Revista Ponto de Escambo #5

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REVISTA PONTO DE ESCAMBO


Editor Chefe Marcos Poubel

Equipe

Edição e Design Rafael de França Ana Luiza Demonti Althoff Fotografia Paloma Dantas Comunicação Isadora Ribeiro Jornalista Chefe Carolina Souza

Uma Realização

Patrocínio

culturalescambo@gmail.com

acompanhe a versão online no link:

issuu.com/escambocultural


Editorial A

s questões de gênero têm sido constantemente levantadas na sociedade atual. Tais ques tionamentos nos levam ao debate e à reflexão sobre posições sociais pré-estabelecidas e têm como objetivo a diminuição de preconceitos e desigualdade entre os gêneros. Na cultura percebe-se a existência de grupos formados por homens e mulheres, mas também grupos só de homens e coletivos formado apenas por mulheres cis ou trans. Por tanto, em um processo de consolidação, a revis ta Ponto de Escambo se esforça para levar informações culturais e divulgar ar tistas, grupos e coletivos de cultura importantes da cidade. Nesta edição vamos trazer então o tema gênero junto com alguns coletivos e grupos artísticos que suscitam o debate sobre o gênero e como fazem tanto para superar os as discriminações sociais quanto se manter ativos em tempos de crise.

Marcos Poubel


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O VIDA

: ADO N R E BE SAO RIEDADola OP na Feliz U PR li Caro


Zona Oeste

por Marcos Poubel

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altando apenas três meses para as olimpíadas do Rio de Janeiro, a Cultura Carioca está a todo v a p o r. M e s m o c o m a crise econômica, os artistas independentes continuam produzindo intensamente. Para além disto, a democratização do acesso à cultura ainda é um desafio visto considerando o pequeno número de espaços culturais na cidade e a má distribuição dos mesmos, estando eles concentrados no Centro da Cidade e na Zona Sul.

experiências com artistas e grupos da região e promovendo o intercâmbio com o que é produzido em todos os pontos da cidade e do Estado.

Nesse cenário, se consolida no bairro Sulacap uma iniciativa que acontece desde 2013. O Espaço Escambo Cultural surgecomo uma tentativa de enriquecer o repertório cultural dos moradores da região trazendo e valorizando a troca de

Na inauguração ocorreu um Sarau Cultural que é uma parceria da Escambo Cultural, Revis ta Ponto de Escambo e Grupo Maria Realenga.

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N o v o C e n t ro C u lt u r a l n a

Ele também estimula e facilita o acesso à cultura uma vez que é o Centro Cultural do Bairro e tem atividades e oficinas gratuitas. Com atividades regulares desde 2013, no dia 14 de maio de 2016 ocorrerá a inauguração oficial do Espaço Escambo Cultural.

Mais informações: w w w. f b. c o m / e s c a m b o

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Escola: Lugar de diversidade! por Leandro Lopes

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oda vez que pensamos em trabalhar a questão da diversidade sexual na escola, deparamo-nos com uma batalha ideológica para justificar a importância desse trabalho. Grupos mais conservadores, alinhados com uma religiosidade fundamentalista, tentam barrar o avanço dos debates dentro das salas de aula, usando, como justificativa, argumentos religiosos e pseudopedagógicos. Acusam os educadores de promoverem uma ideologia de gênero que, supostamente, iria influenciar o comportamento de seus filhos, contrariando os ensinamentos que eles recebem dentro de seu lar. Aí vai uma outra discussão em que me posicionarei, mas na qual não entrarei aqui: a que se refere à função do professor no processo de educação dos alunos. Deve transferir apenas os conteúdos pertinentes à sua matéria? Ou deve educar também para o convívio em sociedade? Existe uma educação que é da família e outra que é responsabilidade da escola? Como sou “Freireano”, não dissocio as duas coisas. Educamo-nos uns aos outros nos diversos espaços de convívio social. Somos educados pelos meios de comunicação, pelas Igrejas, num bate-papo com os amigos e na Escola. Quando peço para um aluno ouvir o colega, ou pedir licença para entrar em sala, ou não ofender, ou não falar palavrões, não estou tratando do conteúdo, mas estou educando. Enfim... deixemos esse papo para uma próxima oportunidade! Acreditam os conservadores e os “conteudistas” que há um projeto “gayzista” que pretende destruir a família tradicional e seus valores e temem o poder da escola nesse processo. Primeiramente, sempre é bom lembrar que - apesar de, muitas vezes, não parecer - a escola pública é um espaço laico, ou seja, não deve estar sujeita a influencias religiosas, seja quais forem, respeitando, assim, o espaço da diferença e o da não religião.


