Wicca - Bruxaria no século XXI

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João Ricardo Rebouças Tiago Aparecido Cordeiro

WICCA Bruxaria no século XXI

São Paulo Novembro, 2010


1ª edição João Ricardo Rebouças, Tiago Aparecido Cordeiro Nome do Livro: WICCA Bruxaria no século XXI São Bernardo do Campo: Escritório de Mídia, 2010.

Todos os direitos desta edição reservados a João Ricardo Rebouças, Tiago Aparecido Cordeiro

Copyright 2010 by João Ricardo Rebouças, Tiago Aparecido

Cordeiro Editora: Escritório de Mídia Rua Jônio, 12, sala 17 09750-340 – São Bernardo do Campo – SP Telefone: (11) 4123-8159


WICCA

Bruxaria no século XXI



Sumário Introdução ................................................. 7 I - Acredite, elas existem ............................

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II - Bruxos, eles também existem ...............

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III – O professor........................................

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IV – A Wicca e os Celtas ..........................

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V – Erros acontecem ................................

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VI – A luta pela igualdade .......................

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VII – A casa da bruxa ..............................

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VIII – Um negócio do outro mundo........

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Conclusão ...............................................

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Bibliografia ..............................................

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Introdução



Bruxas existem? Você já viu uma? Se você fizer estas perguntas para alguém, provavelmente a resposta seria: - Não, bruxas não existem. Ou então seria: - Sim! Já vi muitas bruxas nos desenhos animados e nos filmes. Mas a imagem que a mídia passa sobre o que realmente é uma bruxa está muito longe da realidade. Velhas horrorosas com verrugas no nariz com chapéu pontudo, voando de vassoura ao lado de gatos pretos, são pura imaginação de seus criadores e provavelmente, bruxas com este estereótipo nunca tenham realmente existido. Contudo, bruxas existem realmente e hoje podemos afirmar que a bruxaria é considerada uma religião de plenos direitos com abundantes instituições espalhadas por todo o mundo. As bruxas ou bruxos são mulheres ou homens comuns, que trabalham, estudam, namoram, são casadas(os), têm filhos, família, enfim, talvez você conheça um (a) bruxo (a) e nem saiba disso. Durante séculos, o cristianismo reinou e impôs suas diretrizes para o mundo, convertendo ou destruindo os seguidores de outras religiões. A partir daí, o Tribunal da Inquisição julgou, condenou e matou os acusados de serem adoradores do diabo, muitos e na maioria deles, mulheres. Nem sempre precisavam de provas concretas para obter confissão. Os acusados passavam por insuportáveis sessões de tortura. A maioria das pessoas preferia assumir ser praticante 9


de feitiçaria mesmo não sendo, em razão da tortura extrema que acabava quando o acusado confessava o ato da prática de bruxaria, e caso não houvesse confissão, a pena era ainda pior. Muitas pessoas também acusavam outras, pois ficavam de olho no prêmio que receberiam por mostrar aos inquisidores onde eles poderiam encontrar as chamadas feiticeiras. Mulheres simples, em sua grande maioria camponesas, que perderam seus maridos e filhos nas guerras daquela época ou devido às inúmeras doenças que rodeavam os povos da Europa, as chamadas pestes, que mataram milhares e milhares de pessoas. Na obra dos inquisidores Heinrich Kramer e James Sprenger, Malleus Maleficarum, escrito em 1484, os autores apresentam um manual completo de inquisição. Como procurar, identificar, julgar e condenar um praticante de feitiçaria. O Martelo das Feiticeiras – Malleus Maleficarum é uma das páginas mais terríveis da caça às bruxas (Inquisição), e durante três séculos, este foi o livro oficial do inquisidor. Séculos após o término da caça às bruxas podemos ter uma noção das dimensões que atos como esse tiveram. A imagem que a bruxa carrega até hoje continua distorcida, e o objetivo desta obra é desmistificar o que a mídia e o catolicismo cultivaram durante séculos. Sabemos que na bruxaria moderna existem muitos caminhos diferentes e que as dúvidas são infinitas, e as abordagens são inúmeras. A Wicca é uma delas.

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A Wicca é uma religião da natureza, praticada por milhares de pessoas em todo o mundo. Mas antes de falar sobre a Wicca é importante destacar o que ela significa. Por se tratar de uma religião pagã, a Wicca cultua e adora os velhos deuses e deusas, e não somente a um deus cristão, ou seja, para ser um praticante de uma religião pagã a pessoa deve pertencer a qualquer religião não-cristã, não-mulçumana ou não-judaica. O significado da palavra Wicca está relacionada à Wicce - do inglês arcaico – que significa moldar, girar e dobrar. Outras definições do termo Wicca são encontradas na origem indo-europeia, como Weik (magia), e outra definição pode ser encontrada em origens anglo-saxãs Wic (sábio). Também existe uma definição germânica para Wicca - Wit (saber). Dessas variações surge o conceito de que a Wicca é a arte de dobrar, moldar e girar as forças da natureza em beneficio do homem. A Wicca como religião no século XX, surge na década e 1950 por intermédio de Gerald Gardner. Com a revogação de lei anti-bruxaria da Inglaterra, instaurada por Henrique VIII, em 1541, Gardner e outros se manifestaram tornando novamente público o conhecimento à sociedade de que os bruxos ainda existem e que praticaram durante anos escondidos em covens a arte da Wicca. Essa época de declarações e de novas publicações sobre Wicca, como o livro de Gardner Witchcraft today (Bruxaria Hoje), pode ser considerado um marco do Neopaganismo, ressuscitando as tradições pagãs e que mostra a força desse movimento religioso na Europa. 11


A bruxaria possui suas ramificações como outras religiões. Suas vertentes são: 1734 – Originária da Inglaterra com seu idealizador o poeta Robert Cochrane; a Alexandrina uma das mais populares da Inglaterra que surge em seus arredores por volta de 1960. Seus mentores foram Alex Sanders e Maxine Sanders. Alex havia dito que fora iniciado por sua avó em 1933, mas após descoberto que toda a história era uma mentira, seus seguidores foram perdendo forças. É irrefutável a importância Alexandrina na Wicca; Algard que é a junção da bruxaria Alexandrina e Garderiana, fundada por Mary Nesnick nos EUA e Diânica, que centraliza o poder na figura feminina e nas divindades da natureza. Assim, incluem-se nesta descrição religiões diversas como o hinduísmo, o taoísmo, o confucionismo, o budismo, os índios e todas as religiões orientadas pela natureza ou adoração à Terra, com seus deuses e deusas. Mas nosso principal foco nesta obra é abordar a Wicca. Wicca então é uma religião pagã que significa a prática da Antiga Religião, compreendendo o equilíbrio da Natureza que traz a vida, a morte e o renascimento, e o contato com o verdadeiro eu. Wicca é uma religião neopagã originaria da Europa Antiga. É denominada como a bruxaria moderna, fruto do trabalho de pesquisa do Inglês Gerald B. Gardner (1884-1964), que impulsionou o renascimento do culto, com o nome de Wicca, junto com outros bruxos e bruxas, como Aleister Cowley. Quem pratica Wicca, pratica a bruxaria, afinal, as duas palavras têm o mesmo significado, e bruxaria nada mais é, do que a prática de feitiçaria. 12


Isso não quer dizer, que só quem pertence à Wicca possa ser um feiticeiro, afinal, muitas outras religiões utilizam a prática de magia em seus rituais, mas, a feitiçaria da Wicca traz consigo uma aceitação de todos os efeitos aos trabalhos de magia destinados a provocar mudanças. Isso quer dizer que os praticantes de Wicca devem assumir toda a responsabilidade e conseqüências de seus atos ligados a ética Wicca. Isso também não quer dizer que outras tradições não pratiquem a magia para provocar mudanças, porém, em alguns casos essas tradições podem não reconhecer o conceito de “não prejudicar ninguém” que está presente na raiz da Lei Wicca. É uma tradição muito falada, mas pouco conhecida, alem de carregar o mito de que é praticada para fazer o mau. Neste universo cabalístico, existe um código de ética que zela por essa prática entre os bruxos. Segundo Wiccans (praticantes da Wicca), os próprios praticantes não fazem uso dessa prática em beneficio próprio e não lançam feitiços para realização do mau. Cabe um convite aqui a você, leitor, se desprender de preconceitos e conhecer um pouco mais desse desconhecido universo.

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I Acredite, elas existem



As bruxas existem e estão à solta, e mais perto do que você possa imaginar. São garotas casadas que estudam e trabalham. Sem chapéu, sem verrugas no nariz e sem vassouras voadoras, apesar de ser uma excelente solução para o trânsito carregado das metrópoles. São elas as bruxas do século XXI. Bonitas, estudiosas e simpáticas, se reúnem para trocar experiências e aprender cada vez mais os ensinamentos e teorias da Wicca. Um encontro de bruxas aconteceu no dia 2 de maio de 2010, na cidade de São Paulo, precisamente na Praça Benedito Calixto, no Espaço Albérico Rodrigues, 159. Esse encontro era a celebração do ano novo para os seguidores da Wicca. Durante o encontro foi possível identificar exemplos de jovens bruxas e de como é o perfil e estilo de vida dessas seguidoras. É perceptível o nível intelectual e acadêmico das jovens, muitas são pós-graduadas. Em momento algum o estereótipo criado e herdado da antiguidade estava em seus semblantes. Começamos esta apresentação descrevendo Stephani Michelle Brito Kahowec, moradora do bairro do Ipiranga, em São Paulo, e estudante do terceiro semestre do curso de História da Unifae. Stephani conheceu a Wicca por meio dos livros de uma tia. Ela participa do seu segundo encontro na Wicca. “A Wicca é uma religião que traz o equilíbrio e a importância de conhecer os elementos da natureza. Também é uma religião que permite cultivar a preservação do meio ambiente”, diz. 17


Ela optou por estudar e frequentar a Wicca por considerar machistas as ideias e costumes cristãos: “Sinto-me mais confortável na Wicca. As divisões hierárquicas não são como na igreja católica”, conta Stephani. Pergunto a Stephani se ela faz feitiços em seu benefício e ela respondeu com convicção: “Não faço muitos feitiços não. Peço apenas prosperidade. Estudo a Wicca há seis anos e no dia a dia fica muito difícil conciliar os rituais de purificação e estudar ao mesmo tempo”. Segundo Stephani, as pessoas banalizam muito sua religião sem ter a ideia da responsabilidade que é ser um bruxo. Stephani conta como lida com o preconceito dos familiares e da sociedade em relação à sua prática religiosa. “Parece até brincadeira, mas não é. Minha avó, Geralda Maria de Frias, é ministra da Igreja Matriz de São Bernardo do Campo. Ela sempre me dizia que a Wicca era coisa do demônio. “Eu não ligo e sei que pra ela isso é inaceitável.” Stephani que, atualmente é casada, falou da época quando morava com os pais. Segundo ela, não eram preconceituosos, mas brincavam com sua opção de se tornar uma bruxa. “Guarda essa macumba aí”, era o que escutava ironicamente de seus pais.

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Bruxa solitária

Seu nome é Márcia Dias, tem 29 anos e mora no Bairro de Santa Cecília em São Paulo. Márcia é historiadora formada pela Universidade de São Paulo – USP, e atualmente faz mestrado na mesma instituição. Segundo Márcia, ela é o que podemos chamar de bruxa solitária. Ela explica que ser bruxa solitária é uma opção e um segmento dentro da bruxaria. Desde seus 14 anos pesquisa e estuda livros e materiais relacionados à bruxaria e Wicca. Márcia vem de uma família de costumes cristãos. “Comecei a enxergar na natureza as divindades encontradas em nossa vida e em nosso planeta” conta Márcia. A história de Márcia é um caso típico de preconceito dentro do seio familiar. Toda a família segue rigorosamente as tradições católicas e passa essa cultura religiosa de geração em geração. “Meu pai é cristão e me obrigou a fazer a crisma. Tudo isso aconteceu em 1995. Meu pai disse que se não fosse à igreja, e seguisse o que me mandava fazer, não ficaria sobre o mesmo teto que ele. Na igreja onde fiz a crisma, que na verdade não fiz, conversava com o padre sobre a inquisição e a caça as bruxas. Nossas conversas sempre acabavam em debates sérios e cada dia que passava, percebia que me distanciava mais e mais da igreja. Decidi tomar uma decisão 19


e chamei o padre para conversar e propus um acordo. Eu não importuno mais sua igreja, contei abertamente o que sentia “isso aqui não é o que desejo seguir.” Você me dá os documentos da crisma para eu mostrar para o meu pai e tudo fica bem pra todos.” O padre aceitou o acordo e no horário da crisma, Márcia ficava em um bar próximo da igreja. Acabou concluindo suas obrigações perante o pai.

