Revista Ponto de Escambo #6

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REVISTA PONTO DE ESCAMBO


Editor Chefe Rafael de França

Equipe

Produção Marcos Poubel Edição e Design Ana Luiza Demonti Althoff Paloma Dantas Equipe de Jornalismo Clara Sthel Flávia Gabriela Costa Gilvana Pereira Iris Albuquerque Leticia Santos Lorena Ribeiro Pâmela Duarte Renata Santiago Tatiana Carina Thalita Gentil Equipe de Comunicação Erica Oliveira Eduarda Ribeiro Evandro Tavares Revisão Carolina Nunes Carolina Souza Uma Realização

Patrocínio

revistapde@escambocultural.rio

acompanhe a versão online no link:

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Editorial

T

odo fim de semana é a mesma coisa. A diversão se resume a dar uma volta na praça, e jogar conversa fora. Também existe a opção de dar uma voltinha no shopping, ver as mesmas velhas novidades e, vez ou outra, pegar um cineminha, que sempre exibe os mesmos filmes comerciais. Mas no próximo fim de semana vai ter um churrasco lá em casa! Só que no final da noite sua família vai estar jogada no sofá contando sempre aquelas mesmas piadas. A vida precisa mesmo ser assim? Para sobreviver à mesmerização da vida visitamos e revisitamos, nesta edição, grupos artísticos que procuraram caminhos alternativos para criar suas próprias manifestações culturais. Também fomos conhecer aqueles que lutam artística e politicamente pelo direito de voz da cultura. O Grupo Guiadas Urbanas nos mostra que não é preciso sair do próprio bairro para conhecer um lugar novo. Já o Maria Realenga nos ensina que não é preciso se mudar de um local para superar uma tragédia, mas sim dar-lhe vida novamente através de saraus artísticas que acolhem moradores e artistas da região. Ainda em Realengo também conhecemos o coletivo Black Sound System que sentiu a necessidade de ocupar e ressignificar um viaduto que antes vazio, isolado e perigoso, agora traz o nome de Espaço Cultural Viaduto de Realengo. Nesta edição também estamos comemorando um ano de existência da Revista Ponto de Escambo, por isso também entramos em harmonia com a dança para celebrar. Enquanto a companhia In Off se expressa através do jazz, das danças de salão e das danças urbanas, a cia Portus dá vida aos corpos através da dança contemporânea e a cia JP Move dá oportunidade aos jovens de trilhar um caminho diferente através do funk. Entretanto, para ter o direito de fazer cultura é preciso se organizar e se posicionar politicamente. Fomos então até o Palácio Gustavo Capanema para não só aprender com essa forma de manifestação política que é a ocupação, como também apoiar aqueles que lá se encontravam reivindicado nossos direitos. Madalena Rosa


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por Marcos Poubel

A cultura fervilha na Zona Oeste. Diversos eventos culturais estão acontecendo, prova disso é que no dia 25 de junho aconteceram três grandes eventos culturais na Zona Oeste, todos. Um desses eventos é o Rio de Dança, que se iniciou no dia 23 de junho com oficinas da dança gratuitas na Escola Municipal Visconde de Por to Seguro em Sulacap. As oficinas foram ministradas pela Por tus Cia de Dança. Na sexta-feira dia 24, além das oficinas, houve uma apresentação da Por tus Cia de Dança e outra da Comp a n h i a I N O F F. N o d i a 25, no Espaço Escambo Cultural, aconteceu um grande evento que foi aberto pelo III Fórum Carioca de Dança. Com cerca de 100 pessoas e 5 apresentações artísticas com

companhia convidadas como as duas já citadas, além da JP MOVE Escola e o ar tista Patrick Ferreira.

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Rio de Dança

O Rio de Dança no Espaço Escambo Cultural contou com a presença de diversas autoridades da dança. O evento continua em setembro em Realengo no dia 29 de julho e em Bangu no dia 26 de agosto. Além das oficinas em escolas públicas que acontecem na semana do evento. O Rio de Dança em 2016 é uma Realização da Escambo Cultural, da Compahia IN OFF e da Revista Ponto de Escambo, faz par te do Passa por te Cultural e do Fomento Olímpico com patrocínio da Secretaria Municipal de Cultura e da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.

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por Andréa Gaspar

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rovavelmente, não acredito em Deus. Respeito, porém, tudo o que não conheço e/ou não posso explicar. Das religiões, gosto das narrativas. Se tivesse vivido na Idade Média, acho que teria acreditado que a Terra era quadrada e que depois da linha do horizonte havia monstros devoradores de navios. E não perdoo o progresso que levou o homem à lua e, consequentemente, nos obrigou a constatar que, de fato, São Jorge e o dragão não se encontram em eterno embate em solo lunar. Por princípio, acredito na palavra divina que vem para aprimorar a nossa humanidade e rejeito tudo o que diminui e empobrece as potencialidades humanas. Desprezo

sacrifícios desnecessários e/ ou que atentem contra outras espécies ou contra a natureza. Gosto de igrejas, mesquitas, terreiros, sinagogas, templos, sem distinção. Sempre paro para ouvir o que têm para nos contar. Pertencemos a uma espécie que não vive sem história, sem beleza, sem cultura, sem poesia. E a nossa religiosidade faz parte do vatapá de crenças que temos cozinhado ao longo da nossa existência. A nossa herança colonial portuguesa nos legou inúmeras igrejas. Dizem que Salvador tem uma igreja para cada dia do ano e suponho que o Rio de Janeiro não deva ficar muito atrás (ou até na frente). Sou rato de