porque é moda. Falácias que são difundidas para perturbar o andamento dos trabalhos. Um raciocínio muito simples é pensar que todo filho homossexual teve pais heterossexuais. Todos tiveram, como modelo de relacionamento, príncipes e princesas e, em sua esmagadora maioria, são expostos às relações heterossexuais como as relações possíveis e “normais”. E, mesmo assim, às vezes, algo sai do previsível... Especular a destruição das famílias tradicionais chega a ser maldade. Há muito tempo - e isso não é uma invenção dos grupos LGBT’s -, constata-se a mudança na estrutura da família contemporânea. Já não se pode pensar em família somente formada pelo núcleo “margarina” de papai, mamãe e filhinhos. Família é todo grupo composto por pessoas, com ou sem laços sanguíneos, que se cuidam e se amam. Como educador, tenho a necessidade e o dever de não fechar os olhos para os jovens que pedem esse diálogo, que desejam que conversemos com seus pais, que necessitam que esse debate venha para dentro da escola, porque isso diz respeito à sua formação e às suas vidas.

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Pais, assim como educadores, como cidadãos livres, têm o direito de cultuar suas religiões e de proferir sua fé e, dessa forma, compartilhá-la com os seus entes familiares. Não podem, porém, tentar impedir a construção de um espaço plural onde os indivíduos possam conviver em harmonia, respeitando a identidade uns dos outros. Muito menos negligenciar a importância da sexualidade em vários aspectos da vida, principalmente na fase da adolescência; tampouco fechar os olhos para tamanha violência que cerca os LGBTS, seus amigos e familiares. Discutir diversidade possibilita, sim, o autoconhecimento, possibilita ouvir o outro e ver nele um espelho que revele que o que o jovem vem sentindo em relação a seus desejos não é algo tão repulsivo quanto algumas famílias tentam fazer crer. Vai possibilitar, sim, que se entre em contato com teorias que legitimem sua identidade e os libertem da opressão internalizada para lutar com mais força contra o oponente que vai tentar destruí-lo. E essa luta se dará, muitas vezes, no campo físico e, principalmente, no ideológico, mas nunca vai influenciar um jovem a ser quem ele não é, a experimentar o que não tem vontade, a seguir um comportamento

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G ê n e r o e s e xu a l i d a d e no Colég io P ed r o I I

por Julia Zanetti

A n i n ha e su a s p e d ra s

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N ã o te d ei x es d est r u i r . . . Aju nta nd o nova s p e d ra s e c o n st r u i nd o novo s p o e ma s Re c r ia t u a v id a , s e m p re , s e m p re . Re move p e d ra s e p l a nta ro s ei ra s e fa z d o c es . Re c o me ç a . Fa z d e t u a v id a mes q u i n ha u m p o e ma . E v ive r á s no c o ra ç ã o d o s jove n s E na me m ó r ia d a s ge ra ç õ es q u e h ã o d e v i r . E sta fo nte é p a ra u s o d e to d o s o s s e d e nto s . To ma a t u a p a r te . Ve m a esta s p á g i na s E n ã o e nt raves s eu u s o Ao s q u e t ê m s e d e . Co ra Co ra l i na Neste sentido, a proposta deste artigo é apresentar brevemente as ações sobre esses temas que estão em curso e tiveram maior destaque no Colégio Pedro II que, perto de completar 180 anos, é uma referência nacional de educação básica pública de qualidade. De acordo com sua página eletrônica , atualmente a instituição oferece turmas desde a Educação Infantil até o Ensino Médio Regular e Integrado, além da Educação de Jovens e Adultos (Proeja) e cursos de especialização e mes-

