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PROBLEMAS

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PROCESSO CONSTITUCIONAL E TECNOLOGIA: A UTILIZAÇÃO DE APLICATIVOS DE MENSAGEM PARA A CITAÇÃO DENTRO DO PROCESSO E SEUS PROBLEMAS

Fernanda Gomes e Souza Borges77 Júlia Bielskis78 Mariana Assis da Aparecida79 Clara Lorrainy Diniz Barbosa80 Marcus Paulo Assis81

77 Doutora em Direito Processual pela PUC/Minas, professora Adjunta do Departamento de Direito da Universidade Federal de Lavras. Líder do GEPPROC/UFLA.

78 Graduanda no curso de Direito na Universidade Federal de Lavras, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa em Processo Constitucional, do Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital e pesquisadora com o PIVIC/UFLA.

79 Graduanda no curso de Direito na Universidade Federal de Lavras, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa em Processo Constitucional.

80 Graduanda no curso de Direito na Universidade Federal de Lavras, integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa em Processo Constitucional.

81 Graduando no curso de Direito na Universidade Federal de Lavras.

RESUMO Não se pode ignorar a influência que os avanços tecnológicos possuem na vida humana. Principalmente quando se trata do ambiente jurídico. Nesse sentido, é necessário investigar como a tecnologia vem modificando o Direito Processual. Tendo em vista que essa área é reconhecida por seu conservadorismo. Apesar da utilização por meio de aplicativos, como o WhatsApp, ainda há diversas controvérsias quando se trata de usar esses aplicativos para se comunicar no processo, principalmente na citação. Tendo isso em vista, o objetivo do trabalho é entender as nuances da utilização de aplicativos de mensagens no processo de citação. Com isso, busca-se compreender se a utilização dessa ferramenta está de acordo com o processo constitucional, ou se é somente uma ilusão que o judiciário vem enfrentando. Destarte, a partir da leitura dos trabalhos acadêmicos coletados, foi averiguado que a utilização de aplicativos para a citação precisa se atentar com as regras do devido processo legal, sob pena de culminar em abusos.

PALAVRAS CHAVE Tecnologia; whatsapp; processo constitucional; citação

1. INTRODUÇÃO:

As constantes transformações e viradas tecnológicas são fatos inegáveis na atualidade. Isto se deve, principalmente, por decorrência de novas tecnologias, que vêm adentrando cada vez mais nos nossos cotidianos. Nesse âmbito, alguns estudiosos afirmam que estamos vivendo uma revolução tecnológica (CASTELLS, 2013). Sendo assim, podemos averiguar que “A história da vida (...) é uma série de situações estáveis, pontuadas em intervalos raros por eventos importantes que ocorrem com grande rapidez e ajudam a estabelecer a próxima era estável” (CASTELLS, 2013, p. ). É incontestável que a sociedade enfrenta um desses intervalos em decorrência da revolução tecnológica, de tal forma que o direito deve estar preparado para acompanhar essas mudanças, dado que: “O direito não é um fenômeno estático. É dinâmico” (NASCIMENTO; NASCIMENTO, 2015, p. 35). Em decorrência de tal fato, deve-se sempre se atentar para as modificações na sociedade e como esta irá alterar o Direito, tendo em vista a função dos técnicos do Direito de serem guardiões dos direitos fundamentais.

Com isso em vista, pode-se averiguar que quando se trata de Direito Processual observa-se um forte incentivo para a utilização de meios tecnológicos dentro dos processos, sob o argumento genérico, na grande maioria das vezes, que essas ferramentas celebrariam a celeridade processual. Para Borges (2018), esse aumento na utilização da tecnologia, muitas vezes é motivado por uma crença ilusória de que o uso desses meios poderia salvar o ambiente jurídico das mazelas da função jurisdicional. Nesse ponto, portanto, com o presente trabalho, busca-se averiguar se a utilização dos aplicativos de comunicação, tais como o WhatsApp, para a citação do réu, está em conformidade com o processo constitucional.