Igreja da Santa Cruz dos Militares

igreja. A expressão é usada, normalmente, para quem gosta muito de frequentar livrarias (rato de livraria). Eu gosto de frequentar igrejas. As antigas. Preferencialmente, as barrocas. Aqui no Rio tem uma de que gosto particularmente: a Igreja da Santa Cruz dos Militares. É uma igrejinha discreta; hoje em dia, escondida meio à turbulência da Rua Primeiro de Março. Uma pequena joia decorada com brasões e insígnias de outrora cujos altares foram entalhados por Mestre Valentim. Consta que numa manhã do dia 12 de agosto dos idos de 1800, o senhor Augusto Correa, um artesão que trabalhava na restauração das obras de gesso dessa igreja, começou a blasfemar contra imagens que estavam próximas – suponho que o forte calor e a ausência de ar condicionado tenham contribuído para decisão tão descuidada. E, num átimo de quase insanidade, desafiou Deus a mata-lo às

três horas da tarde se de fato existisse. Às três horas em ponto, o senhor Augusto despencou de um andaime e quase morreu. Desde então se converteu em fervoroso crente e passou a promover uma festa em desagravo do Senhor e da Virgem que insultara: a festa do Senhor Desagravado e de Nossa Senhora da Piedade. Nunca vivi uma experiência metafísica dessa monta, mas obviamente nunca desafiei a morte estando no cemitério, nem a pomba-gira estando num terreiro e muito menos ainda Deus, estando dentro de uma igreja. Não circularia pelos corredores do Palácio do Catete à noite onde, segundo a lenda, o fantasma de Getúlio vem, às vezes, dar uma voltinha. E, depois que o Bussunda morreu, fiquei quase um mês sem ir ao banheiro à noite porque eu sentia sua sombra seguindo meus passos. Bussunda sempre foi um brincalhão e eu sempre fui sua fã, mas ainda assim preferi me poupar de inusitado encontro.


GU I A DA S URBANAS

D E S U BU R BA N O S PA R A S U B U R B A N O S

por Letícia Santos e Flávia Gabriela

O casal Karolynne e Vilson, contam sobre os detalhes, as mudanças e o futuro de seu projeto – Guiadas Urbanas.

Olhar para regiões suburbanas através do turismo, apresentando não só a estética visual, mas a história e a dinâmica cultural dos lugares é a principal proposta do Guiadas Urbanas. O casal Vilson e Karolynne nos apresentam ao subúrbio jamais visto, ao desconhecido do co-

nhecido, às histórias não reconhecidas. Durante toda a entrevista, o casal fundador dessa iniciativa enfatiza que o intuito não é chamar a atenção de turistas que estão a passeio na cidade, mas, sobretudo, dos moradores que


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às vezes não conseguem perceber quanta riqueza possui o lugar onde vivem. O objetivo do Guiadas é mostrar aos moradores do subúrbio que seus bairros são tão valiosos e históricos quanto os lugares famosos pelo turismo na cidade. Pretende-se ensinar que essas terras já pas-

saram por muitas coisas e, que entre as subidas e descidas dos morros, há muitas histórias para serem contadas. O projeto que agora entra em uma fase de expansão e desenvolvimento de novos roteiros pretende alcançar outras localida-

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des visando incluir roteiros para Com uma aceitação grande nas mais alguns bairros da zona nor- comunidades por onde passam te como Irajá e bairros da zona os roteiros, há a possibilidade oeste, como por exemplo, Ban- de moradores de outras áreas gu, além da baixada fluminense. entrarem em contato para fazer sugestão de noAlém disso, estão com uma proO objetivo do Guia- vos trajetos. - “A posta, ainda em das é mostrar aos mo- gente vai lá, faz negociação, com radores do subúrbio o levantamento uma pessoa inteque seus bairros são da história do ressada em levar tão valiosos e históri- bairro, faz um ropara Salvador a cos quanto os lugares teiro com os moopção de pasfamosos pelo turismo radores, registra aquilo que eles seios turísticos no na cidade acham interesmesmo perfil que propõe o Guiadas. Recentemen- sante elencar e aí a gente vai te, fecharam uma parceria com pra atender” – explica Vilson. O a Plural cultural onde divulgam o casal também presta serviços trabalho deles em troca da pu- para algumas empresas que fiblicação gratuita de seus rotei- cam interessadas em sua forma ros num aplicativo chamado “De diversificada de fazer turismo. Como aconteceu ano passado, Janeiro”.


Durante os jogos olímpicos, estarão participando de uma maratona promovida em parceria pelo SEBRAE e o Rio Tour, para a empresa Ticket Center, que disponibilizará, para turistas que estarão pela cidade, roteiros nas Zonas Norte, Oeste e Centro do Rio. Ao final de cada passeio, os visitantes irão contar sempre com a apresentação de um grupo cultural local do bairro, a fim de atrair as pessoas para uma imersão na dinâmica cultural da região, como os passeios que acontecem em Madureira no mesmo dia em que é realizado o famoso Baile Charme no Viaduto de Madureira. Esse trabalho, entretanto, não afetará a rotina de demandas dos passeios que oferecem para os moradores das comunidades cariocas e regiões suburbanas, desde o princípio, seu principal foco. Adeptos do turismo sustentável e da economia criativa acreditam que o trabalho que fazem deve trazer retorno positivo não só para si próprios, mas também para os comerciantes em geral das regiões em que atuam, ge-

rando expansão da economia local nos subúrbios. Dentro do mundo que é a internet, as campanhas de divulgação em mídias online desempenham um papel importante nesse novo cenário. A visibilidade que elas trazem faz com que as empresas olhem de outra maneira para esses territórios e enxerguem neles uma boa possibilidade para investimentos.

