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REDE DE ACOLHIMENTO NO ESTADO DE SÃO PAULO

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VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DURANTE A PANDEMIA: A FRAGILIDADE DA REDE DE ACOLHIMENTO NO ESTADO DE SÃO PAULO

Jessica de Jesus Mota205 Luiza Santos Rodrigues206 Raissa Rayanne Gentil Medeiros207

205 Mestranda no Programa de Pós-graduação em Direito UFRGS, bolsista CAPES.

206 Advogada criminalista, bacharela em Direito pela UFPEL.

207 Mestranda no Programa de Pós-graduação em Direito UFRGS, bolsista CAPES.

RESUMO Diante da crise sanitária global e com o aumento de situações de violência doméstica nesse período, essa investigação tem como objetivo geral verificar de que maneira a pandemia, ocasionada pelo Novo Coronavírus, evidencia as fragilidades na rede acolhimento do estado de São Paulo. Para tanto, num primeiro momento, abordou-se sobre a inserção da perspectiva de gênero no Sistema de Justiça Criminal, demonstrando as contribuições do feminismo jurídico e da vitimologia na criação da Lei Maria da Penha. Posteriormente, desenvolvem-se os estudos sobre os dados referentes a violência doméstica no estado de São Paulo em tempos de pandemia. Foram analisados os dados da Secretaria de Segurança Pública e, subsidiariamente, a Nota Técnica elaborada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ambos nos períodos de março a abril de 2019 e de 2020. Percebeu-se que as mulheres vítimas de violência não estão chegando ao Estado. Ademais, a falta de dados sobre questões de raça e classe corroboram para o entendimento de que precariedade na utilização de uma abordagem interseccional é limitadora para o efetivo acolhimento dessas mulheres. Assim, deve-se ir além da perspectiva de gênero abordada pela Lei Maria da Penha, considerando as categorias sociais mencionadas. Por fim, atenta-se que, embora a pandemia tenha contribuído para tal cenário, ela apenas evidenciou fragilidades já pré-existentes.

PALAVRAS-CHAVE Violência Doméstica; Lei Maria da Penha; Feminismo Jurídico; Rede de Acolhimento; Interseccionalidade.

1 INTRODUÇÃO

A dramática situação da crise sanitária global, em razão do alto nível de contaminação do Novo Coronavírus, somou-se a outra pandemia que, há muito tempo se encontra presente em nossa sociedade, a violência doméstica. Com a imperativa do isolamento social e o consequente Decreto nº 64.881/2020 do estado de São Paulo, viu-se o aumento de casos de feminicídio, bem como movimentações sociais pressionando os entes públicos a pensarem alternativas para atender e acolher as mulheres em situação de violência doméstica. A Lei Maria da Penha, que completou 14 anos em agosto, é resultado das lutas dos movimentos sociais feministas, vez que, em seu processo de criação, contou com a participação direta de ONGs

feministas, subsidiadas e amparadas pela efervescência dos estudos do feminismo jurídico, bem como os estudos vitimológicos que dispararam na época no Brasil. Embora a pauta da violência de gênero e a formas que o gênero perpassa o Sistema de Justiça Criminal tenha sido contemplada no referido diploma legal, deve-se atentar a uma necessária abordagem interseccional, a fim de compreender quem são aquelas mais vulneráveis e atingidas pela “pandemia da violência doméstica” e pensar em políticas de acolhimento efetivas nesse sentido. Isso posto, esta investigação propõe-se levantar a discussão sobre as fragilidades da rede de acolhimento a mulheres vítimas de violência doméstica em tempos de pandemia no estado de São Paulo. Para tanto, por meio da técnica de revisão bibliográfica, visa-se responder o seguinte questionamento: De que maneira a pandemia ocasionada pelo Novo Coronavírus evidencia as fragilidades da rede de acolhimento de mulheres vítimas de violência doméstica no Estado de São Paulo?

A partir do método de abordagem indutivo, apresentado por Ventura (2002) como “processo mental pelo qual, partindo de dados particulares, inferese uma verdade geral ou universal, não contida nas partes examinadas”, buscarse-á responder ao questionamento central desta pesquisa. Para tanto, a partir dos dados analisados, se procurará expor quais são as fragilidades da rede de acolhimento às mulheres em situação de violência doméstica. Oportunamente, explicamos aqui o conceito de rede de acolhimento. Dividida em quatro setores principais (saúde, justiça, segurança pública e assistência social), a rede de acolhimento está restrita aos serviços de assistência e atendimento que, de forma articulada, procuram prevenir e reprimir a violência doméstica (BRASIL, 2011). Os órgãos governamentais que compõem a rede variam de acordo com a estrutura de cada município. Para elaboração da pesquisa, em um primeiro momento, é desenvolvida uma análise da inserção da perspectiva de gênero no Sistema de Justiça Criminal, demonstrando as contribuições do feminismo jurídico e da vitimologia na criação da Lei Maria da Penha. Posteriormente, desenvolve-se os estudos sobre os dados referentes a violência doméstica no estado de São Paulo em tempos de pandemia, com a utilização de uma abordagem interseccional para além da perspectiva de gênero na análise da rede de acolhimento. Analisa-se, aqui, os dados da Secretaria de Segurança Pública e, subsidiariamente, a Nota Técnica elaborada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ambos nos períodos de março a abril de 2019 e de 2020. Para que assim se compreendam, em sua totalidade, as imbricações da pandemia na violência doméstica, em especial em sua rede acolhimento, a fim de evidenciar possíveis fragilidades.