Em tempos áridos como os atuais, em que a bancada conservadora do Congresso Nacional impede a distribuição do material “Escola sem Homofobia”, estados e município excluem questões de gênero e sexualidade de seus planos de educação, e em alguns proíbem a simples menção ao tema em suas unidades escolares, entre outros retrocessos, torna-se cada vez mais relevante visibilizar iniciativas interessantes e exitosas que estão ocorrendo.


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trado. Com cerca de 13.000 estudantes, conta no seu quadro efetivo com 1.200 docentes e 1.000 técnicos(as) administrativos(as) em educação, distribuídos por 14 campi, localizados nas cidades do Rio de Janeiro, Niterói e Duque de Caxias, situadas no estado do Rio de Janeiro. Temas pouco falados na instituição até então, nos últimos anos as questões de gênero e sexualidade têm ganhado maior destaque e repercussão dentro do Colégio, inicialmente visibilizadas pelas ações dos alunos, tais como a criação dos coletivos Feminismo de ¾ (2013) e Retrato Colorido(2014) e a realização de manifestações que tiveram grande repercussão interna, e em alguns casos chegaram à grande mídia. Um exemplo foi a participação do primeiro coletivo na campanha virtual “Eu não mereço ser estuprada” (2014), em vários campi foram feitas fotos de adesão, sendo que uma teve especial repercussão,

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alcançando quase 6.200 compartilhamentos e 9.000 curtidas . Outro exemplo, do mesmo ano, foi o Saiato , uma manifestação em que os alunos vestiram saias para questionar os padrões de gênero, em apoio a um aluno que foi impedido de usar este traje na escola alguns dias antes. Por fim, um exemplo mais recente, ocorrido este ano, foi a manifestação “ Todas por Todas ” e car ta aber ta da Frente de Mulheres do Grêmio Marcos Nonato da Fonseca, em que as alunas do Campus Humaitá II denunciam situações de assédio e abuso dentro da comunidade escolar e que teriam sido tratados com descaso pela Direção e pelo Setor de Supervisão e Or ientação Pedagógica. Nos diferentes campi algumas atividades sobre os temas também vêm sendo desenvolvidas há algum tempo. Alguns exemplos são a Jornada da Diversidade, promovido nos últimos dois anos pelo Núcleo Transdisciplinar de Humanidades do

Campus Engenho Novo II (NUTH), na qual acontecem oficinas, debates, palestras e apresentações culturais sobre temáticas relacionadas a diversidade etnicorracial, sexual, de gênero, religiosa, das pessoas com necessidades especiais. O mini-curso “ Gênero, Diversidade e História”, realizado no Campus Realengo II, em 2014, e teve como objetivo problematizar questões ligadas à temática. A constituição do LEDi , nos Campi São Cristóvão II e II, em 2015 que, de acordo com sua página eletrônica, se propõe a “promover estudos e discussões acerca das questões de gênero - articuladas a outras categorias, tais como etnia/ raça, religião e corpo”. Também tem sido recorrente o posicionamento da Reitoria sobre estas questões, uma das iniciativas mais emblemáticas possivelmente foi a aula inaugural do ano letivo de 2015, cujo tema foi “ C o t i d i a n o e s c o l a r, c u r rículo e heteronormatividade: desafios para uma educação de qualidade para todos” , proferida por Rogério Diniz Junqueira, pesquisador