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quando o grupo SESC Rio os contratou em comemoração ao mês da consciência negra para guiar grupos de turistas pela região do Valongo, Praça Seca, por todo o mês de novembro.

Hoje com o projeto mais consolidado, conseguiram atingir um patamar onde são reconhecidos e admirados pelo que fazem. Um

exemplo disso é o surgimento de novos projetos de mesma tendência em diversos pontos do Rio de Janeiro inspirados pela proposta que o Guiadas lançou para o turismo, respondendo de maneira positiva aos esforços de Vilson e Karolynne em levar às pessoas a consciência de que o subúrbio também tem seu valor.

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UM NOVO CONCEITO EM DANÇA por Pâmela Duarte e Iris Albuquerque Guilherme Oliveira, gestor cultural formando em produção cultural, diretor e criador da Companhia In Off acredita que a dança é uma ferramenta poderosa que pode além de formar excelentes bailarinos, transformar pessoas em ser humanos melhores.


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E o que é a Companhia In Off? É um grupo de dança que tem como objetivo principal debater a cultura e seus mecanismos, criar espetáculos voltados para toda a família e passar todo o conhecimento da equipe de maneira gratuita através de oficinas de dança que reúnem três linguagens: o jazz, danças urbanas e a dança de salão.

Em 1999, a companhia foi criada com o nome Silver Angels por Guilherme junto com alguns amigos que hoje já não dançam mais. Por se sentirem deslocados na região da Zona Oeste, em 2008 a equipe decidiu mudar o nome para Companhia In Off. O grupo realizava diversas apresentações na Zona Sul, além de outras áreas, porém na própria região nunca eram chamados por serem vistos com despeito.

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Com a mudança de nome essa realidade foi se transformando e a equipe obteve várias conquistas. Assim, em uma das primeiras apresentações da Companhia In Off, o grupo dançou para um público de 80.000 pessoas em uma festa de São Jorge promovida em Bangu. Além disso, eles foram a primeira companhia de danças urbanas com um diretor negro residente no Centro Coreográfico da Tijuca. A equipe

beram o Secretário e o Ministério da Cultura, além da Secretaria Estadual e da Municipal para dar voz aos profissionais da cultura, ONGs, produtores independentes e demais seguimentos artísticos e culturais da região. A companhia já realizou oficinas em diversos locais do Rio de Ja-

“COM O POUCO QUE A GENTE SABE, JÁ CONSEGUIMOS TIRAR ALGUNS JOVENS DA VIDA ERRADA. JÁ TIVEMOS DOIS MENINOS QUE LARGARAM AS DROGAS E UMA MENINA QUE ABANDONOU A PROSTITUIÇÃO PARA neiro como Caxias, Nova Iguaçu FICAR COM A GENTE”

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também abriu o Viradão Carioca de 2010 com um flash mob na Central do Brasil. Segundo Guilherme, a Zona Oeste representa quase 60% da nossa população e dentro do nosso estado, o maior polo de dança e o maior número de bailarinos profissionais formados na faculdade de dança está na Zona Oeste. Graças a esses dados, a Companhia In Off está aproveitando para tentar fomentar a cultura da região. Desde 2008 o grupo faz o Congresso Cultural da Zona Oeste, onde já rece-

e Petrópolis. Este ano, além de estarem na Universidade Castelo Branco de Realengo, vão começar a dar aulas no Parque Urbano Fazenda do Viegas e ajudar na ocupação cultural do lugar, que já possui oficinas de artes visuais, audiovisual e de teatro. A maioria das pessoas que entram para as oficinas não sabem dançar e com os conhecimentos adquiridos, muitos deixaram de ser alunos para se tornarem professores, alguns conseguiram até se profissionalizar no sindicato e outros mudaram completamente suas vidas. “Com o pouco que a gente sabe, já conseguimos tirar


Kathlen Branco já está na Companhia há 4 anos e acredita que a dança foi primordial em vários aspetos e parâmetros de sua vida. “A dança me proporcionou um comportamento melhor e uma disciplina dentro de casa. Acho que até me ajudou na questão

Faltando pouco tempo para as Olimpíadas, a Companhia In Off já está com alguns eventos marcados na agenda. Confira a programação no www.facebook. com/companhiainoff.

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alguns jovens da vida errada. Já tivemos dois meninos que largaram as drogas e uma menina que abandonou a prostituição para ficar com a gente.”, conta Guilherme.

de comprometimento com todo mundo, pois me ajudou muito a trabalhar em equipe. Através desse projeto, a pessoa aprende as bases necessárias que podem levar talvez a uma profissionalização ou algo do tipo, ou seja, vai te ajudar lá na frente.”

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OCUPAR OCUPAR OCUPAR OCUPAR É


É RESISTIR por Clara Sthel


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Cartolinas, grafites, palestras, fitas coloridas, estandartes, barracas de camping, músicas e bandeiras de diferentes movimentos sociais. É assim que o Palácio Gustavo Capanema, sede do Ministério da Cultura, no Centro do Rio de Janeiro encontra-se há mais de 50 dias: ocupado. A indignação começou quando Michel Temer foi nomeado presidente interino.