2. A PERSPECTIVA DE GÊNERO NO DIREITO: CONTRIBUIÇÕES DO FEMINISMO JURÍDICO E DA VITIMOLOGIA NA CRIAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA

Com a imperativa do isolamento social, devido à pandemia ocasionada pelo novo Coronavírus, muito se tem falado sobre o aumento da violência doméstica e familiar nesse período. Assim, a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha) foi colocada em pauta nos noticiários; ademais, os movimentos de proteção às mulheres têm se manifestado sobre alternativas para garantir a aplicação de tal diploma legal. Contudo, não se pode compreender a conjuntura atual, sem aprofundar-se em como a perspectiva de gênero perpassa o Sistema de Justiça Criminal, bem como analisar e reconhecer os atores presentes no processo criação da lei em estudo. Indo além, busca-se nesta seção a percepção das contribuições do feminismo jurídico e da vitimologia nesse processo .

2.1. O FEMINISMO JURÍDICO E A VITIMOLOGIA COMO PANO DE FUNDO DA CONSTRUÇÃO DA LEI 11.340/06

Inicialmente, vale ressaltar que a inserção do movimento feminista na construção das ciências como um todo tornou viável a análise e o estudo do Direito, desde a perspectiva de gênero. Nessa senda, já em seu surgimento, o movimento feminista foi responsável por questionar o status de neutralidade atribuído ao Direito e, consequentemente, ao Sistema de Justiça Criminal. As estudiosas do Feminismo Jurídico208 da década de 80, apesar das divergentes opiniões sobre a função e utilidade do Direito, foram pioneiras em importantes debates no mundo jurídico (SILVA, 2018). Carol Smart209, por exemplo, classifica as compreensões de cada uma das ondas do feminismo sobre o Direito de três formas; sintetizadas pela autora nas seguintes sentenças: “o Direito é sexista”; “o Direito é masculino” e “o Direito tem gênero”210 (SILVA, 2018). Catherine Mackinnon, por sua vez, é enfática sobre a falta de neutralidade do Direito que se apresenta como um conhecimento universalizante e inquestionável (MACKINNON, 1995). Além disso, a autora afirma que “A lei trata as mulheres como os homens veem

208 Segundo Salete Maria da Silva, não há uma definição precisa do que seja o feminismo jurídico, contudo existe um consenso geral sobre a materialização que se concretiza na produção teórica do ensino jurídico, da militância política e da atuação profissional no sistema de justiça que entende o feminismo jurídico como um conjunto de críticas e o teorizações que tem como ponto de partida a compreensão do caráter androcêntrico do direito (produto da sociedade patriarcal) . Algumas autoras preferem chamar de Teoria Crítica do Direito (SILVA, 2018, p. 07-08).

209 Socióloga e ativista feminista britânica, formada pela Universidade de Sheffield, que dedicou seus estudos às questões de gênero também no campo da Criminologia.

210 Cada uma dessas expressões correspondem a uma onda do feminismos, a primeira (feminismo da igualdade), segunda (que fez duras críticas ao direito como instrumento de dominação patriarcal) e terceira (entende o direito como algo que tanto constrói o gênero como é construído por ele, incluindo os diversos marcadores sociais) respectivamente. (SILVA, 2018, p. 88).

e tratam as mulheres”211 (MACKINNON, 1995, p. 07), isto é, a lei se apresenta de modo a atribuir a mulher seu papel social e punir condutas desviantes desse papel, de acordo com os estereótipos de gênero construídos pela sociedade patriarcal . A grosso modo, debateu-se nesse período a necessidade da centralidade de gênero na construção do conhecimento jurídico, sob o entendimento do Direito como um instrumento de opressão da mulher, evidenciado em diversos diplomas legais sexistas, bem como em decisões do sistema de justiça que reproduzem estereótipos – vez que é construído por homens e para homens (SMART, 1994). Posteriormente, é possível pensar em alguns exemplos dentro do contexto legislativo brasileiro que desvelam a misoginia enraizada na sociedade e reproduzida pelo Direito: os crimes considerados de paixão e defesa da honra, presentes no Código Penal - figura afastada apenas em 1991 pelo STF212; o crime de

211 Tradução nossa: “La ley ve y trata a las mujeres como los hombres ven y tratan a las mujeres”(MACKINNON, 1985, p. 07). 212 RECURSO ESPECIAL. TRIBUNAL DO JÚRI. DUPLO HOMICÍDIO PRATICADO PELO MARIDO QUE SURPREENDE SUA ESPOSA EM FLAGRANTE ADULTÉRIO. Hipótese em que não se configura legítima defesa da honra. Decisão que se anula por manifesta contrariedade à prova dos autos (art. 593, parágrafo 3., do cpp). Não há ofensa à honra do marido pelo adultério da esposa, desde que não existe essa honra conjugal. Ela e pessoal, própria de cada um dos cônjuges. O marido, que mata sua mulher para conservar um falso crédito, na verdade, age em momento de transtorno mental transitório, de acordo com a lição de himenez de asua (el criminalista, ed. Zavalia, b. Aires, 1960, t.iv, p.34), desde que não se comprove ato de deliberada vingança. O adultério não coloca o marido ofendido em estado de legítima defesa, pela sua incompatibilidade com os requisitos do art. 25, do código penal. A prova dos autos conduz a autoria e a materialidade do duplo homicídio (mulher e adultério - extinto apenas em 2005 pela Lei 11.106/05, entre outros exemplos já explicitados por diversas estudiosas e teóricas nacionais. Outrossim, essas autoras brasileiras pioneiras nos estudos do feminismo sociojurídico debruçaramse sobre as análises da violência doméstica – objeto de debates que crescem exponencialmente desde a década de 70 – demonstrando os “contornos da crítica feminista brasileira às instituições jurídicas e políticas” (CAMPOS; SEVERI, 2019, p.02). Impulsionadas por mecanismos internacionais de proteção às mulheres que surgiram nesse período, “o feminismo jurídico no país assume a proposta de reforma legal em todos os campos”, concentrando suas principais críticas ao sistema penal (CAMPOS; SEVERI, 2019, p.04). Neste ínterim, os debates e estudos vitimológicos crescem no Brasil, seguindo os contornos de uma pauta feminista sobre violência de gênero e mais especificamente sobre violência contra a mulher.