Formado por técnicos, professores e alunos, o Núcleo neste primeiro momento tem proposto debates com os(as) estudantes nos campi, atividades de sensibilização e formação para ser vidores, revisão sob esta perspectiva de documentos do Colégio que estão sendo revistos, tais como o Código de Ética Discente. Os desafios a serem enfrentados ainda são muitos e certamente levará um tempo para que as práticas do cotidiano do colégio sejam modificadas efetivamente, tais como a forma de lidar com situações diárias de machismo e LGBTfobia, a garantia do uso do nome social e sua inclusão nos sistemas de dados da instituição, o uso dos banheiros por estudantes transgêneros, formação

mais sistemática e para um maior número de profissionais, uma política de enfrentamento ao assédio sexual, tanto entre alunos(as) como entre alunos(as) e professores(as). No entanto, toda esta movimentação institucional, com participação dos diferentes segmentos da comunidade escolar , especialmente as denúncias do corpo discente e um claro posicionamento da Reitoria, tem sido fundamental para respaldar as discussões e enfrentamentos nos d i v e r s o s campi, cont r i b u i n d o para avanços concretos no que se refere a gênero e sexualidade.

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d o I N E P. A p a r t i r d e s ta iniciativa a Reitoria convidou a comunidade escolar para participar de reuniões para discutir a política institucional de gênero e sexualidade, que deram origem ao Elos – Núcleo de Estudos Ações em Gênero e Sexualidade do CPII .

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entrevista com

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uando começou a desenhar despretensiosamente, apenas para praticar sua técnica, a ilustradora e designer mineira Carol Rossetti, 28, não sabia que aquilo se tornaria um ponto de apoio para tantas mulheres. O hobby virou projeto, que virou livro. Agora, “Mulheres - Retratos de Respeito, Amor-Próprio, Direitos e Dignidade” (Sextante, 2015) parece ser apenas o início de uma trajetória de empoderamento. por Carolina Souza


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Seu livro “Mulheres” já tem edições na Espanha, em Portugal e nos Estados Unidos. Para que outras línguas ele foi traduzido ou para quais outros países já foi editado? O livro já foi publicado também no México, que tem direito de publicação em vários países da América Latina. Já tenho contrato com uma editora da França também, mas ainda deve demorar um bocado até a publicação. Algumas ilustrações do projeto foram traduzidas para vários outros idiomas por voluntários de todo o mundo. Tem ilustrações circulando no Facebook em lituano, tcheco, árabe, hindi, holandês... Várias línguas! O projeto “Mulheres” começou de forma um tanto despretensiosa. Você só queria praticar e começou a fazer alguns esboços. Por que o tema que escolheu foi justamente relacionado a mulheres? Eu já lia bastante sobre femi-

nismo interseccional e comecei a repensar minha responsabilidade, enquanto designer e ilustradora, na questão da representatividade. Junta isso ao fato de que sempre gostei de desenhar mulheres, que é algo natural para mim, e o projeto se formou! :) Além do livro, você já elaborou cartilhas de conscientização em parceria com o governo, a ONU e o Ministério Público de Minas Gerais. Qual feedback você já recebeu das pessoas em relação ao seu trabalho? Qual impacto acha que ele já teve? Eu trabalhei numa cartilha de enfrentamento à violência doméstica contra a mulher em parceria com a ONU Mulheres e vários órgãos públicos do Distrito Federal, e organizei uma publicação que reunia trabalhos de vários quadrinistas brasileiros sobre diversidade e contra as muitas formas de preconceito em parceria com o Ministério Público de Minas Gerais. Ambos foram trabalhos muito bons, muito enriquecedores, que jamais teria


tido a oportunidade de fazer se não fosse o projeto Mulheres e toda sua repercussão. Essas instituições viram no Mulheres uma forma de lutar através da arte, com uma linguagem mais acolhedora e menos agressiva, e muito funcional. O feedback sempre foi muito positivo, ou pelo menos 95% das mensagens que me mandam são muito afetivas. O projeto não muda o mundo sozinho, mas inspira algumas pessoas e torna o dia de alguns um pouco melhor. Isso já é um sucesso para mim. Seu livro tinha um cunho feminista. Agora, seu trabalho também envolve homens, deficientes, comunidade LGBT, etc. Qual é o objetivo agora com seu trabalho? O objetivo é tornar visíveis pessoas e causas que já vêm sendo invisibilizadas há um bom tempo. Representatividade é muito importante, tem um impacto enorme na autoestima de quem vem sendo excluído e no tratamento que a sociedade passa a dar a essas pessoas uma vez que são reconhecidas. Eu acho que sempre vou trabalhar com essa questão da inclusão, da diversidade, da representatividade.