Um golpe segundo a classe artística. As ocupações não foram só pelo fim do Ministério da Cultura, que posteriormente foi recriado após a projeção que a situação tomou, mas sim por todas as circunstâncias políticas que o país está vivendo, “O Ocupa Minc tem que ser entendido como um movimento nacional. O Brasil é enorme. Logicamente, o movimento de ocupação foi construído diferente em cada estado, não existe apenas uma vertente

política nas ocupações. Alguns que aqui estão ocupando posicionaram-se como oposição de esquerda, uma oposição democrática contra o golpe, têm pessoas da base, e pessoas que são autônomas politicamente. É uma análise muito rasa afirmar que só há ‘ petralhas’ no Ocupa. ” Explica Rachel Dias, do Coletivo Fora do Eixo/Mídia Ninja. Falando em cultura, qual é a situação da Cultura no Brasil?


O investimento público na área cultural é baixo e muitos artistas estão à margem das políticas de Estado. Desde 2003, o Ministério da Cultura está amadurecendo e considerando todas essas deficiências, mas, agora, com o presidente interino no poder muitas questões estão sendo esvaziadas por conta dos ajustes fiscais. Muitas pessoas acreditam que a Lei Rouanet é um incentivo financeiro dado a todos os artistas de forma fácil. Mas se fosse assim, por que a reivindicação de mais políticas públicas para cultura também estão na pauta do Ocupa Minc? “Os artistas independentes continuam não

sendo contempladospor políticas públicas de incentivo à Cultura. A Lei Rouanet, por exemplo, beneficia, na sua maioria, as grandes produções. O cara que trabalha de forma independente não recebe nada do Minc. O que conseguimos recentemente foram os Pontos de Cultura, que é de fato mais representativo e incentiva a cultura popular. Mas agora com o golpe, o novo Ministro da Cultura, Marcelo Calero, já vetou a iniciativa também”, argumenta Rachel Dias. A Rua da Imprensa não é mais a mesma após a ocupação, é um entra e sai de gente que não tem fim. É aula de yoga,


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debate, capoeira, feiras de alimentos orgânicos, performances circenses, teatro, aulão de defesa pessoal, oficina de dança, roda de conversa sobre política e exibição de filmes. Esse movimento constante só mostra que a classe artística está mais do que nunca resistindo e desempenhando um papel relevante a favor da democracia. ”Estamos nos organizando, e não é no sentido de filiar-se a um partido, mas sim organizar-se politicamente para uma revolução por meio da cultura, da mídia. Porque se você não se organiza, alguém organiza você”, conclui Rachel.

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O dia a dia no Edifício Capanema funciona de forma colaborativa e a gestão do local é feita de forma horizontal. Não há hierarquia fixada previamente. O lema é: se você encontrou uma tarefa, ela

é sua. Mas como decidir quando há opiniões divergentes? Não existem mais votações, e sim consenso por meio de muita conversa, “A ideia de horizontalidade é uma experiência, não temos um método fechado, partimos de uma premissa que é o trabalho. O bem que estamos construindo aqui é um bem de todos. Somos todos responsáveis pela limpeza, alimentação e divulgação do nosso movimento. Um exemplo do nosso amadurecimento é não votarmos mais em assembleias, chegamos a um consenso pelo diálogo”, explica o fotógrafo Bruno Bou, um dos residentes do OcupaMinc. Até o fechamento desta edição são contabilizados 19 estados brasileiros com os seus Ministérios da Cultura ocupados.


foto por Mídia Ninja/RJ

Atualização OcupaminC RJ No dia 25 de julho, cerca de 80 agentes da Polícia Federal desocuparam o Palácio Gustavo Capanema no Centro do Rio de Janeiro. A ocupação artística que durava 70 dias acabou pela manhã, por volta das 6h, quando agentes entraram no Palácio fortemente armados, com toucas ninjas e máscaras de gás lacrimogêneo para expulsar os ocupantes do local, uma mulher foi agredida.

A reintegração de posse foi uma decisão judicial favorável a Instituição do Patr imônio Histórico e Cultural (Iphan). Após dez dias de reintegração do Capanema os integrantes do movimento OcupaminC caminharam para uma nova casa: o antigo Canecão, espaço cultural da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em Botafogo, Zona Sul do Rio. O local estava desativado desde abril de 2010. Há atividades culturais todosos dias.


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Maria Realenga: da tragédia à cultura Por Tatiana Car ina

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A arte pode ser a chave para a superação. Após a chacina de Realengo, o bairro precisava mudar o estigma de "local tragédia". Assim foi criado o Maria Realenga. Sidnei Oliva e Jorge Torres, moradores da região, passaram a pensar como poderiam tentar modificar a visão que as pessoas passaram a ter dos arredores da Zona Oeste.

Realengo se tornou mundialmente conhecido após o massacre onde doze adolescentes foram mortos. A chacina aconteceu há 5 anos atrás no dia 7 de Abril, quando na parte da manhã um jovem de 23 anos, Wellington Menezes, entrou na Escola Municipal Tasso da Silveira feriu 22 adolescentes, assassinou outros 12 e depois se matou. O projeto cultural foi formado

com o intuito de fazer com que os moradores não precisassem se deslocar para ter um pouco de lazer e, também, para que artistas desconhecidos pudessem ter um lugar íntimo para exibirem suas criações. Com esse conceito o Maria Realenga aborda saraus em que a cada evento escolhe-se um tema diferente que varia de poesia a leitura infantil, passando por bossa nova e teatro. Reunindo todas as vertentes de cultura, o projeto foi conquistando cada vez mais aliados para conseguir ser realizado. A ideia foi levada ao dono de um restaurante local, Ulisses, responsável pelo Boom Petisco, que comprou a ideia e passou a ceder o espaço e toda a infraestrutura. Acabou se tornando o ponto principal e mais conhecido do Maria Realenga. Os saraus são financiados pelos próprios responsáveis e sendo assim ocorriam apenas 2 vezes no ano. Com a ajuda de vários voluntários, desde Agosto de 2015 já foram feitos 5 eventos, com o planejamento de um 6º em Julho. “A tendência é que façamos o sarau bimestralmente


daqui em diante.”, comenta Sidnei, um dos criadores do projeto. A procura e a credibilidade têm crescido gradualmente nesses 4 anos. Hoje a facilidade de encontrar artistas que queiram se apresentar é maior, mas a prioridade é dada a artistas locais. O projeto ganhou um prêmio de ações locais, em 2015, pela prefeitura do Rio de Janeiro. Ainda não há planos para ter um espaço físico, pois a ideia é fazer os eventos em locais públicos, e alguns privados.

