores e os investidores.

Palavras-chave

Startup - Empreendedorismo - Direito Contratual

Hillary Mendes

Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Contratual, Execução Contratual e Responsabilidade Civil na Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo

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Para a realização do presente trabalho, foram elencadas temáticas para cada qual se buscará um objetivo para, assim, obter um norte durante a pesquisa. São elas: Direito e inovação; Direito e empreendedorismo; as Startups; A estrutura jurídica das Startups: ocontrato inicial; e, por fim, os contratos de investimento: a relação entre Startups e seus investidores.

No campo do direito e da inovação este trabalho irá buscar de forma concisa e clara as questões de direito que envolvem as Startups. No campo de direito e empreendedorismo, buscará identificar os problemas de direito nas questões práticas que envolvem a constituição e o desenvolvimento das startups. Como surgiram, como são constituídas, a relação do direito negocial com a norma jurídica e os elementos que se interagem entre o direito americano (berçodestas relações) e o direito português.

Sobre as Startups em si o foco será em analisar e desenvolver o conceito de Startup, buscando definir um conceito dentro da perspectiva jurídica do Direito das empresas em Portugal. Quanto à estrutura jurídica destas empresas, o trabalho pretende analisar e discutir os melhores caminhos para a estruturação das startups, partindo do seu contrato inicial oumemorando de entendimentos. Será mesmo ele essencial?

Por fim, o trabalho irá propor uma discussão mais profunda sobre os contratos de investimento buscando analisar e discutir os aspectos relativos às startups, de acordo com a forma que foram constituídas, e os seus impactos no âmbito dos contratos por ela desenvolvidosjunto aos investidores.

A metodologia que será adotada neste trabalho é o método dialético, por meio do qual se buscará no conceito e na prática os elementos das Startups para discutir os problemas gerados no âmbito dos contratos relacionados com a área de tecnologia e inovação.

A tese proposta neste sentido é: as startups como um novo modelo de negócios que gera impactos e novas relações negociais. O fato gerador do problema desta pesquisa é o confronto dessa hipótese com a antítese de que um novo modelo negocial gerará diferentes impactos e problemas de responsabilidade e direitos gerados pelas novas ferramentas e os contratos estabelecidos no âmbito de uma Startup.

O que se espera no confronto destas hipóteses é chegar em uma compreensão mais adequada no que tange aos efeitos destas novas relações no Direito português. Para tanto, o presente trabalho deve utilizar a pesquisa de normas, modelos de negócios, doutrinas e o direitocomparado.

2. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

2.1. Conceito De Empresa

Para Asquini (1996) o conceito de empresa não é único, é necessário pensar no perfil econômico que está em discussão, por isso definir empresa pode não ser tão simples assim já que o fenômeno econômico pode ser encarado de diversos pontos de vista. Do ponto de vistalegislativo, cada atividade econômica da empresa pode voltar-se para uma área do direito, por exemplo, quando falamos de uma empresa agrícola, preocupa-se em entender de direito agrário. Do ponto da disciplina jurídica, tem que entender de diversas noções jurídicas.

Buscando entender o conceito de empresa através do perfil econômico, encontra-se no artigo 966 do Código Civil a definição de que empresa é sinônimo de atividade econômica organizada e somando-se ao conceito encontrado no artigo 170 Constituição Federal que fala expressamente da atividade econômica, pode-se extrair três elementos fundamentais para caracterizar uma empresa: a atividade econômica, a atividade organizada e a atividade profissional.

98 1. INTRODUÇÃO

2.2. Definição De Startup

Apesar das startups já serem populares nos Estados Unidos, no Brasil era um termo que ninguém conhecia até 1996 que é quando o termo chega no Brasil através da bolha da internet,e se populariza. A tradução literal do termo é empresa emergente, mas é um termo intraduzível que significa empresa na fase inicial sendo colocada em funcionamento, porém nem toda empresa em período inicial é uma startup. Existem requisitos estabelecidos, como ser um

negócio inovador, repetível, escalável, em um cenário de extrema incerteza e com soluções a serem desenvolvidas. (RIES, 2012)

As startups não são uma versão menor de uma grande companhia e muito menos uma empresa de pequeno porte, no entanto é muito comum ver essa relação, mas é necessário entender que o processo de formação de uma startup é muito diferente, pois tem seu próprio modelo de negócio, contexto e execução diferente empresas tradicionais. Tem-se esforçado para encontrar uma maneira de criar e conduzir uma startup, no entanto tentar fazer adaptaçõesde empresas já consolidadas no mercado com empresas que estão nascendo pode ser um grandeerro. As startups, por exemplo, não conhecem seus clientes com antecedência e precisam buscar um modelo de negócio que seja lucrativo e recorrente.

O ponto que trata do cenário de incertezas ocorre pois não tem como se afirmar que aideia que está sendo produzida e o projeto de empresa realmente darão certo, não existem provas concretas acerca da funcionalidade daquele modelo de negócio. Partindo para o pressuposto de ser algo repetível, aborda-se algo que tenha a capacidade de entregar o mesmoproduto ou serviço em uma escala bem maior e até mesmo, ilimitada sem ter que se fazer diversas adaptações para cada tipo de futuro cliente, seja em relação a venda ou ao serviço que está sendo prestado, assim também, deve ser um negócio escalável,

que pode crescer em maiores proporções sem que tenha influência direta no modelo de negócio proposto, a fim de acumular lucros e gerar riquezas. Importante pontuar que, startups, ao contrário, do que muitos pensam não precisa ser necessariamente uma empresa vinculada à internet, poderá ocorrer através de diversos meios, e a crença da vinculação com a internet se dá pelo fato das maioresstartups estarem vinculadas a ela e fornecerem seus produtos e serviços através dela. (SUTTON, 2000)

Uma pequena startup fundada por dois ou três empreendedores com alguns funcionários pode produzir e testar a viabilidade de dezenas de possibilidades para uma ideia de negócio, produzindo um negócio viável em questão de poucos meses. Essa agilidade estimula a criação de uma diversidade de startups de software ao redor do mundo anualmente. Segundo a maior base de dados de startups atual (CRUNCHBASE, 2014), há a existência de mais de 200 mil startups fundadas nos últimosdez anos. (KON, et al., 2014, p.2)

Em face do exposto, as startups são consideradas uma modalidade empresarial com o intuito de promover a inovação ainda que, se perfaçam através de um cenário de alto risco e extrema incerteza, de tal modo, as possibilidades de crescimento são inúmeras. Contudo, existem algumas distinções das modalidades empresariais mais comuns no Brasil, sendo elas, a possibilidade de projeção de crescimento em um curto período, o financiamento que necessitam do capital de investidores anjo e companhias regulares de empréstimos e doações e, como última diferença, para as startups conseguirem um financiamento, precisam terplanejado como recompensar os investidores durante o tempo de investimento, também conhecida como estratégia de negócio fim.

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2.3. As Estruturas de Investimento Em Startups

Para entender juridicamente como se delineiam os contratos em startups, buscar-se-á abordar os principais tipos de contratos, apontando a sua utilização, onde se deve ter uma maioratenção e as fases das startups em que eles melhor se encaixam.

Será analisada a aquisição de participação societária; o contrato mútuo conversível em participação societária e opções de compra de participação societária.

2.3.1. Aquisição de participação societária

Neste modelo é importante observar que existem duas formas de atuação, uma como sócio, formando uma sociedade ilimitada e sociedade anônima e a outra como investidor, formando uma sociedade em conta de participação (REIS, 2018).

A primeira é a forma mais utilizada em uma startup, onde aplica-se novas quotas de ações, e para proteger o idealizador cria-se um acordo de acionista/quotista.

Em referido acordo, deverão ser tratadas questões que regulem a ingerência dos sócios nos negócios, a destinação dos lucros, a disposição patrimonial da participação societária que possuem, entre outros. Disciplinar, em um acordo de sócios, pontos como os acima mencionados, é a forma mais eficiente para tentar antecipar e minimizar futuros impasses. Antes, porém, de optar por receber/realizar o investimento por meio da aquisição de participação societária, é importante atentar para os riscos e limitações que essa escolha implicará. Inicialmente, é preciso avaliar se essa é uma possibilidade para o caso específico. Caso a startup esteja estruturada na forma de uma sociedadelimitada empresária (o que ocorre na grande maioria dos casos em que

a startup ainda está em estágio inicial, haja vista ser uma espécie societária menos burocracia e menos custosa do que uma sociedade anônima , além de em muitos casos poder obter certas vantagens tributárias), provavelmente o investimento direto do capital representará a aquisição de uma porcentagem expressivamente maior do que fundador e investidor desejam estabelecer em um primeiro momento. Isso ocorre porque, ao contrário das sociedades anônimas, em que há previsão expressa em lei em que autoriza a emissão de ações preferenciais (as quais, via de regra, não possuem direito a votos, em troca de certas vantagens), além da possibilidade de estabelecer preços distintos para as ações em cada emissão, nas sociedades limitadas não algo similar. Desta maneira, não existindo segurança jurídica na criação de quotas preferenciais sem direito de voto, há um grande risco de o investidor acabar se tornando sócio majoritário. Isso porque, o capital investido geralmente é muito superior ao capital social startup antes dofinanciamento e os sócios fundadores não têm condições de aportar valor suficiente para manter a sua porcentagem quando do aumento do capital social. Como consequência, o investidor acaba tornando-se o sócio majoritário e tendo uma ingerência muito grande na sociedade, assumindo também grande responsabilidade, algo que nem ele nem os sócios fundadores desejam. (REIS, 2018, p. 86-87)

Outro ponto de atenção é a avaliação do quantum permitido de participação que o empreendedor da Startup colocará à disposição de terceiros, dado que nesta esfera o controle da empresa está em jogo. É necessário tomar o cuidado necessário, a partir do tipo societário escolhido (por exemplo, nas limitadas, por serem espécie menos burocráticas se comparadas com as sociedades anónimas, possivelmente um investimento direto no capital social da empresa poderá representar uma porcentagem expressiva do capital social, ás vezes maior que

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a do sócio fundador/empreendedor. A título de comparação, por lei, às sociedades anônimas tem a opção de emitir ações preferenciais ou não, o que pode garantir maior controle da sociedade), (MARINHO, 2019).

A segunda é quando o investidor não tem interesse em se tornar sócio efetivo, ou seja, ele não passa a fazer parte do quadro societário, mas na sociedade extensiva e o investidor é um participante, realizando apenas a entrada do capital.

Quando da constituição da sociedade em conta de participação, é altamente recomendado a elaboração de seu contrato social, para estabelecer os parâmetros que regularão a relação entre startup e investidor e, ainda, como prova de existência da sociedade em conta de participação, ajudando a prevenir eventualmente caracterização de existência de sociedade em comum. De igual maneira, a existência dos

livros comerciais da sociedade em conta de participação servirá como prova da existência da sociedade, razão pela qual é extremamente relevante que a startup, enquanto sócia ostensiva realize a devida estruturação. (REIS, 2018, p. 91)

Uma vantagem para o empreendedor nessa modalidade de investimento é que além da forma de capitalização da empresa, há também uma contrapartida quanto a divisão dos riscos do negócio. Uma vez sócio, o investidor passará a arcar com os prejuízos e deslindes da Startup.

O investimento por meio de aquisição de participação societária em uma Startup podeser utilizado em qualquer uma de suas fases – seja a inicial ou de maturação. Entretanto, o uso mais comum é no início quando a captação de recursos está nas fases iniciais com FFF´s (amigos, familiares e entusiastas) e investidores anjos.

Portanto, para o empreendedor o recebimento de um investimento por participação no capital social de sua Startup pode ser interessante,

dado que existe divisão dos riscos, contudomerece ser bem avaliado para que o controle da empresa não seja retirado das mãos do seu criador. Por outro lado, para o investidor, talvez não seja a melhor forma, dado que o risco é muito alto e há outras formas para a mitigação deles.

2.3.2. Contrato mútuo conversível em participação societária

É uma espécie de investimento realizado por investidores anjos que ocorre na fase inicial de uma startup e não necessariamente precisa se converter em uma sociedade. “Este tipo de contrato é visto como um contrato de empréstimo de bem fungível e consumível, e justamente por esse motivo, ser devolvida à mutuante coisa de mesma espécie, qualidade e quantidade” (Tartuce, 2015). Pela legislação brasileira, regulada no artigo 586 do Código Civil é um contrato unilateral, onde apenas uma das partes se obriga. Tratando-se de mútuo oneroso,exceção prevista no artigo 591 do mesmo diploma legal, comum no empréstimo de dinheiro, édevida a cobrança dos juros incidentes sobre o valor concedido.

A Lei Complementar 155/2016 impõe limites formais para a formalização do investimento, e não veda instrumentos que possam viabilizar a relação, podendo o mútuo conversível ser celebrado entre as partes. A Lei Complementar 182/2021 além de diversas

inovações prevê a possibilidade do mútuo conversível em participação societária entre o investidor e a empresa.

O contrato de mútuo conversível em participação societária deve ser celebrado entre a startup e o investidor, e conter a assinatura dos sócios-fundadores como anuentes. Quando nahipótese de não haver sociedade constituída, como é o caso das startups que se iniciam com memorandos, eles devem ser celebrados diretamente com os empreendedores, devendo constar a obrigação de fazer a constituição em sociedade. No contrato deverá estar previsto o valor doempréstimo, os juros e correções monetárias devi-

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das e a previsão da conversão em participação societária. A referida conversão é realizada pela emissão de novas quotas ou ações e deverão ser subscritas e integralizadas pelo investidor, seguindo o que for convencionado em contrato. Para a assunção da obrigação de converter o mútuo em participação societária pode ser convencionado os seguintes momentos: a data de vencimento do contrato; em caso de alteração do controle societário da startup; a transformação do tipo societário da startup; uma eventual OPA (oferta pública de participação); e em caso de novo round de investimento.

O mútuo conversível em participação societária é celebrado entre a startup e o investidor, com a assinatura dos sócios-fundadores como anuentes. Nele, o investidor empresta certa quantia para a sociedade, estabelecendo os juros e correção monetária devidos, e prevendo as hipóteses em que o investidor poderá optar por substituir a obrigação da sociedade em quitar o mútuo com dinheiro pela conversão do seu crédito em uma fatia de participação societária na startup. Referida conversão é realizada por meio de emissão de novas quotas ou ações (dependendo do tipo societário) da startup, a serem subscritas e integralizadas pelo investidor, seguindo critérios pré determinados quando da celebração docontrato mútuo. (REIS, 2018, p. 94)

No contrato já tem que estar estabelecido o valor em porcentagens estabelecendo o valuation (valor da empresa), pois a vantagem deste contrato é que o investidor venha a aumentar suas responsabilidades e tornar-se um sócio, mas para isso tem que existir um investimento (PEIXOTO, 2021).

Entre os pontos de atenção deste tipo de operação podemos destacar que em regra, este tipo de investimento traz mais segurança ao investidor do que uma participação direta na startup. É possível prever, por exemplo, os tri-

lhos que a startup está seguindo antes de tomar um risco maior junto ao empreendedor.

2.3.3. Opções de compra de participação societária

É um instrumento contratual na qual o investidor adquire o direito de comprar participações societárias de uma sociedade, pode acontecer no âmbito físico ou jurídico. Existemenção da existência desse tipo de contrato no artigo 168, parágrafo 3º da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404/76) e são aplicáveis às sociedades por ações de capital aberto, portanto é um contrato nominado.

Recentemente, o contrato de opção, já amplamente utilizado para diversas finalidades, passou a ser enxergado também como uma alternativa para a formalização de investimentos em startups. No caso da startups, o investidor aporta determinada quantia na sociedade investida e recebe em troca o direito de exercer uma opção de compra de certa participação societária. (REIS, 2018, p. 105)

Quem opta por esse tipo de investimento deve pagar para ter o direito de compra e também posteriormente caso opte pela compra deve fazer o pagamento do valor efetivo da participação societária.

É um contrato amplamente utilizado nas sociedades anônimas e serve também para atrair talentos para as startups.

Este tipo de contrato pode também estar relacionado com o vesting, que é:

O vesting pode ser definido como um negócio jurídico por meiodo qual é oferecido a alguém o direito de adquirir, de forma progressiva e mediante o comprimento de certas métricas pré- estabelecidas, uma determinada participação societária de uma empresa. Trata-se de um instituto muito utilizado pelas startups com o objetivo de tentar preservar no negócio os seus

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colaboradores mais importantes, visto que dificilmente ela têm condições financeiras de oferecer remuneração competitiva. Porcolaboradores, pode-se entender tanto funcionários, quanto prestadores de serviços e até mesmo sócios. (REIS, 2018, p. 109-110)

O contrato como forma de investimentos em startup merece atenção, pois é diferente do investimento tradicional, no caso das startups o investimento para obter a sociedade é alto,

já que se necessita desse valor para que possa se desenvolver, logo o valor para se tornar sócio depois torna-se praticamente simbólico.

Neste tipo de contrato existem vantagens e desvantagens para o fundador e para o investidor, uma das maiores vantagens é que é de fácil implementação e gerenciamento. É vantajoso para o investidor, uma vez que ele não tem obrigação de comprar a quotas societárias,porém se comprar o fundador é diluído na empresa. É um contrato normalmente utilizado na fase de implantação, mas nada impede que seja estabelecido em outros momentos.

3. CLÁUSULAS USUAIS DOS CONTRATOS DE INVESTIMENTO EM STARTUPS

Como o universo das startups tem suas particularidades é importante que o contrato contenha cláusulas que estabeleçam proteção de negócios tanto para o investidor quanto para o empreendedor.

É importante salientar que todo contrato de investimento é um documento de direito privado, sendo assim se no contrato não tiver algo ilegal será permitido para que as partes o celebre, por isso é muito importante ficar atento as cláusulas estabelecidas. Sempre tem muito o que se falar nas condições precedentes, cláusulas de limitação da indenização, cláusulas comobrigações de determinadas naturezas de ação (convenant)

que obrigam os empreendedores a agirem conforme um estatuto especial entre outros códigos de conduta (soft law) e, por fim é muito importante, o acordo parassocial, que em si é um verdadeiro contrato entre sócios com diversos detalhes sobre a condução empresarial (MANTELLI, 2019).

O intuito desta última parte do trabalho é demonstrar como a relação empreendedor – startup – investidor pode ser instrumentalizada com o intuito de mitigar riscos e, ao mesmo tempo, permitir a evolução do negócio.

Nesta parte serão abordadas cláusulas específicas, essenciais que podem ser utilizadas nos contratos. Não menos importante e válido de se lembrar, não serão tratadas cláusulas gerais, tipicamente clássicas do direito contratual, tais como indenização, rescisão, eleição de foro, entre outras, que pela natureza em si já fazem parte do escopo contratual das partes que se relacionam.

3.1. Cláusulas de Não Competição E Confidencialidade

As cláusulas de não competição e confidencialidade por suas características, em si podem até já ser consideradas cláusulas básicas de qualquer contrato de prestação de serviços,a depender do ramo.

A cláusula de não competição é muito utilizada para aqueles colaboradores/investidores (principalmente para os sócios de indústria) que são estratégicos para o empreendimento startup. Muitas vezes, são pessoas que possuem conhecimento e know-how específicos sobre determinada matéria e tem uma participação estratégica. Essa cláusula tem como escopo evitar que este tipo de investidor saia da sociedade e venha a empreender em negócio próprio ou de terceiros causando concorrência para com o projeto startup e seu empreendedor. (MARINHO. 2019)

Para a utilização destas cláusulas é fundamental definir claramente as atividades que são veda-

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das e os ramos de negócio, o período da limitação e a restrição geográfica. Importante ressaltar que a falta destas previsões, bem como o seu alcance muito amplo e genérico podeminvalidar este tipo de cláusula, posto que pode ser considerado abusivo (LEOCÁDIO, 2017)

Em muitos casos, é recomendado uma remuneração para o caso de não competição (non compete fee), posto que tal procedimento diminui os riscos de uma interpretação abusivada cláusula. Uma penalidade financeira em caso de descumprimento de tais cláusulas, em favor da startup também se torna necessária para assim proteger o bem intelectual (MARINHO, 2019).

Em conjunto com tais cláusulas usualmente se faz um termo de confidencialidade e sigilo. Considerando que o setor de tecnologia, por sua característica disruptiva, muda com grande constância e tecnologias ao longo do tempo e se tornam obsoletas em detrimento das novas maneiras de se atuar nesse mercado e seus novos produtos, o segredo industrial é um elemento estratégico para as empresas do setor (KLEINERT 2019).

Penalidades pesadas podem ser aplicadas no caso de vazamento de informações, posto que elas podem simplesmente acabar com um negócio dado a esta característica disruptiva do mercado. É importante salientar aqui o dever de lealdade que muitos sócios devem para com a sua sociedade, nos termos da lei das sociedades, deve-se evitar os atos contrários ao objeto social da sociedade (MARINHO, 2019).

A recomendação nesses casos é a elaboração de um Acordo de Confidencialidade, completo e com todos os aspectos da sociedade e produto em questão.

3.2. Cláusulas de Drag Along e Tag Along

O Tag Along é uma forma de proteger o sócio minoritário em caso de venda do controle da sociedade, permitindo, portanto, que os sócios mi-

noritários saiam da sociedade caso ocorra troca de investidor, ou seja, na maioria dos casos das startups, os investidores, de uma possível alienação de participação societária pelo controlador, no caso o empreendedor. O Tag Along, garante ao sócio minoritário o direito de alienar as suas quotas para o mesmo comprador da participação majoritária e com as mesmas garantias e condições do negócio. Assim, resta garantido ao investidor que não quiser continuar com o investimento em caso de modificação do controle societário (ADAMEK, 2011).

A alienação, direta ou indireta, do controle de companhia aberta somente poderá ser contratada sob a condição, suspensiva ou resolutiva, de que o adquirente se obrigue a fazer oferta públicade aquisição das ações com direito a voto de propriedade dos demais acionistas da companhia, de modo a lhes assegurar o preço no mínimo igual a 80% (oitenta por cento) do valor pago por ação com direito a voto, integrante do bloco de controle. (Leidas sociedades anônimas - artigo 254 A).

É importante lembrar que os sócios preferenciais não têm esse tipo de proteção.

Para a proteção do sócio majoritário existe a cláusula Drag Along que obriga os demais acionistas a venderem a empresa em caso de uma oferta de terceiros para a compra de toda a empresa, sem que com isso precise do consentimento dos acionistas minoritários. Em alguns casos, para que a venda seja efetivada os acionistas majoritários têm regras a cumprir, como oferecer o mesmo valor que irá receber das suas ações para os acionistas minoritários (FREITAS, 2019).

O Tag Along e o Drag Along cláusulas muito utilizadas nos acordos parassociais, também previstas nos contratos de investimentos, de maneira a assegurar aos investidores e aos empreendedores os direitos delas advindos.