Você é designer e ilustradora. A impressão que tenho é que essas atividades são executadas, em sua maioria, por homens. Você se sentia representada nas ilustrações e desenhos relacionados a mulheres antes? O mercado dos quadrinhos ainda é muito machista, mas temos boas representações de personagens feministas e de autoras feministas. Não é, obviamente, a maior parte da produção de quadrinhos e ilustração do mundo, mas é algo que vem crescendo e que não é inexistente. Em relação à produção de quadrinhos e ilustrações, tive sorte de não sofrer muito com isso, pelo menos ainda. Você sente que enfrentou algum tipo de resistência ou preconceito do mercado (de


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design ou de ilustração) por ser mulher?

no mercado. É uma luta diária, mas que está surtindo resultados.

Acredito que eu não tenha sofrido tanto machismo nessa área por alguns fatores: primeiro, eu sou autônoma, ou seja, não lido com chefes e não tenho problemas de favoritismo no ambiente de trabalho. Segundo, porque eu não precisei lutar para entrar nessa área, já que meu projeto foi um hobby que cresceu na internet (meu trabalho “de verdade” era com a Café com Chocolate Design - ou seja, eu não precisava desse trabalho para sobreviver). Terceiro, porque, desde o começo, meu projeto foi abertamente feminista, de forma que meu público-alvo já era, de cara, selecionado. Os machistas já não iam consumir minha arte, de qualquer maneira. Claro que já ouvi comentários infelizes, piadinhas desagradáveis, muitas críticas, minhas ilustrações já foram plagiadas e desrespeitadas de várias formas, mas nunca tive um empecilho concreto para realizar meu trabalho por conta do machismo, como muitas mulheres já tiveram e ainda têm. Então, eu digo que fui privilegiada em alguns aspectos. Acho que esse quadro está mudando, tem tido um movimento muito grande de mulheres quadrinistas, cada vez mais expressivas

Por fim, quais são seus planos para o futuro? Eu sou cheia de planos e ideias, e não sei bem ainda o que vai se concretizar. Eu tenho esse projeto em quadrinhos, o Cores, que questiona expectativas de gênero e diversidade no universo infantil. O início deste ano foi meio turbulento pra mim, então ele está meio parado, mas já estou trabalhando para retomá-lo. Ao mesmo tempo, sempre tem novidades de ilustração através do meu estúdio de design gráfico, a Café com Chocolate Design (www.cafe- comchocolate. com).


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Kathlen Castello Branco


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DEMULHERPARA MULHER

por Carolina Souza

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esde que o termo feminismo foi cunhado, no século XIX, muita coisa mudou. Se, antes, lhe era atribuído um caráter pejorativo e radical, hoje em dia, ele representa um dos assuntos mais discutidos em seminários e nas redes sociais. Apesar de não ser um movimento homogêneo, ele tem sido responsável por questionar os papeis e estereótipos atribuídos às mulheres. Mais do que uma designação ou um rótulo, ele tem estimulado, inclusive, a for ma como mulheres veem umas às outras, evocando “empoderamento” e um conceito que, até pouco tempo atrás, parecia apenas fazer parte de filmes americanos: sororidade. Esse é o caso do Meninas Black Po w e r, c o l e t i v o q u e s u r g i u c o m o uma reunião de mulheres, em 2013. Na época, a maioria das meninas, negras, estava em transição capi-


- Percebemos que também estávamos em um processo de transição interna, de ideias, de reconhecimento. E, por c o n ta das feridas r e s u l tantes do racismo que carregávamos desde a infância, descobrimos que tínhamos grandes planos e todos passavam pelo campo da educação – afirma a tradutora e es tilis ta Tainá

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l a r, p e r í o d o e m q u e a pessoa se desprende de processos e produtos químicos para voltar ao cabelo natural. Logo no primeiro encontro, no entanto, elas perceberam que não seriam um grupo apenas para falar de cabelo.