amante), não a pretendida legitimidade da ação delituosa do marido. A lei civil aponta os caminhos da separação e do divórcio. Nada justifica matar a mulher que, ao adulterar, não preservou a sua própria honra. Nesta fase do processo, não se há de falar em ofensa à soberania do júri, desde que os seus veredictos só se tornam invioláveis, quando não há mais possibilidade de apelação. Não e o caso dos autos, submetidos, ainda, a regra do artigo 593, parágrafo 3., do cpp. Recurso provido para cassar a decisão do júri e o acordão recorrido, para sujeitar o réu a novo julgamento. (STJ - REsp: 1517 PR 1989/0012160-0, Relator: Ministro JOSE CANDIDO DE CARVALHO FILHO, Data de Julgamento: 11/03/1991, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJ 15.04.1991 p. 4309 JTS vol. 24 p. 64 RJM vol. 114 p. 192 RSTJ vol. 20 p. 175)

Voltando-se a análise dos estudos vitimológicos, sabe-se que surgiu no pós primeira guerra mundial, cuja a defesa das vítimas se dava de uma forma mais ampla, buscando a proteção de grupos específicos (macrovitimologia), retirando das sombras a figura da vítima. O olhar voltado ao indivíduo (microvitimologia) começou apenas na década de 70, no entanto “as vítimas mais esquecidas foram justamente as mulheres, especialmente, em relação aos maus-tratos suportados no âmbito familiar” (GONÇALVES, 2016, p. 41). Isso ocorre, pois a violência contra mulher no âmbito domiciliar tinha a característica de não ser considerada uma violência que deveria ser tutelada pelo Direito, devido a própria objetificação dos corpos femininos na sociedade patriarcal. O que contribui para a cifra oculta da violência doméstica até os dias atuais.

Ademais, do ponto de vista dos processos de vitimização, a mulher vítima de agressão (vitimização primária), está sujeita também a uma vitimização secundária que é produzida pelas próprias instâncias de controle social responsáveis pela proteção dessas mulheres. Por fim, a vitimização terciária dessa mulher se dá pela ausência de políticas públicas, deixando essas mulheres totalmente desamparadas após um episódio de agressão (GONÇALVES, 2016). Inicialmente, a vitimologia, em seus estudos, classificava os tipos de vítimas. No entanto, tais classificações, como vítima em inocente, provocadora, colaboradora, são utilizadas “meramente pela doutrina ou por advogados de defesa que procuram na vítima uma justificativa para o consentimento dos atos bárbaros dos seus clientes” (BARROS; OLIVEIRA, 2012, p. 08). Na contemporaneidade, a preocupação centra-se em estimular a criação de programas de assistência às vítimas, garantindo sua proteção e reparando os danos causados (BARROS; OLIVEIRA, 2012). Logo, a perspectiva de gênero tem função importante dentro dos estudos vitimológicos modernos, o que corrobora para o entendimento de que há a possibilidade de uma vitimologia pautada nas questões de gênero ou quem sabe até mesmo de uma vitimologia feminista. Nessa esteira, Soraia Mendes (2017, p. 155) busca a possibilidade de “construção de um referencial epistemológico, sem abrir mão da crítica ao Direito Penal, que trabalhe os processos de criminalização e vitimização das mulheres sob a perspectiva de gênero”, visto que o poder punitivo se consolida em relação às mulheres a partir de um conjunto de sujeições tanto no campo da criminologia como da vitimologia. A partir das contribuições do feminismo sociojurídico e da vitimologia no Brasil, ambos impulsionados pelos movimentos feministas, sob uma ótica de gênero dentro do Sistema de Justiça Criminal, é que se forma o contexto jurídico e político da criação da Lei Maria da Penha.

2.2. A IMPORTÂNCIA DA PERSPECTIVA DE GÊNERO NO ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Diversos mecanismos internacionais surgiram em resposta ao calor dos movimentos sociais feministas de todo mundo. Neste período, as juristas feministas brasileiras acompanharam a pauta de gênero na luta pelos direitos humanos internacionalmente reconhecidos.213 A partir desses diálogos que se fez presente os primeiros conceitos de gênero e violência de gênero empregados em dispositivos jurídicos (CAMPOS; SEVERI, 2019). Dentre esses instrumentos, cabe destacar a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher214 – aprovada pela Assembleia Geral da ONU em 1979 – assinada pelo Brasil, com reservas, em 1974 215(CAMPOS; CASTILHO, p. 2018). Outro importante diploma externo surgiu no final da década de 80, em que a Comissão Interamericana de Mulheres (CIM) iniciou a redação de uma convenção dedicada à violência contra a mulher. O que resultou na Declaração sobre a Erradicação da Violência contra a Mulher (1990). Por fim, foi aprovada em

213 “As obras que exemplificam essa abordagem são: “Cladem: Mulher e Direitos Humanos na América Latina”, organizado por Silvia Pimentel (1992) e “As mulheres e os Direitos Humanos”, organizado por Leila Linhares Barsted e Jacqueline Herman (1999)”. (CAMPOS; SEVERI, p. 05).