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O ano novo chegou para os bruxos

A conversa com as duas bruxas foi o tempo para que o ritual que iríamos acompanhar começasse. O que estávamos prestes a testemunhar seria o início do ano novo na Wicca. Como em diversas culturas de outros países, a Wicca possui seu próprio calendário. O ano novo da Wicca começa em primeiro de maio aqui no Brasil. A Wicca adota o começo do ano novo com a chegada do inverno, propriamente a chegada do frio. Para seus seguidores é onde começa o renascimento de um ano, onde as árvores e a natureza estão entrando em sono profundo, um descanso. Em relação aos outros países, a chegada do ano novo é celebrada no dia 31 de outubro, Dia do Hallowen, que significa “all hallows eve”, ou seja, “a noite anterior a de todos os deuses”, um ritual pagão de origem celta. Nos outros hemisférios o outono chega próximo a outubro e sendo assim, as comemorações seguem datas diferentes, mas comemoram o mesmo rito. A Wicca segue seu próprio calendário e com suas peculiaridades com 8 sabbats e os Esbats (rituais que são realizados com a lua cheia). O nome deste rito que participamos chama-se Samhaim, um sabbat celebrado em homenagem ao ano que se inicia. Os sabbats são os rituais realizados ao longo do ano pelos Wiccanianos, os quais celebram as mudanças das estações (primavera, verão, outono, inverno). A Wicca denomina os sabbats referindo-se à Roda do Ano, que totalizam 8 ritos 21


durante os 12 meses do calendário cristão. Muito além disso, acreditam ainda que a Roda do Ano é um ciclo de vida, morte e renascimento, gerando um loop vital. Segundo os wiccanos, o ano é uma grande roda sem começo e fim e acreditam fielmente que o homem consiga interagir com o ambiente onde vive. O Samhaim é o primeiro sabbat do ano e o mais importante para os wiccanos. Simboliza a chegada do ano novo e é comemorado no dia 1 de maio no hemisfério Sul, e 31 de outubro no hemisfério Norte. Neste dia, acredita-se segundo as tradições da Wicca, que a linha tênue entre o mundo espiritual e o mundo dos homens acaba se tornando única e o contato com os antigos ancestrais pode ser realizado. Também são homenageados aqueles que se foram. Se fossemos comparar com as tradições do cristianismo, seria uma mistura de Ano Novo (reveilon) e Dia de Finados. Segundo seus seguidores, nesta data o mundo dos mortos e o nosso mudo, entram em sintonia, permitindo uma interação e comunicação com aqueles que já partiram. Não conversamos com os mortos e nem vimos espíritos, somente uma conexão por pensamento e meditação. Seguindo a Roda do Ano da Wicca, o próximo sabbat seria o Yule, que é celebrado no Solstício de inverno (momento em que o Sol muda sua angulação e que define maior ou menor atividade solar). O Yule é comemorado no dia 20 de junho, próximo ao inverno no hemisfério Sul e dia 20 de dezembro no hemisfério norte. A crença desse rito era de que o Deus, em figura de criança, representa o Sol nascente e crescente, e simboliza o retorno do Sol 22


assegurando condições climáticas favoráveis para a agricultura. Mera semelhança ou não, o Yule era simbolizado pela arvore de Yule, decorada com bolas de carvalho e luzes, o que atualmente conhecemos como Árvore de Natal. Segundo o escritor e especialista Claudiney Pietro, com 10 publicações sobre o assunto, essa tradição foi incorporada pelo cristianismo séculos adiante. O terceiro sabbat é o Imbolc, celebrado em 1 agosto no Hemisfério Sul e 2 de fevereiro no Hemisfério Norte. Imbolc significa “no leite”, também pode ser relacionado à fase de lactação de ovinos e bovinos. Ocorre no período de frio mais intenso na Europa e homenageia a deusa celta do fogo Brigit, conhecida também como a deusa da cura e da fertilidade. Simboliza também o período de luzes nas trevas para os wiccanos. Em seguida, a Wicca celebra a chegada da primavera com o sabbat de Ostara. Conhecida com a deusa ou donzela da primavera, segue acompanhada do deus caçador ou guerreiro. Em outras civilizações como o Egito e os Celtas, esse rito era comemorado com o mesmo intuito da Wicca, em datas semelhantes. Uma característica do sabbat que ocorre no Equinócio da primavera é a tradição de depositar e enterrar ovos pintados, simbolizando nossos desejos. Ostara para a Wicca é o momento de união que ocorre entre a Deusa (Lua) e o Deus (Sol), pois é um período de igualdade e equilíbrio entre as forças da natureza. Beltane é o sabbat que se refere à união do Deus e da Deusa, que estão em plena atividade. Esse sabbat caracteriza o período de fertilização da terra e das plantações. Os povos 23


mais antigos realizavam rituais em que o fogo simboliza a figura de Beltane “o fogo de Bel” (antigo deus Celta do Sol), que purificava seus corpos e aumentava o poder de fertilidade. Um homem e uma mulher do povoado eram escolhidos para simbolizar a união do Deus e da Deusa. Por volta de 20 de dezembro no Hemisfério Sul e 20 de Junho no Hemisfério Norte, ocorre o sabbat de Litha. Coincide com o solstício do sol no verão, simbolizando a chegada do inverno, quando o Deus atinge sua maturidade. A luz e o calor do Sol são referentes à fecundação do Deus sobre a Deusa. Para a Wicca é o período do auge do poder do Deus Sol, que logo morrerá na chegada do Samhain. O período de colheita e produção de produtos derivados de grãos pelos povos antigos é intitulado de Lammas. Um símbolo deste sabbat era de confeccionar uma boneca de milho que simboliza a figura da Deusa a qual é colocada dentro de casa agradecendo a faze de boa colheita de grãos. Um sabbat de agradecimento pela boa produtividade e da fartura. O sabbat Mabon, que ocorre em 20 de março no Hemisfério Sul e por volta de 20 de setembro no Hemisfério Norte, marca o Equinócio do outono e simboliza o festival da segunda colheita. Mabon é uma espécie de ação de graça pagã em que os povos relembram a boa fase de produtividade. A sua particularidade é colocar um cálice com vinho no centro da mesa onde fazemos nossa refeições e passar de mão em mão enquanto cada pessoa presente faz

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seus agradecimentos. É neste sabbat que a morte do Deus representada pelas colheitas é anunciada. Além dos sabbats, a Wicca acolhe outros rituais, venerando a Lua simbolizando a figura da Deusa. Esses rituais são denominados Esbats. Os Esbats são rituais realizados por wiccanos reverenciando as fases lunares. Segundo a Wicca, a Lua é uma importante força da natureza. De fato se analisarmos pelo lado científico, o poder das marés é influente para navegação e outras atividades. Para cada fase lunar é celebrado um Esbat no decorrer do ano. O Esbat está diretamente associado à roda do ano da Wicca. São esses rituais que recebem os respectivos nomes para cada mês do ano: • Lua do feno - janeiro • Lua do milho – fevereiro • Lua da colheita – março • Lua do sangue – abril • Lua escura - maio • Lua do carvalho – junho • Lua do lobo – julho • Lua da tempestade – agosto • Lua do arado – setembro • Lua dos grãos – outubro

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• Lua da lebre – novembro • Lua dos prados - dezembro Deste modo, a Wicca completa seus rituais, fazendo com que tudo seja repetido ano após ano por seus praticantes. De fato a natureza é o grande centro da formação dos rituais celebrando sempre a colheita e a fertilidade das terras onde se realizava os plantios. O agradecimento pelos bons resultados das colheitas simbolizados pela figura do Deus (Sol) e a Deusa (Terra), são ciclos representados pelas estações do ano. A prática também se associa à ética e a conduta de cada praticante.

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Contato imediato com a bruxaria

Entramos em uma fila para chegar ao espaço onde seria celebrado o ritual. Subindo as escadas em formato de caracol, logo se ouvia um forte som de tambor que ecoava de dentro da sala. Ao subir, entramos em uma sala escura, iluminada somente pela luz das velas onde podíamos visualizar um altar com pentagrama de metal e uma adaga. A primeira imagem que tivemos foram a de duas mulheres, uma segurando alguns incensos e a outra com uma vela em suas mãos. Ao fundo da sala, um altar com morangas, frutas da época e objetos que compunham todo o cenário que seria usado durante a celebração do ritual e claro, o famoso caldeirão. Claudiney Prieto, 32 anos, é escritor e estudou filosofia durante um ano. Ele é Sumo Sacerdote de um coven, onde bruxos já iniciados e de ambos os sexos realizam a prática de magia e de rituais místicos, além de ser o idealizador e fundador da tradição Diânica Nemorensis. A tradição Diânica foi desenvolvida por Margaret Murray em 1921 e é uma tradição feminista. Claudiney aperfeiçoou as práticas européias ao Brasil, mudou algumas coisas e fundou então a tradição Diânica Nemorensis. É ele quem inicia o ritual e quem toca o tambor bem atípico o tempo inteiro. 27


Todos se sentam formando um círculo. Na sala, cerca de sessenta pessoas acompanham o início do ritual. Claudiney fala com animação: “Não tenho hábito de fazer rituais para as pessoas assistirem, quero que todos aqui participem! Não quero ver ninguém tímido, não tenham vergonha e fiquem sem preocupações!” As pessoas presentes eram na maioria jovens de 17 a 25 anos e até mulheres com criança de colo estavam participando do ritual. Uma variação de idades e sexos, mostrando que o crescimento e procura por esta religião só tende a aumentar com novos seguidores. Seguindo as orientações de Claudiney, me levantei e entrei no clima do ritual. Uma sacerdotisa chamada por Jack explicou qual o intuito daquela celebração e contou um pouco sobre como o ritual se fez presente para os antigos seguidores. Disse que a abóbora que estava no altar e cortada com uma careta era para espantar os espíritos e auxiliar os ancestrais seguirem seus caminhos. Todos que estavam na sala apontaram seus dedos para cima, girando em sentido anti-horário, fazendo um circulo de proteção e cantando uma música que faz parte do ritual. A música era bem calma e em sua letra, uma homenagem aos que já partiram. Novamente todos sentam no chão da sala e uma senhora vestida com roupas cor laranja, acompanhando o ritmo do tambor salpica pequenas gotas de água como uma purificação para o sabbat. 28


Outros bruxos, além de Claudiney, participaram das preparações. Um dos seus ajudantes inicia um agradecimento aos deuses, representados pelos quatro elementos: o fogo, o vento, água e a terra. O tempo inteiro Claudiney nos orienta sobre os passos do ritual. Segundo ele, iremos meditar para que todos entrem na mesma sintonia e ir em busca de nossos ancestrais. Ancestrais neste caso não seriam somente os espíritos de nossos familiares, mas pessoas importantes que já se foram como, por exemplo, personalidades, músicos entre outros. O tambor volta a ser tocado, mas com um timbre mais grave e mais devagar. Claudiney pede que imaginemos que estamos no pico de uma montanha, com o vento soprando fortemente em nosso rosto. Até parece que dormi. Acredito que consegui entrar em processo de meditação. Não me lembro de quase nada, a sensação foi de um sono bem pesado. O ritual é praticamente cantado e durante todo o tempo os homenageados são o Deus e a Deusa. Chegamos à parte final do ritual, Claudiney nos orienta sobre o que será feito: “Escrevam em pequenos papéis o que vocês desejam eliminar de sua vida. Todas as coisas ruins serão queimadas no caldeirão para que o começo desse ano seja mais produtivo e sem barreiras que possam impedir sua prosperidade.”

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Todos os presentes no ritual se direcionam e depositam dentro do caldeirão seus pedidos para eliminar as coisas ruins de suas vidas. Agora Claudiney nos orienta de forma diferente: “Dessa vez, todas as coisas que desejamos, que queremos alcançar, devem ser escritas no papel. Escrevam o que desejam, um emprego novo, namorado ou namorada, saúde, o que vocês desejarem.” Tudo se repete, mas, dessa vez para pedir que as coisas boas sejam atendidas. Todos os presentes se voltam para o caldeirão e colocam seus pedidos. Após a realização dessa parte, Claudiney anuncia em voz alta: “Feliz ano novo!. Espero que todos os pedidos aqui depositados sejam atendidos!” Os presentes no ritual começam a festejar a chegada do ano novo. Parecia até réveillon, mas com um toque típico da Wicca. De maneira simpática e calorosa, começamos trocar abraços e cumprimentos desejando os votos de ano novo amistosamente. Claudiney nos conta como foi seu primeiro contato com a Wicca e fala do início de sua saga como bruxo: “Na verdade não procurei a Wicca, ela me encontrou. Com 16 anos eu já era muito envolvido em assuntos esotéricos.” Ele conta como foi sua descoberta:

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“Minha família é bem diversificada com assuntos religiosos, por exemplo, minha mãe é do candomblé.” Claudiney relata que seu primeiro contato com a Wicca foi durante a festa de casamento de seu primo, onde conheceu um casal de ingleses chamados John e Hellen. Como seu primo sabia de seu interesse por religiões, misticismo e assuntos afins, foi apresentado aos ingleses. A partir desse dia Claudiney passou a se dedicar profundamente aos assuntos ligados à Wicca. Para se tornar um bruxo não foi fácil e foi preciso muita dedicação. O treinamento leva no mínimo 12 meses e um dia. Este período é chamado de “dedicação” e julga-se ser o tempo necessário para que se aprenda sobre a Wicca antes de iniciar-se. Perguntamos a Claudiney se existe alguma regra ou norma entre os bruxos para que não entrem em confronto uns com os outros: “Existe um código moral da rede Wiccana que regula e orienta essa prática. Tudo o que você fizer voltará em triplo. Isso tanto para coisas boas quanto para ruins, mas na Wicca, visamos o bem e não o mal.” Este código é centrado em duas diretrizes. O dogma da arte e a lei tríplice. O dogma da arte, conhecido também como Rede Wiccana, segue a ideologia: “Faça o que desejar, sem ninguém a prejudicar”. A lei tríplice segue o conceito de que todo o mal lançado a uma pessoa, retorna a quem o desejou três vezes mais forte. Perguntamos se ele acredita em Jesus, ele responde: 31


“Não acredito em Jesus e no Diabo, nada disso existe. Se existiram foram seres humanos normais que conseguiram passar suas ideias.” Quando o assunto é satanismo na bruxaria, Claudiney responde: “Realmente o satanismo degradou um pouco a imagem da bruxaria. Os satanistas têm a tendência de inverter todos os símbolos de outras religiões, como por exemplo a cruz católica e no caso da Wicca, o pentagrama.” Pelo fato da Wicca ser uma religião mundialmente conhecida, o satanismo a usa para propagar uma política que não pertence de fato à verdadeira Wicca. Na Wicca não existe magia negra, ou magia branca, simplesmente existe a magia, e segundo Claudiney, muitos despreparados usam a magia para o mal. “É o que chamamos de baixa magia”, diz. Sobre a perseguição da igreja católica, Claudiney nos conta o que ele pensa sobre a caça as bruxas e sobre o preconceito dos católicos: “São dois mil anos de propaganda enganosa e temos apenas cinquenta anos de boa propaganda. Muitas associações negativas relacionadas à imagem da bruxaria são culpa da Igreja. No fim da Idade Média, a igreja se tornou uma importante potencia política econômica e social, tudo que eles falaram virou lei, a bruxa para eles era filha ou mulher do demônio, malvada, feia, como os desenhos trazem até hoje, e isso é sim, culpa da Igreja. Para se ter uma ideia,

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nos Estados Unidos, onde o catolicismo não é tão influente, a Wicca é a religião que mais cresce”, ressalta. O pentagrama é um símbolo básico da feitiçaria e é usado pela grande maioria de praticantes desta religião. Em algumas obras que tratam o lado mal da feitiçaria, podemos observar que o significado do pentagrama é alterado, como citado por Claudiney, quando o satanismo inverte e lhe da o significado e uma imagem de um demônio de chifres, o que para a Wicca é totalmente contraditório. Segundo Claudiney, o real significado do pentagrama, é: “com a ponta para cima, simboliza a Deusa, e com a ponta para baixo, o Deus”. Gary Cantrell, em sua obra Wicca – Crenças e Práticas define o significado do pentagrama dizendo que as cinco pontas representam os elementos do espírito, terra, ar, fogo e água, e também podem ser identificadas em alguns ritos ou rituais como Nascimento, Iniciação, Realização, Repouso e Morte.