Logo, por ter a citação, caráter de tamanha importância para o trâmite judicial, deve esta ser feita de forma justa, indubitável e efetiva, visando cumprir com a segurança jurídica, e demais prerrogativas que englobam o curso e o raciocínio processual. Nesse ponto, a citação representa o ato mais importante da relação processual, dado que inicia de forma válida o trâmite processual, sendo assim indispensável (LUNA, 2018). Partindo desta premissa, por mais que meios eletrônicos, tais como o aplicativo de mensagens Whatsapp, apresentem formas de assegurar à função jurisdicional a celeridade que tanto é almejada, quando usados com fim à citação de partes, nesse ponto, é necessário averiguar se está se mostra como uma alternativa tátil capaz de proporcionar a sustentação e segurança que tal medida requisita, por carecerem dos meios regulamentares e de certificação necessários que o confiram caução. Diante disso, o presente trabalho tem como objetivos traçar as nuances processuais que permeiam o advento da citação do réu, utilizando de pesquisa e análise teórica acerca da adoção destas novas técnicas processuais, as quais devido ao seu alcance e natureza, podem contribuir para a facilidade e eficácia desta fase processual e permitir se compreender até que ponto o uso de tais aplicativos é válido e compatível para com as normas processuais constitucionais.

Não obstante, objetiva-se ainda enxergar a influência que o uso destes meios tecnológicos exercem nas relações jurídicas e processuais, assim como estas impactam na existência, construção e evidenciação de princípios de suma importância para o processo e para o ordenamento jurídico em si, além de abrir espaço para a discussão acerca do ponto central: até onde o uso destes aplicativos de mensagens podem ser benéficos para/ nas relações processuais, evidenciando os possíveis abusos que podem decorrer e emergir consubstanciados por detrás da promessa de maior efetividade e celeridade.

Para a sua realização inicialmente foram coletados 10 trabalhos acadêmicos, por meio de uma pesquisa não sistemática, utilizando da plataforma Google Acadêmico, no modo pesquisa avançada, utilizando como palavra-chave a frase “citação por whatsapp”.A seleção dos trabalhos se deu pela proximidade dos resumos lidos com a temática desta pesquisa. A pesquisa teve como marco temporal o período de 2015 a 2020, tendo em vista que o ano de 2015 foi marcado pela vigência do Código de Processo Civil, o qual inovou ao trazer aspectos do Processo Constitucional. Além disso, recursos jornalísticos que tratam da citação por aplicativos também foram levados em consideração e sobre as estatísticas do uso do celular e do acesso à internet. Para completar, foram lidos textos de grandes teóricos do processo constitucional, verbi gratia José Alfredo de Oliveira Baracho.

Em síntese, o procedimento metodológico coloca em diálogo trabalhos acadêmicos, notícias e obras constitucionalistas. Nesse sentido, para a interpretação dos resultados foi utilizado o método de análise discursiva.

O artigo está dividido em quatro partes. Na primeira será dissertado acerca do que é o direito processual constitucional. Na segunda parte será feita uma análise das novas tecnologias no processo. Na terceira será feito uma breve explicação acerca da citação e sua importância para o processo, além dos efeitos da revelia. E, por fim, será feita a análise da citação por meio dos aplicativos de mensagem.

2. DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL:

Para esclarecer as nuances da problemática, faz-se primordial a compreensão do significado do processo constitucional. Sendo esse, portanto, o objetivo da presente seção. Por uma boa parcela de tempo, o processo foi enxergado como mero instrumento à vontade da jurisdição, fruto da teoria instrumentalista desenvolvida por Büllow. Nesse ponto, a partir do momento em que a parte provoca o judiciário, haveria uma relação jurídica entre o autor e o juiz (CAMPOS; PEDRON, 2018). Essa teoria, coloca o processo como uma relação triangular, na qual o juiz possui destaque. No Brasil, pode-se notar que essa teoria veio com a influência de Liebman, iniciando a Escola Paulista de Processo. Em síntese, para aqueles que seguem o instrumentalismo, este é visto como um conjunto de atos, tais como a distribuição da petição inicial, citação, dentre outros. Na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, pode-se notar que esta ajudou na consolidação do entendimento, em âmbito internacional, de que é necessária a constitucionalização de direitos processuais nas constituições formadas na metade do Século XX

(PIMENTA, 2020). Sendo assim: “para a racionalização do exercício do poder e a efetivação dos direitos fundamentais é necessária a aproximação entre a Constituição e o Processo. Para tanto, a proteção processual é elevada a direito fundamental que garante o cumprimento dos demais direitos fundamentais” (PIMENTA, 2020, p. 257).