Almeida, 29, uma das integrantes do coletivo - Queríamos falar para moças em transição, mas também para crianças nas escolas que sofriam com o racismo e não sabiam c o m o s e d e f e n d e r. O principal objetivo do grupo é atingir meninas negras em transição. Mais do que empoderamento estético, seus esforços – que envolvem postagens nas redes sociais, textos e eventos - visam ao fortalecimento interno, daquilo que está escondido. - Nosso principal objetivo é ajudar essas meninas a se verem bonitas, a entenderem que existe essa diversidade de traços, de tipos de cabelo, de penteado com trança, sem trança, com dread, sem dread, que essa diversidade é bonita – defende Tainá.

O coletivo Meninas Black Power incentiva a consciência do valor do cabelo crespo natural e, sobretudo, do amor e valor que cada mulher crespa deve possuir aos próprios olhos. Crespo é lindo! Ensine. F B: w w w. f a c e b o o k . c o m / m e n i n a s b l a c k p o w e r G r u p o o f i c i a l : w w w. f a c e b o o k . c o m / g r o u p s / e n c r e s p a n d o m b p

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H20u s h a h u Ya w a n a w a uma artista e líder espiritual por Renan Reis

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divulgação/ altinomachado

O povo yawanawa habita o Rio Gregório, que se encontra no estado do Acre. Como diversos outros povos indígenas amazônicos, os yawa são praticantes do que chamam de pajelança. Já foi um lugar comum, ainda que se mantenha como via de regra que somente os homens participassem dos processos de tornar-se yuvehu (o que seria correspondente ao pajé dos tupi). Muitas vezes, não há uma regra explícita que as proíba de participarem desses processos, mas sim um entendimento comum e comunitário sobre o assunto. Atualmente, algumas indígenas, como Hushahu, afir mam transporem as barreiras do machismo em suas comunidades para poderem participar desses estudos. Já desde os seus treze anos, Hushahu tomava da bebida uni (ou ayahuasca, em quéchua). Porém, Hushahu não desejava somente tomar da bebida, mas se especializar na pajelança e viver disso.


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divulgação/crjurua

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Para tal, dever ia par ticipar das dietas e resistir a todas as adversidades. Em termos gerais, as dietas envolvem a abstinência de relações sexuais, de água e de qualquer tipo de alimento e/ou bebida doce, pouco esforço físico, contínuo estudo, consumo diário de rapé e uma longa agenda de cerimônias com uni. Hushahu buscou, durante a dieta, aprofundar as qualidades do “ ver ”. No início de seu processo, desenhava no chão da floresta os espíritos que via durante seu isolamento na mata, para que seu pai lhe ensinasse sobre eles. Também buscou estudar os kene de seu povo (grafismos), para contribuir na retomada do costume de usar os kene, tanto cotidiano quanto ritual.

foto por Renan Reis

divulgação/terra

Com o passar do tempo, trouxe diversas inovações no campo estético. Por meio de diver sas formas de estudo (incluindo arquivos), “redescobriu” antigos padrões de kene que ninguém mais sabia e introduziu o uso de nov a s p a l h e t a s d e c o r. Hushahu também se tornou uma artista plástica autodidata, pintando os espíritos que via. Além disso, inovou nos cantos, na produção do rapé e estimulou jovens, meninos e mulheres a enfrentarem as dificuldades das dietas. O fim da dieta é marcado por um sonho em que se deita com a mulher espírito Yuve, que seria a manifestação xamânica da cobra (em geral, a jiboia de terra ou água), que sela uma aliança. Além des-