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II Bruxos, eles tambĂŠm existem



Dizem que é com o passar do tempo é que conhecemos o caminho que desejamos seguir. Com 53 anos de vida, Carlos Roberto Alves, praticante da Wicca, segue este caminho há vinte. Carlos é Mestre Maçon, reikiano, tarólogo e numerólogo e oferece cursos e consultas na livraria Pega Sonhos, no bairro de Higienópolis, região central da capital paulista. Quando fazemos escolhas aleatórias se torna difícil acertar ou mesmo compreender o que está acontecendo. Para Carlos a escolha certa tardou a chegar: “A Wicca é algo que me completa, passei por diversas religiões entre elas o candomblé. Somente ao descobrir a Wicca foi que descobri a paz, e foi ela que me abriu diversas portas. O diferencial da Wicca é a liberdade que ela proporciona, não tem dogmas e nem dono”, conta Carlos. Quando pensamos ou imaginamos a imagem do bruxo, logo nos vem à mente algo parecido com a figura do mago Merlin, do Rei Arthur ou coisa parecida. O jargão que ilustra “eu não acredito em bruxas, mas elas existem” é aplicado também ao sexo masculino. Muitos homens atualmente seguem essa religião. Eles podem estar ao seu lado, no banco do ônibus, em uma sala de espera, passam totalmente imperceptíveis por nossos olhares. É como poderia descrever Carlos, aparentemente sem nenhum sinal de que pratica bruxaria. Usando apenas roupas comuns, camufla dentro de si o espírito do bruxo. Só bruxaria não enche barriga. Carlos trabalha em uma livraria para se manter: “Tenho a maior satisfação em trabalhar aqui, tudo o que tenho é graças a essa livraria. Mas o que faz 37


me sentir orgulhoso é de ser o presidente da Fraternidade Magia Dourada”, complementa Carlos. Segundo Alves, a Fraternidade Magia Dourada busca orientar e perpetuar a antiga tradição esotérica, orientando seus membros na busca incessante pela conciliação de todo o conhecimento de diversas filosofias. Carlos é formado em contabilidade e é presidente da Fraternidade Magia Dourada, que é uma entidade filantrópica e filosófica e tem o propósito de perpetuar a antiga tradição e orientar seus integrantes. Questionado sobre a imagem que a mídia delegou às bruxas, percebo uma mudança em seu semblante: “A imagem da bruxa má já é cultural, isso vem desde a nossa infância, mas por outro lado, muitas vezes é por ignorâncias das pessoas por não conhecerem e acabam rotulando as bruxas desta maneira”, diz Carlos. Na nossa vida e em qualquer outra cultura ou religião, existe o livre arbítrio, mas muitos não entendem e não aceitam o fato de uma pessoa seguir o que faz bem para ela. Carlos acredita que ainda existe muito preconceito quando o assunto é bruxaria. “Existem pessoas matando outras por praticarem bruxaria, crianças são agredidas por terem pais bruxos, e isso está errado”. De acordo com Carlos, na bruxaria não tem o bem ou o mal, isso parte de um ponto de vista pessoal, e cita o exemplo do cristianismo: “eles oferecem o vinho e o corpo de um Deus, então isso é muito relativo”. Nosso personagem muito discreto gesticulava muito com a mão, notei um anel em sua mão que não aparentava ser bijuteria. Percebendo que olhava diversas vezes para seu anel. Carlos me revela mais um segredo, de que faz parte da 38


Maçonaria. Para não fugir do foco apenas demonstrei respeito, afinal, o mundo da Maçonaria é cheio de regras e mistérios e isso desviaria o assunto. Carlos diz que “a Wicca é formada por grupos de tradições religiosas, e alguns estão fortemente estruturados, mas devido ao preconceito a maioria dos Wiccans tornam-se praticantes solitários.” Segundo Carlos Roberto (Amon Sol), nome de bruxo adotado, a Wicca possui três graduações básicas a serem cursadas e cada uma segue sua etapa e nível de conhecimento especifico. A primeira etapa dessa graduação consiste em aprender os conceitos básicos da Wicca. Esse período tem duração de 12 meses e um dia, o que segundo Carlos, não o qualifica apto nessa primeira etapa pelo fato de cumprir essa grade. No primeiro momento o aprendiz de bruxo recebe o nome de noviço. “No primeiro grau ele vai aprender a base da religião, os ensinamentos básicos a historia da bruxaria. Essa parte é mais teórica, porém, é possível realizar pequenos feitiços nessa primeira etapa”, afirma Carlos. Não existe uma data especifica para ser iniciado como bruxo. O candidato poderá ser iniciado a qualquer dia e mês do ano. O que realmente é valido está estabelecido no tempo de duração dos estudos. Em todas as etapas, o candidato é avaliado e passa por exames. Carlos explica: “após completar o período de um ano e um dia a pessoa poderá ser iniciada. Não necessariamente após esse 39


período a pessoa está apta a ser bruxo. A partir do período de um ano e um dia ela já pode ser testada. É feito uma sabatina relacionada com material que foi estudado no primeiro grau. Questões fundamentais como quem fundou a wicca gardneriana são perguntadas e muitas outras além dessa.” A segunda etapa da formação de um bruxo tem duração de seis meses e o praticante recebe o titulo de guerreiro. Essa etapa é uma fase de autoconhecimento para o aprendiz. “No segundo estágio ele vai fazer um mergulho dentro de si. Ele parte para o seu autoconhecimento”, afirma Carlos. “Após completar o prazo ele parte para mais seis meses de estudo para concluir o segundo grau. Desse momento adiante, ele é levado para o 3º grau. Seguindo a tradição gardneriana, é nesta fase que o praticante é considerado um sacerdote. Então ele é noviço no primeiro grau, depois no segundo grau ele se torna guerreiro e no terceiro torna-se sacerdote”, enfatiza Carlos. A Wicca que Carlos segue é a tradição gardneriana. Ele nos conta como Gerald Gardner e outros interessados sobre bruxaria fundaram e criaram a Wicca. “Principalmente pelo trabalho feito por Dorienn Valiente que é a co-fundadora da Wicca junto com o Gardner. Juntos encontraram o material de pesquisa de uma antropóloga Margaret Murray, que fez um trabalho sobre a perseguição da caça as bruxas e encontrou livros, manuscritos e túmulos antigos. Margaret identificou que as bruxas queimadas na Europa Medieval eram remanescentes de uma antiga religião dominante no norte da Europa com foco na divindade feminina,na figura da mãe

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(Deusa). Na verdade eram cultos de fertilidade que o homem primitivo prestava a natureza”. Nesses escritos foi possível encontrar esses indícios. Gardner, então, estudou esses escritos que relatavam toda uma ata do que era feito no período da bruxaria tradicional do século XVIII. Neste documento havia registros detalhados de encontro de bruxas e realização de ritos vistos e documentados por Murray. Isso colaborou muito para o trabalho Gardner. Ele juntou essa formação antiga, juntou todas as informações baseadas na antiga religião celta. Gardner, como Carlos, também era maçom. Elaborou todo um ritual de Wicca que é fundamentado nos rituais maçônicos e agregou os elementos da religião celta. “Daí surgiu a Wicca. Diria que foi um redescobrimento das informações de bruxaria que foram reorganizadas por Gardner baseados nos rituais maçônicos”, conta Carlos. Outros homens que influenciaram a formação da bruxaria ajudaram Gardner a exercer sua função de criador da nova bruxaria. Aleister Crowlei era amigo de Gardner e teve sua importância na formação e criação da bruxaria. Crowlei se auto-intitulava a Besta. Os wiccanos afirmam utilizar a bruxaria somente para o bem-estar das pessoas. Em contra partida, todo material baseado na história de Crowlei está associado ao satanismo e magia negra. Carlos deixa claro o que tem a dizer sobre a prática da bruxaria seja ela para o beneficio próprio. “A questão de bem ou mal é conceitual. A Wicca não se presta a esse maniqueísmo, então ela não enxerga a figura do bem e do mal. O universo é regido por forças antagônicas e 41


complementares. Você utiliza algo para o bem e para o mal. Vai da tua consciência e da tua vontade. A lei da Wicca tem o princípio: ‘faz o que tu queres, desde que não prejudique nada ou ninguém’. É liberdade total para agir com responsabilidade seguido de consciência.” Na Wicca não existe templo ou solo sagrado. A natureza é o templo e alvo de veneração dos praticantes de bruxaria. O que existe são os covens. Covens são grupos de praticantes, com treze integrantes na sua formação máxima, que estudam e praticam bruxaria. Para se fazer parte de um coven primeiramente você precisa ser iniciado ou por esse coven ou por outro sacerdote. É necessário provar para o coven que realmente o praticante possui conhecimento suficiente para o ingresso. Com palavras e sinais que são trocados entre os wiccanos e só os praticantes de bruxaria o conhecem, o individuo é testado. O sacerdote do coven fará uma prova. Caso o wiccano comprove o conhecimento desses sinais, será aceito para o grau de participação nesse coven. Se for um leigo e não souber interpretar esses sinais você não entra. Se for aprovado, o interessado passa por um período de avaliação convidado pelo sacerdote, entrando com a permissão para visitar. Se a pessoa não for compatível com a egregora (sintonia enérgica) daquele grupo, não será aceita. Por exemplo: o panteão escolhido pode ajudar a explicar melhor a seleção dos integrantes de um coven. O postulante participa de um coven que trabalha com as divindades egípcias e é convidado a participar de um coven que trabalha com um panteão nórdico. Segundo Carlos, “não dá pra ir ao coven querendo invocar Osíris em um coven que 42


invoca Odin. Pode ser que a pessoa se adapte ou não. Acredito que os valores pessoais são muitos particulares e os estilos de realização dos rituais são determinantes para o sucesso da sua iniciação. Existem covens que realizam seus rituais nus por exemplo. Se você sempre realizou seus rituais usando túnicas, pode ser um fator que possa implicar no não sucesso. Na Wicca garderiana nós usamos túnica, enquanto outros não utilizam e dizem estar “vestido de céu”, praticando rituais nus. Muitos alegam que estar despidos aumenta a canalização da energia invocada.” Outra forma de praticar bruxaria é o que os wiccanos chamam de solitário ou solitária. A grande maioria realiza a pratica solitária pelo fato das exigências impostas pelos covens. O bruxo faz seu próprio cronograma de aprendizagem e na grande maioria são autodidatas. A desvantagem de ser um bruxo solitário é a informação e as dúvidas que surgem. Já no coven, o bruxo conta com parcerias e pode tirar dúvidas com os mais antigos. Todas as vertentes da bruxaria moderna são baseadas na gardneriana. Todas as outras tradições são derivadas dos estudos de Gardner e possuem pequenas modificações. As tradições Diânicas, por exemplo, são exclusivamente praticadas por mulheres. Alguns homens seguem a tradição Diânica, mas Carlos afirma que o correto nessa tradição é a pratica por mulheres. O posicionamento sobre a figura de Deus para Carlos é bem interessante. Carlos salienta com suas palavras como ele visualiza a figura de Deus.