214 Convention on the Elimination of all Forms of Discrimination against Women – CEDAW

215 O Brasil só foi retirar as reservas sobre a Convenção em 1994, pós Constituição de 1988. 1994 a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – Convenção de Belém do Pará (CAMPOS; CASTILHO, 2018). Dispondo que: “Artigo 1º: Para os efeitos desta Convenção deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado” (CONVENÇÃO DE BELÉM DO PARÁ, p. 02). Observa-se, aqui, que a utilização dos termos violência contra mulher difere da chamada violência de gênero, ainda que se trate de uma violência baseada no gênero216. Em contrapartida, a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Istambul, 2011) traz a definição explícita de gênero e violência de gênero (CAMPOS; CASTILHO, 2018). Nessa perspectiva, a violência contra mulher é parte integrante da violência de gênero, sendo a última um conceito mais amplo, abrangendo vítimas mulheres, crianças e adolescentes de ambos os sexos (SAFFIOTTI, 2001). A opressão de gênero é estruturante da sociedade, bem como as opressões de raça e de classe que interagem e relacionam-se entre si de modo a naturalizar comportamentos. Ao mesmo tempo que o gênero é constitutivo

216 Importante ressaltar diferenciação entre sexo (biológico) e gênero como construção social. Foram as teóricas Kate Millet e Gail Rubin as primeiras a oferecer um conteúdo ao conceito de gênero (MENDES, 2017, p. 86).

das relações sociais, a violência constitui a ordem falocrática. Imbricando-se a sua formação com própria questão da violência. Assim:

O gênero constitui uma verdadeira gramática sexual, normatizando condutas masculinas e femininas. Concretamente, na vida cotidiana, são os homens, nesta ordem social androcêntrica, os que fixam os limites da atuação das mulheres e determinam as regras dos jogo pela sua disputa. Até mesmo as relações mulher-mulher são normatizadas pela falocracia. E a violência faz parte integrante da normatização, pois constitui importante componente de controle social. Nestes termos a violência masculina contra a mulher inscreve-se nas vísceras da sociedade com supremacia masculina (SAFFIOTI; ALMEIDA, 1995, P. 30).

Intra e extramuros o debate de gênero foi se inserindo de maneira determinante no mundo jurídico, especialmente no que tange às questões sobre o reconhecimento do Direitos Humanos às mulheres. No Brasil, a efervescência desse debate se deu no processo de criação da Lei Maria da Penha. A lei possui esse nome em homenagem a bioquímica cearense Maria da Penha Fernandes que ficou paraplégica, devido a tentativa de assassinato cometido por seu marido (NASCIMENTO, 2012) A história de Maria é como de tantas outras mulheres brasileiras vítimas de violência doméstica, mas ganhou notoriedade devido a morosidade do Sistema de Justiça brasileiro que demorou 15 anos para dar uma sentença judicial definitiva ao caso. Tal situação foi denunciada à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e o Estado brasileiro foi considerado negligente, sendo obrigado a criar mecanismos para o combate à violência doméstica, fazendo valer o determinado na Convenção de Belém do Pará (NASCIMENTO, 2012) O processo de criação da Lei Maria da Penha foi um fenômeno muito interessante e que destoa da tradicional forma que o direito se coloca, historicamente, na vida das mulheres. Pois, teve um amplo diálogo com a comunidade e foi resultado das lutas feministas em inserir a perspectiva de gênero no campo jurídico e vitimológico, como já tratado neste artigo. Assim, no ano de 2003, foi criado um consórcio de 6 (seis) Organizações Não Governamentais feministas217 que se uniram para elaboração da lei e de políticas de enfrentamento à violência doméstica (NASCIMENTO, 2012). Nesse período, o mundo jurídico caminhava no sentido de buscar alternativas despenalizadoras, a fim de

217 Formado pelas organizações CFEMEA – Centro Feminista de Estudos e Assessoria; ADVOCACI – Advocacia Cidadã pelos Direitos Humanos; AGENDE – Ações em Gênero Cidadania e Desenvolvimento; CEPIA – Cidadania, Estudos, Pesquisa, Informação, Ação; CLADEM/BR – Comitê Latino-americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher; e THEMIS – Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero. Disponível em:https://www.cnj.jus.br/programase-acoes/violencia-contra-a-mulher/sobre-a-lei-maria-dapenha/

diminuir o número de processos e a própria criminalização de pessoas marginalizadas no Brasil. Foi neste contexto que se criou a Lei 9099/95 (Lei do Juizados Especiais). Contudo, a aplicação de tal dispositivo legal teve consequências devastadoras às mulheres vítimas de violência doméstica, visto que: “Os Juizados Especiais Criminais não foram pensados a partir das relações de gênero, o que tornou cogente uma reflexão sobre a Lei 9099/95 quando utilizada para deliberação sobre casos violência doméstica” (NASCIMENTO, 2012, p. 43). Dessa maneira, grande parte das lesões corporais leves cometidas contra mulheres em situação de violência doméstica eram consideradas como crimes de menor potencial ofensivo, fazendo com que o agressor apenas pagasse uma cesta básica ou multa. Não havia o entendimento sobre as peculiaridades da violência doméstica, considerando-a uma forma de violência de gênero que ocorria rotineiramente dentro do ambiente familiar. Após intensos debates levantados pelo movimento de mulheres e por juristas feministas, os crimes de violência doméstica foram retirados da abrangência da Lei 9099/95. Com a aprovação do projeto de lei 4559/2002 nas instâncias legislativas adequadas, a Lei 11.340 foi sancionada em agosto do ano de 2006 (NASCIMENTO, 2012). Diversas críticas ainda são feitas a Lei Maria da Penha, em especial ao seu suposto caráter punitivista. Isto posto, torna-se evidente que a ausência das lentes de gênero para tal análise dificulta compreensão da lei, parecendo, realmente, com mais uma forma de criminalização de condutas. Contudo, ao utilizar a perspectiva de gênero, nota-se que a lei visa a atender às peculiaridades das mulheres; a compreender como a violência de gênero se insere no ambiente doméstico e a levantar debates sobre a importância das medidas educativas (e não só punitivas) para os agressores.218