Para Freitas (2019), o Drag Along é historicamen-

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te um direito dos sócios majoritários, é comum fundos de investimentos, enquanto sócios minoritários, solicitarem essa cláusula à seu favor, conhecido como “Drag Along inverso”, buscando aumentar as possibilidades de alienar a participação societária que possuem na Startup, já que poderão encontrar compradores que desejam adquirir o negócio em sua totalidade.

Por fim, considerando que o Drag Along é uma obrigação de venda conjunta e o Tag Along, por sua vez, é um direito de venda conjunta, sempre é importante nestas cláusulas observar questões como preço mínimo, ou a sua forma de cálculo, para o exercício de direito por elas concedido. Para evitar vendas exigíveis por valores abaixo do mercado e o prejuízo dos demais sócios que estão no negócio.

3.3. Cláusulas de Lock-Up Period e Standstill Period

Estas cláusulas são utilizadas para limitar a compra e venda de ações ou a participação de novos sócios em uma empresa, são conhecidas também como cláusulas de bloqueio ou de vedação a negociação (muito comum em acordos parassociais), visam dar garantias ao investidor de que os empreendedores do negócio vão se manter à frente do mesmo para que se obtenha o desenvolvimento esperado (AZEREDO, 2020).

Muitos investidores entram em um negócio por conhecer a capacidade técnica do empreendedor ou de algum colaborador muito estratégico. Ao aportar o seu capital, ele precisa assegurar que o seu investimento estará nas mãos de quem confiou no momento que o aporte se realizou.

É nesse contexto que são inseridas as cláusulas de lock-up period e standstill period. A primeira é utilizada para impedir os fundadores de alternarem as participações societárias que possuem na sociedade por determinado prazo ou até que certa métrica seja atingida. Já a segunda, por sua vez, veda que os fundadores possam reduzir a sua participação societária até um limite, evitando assim, a troca de controle da sociedade, o

que poderia acarretar mudançasna estrutura da empresa (AZEREDO, 2020).

4. USO DO SMART CONTRACT COM TECNOLOGIA BLOCKCHAIN NOS CONTRATOS DE INVESTIMENTOS EM STARTUPS.

Será discutido nessa seção os conceitos de smart contract (contrato inteligente), o uso da tecnologia blockchain (garante a segurança das transações com criptoativos) e como essas tecnologias se relacionam com os contratos de investimento em startups.

4.1 Conceito e Aplicabilidade do Smart Contract

Os Contratos Inteligentes (Smart Contracts) são contratos digitais autoexecutáveis que usam a tecnologia para garantir que os acordos serão firmados, ou seja, os termos encontram- se armazenados em uma linguagem de computador ao invés de uma linguagem formal. Smart contracts podem ser executados automaticamente em um sistema de computação, como um produto distribuído em uma rede de computadores. Os potenciais benefícios envolvidos surgem com a redução dos esforços em sua elaboração, realização formalizada e automática entre as partes e grande transparência. Por conseguinte, permite um baixo custo de formalização e execução das transações envolvidas. Os potenciais riscos encontram-se associados, ainda, à estrutura tecnológica envolvida e a utilização em larga escala (FERRAZ, 2019).

O termo smart contract se deve ao jurista e programador norte-americano Nick Szabo (1999):

Computadores tornam possível a criação de algoritmos até então proibitivamente custosos e propiciam a transmissão mais rápida de mensagens maiores e mais sofisticadas. Para além disso, cientistas da computação e criptógrafos recentemen-

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te descobriram muitos algoritmos novos e bem interessantes. Combinando-se essas mensagens e algoritmos torna-se possível uma grande variedade de novos protocolos. Novas instituições e novas maneiras de formalizar as relações que fazem essas novas instituições foram tornadas possível pela revolução digital. Eu chamo esses novos contratos de “inteligentes” [smart] porque eles são muito mais funcionais do que seus ancestrais inanimados, baseados no papel. Isso não implica o usode inteligência artificial. Um smart contract é um conjunto de promessas, especificadas em uma forma digital, incluindo protocolos dentro dos quais as partes executam essas promessas

Percebe-se que Szabo não alardeava qualquer forma de inovação jurídica na disciplinados contratos, mas antevia que, com o avanço técnico da programação computacional, os mecanismos de efetivação da prestação material pactuada se tornaram mais inteligentes.

Os novos mecanismos de contratos automatizados representam uma enorme inovaçãodo ponto de vista da dinâmica e da segurança dos negócios, pois a automatização das etapas deexecução da prestação nos pontos que apresentamos maior sensibilidade.

A maior vantagem dos smart contracts é o aumento da segurança no cumprimento das cláusulas dos contratos. No entanto, esse fenômeno não traz muitas novidades para os dogmas jurídicos, pois a inovação é em termos técnicos e não no campo da legalidade (SZABO, 1999).Existem smart contracts em que apenas uma parte da prestação é realizada de forma automatizada em ambiente virtual. Um bom exemplo é um sistema onde um comprador de carro precisa manter a adimplência e coloca-se uma cláusula acessória a um contrato definanciamento para a compra e venda de um automóvel, que permite ao credor interromper o funcionamento do carro caso haja o inadimplemento das parcelas do financiamento.

4.2. Blockchain e o Uso da Tecnologia Como Eficiência Jurídica

Assim, tem-se o blockchain como uma tecnologia que permite a gravação de transações de maneira permanente, não se permitindo alterações em transações anteriores, apenas gravações de novas transações, mantendo-se, pois, um histórico matematicamente, praticamente, inviolável, nos parâmetros computacionais atuais (GONÇALVES E CAMARGOS, 2017).

Os participantes da negociação conjuntamente com o objeto, tem garantias da sua inviolabilidade, por meio computacional esse conjunto, pode ser um contrato, uma transação comercial, um registro civil, um registro de imóvel, acordos, compromissos, enfim, qualquer objeto em cuja validação e confiabilidade estejam publicamente e conjuntamente verificadas e garantidas, tanto pelos atores quanto pelos validadores distribuídos na rede mundial de computadores (FERRAZ, 2019).

O interesse dos participantes em validação de transações apresenta-se, fundamentalmente, no aspecto econômico, visto que a cada transação, os validadores recebem um pequeno percentual da negociação. Esta particularidade faz com que as grandes transações sejam mais disputadas e mais rápidas que as demais. Entretanto, a estrutura de validação, a grande rede integrada, encontra-se disponibilizada para todos os que necessitam de validação, variando, basicamente, o tempo de finalização de uma transação.

No entanto, a Blockchain também pode ser aplicada para outras funcionalidades, incluindo registros de propriedades, comprovações de autoria e propriedade intelectual, contratos automatizados, remessas internacionais de valores, emissão de títulos privados, organizações descentralizadas autônomas, armazenamento remoto e distribuído de dados na nuvem, além de produtos financeiros diversos (PORTO et al, 2019).

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4.3. Uso dos Smart Contracts com Tecnologia Blockchain nos Contratos de Investimento em Startup Para Eficiência Jurídica

Após os anos 2000, especialmente em 2006, o direito passou por uma grande transformação tecnológica com a Lei nº 11.419/2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial. Em 2013, a resolução nº 185/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu o Sistema de Processo Judicial Eletrônico como sistema de processamento de informações e práticas de atos processuais.

E mais recentemente a Resolução nº 354/2020 regulamentou as audiências virtuais bem como as cortes remotas, aumentando ainda mais a necessidade do profissional de direito interagir e se adaptar com as tecnologias.

Como consequência dessa transformação, surgem empresas que buscam criar soluções que auxiliam e resolvem problemas jurídicos. Cada vez mais são constituídas empresas especializadas em automação de processos, inteligência artificial, monitoramento de dados públicos, gestão de escritórios, resolução de conflitos online, analytics e jurimetria, que são chamadas de legal techs e law techs

De acordo com a Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs, o número de startups jurídicas apresentou um crescimento de aproximadamente 300% nos últimos anos. As

universidades internacionais e nacionais já estão inserindo na grade curricular disciplinas referentes à tecnologia e computação como, por exemplo, Stanford, Cambridge e, no Brasil, oInsper.

As inovações tecnológicas são fontes de vantagem competitiva, pois podem reduzir custos, aumentar a produtividade automatizando tarefas repetidas, sem perder, contudo, a alta qualidade.

Dentre as inúmeras tecnologias emergentes

que impactam o direito e a atividade jurídica, a tecnologia blockchain e os smart contracts (contratos inteligentes) têm o potencial de modificar substancialmente a forma como celebrar contratos, tornando os acordos de vontade imutáveis e autoexecutáveis (NÓBREGA E CAVALCANTI, 2020).

As tecnologias blockchain e smart contracts fizeram emergir o que vem a ser chamadode criptoeconomia, ou seja, economia na qual os agentes econômicos transacionam por meio de tokens e criptomoedas (MANTELLI, 2019).

Os smarts contracts inseridos no blockchain vem crescendo a cada dia e resolve um problema relacionado a confiança, as partes não precisam se conhecer para que o acordo firmado seja cumprido e nem precisa acionar a justiça para que se garanta que o acordo seja executado, ele é imutável (NÓBREGA E CAVALCANTI, 2020).

Aplicando-se exclusivamente aos contratos de investimentos em startups, nota-se que as cláusulas mencionadas nesse trabalho de pesquisa são condicionadas às métricas de resultados das empresas, bem como a informações sigilosas.

Exemplifica-se que uma cláusula de confidencialidade poderia ser inserida em um smart contract com tecnologia de controle de acesso por nível societário e utilização de criptografia para evitar-se o vazamento de informações sensíveis relativo ao investimento realizado na empresa.

Enquanto as cláusulas de Drag Along e Tag Along poderiam por meio de um smart contract realizar a alienação da participação societária com a liquidez exata do valor das quotas sociais no momento da venda, com base nas informações em tempo real da empresa, como faturamento, despesas, lucros, folha salarial de funcionários, processos envolvidos, investimentos, entre outros fatores.

Outro exemplo de cláusula que poderia ser otimizada por meio do smart contract seriade atua-

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lizar automaticamente a participação societária dos investidores de acordo com o desempenho da empresa, nos termos do determinado da cláusula de lock-up period.

Observa-se que os contratos de investimentos em startup são contratos complexos, com cláusulas que dependem de fatores externos para sua aplicabilidade, muitas vezes condicionadas à métricas automatizadas de produtividade, rendimento, faturamento e lucro.

Tais condicionantes, apesar de poderem ser medidas por meio de programas de computadores e podem ser aplicadas diretamente em smarts contracts, tornam-se muitas vezes métricas difíceis de serem controladas e medidas, dificultando a aplicabilidade das cláusulas, bem como, tornando moroso e conflitoso a relação entre as empresas e os investidores.

A programação de um smarts contracts com tecnologia blockchain pode ser um caminho viável para tornar mais transparentes a relação entre investidores e a empresa, dar visibilidade aos resultados, programar métricas automaticamente com base em resultados, tornar ágil e precisa a tomada de decisão sobre a aplicabilidade das cláusulas contratuais do investimento, limitar o acesso à informação, diminuindo o risco de vazamento de dados e, principalmente, evitar possíveis litígios entre o investidor e a empresa sobre as condicionantes nas cláusulas do contrato.

5. CONCLUSÃO

Assim como já dito, as startups atuam em condições de incertezas decorrentes de características que lhe são particulares, como a inexperiência e o oferecimento de um produtoou serviço inovador, porém tem grande potencial de crescimento e de sucesso.

Diante das características destas empresas existem algumas questões preocupantes paraos investidores que buscam por meio das cláusulas

do contrato de investimento segurança jurídica para a realização do investimento.

Apesar das cláusulas de investimento possuírem diversas condicionantes visando assegurar as partes envolvidas, diante de muitas vezes dependerem de métricas externas ao contrato, torna-se recorrentes os conflitos gerados ante a falta de controle, organização e transparências dessas métricas, impossibilitando o cumprimento dessas cláusulas.

Foram apresentadas tecnologias como os smarts contracts e blockchain como meio jurídico de trazer estabilidade, transparência e rapidez aos contratos firmados, com base na autoexecutividade dos acordos há a mitigação dos conflitos.

Ante as dificuldades apresentadas e o fomento de novas tecnologias visando a celeridade e segurança dos acordos e transações, concluiu-se que os smarts contracts com tecnologia blockchain podem ser uma solução eficiente à aplicabilidade das cláusulas nos contratos de investimento, executando automaticamente o cumprimento de uma cláusula contratual com base na métrica programada no contrato inteligente.

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n 109

IMPACTOS JURÍDICOS, SOCIAIS E ECONÔMICOS DA DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA EM VIRTUDE DA MORTE DO SÓCIO

A falta de previsão no contrato social, da forma de liquidação das quotas sociais e pagamento dos haveres aos sucessores do sócio falecido pode trazer consequências deletérias para a empresa, já que na ausência de tais previsões, será aplicada a legislação vigente, em eventual Ação de Dissolução Parcial de Sociedade, significando descapitalização, e por consequência, afetando o negócio, com grande risco de encerramento de suas atividades.

Trata-se de uma questão jurídica para além das questões pessoais, impactando também o cenário econômico e social do país, na medida em que as empresas são geradoras de empregos, tributo, renda, circulação de riqueza e inovação em benefício de todos, e o encerramento de sua atividade, seja por qualquer motivo, traz consequências negativas imediatas à sociedade brasileira, afetando o direito fundamental insculpido na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, relacionados aos valores sociais do trabalho, da livre iniciativa, bem como, a prejudicar seus principias objetivos, também cotejados na Carta Magna, que são a garantia do desenvolvimento Nacional, erradicação da pobreza, da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais.

Palavras-chave

Direito de Empresa - Sociedades Empresárias - Contrato Social - Quotas Sociais - Ação de Dissolução

Parcial da Sociedade Empresária - Apuração de Haveres.

Antonio Petrica

Advogado, Administrador de Empresas, Pós Graduando em Direito Civil, Processo Civil e Direito Empresarial pela ESA/SP. e-mail: antoniopetrica66@gmail.com

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como escopo analisar o tema que versa sobre a Dissolução Parcial da Sociedade Empresária no sistema jurídico brasileiro.

A delimitação do tema, por sua vez, diz respeito à dissolução parcial da Sociedade Empresária em função da morte de um dos sócios.

O problema de pesquisa pode ser veiculado a partir da seguinte indagação, a saber: A sociedade Empresária está preparada para sobreviver à morte de um dos sócios?

A título de objetivos gerais do trabalho, pretende-se ao longo da pesquisa: Descrever os elementos do Direito civil, Direito Empresarial e Processo Civil, relacionados à dissolução parcial; Expor a legislação posta na dissolução parcial da Sociedade Empresária em função da morte do sócio; Analisar, na ausência de previsão no contrato social, a legislação aplicada nas ações de dissolução parcial da sociedade; Discutir os impactos jurídicos, sociais e econômicosda dissolução parcial em função da morte do sócio.

A atualidade do tema justifica-se em virtude da pandemia da COVID-19, que exponenciou a dura realidade do fenômeno morte, natural, certo e imprevisível, com desdobramentos não só na esfera do direito das sucessões, mas, também, com relevância no Direito Empresarial, urgindo a exposição da necessidade dos sócios tratarem do tema no Contrato Social, com a indispensável assistência do Advogado especializado, profissional capaz e preparado para dentre outras, prever fatos jurídicos e suas consequências, analisar a legislação e com base na realidade da empresa, sugerir a melhor forma de liquidação das quotas sociais e pagamento dos haveres em caso de dissolução parcial da Sociedade.

Também, propõe o presente estudo, uma reflexão ao Legislador, quanto ao prazo de pagamento aos sucessores dos haveres das quotas sociais liquidadas na dissolução parcial pelo

evento morte, particularmente de sócios de Micros e Pequenas Empresas que são dispensadas da exigência do visto de advogado para registro e arquivamento de seus contratos sociais, e, em sua grande maioria, não dispõe de liquidez, nem estrutura de governança, as quais, a descapitalização afeta com mais intensidade, com grande risco de encerramento de suasatividades, trazendo consigo, impactos jurídicos sociais e econômicos.

Quanto à caracterização metodológica da pesquisa, do ponto de vista da abordagem é Interdisciplinar e Qualitativa, quanto aos objetivos é Exploratória/Factual, quanto aos métodos é hipotética dedutiva.

1. DIREITO CONSTITUCIONAL FUNDAMENTAL DOS VALORES SOCIAIS DO TRABALHO E DA LIVRE INICIATIVA

O preâmbulo de nossa Carta Magna, assim foi elaborado:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus (1).

Aqui, breves considerações sobre os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como ponto de partida ao objeto do presente estudo, previsto em nossa Carta Magna, promulgada em 1988, já em seu preâmbulo, acima descrito, assegurando o exercício dos direitos sociais e individuais, verificando-se que aloca a livre iniciativa como fundamento da República Federativa do Brasil

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(art. 1º, IV) e princípio da ordem econômica (art. 170, caput), conforme citado pelo Professor André Ramos Tavares (3):

No capitalismo, tudo o que precisamos e queremos (roupas, alimentos, transportes, lazer, educação, saúde, etc.), em geral, só podemos ter se uma ou algumas pessoas, entre nós, se dispuserem a investir na organização de uma empresa destinada a produzir e fornecer o bem ou serviço almejado. No capitalismo, os bens ou serviços, essenciais ou não, são produzidos e comercializados, em sua expressiva maioria, porempresas exploradas por particulares (2).

Em seu artigo primeiro, inciso IV, a Constituição Federal − CF (1) especifica que dentre estes direitos sociais e individuais gerais, são espécies os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa como um fundamento da República Federativa do Brasil e no artigo 170 da CF, trata da ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, que tem por fim assegurar a todos, existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Nos ensinamentos do Procurador Regional do Trabalho, Raimundo Simão de Melo (3):

O princípio da dignidade da pessoa humana nas relações de trabalho encontra assento na Constituição Federal brasileira, que, no artigo 1º, estabelece que são fundamentos da República e do Estado democrático de Direito, entre outros, adignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho. Essas dicções são complementadas pelo artigo 170 da mesma Lei Maior, que, ao tratar da ordem econômica, assegura a livre iniciativa, fundada na defesa do meio ambiente e navalorização do trabalho humano, de modo a assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Observa-se que a ordem econômica brasileira dá prioridade aos valores do trabalho

humano sobre todos os demais valores da economia de mercado (SILVA, José Afonso da. “Curso de Direito Constitucional positivo”, 5ª Ed., p. 660. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989).

Nessa ótica, a Constituição brasileira de 1988 destacou como princípio fundamentala dignidade humana, como fundamento e substrato principal dos demais direitos e garantias individuais e coletivas, garantindo a posição do homem na sociedade política na busca do verdadeiro Estado de bem-estar social (artigos 1º e 170), que assegure a livre iniciativa na ordem econômica capitalista, respeitando a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e a proteção do meio ambiente, o que requer a intervenção do Estado na defesa desses primados humanitários.

Por isso, ensina o Professor José Afonso da Silva, na página 277 de sua obra (4), aocomentar o tema, de que:

não é fácil estremar, com nitidez, os direitos sociais dos direitos econômicos. Basta ver que alguns colocam os direitos dos trabalhadores entre os direitos econômicos, não há nisso motivo de censura, porque em verdade, o trabalho é um componente das relações de produção e nesse sentido tem dimensão econômica indiscutível. A Constituição tomou partido a esse propósito, ao incluir o direito dos trabalhadores como espécie dos direitos sociais, e o trabalho como primado básico da ordem social(art. 7º e 193). É posição correta.

Por fim, conceitua o Professor André Ramos Tavares (3)

a livre iniciativa empresarial como uma forma de liberdade individual e, mais especificamente, uma modalidade de livre iniciativa econômica, aplicada às situações de empreendedorismo e atuação econômica. Exatamente por isso é considerada fundamental no modelo de economia capitalista, pois enseja a criação de entidades empresariais privadas que irão constituir gran-

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de parte das relações econômicas do chamado mercado. É também um dos esteios da Constituição econômica brasileira de 1988. A livre iniciativa, em termos gerais, envolve a liberdade econômica, na qual se localiza a liberdade de empresa e a de empreender individualmente, incluindo, ainda, todos tipos de associativismo, bem como a instrumentalização do empreender e, ainda, a liberdade de estabelecer relações negociais e contratar.

2. DO DIREITO DAS SUCESSÕES

Sem pretensão de esgotar ou aprofundar-se na matéria das sucessões que não é o escopo do presente trabalho, mas, importante conexão do objeto da presente reflexão, a dar azo para futuros estudos, o direito das sucessões é o ramo do direito civil que trata das regras de transferência (sucessão) da universalidade dos direitos e obrigações (herança) da pessoa falecida, denominada como autor da herança ou de cujus, para seus sucessores, na medida de sua vocação hereditária ou no caso do de cujus deixar testamento, para o legatário.

No direito brasileiro, atualmente a matéria está disciplinada na Lei 10.406 de 10/01/2002, Código Civil Brasileiro de 2002 (5), a partir do artigo 1.784, que rege, já ali, que a abertura da sucessão, se dá no momento da morte e a herança, defere-se como um todo unitário, ainda que vários sejam os herdeiros e transmitem-se desde logo aos herdeiros legítimos (art. 1829, I, II, III, IV do Código Civil − CC) e/ou testamentários, independente de abertura da ação de inventário, reconhecido na doutrina, como princípio da saisine.

2.1. Formas de Sucessão

Seguindo o que dispõe o CC (5), há duas formas de sucessão prevista no ordenamento jurídico brasileiro, observando-se que uma não exclui a outra e ambas podem coexistir, e que são:

A) Sucessão testamentária Ordinária– Neste tipo de sucessão, a pessoa capaz tem a fa-

culdade de destinar seu patrimônio, ainda em vida, para após a sua morte, a quem melhor lhe aprouver, em ato conhecido como disposição de última vontade, através de instrumento formal, denominado testamento. Contudo, no caso de haver herdeiros necessários (art. 1845do CC: descendentes, ascendentes e cônjuge/companheira(o)) fica limitada esta disposição à 50% de seu patrimônio, já que legalmente (art. 1789 do CC), os outros 50%, denominado legítima (art. 1.846 do CC), obrigatoriamente ficam reservados e serão sucedidos por estes.

Não havendo herdeiros necessários que lhe suceda, a pessoa capaz, estará livre para dispor de 100% de seu patrimônio em testamento.