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“Quero que vocês tenham em mente o seguinte: Deus não pertence a nenhuma instituição. Deus não pertence a nós, nós pertencemos a ele. Você pode se dirigir a Deus de formas diferentes. O mesmo Deus reverenciado na Igreja Católica é o mesmo Deus reverenciado na Wicca, de forma diferente. Existem formações dos arquétipos da família sagrada como Isis, Osíris e Órus, Jesus Maria e José. São maneiras diferentes de representar o Deus e a fé de cada um.” Outra particularidade da Wicca é o seu livro, o Livro das Sombras. Não é uma Bíblia, nem muito menos um livro de feitiços qualquer. O Livro das Sombras é uma espécie de ata do sacerdote e do coven que tem a função de registrar quem foi iniciado como bruxo, os rituais e as datas. Serve também para provar que determinada pessoa foi iniciada e frequentou as aulas necessárias para exercer a prática de bruxaria. Os feitiços realizados também são registrados no livro. Não é possível ler ou ter acesso a esse livro se não for sacerdote ou aprendiz. O idioma utilizado neste livro não é comum e muitas vezes é altamente codificado para impedir a leitura de leigos, protegendo a integridade do coven ou do bruxo solitário. Todas as tradições da Wicca são rigorosamente guardadas por seus frequentadores. É proibido revelar seus segredos a pessoas não iniciadas nessa tradição, a ponto de alguns, criptografarem os ensinamentos em livros para que os leigos não possam interpretar. Os bruxos denominam este material como livro das sombras. O individuo que pretender se tornar bruxo de fato precisa cursar uma graduação obrigatória. Existem escolas e

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instituições que oferecem cursos dedicados aos ensinamentos da antiga religião. O telefone de Carlos toca. Um cliente está à sua procura. Além de bruxo, Carlos é cartomante. Ele aparenta ser uma pessoa bem humorada, e se surpreende pela escolha do tema do nosso trabalho. “Hoje é difícil achar alunos de faculdade querendo saber sobre assuntos de bruxaria, mas isso é bom”, afirma. Um tema delicado para os praticantes de bruxaria foi intervenção da Igreja Católica no processo histórico e no massacre declarado às bruxas. Carlos reforça a culpa do catolicismo na perseguição às bruxas: “Na Idade Média nos éramos massacrados por seguir uma ideologia, e isso reflete nos dias de hoje com preconceito e uma formação de ideias distorcidas”. Pergunto a Carlos se esse pensamento pode mudar algum dia: “As pessoas terão que mudar principalmente seu pensamento, e entender que somos normais iguais a qualquer pessoa e que pregamos apenas o bem”. Outro caso bem sucedido na Wicca é o de Andrei Cesar Paulon, 24, morador de São Paulo. Andrei trabalha como monitor de qualidade e nas suas horas vagas se dedica à prática da magia. Essa prática completa nove anos e ele já tem seu espaço conquistado dentro desse universo. Andrei realiza palestras e é um historiador sobre o que diz respeito à Wicca. Andrei tornou-se adepto da Wicca por gostar desde pequeno de história e, quando criança, não brincava de carrinhos, mas sim de cristais e imitando bruxos. “Enquanto as crianças entravam em lojas de carrinho eu entrava em lojas de cristais e esse mistério junto com a curiosidade me levou a conhecer a 45


Wicca, então me apaixonei e hoje sou praticante e palestrante sobre a magia branca e interligando a filosofia Wicca”, diz Paulon. Ele realmente nos deu uma aula sobre Wicca e explicou como tudo isso foi se desmembrando até alcançar a atual popularidade. A Wicca tem seu surgimento na Inglaterra nos anos de 1950 por Gerald Brosseau Gardner (1884 – 1964), escritor e autor dos principais livros sobre bruxaria (Bruxaria Moderna – 1954) e parceiro de Aleister Crowleiy, homem que se auto intitulava a “Besta” e feiticeiro que frequentava a aristocracia britânica naquela época e também maçom. Apesar de todos os segmentos da velha religião não seguirem a linha gardneriana, muitas ramificações da bruxaria estão com sua ancestralidade ligada aos alemães e aos celtas, que louvavam a natureza e o bem estar das pessoas. Na época da inquisição, as bruxas foram massacradas pela igreja e isso contribuiu muito para os Wiccans surgirem com uma nova ideologia composta em grande parte por mulheres que fugiam dessa repressão. No Brasil, a Wicca está presente desde os anos de 1980, conta Andrei. Com diversas tradições na Europa, a Wicca foi trazida por Claudinei Pietro e Vagner Peres com a mesma ideologia de realizar a magia do bem. Hoje o número de praticantes chega aos 25 mil. Na época da Inquisição a igreja detonou documentos que comprovava a existência do povo celta. Documentos estes considerados uma ameaça para o cristianismo, levando em

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consideração que as mulheres estavam se sobressaindo cada vez mais. Para Andrei, existe uma distorção de fatos históricos em relação à figura de Jesus. “Eu não duvido que Jesus tenha existido, mas não acredito da forma que a Bíblia prega, pois ela foi feito por homens e tem muito de louvor e paixão escrita.” O Jesus bíblico tem tudo a ver com o Osíris. Para o paganismo, Jesus é substituído por Osíris, Jesus é traído por Judas assim como Osíris, então Jesus é o arquétipo de Osíris em que ambos têm seu nascimento no dia 25 de dezembro. Os egípcios tinham seu próprio conceito sobre as divindades e seus rituais de magia. Heka, que significa o poder do encanto da expressão criadora. Para os egípcios, tudo que existe no universo possui Heka. Na crença egípcia, todos os dias louvam o seu deus, chamando esse rito de recriação. Caso não fosse realizado esse ritual diariamente, o mundo acabaria. Este ritual é dedicado a deusa Maat, deusa da justiça e liberdade, considerada a deusa de todos os deuses. Maat é quem estipula as leis, leis estas, as quais não podem ser modificadas. Essa seria a oração a deusa Maat: “maat maat, hope at maat, maat maat gride ne maat”, ou seja: “bem vindo Maat, renasça da tumba”. Ainda segundo Andrei, os 10 mandamentos bíblicos têm origem baseados em textos do Livro dos Mortos dos egípcios, reforçando a sua tese de que a Bíblia contém relatos de várias religiões e não pode ser considerado um material autêntico, escrito por homens cristãos. O Livro dos Mortos nada mais é do que um manual de como agir no processo de travessia para o mundo espiritual. Uma coletânea de orações, hinos e receitas 47


de magia para ajudar o morto a percorrer sua ida ao além, afastando os maus espíritos de eventuais problemas nessa travessia. Após a “popularização” deste material pela escrita em papiros, os que não eram faraós começaram a ser mumificados com este documento. O livro poderia ser comprado e ser redigido de acordo com o cliente. Uma das preocupações dos egípcios era falhar nessa travessia, o que acarretaria em não existir nunca mais. A parte mais dramática dessa travessia é quando o coração, considerado pela antiga civilização egípcia o órgão mais importante do corpo, porque é nele que se guardavam todas as emoções e atos cometidos quando vivos. Se o seu coração pesasse mais do que a pena da verdade da Deusa Maat, seria imediatamente devorado pelo monstro Ahmit. Moisés trouxe para o seu povo toda a cultura do povo hebreu, então isso tudo ocorreu por que já existia uma tradição que era do povo egípcio. Andrei fala sobre como enxerga a Wicca e sobre a globalização como ferramenta de unificação dessa antiga religião. “A Wicca também está crescendo, em razão da internet e do processo de globalização. A facilidade de informações e o conhecimento das pessoas sobre a Wicca desmentiu esse “medo’’ em relação à magia branca. As Bruxas são mulheres que se dedicam a seu lar e praticam suas magias para um bem maior e que acreditam sempre buscar sua independência e o bem estar das pessoas ao seu redor”, finaliza.

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III O professor



A formação das religiões é um processo de mudança no pensamento do homem, aliado à ideologia política de cada época histórica. Mais do que uma análise da convivência entre grupos e etnias, é uma forma de identificar como o mundo visualizava a relação do homem com as divindades religiosas e da percepção de Deus. Optar em estudar a história das religiões exige convicção, dedicação e sensibilidade. O teólogo Felipe Feitosa de Figueiredo, 25 anos, nasceu no Rio de Janeiro, capital. Felipe conta que era seminarista da igreja messiânica, e como seminarista, tinha que seguir a linha do currículo e estudar teologia. No meio desse caminho, duas opções foram concebidas a Felipe. Uma era seguir a vida de ministro ou ser professor de teologia. Felipe optou seguir a carreira de professor. Feitosa explica que a teologia messiânica não segue a linha protestante cristã, ela traz consigo aspectos da cultura oriental. “A visão da magia seguindo a linha messiânica é diferente, porque a visão oriental não separa magia da religião. O Oriente agrega os dois elementos, não os separa. A questão da magia para o Oriente fica mais fácil de ser compreendida. Não existe essa questão do Deus único. Para o hinduísmo, budismo, esse Deus não existe”, explica Feitosa. Felipe conta que os europeus estão se desvinculando desse conceito de Igreja Anglicana. Eles buscam mais espiritualidade, não querem ser mais a instituição. Um ponto essencial é que a religião começou pela magia. Vêse também na magia um prelúdio de ciência. Se nos ativermos à psicologia, e por meio de um esforço introspectivo, reconstruímos a ação natural do homem ante a sua percepção 51


das coisas, descobriremos que magia e religião se associam e que não há nada de comum entre magia e ciência. “A magia é essencialmente egoísta, ao passo que a religião é aquela que admite e até mesmo, muitas vezes, exige o desinteresse. Uma pretende forçar o consentimento da natureza, a outra implora o favor de Deus. A natureza é o suporte principal da antiga religião originária do paganismo”, conta Feitosa. Salientando que o paganismo não é considerado uma religião, mas, um conceito espiritual e filosófico em que todas as religiões centradas na natureza se posicionam em seus fundamentos. Felipe cita o filósofo vencedor do prêmio Nobel de literatura de 1927, Henry Louis Bergson (1859-1941) - em seu livro “As duas fontes da moral e da religião”. Segundo Bergson, “ao longo da história, a experiência religiosa pode se mostrar falsa, e o raciocínio absurdo e mesmo assim a humanidade se agarra mais fortemente ao absurdo e ao erro. A religião deve partilhar a vida do povo com a ciência, arte e filosofia. Pode existir sociedade sem ciência, arte e filosofia, porém nunca haverá uma sociedade sem religião.” Felipe comenta sobre o surgimento das primeiras religiões, as que os teólogos mencionam como religiões primais. No mesmo livro de Bergson, Feitosa conta o que devemos entender por religiões primais e o conceito da moral religiosa: “Na origem o costume é toda a moral, e como a religião proíbe que nos afastemos dela, a moral é co-extensiva a religião. Nas religiões primais, faz-se necessário surgir um Deus que se torna instrumento de proibir, prevenir e punir. Sendo uma força moral da qual parte a resistência e se necessário a vingança sobre o transgressor”, conta Felipe.

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A separação dos Deuses

O surgimento do Deus único abrange a formação de uma variação de estereótipos divinos, sejam eles com diferenças de poderes, sexo e ideais. Tudo que é místico que transcende a esse deus uno é pagão. “Mas até então eles conviviam em harmonia, uma parte que mostra essa transcendência são os deuses do Olimpo. Eram meio-humanos e todas as características dos deuses do Olimpo foram agregadas a um único Deus, mas ainda cheio de sentimentos. Esse é perfil do Deus do antigo testamento que se enfurece e se revolta, até se modelar ao Deus atual que conhecemos. A magia estava impregnada a esse Deus do cristianismo, nascido desse conceito pagão. O próprio paganismo é a origem de todas as religiões. Se voltarmos à essência da religião, podemos ver que está na natureza à ideia do panteísmo que Deus está em tudo, e tudo está em deus”, detalha Feitosa. A Wicca possui suas particularidades em relação à linha da vertente religiosa. É considerada uma religião politeísta em razão de venerar diversos Deuses e centrar sua maior divindade na figura da Deusa. Também pode ser considerada monoteísta por acreditar que sua maior força encontra-se na Deusa. O panteísmo pode ser empregado na Wicca, também pelo fato de que, acredita-se que as forças da natureza junto aos Deuses são únicas e presentes, sem a separação de ambos. Diferente do cristianismo que tem como figura principal o Papa, na Wicca não existe um bruxo mestre ou central. Em sua grande maioria, os bruxos se encontram em pequenos grupos

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com no máximo 13 pessoas, ou realizam a prática solitária, como poderemos encontrar adiante neste livro. Para enterder melhor o que é paganismo, podemos classificar em três vertentes, incluindo a Wicca nesses conceitos. O Paleopaganismo refere-se a experiências religiosas que não sofreram contato do homem. Este termo é empregado às tribos da África, Ásia e América politeísta. Esta vertente não pode ser encontrado nas grandes metrópoles em razão de ser exclusiva de regiões não exploradas pelo homem contemporâneo. O Mesopaganismo refere-se a movimentos religiosos descendentes do Paleopaganismo. É considerado paganismo intermediário contemporâneo da Idade média. No Mesopaganismo é possível identificar traços de religiões monoteísta e judaico-cristãs. No Neopaganismo está implícito a tentativa e resgate de movimentos antigos do paganismo de diferentes culturas. Com inicio na década de 1960, foi uma iniciativa de trazer novamente conceitos do Neodruidismo e Wicca. Podemos afirmar que a Wicca é uma religião Neopagã, uma vertente da bruxaria moderna com raízes no paganismo dos antigos povos europeus baseada em cultuar a Deusa Mãe e os Antigos Deuses. Suas tradições estão no período neolítico e paleolítico europeu. O momento do rompimento dessas considerações está mais acentuado no surgimento do Iluminismo. Para a igreja cristã se instituir, a racionalização e criação de regras foram fundamentais para se politizar. Ou estava-se dentro das normas 54


da Igreja ou se estava fora. Antes, os cristãos eram perseguidos, pois não era a religião oficial da ideia politeísta de Roma, portanto eram considerados pagãos, tornando-se um grupo reprimido. Não existe separação entre política, religião e sociedade. A instituição do cristianismo foi política, e a partir de um grupo crescente (cristão) e políticos com pensamento politeísta, que desejam angariar mais carisma e atenção da população. Os mesmos políticos que determinavam esses conceitos não se convertiam ao cristianismo. Somente no leito de morte se convertiam a essa doutrina, como o imperador Constantino, que institui o estado católico no século VI. Em Roma existiam diversas vertentes católicas, segundo Felipe, os mais importantes patriarcados foram os de “Constantinopla, Jerusalém e de Alexandria, lutando pelo domínio da doutrina religiosa, que atualmente conhecemos como a Igreja Católica Apostólica Romana”, conta Feitosa. “Se analisarmos o cristianismo ele é uma colcha de retalhos, e a partir de várias culturas, foi se estruturando entorno delas. Não existe uma religião pura, pois, todas elas se influenciam e foram influenciadas pelo paganismo. Para se ter uma ideia, o cristianismo do Brasil Colônia não era o mesmo do que se encontra na Europa no mesmo período”, afirmou Feitosa. Com a chegada dos portugueses no Brasil, em 1500, a companhia dos jesuítas foi o braço armado do catolicismo, só que munidos com a música e com a “educação”, realizando a catequese dos índios. A Bíblia nessa época era escrita em latim e somente os padres tinham acesso às informações, uma maneira de centralizar o conhecimento e demandar o poder. 55