A lei é fruto da luta dos movimentos de mulheres, responsáveis por estabelecer, por meio do feminismo jurídico, novos marcos para a temática de gênero na área penal (SABADELL; PAIVA, 2019, p.07). Apesar das conquistas dos movimentos feministas, 14 anos após a promulgação da Lei Maria da Penha, a violência doméstica segue sendo um grave problema nacional, com números assustadores. A pandemia ocasionada pelo Novo Coronavírus evidenciou o que muitas mulheres já sabiam, por viverem na pele: a rede de acolhimento possui fragilidades. E muitas dessas fragilidades revelam a necessidade de debates, para além da perspectiva de gênero, e sim uma abordagem interseccional - mostrando as interações de raça, classe e gênero que contribui para a intensificação da violência nesse contexto.

218 O caráter educativo da lei está presente no artigo 22, inciso VI e VII (acrescentado pela Lei nº 13.984, de 2020) que prevê o comparecimento do agressor em programas de recuperação e reeducação, bem como acompanhamento psicossocial.

3. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E COVID-19: UMA ABORDAGEM INTERSECCIONAL

O objetivo desta seção é analisar os dados referentes aos casos de violência doméstica no estado de São Paulo durante o período de quarentena a partir da perspectiva de gênero com abordagem interseccional, com o intuito de descobrir se existem fragilidades na rede de acolhimento às mulheres em situação de violência doméstica. Para tanto, diante da precariedade de demais pesquisas empíricas acerca da violência doméstica durante a quarentena, debruçou-se sobre a análise dos dados levantados pela Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo que, mês a mês, registra estatisticamente as ocorrências referentes à violência contra a mulher em todo estado. Em adição, também foram utilizados os dados da Nota Técnica “Violência doméstica durante a pandemia de Covid-19” elaborada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Por fim, a dificuldade informacional foi acentuada quando se procurou por dados que foram produzidos levando em conta os marcadores sociais de raça e classe, de forma que nenhum órgão governamental disponibilizou informações sobre as características dessas mulheres.

Crenshaw (2004), ao explicar o conceito de interseccionalidade, pontua que “as mulheres negras são afetadas, de maneira específica, pela combinação dessas duas formas diferentes de discriminação”. Nesse mesmo sentido, Butler (2013) desenvolve que é impossível dissociar a questão de gênero das demais interseções, como raça e classe. Portanto, esta lacuna informativa leva a crer que mulheres negras e pobres foram invisibilizadas nestas pesquisas, posto que a complexidade das suas realidades próprias não foi abordada. A importância dos dados empíricos reside na contextualização do debate público e, posteriormente, no subsídio das mudanças legislativas e administrativas. Ao excluir tais marcadores sociais da discussão sobre a violência doméstica durante a pandemia, uma das possíveis conclusões seria que as medidas adotadas não contemplam a demanda específica destas mulheres, tampouco poderiam propor soluções efetivas.

3.1 AS FRAGILIDADES DA REDE DE ENFRENTAMENTO EM TEMPOS DE PANDEMIA.

A preocupação com as mulheres em situação de violência doméstica durante o período de distanciamento social, muito antes de ser genuinamente brasileira, é uma angústia internacional. Em abril, o Secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Antonío Guterres219, alertou que, apesar do perigo

219 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Chefe da ONU alerta para aumento da violência doméstica em meio à pandemia do coronavírus. 2020. Disponível em: < https:// nacoesunidas.org/chefe-da-onu-alerta-para-aumentoda-violencia-domestica-em-meio-a-pandemia-docoronavirus/ >. Acesso em: 27 ago. 2020.

causado pelo Novo Coronavírus, para muitas mulheres, a ameaça maior está dentro de casa.

A Itália, um dos países mais atingidos pela pandemia do novo Coronavírus, desde o começo das medidas de segurança adotadas pelas autoridades, investiu em providências para mitigar as mazelas sofridas pelas mulheres em situação de violência doméstica. A ampla divulgação do número “1522” e do aplicativo homônimo resultaram em um aumento de 161,20% das denúncias de violência doméstica, em comparação ao mesmo período em 2019220 Portugal, por sua vez, além da compra de espaço de publicitário em órgãos de comunicação social, disponibilizou canal de SMS221 para apoiar vítimas de violência doméstica e alugou, de entes privados, quartos isolados com o fim de aumentar as vagas para abrigos às mulheres em situação de violência doméstica222 .

220 ITÁLIA. PRESIDENZA DEL CONSIGLIO DEI MINISTRI DIPARTIMENTO PARI OPPORTUNITÀ. . Aprile: picco delle telefonate al 1522. 2020. Disponível em: < https:// www.1522.eu/aprile-picco-delle-telefonate-al-1522/> . Acesso em: 20 ago. 2020.