O primeiro autor a tratar sobre o direito processual constitucional é Kelsen em La garantir juridictionnelle de la Constitution, propondo uma nova forma de controle de constitucionalidade, e não um estudo amplo a respeito da constitucionalização dos princípios constitucionais. Assim, somente com a publicação da obra Processo Constitucional, em 1984, pelo estudioso José Alfredo de Oliveira Baracho, o processo constitucional começa a ganhar forças no Brasil. Nesse sentido, devemos entender que: “O processo constitucional está ligado à justiça constitucional (...) os conceitos de processo e jurisdição são correlatos entre si, ao passo que outras indagações atentam para os caracteres processuais dessa jurisdição” (BARACHO, 1982, p.100). O processo constitucional, portanto, deve ser compreendido como uma garantia de espaço constitucionalizado, indo em oposição à visão de que o processo é tão somente o instrumento técnico da jurisdição (CAMPOS; PEDRON, 2018). Conforme explica Pimenta (2020): Para o autor [Baracho], o Processo garante a participação do povo na construção do Estado Democrático de Direito e, na tentativa de conciliação entre o Estado Liberal e o Estado Social, é o novo centro da vida política e metodologia eficaz de concretização das pretensões constitucionais de impedir a concentração do poder (PIMENTA, 2020, p. 268).

É importante notar que o processo constitucional não deve ser entendido como um ramo autônomo do direito. Isto se deve ao fato de que o processo constitucional é uma visão técnica e científica que se busca configurar constitucionalmente o Estado Democrático de Direito (DIAS, 2015). Sendo assim, deve-se notar que não é possível discutir o direito constitucional sem dizer sobre processo, bem como também não é possível estudar processo sem que seja no âmbito constitucional. Deste modo, na contemporaneidade, em decorrência do albergado na Constituição de 1988, com a inserção de matérias infraconstitucionais nesta e de sua concomitante leitura com base nos preceitos trazidos pelo texto magno, vemos o que nos é denominado de constitucionalização do direito. Processo pelo qual é feita filtragem e interpretação

das demais normas legais conforme o disposto pela lei maior, base e sustentáculo do ordenamento brasileiro. Dentre estas conformações, se encontra presente e de forma marcante no diário jurídico, a constitucionalização do processo, o qual agora se pauta e se alicerça em princípios e preceitos constitucionais, os quais, embora ainda carreguem alguns reflexos de um ultrapassado instrumentalismo, são de fundamental importância para a efetivação das garantias estabelecidas pela Carta Magna.

Sendo assim, nota-se que:

Esses enumerados direitos e garantias fundamentais do povo, posto que estatuídos no extenso rol do art. 5º da Constituição Federal vigente, são meios desenvolvidos pela técnica jurídica do Estado Democrático de Direito, com o objetivo de controlar a regularidade constitucional dos atos estatais em geral (gênero) e do ato jurisdicional (espécie), em particular (DIAS, 2015, p. 229).

Posto isso, o processo constitucional se torna crucial para a construção do Estado Democrático de Direito.

Ademais, deve-se enfatizar que, conforme disciplina Dias (2009), a mais importante garantia processual constitucional é o devido processo legal, posto que: sob interpretação lógicosistemática das normas do art. 5º, incisos II, XXXV, XXXVII, LII, LIV, LV e LXXVIII, do art. 93, incisos IX e X, e dos arts. 133 e 134, todos da Constituição Federal, deve ser compreendido como um bloco aglutinante e compacto de vários direitos e garantias fundamentais e inafastáveis ostentados pelas partes litigantes contra o Estado, quais sejam: a) direito de amplo acesso à jurisdição, prestada dentro de um tempo útil ou lapso temporal razoável; b) garantia do juízonatural; c) garantia do contraditório; d) garantia de plenitude da defesa, com todos os meios e recursos a ela (defesa) inerentes, aí incluído, também, o direito da parte à presença do advogado ou do defensor público; e) garantia da fundamentação racional das decisões jurisdicionais, com base no ordenamento jurídico vigente (reserva legal); f) garantia de um processo sem dilações indevidas. Portanto, mediante a garantia fundamental do devido processo legal, que se integra na garantia maior do processo constitucional ou do modelo constitucional do processo, qualquer um do povo faz atuar a jurisdição, viabilizando a efetiva tutela de seus direitos. (DIAS, 2009, p.6).