Contra partida, a Europa vivia o auge da caça às bruxas. No final dessa história, toda mulher condenada por crime de bruxaria era inocente. Se escapasse da fogueira era considerada bruxa, no caso de morte, o que era fato concretizado, acabava como mártir. O tramite dessas circunstâncias e de toda essa ação política, de acordo com Felipe, foi o poder. Se você detém o poder sobre uma minoria acaba ganhando status político e social. “O cristianismo possuía uma força armada para concretizar esse poder. Os Cavaleiros Templários que eram os nove cavaleiros do Rei Salomão, os Hospitalares e os Cavaleiros Teutônicos, os quais serviram de instrumento para controle da massa, no caso de transgressão a essa nova ordem. Se você tem dissidentes dentro de uma ação política corre-se o risco de enfraquecer. O melhor modo de se tomar conta de um poderio é pelo medo, e pela dor, e deixar que todos absorvam as ordens de uma doutrina por essas ferramentas de controle de massa”, conta Felipe . O nosso estado é laico, mas na maioria dos lugares públicos onde vamos encontramos uma cruz. É comum nos tribunais, hospitais e outros lugares públicos, a permanência da imagem de Jesus crucificado. Quando somos julgados juramos em nome de Deus contar “somente a verdade, nada mais do que a verdade”. Uma evidencia cultural da imposição e da presença dos antigos conceitos da Igreja. Não damos conta que essa doutrinação se perpetuou e que fazemos automaticamente atos com vestígios desse poderio.

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Divina mulher – o bem e o mau

A figura feminina em muitas culturas é primordial em razão de ser responsável por gerar vida, como a natureza, e possuir a figura de mãe (Gaya), e o próprio planeta Terra. A Igreja precisava do poderio masculino e se desvincular da figura feminina. Cristo era homem e se diz: “bendito entre as mulheres”, uma contradição dos católicos se considerarmos a importância da mulher na formação religiosa e levada à segundo plano quando ganham título de bruxa. A figura da Deusa é anterior à Era de Touro (4000 à 2000 AEC¹), segundo o calendário zodíaco. Nesta época os homens viviam em sistema de subsistência, encontrando na pesca e na caça a sua principal forma de sustento. Até então, os homens veneravam a Deusa em virtude da abundância de alimentos e recursos naturais disponíveis em prol da sua existência. Por séculos este foi o modelo de religião existente na Europa até a chegada do cristianismo. Para Felipe, homem e mulher são divindades, só nascemos a partir desse cruzamento. Essa divindade transcende os conceitos religiosos. A primeira experiência de Felipe na religião foi no candomblé. “Magia é boa ou ruim do ponto de vista de cada um”, afirmou Feitosa. Os espíritos não são maus, você que ordena a eles o que deseja, e esses mesmos espíritos nos alertam se queremos fazer o mau,o qual se volta três vezes mais forte contra a quem lançou o feitiço. O mau está também relacionado ao bem estar da pessoa. Religiões com muitos 57


dogmas acabam sendo rígidas criando barreiras nas vidas das pessoas por abdicações de alguns atos. Conto a Felipe sobre os relatos dos entrevistados que afirmam que todo contato com o catolicismo é negativo, principalmente por familiares. Questiono se é possível o convívio de católicos e bruxos da Wicca nos dias atuais. Ele responde afirmando que “a hipocrisia no catolicismo está presente nos dias atuais em relação ao lidar com religiões pagãs e daquelas que praticam rituais de magia. Um exemplo que posso citar é o Padre Marcelo Rossi. Em um programa de rádio, ele diz para colocarmos as mãos sobre o copo d’água para energizarmos, coloque sal atrás de sua porta, na magia tem tudo isso. Na verdade ele está negando sua essência e contradiz todos os conceitos da igreja empregando conceitos de magia na tradição católica.” O fato que se vê na história do cristianismo é o uso do argumento do padre. “Por ser um representante de Deus na Terra, não cometem erros. A instituição católica não erra. Existe um termo de inefabilidade dentro da Igreja Católica. O que acontece de errado é ocultado. Um feito inédito de pedido de desculpas foi o pronunciamento do Papa João Paulo II, se desculpando sobre o massacre do Holocausto na Segunda Guerra Mundial”, conta Felipe. Muito se fala sobre como os cultos femininos pagãos eram de cunho maléfico. A dança, a fogueira aliadas aos elementos da natureza sempre fizeram parte desses ritos. A dança está presente em várias religiões, e a prática de sacrifício de animais condenadas por ONGs e instituições ligadas ao direito dos animais, também fazem parte de alguns rituais. Na história da 58


Igreja existiu um santo dançarino. Santo Agostinho Amarante, ou popularmente como São Gonçalo do Amarante, tinha como ideal a dança como forma de libertação de costumes errôneos. Santo Agostinho usava da tática da dança para fazer com que mulheres prostitutas não praticassem programas aos sábados. Ele reunia essas mulheres e por meio da dança ocupava seus corpos e mentes, fazendo-as esquecer da profissão. Vemos que na antiguidade magia e religião conviveram por muito tempo unidas em prol da espiritualidade. O homem se propôs a realizar essa divisão em razão de interesses políticos e pela predominância do poder. Certamente a Wicca se ampara na questão da releitura de uma antiga religião Celta, onde a magia faz parte de toda a tradição e na elaboração de rituais. A imaginação do homem pode ser uma ferramenta megalomaníaca ou a porta de entrada para novas experiências.

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IV A Wicca e os Celtas



O universo que envolve a Wicca está cercado de mistérios, dúvidas e informações fragmentadas. Poderemos saber um pouco mais sobre essa nova religião, se fizermos um resgate das memórias das antigas religiões. Muitos conceitos e ideais das quais se moldaram e resultaram na Wicca, poderão ser encontradas em regiões da Europa como a Irlanda e a França. Para a história, o que vale de fato são as comprovações, artefatos e escritos que possam comprovar tais fatos. Serão esses dados que farão com que o homem construa seu passado de forma fidedigna, para que as futuras gerações possam entender o que de fato ocorreu na história antiga. Quando o assunto é Wicca, os historiadores preferem não se contagiar pelas literaturas nativas que abordam o assunto. Segundo Tatiana Machado Boulhosa, 27, mestre em Ciências da Religião pela PUC, “as literaturas nativas a respeito da Wicca são muitos sedutoras. Deve-se tomar cuidado para não se encantar com elas”, afirma Tatiana. Segundo Tatiana, a Wicca na verdade é um recorte da antiga religião celta, que contém questões específicas do século XIX e virada do século XX, além das questões cientificas e da pseudociência. A Wicca bebe diretamente na fonte das religiões pagãs das regiões celtas. A principal região Celta, hoje em dia, e que preserva boa parte da sua cultura é a Irlanda. A Irlanda é o único país livre que tem uma língua de origem Celta que é o albérico irlandês e com leis que protegem essa “celticidade”. Muita gente associa a Wicca com a Irlanda, mas sua origem não poderá ser associada diretamente a ela. Outras vertentes 63


com influências da França e da Gália também dão origem a Wicca. Quando nos referimos aos Celtas, podemos dizer que este é um nome guarda-chuva e por de baixo dele, existem diversos povos diferentes. Os povos localizados na França, Gália e na Irlanda, são de origem Celta, mas com suas especificações, e até as questões religiosas, possuem variações. Existem troncos comuns, mas com galhos diferentes. Os povos localizados na França tiveram influência de outros povos diferentes dos que migraram para a Irlanda. A Irlanda é o único país da Europa Ocidental que não foi romanizado, então se preserva uma cultura diferente. Os irlandeses ainda preservam o seu idioma gaélico. Os que falam cotidianamente o gaélico ainda são a Irlanda, País de Gales, Escócia e mesmo assim está desaparecendo. Apenas 2,5% da população da Irlanda falam o gaélico. Sobre a antiga religião celta podemos dizer que foi extirpada, pelo fato do catolicismo ser muito forte na Irlanda do sul. Segundo Tatiana, “atualmente você encontrará pouquíssimos praticantes de Wicca na Irlanda”. Segundo Tatiana, a nossa referência celta aqui no Brasil chega via Gália e pela França. A religião Celta na Irlanda é uma coisa e na Gália é outra, em razão do contato com a cultura romana que contaminou sua pureza. O mais próximo dessa pureza em relação ao mundo Celta poderá ser encontrado na Irlanda. Muitos grupos de Wicca no Brasil se voltam especificamente para Irlanda, mas as informações e traços culturais que chegam com mais ênfase ao Brasil são de origem francesa. 64


Os celtas datam próximo ao período pré-históricos e alguns falam em três mil anos de civilização. Mas, não sabemos exatamente. Sabemos que ocorre uma invasão Celta na Península Itálica no século VIII A.C., depois, mais adiante, os celtas chegam por toda região da frança, norte da Espanha, norte Portugal e finalmente à Irlanda. É neste período da história em que os relatos sobre a existência dos celtas apresentam maiores indícios. A Irlanda foi o ultimo bastião da religião celta antes de serem convertidos entre os séculos V e VI. O que podemos afirmar com certeza é o fim dessa cultura na Irlanda no século VI, quando chega Patrício para convertêlos ao cristianismo.

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O culto a Deusa na Wicca

A Wicca é uma religião que destitui o Deus uno do Cristianismo para adotar a figura da Deusa (grande Mãe) como principal figura de veneração. A maior parte dos praticantes da Wicca são mulheres. Grande parte alega ter uma grande identificação por essa religião, pelo fato da figura feminina angariar o status principal, saindo da posição de coadjuvante na religião católica. As releituras neopagãs, principalmente a Wicca, surgem na mesma época que os movimentos de contracultura e naturalmente coincidem com o surgimento do movimento feminista na década de 1960. Tatiana explica que “essa é uma situação importante. Aspectos da religião celta são relidos sobre essa ótica. De fato, a mulher na sociedade celta, pelo menos na irlandesa, tinha uma liberdade em diversas esferas da vida que ela não tinha, por exemplo, em Roma ou na Grécia, ou em qualquer outra sociedade da antiguidade.” A instituição do casamento na Irlanda concede uma independência à mulher totalmente diferente do resto do mundo. O casamento na Irlanda é um contrato. Existem 6 tipos de contratos diferentes. A mulher entra com seus pertences e ela tem direitos assegurados por lei a terminar esse contrato quando houver necessidade. Isso é uma liberdade que não vemos em outros lugares. Na opinião de Tatiana, “para dar um salto de igualdade e de superioridade para com relação à figura da Deusa, acho que é uma releitura que têm muito mais a ver com as questões do 66


movimento de contracultura da década de 60, do que com a própria sociedade celta. Até porque as mulheres da Irlanda que tinham igualdade jurídica derivam essa igualdade jurídica dos homens. Elas são filhas de tal, irmãs de fulano de tal, elas herdam essa igualdade.” A figura das Deusas poderá ser encontrada em diversas civilizações como os egípcios e os Gregos. No período da era comum (D.C.), não existe referência a grande deusa nos escritos da religião Celta na Irlanda, que também são feitos depois da cristianização. Então fica difícil saber exatamente o quanto eles são puros, porque esses escritos seguem com aquela ótica do cristianismo. Existem dados referentes sobre a figura da Deusa que são muito importantes. Como o caso de Brígida ou Brigith. Brigith foi travestida em uma santa na Irlanda que até hoje, é a santa de maior adoração (Santa Brígida). “Você tem muitos postos relacionados na Irlanda referente a Santa Brigida porque ela era uma deidade relacionada a água .Existe o monastério de Brigida de Kildare , que um dos principais monastérios. Essa Brígida de Kildare na verdade não existiu, ela é essa deusa travestida de santa, uma personagem criada, que é uma forma de manter contato com essa coisa anterior deles, essa proximidade com a água. Ela é uma santa importante e ela era uma deusa importante. A grande deusa pelo menos nos escritos não existem relatos, não existe documentação que prove a grande mãe”, explica Tatiana.

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Existem deduções possíveis sobre a figura da Grande Mãe, mas elas não são documentáveis, então para o historiador no caso Tatiana, fica difícil de admitir que exista essa figura. “Até o arquétipo da grande mãe é difícil de lidar. Não existem provas palpáveis. Existem estatuetas que são as famosas estátuas de fertilidade e que são muito comum no período préhistórico, mas a dedução de que essas estatuetas significam uma deusa superior hierarquicamente para nós pressupõe uma abstração que não da pra fazer”, diz Tatiana. Não existe aparato, suporte técnico de documento para tal afirmação, segundo historiadores, para afirmar a existência da Deusa ou Grande Mãe.