“A s p e s s o a s s e i n s p i r a m no que eu vivi, no que eu sou... Depois disso, eu não desisti, não segui a m inha vida nor mal não. Eu sempre tô estudando; até hoj e, continuo estudando. E, qua nto mais eu estudo, ca da noite que eu vivo, pra mim, é um aprendizado. A m inha mãe, um dia desses, me fez uma pergunta: ‘minha filha, até quando você vai viver assim’? E eu falei: ‘até enquanto eu tiver viva, porqu e eu sinto que é uma missão na minha vida, que eu ten ho que seguir isso’”.

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pai, ado com seu ia se encontr r e tro t u o u h m a u h s e u H reitada, se sonho, o de sua emp bos r s o e b c ( u s a n o e v o a d afirman o o kene aw s teria lhe dad ando os novo espírito, que do e simboliz a s u o o t s i s u e m c u o s d n o e d s ti leta), hoje nawa. Tendo r ivem os yawa ue uma mulhe q r e z i d tempos que v e s a i r e d o : p u h s i a a h s m ca vras de Hu na dieta, nun ajé. Nas pala p r a n r o t e s não poderia genas com s outras indí a s r e v i d o m o m c ção para qua Hushahu, assi orreu à tradi c e r , s e t n a h l histórias seme

lificar sua atuação c omo liderança espirit ual e como artista referênc ia de um povo. Husha hu, e possivelmente demais indígenas que buscam trazer inovações para s eu contexto cultural, recorre à tradição para v alidar sua atuação, pois o entendimento yawa é que a tradição fala sobre modos de ser e estar em um mundo de rela ções com o outro. Sendo u ma cultura voltada p ara a transfor mação, inova nas suas relações a cada novo encontro e cont exto. O caso de Hushahu no s mostra que, para os yawa, são experiências que determinam uma iden tidade, uma vez que o s exo feminino não imp ede a apropriação de papé is e habilidades com umente atribuídos aos ho mens. Impor ta estabe lecer alianças alinhadas à autodeterminação ya wanawa, marcando uma diferença basilar em relação aos tempos de in tensa colonização.

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é preciso

RESISTIR

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por Felipe Boaventura

O momento que o país vive é delicado. E se o o governo de Temer s e e s t a b e l e c e r, o q u e virá será o pior para nós e nossos familiares que recebemos salário mínimo. Isso porque a ligação que o vice presidente tem e que demonstra via imprensa é com a elite financeira, e esta sempre ataca os direitos dos trabalhadores. Pelo documento que diz quais serão aslinhas de governo que adotará, Temer deixa claro que não mais aumentará o saláriomínimo, e deixará de investir em educação e saúde, aumentará o tempo para s e a p o s e n t a r, v e n d e r á empresas brasileiras, além de dar mais poder para a policia, por exemplo. No Rio sabemos bem o que é um governo do PMDB: remoções de famílias, quebra financeira do Estado,

violência policial, secretárias de culturas ambivalentes. Imagine isso para todo o país. Nós produtores de Cultura que nos últimos treze anos tivemos conquistas com as ar tes, corremos riscos, inclusive porque esse governo nem ao menos terá o compromisso pol í t i c o d e n o s o u v i r, b e m como a nenhum movimento social. Os direitos dos trabalhadores está em perigo com o g o v e r n o M i c h e l Te m e r. Em todas as eleições que o projeto que ele representa passou pelo crivo do voto foi rejeitado. Por isso também, ele, seu par tido, e o PSDB querem governar sem terem sido eleitos, querem governar à força. O governo Temer representará tudo aquilo rejeitado pelas ruas em 2013. É p r e c i s o r e s i s t i r.