O Código de Processo Civil de 2015, portanto, buscou seguir com o processo constitucional.

3. AS NOVAS TECNOLOGIAS NO PROCESSO:

É inegável o papel que as novas tecnologias vêm tomando no Direito Processual. No Brasil já temos os robôs Alice, Sofia e Mônica ajudando no Tribunal de Contas da União, sem falar da presença de Victor, o 12º ministro do STF. Muitas dessas tecnologias se utilizam de algoritmos para ajudar nas tomadas de decisões. É preciso compreender, no entanto, que a colocação de robôs e a facilitação do processo por meio da tecnologia não é necessariamente sinônimo de um processo que garanta de forma eficaz os direitos processuais. Como pode-se ver no caso da utilização dos algoritmos estes podem resultar em uma série de problemas, tais como: data sets viciados, uma vez que nem sempre os dados são perfeitos; opacidade na atuação, levantando o desafio em se poder ter acessibilidade e compreensão dos algoritmos, faltando, assim, transparência; e, a possibilidade de promover a discrição estrutural, tendo em vista que algoritmos não são neutros (FERRARI; BECHER, 2018). A partir disso, portanto, é essencial refletir sobre os males que a utilização da tecnologia de forma exacerbada no processo pode gerar no Direito brasileiro, visto que, o direito brasileiro, não sendo um direito exclusivamente baseado na letra da lei, mas consubstanciado na importância da interpretação pessoal de caso a caso, não pode ser conferido ou mesmo mantido por padrões computadorizados de decisão e/ou algoritmos de interpretação única e exclusiva da realidade fática, ignorando as demais nuances. Assim sendo, evidenciando, também, os abismos sociais que permeiam as existências e realidades brasileiras, é importante frisar como não é de se esperar que certas tecnologias abarque a gama de divergências étnicas, regionais, sociais e pessoais, bem como não é de se acreditar que todos os grupos que compõem o território brasileiro tem acesso pleno à todos os tipos de tecnologias referenciadas e utilizadas no processo, como celulares, redes de internet e afins.

4. CITAÇÃO E OS EFEITOS DA REVELIA NO BRASIL:

Partindo das garantias constitucionais de acesso à justiça, devido processo e contraditório- localizados no artigo 5º, respectivamente, nos incisos XXXV, LIV e LV -, é garantido às partes que sejam intimadas e devidamente citadas para compor a lide processual. Neste sentido, a citação corresponde, em regra, ao ato pelo qual as partes são convocadas, independentemente de sua vontade, para integrar litígio, sendo este instrumento de comunicação de atos processuais, responsável pela existência processual

regular, se tratando de pressuposto sem o qual a relação processual não se forma, já que esta se eiva de nulidade. Isto se dá, por a carência de citação ferir diretamente o direito ao contraditório e a ampla defesa, garantias constitucionais previstas no art. 5º, LV da CF/88, sendo, deste modo, qualquer decisão proferida sem que o réu tenha sido citado, dotada de vício, o qual por sua relevância, pode ser contestado a qualquer momento, mesmo após trânsito em julgado.

Antes de adentramos a citação em si, faz-se necessário compreender o contraditório, dado que este:

não significa apenas ciência bilateral e contrariedade dos atos e termos do processo e possibilidade que as partes têm de contrariá-los, mas é compreendido técnica e cientificamente como garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento do processo em suas fases lógicas e atos, a fim de que, em igualdade de condições, possam influenciar em todos os elementos e discussões sobre quaisquer questões de fato e de direito que surjam nas diversas etapas do itinerário procedimental, que despontem como potencialmente importantes para a decisão jurisdicional que será proferida (DIAS, 2015, p. 230).

Nesse sentido, falar em contraditório é se referir a concretização do princípio político da participação democrática das partes. Sendo a citação uma forma de garantir este importante princípio do direito processual.