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O grupo não só é composto pelos criadores como também por amigos do projeto que estão sempre presentes nos saraus e nos coletivos de dança, de teatro, de poesia, de música. Mesmo quando não se apresentam, estão presente nos eventos. “Alguns desses artistas já trabalhavam isoladamente, então ficavam vá-

rias gotinhas em Realengo, o que nós fizemos foi juntar para dar meio copo d’água.”, diz Sidnei. O Maria Realenga é um projeto cultural desenvolvido sem fins lucrativos que apenas quer abrir espaço para novos nomes na arte. “É importante para os artistas se apresentarem onde moram, onde cresceram, eles dizem isso.”, comenta Dafne, produtora dos eventos. O próximo sarau já tem data marcada para Setembro.

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Viva a Rua!

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Ocupação cultural do Viaduto de Realengo

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por Thalita Gentil

Tudo na vida é passageiro, menos a arte. Desse conceito, o pessoal do Espaço Cultural Viaduto de Realengo entende muito bem. Quem passa por baixo do Viaduto, construído em 2012, que liga os dois lados do bairro, logo percebe a importância cultural daquele lugar. O “Sentinela”, nome usado por um dos responsáveis do projeto, Oberdan Mendonça, para se referir

aos grafites que cobrem grande parte das estruturas de concreto lembram de todos os eventos que já ocorreram ali. Da necessidade de ocupar um espaço que estava vazio, o projeto, que teve início na casa de uma das moradoras do bairro, começou a tomar forma. A partir do coletivo Black Sound System, que junta Mc´s, Dj´s e grafiteiros,


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cronograma para as Olimpíadas é bastante extenso. Aproveitando o espírito do evento, haverá uma olimpíada de Rap, campeonato de Skate, campeonato de pingue-pongue, campeonato de surgiu o espaço cultural Viaduto “golzinho de rua” e, se o exércide Realengo, em 2013. O obje- to liberar o espaço, promoverão tivo inicial era “ligar um som, fa- também uma corrida. O planezer um grafite e chamar a galera jamento é simbólico, mas carrega a esperança para fazer uma O objetivo inicial de que, no futuro, participação”, era “ligar um som, exista apoio para segundo Ober- f a z e r u m g r a f i t e que algumas desdan, mas causou e c h a m a r a g a l e atividades um impacto muito r a p a r a f a z e r u m a sas possam se tornar maior não só em p a r t i c i p a ç ã o ” , Realengo, mas s e g u n d o O b e r d a n , permanentes. em toda a cida- m a s c a u s o u u m i m p a c t o m u i t o m a i o r O Espaço Cultural de. n ã o s ó e m R e a l e n - Viaduto de Rego, mas em toda a alengo conta com Cruzando parcidade. a ajuda de diverte do bairro em direção a estação de trem, o sos coletivos e da população espaço poderia ser bem mais para continuar inspirando pesperigoso sem a existência do soas e modificando a imagem projeto. Ocupar a cidade, como negativa que se tem de alguns eles fizeram, tem uma importância pontos da cidade e a vida de fundamental na qualidade de diversas pessoas através da culvida dos moradores que, além tura. de conquistarem seu direito de ir e vir sem medo, ainda têm uma Esse é o nosso objetivo: alternativa de entretenimento. Ao invés de se contentar com a Ocupar, ocupar, Ocupar. Fazer, fazer, fazer.” programação limitada da tv, é possível sair e aproveitar toda Oberdan Mendonça. a programação cultural, voltada para todos os públicos, inclusive as crianças.

E por falar em programação, o

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O JP fez toda a diferença em minha vida, por duas vezes. Na primeira eu tinha 15 anos, quando fundei e fiz desse grupo meu refúgio, e também uma fábrica de cultura e dança na Zona Oeste. No segundo momento, eu havia me afastado para estudar dança na UFRJ. Falei para meus companheiros ‘Me esperem que vou me profissionalizar ’, e quando voltei em 2011, comecei a profissionalizá-los também. Foi quando criamos o espetáculo “ Que se Funk’ e com ele nascia JP Move, companhia de dança profissional. Hoje, somos uma das companhias promissoras do Rio. Sou muito grato por nossas conquistas, foram 18 anos para colher alguns frutos. Michel Cordeiro

Periferia gerando cultura por Gilvana Pereira

A companhia JP Move completa seus 18 anos e atinge a maioridade levando Funk aos palcos A declaração de Michel Cordeiro, fundador do grupo, resume um pouco da importância da companhia em sua vida. O refúgio de seus integrantes, a companhia atualmente tem 8 profissionais de dança e cerca de 15 bailarinos na equipe juvenil, além de figurinista, cenógrafo, iluminador e outros profissionais, para produzir seus espetáculos.