por Carolina Felizola

Ser mulher não é fácil. Além de ter que lidar com seu pai, irmãos, avô, primos, amigos e colegas de trabalho, se você for heterossexual, ainda tem que lidar com os namorados e s u a s p é ro l a s. Vo l t a e m e i a algum ser do gênero masculino dá uma vacilada. E aí sempre tem alguém q u e d i z “A h m a s foi sem querer ” ou “Foi inconsciente, ele nem percebeu...” Sendo inconscientes ou não, as ofensas sempre ocorrem e você passa a vida alternando entre ignorar certas gracinhas o u s e p o s i c i o n a r, seja sendo seca e direta, seja fazendo um escândalo e dando um chega pra lá, porque né, você já tá de saco cheio e não é obrigada. É o dentista que diz que quando você for à praia deve chamá-lo porque ele quer conferir o seu material. São as “brincadeirinhas” que os alunos fazem em sala de puxar ou arrastar as meninas pelos cabelos. É o seu namora-

do que ignora tudo que você fala quando você está dando uma opinião que você construiu sobre algo impor tante. É aquela história do seu pai que chorou de decepção quando soube que seu filho em gestação na verdade ia ser uma filha. É você avisando pras suas alunas que não vai mais separar briga porque “se vocês brigarem de novo por causa de macho, eu vou deixar vocês se matarem hein!”. É o seu irmão que cresceu do seu lado sem saber fazer um arroz e lavar uma louça enquanto você já sabia tudo de serviço doméstico desde os onze anos. É aquela sua amiga do trabalho que apanha do marido e tem medo de sair de casa e ser morta na esquina mais próxima. Às vezes simplesmente dá vontade de entrar numa b o l h a e n u n c a m a i s s a i r. Só que mesmo entrando no mundo particular dos

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São Bernardo: vida ou propriedade?

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seus livros, filmes e discos, o patriarcado dá as caras. Em São Bernardo, romance de Graciliano Ramos, o personagem Paulo Honór io é o típico coronel machão e autoritário que se orgulha de ter passado por cima de tudo e de todos para “adquirir ” e reerguer a fazenda São Bernardo. Depois de conseguir estabilidade financeira, Paulo Honór io se casa com Madalena que abre mão de ser professora para ir morar na fazenda, mas nem por isso aguenta ficar sem trabalhar e se torna uma das contadoras da fazenda. Mas ainda que tenha abandonado o trabalho como professora para ir morar em São Bernardo, a alma de educadora continua viva em Madalena que começa a questionar as condições de funcionamento da escola que havia na fazenda, como nos informa, inconfor mado, Paulo Honório no capítulo vinte: “[Madalena] Foi à escola, criticou o método de ensino do Padilha e entrou a amolar-me reclamando um globo, mapas ”. Porém, seus questionamentos não eram apenas críticas, além de trazer ideias e sugestões

de melhorias para a escola e com o tempo, da própria fazenda, Madalena também começa a se posicionar como parceira do marido na medida em que toma pé das questões sociais da fazenda e tenta resolvê- l a s : “A l é m d e t u d o ve s t i d o de seda para a Rosa, sapatos e lençóis para Marg a r i d a . S e m m e c o n s u l t a r. Já viram descaramento assim? Um abuso, um roubo, positivamente um roubo.” Só que, como podemos observar na própria fala de Paulo Honór io, tudo que Madalena faz é imediatamente rejeitado pelo dono da fazenda. A (ex-)professora, então, não consegue ensinar nada ao coronel porque, além de não aceitar a igualdade dos gêneros, Paulo Honór io também não consegue lidar com a autonomia de Madalena: “Imaginei-a uma boneca da escola nor mal. Engano.” No desespero de não conseguir controlar as atitudes da esposa, o proprietário das terras de São Bernardo acaba desenvolvendo um ciúme tão doentio que Madalena encontra no suicídio a única forma de liber tação. Madalena se recusa a ser uma boneca, uma mar ionete de Paulo Honório.


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Nina HC @submarinahc

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ThaĂ­s Araujo

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Mvfaro e Lpassos

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