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Doces ou travessuras

Quando o assunto é bruxaria, o que se encontra mais próximo à nossa visão popular são as festas de Hallowen. Principalmente nos EUA, a data é comemorada no dia 31 de outubro e segue a tradição de se fantasiar. Data essa, celebrada pelas crianças, que saem às ruas tocando as campainhas das casas e perguntando de casa em casa: “doces ou travessuras?”. Também temos a influência do cinema norte-americano, que associa o título Hallowen, com enredos macabros. Na Wicca, o Hallowen, não é uma data que se comemora dessa maneira. É celebrado no dia 31 de outubro, no hemisfério norte, o Samhain, que significa a chegada do ano novo. A Wicca é uma religião pagã que tem suas tradições de ritos, baseados nos rituais de colheita e nas mudanças das estações climáticas. “Sim é exatamente isso. Você tem os rituais importantes de plantio e depois os rituais de colheita. A vida cotidiana é marcada pela colheita, na verdade marcada pelas estações. Pra gente aqui no Brasil é um pouco complicado porque a gente não tem essas estações tão bem marcadas. Mas, no hemisfério Norte elas são muito bem marcadas. Então essa coisa de volta à vida, da terra que volta a vida É muito importante os dois grandes rituais que são o Beltain e o Samhain que são relidos e trazidos de volta e que são muito importantes. E um deles inclusive dá origem ao nosso Haloween. Que é o all hallows eve, que é a noite anterior ao dia de todos os santos, que é 69


baseado em uma crença irlandesa na noite em que eles ascendiam grandes bombfires , grandes fogueiras, para fazer vigília”, afirma Tatiana. Os irlandeses acreditavam que por ser a noite do renascimento, as almas dos mortos podiam vagar pela terra. Então se as fogueiras fossem apagadas, poderia deixar essas almas presas na terra. Essa ideia de todos os mortos virem à terra da origem ao Hallowen quando os irlandeses séculos depois migram para o EUA. Outro aspecto interessante é o fato dos irlandeses construírem suas casas com a porta da frente e a porta de trás alinhadas. Caso entrasse uma alma ela poderia sair direto pelas portas que ficavam abertas. Até hoje as casas na Irlanda são construídas dessa forma. Além de uma atração cultural, demonstra a importância desses ritos de passagem até hoje. Tatiana morou dois anos na Irlanda e pode notar também, algumas tradições em especial na região em que morava. “Nesta cidade, o catolicismo era muito forte. Se você não fosse à igreja no domingo, a cidade perguntaria e ficaria preocupada com você se não comparece-se à missa. Lá eles tinham o costume de colocar copos com leite nas janelas das casas, isso é um tipo costume típico celta, era o leitinho das fadas, e o padre abençoa esse leite posto nas janelas”, conta Tatiana.

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V Erros acontecem



A Igreja Católica, uma das instituições mais antigas que a humanidade conhece, participou efetivamente na construção e no modelo da sociedade atual em que vivemos. As religiões pagãs foram ao longo dos séculos sendo eliminadas e disseminadas pelo poderio do cristianismo. Os celtas, os egípcios, e cultos direcionados à natureza perderam suas referências, em razão da conversão obrigatória para as vertentes católicas. Movimentos políticos e releituras de religiões pagãs como a Wicca resgatam uma parte dessa história que pouco se sabe. A formação do caráter pessoal dos indivíduos e dos princípios relacionados à fé regulam a nossa sociedade com normas e regras, que apesar de serem escritas por homens, mudam conforme a evolução do pensamento. Desde a antiguidade, as mulheres detêm o conhecimento sobre curandeirismo (o chazinho da vovó), a realização de partos sem a utilização de anestesia ou equipamento de ultrassom, conhecimento este, que se perpetuou de geração em geração. A manipulação de técnicas medicinais sempre gerou questionamento pela Igreja, desde o século XIII, quando o sistema feudal entra na fase de adaptação em decorrência da evolução do sistema político e dos novos pensamentos ideológicos. Conhecimento que possibilitou o nascimento de crianças, a cura ou amenização de doenças por meio do cultivo de ervas. Esses fatores, agregados à discriminação fervorosa contra a

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figura feminina, foram cada vez mais tornando-se uma ameaça direta aos médicos. O poder do sistema feudal detectou este grupo de mulheres como um alvo a ser combatido. Não somente as mulheres, mas aqueles que protestavam perante um regime de fome e miséria, cercados de doenças e guerras ao mesmo tempo. Todos esses fatores aliados a severidade do sistema feudal, primaram um dos movimentos mais violentos e genocidas da história da humanidade. A centralização do poder nas mãos do clero desencadeou um massacre na Europa por aqueles que assim foram “julgados” de heréticos ou bruxos pelos católicos e mais adiante pelos protestantes. É desumano e irracional culpar mulheres inocentes se por um acaso uma vaca tem problemas com seu leite, se um homem começa apresentar sinais de impotência sexual ou quando crianças adoecem repentinamente. Atribuir todos esses fatos à prática de bruxaria era a solução e o fato mais provável naquele período. A condenação por esses “crimes” nada mais era do que a pena de morte com requintes de crueldade ou a prisão perpétua como pena mais leve. Os tempos felizmente evoluem e consequentemente o pensamento do homem acompanha esse processo. Procuramos um padre, representante da Igreja e de cristo na terra para falar sobre a Inquisição. Dessa vez, nada de inquisidores com fogueiras ardentes. Fomos bem recepcionados pelas beatas da Paróquia São Judas 74


Tadeu, fundada em 25 de janeiro de 1940, localizada na avenida Jabaquara, zonal sul de São Paulo. O padre Luis Fernando Pereira, 37, exerce há 5 anos a função na paróquia. Luis Fernando é graduado em teologia, filosofia e com pós-graduação em comunicação. Ele nos conta qual é o seu pensamento sobre a inquisição e a participação das mulheres na igreja. Segundo o padre “ questão da bruxaria e a inquisição é um tema muito complexo. Estamos vivendo em nível geral, não apenas uma época de mudanças, mas muitos vão intitular que estamos vivendo uma mudança de época. Mudança de paradigmas, mudanças de experiência religiosas por uma série de questões que vem desde a tecnologia e as inovações, mas também por uma série novas filosofias e resgate a coisas antigas. Quando se trata de bruxaria, resgatamos coisas antiguíssimas e que estão voltando, e nessas mudanças nós estamos vivendo este momento de volutividade de liquidez.” O padre se refere à sociedade atual, utilizando-se do termo “sociedade do liquido”. O padre ainda questiona: “O que é o líquido? Você não consegue conter! Você pode conter até certo ponto, mas ele se espalhando, você o perde, você não tem limites, não existe uma solidez. Em outras épocas históricas, nós tivemos momentos de mais solidez e de mais estrutura com mais rigor. Podemos perceber desde a estrutura da questão religiosa, a estrutura econômica e a estrutura social. Existe uma sociedade de muita volutividade, de muita fragmentação e de multiplicidade até pela questão da tecnologia e pela questão da mídia globalizada, então eu caminho muito nessa perspectiva de pensamento”, comenta o Padre Luis Fernando. 75


O padre nos conta qual o aprendizado que a Igreja transmite sobre a época da inquisição.Ele diz que “estudamos o período da inquisição como período histórico como algo que fere diretamente algum fundamento da igreja. Não se esconde, e não tem como esconder que a inquisição foi um período de fragilidade que a Igreja teve, assim como outras instituições.” E enfatiza a questão da pedofilia: “Atualmente presenciamos os escândalos da pedofilia que atingem um grupo muito pequeno de padres, não chega a um por cento, mas, é uma coisa que afeta diretamente a Igreja.” A influência da mídia tem seu papel na questão da formação e da propagação das bruxas. Uma hora são expostas como vilãs que utilizam do consenso do demônio para a realização do mau em beneficio próprio ou a mando de outros. Outrora, são adolescentes belíssimas, sem sinais de maldade, que usam sua magia para a propagação do bem. Pergunto ao padre sobre essa bipolaridade das bruxas criadas pela mídia e sobre a sua posição de não possuírem formação de caráter ou escolha do bem ou do mau como conduta. “A definição e a própria experiência cultural que se tem a respeito de bruxaria e de bruxa é muito enviesada e voltada para essa questão da maldade do seu preparo. É quase que sinônimo identificar a bruxa ou a bruxaria como algo que diz respeito a fazer mal ao outro. Só que se você ampliar a concepção de bruxaria nos faz entender que ela não tem apenas essa concepção de fazer mal ao outro. Na raiz histórica que eu me recordo, daquilo que estudei e vi, é uma experiência cultural, uma experiência de época que não começa só na 76


Idade Média, mas, que desde a antiguidade nos povos mais primitivos existia essa experiência. Eu não diria de bruxaria, mas de misticismo, essa questão da magia do próprio preparo do mau. Mas a bruxaria também possui pensamentos em fazer o bem, até está vinculado em buscar o bem estar das pessoas”, diz Luiz Fernando. Sobre a tolerância e a aceitação da Igreja sobre os praticantes de bruxaria, o padre tem sua opinião formada: “Eu respeito, assim como eu tenho meu ponto de vista. A pessoa de Jesus é uma pessoa que é estuda por toda a ciência e pensadores. Mas eu tenho Cristo como meu salvador eu tenho uma concepção de Jesus religiosa. Eu sou padre”, exalta. “Nós acreditamos que Jesus não foi um homem qualquer inclusive não foi só um homem, Jesus é Deus encarnado, Deus vivo, então eu respeito quem tenha outra concepção de Jesus”, complementa o padre Luiz.

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Mulheres da Igreja

As mulheres merecem atenção especial quando o assunto é a sua participação dentro do ambiente episcopal. Principalmente, aquelas que atualmente exercem a mão-deobra em prol de instituições religiosas. De fato, são elas as admiradoras e frequentadoras assíduas da igreja. O público feminino é o responsável pela continuidade de seu legado. Os padres sabem e reconhecem a importância da mulher para a Igreja. A opinião do padre Luis Fernando não é diferente. “O papel da mulher deve ser cada vez mais resgatado dentro da igreja. Concordo quando se fala que historicamente que deveríamos ter dado mais espaço a elas, mas, a cada tempo se descobri que a nossa igreja deve estar cada vez mais aberta, a ouvir e também não só ouvir, mas colocar a mulher no seu papel de protagonista na evangelização na vivencia pastoral. Até porque a base de todas as atividades que temos seja ela catequese, crisma, serviços às pastorais a grande maioria são mulheres que fazem e que estão com a mão na massa”. A globalização nos permitiu descobrir informações para sairmos do convencional. Muitos jovens, na sua maioria mulheres, optaram pela Wicca ou outras formas de religião, em razão de considerarem machistas e retrógrados os fundamentos do catolicismo. “A igreja deve ter a coragem de avaliar. O que acontece é que muitas das nossas linguagens devem ser revistas e se adaptarmos às mudanças. No mundo de hoje a capacidade da 78


mudança e da adaptação é enorme, o que não quer dizer que temos de nivelar os ensinamentos de Cristo ou da tradição apostólica a esses pensamentos. Mas temos que ser capazes de dialogar com o mundo e de estar abertos aos questionamentos, que o mundo faz a respeito do ser humano, e até mesmo a própria fé. Temos que ser capazes de se comunicar com todo o mundo”, afirma o padre Luis. Aproveitando o espaço, o padre deixa uma mensagem: “Pratique o bem, independente de sua religião.”

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VI A Luta pela Igualdade



Em nossa atual sociedade, vivemos um período em que a mulher, com muito esforço e ardor, conseguiu angariar seu espaço em meio a um sistema financeiro capitalista explorador, sem muitos direitos oferecidos à elas. No século XX, propriamente no Brasil, a mulher só teve direito ao voto no ano de 1934, por meio do Código Eleitoral Provisório, de 24 de fevereiro de 1932. Mesmo com o código eleitoral permitindo o voto às mulheres, havia uma condição de que somente as casadas poderiam votar. A mulher veio obter plenamente seus direitos eleitorais no ano de 1946, onde a condição do voto obrigatório foi imposta para ambos os sexos. No ano de 1949, a escritora Simone de Beauvouir (19081986) publicou o livro Segundo Sexo, um material de extrema importância para servir de base filosófica aos movimentos feministas sobre a formação do caráter feminino. Simone exprime a ideia de que a mulher sai da condição de ser criada em uma cultura voltada para a feminilidade para simplesmente, ser uma genitora e dona de casa e enfrentar tabus impostos pela sociedade da época. A revolução Francesa também serve de alicerce para a reivindicação dos direitos iguais como cidadãs. Podemos considerar a Revolução Francesa como o carro chefe dessa batalha pelos direitos da mulher. A história dos movimentos feministas pode ser dividida em três etapas, com a primeira ocorrendo em 1960, 1970, e com a terceira na década de 1990. As ativistas femininas lutavam pelos seus direitos legais como, direito de contrato de trabalho, direito ao voto e ao aborto.