Assim, conforme já retratado, uma das formas de comunicação de atos processuais dirigidos às pessoas que comporão a lide, lhes conferindo o devido acesso ao jurisdicionário, é a citação. A citação, a qual é alvo de análise deste estudo, consiste em um rito de suma importância ao trâmite processual, pois é por meio dela que são convocados o réu, o executado ou qualquer outro interessado, independentemente de anuência, para que ingressem na composição. Nesta perspectiva, como predispõe o artigo 238 da Codificação Processual Civil (Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015) “Citação é o ato pelo qual são convocados o réu, o executado ou o interessado para integrar a relação processual” tendo este ato, uma dupla função, ou seja, a de convocar o réu para que compareça em juízo, e a de cientificar-lhe da existência de uma demanda ajuizada em seu desfavor. Deste modo, a muito se discutiu sobre a natureza deste instrumento. Muitos doutrinadores e juristas como BUENO (2014, p.416-417) entendem que a citação se tratava de um pressuposto

processual o qual confere a existência do processo em si, sendo por meio dela que se chama em juízo o réu ou demais interessados para que se defendam. Deste modo, não seria possível se conceber a existência do processo se não fosse o réu devida e validamente citado, ou seja, sem que este tivesse ciência de que a função jurisdicional, devidamente provocada, intenta impetrar contra ele ação jurídica. Em contramão, Didier (2015, p. 607608) leciona que a citação se trata de uma condição de eficácia do processo para com relação ao polo passivo, ou seja, no lugar de ser um pressuposto de existência, este rito processual consiste em um requisito de validade, a qual confere legitimidade aos atos presentes e futuros que vierem por deste decorrer. Neste sentido, leciona o artigo 312 do Código de Processo Civil, o qual dispõe que: “Considera-se proposta a ação quando a petição inicial for protocolada, todavia, a propositura da ação só produz quanto ao réu os efeitos mencionados no art. 240 depois que for validamente citado”. Assim, a citação válida é o ato pelo qual se completa a relação processual, e permite que o polo passivo possa iniciar e exercer seu direito ao contraditório e a ampla defesa, direitos fundamentais previstos no art. 5º da Carta Magna. Deste modo, uma sentença que venha a ser proferida em processo sem que haja a citação do réu, se trata de ato defeituoso, e, portanto, não aperfeiçoa nem contribui para a relação processual, tornando inútil e inoperante quaisquer acordão a ser proferido, o qual, por ser encontrar eivado de vício– já que contraria estes preceitos e garantias constitucionalizados- pode ser decretado nulo a qualquer tempo. Assim, segundo versa o artigo 239 do CPC “Para a validade do processo é indispensável a citação do réu ou do executado [...]”.

Desta forma, a citação sai do logus de mero pressuposto de existência para se embrenhar no âmbito de condição de eficácia processual para com relação ao réu e requisito de validade de todos os demais atos processuais que dela sucedem. E nesta perspectiva, essa exigência legal permeia em todos os aspectos que digam respeito ao processo, sejam os ritos procedimentais comuns ou especiais.

5. CITAÇÃO POR MEIO DOS APLICATIVOS DE MENSAGEM:

Em contramão a um formalismo exacerbado de outrora e tendo como base preceitos instrumentalistas que focam na ideia de fazer com que o processo alcance os resultados práticos equivalentes aos fins que se propõem, tendo como objetivo ser o processo, um meio, um instrumento, pelo qual visa alcançar seus fins. Neste sentido, Dinamarco leciona que o direito processual apresenta resquícios formais na medida que impõem e designa

formas a serem observadas ao juiz exercer a jurisdição e na defesa dos interesses das partes. Todavia, com o advento da regra da instrumentalidade das formas, encontra-se cada vez mais presente no direito processual a moderna noção de flexibilização das formas procedimentais, que afrouxa e concede uma interpretação mais racional das normas que exigem e prezam pela rigidez dos meios em favor do alcance de objetivos fins, se atentando às peculiaridades e particularidades do caso concreto.

Dese modo, preceitua o artigo 188 do CPC que:

Art. 188. Os atos e os termos processuais independem de forma determinada, salvo quando a lei expressamente a exigir, considerando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhe preencham a finalidade essencial.