221 PORTUGAL. República Portuguesa. Nova linha de SMS para apoiar as vítimas de violência doméstica. 2020. Disponível em: <https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/ comunicacao/comunicado?i=nova-linha-de-sms-paraapoiar-as-vitimas-de-violencia-domestica >. Acesso em: 21 ago. 2020.

222 PORTUGAL. Secretaria de Estado Para A Cidadania e A Igualdade. COVID-19: segurança em isolamento medidas adotadas para apoio às vítimas de violência doméstica. 2020. Disponível em: <https://www.portugal.gov.pt/ download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=21007bbb-45e7-40f2a5ca-36c11670eb57 >. Acesso em: 21 ago. 2020.

No estado de São Paulo, a quarentena foi instituída pelo Decreto nº 64.881/2020 e passou a viger a partir de 24 de março de 2020. Foram suspensos, em um primeiro momento, o atendimento ao público em academias, restaurantes, Shopping Centers, dentre outros, com exceção dos serviços essenciais para a manutenção da sociedade. Cumpre ressaltar que algumas instituições de ensino já haviam suspendido as aulas presenciais na semana que antecedeu ao decreto. Portanto, na presente análise, serão usados os dados estatísticos referentes aos meses de março e abril de 2020, com intuito de fazer comparação entre o período em que houve pouca adesão à quarentena no estado de São Paulo, qual seja, o mês de março e àquele em que já havia a consolidação desta, no mês de abril.

Conforme explicado anteriormente, os dados utilizados, em sua maioria, foram retirados do sítio eletrônico da Secretaria de Segurança Pública do estado e correspondem aos registros de Boletim de Ocorrência que envolvem casos de violência doméstica. Subsidiariamente, utilizou-se também da Nota Técnica elaborada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Para a análise, os números foram considerados até a segunda casa decimal, sem arredondamento.

TABELA 1 – DADOS MPU CONCEDIDAS E CRIMES DE LESÃO CORPORAL, AMEAÇA E FEMINICÍDIO NOS MESES DE MARÇO E ABRIL DOS ANOS DE 2019 E 2020

MPU CONCEDIDAS

LESÃO CORPORAL

AMEAÇA

FEMINICÍDIO 2019

2020

2019

2020

2019

2020

2019

2020 MARÇO ABRIL VARIAÇÃO

3221

4221

4.753

4.329

5.553

4.642

13

20 3972 +18,91

2712 -35,75%

4.937 +3,73%

3.244 -25,07%

5.922 +6,24%

3.019 -34,97%

16 +18,75%

21 +4,76%

Fonte: elaboração própria, a partir dos dados da Secretaria de Segurança Pública do estado. Subsidiariamente, utilizou-se também da Nota Técnica elaborada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Inicialmente, chama a atenção a queda das ocorrências registradas e das Medidas Protetivas de Urgência concedidas após a decretação da quarentena, com exceção dos casos de feminicídio que apresentaram leve acréscimo. Ora, levando em conta os fatores de vulnerabilidade a que estão expostos a mulher em situação de violência doméstica durante a pandemia, o decréscimo de tais número somente poderia levar à conclusão de que tais mulheres estão com dificuldades de acessar o aparato estatal. Explicamos: o distanciamento social está “aumentando o isolamento das mulheres com parceiros violentos, separando-as das pessoas e dos recursos que podem melhor ajudá-las. É uma tempestade perfeita para controlar o comportamento violento a portas fechadas” (ONU BRASIL, 2020). Desta forma, a suspensão do serviço de atendimento ao público de diversos estabelecimentos, a adoção do teletrabalho pelas empresas e a diminuição de circulação das pessoas aumenta a vulnerabilidade das mulheres em situação de violência doméstica. Quando estas mulheres se veem obrigadas a passarem mais tempo com seus agressores, elas se distanciam da sua rede de apoio, como amigos, familiares e colegas de trabalho. Além disso, o núcleo familiar pode ter sido afetado pelo

aumento da taxa de desemprego223 ou, até mesmo, estarem expostas a um aumento do consumo de álcool e drogas. Todos esses fatores apontam como improvável o fato de um homem violento se tornar pacífico ou menos agressivo durante a quarentena. Ademais, considerando que 66% das agressões fatais ocorreram dentro de casa (MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2017) e, em sua maioria, foram praticadas pelo cônjuge ou convivente da vítima, por razões óbvias, é mais dificultoso para essas mulheres telefonarem para os números oficiais de denúncia ou sair da residência para ir até a delegacia, sem que os companheiros percebam. Por fim, outro dado que corrobora para a hipótese de dificuldade de acesso à rede de enfrentamento é o aumento, ainda que sensível, dos registros de feminicídio. Se os casos envolvendo violência doméstica durante a pandemia estivessem de fato diminuindo, o mesmo deveria acontecer com os índices de homicídios de mulheres em razão do gênero. Neste mesmo sentido, uma pesquisa publicada pela The Marshall Project (LI, Weihua; SCHWARTZAPFEL, Beth, 2020) analisou as ocorrências de violência doméstica de três cidades norte-americanas. Segundo a

223 Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2020, online), no mês de julho do corrente ano, “taxa de desocupação entre as mulheres foi de 15,4%, maior que a dos homens”. Ainda, “no Brasil e em todas as Grandes Regiões a taxa era maior entre as pessoas de cor preta ou parda (14,7%) do que para brancos (11,1%)”. pesquisa, ainda que os números totais de ocorrências tenham caído, as violências mais graves, como lesão causada por arma de fogo e homicídio, cresceram. Podemos falar, portanto, em aumento da cifra oculta, definida por SÉVERIN (1980) como a parcela das infrações que não é conhecida oficialmente e, portanto, não é perseguida criminalmente pelo Estado. Ao passo que houve expressiva diminuição das mulheres que procuraram a tutela estatal, através do registro de boletim de ocorrência ou da solicitação de Medidas Protetivas de Urgência, e intensificação dos fatores de vulnerabilidade, a realidade destas mulheres pode ser ignorada pela rede de acolhimento, em especial, durante a pandemia. Se a polícia está tomando ciência de menos casos de violência doméstica, porém os que chegam são mais graves, está acontecendo um afunilamento da demanda.