B) Sucessão legal ou legítima – Já esta forma de sucessão, será realizada quando o de cujus falecer sem ter deixado testamento (ab intestato) ou mesmo existindo testamento, este instrumento não contemplar todo o seu patrimônio, caso em que teremos a concorrência dos dois tipos de sucessão, quais sejam, a testamentária e a legal, ou ainda, existindo testamento, este caducar ou for julgado nulo, procedendo-se então à sucessão da herança denominada de legal ou legítima, conforme determina o artigo 1.829 do CC (5), que prevê em seus incisos, a ordem da vocação hereditária, que significa dizer, para quem será transferida a herança do de cujus, numa ordem que deverá ser obedecida, passando-se para a ordem/classe seguinte, somente na ausência de sucessores na ordem/classe anterior, que são:

Art. 1.829 (...)

- aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;- aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;III - ao cônjuge sobrevivente;

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VII - Não sobrevivendo cônjuge, ou companheiro, nem parente algum sucessível, ou tendo eles renunciado a herança, esta se devolve ao Município ou ao Distrito Federal, se localizada nas respectivas circunscrições, ou à União, quando situada em território federal.

Portanto, caberão aos sucessores acima mencionados e na ordem da vocação hereditária definida em lei, a transferência imediata e a administração do patrimônio que pertencia ao de cujus, no momento de sua morte, independente da abertura de processo de inventário do patrimônio hereditário (espólio), que deverá ser instaurado para fins de liquidação e quando for o caso, de partilha da herança, ou seja, o inventário é a forma legal prevista para individualização e regularização do patrimônio hereditário, porque até que se realize o inventário e a partilha, o direito dos co-herdeiros quanto à propriedade, posse e administração da herança, será indivisível, e regular-se-á pelas normas relativas ao condomínio.

3. DO DIREITO DE EMPRESA

O Direito de Empresa, estatuído no LIVRO II da parte especial do CC entre os artigos 966 a 1.195 é o ramo do direito que tem como sujeitos o Empresário Individual e a Pessoa Jurídica de Direito Privado na modalidade de Sociedade Empresária e trata das regras gerais de suas relações jurídicas, sendo estes os exclusivos sujeitos submetidos ao regime jurídico doDireito Empresarial e da lei de recuperação judicial, extrajudicial e falência.

Pelo conceito de Empresário que nos dá o artigo 966 do CC, que o define como sendo aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, e ainda, pela disposição legal prevista no parágrafo único

de respectivo artigo que conceitua o não empresário, como àquele que exerce atividades de cunho intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo, se o exercício da profissão constituir elemento de empresa,concluímos que o elemento caracterizador de Empresa é a atividade econômica organizada pelo Empresário para produção ou a circulação de bens e serviços.

Assim sendo, dentro de seus respectivos capítulos, o Direito de Empresa, regula de forma geral, o Empresário Individual, pessoa natural e único titular da empresa, detentor de 100% de seu capital social e a Sociedade Empresária, quando temos 2 titulares ou mais, detentores do capital social, na proporção em que contribuiu para sua formação, que podem ser pessoa natural ou jurídica, a exercerem atividade econômica organizada para produção oua circulação de bens e serviços.

A Sociedade Simples ou também denominada de não empresária, são àquelas constituídas para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados do exercício das atividades de cunho intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa e não está submetida ao regime do Direito Empresarial, mas, podem adotar um dos tipos de Sociedade Empresária, para sua constituição.

Todas devem requerer inscrição e arquivamento de seus atos constitutivos (arts. 45 e

1.150 do CC (5)), no registro próprio do local de sua sede, e na forma da lei, que no caso do Empresário e da Sociedade Empresária, vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e no caso de Sociedade Simples, ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro.

114 IV - aos colaterais.

Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.

Art. 1.150. O empresário e a sociedade empresária vinculam-se ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, e a sociedade simples ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas, o qual deverá obedecer às normas fixadas para aquele registro, se a sociedade simples adotar um dos tipos de sociedade empresária.

Há necessidade de citarmos duas atividades que pela regra geral do artigo 966 do CC

(5) não são consideradas atividades empresariais, portanto, não estariam submetidas às regras do regime do Direito Empresarial estabelecidas no CC (5), no entanto, pelo disposto no artigo

971 e seu parágrafo único, faculta aos que constitua a atividade rural sua principal profissão, ou, Associação que desenvolva atividade futebolística em caráter habitual e profissional, esta última, incluída recentemente pela Lei nº 14.193, de 2021 (6), que acrescentou o parágrafo único ao artigo 971, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito ao registro.

Art. 971. O empresário, cuja atividade rural constitua sua principal profissão, pode observadas as formalidades de que tratam o art. 968 e seus parágrafos, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito ao registro.

Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput deste artigo à associação que desenvolva atividade futebolística em caráter habitual e profissional, caso em que, com a inscrição, será considerada empresária, para todos os efeitos.

Exceção à regra do órgão de registro, diz respeito aos tipos societários na forma de Sociedade Anônima, Comandita por Ações e na forma Cooperativa, que sempre terão seus atos de constituição inscritos e arquivados no Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, independentemente de seu objeto, por imposição legal estabelecida no parágrafo único do artigo 982 do CC, que determina que considera-se Empresária a sociedade por ações e Simples a Cooperativa, porém, no caso das cooperativas, mesmo que legalmente sejam consideradas Sociedade Simples, onde a regra para inscrição e arquivamento de seus atos, seria o Registro Civil das Pessoas Jurídicas, por imposição legal, previsto na LEI Nº 8.934, DE 18 DE NOVEMBRO DE 1994 - Lei de registros públicos, em seu artigo 32, inciso II, letra a, determina que seu estatuto, deverá ser arquivado no Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins.

Art. 982 [...]

Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.

Art. 32. O registro compreende:

II - O arquivamento:

a) dos documentos relativos à constituição, alteração, dissolução e extinção de firmas mercantis individuais, sociedades mercantis e cooperativas.

Para fins didáticos há que se fazer menção às outras espécies de Pessoas Jurídicas não submetidas ao Direito Empresarial, que são as de Direito Público Interno, submetidas ao

115

regime de Direito Público Interno, que traz como característica central, instituída por Lei e o Estado latu sensu como seu titular, ai inseridas a União, os Estados, o Distrito Federal, Territórios, Municípios; as autarquias, inclusive as associações públicas e as demais entidades de caráter público, e, de Direito Público Externo, os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público, previstas entre os artigos 40 a 43 do CC (5) e que não fazem parte do escopo do presente estudo.

As outras espécies de Pessoas Jurídicas submetidas ao regime de Direito Privado, previstas nos outros incisos do artigo 44 do CC (5) estão fora do alcance do Direito Empresarial, já que, diferentemente das Sociedades Empresárias, não têm como seu objeto, o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados, mas sim, finalidade puramente altruísta, isto é, uma atividade com fins não lucrativos e que são elas: as fundações,instituídas a partir de um patrimônio doado e finalidades estabelecidas por seu instituidor; as associações criadas em função da união e de esforços de pessoas físicas ou jurídicas, embusca de um objetivo comum, não econômico; as organizações religiosas criadas pela uniãode esforços individuais para fins religiosos e os partidos políticos, através da união de esforços individuais para fins políticos.

4. DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA E RESPONSABILIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO

4.1. Do Empresário Individual

Como já visto, considera-se Empresário quem explora profissionalmente uma empresaatravés de atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, e o artigo 972 do CC (5) determina quando o for por pessoa física, a condição essencial para exercer

a atividade de Empresário é que esteja em pleno gozo da capacidade civil e não forem legalmente impedidos, portanto, socorrendo-nos dos artigos 3º ao 5º do CC (5), que tratam da capacidade civil e por consequência, trazem os requisitos daquele que pode e daquele que não pode ser considerado Empresário, temos:

Art. 972. Podem exercer a atividade de empresário os que estiverem em pleno gozoda capacidade civil e não forem legalmente impedidos.

Art. 973. A pessoa legalmente impedida de exercer atividade própria de empresário, se a exercer, responderá pelas obrigações contraídas.

Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil osmenores de 16 (dezesseis) anos

Art. 4º São incapazes, relativamente a certos atos ou à maneira de os exercer: I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;

- os ébrios habituais e os viciados em tóxico; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

- aqueles que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade; (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

- os pródigos.

Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil.

Parágrafo único. Cessará, para os menores, a incapacidade:

- pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro, mediante instrumento público, independentemente de homologação judicial, ou por sentença do juiz, ouvido o tutor, se o menor tiver dezesseis

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anos completos;

- pelo casamento;

- pelo exercício de emprego público efetivo;

- pela colação de grau em curso de ensino superior;

- pelo estabelecimento civil ou comercial, ou pela existência de relação de emprego, desde que, em função deles, o menor com dezesseis anos completos tenha economia própria.

4.2. Sociedade Empresária

A Sociedade Empresária, conceituada nos termos dos artigos 981 e 982 do CC (5), como sendo aquela constituída, em regra, por duas ou mais pessoas, que celebram contrato e reciprocamente se obrigam a contribuir com dinheiro, bens ou créditos, sendo vedada acontribuição que consista em serviços, para exercerem profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, na consecução de um objetivo comum e econômico, partilhando, entre si, os resultados obtidos, e que devem constituir-se segundo um dos tipos regulados entre os artigos 1.039 a 1.054, quais sejam: Simples, que têm aplicação supletiva, como regra, para todos os demais tipos societários contratuais, Em Nome Coletivo (somente por pessoas físicas), Comandita Simples e Limitada, sendo este último tipo, representativa de quase 80% das sociedades constituídas e ativas no primeiro quadrimestre de 2020, encontrado em (8).

Separamos do presente estudo, as Sociedades Empresárias instituídas nos tipos Sociedade Anônimas e Comandita por Ações, pois o capital social é dividido e representado por ações, obrigando-se cada sócio ou acionista somente pelo preço de emissão das ações que subscrever ou adquirir, bem como, as Cooperativas, ambas institucionais, ou seja, constituídas por estatutos e

não contrato, portanto, chamadas de Sociedades de Capital, onde a

pessoalidade dos sócios não é elemento essencial e pode haver cessão de ações ou quotas, livremente, sem anuência dos demais.

O artigo 984 do CC (5), assim como faz o artigo 971 relativo ao Empresário Individual, permite por equiparação, que a Sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de empresário rural e seja constituída ou transformada de acordo com um dos tipos de sociedade empresária, pode, com as formalidades do art. 968, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da sua sede, caso em que, depois de inscrita, ficará equiparada, para todos os efeitos, à Sociedade Empresária, e, o parágrafo único do artigo 984, observa que embora já constituída a sociedade segundo um daqueles tipos, o pedido de inscrição se subordinará, no que for aplicável, às normas que regem a transformação.

Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.

Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito á registro (art.967); e, simples, as demais.

Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.

Art. 983. A sociedade empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados nos. 1.039 a 1.092; a sociedade simples pode constituir-se de conformidade com um desses tipos, e, não o fazendo,

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subordina-se às normas que lhe são próprias.

Parágrafo único. Ressalvam-se as disposições concernentes à sociedade em conta de participação e à cooperativa, bem como as constantes de leis especiais que, para o exercício de certas atividades, imponham a constituição da sociedade segundo determinado tipo.

Art. 984. A sociedade que tenha por objeto o exercício de atividade própria de empresário rural e seja constituída, ou transformada, de acordo com um dos tipos de sociedade empresária, pode, com as formalidades do art. 968, requerer inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da sua sede, caso em que, depois de inscrita, ficará equiparada, para todos os efeitos, à sociedade empresária.

Para que possamos seguir no escopo do presente estudo, afastaremos a Subsidiária Integral, Empresário Individual e a Sociedade Limitada Unipessoal, por haver um único titular das quotas sociais, bem como, a Sociedade Simples, que não tem o elemento empresa.

Portanto, o foco do presente estudo cinge-se às Sociedades Empresárias Contratuais Personificadas, em que a pessoalidade dos sócios é essencial para sua constituição e que têm seus contratos sociais inscritos e arquivados no Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, quando adquirem personalidade jurídica, e se tornarão sujeitosde direito personalizados.

4.3. Da responsabilização do patrimônio do Empresário Individual e da Sociedade Empresária

Como visto, diante do conceito de empresário dado pelo artigo 966 do Código Civil, temos duas possibilidades para o exercício do empresariado, que poderá ser como Empresário Individual ou Sociedade Empresária, e há de se observar, que a escolha na modalidade de constituição da

Empresa, irá implicar diretamente no patrimônio que suportará as obrigações contraídas em seu nome.

Na primeira possibilidade, ou seja, na modalidade de Empresário Individual, o empresariado será exercido por pessoa natural, única titular e detentora de 100% do capital social e das quotas sociais da Empresa, não sendo considerada Pessoa Jurídica, pois não está contida no rol do artigo 44 do código civil, e assim sendo, constituída nesta modalidade, a empresa não terá autonomia patrimonial, não havendo segregação de patrimônio em nome da Empresa, confundindo-se com o patrimônio pessoal do Empresário, e assim sendo, temos como regra, que todo o patrimônio, seja o patrimônio pessoal do Empresário, seja o patrimônio em nome da Empresa, responderão ilimitadamente pelas obrigações contraídas emnome da última.

Vale lembrar que esta regra de responsabilização patrimonial total e ilimitada, quando temos uma única pessoa como titular da empresa, comporta exceção, através do sub tipo acrescentado à Sociedade Limitada, instituída pela lei 13.874 de 20/09/2019 conhecida como lei da liberdade econômica (7), que inseriu os parágrafos primeiro e segundo ao artigo 1052do código civil, que permite, a despeito de ser constituída por única pessoa, natural ou jurídica, único titular das quotas sociais e detentor da totalidade do capital social, a possibilidade de ser constituída como a denominada Sociedade Limitada Unipessoal, e como sociedade, insere-se no inciso II, do rol das pessoas jurídicas de direito privado do artigo 44 do CC, o que permite que a empresa constituída nesta modalidade, tenha Personalidade Jurídica, portanto, autonomia patrimonial, jurídica e domicilio próprio, e assim sendo, o único patrimônio a suportar e ter a responsabilidade pelas obrigações contraídas em nome da empresa nesta modalidade, será o dela própria, não se estendendo e nem confundindo-se com o patrimônio pessoal do empresário titular das quotas sociais.

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Como registro histórico, vale lembrar que até agosto de 2021, existia outra possibilidade de constituição de empresa de forma individual, que segregava o patrimônio do empresário e da empresa, que era prevista no revogado artigo 980-A do CC (5), denominada EIRIELI - Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, criada em 2011, que tinha como principal peculiaridade, ser constituída por uma única pessoa física ou jurídica, titular da totalidade do capital social devidamente integralizado, que não podia ser inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no país, e seu titular, se pessoa natural, somente poderia constituir uma única empresa nesta modalidade, porém, com a instituição em nosso ordenamento jurídico da Sociedade Limitada Unipessoal em Setembro de 2019, que não exigia capital social mínimo para sua constituição nem a restrição do titular em ter apenas uma empresa nesta modalidade, tornou a EIRELI completamente obsoleta, ensejando o artigo 41 da Lei nº 14.195/21 publicada no final de agosto de 2021, onde determinou na data de sua entrada em vigor, o fim das empresas existentes constituídas sob a forma de EIRELI, transformando-as automaticamente, em Sociedade Limitada Unipessoal, independentemente de qualquer alteração em seu ato constitutivo.

A segunda possibilidade para o exercício da atividade empresarial se dará através da Sociedade Empresária, esta sim, inserida como Pessoa Jurídica, no inciso II, de referido artigo 44 do CC (5), onde duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas, a depender do tipo societário adotado, irão constituir Empresa, com personalidade jurídica própria, que significa dizer, autonomia patrimonial, jurídica e domicilio próprio, nos termos do artigo 49-A do CC e seu parágrafo único (5), incluídos pela Lei nº 13.874, de 2019 (7) e nesta modalidade, teremoscomo regra, com a exceção disposta no artigo 50 do CC (5), que a responsabilização pelas obrigações contraídas em nome da Empresa, será suportada exclusivamente pelo patrimônio em nome desta, já que, com a inscrição e arquivamento de seus atos constitu-

tivos no Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, adquirirem personalidade jurídica própria, a qual se denomina Pessoa Jurídica.

Sem a inscrição e arquivamento de seus atos constitutivos no Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, a Sociedade Empresária são consideradas não personificadas, ou seja, sem personalidade jurídica, a sujeitarem-se às regras das responsabilidades contidas entre os artigos 986 a 996 do CC (5).

5. CONTRATO SOCIAL

Na seção própria destinada ao Contrato Social a partir do artigo 997 do CC (5), fica estabelecido que as Sociedades Empresárias se constituam mediante contrato escrito, particular ou público, que além de cláusulas de livre estipulação, mencionará:

- nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade; III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; IVa quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la; V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços (somente no caso de Sociedade Simples) VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições; VII

- a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas; VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações.

Assim, o Contrato Social é documento essencial para a constituição da Sociedade Empresária e

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que se dará através de instrumento escrito, público ou particular, onde deverá conter a indicação das atividades constitutivas do objeto social da empresa, que deverá ser lícito, possível e determinado ou determinável nos termos do artigo 104, II do CC (5), de forma precisa e detalhada, e deverá ser levado ao Registro Público de Empresas Mercantis a cargo das Juntas Comerciais, do local de sua sede, devendo constar obrigatoriamente, os elementos mínimos previstos nos incisos do artigo 997 do CC (5), acima descritos, para ser acolhido, além da importantíssima possibilidade de serem inseridas no contrato social, outras cláusulas de livre estipulação, obedecida a legislação vigente, para que assim, a Sociedade adquira personalidade jurídica, nos termos do artigo 985 do CC (5).

Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.

Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito á registro (art.967); e, simples, as demais.

Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa.

Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).

Conforme determinação do Art. 983 do CC (5), a Sociedade Empresária deve constituir-se segundo um dos tipos regulados entre os artigos 1.039 a 1.092 do CC (5) e a Sociedade Simples pode constituir-se de conformidade com um

desses tipos, e, não o fazendo, subordina-se às normas que lhe são próprias, sendo que o parágrafo único de referido artigo 983 faz ressalva destas disposições à Sociedade em Conta de Participação e à Cooperativa, bem como, as constantes de leis especiais, que, para o exercício de certas atividades, imponham a constituição da sociedade segundo determinado tipo.

O grande problema que vislumbramos, é que apesar de permitido através das cláusulas de livre estipulação, muitos Empresários, por diversos fatores, dentre estes, questões culturais,falta de recursos ou estrutura de governança, deixam de tratar no Contrato Social, assuntos de extrema relevância ou os tratam de forma superficial, não dando a importância devida e relegando para segundo plano, fatos jurídicos importantes, que quando ocorrem, poderão afetar diretamente o patrimônio ou a composição societária da empresa, e podem trazer consigo consequências deletérias.

Ao nosso sentir, particularmente nas Micros e Pequenas Empresas, a situação se agrava, porque além dos fatores acima, seus contratos sociais e atos, estão desobrigadas à serem submetidos e visados por advogado para serem admitidos à registro nos órgãos competentes e que é regra para os outros portes de Sociedades Empresárias, sob pena de nulidade, estabelecida no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (10) em seu Art. 1º, § 2º, imunidade que foi conferida às Micro e Pequenas Empresas, através do artigo, 9º, § 2º da Lei Complementar 123/06 (9), que instituiu o Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.

Por estes motivos, muitos Empresários, optam por “baixarem” modelos de contrato social oferecidos na internet ou modelos prontos, que trazem somente àquelas cláusulas obrigatórias exigíveis para a inscrição e registro junto ao Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, a cargo da Junta Comercial, sem medir as consequências pela ausência de tratamento de fatos jurídicos relevantes ligados à

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empresa e de livre estipulação.

EAOAB - Art. 1º

§ 2º - “Os atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas, sob pena de nulidade, só podem ser admitidos a registro, nos órgãos competentes, quando visados por advogados” (10).

Artigo 9º. (...)

§ 2º Não se aplica às microempresas e às empresas de pequeno porte o disposto no §2o do art. 1o da Lei no 8.906, de 4 de julho de 1994 (9).

E omissos no contrato social, fatos jurídicos relevantes, tanto sua previsão quanto sua forma de tratamento e solução, e não havendo composição amigável entre as partes envolvidas, só caberá ao Poder Judiciário, se provocado, a aplicação da legislação vigente relativo à matéria, de forma cogente, e que ao ser efetivado, poderá atingir economicamente a empresa de forma significativa, com grande risco de inviabilizar suas atividades, e consequentemente, implicar em seu encerramento, mesmo que os sócios assim não o queiram.

6. QUOTAS SOCIAIS

A Quota social é a representação do Capital Social da Sociedade Empresária de forma igualitária ou desigual, prevista no Contrato Social, cabendo uma ou diversas a cada sócio na proporção de sua contribuição (art. 1.055 do CC (5)).

Art. 1.055. O capital social divide-se em quotas, iguais ou desiguais, cabendo uma ou diversas a cada sócio (5).

O Capital Social, por sua vez, é o montante de recursos aos quais os sócios se obrigam no contrato social a transferirem determinada quantia em dinheiro, bens, créditos ou cessão de direitos, de seu patrimônio pessoal para a formação do patrimônio inicial da pessoa jurídica consti-

tuída, sendo vedada a contribuição que consista em serviços, que denominamos de subscrição, denominando-se de integralização, o ato da efetiva transferência patrimonial assumida no Contrato Social.

É dever de todo sócio contribuir para a formação do capital social, e aquele que deixar de cumprir com sua obrigação assumida no contrato social, será considerado sócio remisso, hipótese em que a sociedade deverá notificá-lo para que no prazo de até 30 dias cumpra com sua obrigação.

Decorrido referido prazo, e, sendo verificada a mora do sócio remisso, poderá a maioria dos demais sócios optar por autorizar a sociedade a promover em face do sócio remisso, ação indenizatória para o ressarcimento dos danos emergentes de sua mora; ou reduzir a participação do sócio remisso ao montante por ele efetivamente integralizado (art. 1004, parágrafo único, do CC (5)); ou ainda tomar as quotas do remisso para si ou transferi- las a terceiros, hipótese em que o remisso será excluído da sociedade (art. 1058 do CC (5)).

Portanto, a quota social é a representação econômica que define a participação percentual de cada sócio no patrimônio de uma Sociedade, e assim sendo, faz parte de seu patrimônio pessoal e será objeto da herança a ser transmitidas aos seus sucessores, em caso desua morte, nos temos do direito das sucessões, acima expostos.

7. FORMAS DE DISSOLUÇÃO PARCIAL DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA

Como princípio da preservação da Empresa, que visa evitar sua dissolução total, temos 3 hipóteses de dissolução parcial da Sociedade Empresária em relação a um ou uns dos sócios, consistente na morte, no exercício do direito de retirada, e na exclusão judicial ou extrajudicial (exclusivo da Sociedade Limitada), previstos nos artigos 1.028, 1029, 1030 e parágrafo único, 1077 e

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1085 do CC (5) a permitir sua continuidade com os sócios remanescentes, se assim o desejarem.