Ganhador dos prêmios Klaus Vianna, ‘Viva a Arte!’ e Favela Criativa em 2015, este ano foi contemplado com o ‘Cidade Olímpica’, que os inseriu no Calendário Olímpico da cidade, promovendo a apresentação do espetáculo “Que se Funk” na Lona Cultural Elza Osborne, em Campo Grande. O espetáculo que dura em torno de 50 minutos, mostra a mudança comportamental que o


funk trouxe, desde os anos 70, para o Rio de Janeiro e suas periferias. Dois dos integrantes do grupo profissional vieram da JP Escola, instalada na UPP do Batan, em Realengo. A Escola recebe adolescentes, a partir de 12 anos de idade, que moram nas redondezas. “Foi uma experiência muito boa. Enquanto eles passavam o que sabem pra gente, eu fui me espelhando neles. Eu disse ‘eu quero isso também’” — conta Júlio Santos, que com 18 anos já decidiu seguir na carreira de dança e não tem dúvidas do quanto foi necessária essa experiência. Júlio e Bruna Bastos aprenderam na Escola por mais de 4 anos e os ensinamentos foram para além das danças urbanas. “A gente acabou se fortalecendo mais, criando mais responsabilidade. Ajudou bastante” — ressalta Bruna de 17 anos, a mais nova da equipe. O grupo é unânime em dizer que viver da dança é difícil.

O JP Move enfrenta a dificuldade de não ter um local fixo para ensaios na Zona Oeste— onde todos residem. Na região não há espaços que comportem companhias de dança e eles se deslocam até o Centro Coreográfico do Rio de Janeiro, na Tijuca, para ensaiar e preparar seus espetáculos. O próximo espetáculo, que tem previsão de estreia em setembro deste ano, foca na periferia. Além disso, a JP Escola em conjunto com a Face (Fábrica Artística de criação de espetáculos), tem o projeto de fomentar a cultura regional e profissionalizar jovens na criação de espetáculos que envolvam teatro e dança. Todos trazem as experiências vividas. Aprenderam os Jovens de Periferia que, na arte da dança, a sensibilidade é essencial. O grupo acredita que o fomento da cultura é primordial. “É através da escola que a mudança acontece. É Um processo lento, mas a arte é transformadora de indivíduos.


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É desde pequeno que a mentalidade deve ser mudada.” — diz Rodrigo Barboza. Camilla Simões cita uma apresentação que realizaram em uma escola na Pavuna. Entre as crianças da plateia, algumas faziam parte de projeto com aulas de dança e outras não: “A diferença foi notória. As crianças que não tinham aula, não tinham esse olhar sensível.” Jéssica menciona uma frase, que para ela resume este aspecto sensível da arte: “No lugar onde não tem cultura é a violência que faz o espetáculo.”

O peso que a arte e a cultura têm sobre a vida de quem tem contato com elas inspira Samir Santos: “Eu renasci depois da dança. Ela me transformou de tal forma, que não consigo viver sem. É isso que me mantém vivo e me faz dançar pra mostrar às outras pessoas que a dança pode ser essa ferramenta de mudança. Eu sou um exemplo vivo dessa mudança, de como a gente pode se desconstruir e modificar. Basta querer, se entregar.” mais informações: www.facebook.com/jpmove


o diálogo entre o território e o palco por Renata Santiago

Ampliando cada vez mais seu espaço na cena artística do Rio de Janeiro, o grupo Teatro da Laje surgiu em 2003, poucos anos depois do início das aulas de teatro dadas por Antônio Veríssimo Junior em uma escola municipal na Vila Cruzeiro. Segundo ele, professor e criador do grupo de teatro, a companhia nasceu a partir do interesse dos estudantes pela disciplina, que exigiu a expansão das aulas. “Os alunos chegavam a fugir das aulas de outras matérias para participar das de teatro”, conta. Atualmente, os atores realizam os ensaios dos espetáculos na Arena Carioca Dicró, na Penha, e na Escola do Teatro da Laje, na Vila Cruzeiro, onde também acontecem as aulas. Em entrevista, ele explica que é essencial que a sociedade rompa com a lógica de que o teatro

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De periferia a centro

feito por jovens de periferia deve ser suporte de mensagens edificantes. Nessa linha, o grupo manifesta em seus espetáculos aquilo que já existe em seu território e em suas vivências, contribuindo de forma singular e insubstituível para a linguagem dramática. “O teatro faz tudo por todo mundo, não só pelas pessoas da Vila Cruzeiro. Essa ideia de que tem uns que são carentes é um papo muito furado. Não gosto do termo carente” diz o professor, reforçando: “o importante, aqui, é saber não apenas o que o teatro pode fazer pelos jovens do complexo de favelas da Penha, mas o que o esse jovem pode fazer pelo teatro, a gente se recusa a fazer teatro de catequese”. Para o grupo, apresentar o que vivem e expressam é parte de seu foco principal: reinventar o território e colocar o complexo de favelas da Penha no mapa. É através da

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30 de maneira ressignificada pela arte.

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pesquisa de vozes, gestos, hábitos e opiniões dos moradores que o Teatro da Laje caminha para que seus espetáculos tragam sua identidade e afirmem a existência e importância do espaço onde vivem e atuam. Antônio afirma que a ideia é por fim à visão de centro e periferia e pensar mais em outro centro, e por isso o grupo trabalha mais com a ideia de território como lugar de ação, invenção e criação. No momento atual, a companhia realiza um ciclo de palestras chamado “Teatro e território através da história”, que busca fazer com que o grupo entenda qual é o seu lugar e sua peculiaridade na história do teatro, qual tradição ele ajuda a levar adiante e qual legado ele resgata e dá continuidade, com a forma como convoca as energias do território e as devolvem

Além das palestras, o grupo ensaia seu próximo espetáculo, “A última resenha”. Nele, levanta-se a questão: o que acontece com você quando se depara com a possibilidade de morrer? Se o mundo fosse acabar amanhã, o que você faria? Nas cenas, os atores vivem seu último encontro antes do fim do mundo. “Resenha, para esses jovens, significa encontro, reunião, e eu não sabia disso. Eles sempre surpreendem”, diz Veríssimo ao falar sobre a escolha do nome do espetáculo e a troca entre o teatro e as particularidades destes jovens.