Apesar dos compromissos internacionais já mencionados neste artigo, o combate à violência doméstica não pareceu ser a prioridade do Estado brasileiro. A Lei Federal, que trata de medidas de enfrentamento e estabelece como essenciais os serviços de atendimento à mulher em situação de violência doméstica somente foi editada em julho de 2020 (BRASIL, 2020), cinco meses após a publicação da Lei 13.979 de 2020, a primeira a dispor sobre as medidas emergenciais em relação à

pandemia. É possível apontar, portanto, que o Estado falha ao não colocar a pauta da violência doméstica como prioridade, sendo esta uma fragilidade embrionária da rede de acolhimento. Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, no que tange à violência doméstica, “o dever de devida diligência (dos Estados) é mais do que a obrigação de processar e condenar os responsáveis e inclui a obrigação de prevenir estas práticas degradantes” (CASTILHO e CAMPOS, 2018, online). De iniciativa do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo, o projeto “Carta de Mulheres” tem como objetivo a orientação das vítimas de violência doméstica. Após o preenchimento virtual de formulário, uma equipe especializada orienta a mulher sobre quais serviços procurar dentro de sua região geográfica. Apesar do intuito de fornecer à vítima informações qualificadas e precisas, em quatro meses de existência, o projeto atendeu somente 1.181 demandas224, o que indica a provável segunda fragilidade da rede de acolhimento: o acesso à informação. A partir dos dados apresentados, foi possível perceber que a rede de acolhimento à mulher em situação de violência doméstica não conseguiu adaptar-se às mudanças exigidas pela

224 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Carta de Mulheres: canal on-line para prestar informações a vítimas de violência doméstica. Disponível em: <http://www.tjsp.jus.br/Noticias/ Noticia?codigoNoticia=61979&pagina=1>. Acesso em: 27 ago. 2020. quarentena, nos primeiros meses. Tal fato aponta para a terceira e principal fragilidade trabalhada nesta pesquisa: a falta da abordagem interseccional faz com que desconheçamos quem são as mulheres em situação de violência doméstica durante a pandemia. O silêncio informacional, até então, tem tornado as medidas adotadas ineficazes, pois o Estado não sabe quais são as necessidades destas mulheres. Por outro lado, de acordo com Barbosa et al (2020) é necessário asseverar que “o isolamento social por si só não ocasiona a violência, mas tem a potência de colocar em evidência as vivências dessas mulheres em situação de violência doméstica”. Neste entendimento, é possível questionar se as dificuldades de acesso e de prioridade da pauta da violência doméstica já não existiriam antes mesmo de ser decretada a quarentena.

3.2. PARA ALÉM DA PERSPECTIVA GÊNERO: A INTERSECCIONALIDADE COMO INSTRUMENTO DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA.

As contribuições do feminismo jurídico, bem como da vitimologia na construção da Lei Maria da Penha foram de suma importância e demonstram a força dos movimentos sociais; capazes de transformar políticas e estabelecer novos marcos normativos. Contudo, bem como ocorreu com o próprio movimento

feminista, os marcadores de raça e classe muitas vezes permanecem marginalizados. A intelectualidade de mulheres negras travam debates em relação a necessidade de uma abordagem interseccional nas políticas públicas há muito tempo. Desde de Kimberlé Crenshaw - responsável por cunhar o termo interseccionalidade -, Angela Davis ao tratar de gênero, raça e classe até autoras mais contemporâneas buscam compreender as interações entre esses marcadores da diferença. Voltando-se para realidade brasileira, desde a década de 70, Lélia Gonzales analisa o racismo e o sexismo no Brasil, assim como Sueli Carneiro e muitas outras intelectuais que desvelam os atravessamentos dessas questões no âmbito da violência doméstica. Dito isso, inicialmente, vale conceituar o termo interseccionalidade que para Carla Akotirene (2019, p.14) trata-se de: “uma sensibilidade analítica, pensada por feministas negras cujas experiências e reivindicações intelectuais eram inobservadas tanto pelo feminismo branco quanto pelo movimento antirracista, a rigor, focado nos homens negros”. Tal sensibilidade analítica se dá pela percepção das relações e interações das opressões de classe, raça e gênero que atravessam os corpos das mulheres negras, sendo elas as mais atingidas pela violência doméstica e feminicídio. Segundo dados do Mapa da Violência (2015), enquanto o número de homicídios para mulheres brancas diminuiu - de 2003 a 2013- , para as mulheres negras esse número aumentou.