A primeira, que é o objeto do presente estudo, diz respeito à dissolução parcial da sociedade em relação ao sócio em virtude de sua morte, e seu regramento encontra-se disposto no artigo 1028 do CC (5), detalhado abaixo, no tópico específico.

A segunda hipótese diz respeito à dissolução parcial da Sociedade em relação ao sócio pelo exercício do direito de retirada, prevista no artigo 1029 do CC (5), que além dos casos previstos na lei ou no contrato, permite a qualquer sócio exercer o direito de retirada da sociedade, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta diasse a sociedade for de prazo indeterminado ou provando judicialmente justa causa, se a sociedade for de prazo determinado, ou ainda, o direito de retirada pelo Recesso (Art. 1.077 do CC (5)), quando o sócio dissentir pela modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, nos 30 dias subsequentes à reunião que decidiu o assunto, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031 do CC (5)

A terceira hipótese diz respeito à dissolução parcial da Sociedade pela exclusão judicial (Art. 1.030 do CC (5)), ou extrajudicial, esta última exclusiva da sociedade limitada e desde que prevista no contrato social (Art. 1.085 do CC (5)).

O sócio poderá ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ressalvadas o disposto no art.

1.004 e seu parágrafo único; por incapacidade superveniente, se declarado falido, ou aquele

cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026 (parágrafo único do art. 1030 do CC (5)).

Extrajudicialmente, somente possível na So-

ciedade do tipo Limitada, o sócio poderá ser excluído por justa causa, desde que prevista no contrato social, pela prática de ato de inegável gravidade que ponha em risco a continuidade da empresa explorada pela sociedade, mediante deliberação de sócios que representem mais da metade do capital social, em assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.

Entendemos que, tanto na hipótese do exercício do direito de retirada do sócio com ou sem justa causa, pelo dissenso, quanto pela exclusão extrajudicial ou Judicial, os sócios, até utilizando-se do mesmo espírito que os levou à constituição da sociedade, que chamamos de Affectio Societatis, podem levar em conta, além, a conveniência e a oportunidade para decidirem de forma consensual sobre o tema e a forma de liquidação das quotas e pagamento dos haveres, já que todos os sócios estarão vivos e presentes para encontrar a melhor maneira de preservar seus interesses e os da Empresa, para sua continuidade ou sua dissolução total, se este for o desejo de todos.

É na hipótese de dissolução parcial da sociedade pela morte do sócio, quando omissos no contrato social o destino de suas quotas sociais, sua forma de liquidação e pagamento dos haveres aos sucessores, e não havendo acordo destes últimos com os sócios remanescentes, é que surge o direito do espólio/herdeiros, que em sua grande maioria, são desprovidos da affectio societatis, buscarem o Poder Judiciário para dirimir o possível conflito, hipótese em que chegamos ao ponto fulcral do presente estudo.

Dentro do princípio da preservação da empresa e querendo os sócios remanescentes continuar com a sociedade empresária, omisso no Contra-

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7.1. Da Dissolução Parcial da Sociedade pela morte do sócio

to Social quanto ao destino das quotas sociais que pertenciam ao sócio falecido, sua forma de liquidação e pagamento dos haveres ao espólio/ herdeiros, não havendo acordo entre eles, poderá os últimos, provocar o Poder Judiciário, no Juízo Cível competente, para dirimir a questão, através de procedimento processual próprio, denominado de Ação de Dissolução Parcial de Sociedade, estabelecido dentro dos Procedimentos Especiais a partir do artigo 599 e seguintes do Código de Processo Civil − CPC (11), instruindo-a necessariamente com o Contrato Social consolidado e terá por objeto, a dissolução parcial da sociedade empresária contratual em relação ao sócio falecido,

cumulada com apuração dos haveres, ou somente a resolução ou a apuração de haveres, figurando no polo ativo, o espólio, se antes de concluída a partilha ou pelos herdeiros depois de concluída a partilha dos bens.

Os sócios remanescentes serão citados pessoalmente ou através da sociedade, para no prazo de 15 (quinze) dias, concordar com o pedido ou apresentar contestação, podendo formular pedido de indenização compensável com o valor dos haveres a apurar, e havendo manifestação expressa e unânime dos sócios remanescentes pela concordância da dissolução parcial em relação ao sócio falecido, o juiz a decretará e não haverá condenação em honorários advocatícios de nenhuma das partes e custas rateadas segundo a participação das partes no capital social, passando-se imediatamente à fase de liquidação, que se dará nos termos do artigo 604 do CPC (11), ou havendo contestação, observar-se-á o procedimento comum, mas a liquidação da sentença de mérito também se dará nos termos do artigo 604 do CPC (11).

A liquidação das quotas que se dará nos termos do artigo 604 e seguintes do CPC (11), terá como parâmetros, fixação da data da dissolução parcial da sociedade que no caso de falecimento do sócio, é a data do óbito, e como a hipótese é de omissão no contrato social, o juiz definirá, como

critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, realizado através de perito nomeado, que recairá preferencialmente sobre especialista em avaliação de sociedades.

Até a data do óbito, integram o valor devido ao espólio ou aos sucessores, a participação nos lucros ou os juros sobre o capital próprio declarado pela sociedade, e se for o caso, a remuneração, como administrador, sendo que após esta data, o espólio ou os sucessores terão direito apenas à correção monetária dos valores apurados e aos juros contratuais ou legais e o juiz determinará à sociedade ou aos sócios que nela permanecerem, que deposite em juízo a parte incontroversa dos haveres devidos, nos termos do § 1º do artigo 604 do CPC (11), e o restante, em dinheiro, em até 90 dias após a liquidação das quotas sociais, nos termos do § 1º do art. 1.031 do Código Civil (5)

Art. 604. Para apuração dos haveres, o juiz:

(...)

§ 1º O juiz determinará à sociedade ou aos sócios que nela permanecerem que depositem em juízo a parte incontroversa dos haveres devidos (9).

Art. 1031 (...)

§ 2 o A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir daliquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário (5).

Em resumo, se omisso no contrato social da Sociedade Empresária, a forma de liquidação das quotas sociais transmitidas aos sucessores do sócio falecido e a forma de pagamento dos haveres, e não havendo acordo entre eles e os sócios remanescentes, provocado o Poder Judiciário através da Ação de Dissolução Parcial

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da Sociedade pelos sucessores do de cujus, nos termos do direito à sucessão, acima demonstrados, restará ao Juiz aplicar a legislação vigente de forma cogente, que se encontram nos dispositivos legaisexpressos nos artigos 1028 e parágrafo segundo do artigo 1031 do CC e nos artigos 606, 608 e 609 do CPC (11), que conjugados, disciplinam completamente a matéria.

Os sócios remanescentes serão compelidos a pagar ao espólio/herdeiros, imediatamente, os valores incontroversos, através de depósito nos autos, e no prazo máximo de 90 dias, a partir da liquidação das quotas sociais que pertenciam ao sócio falecido, em dinheiro, valor devido este, que será levantado/liquidado em balanço de determinação, que levará em conta todo o patrimônio da Empresa, tangíveis e intangíveis, fatoque gerará descapitalização e poderá atingir fatalmente a sociedade empresária pela falta de recursos, seja em virtude da justa relação faturamento x obrigações ou pela imobilização de seu patrimônio, podendo levar à inviabilidade econômica da empresa e ao consequente encerramento de suas atividades através da dissolução total, mesmo que este não seja o desejodos sócios remanescentes.

Art. 1.028 (5). No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo:I - se o contrato dispuser diferentemente;

- se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade;

- se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido.

Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado.

§ 1 o O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios

suprirem o valor da quota.

§ 2 o A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário.

Artigos 600 a 609 do CPC (11):

Art. 600. A ação pode ser proposta:

– pelo espólio do sócio falecido, quando a totalidade dos sucessores não ingressar na sociedade;

– pelos sucessores, após concluída a partilha do sócio falecido;

– pela sociedade, se os sócios sobreviventes não admitirem o ingresso do espólio ou dos sucessores do falecido na sociedade, quando esse direito decorrer do contrato social.

Art. 601. Os sócios e a sociedade serão citados para, no prazo de 15 (quinze) dias, concordar com o pedido ou apresentar contestação.

Art. 602. A sociedade poderá formular pedido de indenização compensável com o valor dos haveres a apurar.

Art. 603. Havendo manifestação expressa e unânime pela concordância da dissolução, o juiz a decretará, passando-se imediatamente à fase de liquidação.

§ 1º Na hipótese prevista no caput, não haverá condenação em honorários advocatícios de nenhuma das partes, e as custas serão rateadas segundo a participação das partes no capital social.

§ 2º Havendo contestação, observar-se-á o procedimento comum, mas a liquidação da sentença seguirá o disposto neste Capítulo.

Art. 604. Para apuração dos haveres, o juiz:

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- fixará a data da resolução da sociedade;

- definirá o critério de apuração dos haveres à vista do disposto no contrato social; III - nomeará o perito.

§ 1º O juiz determinará à sociedade ou aos sócios que nela permanecerem que depositem em juízo a parte incontroversa dos haveres devidos.

§ 2º O depósito poderá ser, desde logo, levantando pelo ex-sócio, pelo espólio ou pelos sucessores.

Art. 605. A data da resolução da sociedade será:

I - no caso de falecimento do sócio, a do óbito;

Art. 606. Em caso de omissão do contrato social, o juiz definirá, como critério de apuração de haveres, o valor patrimonial apurado em balanço de determinação, tomando-se por referência a data da resolução e avaliando-se bens e direitos do ativo, tangíveis e intangíveis, a preço de saída, além do passivo também a ser apurado de igual forma.

Parágrafo único. Em todos os casos em que seja necessária a realização de perícia, a nomeação do perito recairá preferencialmente sobre especialista em avaliação de sociedades.

Art. 607. A data da resolução e o critério de apuração de haveres podem ser revistos pelo juiz, a pedido da parte, a qualquer tempo antes do início da perícia.

Art. 608. Até a data da resolução, integram o valor devido ao ex-sócio, ao espólio ou aos sucessores a participação nos lucros ou os juros sobre o capital próprio declarados pela sociedade e, se for o caso, a remuneração como administrador.

Parágrafo único. Após a data da resolução, o ex-sócio, o espólio ou os sucessores terão direito apenas à correção monetária

dos valores apurados e aos juros contratuais ou legais.

Art. 609. Uma vez apurados, os haveres do sócio retirante serão pagos conforme disciplinar o contrato social e, no silêncio deste, nos termos do § 2º do art. 1.031 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).

CONCLUSÃO

Ao nosso sentir, a resposta para nossa indagação inicial se a Sociedade Empresária estaria preparada para sobreviver à morte do sócio, provavelmente seria negativa, pois, conforme acima expostos, vislumbramos, até por uma questão cultural, de comodismo, de custo ou ignorância quanto aos desdobramentos societários, o fato jurídico morte, apesar de imprevisível, é certo e geram consequências jurídicas e patrimoniais, e a forma de tratá-los, legalmente permitidas através das cláusulas de livre estipulação, não constará no Contrato Social da Sociedade Empresária, ou constando, o será de forma genérica e superficial, principalmente nas Micros e Pequenas Empresas, por não haver sequer a obrigatoriedade da participação e visto de advogado na elaboração de seus Contratos Sociais e atos para admissão de registro e arquivamento no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, a cargo da Junta Comercial.

Por isso, imprescindível na elaboração do contrato social, a consultoria de advogado especializado e preparado, para prever os fatos jurídicos relevantes que poderão ter influencia direta na Sociedade, e legalmente estipular, juntamente com os sócios, a melhor forma de tratá-los inserindo-os nas cláusulas de livre estipulação, levando em consideração a legislação vigente e as particularidades de cada Empresa, calcada no princípio de sua preservação, não podendo tal consultoria, ser encarada como um custo, mas sim, como parte do investimento inicial para segurança jurídica, higidez e longevidade da Empresa, especialmente, a transferência e/

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ou liquidação das quotas sociais que pertenciam ao sócio falecido e a forma de pagamento dos haveres aos herdeiros, objetivando evitar a descapitalização, preservando a empresa para sua continuidade se for esta a vontade dos sócios, o que leva a concluir que, abrindo mão desta consultoria, muitas sociedades empresárias não estão preparadas do ponto de vista jurídico, econômico/financeiro para sobreviver à morte do sócio.

Também, diante do que preconiza o artigo 1º da Lei 13.874 de 20 de Setembro de 2019 (7), que remete à nossa Carta Magna e instituiu a Declaração da Liberdade Econômica e coloca o Estado como agente normativo e regulador das normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica, nos termos do inciso IV do caput do art. 1º, do parágrafo único do art. 170 e do caput do art. 174 da Constituição Federal, há que ser realizada uma reflexão pelo Legislador sobre o prazo legal de 90 dias para pagamento dos haveres aos sucessores a partir da liquidação das quotas sociais, omisso outro prazo no contrato social, questionando-se se referido prazo não inviabiliza a continuidade da sociedade empresária, particularmente as Micros e Pequenas Empresas.

A impressão que nos fica aqui e sem pretensão de definir ou esgotar a matéria, é que o prazo de 90 dias para pagamento aos sucessores do sócio falecido, em dinheiro, a partir da liquidação das quotas sociais, que se dará através de balanço de determinação levantado, que levará em conta todo o patrimônio da empresa, tangíveis e intangíveis, particularmente nas Micros e Pequenas Empresas, que tem estatuto próprio e demandam tratamento diferenciado, nos parece exíguo e coloca em risco sua continuidade pela falta de recursos ou pela descapitalização.

Parece-nos que esta reflexão se faz necessária porque o encerramento de uma empresa tem impacto direto no cenário econômico e social

do país, na medida em que são geradoras de empregos, tributo, renda, circulação de riqueza e inovação em benefício de todos e sua supressão tem consequências negativas imediatas à sociedade brasileira, afetando o direito fundamental insculpido na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, relacionados aos valores sociais do trabalho, da livre iniciativa, bem como aos principias objetivos da República brasileira, também cotejados na Carta Magna, que são a garantia do desenvolvimento Nacional, erradicação da pobreza, da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais.

Não podemos deixar de mencionar que a pandemia da COVID-19 exponenciou o fenômeno natural morte, e há de se imaginar que se multiplicaram as sociedades empresárias atingidas pela morte de seus sócios, e consequentemente, multiplicadas também, pelas razões elencadas, os riscos de encerramento das sociedades empresárias que não estejam preparadas economicamente ou protegidas juridicamente em seu contrato social.

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Lei Complementar 14.193 de 06 de agosto de 2021, Sociedade Anônima do Futebol, publicada no DOU 06/10/2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/lei/ L14193.htm. Acesso em: 19 de março de 2022.

Lei nº 13.874 de 20 de setembro de 2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, publicada no DOU 20/09/2019. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20192022/2019/lei/L13874.htm. Acesso em: 19 de março de 2022.

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Lei Complementar 123/2006 de 14 de dezembro de 2006, Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, publicada no DOU 15/12/2006. Disponível em: http://www.planalto.gov. br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp123.htm. Acesso em: 19 de março de 2022.

Lei 8.906 de 4 de julho de 1994, Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), publicada no DOU 04/07/1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8906.htm. Acesso em: 19 de março de 2022.

Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015, Código de Processo Civil, publicada no DOU 17/03/2015. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 19 de março de 2022.

n 127

A APLICAÇÃO DA TEORIA DA IMPREVISÃO DURANTE O PERÍODO PANDÊMICO DECORRENTE DA COVID 19 À LUZ DA LEGISLAÇÃO

ATUAL E DAJURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO

O presente artigo versou sobre o tema da aplicação da teoria da imprevisão nas relações contratuais no período pandêmico decorrente da COVID 19, trazendo um breve apanhado acerca do surgimento da pandemia e suas consequências sociais e econômicas em escala global, tendo como objetivo sua abordagem nos termos da legislação atual, bem como o entendimento jurisprudencial do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo. Nesse norte, o presente artigo tratouda problemática da pandemia como um fator de desequilíbrio contratual a ensejar a possibilidade de revisão contratual, como regra, em atenção ao princípio da preservação dos contratos, ou mesmo, em última análise, de rescisão contratual, preenchidos os requisitos legais para a incidência da teoria da imprevisão, quais sejam, a existência de contrato de execução continuada ou diferida, a ocorrência de fato extraordinário e imprevisível superveniente à formação do contrato, e a presença de onerosidade excessiva para uma das partes contratantes.

Palavras-chave

Teoria da Imprevisão - Covid-19 - Revisão e/ou Rescisão Contratual

Glaucia Cristina Schibik De Moraes Rego

Pós-Graduação Lato Sensu em Direito Contratual, Execução e Responsabilidade Civil, na Escola Superior da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil.

10 128

INTRODUÇÃO

O trabalho proposto teve como objetivo analisar a (in) aplicabilidade da Teoria da Imprevisão nas relações contratuais durante o estado pandêmico ocasionado pelo Coronavírus(COVID 19).

Para realizar tal propósito, foi utilizado o método dialético, tendo sido objeto de pesquisa estudos doutrinários, construções jurisprudenciais e análise de legislações, com o objetivo de avaliar o tema de forma atual e em suas acepções mais relevantes.

O presente artigo inicia-se com considerações conceituais sobre a teoria da imprevisão bem como sua incidência à luz da legislação atual, seguindo-se, um breve explanado acerca do surgimento da pandemia ocasionada pelo Coronavírus e seus reflexosnas relações contratuais.

Ato contínuo, foi realizada uma abordagem sobre a aplicação da Teoria da Imprevisão nos contratos firmados no período pandêmico, sob a análise de ser ou não a pandemia fato imprevisível que pudesse ensejar a revisão ou mesmo a rescisão de contratos firmados nesse difícil período de crise social e econômica que assola não só o Brasil, alcançado escala global.

Ainda, foi objeto do presente artigo, a análise do entendimento jurisprudencial do E. Tribunal de Justiça Paulista sobre a (in) aplicabilidade da Teoria da Imprevisão nos contratos durante o período pandêmico.

1. CONCEITO E REQUISITOS LEGAIS PARA A APLICABILIDADE DA TEORIA DA IMPREVISÃO

NA LEGISLAÇÃO ATUAL

A essência da Teoria da Imprevisão, veio alicerçada desde o Código de Hamurabi, em seu artigo 481

1 48º - Se alguém tem um débito a juros, e uma tempestade devasta o seu campo ou destrói a colheita, ou por falta d’água não cresce o trigo no campo, ele não deverá nesse

Segundo Daniel Dela Coleta Eisaqui2, a Teoria da Imprevisão consiste em um “mecanismo de revisão ou resolução dos contratos atingidos por onerosidade excessiva decorrente de fatos supervenientes à conclusão do pacto, cuja magnitude agrave o cumprimento da prestação devida pela parte”.

A Teoria da Imprevisão, instrumentalizada na cláusula rebus sic stantibus, atualmente, vem prevista nos artigos 4783, 4794 e 4805 do Código Civil, e se aplica, nos termos do texto legal, aos contratos de execução continuada ou diferida, desde que haja a ocorrência de fato extraordinário e imprevisível que torne a prestação excessivamente onerosa a qualquer das partes contratantes.

Cumpre consignar, ainda que os Enunciados números 365 e 3666 da IV Jornada de Direito Civil, dispõem acerca da interpretação do artigo 478, do Código Civil, servindo de diretrizes para a aplicação da norma legal.

ano dar trigo ao credor, deverá modificar sua tábua de contrato e não pagar juros por esse ano.

2 EISAQUI, Daniel Dela Coleta: Revisão Judicial dos Contratos: A Teoria da Imprevisão no Código Civil Brasileiro. Aborda os efeitos jurídicos da Pandemia do COVID-19. Curitiba: Juruá, 2020, p.109.

3 Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

4 Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

5 Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

6 365 – Art. 478. A extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada como elemento acidental da alteração das circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena.

366 – Art. 478: O fato extraordinário e imprevisível causador de onerosidade excessiva é aquele que não está coberto objetivamente pelos riscos próprios da contratação

129

Doutrinador Nelson Borges7 também define a Teoria da Imprevisão, a saber:

“A “teoria da imprevisão” é o remédio jurídico a ser empregado em situações de anormalidade contratual, que ocorre no campo extracontratual – ou “aura” das convenções -, de que se podem valer as partes não enquadradas em situação moratória preexistente, para adequar ou extinguir os contratos – neste caso com possibilidades indenizatórias – sobre os quais a incidência de um acontecimento imprevisível (entendido este como aquele evento ausente dos quadros do cotidiano, possível, mas não provável), por elas não provocado mediante ação ou omissão, tenha causado profunda alteração na base contratual, dando origem a uma dificuldade excessiva de adimplemento ou modificação depreciativa considerável da prestação, se sorte a fazer nascer uma lesão virtual que poderá causar prejuízos àquele que, em respeito ao avençado, se disponha a cumprir a obrigação assumida.

Para a aplicabilidade da Teoria da Imprevisão, a doutrina8 ressalta a necessidade da ocorrência cumulativa das seguintes condições: a) a existência de contrato de execução continuada ou diferida; b) a ocorrência de fato extraordinário e imprevisível superveniente; e

c) a presença de onerosidade excessiva para uma das partes contratantes.

A necessária existência de um contrato de execução continuada ou diferida, se justifica na medida em que, a incidência da teoria só se revela presente se a execução do pactose prolongar no tempo, seja em prestações periódicas (execução continuada), seja quando a prestação for devida em momento posterior à celebração do contrato (execução diferida), já que será necessária a ocorrência de desequilíbrio contratual em razão

7 BORGES, Nelson. A teoria da imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil: com referência ao CC de 16 e ao NCC São Paulo: Malheiros, 2002, p. 80.

8 EISAQUI, op. Cit., p. 114

de fato superveniente e imprevisível que afete substancialmente o equilíbrio contratual, o que somente poderá ser constatado após transcorrido lapso temporal entre a formação do contrato, quando presente uma realidade fática, e a efetiva prestação ou prestações, quando verificada alteração fática superveniente que fundamente o pedido de revisão contratual, em atenção ao princípio da preservação dos contratos, ou, em última análise, a rescisão contratual.

A contrario sensu não se aplica a Teoria da Imprevisão aos contratos de execução instantânea, entendido como “aquele que tem aperfeiçoamento e cumprimento de imediato, caso de uma compra e venda à vista”9 na medida em que não há a ocorrência de lapso

temporal que possa desencadear a ocorrência de fato superveniente à formação da avença, imprevisível e extraordinário.

Num segundo aspecto, para a aplicabilidade da Teoria da Imprevisão, a lei ainda exige a ocorrência de fato extraordinário e imprevisível superveniente que afete consideravelmente o contrato a ponto de ensejar o desequilíbrio econômico entre os contratantes.