Assim, tornou-se cada vez mais recorrente a possibilidade de se flexibilizar alguns atos processuais de modo a melhor adequá-los às circunstâncias da causa posta à apreciação, ou até mesmo a favor das partes, dotando-se o juiz de certa liberdade para assegurar a igualdade entre polos, a ampla defesa e a instrumentalidade dos atos processuais e afastar a formalidade dos atos processuais, desde que esta flexibilização não cause prejuízos processuais as partes ou importe em desrespeito aos princípios e garantias processuais.

O que vem ocorrendo atualmente, principalmente em contexto de pandemia, nos atos de comunicação processual, por força do artigo 9º da Lei nº 11.419 de 2006, a qual regula a informatização judicial e no artigo 246, V do CPC, que permite o uso de meios eletrônicos que sejam a tais atos compatíveis.

Todavia, para se falar de citação por aplicativos de mensagens, devemos avaliar a viabilidade técnica para tal uso. Devemos nos questionar acerca de variáveis tais como o acesso à internet; o acesso aos smartphones; as falhas que os aplicativos, e, mais especificamente, o WhatsApp, aplicativo objeto de estudo no presente artigo apresentam; dentre outras.

Quando se trata da detenção de meios de acesso ou não à internet, pode-se analisar por meio de dados de 2018 levantados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - tecnologia da informação e Comunicação (Pnad Contínua - TIC), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que cerca de 45,960 milhões de brasileiros ainda não têm acesso à internet, são os chamados excluídos digitais, que se enquadram nestas estatísticas por diversos motivos,

tais como não saber usar as redes; achar caro os equipamentos para acesso; ou não possuir sinal na região que residem, entre outros, e, dessa maneira, por seu difícil acesso, tenderão a ficar prejudicados caso a citação por WhatsApp se torne uma realidade.

Por sua vez, o acesso ao smartphone, também é um fator de exclusão, visto que, novamente segundo dados da Pnad Contínua de 2018, aproximadamente 20,7% da população brasileira com 10 anos ou mais não possuem o item, e por motivos parecidos, acham o aparelho caro demais, não têm interesse, ou compartilham o smartphone.

Ainda, pode-se falar de algumas peculiaridades e funcionalidades do WhatsApp que prejudicam o uso do aplicativo de mensagem para citação. O aplicativo tem como possibilidade tirar a confirmação de leitura das conversas, o que pode ser muito útil para algumas pessoas e em alguns momentos, mas nos casos da citação isso atrapalha, pois é preciso ter certeza de que a pessoa citada recebeu e leu essa citação para que o processo seja formado. Outros problemas podem surgir nos casos em que o celular é compartilhado, principalmente quando é emprestado para crianças jogarem, ou assistirem vídeos e filmes, pois a criança pode apagar a mensagem por acidente e o citado nunca saberá da mensagem, perdendo a sua efetividade, ou, o mais grave, com a confirmação de leitura entende-se que ele está ciente, e sua ausência o torna revel no processo.

Conforme demonstrado, a tecnologia demonstra um avanço nunca visto antes. Nessa perspectiva, faz com que o meio jurídico tenha que ficar atento para as modificações que esses meios trazem no Direito, buscando sempre resguardar os direitos fundamentais dos indivíduos. Luna (2018), relata que a doutrina, majoritária, se mostra pacífica ao relatar que a comunicação dos atos por meio eletrônico retardaria a demanda processual. Contudo, há ainda controvérsias quando se fala da utilização de aplicativos de comunicação, tais como o WhatsApp, como meio de comunicação dos atos processuais (LUNA, 2018). O CNJ já demonstrou entendimento de que a utilização do WhatsApp para a comunicação processual está em consonância com o art. 19 da Lei nº 9.099/1995, o qual determina que “As intimações serão feitas na forma prevista para citação, ou por qualquer outro meio idôneo de comunicação”, e pela Lei 11.419/2006, a qual inaugura o processo eletrônico no Brasil. O Código de Processo Civil de 2015, também demonstra uma forte tendência para aceitar o uso do meio eletrônico na tramitação de processos e na comunicação dos atos. Esse fato pode ser averiguado no art. 246 do CPC,

o qual determina que a citação pode ser realizada por meio eletrônico. Podendo ver, com isso, a tendência que o Direito vem demonstrando em aceitar acatar a tecnologia no ambiente jurídico. Colovati e Bussab (2018), se mostram favoráveis às modificações que estão ocorrendo no direito, em razão da tecnologia, determinando que:

Certo é que não se pode mais pensar no processo civil como meio de efetivação, celeridade e dinamização sem englobar os avanços tecnológicos, mormente quando tais avanços mostram-se como positivas ferramentas na construção de um processo civil mais simplificado e acessível aos cidadãos. (COLOVATI; BUSSAB, 2018, p.100)

Opinião semelhante é apresentada Oliveira, 2019, que determina que o sistema processual brasileiro deve ir além da utilização dos meios tradicionais de comunicação dos atos, sendo necessário que se adequem às novas tecnologias. Sendo defendido que:

A tutela jurisdicional efetiva constitui um direito fundamental dos cidadãos, devendo o processo ser um instrumento de satisfação do direito material constitucional. Portanto, o processo deve seguir suas garantias constitucionais, proporcionando a concretização do direito material (OLIVEIRA, 2019, p. 41) Diante do exposto, portanto, podese verificar a tendência para se pensar a aplicação das novas tecnologias como uma forma de melhorar a efetividade das garantias essenciais para garantir os direitos fundamentais. De modo que conforme o AgRg no Recurso Especial Nº 1.051.441 - RS (2008/0088985-0), entende-se que a relação da citação por WhatsApp seria um meio plausível, em razão da noção de instrumentalidade das formas, da boa-fé processual, da cooperação, celeridade, e economia processual. Por outro lado, Pereira (2020), alerta que inexistem leis que admitem a utilização do WhatsApp para a realização de citação, sendo assim, desprovido de base legal. Dessa forma:

existem vários benefícios da citação pelo WhatsApp que são inegáveis, no entanto, o processo não pode se moldar conforme a vontade do Autor, pois esse tipo de citação prejudica demasiadamente o direito. Para ser aceitável, só com uma lei criando regras específicas para casos de eventuais falhas do sistema (PEREIRA, 2020, p. 78)

Esse trabalho concorda com o posicionamento de Pereira, dado que é essencial a elaboração de uma lei que determina regras claras para a utilização do WhatsApp no momento da citação.

Essa legislação, portanto, teria como objetivo garantir os direitos estabelecidos na Magna Carta, defendendo com isso o processo constitucional. Diante disso, apesar da tentação em se utilizar o aplicativo de mensagem, tendo em vista a celeridade processual, este meio se torna perigoso, por carecerem dos meios regulamentares e de certificação necessários que o confiram caução.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Ante o exposto, consoante todas as assertivas e argumentações trabalhadas no presente artigo, reiteramos a ineficácia e impossibilidade da utilização corriqueira de aplicativos de mensagens, dos quais destacamos o WhatsApp por ser o mais frequentemente utilizado no território nacional, nos processos em face de citação do réu. Tal direcionamento, como já disposto, se dá pela consistente e ininterrupta desigualdade social que perpetua sobre nosso território, criando enormes abismos sociais que abarcam realidades extremamente discrepantes. Nesse ínterim, não há de se acreditar que, por uma parcela ter acesso privilegiado e comum de celulares e demais mecanismos de mensagem, toda a demais sociedade brasileira pode vir a ter, já que, no enorme ecossistema de existências e realidades, os abismos sociais são cada vez mais profundos e distantes. Ademais, não há de se crer veemente, sem prévias discriminações e discussões, que tais avanços tecnológicos são acolhedores, visto que muito da modernidade precoce pode trazer mazelas significativas para os sistemas jurídicos e sociais de um país, como, por exemplo, erros de programação, perpetuação de padrões discriminatórios baseados em ideais retrógrados e, por fim, mas não menos importante, a inexistência da possibilidade de interpretação conforme a pessoa que se coloca diante dos tribunais, visto que, máquinas são criadas para repetirem padrões e não fazer balanceamentos e interpretações conforme caso a caso.

Por fim, reiteramos que ao produzir esse trabalho não pretendemos perpetuar um posicionamento retrógrado, conservador e moralista do direito, mas, em um primeiro momento, garantir a continuidade de direitos básicos, que muito poderiam se ferir com o uso inadequado e inepto de modernidades, estabelecendo, para isso, uma discussão prévia sobre a temática.

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