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A formação de um estado capitalista, dependente de indivíduos assalariados, começa a levantar determinadas questões sobre princípios éticos e sociais. Se para os trabalhadores, o conceito do “mais-valia” era um paradigma a ser quebrado, para a mulher, conquistar o direito ao emprego, a liberdade ao voto e sua importância o quanto cidadã, poderá ser vinculada ao preconceito e a rotulagem praticada na Idade Média sobre os crimes de bruxaria. Na Europa Ocidental, a maioria das líderes dos movimentos eram mulheres brancas e de classe média, mas as mulheres de outras raças propuseram formas alternativas de feminismo, que cresceu nos Estados Unidos, em 1960, e se espalhou pelo mundo. Para o psicólogo e praticante da Wicca, Ricardo Kelmer, em entrevista, diz que os movimentos femininos também tiveram relação com o preconceito, ainda na época da Inquisição, com as mulheres perseguidas e rotuladas de bruxas. “Em relação a esse preconceito contra as bruxas, na verdade é um preconceito contra a mulher. Os valores das mulheres são a sensibilidade, a paciência e o feminino interior.” Com o fim da produção feudal e o início do Renascimento, marcado pelo mercantilismo, surge uma série de atrasos na condição da mulher na sociedade ocidental. As mulheres deixam de frequentar lugares como as universidades, são restringidas aos direitos civis, como a herança. Prova disso foi o período de caças as bruxas imposta pela a igreja no século XV. “O preconceito para com a mulher, não vem de agora, vem desde quando a cultura patriarca entra na sociedade. Quando houve o período de caça as bruxas nos séculos XII e XIII, já 84


havia uma semente de individualidade, ou seja, as pessoas já tinham um caminho pré-definido. Então a mulher era submissa ao homem, devido à cultura que predominava aqui”, comenta Ricardo. A Igreja Católica reprimiu muito o feminino, as religiosas católicas não fazem parte da hierarquia da Igreja, a qual possui três níveis: Os diáconos, os padres e os bispos. As mulheres religiosas são consagradas por Deus, a diferença entre os dois papéis está na função sacerdotal ministerial, que é destinada apenas aos homens. Para Ricardo Kelmer isso acontece por que a nossa sociedade e baseada na religião. “A nossa sociedade foi moldada pela igreja católica, foi ela que criou os pilares da nossa cultura. A Igreja reprimiu o culto feminino dentro dela, mas não só dentro, fora também. O pior do feminino para a Igreja é o feminino livre, ou seja, a mulher que louva a natureza, a mulher selvagem”. Não é por menos que até os dias atuais a mulher se sente prejudicada e lesada sobre as condições impostas por uma sociedade exploradora. Na sua grande maioria mulheres, as bruxas foram caçadas e torturadas, quando até mesmo meninas eram acusadas do crime de bruxaria. No começo, os deuses da Igreja Católica eram compostos apenas por homens. Já o paganismo oferece a condição de Deus e Deusa, delegando poderes iguais a divindades de sexos diferentes. O feminino começou a crescer na igreja a partir de fenômenos ou aparições de deusas ou santas como a de Maria, Nossa Senhora de Fátima no dia 13 de maio de 1917, a Virgem de Guadalupe, chegando ao ponto que as divindades 85


femininas tiveram que ser reconhecida pela Igreja. Todas as divindades citadas acima são consideradas e recebem a figura de mãe. Como na Wicca a Deusa é a grande mãe, no catolicismo também vimos essa semelhança. Nesse contexto, as duas religiões associam suas Deusas ou Santas como no catolicismo, à figura progenitora. Como no Brasil, a padroeira é uma santa negra e mulher, Nossa Senhora de Aparecida, que possui uma legião de devotos. A figura feminina na Igreja Católica atualmente exerce a função de mão de obra, trabalhando em prol da instituição. Muitos serviços de assistência e programas sociais desenvolvidos pela Igreja Católica são realizados por mulheres, muitas delas as quais vivenciaram toda a reforma dos direitos conquistados pela mulher no decorrer de décadas. Hoje, a condição feminina melhorou muito, por exemplo, no Brasil, o percentual de mulheres chefes de família cresceu 79% em dez anos, passando de 10 milhões em 1996 para 18 milhões em 2006, segundo dados confirmados pelo IBGE e Ricardo concorda com isso, mas deixa uma ressalva. “Sim a condição da mulher melhorou comparado há décadas atrás, com isso os homens tem a obrigação de mudar alguns princípios psíquicos. As mulheres estão ocupando espaços na sociedade elas têm direitos e deveres, coisas que não existiam entes”, afirma Ricardo. Muitas delas assumiram o posto de chefe de família, e até mesmo pelo divórcio, suportam dupla jornada de trabalho, cuidando dos filhos ao chegar em casa após um dia intenso de serviços.

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Um fato histórico ocorrido no século XX conhecido como a queima dos sutiãs, um evento de protesto com cerca de 400 ativistas do WLM (Women’s Liberation Movement), contra a realização do concurso de Miss America em 7 de setembro de 1968, em Atlantic City, Estados Unidos. O movimento feminista adotou como prática religiosa oficial a Wicca, focada a ideologia de que a Deusa reforçaria a figura feminina perante uma sociedade machista e de preconceitos. Esse movimento de fato, mudou o rumo da bruxaria moderna. Em 1980 outros movimentos religiosos neopagãos começam a sair da clandestinidade. Na década de 1970, a Wicca sendo uma religião que preza pela figura feminina, também absorveu o impacto das mudanças sociais. Uma sacerdotisa, com nome de feiticeira StarHalk (falcão das estrelas), que segue a linha da tradição Diânica, praticada exclusivamente por mulheres, se agregou ao movimento feminista, tornado-se a religião oficial dessa causa. Não sendo suficiente o preconceito contra a mulher, Miriam Simos( StarHalk) foi apontada como homossexual entre outros estereótipos que salientam o preconceito. Existe o site oficial (www.starhawk.org), em que materiais sobre bruxaria e noticias estão disponíveis. Como toda luta que a mulher vem conquistando e que diz respeito à igualdade ainda percorre um longo caminho, o psicólogo Ricardo afirma que um dia homem e mulher terão direitos iguais. “Um dia tudo isso vai se equilibrar entre homem e mulher, isso trará hegemonia. Algumas vezes precisamos de força e outras vezes de delicadeza. Um exemplo foi a capa de uma revista Veja que associava uma mulher ao 87


estereótipo da bruxa. Isso ainda é o medo que o homem tem da mulher selvagem, a mulher livre, a figura da bruxa está ligada a natureza, essa mulher que é considerada “bruxa” é a que vai às compras, cuida dos filhos, pega o ônibus para trabalhar é a mulher que tem liberdade, a mulher independente, mas na Idade Média, a igreja com medo dessas mulheres, contribuiu muito para esse rótulo”. A equiparação de homens mulheres ainda parece muito distante do que poderíamos dizer ideal. Se por um lado a mulher conquista um emprego, em contrapartida, o salário a ser pago ainda é defasado em relação a funções idênticas a do homem. Poderíamos dizer que ocorre exploração da mão de obra feminina, na cultura da “mais-valia”. Os critérios de seleção para determinadas vagas de emprego ultrapassam questões curriculares, partindo para outros conceitos como beleza e vida privada. Se para determinadas religiões como o islamismo, onde a mulher é submissa ao homem, na Wicca elas são a peça fundamental e existência de todas as coisas vivas. Os movimentos femininos vêm se organizando e com o passar do tempo e a sociedade vem assimilando certos grupos que constituídos por mulheres, como na Wicca. Ricardo concorda com esse pensamento. “A formação de grupos é normal, eles procuram uma ideologia, mas no caso da Wicca eles valorizam o feminino, a deusa. Com o enriquecimento da Igreja esses grupos foram surgindo. Provavelmente esses grupos terão de viver em harmonia com a sociedade”. Com a criação de ONGs e ramificações do Estado desenvolvidas para atender exclusivamente a mulher como as 88


delegacias especializadas e entidades de defesa, houve um pequeno avanço conquistado na postura da sociedade sobre o reconhecimento da figura feminina. Enquanto a escolha pela Wicca como religião, pode se dizer que, a identificação com a Deusa e a maioria dos praticantes sendo mulheres, acaba sendo um ambiente mais confortável para as mulheres, além de poder exercer o posto de sacerdotisa, o que nunca seria possível na religião católica.

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VII A Casa da Bruxa



Já ouviu falar de uma Universidade de bruxos? Em Santo André, no ABC paulista existe uma. Não é a escola de magia e bruxaria como a de Hogwarts do Harry Potter, mas a Universidade Livre Holistica Casa de Bruxa. Em uma rua de bairro nobre, se destaca em meio ao prédios e escritórios. Logo ao entrar na casa me deparo com uma recepção repleta de pessoas, todas são mulheres de diferentes faixas etárias, mas com o mesmo ideal, a busca de solução e melhorias para seus problemas por intermédio da magia. Às 12h50 do dia 1 de outubro de 2010, acontecia o ritual de Lua minguante. Neste ritual o intuito era a purificar e afastar o mal que possa impedir o seu progresso. No lugar onde era celebrado o ritual, cinco pessoas estavam presentes, três mulheres e dois homens, que compunham o círculo sagrado entorno do caldeirão. Adentrando mais a fundo nas instalações, é possível perceber que a Casa de Bruxa é um local totalmente caracterizado e envolto de magia. Dentro e fora da casa é comum se deparar com algo semelhante à Idade Média. Nos fundos da casa, uma armadura de cavaleiro está imposta no jardim onde são realizados os ritos. O caldeirão de bruxa está logo ao lado, centralizado bem ao meio. Um espaço certamente lúdico e agradável ao mesmo tempo. Os objetos para a realização do ritual eram bem simples. Velas de cor escura, um cristal e uma espécie de liquido de purificação são os instrumentos usados para a purificação. Nada muito demorado. Por volta de 30 minutos e o ritual 93


chega ao seu término. Não é para ficar surpreso ou achar que é uma coincidência, mas a chuva termina junto com o ritual de purificação. Um negócio lucrativo pelo que vejo. A recepcionista informa os preços e condições de pagamento a uma mulher que se interessa pelo curso ao sair do ritual. “São 15 parcelas de 83 reais. É bom você correr, pois, só tenho mais seis vagas e o curso inicia no dia 29 de outubro”, informa a recepcionista. Os mais variados tipos de objetos podem ser encontrados à venda na casa. Entre os itens disponíveis é possível encontrar chapéu de bruxa, estátuas de Buda, Shiva (Deus indiano) e outras divindades que podem ser vistas por todos os lados. Uma infinidade de livros sobre os mais variados tipos de filosofias, práticas de massagens, técnicas de relaxamento também podem ser encontrados. Como não poderia faltar em qualquer casa de bruxa, as ervas fazem parte desse arsenal mágico. Para amor, negócios, saúde e prosperidade, são vendidas em forma de saquinhos para o preparo de banhos. Uma das funcionárias, Ezelise Crocco, me apresenta à casa e fala sobre outros cursos. “Além do curso de bruxaria natural, temos o de acupuntura e massagem oriental”, conta Eze, como prefere ser chamada. A qualidade de vida por meio das terapias naturais são um dos assuntos mais atuais. Nesse meio tempo em que Ezelise me apresentava à casa, notei que havia somente mulheres no ambiente. A faixa etária

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compreendia de 17 a 50 anos ou mais. Com todo respeito, muitas delas eram lindas, e com ar de independência. Mais uma vez o estereótipo de bruxa é desmistificado e mostra que bruxa feia é exceção. Como o poeta Vinicius de Moraes diria: “as muito feias que me perdoem, mas beleza é fundamental.” Se por um lado a bruxaria zela pelas antigas tradições e tem como missão oferecer qualidade vida, segundo a Casa de Bruxa, a modernidade e o stress dos ambientes empresariais procuram em terapias alternativas melhores soluções para seus colaboradores. A Casa de Bruxa presta serviços à empresa e escolas com palestras com temas voltados a qualidade de vida e terapias alternativas. Algumas delas são gratuitas. Entre as empresas que receberam as bruxas estão à multinacional Scania, o shopping Metrópole de São Bernardo do Campo, a FAAP, Citibank (SP) e Itautec. A "Casa de Bruxa" nasceu do sonho de uma menina chamada Tânia Gori, que, aos seus seis anos de idade, iniciou seus estudos nas ciências ocultas, sempre acompanhada pela sua avó Petronilia Moreira, que também se iniciou muito cedo. Hoje a "Casa de Bruxa" é uma Universidade Livre Holística cujo objetivo é transmitir conhecimentos por profissionais qualificados por meio de processos terapêuticos e educativos de alta qualidade. A casa forma terapeutas, instrutores e outros profissionais dentro das técnicas das terapias alternativas e metafísicas. Tânia, além bruxa fez contabilidade, teologia, pósgraduação em jogos cooperativos e diversos outros cursos de formação holística e metafísica. A Casa de Bruxa tem 14 anos 95


de funcionamento e já formou mais de 15 mil alunos segundo a entidade. A origem do nome Casa de Bruxa é em homenagem aos ancestrais que iniciaram as terapias alternativas muito antes de qualquer medicina tradicional e aos grandes filósofos e cientistas com suas teorias magníficas e muitas outras pessoas que se aventuraram na ciência da natureza para saber o que ela poderia oferecer para melhorar a qualidade de vida das pessoas. A respeito da bruxaria, Tânia cita Nicolau Copérnico (14731543). "Você se lembra de um cientista chamado Nicolau Copérnico, que viveu no século XV, quando afirmou aos quatro ventos que a terra não era o centro do universo?”, comenta Tânia. “Pois então, ele estava sozinho nas suas teorias, contra uma população inteira. Teve de abandonar seu trabalho e se desculpar para com a sociedade caso contrário, seria considerado herético e a forca estaria a sua espera”, complementa. “E para aquele ser humano com ideias próprias que não queira ter a sua vida ceifada, não pelo criador, mas pelos homens dentro de seus casulos, teve de se redimir em público, e se esconder o resto de sua vida. A adaptação do homem a novos conceitos precisa de tempo”, diz Tânia. Continuando, Tânia ressalta: “No século XXI o homem deverá aprender e desaprender ao mesmo tempo para que esteja em constante aprendizado”. Alguns elementos utilizados nos rituais de bruxaria ainda causam dúvidas sobre seu simbolismo e sua representação. O pentagrama representa cinco elementos de acordo com a Casa 96


de Bruxa. Cada uma das pontas é referente a um elemento da natureza. O ar, a terra, o fogo, a água e o éter (espírito). O caldeirão é um dos símbolos mais característicos da bruxaria. O caldeirão segue o princípio da transformação, tudo o que é levado ao fogo sofre alteração química por intermédio da temperatura elevada e das chamas do fogo. Para os bruxos, tudo que se coloca no caldeirão sofre modificação inclusive nossos desejos e anseios. O caldeirão representa o elemento fogo e é utilizado em rituais de purificação. A espada encontrada em diversos rituais da Wicca serve para rituais de purificação e representa o elemento terra. O cálice tem como significado a representação da água e refere-se ao sentimento da emoção.