Na lição de Orlando Gomes10:

(...) quando acontecimentos extraordinários determinam radical alteração no estado contemporâneo à celebração do contrato, acarretando consequências imprevisíveis, das quais decorre excessiva onerosidade no cumprimento da obrigação, o vínculo contratual pode ser resolvido ou, a requerimento do prejudicado, o juiz altera o conteúdo do contrato, restaurando o equilíbrio desfeito. Em síntese apertada: ocorrendo anormalidade da alea que todo contrato dependente de futuro encerra, pode-se operar sua resolução ou a redução das prestações.

9 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume único Rio de Janeiro: Método, 2021, p. 989.

10 GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 42.

130 O I.

Doutrinador Marcos de Almeida11 leciona acerca da extensão da interferência do fato superveniente na relação contratual para viabilizar a análise judicial acerca da revisão ou rescisão do pacto. Veja-se:

O fato superveniente deve, ainda, acarretar alteração substancial e extraordinária no conteúdo econômico ou financeiro do contrato, na base do negócio e, portanto, nas circunstancias e riscos que existiam no momento da celebração do contrato, determinaram o sinalagma, a comutatividade e o equilíbrio das prestações, e que podem ter sido objeto de consideração e reflexão ao serem manifestadas as vontades objetivando a realização do negócio.

Por fim, para a incidência da Teoria da Imprevisão, a lei ainda exige que a prestação se torne excessivamente onerosa para a parte, ensejando desequilíbrio contratual ou extrema desvantagem para qualquer um dos contratantes.

2. O SURGIMENTO DA PANDEMIA OCASIONADA PELO CORONAVÍRUS E SEU CONTEXTO NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS

No final dos anos de 2019, surgiram os primeiros casos de uma nova espécie de Coronavírus, em Wuhan, Província de Hubei, na República Popular da China, razão pela qual,aos 30 de janeiro de 2020, a Organização Mundial da Saúde decretou situação de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) 12

Por meio do Decreto Legislativo nº 6/202013, o

11 AZEVEDO, Marcos de Almeida Villaça. Onerosidade Excessiva e Desequilíbrio Contratual Superveniente. São

Paulo: Almedina, 2020, p. 146

12 OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde. Histórico da pandemia de COVID-19, 2020. Disponível em: https:// www.paho.org/pt/covid19/historico-da-pandemia-covid-19. Acesso em: 14/01/2022.

13 BRASIL, Decreto Legislativo nº 6/2020. Disponível em <https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2020/decreto-64879-20.03.2020.html#:~:text=Decreta%3A,medidas%20adicionais%20para%20enfrent%C3%A1%2Dlo.>Acesso em 12/02/2022.

Congresso Nacional reconheceu o estado de calamidade pública em decorrência da pandemia do coronavírus (COVID-19) e, no Estado de São Paulo, o governador do Estado Paulista, João Doria, também assim o fez por meio do Decreto Estadual nº 64.879/202014

O Brasil, assim como diversos outros países, passou a enfrentar uma grave pandemia ocasionada pela COVID 19, o que refletiu significativamente na economia do país e nas relações negociais em curso.

O primeiro caso confirmado no Brasil foi registrado em 26 de fevereiro de 2020, na cidade de São Paulo, de um homem de 61 anos de idade, que teria retornado de viagem da Itália.

No mês de maio do ano de 2021, o Brasil alcançou a triste marca de 15 milhões de casos de COVID-19, sendo que o total de mortes, segundo a imprensa, chegaria a monta de 425.711 (quatrocentos e vinte e cinco mil setecentos e onze) óbitos desde o início da pandemia15

Diante do avanço da doença, foram criadas inúmeras ações governamentais no mundo inteiro visando o controle da pandemia, tendo sido adotadas no Brasil como principais medidas, o uso obrigatório de máscaras em estabelecimentos fechados e também em locais abertos, determinação de isolamento social, restrições de entrada de estrangeiros no Brasil, limitações de horários do comércio, tendo, inclusive, sido decretado lockdown em diversas cidades brasileiras, com determinação de funcionamento apenas de serviços essenciais, como alimentação, farmácia, hospitais, segurança pública, visando controlar o aumento desenfreado de casos e de mortes causadas pelo vírus.

Houve um verdadeiro colapso não só na área da saúde, mas na economia do país, com inú-

14 BRASIL, Decreto Estadual nº 64.879/2020. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/portaria/DLG62020.htm > Acesso em 12/02/2022.

15 ANARMED. Linha do tempo do Coronavírus no Brasil. 2021. Disponível em: https://www.sanarmed.com/linha-do-tempo-do-coronavirus-no-brasil. Acesso em: 15/01/2022.

131 O I.

meras empresas fechando suas portas, refletindo negativamente no desemprego do país e agravando a desigualdade social.

A despeito da vinda da vacinação, em janeiro de 2021, com significativa redução dos casos de Covid 19 e de mortes decorrentes da doença, a pandemia está longe de se revelar sob controle, e muito disso de dá em razão das variantes que surgiram no decorrente do tempo, como a Delta, Alfa, Beta, Gama e Ômicrom, dentre outras que possivelmente ainda surgirão.

Esse cenário de verdadeira calamidade pública, refletiu e ainda vem refletindo negativamente nas relações civis, em especial nos contratos em curso no período de pandemia.

Em meio à crise de saúde pública e seus reflexos na economia do país, muitos contratantes, pessoas físicas e jurídicas passaram a não conseguir cumprir prestações assumidas em contratos já celebrados antes mesmo do surgimento da pandemia.

Isso porque, além do crescente desemprego advindo de empresas que tiveram que fechar suas portas ou reduzir seu quadro de funcionários, muitos trabalhadores tiveram reduções drástica de salários, e, em um verdadeiro efeito cascata, a economia do país sofreu verdadeiro retrocesso, em que pese as medidas restritivas terem sido flexibilizadas no decorrerdo tempo.

A questão passou a ser judicializada, e o grande dilema que surgiu foi acerca da (in) aplicabilidade da Teoria da Imprevisão em decorrência do estado pandêmico, ou seja, passou-se a questionar se a pandemia poderia ser caracterizada como fato imprevisível, alheio à vontade das partes, gerando um impacto significativo na base econômica da avença, a ponto de ensejar a revisão ou rescisão judicial do contrato.

Considerando o fim precípuo da aplicação da Teoria da Imprevisão, qual seja, restabelecer o equilíbrio da base econômica do contrato, destaca-se:

A teoria da imprevisão serve de mecanismo de efetivo reequilíbrio contratual, quer recompondo o status quo ante que animou o contrato ao tempo de sua formação (efeito da teoria da condição implícita, a implied condition do direito inglês), quer o ajustando à realidade superveniente por modificações equitativas, e, como tal, deve representar, em princípio, pressuposto necessário da revisão contratual e não de resolução do contrato, ficando esta última como exceção16

Em vista da nova realidade social e econômica pós pandemia do Coronavírus, que, por certo interferiu negativamente no cumprimento das obrigações contratuais, a incidência da Teoria da Imprevisão se tornou um mecanismo legal para restabelecer o equilíbrio rompido por fato superveniente e imprevisível, preenchidos os requisitos legais.

3.

A POSSIBILIDADE DE REVISÃO OU RESCISÃO CONTRATUAL EM DECORRÊNCIA DO ESTADO PANDÊMICO. A PANDEMIA COMO FATOR DE DESEQUILÍBRIO

CONTRATUAL E O ENTENDIMENTO DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA PAULISTA

ACERCA DA (IN) APLICABILIDADE DA TEORIA DA IMPREVISÃO

A pandemia como fator de desequilíbrio contratual pode ensejar a aplicação da Teria da Imprevisão na medida em que se revela como fato totalmente imprevisível, mas desde que superveniente à formação do contrato, acarretando comprovado desequilíbrio nas prestações e manifesta onerosidade excessiva para uma das partes.

Para que haja a possibilidade de revisão ou mesmo de rescisão contratual, não basta per si, a ocorrência do fato imprevisível e inevitável, qual

132
16 SILVA, Regina Beatriz Tavares da (coord.). Código Civil Comentado. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 581.

seja, tão somente a ocorrência da pandemia, sob pena de ocasionar uma verdadeira insegurança jurídica nas relações negocias, em especial na medida em que o estado pandêmico atingiu os indivíduos em uma esfera global.

No caso concreto, a parte que pretende a revisão ou rescisão judicial do contrato deverá arguir não só a ocorrência da pandemia como circunstância de desequilíbrio contratual, mas também demonstrar que tal fato ensejou repercussões econômicas graves na base do contrato ocasionadas durante o período pandêmico, a ponto de justificar sua revisão ourescisão judicial.

Corroborando tal entendimento, Flavio Tartuce17 ensina:

A pandemia da Covid-19 pode ser tida, no meu entendimento, como fato imprevisível e extraordinário, desde que gere repercussões econômicas para o contrato, gerando onerosidade excessiva para uma das partes. Depois de mais de quinze anos de vigência do Código Civil, de poucos enquadramentos práticos da imprevisibilidade, a crise revelou uma situação que deve gerar a aplicação do art.

478. De toda sorte, como antes pontuado, a regra deve ser a revisão e não a resolução dos negócios.

A pandemia como fato imprevisível alcançou proporções descontroladas, atingindo os setores da economia e refletindo diretamente nas relações contratuais.

A doutrina18, por sua vez, destaca que o fenômeno da pandemia deve ser posterior à formação do contrato que se pretender revisar ou extinguir e que eventuais flexibilizações das medidas restritivas impostas pela pandemia, não possuem o condão de restabelecer ou mesmo estabilizar de imediato as relações negociais, a saber:

Neste sentido, concilia-se ambas as preo-

17 TARTUCE, op. Cit., p. 1138.

18 EISAQUI, op. Cit, p.189

cupações recorrentes da teoria contratual – de um lado, segurança jurídica, em benefício dos tráfegos comerciais; de outro, prestígio à dignidade da pessoa humana.

Conclui-se, pois, neste ponto, que a realidade vivenciada em decorrência da pandemia e coronavírus a situa como hipótese incontornável de aplicação da teoria da imprevisão. Assim sendo, é de se ressaltar, por oportuno e necessário, que a mera reabertura da sociedade, isto é, a revogação das medidas de isolamento, quarentena e lockdown, não conduz à normalização das relações. Ao contrário, os efeitos da pandemia sucederão serem sentidos ao longo do período da estabilização.

É importante ressaltar que o juízo de ponderação deve ser tomado à luz do caso concreto, sem abstrações ou presunções que conduzam à inaplicabilidade do revisionismo contratual. Dessa forma, pretende-se que a perquirição de preenchimento dos requisitos deve ser analisada de acordo com as circunstâncias negociais específicas do momento em que o pacto fora originariamente firmado, atentando-se para os cenários possíveis de sucederem, e a realidade que sobreveio no momento de cumprimento do pacto, já sob vigência da disrupção derivada da pandemia de coronavírus.

Em termos sintéticos, é preciso atentar-se à situação socioeconômica do contratante no momento da conclusão do pacto, cotejando-a com a situação socioeconômica do contratante no momento da execução da avença, para concluir-se pela existência ou não da excessiva onerosidade superveniente.

De todo modo, transparece uma presunção a favor da admissibilidade da revisão judicial dos contratos com base na teoria da imprevisão, tencionando, portanto, o órgão jurisdicional a empreender uma atividade argumentativa reforçada para lograr afastar a incidência da teoria em

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Na mesma linha do já citado artigo 478 do Código Civil, o artigo 317 do referido Codex19 admite a revisão contratual em decorrência de fato superveniente que acarrete onerosidade excessiva a uma das partes contratantes e, a pandemia, deve sim ser encarava como fato que justifique a aplicação da teoria da imprevisão, preenchidos os demais requisitos para sua incidência.

Diante desse cenário, forçoso concluir que, com o advento da pandemia, sobrevieram diversos impactos sociais e econômicos, que refletiram substancialmente nas relações negociais, dentre eles, o fechamento de empresas antes sadias, o desemprego desenfreado que potencializou ainda mais a desigualdade social, o isolamento forçado refletindo diretamente na saúde mental da população.

E, como consequência, muitos indivíduos se viram impossibilitados de cumprirem avenças firmadas antes da pandemia e que se estenderam pelo período pandêmico, a ressoar o reflexo negativo nas relações sociais.

Com isso, os cidadãos se viram obrigados a demandar judicialmente a fim de obter a revisão ou mesmo a rescisão judicial de pactos firmados à época em uma condição relativamente estável, mas cujas prestações passaram a se tornar um fardo pesado demais para carregar após o advento da pandemia do Covid-19.

A jurisprudência do E. Tribunal de Justiça atual, assim como a doutrina de modo geral, tem clara tendência a admitir a incidência da Teoria da Imprevisão, a luz do quanto previsto nos artigos 317, 478, 479 e 480 do Código Civil, quando preenchidos os demais requisitos legais.

Nesse sentido, exemplificando a aplicação da Teoria da Imprevisão nas mais diversasrelações

19 Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

negociais, cumpre trazer à baila, entendimentos jurisprudenciais do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo que tem admitido a revisão e até mesmo a rescisão contratual com base na alegação de mudança da base objetiva do contrato e onerosidade excessiva, a saber:

Apelação cível – locação comercial – restaurante acomodado em shopping center ação rescisória de contrato cumulada com declaratória de nulidade de cláusula contratual- pandemia do coronavírus- fato superveniente imprevisível desencadeador de onerosidade excessiva- revisão do contrato de locação autorizada- artigos 317, “caput”, e 478, “caput”, ambos do Código Civil- aplicabilidade, ainda, da teoria da imprevisão- inconformismo restrito à exaçãointegral da multa por rescisão prematura do pacto- inconsistência- desfazimento da avença por força de fato imprevisível - redução equitativa da cláusula penal -artigo 413 do Código Civil- sentença preservada- recurso improvido20

CONSUMIDOR – CONTRATO DE PROGRAMA DE VIAGEM EM SISTEMA DE INTERCÂMBIO COM O FIM DE REALIZAÇÃO DE CURSO E TRABALHO EM PAÍS ESTRANGEIRO – DESISTÊNCIA PELO CONSUMIDOR APÓS A DATA DO EMBARQUE EM RAZÃO DA PANDEMIA E DEPOIS DE CIENTIFICADO SOBRE A SUSPENSÃO DO CURSO PRESENCIAL NO QUAL ESTAVA INSCRITO – RESCISÃO CONTRATUAL E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS – CARACTERIZAÇÃO DE FORÇA MAIOR – DEVOLUÇÃO PARCIAL DE VALORES IMPOSTA – Momento de total excepcionalidade decorrente do Coronavírus (Covid-19), o qual gerou uma pandemia declarada pela Organização Mundial da Saúde-OMS, tendo diversos países fecha-

20 BRASIL. 34ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 100934542.2020.8.26.0011. Apelantes JHSF Malls S/A, Algarves Fundo de Investimento Imobiliário e XP Malls Fundo de Investimento Imobiliário – FII. Apelado GMR Comércio de Alimentos e Bebidas LTDA ME. Relator: Tercio Pires, Data de Julgamento: 22/11/2021, Data de Publicação: 22/11/2021).

134 comento.

do suas fronteiras e decretado estado de calamidade pública – Situação inesperada e totalmente imprevista, quese erige à conta de caso fortuito ou de força maior –Realidade que provocou o desequilíbrio no relacionamento das partes, tornando necessária a revisão contratual e recomposição do equilíbrio entre as mesmas, autorizando o pretendido encerramento da relação negocial, com a devolução parcial de valores – Impossibilidade de atribuição de prejuízos única e exclusivamente ao consumidor contratante, tal como pretendido pela Recorrente – Desistência do contrato de intercâmbio, que se justifica no caso concreto, posto que manifestada pela consumidora em momento subsequente à sua chegada no país de destino, onde ficou sabendo da suspensão do curso presencial pretendido, obrigando-a a retornar ao país de origem, restando frustrados todos os seus planos e objetivos – Oferecimento de curso à distância, de forma substitutiva, que não se presta a superar os prejuízos da Autora, máxime porque o intercâmbio para estudo e trabalho se justifica principalmente pela imersão do intercambista no país de destino, permitindo domínio da língua estrangeira e absorção da cultura alienígena

Cláusula contratual impeditiva do reembolso de valores que se mostra abusiva no caso concreto e não pode prevalecer para os devidos fins de direito – Inobstante os termos da Deliberação Normativa nº 161/85, da Embratur, editada para regular o relacionamento comercial entre as agências de turismo e seus usuários para a operação de viagens e excursões turísticas, o percentual admitido na r. sentença, a título de desconto (30%), mostra-se razoável e justo, não sendo o caso de sua majoração, servindo para compensar os encargos suportados pela Recorrente, sobretudo porque o curso e o intercâmbio não foram realizados sequer em parte –Devolução do valor restante (70%) que se impõe, como medida de justiça – Irrele-

vância do fato de que a Demandada já repassou os valores pagos pela Autora para os organismos estrangeiros, os quais se negariam ao cumprimento contratual ou devolução dos numerários, cuidando-se, na espécie, de questão “interna corporis” a ser resolvida entre os fornecedores, pela via regressiva – Sentença mantida – Recurso parcialmente provido21.

APELAÇÃO

AÇÃO REVISÃO CONTRATUAL LOCAÇÃO NÃO RESIDENCIAL REDUÇÃO

DE 50% - POSSIBILIDADE - Nos termos do art. 478

do Código Civil, a Teoria da Imprevisão, adotada nas relações e contratos paritários, busca equilibrar as relações jurídicas, afetadas por situações extraordinárias e imprevisíveis. Dessa forma, com base nos princípios da conservação dos contratos, do equilíbrio econômico, é possível alterar ainda que temporariamente as obrigações das partes; - Autora que comprovou a impossibilidade de arcar com os alugueis durante o período inicial da pandemia, que culminou com a rescisão antecipada do contrato redução proporcional da cláusula penal também é válida. RECURSOS

IMPROVIDOS22

AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL – ENERGIA ELÉTRICA - READEQUAÇÃO DA MODALIDADE DE FATURAMENTO - SHOPPING

CENTER – Partes que firmaram Contrato de Uso de Sistema de Distribuição (CUSD) de energia elétrica a ser entregue no Montante de Uso (MUSD) equivalente a 3.650,00

21 BRASIL. Turma Recursal Cível do Colégio Recursal – Lapa/São Paulo. Recurso Inominado nº 100733631.2020.8.26.0004. Recorrente Egali Intercâmbio LTDA. Recorrida Fernanda Calazans de Almeida. Relator: Julio Cesar Silva de Mendonça Franco, Data de Julgamento: 16/04/2021, Data de Publicação: 11/05/2021.

22 BRASIL. 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 101753460.2020.8.26.0576. Apelantes/Apelados Elizete Canizza, JC Capuano Empreendimentos Imobiliários LTDA, Rosangela Cannizza Pacheco e Jomarcos Cannizza e Maria de Fátima Marques Batista. Relatora: Maria Lúcia Pizzotti. Data de Julgamento: 10/02/2022, Data de Publicação: ainda não publicado.

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KW - Modalidade de demanda contratada - Autor que postula a readequação no faturamento, em razão das restrições impostas pelo Poder Público, decorrentes da pandemia da COVID-19, que tornou excessivamente oneroso o contrato, uma vez que o obriga a arcar com uma prestação mínima para ter uma reserva de energia que está impedido de utilizar – Pretensão de pagamento pela energia efetivamente consumida - Cabimento - Poder Público que determinou a suspensão das atividades comerciais não essenciais e a restrição de circulação de pessoas durante a quarentena - Queda no faturamento do Shopping Center por fato extraordinário e imprevisível, que justifica a pretensão de pagamento da quantidade de energia elétrica consumida no período de suspensão das atividades - Precedentes jurisprudenciais - Sentença mantida na íntegraHonorários recursais devidos - RECURSO DESPROVIDO23

AGRAVO DE INSTRUMENTO. Execução de título extrajudicial. Decisão agravada que autorizou a redução dos depósitos a 30% dos valores atualmente vigentes por seis meses desde fevereiro até julho de 2020; a partir de agosto a terceira Casa & Vídeo deverá voltar a depositar os valores na integralidade. A decisão agravada ainda determinou a expedição de nova carta precatória à 46ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro/RJ, para conclusão e homologação do laudo de avaliação, sendo indispensável o contraditório, com a intimação de ambas as partes para se manifestarem acerca dos laudos de avaliação já produzidos. Inconformismo do exequente. Pretensão de reforma. Pedido de efeito antecipatório recursal, cuja apreciação se dá, neste momento, diretamente pelo colegiado desta câmara julgadora

23 BRASIL. 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 103732670.2020.8.26.0100. Apelante Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S/A. Apelado Shopping Center Vila Olímpia. Relatora: Ângela Lopes. Data de Julgamento: 08/02/2022, Data de Publicação: ainda não publicado.

(arts. 129 e 168, § 2º do RITJSP). Sem razão. Situação de pandemia do COVID-19 que permite a aplicação da Teoria da Imprevisão. Inteligência do artigo 317 do Código Civil. Evidente impacto econômico direto na atividade exercida em decorrência da pandemia e de seus meios de enfrentamento. Redução do valor dos depósitos (30%) que foi bem determinado pelo MM. Juízo “a quo”. No mais, ausência de intimação dos patronos das partes agravadas quanto à avaliação de bens imóveis. Pretensão de condenação em litigância de má-fé afastada. Efeitoantecipatório recursal indeferido e, na sequência, já julgado o agravo com a decisão recorrida sendo mantida. Recurso não provido24

Destarte, em que pese o entendimento jurisprudencial não ser uníssono acerca da aplicabilidade da Teoria da Imprevisão nos contratos formados antes da pandemia e cuja execução se estendeu para além do período pandêmico, importa notar que a tendência doutrinaria e jurisprudencial é admitir a incidência da dita teoria a fim de restabelecer a base objetiva do negócio e, assim, o equilíbrio contratual.

CONCLUSÃO

O presente artigo analisou a aplicabilidade da Teoria da Imprevisão nos contratos de prestação continuada ou diferida firmado antes da ocorrência da pandemia, mas cuja execução se estendeu pelo período pandêmico.

A atual sistemática civil admite a aplicação da dita Teoria quando presentes os requisitos legais, quais sejam, a presença de um contrato de execução continuada ou diferida,a existência de um fato extraordinário e imprevisível superveniente à formação do contrato, e a presença de

24 BRASIL. 20ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumento nº 217604184.2020.8.26.0000. Agravante: Banco Fibra S/A. Agravados Jaime Luiz Martins, João do Carmo Monteiro Martins, Zalium Administração de Bens Próprios LTDA., Trinu Compra e Venda e Locação de Bens Próprios LTDA., Nabreja Compra e Venda e Locação de Bens Próprios LTDA e Pholot Administradora de Bens Próprios LTDA.