Revista Ponto de Escambo #5

PORTUS CIA DE DANÇA

por Lorena Ribeiro

A companhia de dança Portus surgiu a partir da ideia inicial de criar um projeto de artes integradas. A partir disso, a diretora do projeto Marcela Brasil imaginou o conceito do Projeto Amor Por Toda Vida, apoiado pela Escambo Cultural e produzido por Rafael de França, Marcos Poubel, Paulo Ornelas e por ela. O objetivo era criar cinco ações dentro do período de oito meses, que seriam o grupo de dança para produzir a websérie, a realização de intervenções urbanas, fazer vídeo-dança e esquetes culturais. Com base nesse projeto, Marcela Brasil decidiu dar início a um sonho seu, criando a Companhia Portus, que, no último mês de maio, completou um ano de existência.

A partir do Amor Por Toda a Vida eles começaram a pesquisar e criar outras ações que pudessem envolver a dança contemporânea, como o projeto Dança e Arte na Rua, que surgiu da experiência do Palavras na Rua. Baseado nessa experiência, Marcela afirma que xs dançarinxs foram entendendo na prática que o ato de dançar na rua não era apenas chegar e colocar uma coreografia na rua. Era necessário ter todo o entendimento do que é o urbano. Para Gabriela Pereira, dançarina da companhia, a importância desse trabalho na sua vida não

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Revista Ponto de Escambo #5

é apenas do fazer artístico, mas também a realização da pesquisa teórica do que é falado, cada movimento e os fundamentos da arte contemporânea. Essa importância não existe somente para ela, mas também na vida das pessoas que ainda são desconhecedoras do que pode significar a dança, mas que, ainda sim, demonstram interesse. Mesmo o público mudando diariamente, ela afirma que eles procuram sempre dar devida atenção a esse tipo de público que não tem conhecimento da dança contemporânea. ‘’É um crescimento profissional muito grande e significativo pra cada um de nós da companhia. Cada um tem um sentido próprio, mas eu acredito que o que há em comum em nós é isso, é o profissionalismo que nós vamos adquirindo ao longo do tempo, não só de estar dançando mas de estar contribuindo em tantas outras áreas em que temos a oportunidade de estar exercendo.’’ – Afirma Gabriela Pereira. Para quem tem interesse de participar, a Cia Portus abre audições anuais, além da criação de oficinas que se tornou o Projeto Vivências. O objetivo do Projeto

é capturar potencias que busquem a troca da dança com a as outras linguagens artísticas. Estudantes que procuram não só uma troca de conhecimento, mas, sim, um espaço de possibilidades, como estudos da Dança Contemporânea, pesquisas, criações coreográficas, fundamentação pratica e teórica, expor as ideias, entre outras oportunidades que Companhia proporciona. A companhia não possui fins lucrativos e nem patrocínio, a ideia maior é de levar o espetáculo para rua, devido essa dificuldade de palco. Além disso, eles possuem dois vídeo-dança disponíveis para acesso, no qual eles usam para se inscrever em Festivais com um objetivo de expor mais ainda o trabalho deles. Hoje, a Cia Portus ensaia três vezes por semana no Fundão, a maiorias dos integrantes são alunos e recém-formados em dança ou cursos do gênero. Atualmente é composta por 14 pessoas, sendo 9 de diversas áreas e 5 na área técnica. Para mais informações sobre a Companhia Portus e sua agenda de espetáculos, acessem a página oficial no Facebook: Portus cia. de Dança.


F e s ta ? por Madalena Rosa

Fizeram uma festa em nossa casa sem a nossa permissão. Pegaram todo dinheiro das despesas da casa que estava na gaveta, pintaram nossas paredes com cores horrorosas, maquiaram o vazamento do banheiro com uma obrinha mequetrefe, convidaram estranhos, nos enfiaram uma roupa de palhaço e ignoraram todas as nossas reclamações e tentativas de diálogo. Perguntávamos “O que é isso?” e como tínhamos apenas o silêncio e a prepotência como resposta, reagimos! Fizemos de tudo para apagar as tochas dessa festa indesejada, mas fomos silenciados com gás e pimenta nos olhos. E as crianças vendo isso tudo? Eles não se preocupavam se elas também seriam atingidas. Algumas arregalavam os olhos espantadas, outras tinham medo, mas não importava. O importante era manter a tocha acesa. E

quando ainda assim reagíamos, levávamos tiros impactantes de borracha e nos enfiavam no camburão. Assim, à custa de muitas amarras e cassetetes deram início ao ritual. Mas será que os convidados sabem exatamente o que se passa conosco? Alguns sim, outros não. No entanto quem vem de fora para compartilhar de uma festa nunca sabe exatamente o que se passa na cabeça dos outros presentes. Como saber se aqueles participantes realmente estavam com clima de festa ou sentiam-se desajustados com toda aquela presepada? A literatura pode nos dar a capacidade de ler pensamentos.