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VIII Um neg贸cio do outro mundo



É comum em meio às grandes cidades, particularmente em São Paulo, o acontecimento de eventos e feiras. Feiras de gestantes, Salão do Automóvel, feiras de tecnologias e uma infinidade de outros temas são frequentes e atraem milhares de pessoas. Mas, uma feira de esoterismo e assuntos relacionados à magia, com terapias orientais, novos conceitos de religião, tarô e outras ramificações do segmento, não é com muita frequência que podemos ver e conhecer. Não resta dúvida de que o ser humano é atraído pelo que desconhece e envolve mistério. Na faculdade Unicsul, campus Anália Franco, zona leste de São Paulo, durante os dias 9 e 10 de outubro de 2010 aconteceu a Mystic Fair. Um evento pioneiro no Brasil destinado a mostrar o setor místico e esotérico com uma grande feira de exposição. Estandes personalizados, palestras e diversas atrações trouxeram as principais novidades comerciais existentes no mercado do campo da espiritualidade, paraciência, medicina natural e alternativa, esoterismo, ocultismo e magia. A Mystic Fair foi inspirada na feira Magic Internacional, que acontece anualmente em Barcelona, na Espanha, há mais de 25 anos, e que serve de alusão para outros eventos do mesmo porte ao redor do mundo. Uma feira mística que oferece ao público em geral as novidades dos setores paracientíficos, alternativos, esotéricos e ocultistas. Os principais autores, investigadores e especialistas de temas espirituais se reuniram em uma programação com palestras gratuitas oferecendo ao público, o contato pela

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primeira vez com o mundo místico, ou proporcionando maior conhecimento a aqueles que já degustam o sabor do mistério. Esse evento vem suprir uma lacuna no mercado místico do Brasil. Trazer as novidades dos setores esotéricos, paracientíficos e alternativos, para o público final que puderam usufruir de produtos e serviços no local. A feira foi idealizada por Claudiney Prieto que é um dos pioneiros da religião Wicca no Brasil. Segundo os organizadores do evento foram 3.000 metros e mais de 140 standes proporcionando ao público uma variedade de serviços e consultas com mais de 50 especialistas que ofereceram ao público o resultado das últimas descobertas das novas ciências do futuro e conhecimento sobre o mistério do mundo. A feira contou ainda com 60 palestras com temas sobre Reiki, Anjos, Divino Feminino, Cabala, Bruxaria, Astrologia, Feng Shui, Budismo, Tarot, Cristais, Cromoterapia, Passes Mágicos, entre outros. Na área de exposição, 140 standes se dividiram entre, editoras, espaços holísticos, lojas esotéricas, terapeutas, astrólogos, quiromantes, massagistas, neurolinguistas e um setor destinado exclusivamente a leitura de oráculos e atendimentos terapêuticos complementares que serão realizados gratuitamente aos visitantes. Segundo a assessoria de imprensa foram recebidas mais de 10 mil pessoas. O evento contou com a participação da ABRAWICCA, a primeira associação Pagã brasileira pioneira e umas das instituições responsáveis sobre Wicca no Brasil. A ABRAWICCA também é responsável pela fundação do maior grupo de Paganismo nas redes sociais com a comunidade 102


Sociedade Wicca & Espiritualidade da Deusa no Brasil (São Paulo), e do Congresso de Wicca e Paganismo no Rio de Janeiro e demais eventos de âmbito nacional e internacional. Mario Rodrigues Neto Oliveira, integrante da ABRAWICCA há 12 anos e praticante de Wicca há 8, fala sobre qual missão da entidade na feira. “A função de expor e estar presente nessa feira é literalmente ajudar e esclarecer as pessoas sobre o que é bruxaria”, informou Mario. Não apenas bruxos, mas outros expositores, também marcaram presença levando aos visitantes não somente a venda dos produtos, proporcionando também entretenimento e diversão. Uma barraca, que na verdade era um estande, se destacava lá no lado de fora seguindo para outro prédio da feira. Com tochas de fogo, escudos de peles de animais, machados e outros apetrechos medievais roubava a atenção. Era uma barraca Viking, com CDs e artigos medievais. Vinicius Ferrreira Arruda, 21, estudante, era o responsável pelo local. Vinicius conta como o negócio pode ser lucrativo às vezes e muito arriscado dependendo do evento. “Em alguns eventos, chegamos a ganhar dois mil e quinhentos reais, mas as vezes voltamos só com cinquenta no bolso”, conta ironizando a irregularidade no negócio. Outra atração da Mystic Fair foi a banda Olam Ein Sof, que se apresentou no sábado às 21h. Eles intitulam sua musica como ethereal music. Segundo a banda, a sonoridade tem influencia de temas mitológicos, canções medievais, 103


renascentistas e celta. Dessa combinação surge o Olam ein Sof com uma música etérea e diferenciada, proporcionando uma viagem pelo mundo dos infinitos. A vocalista Fernanda Ferreti, 34, uma bela ruiva de cabelos longos, que parece ter sido retirada do filme o Senhor dos Anéis. Outro integrante, Marcelo Miranda, 38, músico profissional, conta que a banda completa nove anos em 2010 e fala das influências musicais que possibilitaram a realização do seu trabalho. “Nossa música tem uma finalidade espiritual com influencia medieval renascentista. Basicamente a influência musical vem um pouco do metal (heavy metal), e outras bandas como Dead Can Dance”. Outra parte importante e que caracteriza a dimensão do evento foi a participação da Rádio Mundial FM 95,7 e AM 660, que estava com um estúdio no local cobrindo o evento. Os palestrantes e expositores davam entrevistas durante a feira. Para quem não pode ir a Mystic Fair, teve a oportunidade de saber sobre os detalhes do evento pela transmissão do veículo.

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O apanhador de sonhos

Personagens com ideias e conceitos diferentes, era o que mais poderia se encontrar pelos corredores e salas da Mystic Fair. Numa sala vazia, encontro um homem com a sua neta. A sala é bem grande, onde ocorreria uma palestra sobre o Panta Kléa e o “relógio mágico”. O Homem se chama Elpidio Luiz de Paiva Azevedo, de 53 anos, morador da Vila Madalena. Formado em engenharia mecânica e místico, com sua neta Isadora de Luiz Paiva, ajudava o avô na arrumação da sala. Elpidio estava bem sério e muito concentrado para dar a palestra da sua invenção, o Panta Kléa, um pingente de adorno, feito de uma liga bi-metálica, de nome Vênus-Urânia. A liga é composta dos metais cobre, associado a Vênus, e zinco a Urano de liga de cobre que tem como finalidade dar proteção e realizar seus objetivos ou mais conhecido como potencializador de suas intenções. Você coloca suas intenções em um papel, dobra e coloca dentro do pingente que você carrega no pescoço. Elpidio diz que o pingente tem uma questão psicológica: “Tudo que a gente pensa acontece, e com o pingente no pescoço você não esquece do seu compromisso”. O Panta Kléa vem acompanhado com uma folha de sulfite com vários pantáculos ou símbolos que entre eles, servem para proteção contra maus espíritos e olhares invejosos, diminuir obstáculos e barreira do dia a dia e contra depressão. Esse Pantáculo de Saturno protege e promove a alegria de viver. O pingente foi uma invenção do Elpidio em 1989 e foi devido a um fato que mudou sua vida: “Eu inventei o Panta Kléa devido a querer casar mas, não conseguia juntar dinheiro, 105


então para não esquecer desse ocorrido, queria alguma coisa que eu poderia carregar e a toda hora lutar para isso, com a ajuda de um amigo, consegui fazer o Panta Kléa que tem um pouco de estudo científico dos alquimistas. O relógio mágico foi uma readaptação do relógio ábaco, que compara os espíritos governantes do dia da semana com os planetas e anjos que governam as horas mágicas. É uma tábula redonda, onde o centro gira e encaixa com as horas e o dia da semana. No disco central você lê em baixo de cada dia da semana o nome do Anjo e do Planeta que governa esse dia. No disco externo encontram-se os nomes das 12 horas do dia (em algarismos arábicos) e das 12 horas da noite (em algarismos romanos). Para Elpidio esse relógio tem o funcionamento ou bem aproveitado para se fazer algum ritual. “Você pode calcular qual á melhor hora para fazer um ritual que gostar, a probabilidade de dar certo é maior”. Um exemplo é: “Se num determinado dia o sol nasce às 05h20 e se põe às 18h20. Então esse dia tem 840 minutos diurnos, que dividido por 12 constata-se que cada hora mágica diurna tem 70 minutos. Para as horas noturnas, (1440 – 840 = 600), que divididos por 12 acha-se uma hora mágica noturna com 50 minutos”, conta. Feitos esses cálculos temos que a primeira hora mágica vai do nascer do Sol às 05h20 até às 06h30, a segunda hora das 06h30 até às 07h40 e assim sucessivamente. Está na hora de ir embora pois a palestra vai começar. Me despeço de Elpidio que me deseja boa sorte, muito feliz por ter conseguido explicar as suas invenções.

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Conclus達o



De fato, a Wicca traz consigo uma história com diversos hiatos e levanta dúvidas sobre sua autenticidade. Ao redor do planeta, o número de seguidores dessa religião neopagã cresce de forma consistente e alcança seu espaço. No Brasil, 3.099 membros formam a Comunidade no Orkut da ABRAWICCA, entidade dedicada a preservar e ampliar a Wicca no Brasil. Outra comunidade, Pentáculo Wicca e Bruxaria totaliza 11.523 pessoas registradas. O grande problema em realizar um senso dos praticantes de Wicca, é que muitos seguem a prática solitária. Segundo o site dedicado a levantar informações demográficas sobre religiões (www.adherents.com), em 1996, o número de praticantes no mundo chegou a 800.000 pessoas. De acordo com o mesmo site, no Brasil, a estatística chega a 50.000 praticantes. Por se tratar de um grupo fechado, o que se conhece a respeito do assunto geralmente é escrito ou publicado por praticantes da religião e por esse motivo, existe muito louvor em defender a causa e se acaba retirando um pouco da credibilidade desse material. Sabe-se a respeito da Wicca que suas influências se remetem aos celtas e seu fundador, Gerald Gardner, que fez uma releitura desse material e associou rituais da maçonaria a eles. Muitos cursos palestras são oferecidos aos interessados, como forma de propagar e angariar novos praticantes. Em São Paulo, por exemplo, no mês de outubro, uma feira dedicada a Wicca e outros assuntos místicos trouxe ao público informação sobre

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o assunto e de como proceder a quem queira mergulhar nesse universo. Como toda religião, existe um grande negócio por trás de tudo isso. Na internet é possível encontrar lojas virtuais oferecendo produtos específicos à Wicca e para realização de rituais. Os rituais são realizados na Wicca não fazem sacrifícios. Todos os rituais são baseados nas estações climáticas e para cada uma delas, um ritual especifico é realizado e recebe o nome de sabatt. Esses rituais são de origem celta e praticamente seriam como rituais de colheita e plantio em agradecimento aos deuses. A figura da Deusa, a Grande Mãe, também é uma das coisas que atrai o público feminino, devido à figura feminina ganhar a posição principal nessa religião. Por isso, muitas mulheres se encantam e preferem a Wicca ao catolicismo por considerarem machista, evangélicos por seu dogmas, e outras religiões como o candomblé. Não existe relato cientifico comprovando a figura da Deusa e da Grande Mãe como assim é chamada, mas, a crença e a fé a pelos wiccanos nessa hipótese aumenta a cada dia. A ótica em que é a Wicca é vista pode parecer encantadora, pois, todos os praticantes alegam não realizar feitiços em sua prol, ou se dedicar em fazer mau ao outro. Existem leis entre os wiccanos que fazem um acordo de não lançar feitiços, uma lei tríplice, de que tudo que de faz de mal retorna em triplo para quem o lançou.

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Ultimamente, a mídia colabora com a criação de estereótipos sobre bruxos e bruxas, com filmes e séries trazendo uma figura doce e singela. Mas, nem sempre foi assim. Na Idade Média, mulheres foram esquartejadas e queimadas por serem acusadas de crime de bruxaria. O preconceito e a discriminação assolaram essas mulheres ao ponto de que essa prática foi extinta por séculos até a chegada do século XX onde, após a abolição da lei antibruxaria na Inglaterra, trouxe novamente essa prática de volta pelas mãos de Gardner. Os praticantes de hoje, também sofrem do preconceito pela sociedade, família e amigos. Casamentos se romperam, famílias foram separadas e divórcios são fatos reais relatados por pessoas neste livro. O que temos certeza é que a bruxaria Wicca é um mercado em crescimento e que atrai principalmente mulheres e jovens, oferecendo o contato com a natureza como forma de fé e crescimento espiritual. Para muitos é difícil de acreditar, mas, aos incrédulos e céticos, bruxas e bruxos existem, e estão crescendo e aparecendo mais a cada dia.

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Bibliografia KRAMER, Heinrich & SPRENGER, James. O Martelo das Feiticeiras – Malleus Maleficarum – Tradução: Paulo Fróes. Introdução História: Rose Marie Muraro. Prefácio: Carlos Byington. Rio de Janeiro. 20º Ed. Editora Rosa dos Tempos. 2009.

RUSSELL, Jeffrey B. & ALEXANDER, Brooks. História da Bruxaria. 1º Ed. São Paulo. Editora Aleph. 2008.

CANTRELL, Gary. Wicca – Crenças e Práticas. Tradução: Ana Glaucia Ceciliato. 1º Ed. São Paulo. Madras. 2002.

BOTELHO, Jose Francisco. Bruxas por trás da caça. Super Interessante. Ed. 246. 2007. Disponível em: http://super.abril.com.br/superarquivo/2007/conteudo_551194.shtml. Acesso em 23 Mar. 2010.

PIETRO, Claudiney. Wicca para todos. 1º Ed. São Paulo – 2009.




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