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onerosidade excessiva para um dos contratantes

Diante do advento da pandemia, a problemática enfrentada pela doutrina e jurisprudência passou a ser a análise do estado pandêmico como fator de rompimento da equivalência contratual, ou seja, se a pandemia poderia ser tido como um ‘fato extraordinário e imprevisível causador de onerosidade excessiva’, a teor do quanto previsto no artigo 478, doCódigo Civil25

Conclui-se que, a despeito de certa divergência jurisprudencial acerca da aplicabilidade da Teoria da Imprevisão em contratos iniciados antes da pandemia, cuja execução se estendeu para além do período pandêmico, a tendência é admitir a revisão e, em alguns casos, a rescisão de contratos, desde que haja comprovada ocorrência de desequilíbrio contratual e, portanto, rompimento da equivalência de prestações.

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BRASIL. 20ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumento nº 2176041-84.2020.8.26.0000. Agravante: Banco Fibra S/A. Agravados Jaime Luiz Martins, João do Carmo Monteiro Martins, Zalium Administração de Bens Próprios LTDA., Trinu Compra e Venda e Locação de Bens Próprios LTDA., Nabreja Compra e Venda e Locação de Bens Próprios LTDA e Pholot Administradora de Bens Próprios LTDA.

BRASIL. 27ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 1037326-70.2020.8.26.0100. Apelante Eletropaulo Metropolitana Eletricidade de São Paulo S/A. Apelado Shopping Center Vila Olímpia. Relatora: Ângela Lopes. Data de Julgamento: 08/02/2022, Data de Publicação: ainda não publicado.

BRASIL. 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 1017534-60.2020.8.26.0576. Apelantes/Apelados Elizete Canizza, JC Capuano Empreendimentos Imobiliários LTDA, Rosangela Cannizza Pacheco e Jomarcos Cannizza e Maria de Fátima Marques Batista. Relatora: Maria Lúcia Pizzotti. Data de Julgamento: 10/02/2022, Data de Publicação: ainda não publicado.

BRASIL. 34ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 1009345-42.2020.8.26.0011. Apelantes JHSF Malls S/A, Algarves Fundo de Investimento Imobiliário e XP Malls Fundo de Investimento Imobiliário – FII. Apelado GMR

Comércio de Alimentos e Bebidas LTDA ME. Relator: Tercio Pires, Data de Julgamento: 22/11/2021, Data de Publicação: 22/11/2021).

BRASIL. Turma Recursal Cível do Colégio Recursal – Lapa/São Paulo. Recurso Inominado nº 1007336-31.2020.8.26.0004. Recorrente Egali Intercâmbio LTDA. Recorrida Fernanda Calazans de Almeida. Relator: Julio Cesar Silva de Mendonça Franco, Data de Julgamento: 16/04/2021, Data de Publicação: 11/05/2021.

BORGES, Nelson. A teoria da imprevisão no Direito Civil e no Processo Civil: com referência ao CC de 16 e ao NCC. São Paulo: Malheiros, 2002.

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FIGUEIREDO, Fábio Vieira. Manual de Direito Civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2019.

DA DESCONSTITUIÇÃO DA COISA JULGADA COM BASE NA MUDANÇA DE ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

O presente artigo, aborda a possibilidade de rescindir uma decisão judicial transitada em julgado, através da ação rescisória, consubstanciada na ofensa a norma jurídica. A ofensa a norma jurídica, abordada é na verdade a construção doutrinaria e jurisprudencial, baseada na mudança de entendimento dos tribunais superiores e dever dos mesmos em uniformização de suas jurisprudências. O objetivo é, demonstrar a complexidade e a sofisticação intelectual da atividade de interpretação jurisdicional, quando abordado a demanda rescisória com base na violação de norma jurídica, fundida na mudança de interpretação de precedentes judiciais.

Palavras-chave

Trânsito em Julgado – Ação Rescisória – Violação da Norma Jurídica– Tribunais Superiores – Mudança na Interpretação de Precedentes.

Natã Domingos De Souza

Especialista em Direito Civil, Empresarial e Processo Civil - (Com docência para o ensino superior), na Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção de São Paulo- Liberdade

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho aborda como tema a ação rescisória fundamentada na violação manifesta a norma jurídica, especificamente sobre desconstituição de sentença transitada em julgada, com base na mudança de entendimentos dos Tribunais Superiores pátrios.

É de comum saber que o Estado representado pelo poder judiciário, tem o dever de estabilizar as relações sociais através de suas decisões, sendo corolário constitucional a segurança jurídica, consubstanciada na pacificação e imutabilidade de decisões transitadas em julgado.

Entretanto, com reiteradas mudanças nos posicionamentos dos Tribunais, principalmente os Superiores, bem como, com o atual panorama processual que concede força e obrigação na aplicação de precedentes, muitas questões que eram consideradas válidas, em vista de novos posicionamentos, hoje são consideradas inválidas, ou vice e versa, restando elucidar qual a força e alcance dos novos precedentes que modificam os entendimentos pretéritos.

Em outras palavras, há possibilidade de rescindir decisão transitada em julgado, afetando institutos de direitos fundamentais, sob justificativa de mudança deentendimento dos Tribunais Superiores e seu dever de uniformização de jurisprudência?

A relativização da coisa julgada com base na mudança e orientação jurisprudencial é um movimento tênue e perigoso, que afeta a estabilidade das decisões ameaçando à segurança jurídica e devido processo legal. De outro turno a imutabilidade pode afetar preceitos fundamentais da legalidade e isonomia, restandoestabelecer quais dos direitos fundamentais insculpidos na Constituição Federal, devem prevalecer. O devido processo legal e segurança jurídica, ou, a legalidade e isonomia?

A pesquisa proposta é de patente relevância e contribuição aos aplicadores dodireito, aos cida-

dãos com direitos positivados através do trânsito em julgado de decisões, abordando o que de mais atual sobre o tema proposto enfrentado nos Tribunais e conceituado por doutrinadores renomados e da atualidade.

A presente pesquisa será realizada com base em estudos bibliográficos e jurisprudenciais, utilizando os métodos bibliográfico, exploratório, explicativo, lógico edescritivo.

Assim o desígnio do presente trabalho além da abordagem célere sobre a conceituação da ação rescisória, norma jurídica, comparativo entre a legislação anterior e atual que trata do tema, é, analisar, discutir e elucidar as questõeslevantadas, contrapondo os entendimentos de doutrinadores de renomes, posicionamento dos Tribunais Superiores e Tribunal local (Estado de São Paulo).

De forma concisa o objetivo desse trabalho é analisar e discutir o atual posicionamento doutrinário e jurisprudencial, acerca do tema proposto, afim de construir, definir ou redefinir a aplicabilidade de direitos fundamentais que baseiam odevido processo legal.

1. FINALIDADE E LIMITE DA COISA JULGADA.

1.1. Proposito social dos Tribunais em pôr termo nos conflitos.

Desde que o homem se descobriu como ser vivo, pensante, sociável, se instaurou o litígio. Ao analisar o livro “sagrado”, o relato de vivencia do casal mais antigo, surgirá questões não resolvidas até os tempos contíguos, tais como: De quem é a culpa de ter comido o fruto proibido? Da cobra que iniciou a trama? Da mulher quedeixou ser influenciada e influenciou o homem? Do homem que deixou ser influenciado? Do episódio em questão, imagine quantos litígios não se instaurou nessa esfera familiar.

A supracitada reflexão apenas confirma que, tan-

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to nos primórdios da sociedade humana, como na atual, evoluída e complexa sociedade que estamos inseridos, sempre houve e sempre haverá litígios, bem como, sempre haverá a efetiva necessidade de um imparcial resolvedor de conflitos.

Assim, através desses fenômenos naturais elencados à diversos valores, culturas, ideologias, crenças, religiões, política, e principalmente interesses econômicos/ matérias, instaurou-se a ordem jurídica, como uma resolvedora deconflitos, tendo por fundamento vital a segurança jurídica de suas decisões.

Hebert Hart, em sua obra “O conceito de direito”, ao analisar a conduta e comportamento humano, traz o que ele intitula como: “ponto de vista interno”, onde o direito funciona na vida dos indivíduos “não meramente como hábitos ou como base de predições de decisões dos tribunais ou acções de outras autoridades, mas como padrões jurídicos de comportamentos e aceites. (2001. p. 151)”

Ao trazer tal afirmação, o pensador conduz ao entendimento de que, ao empregar o indivíduo um padrão comportamental com utilização de regras jurídicas, suporá esse que, “os tribunais e outras autoridades continuarão a decidir e comportar- se de certos modos regulares e, por isso, previsíveis, de harmonia com as regras do sistema (2001. p. 151)”.

A questão vem em choque, justamente quando o mesmo autor, passa a discorrer sobre a discricionariedade do judiciário, em principal de um Supremo Tribunal, que tem como ponto de equilíbrio a definitividade e infalibilidade de suas decisões, e como descreve o pensador “o aspecto mais interessante e instrutivo dessa forma de teoria reside no facto de que ela explora a ambiguidade de afirmações como <<o direito (ou constituição), é o que os tribunais dizem que é>> (2001. p. 155).

Ora, ao depositar a confiança de resoluções de conflitos em um sistema criado,conduzido e de-

cidido por seres humanos, obviamente/certamente que haverá falhas, pontos controvertidos e mudanças de entendimentos, afinal de contas à sociedade em si vive em constante mutação, sendo dever dos tribunais e legislação acompanhartais mudanças.

Decorrente disso, temos um choque entre direitos fundamentais da “segurança jurídica/devido processo legal contra a isonomia/legalidade”, haja vista a necessidade constante de mudanças nas legislações e entendimentos judiciais, no intuito de atender o que podemos chamar de constante evolução social de conflitos.

1.2. Abrangência e fronteira da coisa julgada.

Instituído o Estado Democrático de Direito, exercendo o povo o seu poder através de representantes eleitos ou diretamente, nos termos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (artigo 1ª §, ú), busca-se, para resolução de conflitos um judiciário sólido e seguro, sendo que a citada segurança das decisões judiciais, não pode ser oponível nem mesmo por lei, conforme petrificado no artigo 5ª, XXXVI, da citada magna carta1. No entanto, conforme será verificado, apesar de nãoser oponível por lei, tem sido oponível pelo próprio judiciário e pensadores que contrapõem a segurança jurídica em prol da isonomia e legalidade.

Como finalidade primordial, a coisa julgada, precisamente transitada em julgado, busca trazer a segurança das relações jurídica e sociais, nas palavras de Araken de Assis (2021, p. 20):

(...) ‘a atividade estatal há de ser previsível, ensejando a confiança dasociedade, e, para essa finalidade, pauta-se pela proporcionalidade no seu exercício. E finalmente os direitos adquiridos são preservados no patrimônio da pessoa, tornando-se imune às leis supervenientes, porque regulados unicamente por leis anteriores ao evento ou conduta que lhes presidiu a formação’.

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1 Art. 5, XXXVI da CF.- a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Assim a estabilidade e segurança são primordiais, para desenvolvimento de uma sociedade. No aspecto econômico, a título exemplificativo, qual o ser humano que iria dispor de seu dinheiro, patrimônio, afim de investir em algo instável, sem a mínima previsibilidade ou segurança. A questão não é o risco do negócio, mas sim aprevisibilidade, ainda que mínima, e segurança de que as regras do jogo não irão sofrer mutações absurdas ao longo da partida.

Portanto, tendo a coisa julgada finalidade de instituir valores supremos de umasociedade, assegurando o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, a justiça, a segurança jurídica, o devido processo legal2, entre muitos outros, resta saber se há limitações para o trânsito em julgado de uma decisão.

Conforme explanado acima, ainda que devidamente togados, transbordando conhecimentos jurídicos e específicos, o judiciário é composto por seres humanos, passíveis de erro, arrependimentos, corruptíveis. Embora seja árduo de se conceituar“o justo”, a finidade de um Estado Democrático de Direito, pauta-se na correta aplicação das leis.

Nesse sentido, em situações excepcionais se faz possível não somente limitara coisa julgada, mas também rescindi-la, torna-la ao “status quo ante”. No delongar do presente trabalho, iremos imergir na possibilidade de rescisão da coisa julgada consubstanciada na violação manifesta a norma jurídica (art. 966, V, Código deProcesso Civil vigente).

2. DA AÇÃO RESCISÓRIA

2.1. Breve relato sobre a evolução histórica

Em que pese seja difícil a constatação da origem exata da ação rescisória conforme explana Arakem Assis (2021, p.33), há indícios que a de-

2 Conceitos extraídos da Constituição Federal de 1988, em seu preambulo e artigo 5ª.

manda rescisória édescendente da “restitutio in integrum” do direito romano (Pontes de Miranda, 1976,

p. 89-91), da “querela nullitatis” do direito italiano, finalmente da “viam nullitatis” do direito medieval lusitano (Marinoni, 2021, p. 67).

Apesar de não possuir rol taxativo a “restitutio in integrum” do direito romano, normalmente era aplicada na “existência de dolo de uma parte contra a outra, de erro, de violência contra o juiz ou a falsidade das provas que influenciaram a decisão” (Marinoni, 2021, p. 67).

Já o antecedente mais longínquo da ação rescisória contra sentença que violamanifestamente a norma jurídica (artigo 966, V, da atual legislação processual Civil), adveio da afirmação do poder imperial, posteriormente passando do direito romano para o direito canônico já na idade média, sob a perspectiva de que qualquer Sentença dada “contra leges et constituciones”, era inválida (Marinoni, 2021, p. 70).

Já no direito pátrio, os primeiros vestígios da ação rescisória se deram através do Decreto nº 737, de 25 de novembro de 1850, e, em seu artigo 681, § 4º, o qual trazia a seguinte redação: “Art. 681. A sentença póde ser annullada: (...) § 4º Por meio da acção rescisoria, não sendo a sentença proferida em gráo de revista”.

2.2. Do conceito e natureza jurídica da ação rescisória.

Partindo da premissa de que nada é absoluto, nem mesmo um direito fundamental, principalmente quando há choque entre os mesmos, a ação rescisória tem como objetivo a reparação de uma sentença ou decisão interlocutória já transitadaem julgado.

Barbosa Moreira (1978, p. 121) e Humberto Theodoro Júnior (1999, p. 636), consentem em conceituar a ação rescisória aduzindo que é “à ação por meio da qual se pede a desconstituição de sentença transitada em julgado, com eventual re-

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julgamento, a seguir, da matéria nela julgada. ”

Luiz Guilherme Marinoni (2021, p. 17), traduz ação rescisória como “ação que visa desconstituir a coisa julgada, e eventualmente, viabilizar um novo juízo sobre a causa”. Já Arakem Assis (2021, p.36), aduz que é “o remédio jurídico processual que objetiva desconstituir a coisa julgada e, mais das vezes, obter novo julgamento da causa originária”.

Já Tereza Arruda Alvim (2021, p. 494), conceitua como o “meio próprio e eficaz para se impugnarem decisões judiciais sobre as quais pesa autoridade de coisa julgada.”

Arnaldo Rizzardo (2021, p. 293), faz distinção entre ação rescisória e ação anulatória, indicando que a primeira está prevista no caput do artigo 966 do atual Código de Processo Civil, sendo aquela que “visa desconstituir a sentença que fez coisa julgada material”, quanto aquela, prevista no mesmo dispositivo, entretanto no parágrafo quarto, sendo a que visa a “desconstituição do ato realizado pelas partes no processo, porque constatada a existência de vício ou fato que afeta a validade ou porque verificada a falta de um dos elementos de constituição do próprio processo.”

Pontes de Miranda, adverte que: “ação rescisória não é recurso, nem é reexame do que foi apreciado pela sentença rescindenda, - é ação contra a sentença para arguir e lhe mostrar o erro ou defeito grave, segundo a enumeração taxativa da lei.” (1976, p. 492).

Nesse sentido, a ação rescisória possui natureza constitutiva negativa, objetivando “romper, cortar, cindir, abrir ou, enfim, desconstituir a coisa julgada, demolindo o processado em todo ou em parte, e retomando o processo ou julgamento escoimado de vícios”. Arakem Assis (2021, p.37)

2.3. Do ato impugnável

Tratando-se de afronta direta a princípio fundamental petrificado no art. 5ª XXXVI, da nossa magna carta, conforme decidido no REsp

839.499/MT3, “a má valoração da prova encerra injustiça, irreparável pela via rescisória”, ou seja, para seter uma sentença ou decisão rescindida, ser essa injusta não é requisito, mas sim estar estritamente elencada no rol taxativo do caderno processual que rege a ação rescisória, que no Brasil atualmente é a LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015, em seus artigos 966 ao 975.

Destaca-se assim, conforme conceitos acima, que a ação rescisória procura desconstituir a sentença ou decisões interlocutórias proferidas em processo de conhecimento, principal ou incidental, tanto nos procedimentos regulados pelo Código de Processo Civil, quanto nos procedimentos previstos em leis esparsas, sobre as quais pese autoridade de coisa julgada, desde que se configure uma das hipóteses e prazo do artigo 966 do citado diploma legal (Tereza Arruda Alvim, 2021, p. 428/429).

Assim basta que a decisão esteja eivada de erros taxativos em legislação quea regula, não havendo o que se falar em infração ao princípio do devido processo legal. Nesse sentido, em uma demanda que, embora bem conduzida, respeitando a linha temporal processual tênue, com todos os requisitos, pressupostos e garantias constitucionais aplicados, pode se findar em uma sentença equivocada, ou ser proferido no curso do processo decisão que viola a norma jurídica, ofende a coisa julgada, fundada em erro de fato verificável do exame dos autos, ou qualquer outro requisito listado no artigo 966, do Código de Processo Civil. Se assim o for, tal sentença ou decisão é passível de ser desconstituída.

Na realidade, a demanda rescisória tem exatamente esse fim, buscar uma conclusão legal adequada a realidade processual do caso sob análise, de acordo comas normas e entendimentos vigentes que regulam o caso em concreto.

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3 (REsp 839.499/MT, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 28/08/2007, DJ 20/09/2007 p. 234)

3. COMPARATIVO DA AÇÃO

RESCISÓRIA COM BASE NA “DECISÃO QUE VIOLA LITERAL

DISPOSIÇÃO DE LEI (ART. 485, V, DA LEI Nº 5.869, DE 11 DE JANEIRO DE 1973)” E DECISÃO QUE “VIOLAR MANIFESTAMENTE NORMA JURÍDICA (ART. 966, V, DA LEI Nº 13.105, DE 16 DE MARÇO DE 2015)”.

3.1. Do art. 485, V, do Código de Processo Civil de 1973.

Uma das maneiras de se rescindir uma decisão transitada em julgado, da qual é foco primordial do presente estudo, se dá quando tal decisão “violar manifestamente norma jurídica” (art. 966, V, do Código de Processo Civil de 2015), o que anteriormentese dava pela “violação literal da lei” (art. 485, V, do Código de Processo Civil de 1973).

A expressão “violar literal disposição de lei”, trazida pela legislação processualanterior, ao olhar de doutrinadores como Pontes de Miranda, sempre trouxe ambiguidades, tanto é que em sua obra datada de 1976 (Tratado da ação rescisória),ao discorrer sobre o art. 485, V, do Código de Processo Civil de 1973, nomeia o respectivo capitulo em sua obra, não como violação literal da lei, mas sim como, “violação da regra jurídica”.

Ao ampliar o conceito do artigo art. 485, V, do Código de Processo Civil de 1973, o estudioso, entende que a rescindibilidade da sentença/decisão não está restrita apenas a violação literal de dispositivo, mas a toda regra de lei, “lato sensu” (1976, p. 267), escrita e não-escrita (1976, p.282), chegando a afirmar que “Tudo o que é direito é suscetível de ser violado; portanto, de dar ensanchas à rescisão.” (1976, p. 281)

Já Barbosa Moreira, com brevidade se restringiu a adequar a aplicação do art.485, V, do Código de Processo Civil de 1973, no sentido de ser rescindível toda e qualquer decisão que violar literal disposição de lei em sentido amplo, direito po-

sitivado, inexistindo, “qualquer diferença, a este respeito, entre normas jurídicas editadas pela União, por Estado-membro, ou por Município.” (1978, p. 154).

Assim, apesar das severas críticas doutrinárias, a rescindibilidade de sentençacom base no art. 485, V, do Código de Processo Civil de 1973, se dava apenas em relação ao direito positivado, ou seja, quando a sentença violasse literal disposição delei.

3.2. Evolução legislativa e art. 966, V, do Código de Processo Civil de 2015.

Já no atual panorama normativo (art. 966, V, do Código de Processo Civil de 2015), o conceito se alargou passando de “violar literal disposição de lei”, para “violar manifestamente norma jurídica”.

Para trazer a evolução do conceito de violação literal a dispositivo de lei para violação manifesta a norma jurídica, há real necessidade de verificar com brevidade, o contesto evolutivo/histórico das legislações processuais em comento, em vista de se tratar de uma questão teórica da mais alta importância.

A evolutiva mudança não aconteceu apenas nos dispositivos em questão, massim na necessidade de adequação de uma estrutura processual construída no formalismo de Buzaid, que foi cópia de uma melhor doutrina alienígena vigente à época (alemã e italiana), para uma visão de efetividade trazida através do formalismo-valorativo adotado pelo atual código de processo civil.

No formalismo interpretativo, havia a valorização na aplicabilidade da lei em concreto, sendo assim, o interprete deveria se restringir a “norma” do texto legal, formando um corolário da segurança jurídica, conforme descreve Marinoni (apud Jerzy Wróblewski, 2021, p. 182) “se a interpretação judicial está vinculada à lei, a decisão consegue ser tão estável e segura quanto ela, podendo-se dizer, até mesmo, que a lei é quem decide o caso concreto. ”

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O citado doutrinador (Marinoni. 2021, p. 182/183), descreve em sua obra que:

Trata-se de posicionamento hermenêutico historicamente associado aostrabalhos da Escola da Exegese, desenvolvidos no século posterior à publicação do Código Civil Francês. Nesse período, motivados pela desconfiança em relação aos juízes e amparados na ideia de respeito à vontade histórica do legislador, os exegetas contrariaram a orientação dos redatores do Código Civil Francês, e declararam que ao judiciário caberia pronunciar as palavras da lei para dar solução aos casos.

Essa concepção formalista interpretativa logicamente perdeu força, sendotranspassada pelo formalismo valorativo, abrangido na atual legislação processual civil brasileira. Com observância a vida real e evolução da sociedade em si, houve a transposição do formalismo interpretativo para o formalismo valorativo, haja vista queo simples texto de lei não é suficiente para determinar a decisão judicial.