Destaca-se, aqui, que os estudos envolvendo marcadores raciais nas políticas públicas ainda são escassos, conforme já mencionado neste artigo, o que dificulta a própria construção de políticas efetivas para todas as mulheres. No que tange a violência doméstica, o escrutínio dos dados que envolvem os marcadores sociais torna-se condição sine qua non para a construção de uma rede de enfrentamento robusta e efetiva. Em estudo proposto pelo instituto Geledes, realizado no estado de São Paulo, “Mulheres Negras e Violência Doméstica: decodificando os números” (2017), afirmase que:

Sabemos que muitas foram as ações de mulheres negras que buscaram trazer outros cenários e perspectivas nas discussões sobre as violências e a violência doméstica, contudo a inexistência de dados desagregados por cor, além da dificuldade de inserção do tema contribuíram para o ocultamento do problema. (CARNEIRO, 2017, p. 25)

A importância de dados estatísticos que façam a distinção de raça e classe, como apontado anteriormente no presente estudo, reside no prejuízo que causamos ao construirmos uma narrativa hegemônica. Adichie (2019) alerta para os perigos causados pela história única.

Segundo a autora, as histórias podem ser usadas para expropriar e apagar, mas também podem capacitar e humanizar. É neste contexto de retomada da narrativa por mulheres negras e pobres que está a Rede de Enfrentamento à Violência Doméstica, definida como a articulação de instituições governamentais e não-governamentais e entidades da sociedade civil, que tem por objetivo o “desenvolvimento de estratégias efetivas de prevenção e de políticas que garantam o empoderamento e construção da autonomia das mulheres” (BRASIL, 2011, p. 14). Quais são as mulheres que, durante a pandemia, tiveram seu trabalho precarizado? Elas estão em uma relação de dependência financeira com seu agressor? Em se tratando famílias monoparentais e das mulheres que sequer tiveram direito ao autocuidado, pois não existe a possibilidade de parar de trabalhar, quais são as formas de atendimento disponíveis a elas? Essas pautas precisam ser levantadas pela Rede de Enfrentamento a fim de aproximar-se, cada vez mais, da complexidade que é o fenômeno da violência doméstica. Quando Barbosa et al (2020) nos lembra que a violência doméstica não surgiu com a pandemia do novo coronavírus, isso significa que tampouco as lacunas do debate público de enfrentamento são um problema recente:

Tomando a pandemia como dispositivo analítico, a interseccionalidade deve focalizar as mulheres que assumem as posições nessas interseções, recuperando-as como sujeitos dos múltiplos emaranhados de sua contextualização social, incluindo o isolamento social como uma das categorias de intersecção

A ausência de debates e estudos interseccionais em contexto de pandemia traz consequências no trabalho desenvolvido pela rede de enfrentamento e, em especial, na rede de acolhimento. Essa, por sua vez, demonstra suas fragilidades no contexto atual ao não dar conta das especificidades dessas mulheres e tampouco soluções efetivas de suas demandas. Por fim, como destaca Carla Akotirene, para combater as discriminações os instrumentos protetivos do nosso país “(...) precisam averiguar as performances sexistas e racistas de seus expedientes usando a abordagem interseccional. (AKOTIRENE, 2019,p. 39)” Sendo assim, se faz urgente uma abordagem interseccional quando se trata de casos de violência doméstica, especialmente diante da grave crise sanitária global que evidencia ainda mais as fragilidades da rede de enfrentamento à violência doméstica.

4. CONCLUSÃO

O caráter androcêntrico do Direito é suscitado pelos estudos do feminismo sociojurídico e impulsionados pelo movimento de mulheres de todo mundo. No que tange as movimentações no Brasil,

tais estudos foram contemporâneos aos debates vitimológicos, em que a vítima ganhou destaque no Sistema de Justiça Criminal brasileiro, assim como pauta de gênero. Foi nesse contexto, em que a Lei Maria da Penha foi criada; abordar tal contexto é importante para que se enxergue a capacidade dos movimentos sociais de mulheres em ensejar mudanças paradigmáticas. Portanto, a consolidação da pauta de gênero é nítida na Lei Maria da Penha, contudo, 14 anos após a promulgação da Lei Maria da Penha, a pandemia ocasionada pelo Novo Coronavírus evidenciou as fragilidades da rede de acolhimento das vítimas de violência doméstica. Ao analisar os dados da Secretaria de Segurança Pública e, subsidiariamente, Nota Técnica elaborada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública do estado de São Paulo percebe-se que, o decréscimo do número de medidas protetivas de urgência e boletim de ocorrência nos períodos analisado (março e abril de 2019 e 2020). Os dados revelam uma possível dificuldade dessas mulheres em acessar o aparato estatal, vez que o número de feminicídios subiu. O mesmo foi apontado em estudos de outros países. Entretanto, as análises de tais dados sempre será incompleta, uma vez que nos estudos encontrados não haviam sido realizados uma abordagem interseccional, na qual os marcadores de raça e classe fossem evidenciados. Parece razoável pensar na imprescindibilidade desse debate considerando que são as mulheres negras e pobres as mais vulnerabilizadas em tempos de pandemia. A ausência de políticas em que se dediquem a entender a necessidade dessas mulheres revelam as fragilidades nas redes de acolhimento que acabam por não pensar soluções voltadas às suas singularidades. Tais fragilidades não são culpa exclusivamente da crise sanitária global. Ao menos, na realidade brasileira e, em específico, no estado de São Paulo, elas são possivelmente as consequências de anos de uma política que necessita se aprofundar mais nos debates interseccionais e assim atender da melhor forma as especificidades das mulheres. Superando a questão de gênero apontada pelo feminismo sociojurídico e presente na Lei Maria da Penha, para o aprofundamento dos estudos interseccionais que contribua para uma rede de acolhimento que consiga, de fato, acolher todas as vítimas de violência doméstica.

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