No capítulo Festa em Vidas Secas, obra de Graciliano Ramos, os personagens Fabiano, sinha Vitória, os dois filhos e a cachorra Baleia que se dedicavam a fugir da seca e sobreviver, se dão um descanso e vão para a festa de Natal na cidade. A

Fabiano, apertado na roupa de brim branco feita por sinha Terta, com chapéu de beata, colarinho, gravata, botinas de vaqueta e elástico, procurava erguer o espinhaço, o que ordinariamente não fazia. Sinha Vitória, enfronhada no vestido vermelho de

questão é que ir à festa não era um evento nada corriqueiro para eles: “Tinham fechado a casa, atravessado o pátio, descido a ladeira, e pezunhavam nos seixos como bois doentes dos cascos.

ramagens, equilibrava-se mal nos sapatos de salto enorme. Teimava em calçar-se como as moças da rua - e dava topadas no caminho. Os meninos estreavam calça e paletó Em casa sempre


usavam camisinhas de riscado ou andavam nus.” Após caminharem algumas léguas com certa dificuldade, a família chega até a cidade, só que até aí temos apenas uma cena externa. O que será que pensavam e sentiam as crianças? “Os dois meninos espiavam os lampiões e adivinhavam casos extraordinários. Não sentiam curiosidade, sentiam medo, e por isso pisavam devagar, receando chamar a atenção das pessoas. Supunham que existiam mundos diferentes da fazenda, mundos maravilhosos na serra azulada. Aquilo, porém, era esquisito. Como podia haver tanas casas e tanta gente? Com certeza os homens iriam brigar. Seria que o povo ali era brabo e não consentia que eles andassem entre as barracas?”. E a cachorrinha Baleia? “Chegaram à igreja, entraram. Baleia ficou passeando na calçada, olhando a rua, inquieta. Na opinião dela, tudo devia estar no escuro, porque era noite, e a gente que andava no quadro precisava deitar-se. Levantou o focinho, sentiu um cheiro que lhe deu vontade de tossir. Gritavam demais ali perto e havia luzes em abundância, mas o que a incomodava era aquele cheiro de fumaça”. Enquanto os meninos se espantavam com a festa e Baleia sentia-se

incomodada, Fabiano tinha o espírito fechado para solenidades e festejos, pois ainda sofria os traumas de uma prisão arbitrária e os abusos de uma polícia autoritária que provavelmente apenas servia para defender os interesses dos fazendeiros: “Fabiano estava silencioso, olhando as imagens e velas acesas, constrangido na roupa nova, o pescoço esticado, pisando em brasas. A multidão apertava-o mais que a roupa, embaraçava-o. (...) Agora não podia virar-se: mãos e braços roçavam-lhe o corpo. Lembrou-se da surra que levara e da noite passada na cadeia. A sensação que experimentava não diferia muito da que tinha tido ao ser preso. Era como se as mãos e os braços da multidão fossem agarrá-lo, subjugá-lo, espremê-lo num canto da parede. (...) Difícil mover-se, estava amarrado.” Já sinha Vitória, depois de se livrar de um grande aperto que foi encontrar um local para urinar, tenta não se deixar levar pela amargura das dificuldades vividas: “Realmente a vida não era má. Pensou com um arrepio na seca, na viagem medonha que fizera em caminhos abrasados, vendo ossos e garranchos. Afastou a lembrança ruim, atentou naquelas belezas. O burburinho da multidão


era doce, o realejo fanhoso dos cavalinhos não descansava. Para a vida ser boa, só faltava a sinhá Vitória uma cama igual à de seu Tomás da bolandeira. Suspirou, pensando na cama de varas em que dormia.” Ainda que a família não estivesse com a alma totalmente aberta a celebrações, os membros da família tentavam se adaptar, como podemos ler nos pensamentos de Fabiano “Como tinha religião, entrava na igreja uma vez por ano. (...) Não se arriscaria a prejudicar a tradição, embora sofresse com ela.” Mas por que a família tentava se adaptar ao invés de romper com a tradição? Sinha Vitória, Fabiano e os meninos não eram muito habilidosos com as palavras, logo não sabiam exatamente como se livrar da submissão e argumentar ou protestar, com acontece quando Fabiano é preso, no capítulo Cadeia: “Fabiano sempre havia obedecido. Tinha muque e substância, mas pensava pouco, desejava pouco e obedecia.” “Então porque um sem-vergonha desordeiro se arrelia, bota-se um cabra na cadeia, dá-se pancada nele? Sabia perfeitamente que era assim, acostumara-se a todas as violências, a todas as injustiças.” “Era bruto,

sim senhor, nunca havia aprendido, não sabia explicar-se. Estava preso por isso? Como era? Então mete-se um homem na cadeia porque ele não sabe falar direito?” Embora os familiares tivessem dificuldade de encontrar respostas para as injustiças que sofriam e o próprio Fabiano afirmasse para si mesmo que pensava pouco como pudemos ler anteriormente em seu pensamento (“pensava pouco, desejava pouco e obedecia”), Vidas Secas é todo permeado pelos pensamentos e sentimentos de seus personagens. A paisagem externa é toda seca assim como a fala uma vez que o discurso oral é quase inexistente, mas os pensamentos internos brotam sem parar. Através do ponto de vista dos personagens expresso através do uso do discurso indireto livre, percebe-se que uma festa que não é exatamente aceita pelos seus participantes não tem de fato um tom de comemoração. “Entretenimentos” que nos são enfiados goela abaixo por questões políticas ou religiosas podem causar tudo, incômodo, submissão, sono, impaciência, raiva, revolta. Festa imposta dá margem a tudo que passa longe da satisfação.




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