O vigor da Carta Magma Brasileira de 1988, e sua concepção humanista, como exemplo, impôs ao judiciário brasileiro a aplicabilidade de um juízo valorativo, com observância à princípios e regras gerais interpretativas, não devendo as decisões judiciais serem pautadas em meras investigações cognitivas, mas também na “valoração dos diferentes significados possíveis e decisão pela adscrição de um deles ao texto (Marinoni, 2021, p. 185)”.

Essa evolução histórica está estritamente ligada a atual legislação processual civil que regula a violação literal a norma jurídica (art. 966, V, do Código de ProcessoCivil de 2015).

Nesse sentido, entende-se que violar norma jurídica, vai muito além de violação da lei exposta, compreendendo regras e princípios jurídicos (Arakem Assis. 2021, p.217), podendo esses serem de direito material, processual (Arruda Alvim, Tereza, 2021, p. 494), precedentes judiciais

(Donizetti, Elpídio, 2019, p. 1274), até mesmo atos normativos baixados por órgão do poder judiciário, e também ofensa a direito estrangeiro, desde que aplicável ao caso concreto (Motta, Carlos Alberto, 2018, p. 806/807), podendo tal ofensa ocorrer no curso do processo ou na própria sentença (Arruda Alvim, Tereza, 2021, p. 494).

Compreende-se assim que contrário de violação literal da lei, a violação da norma jurídica produz acepção muito mais ampla e abraçadora, “a partir da conformação constitucional, da interpretação sistemática dos textos legais, dos valores dominantes e da interação com os fatos. Os dispositivos de lei constituem-se no objeto da atividade hermenêutica, e as normas, no seu resultado. (Soares, Marcelo Negri - Apud RIZZI, Luiz Sérgio de Souza, 2019 p. 136) ”

3.3. Da violação “manifesta”.

De suma importância destacar, nos termos do artigo 966, V, da atual legislação processual civil que a violação da norma deve ser “manifesta, evidente, aclarada, “isto é, não demande atividade probatória no processo para sua demonstração (Marinoni. 2021, p. 179)”, assim, “a contrariedade ao texto da lei, ao princípio ou ao precedente vinculante, deve ser constatável de plano. Em qualquer caso, havendo ensejo para interpretações controvertidas, a rescisória não será cabível (Súmula nº 343 do STF) (Donizetti, Elpídio, 2019, p. 1274).”

Theotonio Negrão (2016, pág.864), adverte que se, “o acórdão rescindendo elege uma dentre as interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, a ação rescisória não merece vingar, sob pena de tornar-se recurso ordinário com prazo de interposição de dois anos.”

A propósito, não é demais reafirmar o ensinamento do Ilustre Doutrinador Antônio Cláudio da COSTA MACHADO (2014, p. 583), sob a ótica do atual art. 966, V, CPC/2015:

“Violação literal de disposição de lei deve ser entendida como ofensa flagrante, ine-

146

quívoca, à lei. Esse fundamento de rescisão se identifica com o desrespeito claro, induvidoso, ao conteúdo normativo de um texto legal processual ou material, seja este último formalmente legislativo ou não. Observe-se que, se o texto legal aplicado é de interpretação controvertida pelos tribunais, a sentença ou o acórdão atacado não deve ser rescindido porque a função da ação rescisória não é tornar mais justa a decisão, mas sim afastar a aplicação repugnante, evidentemente ‘contra legem’ (...)”

Denota-se que apesar da atual abrangência, do que antes era “literal disposição”, para hoje configurar norma jurídica, a citada violação deve ser clara e inequívoca, aquela que não se paire dúvidas, em vista da impossibilidade de atividade probatória.

4. A INCIDÊNCIA DO ATIVISMO JUDICIAL NA DESCONSTITUIÇÃO

DA COISA JULGADA.

4.1. Do elevado peso dos precedentes judiciais.

Conforme ficou verificado no capítulo anterior, ampliou-se de forma significativa o alcance da rescindibilidade, abarcando não somente a lei, mas a norma jurídica em seu sentido mais amplo. Apesar de bem visto pela doutrina majoritária a ampliação do ilustrado conceito de rescindibilidade, os operadores do direito precisam se atentar, se aprofundar sobre o tema, afim de resguardar a lei Maior em vista do choque entre os princípios do devido processo legal e segurança jurídica com os princípios da legalidade e isonomia.

Isso em vista a demasiada ampliação concedida aos Tribunais Superiores, na edição de seus precedentes, criação de suas próprias normas, das quais possuem elevado peso. É o caso da Sumula Vinculante, que se editada com intuito deresoluções políticas e não no seu proposito primor-

dial de pacificar entendimentos sobre matérias constitucionais, pode ser comparada como uma espécie de medida provisória editada pelo Supremo Tribunal Federal.

Assim, havendo precedente regulando determinada matéria o juiz ou tribunal, nas palavras de Donizetti, Elpídio, (2019, p. 113), deve se atentar no sentido de:

“Somente lhe será lícito recorrer à lei ou ao arcabouço principiológico para valorar os fatos na ausência de precedentes. Pode-se até utilizar de tais espécies normativas para construir a fundamentação do ato decisório, mas jamais se poderá renegar o precedente que contemple julgamento de caso idêntico ou similar”.

Portanto pode uma sentença transitada em julgado ser rescindida sob fundamento de violação de norma jurídica consubstanciada na não observância ou inaplicação de precedente judicial, “em que se tenha decidido “incidenter tantum” sobre a inconstitucionalidade de uma norma ou de uma interpretação (Arruda Alvim, Tereza, 2021, p.495).”

Marinoni (2021, p. 196), assevera que “o precedente que outorga sentido à lei agrega algo de novo à ordem jurídica legislada, fixando a interpretação da lei que deve orientar a vida social e regular os casos futuros”, no mais deixa claro que:

“Há óbvia diferença entre controlar para tutelar a lei e interpretar para tutelar o direito delineado pela Corte Suprema. Quando se pensa em interpretar para aferir se a decisão do tribunal divergiu de precedente, não há contrariedade à lei, mas contrariedade à norma jurídica eleita pela Corte Suprema.”

As inseguranças emergem quando há uso reiterado ou abuso no ativismo judicial, a título de exemplo temos a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), criada pelo po-

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der constituinte com fito de fixar as condições, modo de interpretação e aplicação dos preceitos fundamentais constitucionais, possuindo esses, conceitos amplos e controvertidos, e, com as lacunas deixadas pelaLei 9882/99, que regula a matéria, nas palavras de Luis Roberto Barroso (2016, p. 188) , confere ao “Supremo Tribunal Federal um amplo espaço de conformação do instituto por via de construção jurisprudencial. É possível supor, assim, que esse remédio constitucional possa ser projetado para uma dimensão mais elevada, superadora, inclusive, de suas motivações iniciais.”

Nesse sentido, pode, como muito se tem feito, a Corte Suprema editar regras a partir de Sumulas Vinculantes, interpretações a preceitos fundamentais, não no fito primordial de resguardar a Constituição Federal e Leis Federais, mas com o fim de politizar relações sociais.

4.2. Do alcance da nova norma – Do “overruling” e “distinguishing”

O debate se aquece, principalmente quanto ao alcance e efeitos da nova normajurídica de força obrigatória (precedente), ora, no surgimento de um novo precedenteque da interpretação divergente daquela que já vinha se formando através das decisões emanadas pelos Tribunais, qual orientação deve prevalecer? Há possibilidade de desconstituição da Sentença com base na nova orientação firmada em precedente? Ou seja, qual é o alcance ou efeitos dos novos precedentes em

demandas transitadas em julgado, que a sua época utilizou de decisões pacificas do mesmo tribunal que agora possui novo entendimento?

Trata-se de fenômeno denominado “overruling”, por meio do qual o mesmo Tribunal que possuía um entendimento consolidado, revoga ou supera talentendimento “em razão da modificação dos valores sociais, dos conceitos jurídicos, da tecnologia ou mesmo em virtude de erro gerador de instabilidade em sua aplicação” (Donizetti, Elpí-

dio, 2019, p. 1225), construindo o referido Tribunal, “uma nova posição jurídica para aquele contexto, a fim de que as situações geradas pela ausência ou insuficiência da norma não se repitam. (Donizetti, Elpídio, 2019, p. 1225). ”

Verifica-se que a Incidência do Ativismo Judicial na Desconstituição da Coisa Julgada, acaba por acarretar grande peso na hora de se decidir ou desconstituir sentença transitada em julgado, primeiro em vista da obrigatoriedade dos tribunais inferiores seguirem as orientações editadas pelas cortes Supremas, segundo, em vista que nem sempre o caso sob judice se amolda ao caso que deu origem a orientação Suprema havendo a necessidade de verificação de “distinguishing”4 , ainda, a orientação editada pelas cortes supremas, muitas das vezes possuem fundamentos mais políticos do que a guarda da constituição federal ou leis federais.

Finalmente, de suma importância destacar o alcance das decisões que alteram a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, das quais, nos termos do art. 927, § 3º, do Código de Processo Civil, podem conceder modulação dos efeitos da alteração da norma com base no interesse social e no da segurança jurídica.

A grande questão é que não existe lei, norma ou parâmetro que restrinja a modulação, o que nas palavras de Donizetti, Elpídio (2019, p. 1237/38), pode abarcar diversos tipos de modulação, tais como:

• O tribunal pode modular os efeitos e determinar que a tese seja aplicada somente a fatos posteriores à formação do novo precedente. Assim as demandas cuja matéria fática esteja relacionada com o prece-

4 Distinguishing, compete na não aplicação de precedente vinculante em determinado demanda, haja vista a ausência de parâmetros para incidência do precedente na demanda em questão.

148
4.3. Da modulação de efeitos.

dente anterior não estarão abarcadas pelo novo entendimento, ainda que não tenham sido julgadas. Do mesmo modo, ainda que não haja processo, os fatos consolidados na vigência do entendimento anterior serão por ele integralmente regidos (aplicação prospectiva pura). Aqui o problema reside na seguinte constatação: “se a nova regra não vale ao caso sob julgamento, a energia despendida pela parte não lhe traz qualquer vantagem concreta, ou melhor, não lhe outorga o benefício almejado por todo litigante que busca a tutela jurisdicional”; 25

• O tribunal pode aplicar o novo entendimento apenas às partes litigantes, ainda que o fato discutido seja anterior à modificação do precedente, e aos fatos novos, surgidos após a formação do precedente (aplicação prospectiva clássica). Nesse caso, o problema é a desigualdade criada para o aproveitamento da nova tese em relação aos litigantes que “estão no mesmo barco” (possuem a mesma questão jurídica), mas litigam em processos distintos;

• O tribunal pode fixar data futura a partir da qual a nova tese irá ser aplicada (aplicação prospectiva a termo);

• O tribunal pode dar efeito retroativo à modificação do precedente, hipótese em que o novo entendimento alcançará situações já consolidadas (aplicação retroativa pura) ou apenas fatos ocorridos antes da formação do precedente e ainda não acobertados pela coisa julgada (aplicação retroativa clássica). Em ambos os casos, o novo procedente vai afetar a confiança dos jurisdicionados que recorreram ao Poder Judiciário confiando na orientação jurisprudencial pacificada. Ressalte-se que a aplicação retroativa pura já ocorre na impugnação ao cumprimento de sentença (art. 475-L, § 1º, do CPC/1973; art. 525, § 12).

O presente trabalho emerge justamente na possibilidade de retroação de precedente por meio de ação rescisória, afim de desconstituir deci-

são firmada em precedente anterior, haja vista o choque de direitos fundamentais da isonomia e legalidade com os da segurança jurídica e devido processo legal, conforme será destrinchado a seguir.

5. DESCONSTITUIÇÃO DA COISA JULGADA COM BASE NA MUDANÇA DE ENTENDIMENTO.

5.1. Desconstituição da coisa julgada sobre prisma da Sumula 343 do STF.

Sobre o tema imprescindível adentrar no teor da Sumula 343 do STF, a qual aduz: “Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais”. Por não deter de força vinculante, o qual traria obrigatoriedade para sua aplicação aos casos em concretos, a citada sumula acaba por trazer desarmoniaa doutrina e jurisprudência pátria.

A análise e aplicabilidade da questão se resume ao choque de princípios da isonomia e legalidade versus os princípios da segurança jurídica e devido processo legal.

Insculpidos no art. 5º, caput e inciso II, a isonomia e legalidade se traduzem em: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo- se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:” e “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Para os que defendem a inaplicabilidade da Sumula 343 do STF, se socorremaos citados princípios da isonomia e legalidade, como pilares fundamentais daconcepção moderna de Estado de Direito, afirmando que da mesma forma que se

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5.2. Da defesa pela inaplicabilidade da Sumula 343 do STF.

aplica a legalidade e isonomia as “decisões dos Tribunais não podem aplicar a lei de forma diferente aos casos absolutamente idênticos, num mesmo momento histórico” (Arruda Alvim, Tereza, 2021, p. 463). A ilustre jurista continua aduzindo que:

“de nada adiantaria a existência de comando constitucional dirigido ao legislador se o Poder Judiciário não tivesse que seguir idêntica orientação, podendo decidir, com base na mesma lei, no mesmo momento histórico (ou seja, sem que os fatores históricos pudessem influir no sentido que se deva dar à lei), em face de idênticos casos concretos, de modos diferentes”. (Arruda Alvim, Tereza, 2021, p. 463).

Soares, Marcelo Negri (2019, p. 138), entende pelo afastamento da Sumula emdeterminadas situações, assim entende o estudioso:

“Nessa esteira, no Supremo Tribunal Federal uniformizou-se a jurisprudência no sentido de que “não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais” (Súmula 343). Data venia, na prática, a própria Súmula 343 admite algumas acepções, senão vejamos: a) uma parcela dos precedentes se inclina no sentido de superar a vedação da matéria ser controvertida nos tribunais, entendendo cabível a ação rescisória quando a decisão rescindenda tiver fundamento em matéria constitucional (STJ – AR 705/MG; Rel. Ministro Francisco Falcão, rev. Ministro Franciulli Netto, 1ª Seção, julgado em 27.02.2002; e STJ – REsp 130.234/DF, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, 2ª Turma, julgado em 02.12.2004); b) outra parcela dos precedentes aplica, com toda rigidez possível, o texto literal da Súmula 343 (STJ, AgRg na AR 3.192/PR, Rel. Ministro Castro Meira, 1ª Seção, julgado em 10.11.2004; e STJ – REsp 621.662/ DF, Rel. Ministro Eliana Calmon,

2ª Turma, julgado em 06.05.2004); c) outro entendimento encontrado nos precedentes é pelo afastamento da Súmula 343 no caso de matéria sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça, e o juízo ter julgado contrariamente à própria Súmula do STJ –nesse caso haverá cabimento daação rescisória (STJ – REsp 669.461/RS, Rel. Ministro Franciulli Netto, 2ª Turma, julgado em 04.11.2004; e STJ – REsp 427.814/MG, Rel. Ministro Eliana Calmon, 2ª Turma, julgado por maioria de votos em 02.09.2004); d) quando a rescisória é fundamentada em erro de fato, também se registram casos em que houve cabimento da rescisória (STJ – AR 836/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, rev. Ministro Franciulli Netto, 1ª Seção, julgado em 05.2002; e STJ – AR 1.381/DF, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins; rev. Ministro Humberto Gomes de Barros, 1ª Seção, julgado em 13.11.2002); e) há, por fim, precedente em que se acolheu a ação rescisória fundada em julgado desconexo com o pedido, por violação literal do art. 460 do CPC (STJ

– AR 896/RS, Rel. Ministro Francisco Falcão, 1ª Seção, julgado em 25.08.2004).”

Há de se destacar decisões do STF e STJ, afastando ou modulando os efeitos e aplicabilidade da indicada sumula, conforme decisão - STF, ADC 58, Tribunal Pleno,

j. 18.12.2020, rel. Min. Gilmar Mendes, De 07.04.2021 – versando sobre índices de correção na justiça do trabalho, em consonância com ART. 525, §§, 12º e 14º, modulou efeitos para atingir sentenças transitadas por meio de ação rescisória. No mesmo sentido STF - RE 1032704 ED-AgR, 2ªT.,j. 30.08.2019, rel. Min. Gilmar Mendes.

Já no STJ no AgInt nós EDcl no REsp 1466362/GO, 4ª.T.j. 29.03.2021, rel. Min. Raul Araújo - afastou súmula 343, fundamentando que a controvérsia se dá sobre questão federal, não podendo aplicar a sumula em comento.

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No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em v. Decisão não unanime proferida pelo 9º Grupo de Direito Privado, sob relatoria do Des. PAULO PASTORE

FILHO, na ação rescisória de nº 2209345961.2019.8.26.0000, entendeu pela excepcionalidade de afastamento da Súmula 343 do STF.

O resumo do entendimento aos que entendem pela inaplicabilidade da Sumula 343 do STF, em decorrência dos princípios da legalidade e isonomia, pela legalidade busca-se uma pacificação e uniformização da jurisprudência, afim de trazer previsibilidade, assim como é a lei. Já a isonomia no sentido de trazer um tratamento igualitário aos casos “sub judice”, tal como, aqueles rediscutidos em demanda rescisória que possuíam decisão baseada em interpretação controvertida nos tribunais, exatamente para uniformizar a referida decisão.

5.3. Da defesa pela aplicabilidade da Sumula 343 do STF.

De outro turno o princípio do devido processo legal, também consagrado no art.5º, LIV, da Constituição Federal, é “o princípio que garante o processo regido por garantias mínimas de meios e de resultado, ou seja, com o emprego de técnicas adequadas e conducentes à tutela pretendida” (Donizetti, Elpídio, 2019, p. 126).

Já no princípio da segurança jurídica, igualmente consagrado na Magna Cartaem seu artigo 5º, XXXVI, indica que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.

Assim, aos que defendem a aplicabilidade da Sumula 343 do STF, fundamentam seus entendimentos nos princípios da segurança jurídica e devido processo legal, consubstanciados na coisa julgada. Ora, se o processo teve seu curso normal, respeitando o procedimento, princípios, atos processuais, dando as partes oportunidades iguais de se defenderem, produzir provas, sendo esse sentenciado com base no entendi-

mento firmado à época da prolação da sentença ou interlocutória, com ou sem interposição de recursos, advindo o transito em julgado, não há de se falar em desconstituição da decisão em respeito aos indicados princípios.

Nas palavras de (Marinoni. 2021, p. 232):

“Se o supremo Tribunal Federal deve zelar pela uniformidade da interpretação da Constituição, isso obviamente não quer dizer que a sua interpretação tenha poder para dissolver a coisa julgada. Aliás, se a interpretação do Supremo Tribunal Federal pudesse implicar desconsideração da coisa julgada, o mesmo deveria acontecer quando a interpretação da lei federal se consolidasse no Superior Tribunal de justiça. Não se diga que a diferença entre as duas situações está em que, no caso da declaração de inconstitucionalidade, a coisa julgada se funda em lei invalida, enquanto “uma decisão contra a lei ou que lhe negue vigência supõe lei válida”. Ora, não admitir a rescisória a partir de pronunciamento do Supremo Tribunal Federal não significa atribuir efeitos a uma lei inconstitucional, mas apenas ressalvar os efeitos de um juízo constitucional que aplicou uma lei posteriormente declarada inconstitucional.”

Esclarece o Autor, que o equívoco da demanda rescisória proposta com base em precedente do STF, o seu real fundamento não é a violação da norma constitucional, mas sim o direito superveniente, o qual não pode ter efeito retroativo sobre a coisa julgada.

COSTA MACHADO (2014. p. 583), adverte que:

“(...)a função da ação rescisória não é tornar mais justa a decisão, mas sim afastar a aplicação repugnante, evidentemente ‘contra legem’, o que não se verifica na hipótese de controvérsia que por si só aponta para a razoabilidade da interpretação consagrada (Súmula 343 do STF). Idêntico raciocínio vale em relação à hipótese de aplicação ou não -aplicação de um texto

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legal a uma determinada situação concreta em que a jurisprudência se divida quantoa aplicar ou inaplicar certo texto normativo (...)”

Também sustenta pela impossibilidade de rescisão baseada em precedente posterior a prolação da decisão rescindenda o jurista Araken de Assis, (2021, p. 225/226), indicando que o “efeito retroativo infringiria o direito fundamental à segurança jurídica”, e nesse sentido, o mesmo aduz que, “ nem a lei em sentido formal se confere retroação máxima, muito menos ao seu filho espúrio chamado precedente”

Angélica Arruda Alvim (2016, p. 1106), segue a mesma orientação pela aplicabilidade da discutida Sumula, ao lecionar que:

“A posição do STJ quando à observância do Enunciado 343 da Súmula do STF finda por enfraquecer suas decisões, ou melhor, as decisões do intérprete último e guardião da legislação infraconstitucional federal. Deacordo com a jurisprudência dominante do STJ, pouco importa se a decisão,à época da formação da coisa julgada, estava em consonância ou não com sua jurisprudência, pois basta haver divergência nas instâncias ordinárias para se afastar o cabimento da ação rescisória. O Enunciado 343 da Súmulado STF é incompatível com a atual e elevada função do STJ de intérprete definitivo e guardião da legislação infraconstitucional federal, que inclusive, passará a produzir diversos precedentes com eficácia vinculante (art. 927, III,IV e V, CPC/2015)”.

Nesse sentido, em julgado anterior (STF, RE 590.809, Plenário, rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 22.10.2014), como em julgados mais recentes (STF em ADI 5817 ED -segundos, Tribunal Pleno, 29.06.2020. rel. Min. Rosa Weber, DJE 13.08.2020; e STF, ARE 978852 AgR, 2ª T.,j. 24.08.2020, rel. Min. Edson Fachin), o Supremo Tribunal Federal tem resguardado as premissas constitucionais da segurança jurídica, com

aplicabilidade da Sumula 343, ou dando efeito modular na declaração de inconstitucionalidade, afim de não atingir direitos transitados em julgado.

O STJ no julgamento do EDcl no AgInt no AREsp 1618207/SP, sob rel. do Min. Manoel Erhardt, DJe 18/03/2022, deu aplicabilidade a Súmula 343, indicando a impossibilidade de a parte renovar a discussão acerca de questão que já foi decidida e fundamentada.

No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em v. Decisão proferida pela 23ª Câmara de Direito Privado, sob relatoria do Des. J. B. Franco de Godoi, na ação rescisória de nº 209405341.2020.8.26.0000, foi aplicado o princípio do “tempus regit actum”, impossibilitando aplicar direito atual a fato ocorrido antes deste direito existir.

Depreende-se do exposto, evidente ausência de pacificação sobre o tema proposto, havendo duas tendências quanto à possibilidade ou não de rescindirsentença com base na mudança de entendimento.

Para quem busca a rescindibilidade da sentença ou interlocutória com base noart. 966, V, do CPC, alegando a ofensa a norma jurídica, em vista de precedente editado após o transito em julgado da sentença que pretende desconstituir, deve se basear no princípio da isonomia e extensão da legalidade, conforme destrinchado acima. De outro turno, para quem está na defesa da demanda rescisória, ira presar pela aplicação dos princípios do devido processo legal e segurança jurídica.

Nosso entendimento é pela aplicabilidade dos princípios do devido processo legal e segurança jurídica, afim de preservar a estabilidade das relações, decisões, confiança e credibilidade no Estado-Juiz

152
5.4. Do entendimento adotado na presente pesquisa.

Entendemos assim que, ao declarar o Supremo Tribunal uma determinada lei inconstitucional, não deve ser rescindido as questões por ela abarcadas que transitaram em julgado, e não se diga que com isso se dará chancela a lei inconstitucional, isso pelo motivo de na época da prolação da decisão aplicando a referida lei, o respectivo juiz ou tribunal em seu dever concedeu-lhe constitucionalidade através de seu controle difuso de constitucionalidade, portanto, alei foi válida e eficaz para resolução da questão sobreposta.

No mesmo diapasão se dá os aos precedentes, ora, se na época da prolação da decisão, foi aplicado entendimento majoritário, apto e eficaz para resolução da deslinde, esse não pode ser rescindido por decisão futura que se firmou até mesmo sobre questões diversas do caso sob judice, também em vista de não possuir os prolatores à época da decisão alvo da rescisão, meios de adivinhação com fito de descobrir qual o pensamento futuro dos tribunais superiores sobre a questão pacíficaà época, aplicando por bem, o direito vigente no período.

6. CONCLUSÃO

O presente trabalho abordou de forma célere a importância da ação rescisória consubstanciada na norma jurídica, abordando sua conceituação, evolução do que hoje se firmou como violação da norma jurídica, isso para verificar o atual posicionamento doutrinário e jurisprudencial acerca da rescindibilidade de decisão transitada em julgado que na época de sua prolação aplicou entendimento sólido, mas que futuramente foi modificado.

Em vista do choque de direitos fundamentais entre isonomia e da legalidade, versus segurança jurídica e devido processo legal, restou constatado a ausência de pacificação sobre o tema, tanto na jurisprudência quanto na doutrina.

Tratou, portanto, o presente trabalho de oferecer uma contribuição à dogmáticado processo civil

brasileiro a partir da teoria do direito consubstanciado na ação rescisória e sua modalidade mais utilizada, a violação da norma jurídica, com entendimentos de doutrinadores de renomes tanto da atualidade quanto do passado,entendimentos dos Tribunais Superiores e do Estado de São Paulo.

Optamos por seguir uma linha conservadora em detrimento dos princípios da segurança jurídica e devido processo legal, defendendo a impossibilidade de rescisão de decisão com transito em julgado com base em mudança de entendimento. No mais,ficou evidenciado a crescente corrente contrária pautada na isonomia e legalidade.

153

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154

SITUAÇÕES FÁTICAS EXCEPCIONAIS NOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE PARA PORTADOR DO TRANSTORNO DO

ESPECTRO AUTISTA

Este artigo científico visa explanar sobre os contratos de planos de saúdee abordar as regras de tais contratos que não são aplicadas às pessoas comTranstorno do Espectro Autista (TEA), por exemplo impossibilidade de limitação de sessões de terapia, de limitação de reembolso e impossibilidade de se considerar o transtorno do espectro autista como “doença pré-existente”, trazendo as principais legislações, resoluções e jurisprudências, atuais e relevantes sobre o tema.

Palavras-chave

Transtorno espectro autista (TEA)- Planos de Saúde - Função Social - Contratos

Anna Letícia Souza Zambaldi

Lato Sensu de Direito Contratual, Execução Contratual e Responsabilidade Civil, na Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção de São Paulo

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INTRODUÇÃO

O artigo 196 da Constituição Federal prevê que é dever do Estado garantir acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde dos cidadãos, contudo, diante das lacunas deixadas pela atuação do PoderPúblico, o contrato de assistência à saúde atua de forma complementar ao Sistema Único de Saúde, conforme dispõe o artigo 199 da Constituição Federal.

Ao contratar os planos de assistência médica particular os cidadãos objetivam a segurança de que no momento em que necessitarem estarão amparadoscontratualmente pelo sistema privado.

Em razão do grande poder econômico das operadoras destes serviços e, também, em razão de lacunas na legislação que prevê o fornecimento de planos de saúde, a relação jurídica entabulada entre as partes está sujeita a abusividades e ilegalidades, principalmente em decorrência da massificação dos pactos por meio dos contratos deadesão.

Assim, em muitas ocasiões surge no campo contratual o conflito de interesses entre o fornecedor desta espécie de serviço e o consumidor, os quais devem ser solvidos em observância das normas protetivas do consumidor, por intermédio de um diálogo harmônico e sistemático dessas.

Quando o contratante dos serviços de planos de saúde é pessoa portadora do Transtorno Espectro Autista (TEA) esses conflitos se intensificam, pois trata-se de pessoa com necessidades especiais em face da prestação de serviços, todavia, não se pode considerar TEA como doença, eis que é uma condição da pessoa.

O presente artigo tem por objetivo analisar o contrato de plano privado de assistência à saúde em relação ao fornecimento dos serviços de planos de saúde às pessoas portadoras do TEA, abordando a jurisprudência sobre o tema e as

normas já estabelecidas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) e, com isso, listar as exceções que são aplicadas atualmente aos contratos de planos de saúde para as pessoas portadoras do Transtorno Espectro Autista.

1. REGRAS GERAIS DOS CONTRATOS DE PLANOS DE SAÚDE

O serviço médico-assistencial prestado pela área privada possui extrema relevância social, tendo em vista que, para a concretização do princípio da dignidade humana,previsto no artigo 1.º, III, da Constituição Federal, faz-se necessário estabelecer garantias mínimas de saúde ao indivíduo e, diante da ineficácia da prestação do serviço público ligado à saúde a todos os membros da sociedade, cresce a cada anoo número de consumidores ligados a planos privados de assistência à saúde.

O legislador infraconstitucional definiu o plano privado de assistência à saúde no artigo1.º, I, da Lei n.º 9.656/1998, como a:

(…) prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, visando a assistência médica, hospitalar e odontológica, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem doconsumidor.

Antonio Joaquim Fernandes Neto1 salienta que “(...) o contrato médico-assistencial éconcebido a partir dos serviços e produtos nele contidos”.

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1 FERNANDES NETO, Antonio Joaquim. Plano de Saúde e Direito do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 130.

Logo, nos termos do artigo e inciso precitados, além da garantia de coberturafinanceira de riscos de assistência à saúde, o legislador infraconstitucional elencou uma série de elementos característicos que diferenciam a atividade exclusivamente financeira, tais como: custeio de despesas, oferecimento de rede credenciada ou referenciada, reembolso de despesas, entre outros, nos termos do §1.º, “a” a “f”, do art. 1.º da Lei n.º 9.656/1998.

Diante dos elementos elencados anteriormente, este contrato se caracteriza por ser um pacto de adesão, sinalagmático, oneroso, formal, aleatório e cativo de longa duração2

De adesão, pois não há a possibilidade de discussão das cláusulas contratuais ou modificações substanciais por parte do consumidor, sendo estabelecida unilateralmente pelo fornecedor ou cujas cláusulas tenham sido aprovadas pelaautoridade competente, conforme preceitua o artigo 54 do Código de Defesa do Consumidor. Sinalagmático e oneroso, uma vez que há reciprocidade de obrigações entre o beneficiário e a operadora do plano, em que se busca a segurança da cobertura de eventos futuros relacionados à saúde, mediante o pagamento de prestação pecuniária denominada de mensalidade. Formal, tendo em vista quesomente se perfaz se obedecidas a sua forma especial3

Aleatório, no que tange a prestação devida, visto que somente haverá a contraprestação por parte do fornecedor/operador do plano de saúde privado caso ocorra evento futuro e incerto, qual seja, sinistro relacionado à saúde do consumidor. A incerteza refere-se à sua necessidade de prestação, mas não quanto à natureza ouà qualidade do serviço prestado.

Claudia Lima Marques4 aduz que, quando necessária, a prestação deste serviço “deveser forneci-

2 Ibidem, p. 128.

3 Ibidem, p. 143.

4 MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 6.ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 518.

da com a devida qualidade, com a devida adequação, de forma que o contrato, que o serviço objeto do contrato unindo fornecedor e consumidor, possa atingir os fins que razoavelmente dele se esperam (…).”.

A mesma autora afirma que a relação contratual do plano privado de assistência à saúde constitui uma obrigação de resultado, haja vista que:

(…) o que se espera do segurador ou prestador é um “fato”, um “ato” preciso, prestar serviços médicos, um reembolsar quantias, um fornecer exames, alimentação, medicamentos, um resultado independente dos “esforços” (diligentes ou não) para obtenção dos atos e fatos contratualmente esperados.

Insta destacar que o contrato de plano privado de assistência à saúde caracteriza-sepor ser um contrato cativo de longa duração, pois a relação contratual se perpetua notempo, em face do interesse do consumidor em que a relação havida entre as partes seja contínua e duradoura, para que esteja coberto de riscos futuros com assistênciaà saúde. Este se renova anualmente e de forma automática, devendo ser fixado com a finalidade de atender a regulação atinente a cada novo período.

2. A FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE

Em consonância com o Código Civil de 2002, em especial no seu artigo 421, o contratode plano de saúde deve cumprir a sua função social, o que cria a necessidade de todos os atores adotarem em suas condutas uma racionalidade que coloque ointeresse da coletividade acima das necessidades e desejos individuais, o que, na assistência à saúde, caracteriza-se pela aplicação do princípio da equidade nautilização dos recursos e da relação custo-efetividade nas intervenções assistenciais,atitude que se exige também do Poder Judiciário na interpretação dos fatos e na aplicação da lei para solução dos conflitos

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entre operadoras e usuários de planos de saúde.

3. DEFINIÇÃO DE TRANSTORNO ESPECTRO AUTISTA (TEA)

A Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, considerada pessoa com transtorno do espectro autista aquela portadora de síndrome clínica caracterizada por:

“I - deficiência persistente e clinicamente significativa da comunicação e da interação sociais, manifestada por deficiência marcada de comunicação verbal e não verbal usada para interação social; ausência de reciprocidade social; falência em desenvolver e manter relações apropriadas ao seu nível de desenvolvimento;

II - padrões restritivos e repetitivos de comportamentos, interesses e atividades, manifestados por comportamentos motores ou verbais estereotipados ou por comportamentos sensoriais incomuns; excessiva aderência a rotinas e padrões de comportamento ritualizados; interesses restritos e fixos.”

Cada indivíduo dentro do espectro apresenta um conjunto de sintomas com características e intensidades bem variadas. Dessa forma, tanto o diagnóstico, quanto o tratamento, devem ser personalizados de acordo com as particularidades de cada caso.

O Transtorno do Espectro do Autismo passou a constar como um novo diagnóstico unificado na nova Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, a CID-11, lançada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que entrou em vigor em 1º de janeiro de 2022.

Contudo, a neurodiversidade traz como ponto principal que o autismo não é uma doença, são diferenças neurológicas dentro da diversidade

humana, que devem ser respeitadas e reconhecidas.

Existem publicações com diretrizes nacionais sobre cuidado à pessoa com autismo. Ambas são publicadas pelo Ministério da Saúde, sendo as Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e Linha de Cuidado para a Atenção às Pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo e suas Famílias na Rede de Atenção Psicossocial do Sistema Único de Saúde.

4. AS EXCEÇÕES PREVISTAS NOS CONTRATOS DE PLANO DE SAÚDE ÀS PESSOAS COM TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA)

Como mencionado anteriormente, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) não pode ser considerado doença, mas sim uma condição neurodiversa que faz parte da identidade humana, tal qual qualquer deficiência, portanto, o primeiro aspecto a ser levado em consideração no tocante aos contratos de planos de saúde às pessoas portadoras do TEA é o acesso aos planos de saúde e tratamentos necessários, não podendo haver restrição no momento da contratação do plano de saúde, nem constarcláusula de agravo ou cobertura parcial temporária, que é mencionada no artigo 11 da Lei 9.656/98 e no artigo 6° da Resolução Normativa nº 162/2007 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), não podendo também estabelecer período de carência para consultas, internações, procedimentos e exames aos portadores do TEA.

A Lei dos Planos de Saúde, Lei 9.656/98, insere o autismo dentre os transtornos globais do desenvolvimento e prevê sua cobertura obrigatória.

Nesse sentido também está a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que em seuartigo 5º prevê: “A pessoa com transtorno do espectro autista não será impedida de participar de planos pri-

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vados de assistência à saúde em razão de sua condição de pessoa com deficiência, conforme dispõe o art. 14 da Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998.”.

A mesma Lei 12.764/12, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, prevê em seus artigos 2°, III e 3°, III, “b”a obrigatoriedade do fornecimento de atendimento multiprofissional ao paciente diagnosticado com autismo.

Vale ainda mencionar os artigos 15 e 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que garantem o direito ao respeito da dignidade da criança, bem como a inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral.

No mesmo sentido, a Lei Brasileira de Inclusão, em seus artigos 20 e 23, proíbe qualquer forma de discriminação dos planos e seguros privados, em razão da deficiência, e garante à pessoa com deficiência, no mínimo, todos os serviços e produtos ofertados aos demais clientes.

Dessa forma, os planos de saúde privados são obrigados a dispor de toda terapia necessária para o portador do TEA, sem cobrança de qualquer valor adicional por isso.

Fica claro, assim, que a legislação atual garante cobertura a diversos transtornos do desenvolvimento, inclusive ao autismo, e ao tratamento que o beneficiário do plano de saúde necessita, quais sejam, as sessões multidisciplinares de fisioterapia, psicologia, fonoaudiologia, dentre outras.

No entanto, as operadoras e seguradoras de saúde costumam, arbitrariamente, limitar o acesso do beneficiário a apenas algumas sessões multidisciplinares anuais. Ocorre que, referido tratamento, demanda longo período de acompanhamento do paciente, sendo insuficiente a cobertura de apenas algumas sessões.

O argumento utilizado pelas empresas de planos de saúde para tal restrição está no Rol de Pro-

cedimentos Obrigatórios da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que determina cobertura a poucas sessões de terapias.

Ocorre que, conforme entendimento do Poder Judiciário, esse Rol de Procedimentose Eventos em Saúde não se trata de uma listagem taxativa, mas sim da cobertura mínima obrigatória que deve ser prestada pelos planos privados de assistência à saúde.

Desta forma, tal argumento de seguir o que consta no referido rol da ANS não prevalece, eis que uma listagem emitida por órgão regulador não pode se sobrepor àlei 9.656/98, ou seja, não pode limitar o que a lei não restringiu.

Além disso, o médico é o responsável pela orientação terapêutica ao paciente, de forma que se a enfermidade necessita de tratamento prolongado e o profissional assistente não limitou a quantidade de terapias, não pode o plano de saúde pretenderlimitá-las.

Nesse sentido, por analogia, está a Súmula 102 do TJ-SP: “Havendo expressa indicação médica de exames associados a enfermidade coberta pelo contrato, não prevalece a negativa de cobertura do procedimento”.

Vale ressaltar, também, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“Ao prosseguir nesse raciocínio, conclui-se que somente ao médico que acompanha o caso é dado estabelecer qual o tratamento adequado para alcançar a cura ou amenizar os efeitos da enfermidade que acometeu o paciente. A seguradora não está habilitada, tampouco autorizada a limitar as alternativas possíveis para o restabelecimento da saúde do segurado, sob pena de colocar em risco a vida do consumidor.

Ora, a empresa não pode substituir-se aos médicos na opção terapêutica se a patologia está prevista no contrato.

(...)

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Ao propor um seguro-saúde, a empresa privada está substituindo o Estado e assumindo perante o segurado as garantias previstas no texto constitucional. O argumento utilizado para atrair um maior número de segurados a aderirem ao contrato é o de que o sistema privado suprirá as falhas do sistema público, assegurando-lhes contra riscos e tutelando sua saúde de uma forma que o Estado não é capaz de cumprir. (REsp nº 1.053.810/SP - 3ª Turma - Relatora Ministra Nancy Andrighi, j. 17/12/2009)”

Importante mencionar, ainda, por analogia, a súmula 302 do Superior Tribunal de Justiça, que assim determina: “É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde quelimita no tempo a internação hospitalar do segurado”.

Se nem mesmo os dias de internação podem ser limitados, o que gera muito mais despesas para as operadoras e seguradoras de planos de saúde, não há razão alguma para se limitar sessões relacionadas ao tratamento multidisciplinar do pacienteautista.

Necessário ressaltar que essa postura abusiva das empresas de planos de saúde temsido repelida pelo Poder Judiciário, que tem deliberado em favor dos pacientes, a fimde obterem o tratamento médico adequado, sem limitação na quantidade de terapiasnecessárias.

Isso porque a restrição imposta pela operadora de plano de saúde inviabiliza o próprioobjeto da avença, cuja finalidade é garantir a assistência à saúde, em evidente afrontaaos princípios da boa-fé e da função social do contrato celebrado.

E a cláusula que prevê a limitação do número de sessões das terapias em questão coloca o consumidor em posição de extrema desvantagem, sendo nula de pleno direito, nos termos do artigo 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, havendo também violação ao artigo 47 do Código de Defesa do Consumidor, eis que as cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira

mais favorável ao consumidor.

Em razão das reiteradas decisões do Poder Judiciário determinando a suspensão do limite de sessões de terapias para tratamento de autismo, citando-se como exemplosas decisões determinadas pela Justiça em resposta a ações civis públicas nos estadosde Goiás, Acre, Alagoas e, mais recentemente, de São Paulo (Ação Civil Pública nº 5003789-95.2021.4.03.6100), a ANS realizou alteração no Anexo II (Diretrizes de Utilização) da Resolução Normativa nº 465/2021, que dispõe sobre as coberturas obrigatórias para beneficiários de planos de saúde (Rol de Procedimentos e Eventos

em Saúde), informando que beneficiários de planos de saúde portadores do Transtorno do Espectro Autista (TEA) de todo o País passam a ter direito a número ilimitado de sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos parao tratamento de autismo, o que se soma à cobertura ilimitada que já era assegurada para as sessões com fisioterapeutas.

Além disso, a Resolução Normativa nº 469/2021 da ANS alterou a Resolução Normativa - RN nº 465, de 24 de fevereiro de 2021, que dispõe sobre o Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde no âmbito da Saúde Suplementar, regulamentou a cobertura obrigatória de sessões com psicólogos, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos, para o tratamento/manejo do Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Vale destacar, ainda, que muitos profissionais indicam tratamento do TEA com o método A.B.A. (Applied Behavior Analysis, na sigla em inglês), ou seja, Análise do Comportamento Aplicada, em que o terapeuta analisa o comportamento verbal e não-verbal do paciente para aplicar os princípios desta técnica, a fim de auxiliar a criança a desenvolver habilidades sociais, de comunicação, dentre outras.

E aqui o consumidor se depara com outro problema, eis que nem todo convênio médico dispõe de profissional capacitado, que atenda re

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-

Para guiar casos como este, a Agência Nacional de Saúde - ANS, editou a ResoluçãoNormativa nº 259 que regula a obrigatoriedade de cobertura do procedimento fora darede credenciada:

“Art. 4º Na hipótese de indisponibilidade de prestador integrante da rede assistencial que ofereça o serviço ou procedimento demandado, no município pertencente à área geográfica de abrangência e à área de atuação do produto, a operadora deverá garantir o atendimento em:

I - prestador não integrante da rede assistencial no mesmo município; ou

II - prestador integrante ou não da rede assistencial nos municípios limítrofesa este.

§ 1º No caso de atendimento por prestador não integrante da rede assistencial, o pagamento do serviço ou procedimento será realizado pela operadora ao prestador do serviço ou do procedimento, mediante acordo entre as partes.”

Observa-se, assim, que inexistindo na rede credenciada um profissional habilitado a tratar determinada enfermidade, como neste caso da terapia A.B.A., o beneficiário pode buscar a respectiva assistência fora da rede, devendo a seguradora efetuar a devida cobertura mediante reembolso do valor gasto.

E a respeito do reembolso, também convém esclarecer que se o contrato de plano desaúde foi firmado sob a modalidade de livre escolha, o paciente não está obrigado a realizar o tratamento médico e multidisciplinar na rede credenciada pelo plano de saúde, tendo o plano de saúde obrigação de reembolsar o valor gasto com o profissional escolhido.

Portanto, qualquer restrição que se faça ao tratamento multidisciplinar necessitado pelo portador de transtorno do espectro do autismo se

mostra abusiva, pois contraria a legislação vigente, bem como o atual entendimento do Poder Judiciário, além das resoluções de Agência Nacional da Saúde Suplementar.

CONCLUSÃO

Pelo exposto, é possível concluir que as operadoras de planos de saúde não podem recusar a inclusão de portador do TEA nos planos de saúde e nem considerar tal condição neurodiversa como “doença ou lesão preexistente”, devendo oferecer cobertura total, sem qualquer cobrança adicional ao usuário, ou cobertura parcial temporária.

Não poderá, ainda, limitar quantidade de sessões de consulta ou terapia ao portador do TEA, devendo cobrir o tratamento indicado pelo médico, ainda que não tenha profissional capacitado na rede credenciada ou não haja previsão no rol de procedimentos obrigatórios previstos pela Agência Nacional de Saúde Suplementar.

Importa registrar, também, que é considerado crime a discriminação por motivo de deficiência, conforme artigo 88 da Lei Brasileira de Inclusão e, na mesma lei, no artigo4º, está definido o que pode ser considerado discriminação em face da pessoa com deficiência, sendo: “(...) toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o

reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas”.

A conduta da operadora de planos de saúde que se recusa a firmar contrato com o portador do TEA ou que se nega a cobrir o tratamento multidisciplinar indicado pelo médico ou, ainda, que nega reembolsar o tratamento realizado por profissional fora rede credenciada, é considerada prática abusiva, podendo a operadora ser

161 ferido método.

responsabilizada civilmente, tendo o portador do TEA a possibilidade de requerer junto ao Poder Judiciário a ampla cobertura por parte da operadora, bem como indenizaçãopor danos morais e materiais.

Nos contratos de plano de saúde deve ser observada a boa-fé entre os contratantes,deve ser preservada a dignidade da pessoa portadora do TEA e observada a função social do contrato.

E, como demonstrado, a legislação vigente, bem como o atual entendimento do Poder Judiciário, além das resoluções de Agência Nacional da Saúde Suplementar, preveem as exceções contratuais aos planos de saúde firmados por portador do TEA e os protege das práticas abusivas aplicadas pelas operadoras de planos de saúde.

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Edição 40 Ano 2022

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