ESPACIOS
TRANSNACIONALES Revista Latinoamericana-Europea de Pensamiento y Acción Social
Año 3, Número 5, julio-diciembre 2015.
Espacios Transnacionales. Revista Latinoamericana-Europea de Pensamiento y Acción Social. Coordinación General: Miriam E. Calvillo Velasco. Coordinación Editorial: Miguel Angel Orozco Arroyo. Diseño 5ª Edición: Fernando García Gómez. Editor del Número: Marcos Antonio Dos Santos Reigota. Foto de Portada: Miguel Angel Orozco Arroyo/Un Sueño, Valle de Huajes, Oaxaca. Foto de Contraportada: Eduardo Marques, Grecia, 2007. Edita: Red Latinoamericana-Europea de Trabajo Comunitario Transnacional.
¡DIVERSIDAD! ¿ALGO MÁS?
Comité Editorial Miriam E. Calvillo Velasco Universidad Autónoma Metropolitana-Unidad Xochimilco, México. Johannes Kniffki Alice Salomon Hochschule Berlin, Alemania. Marcos Antonio dos Santos Reigota Universidad de Sorocaba, Brasil. Christian Reutlinger Universidad FHS St. Gallen, Suiza.
www.espaciostransnacionales.org Para citar la revista se puede utilizar la siguiente referencia: APELLIDO(S), Nombre(s). (2015). Título del artículo. En Revista Espacios Transnacionales. [En línea] No. 5, julio-diciembre 2015, Reletran. Disponible en: http://www.espaciostransnacionales.org
Licencia Creative Commons Espacios Transnacionales. Revista Latinoamericana-Europea de Pensamiento y Acción Social by Reletran, tiene una licencia de Creative Commons 4.0 Internacional.
Espacios Transnacionales. Año 3, número 5, julio-diciembre 2015, es una publicación semestral de la Universidad Autónoma Metropolitana a través de la Unidad Xochimilco, División de Ciencias Sociales y Humanidades, Departamento de Relaciones Sociales. Prolongación Canal de Miramontes 3855, Col. Ex-Hacienda San Juan de Dios, Delegación Tlalpan, C.P. 14387, México, D.F., y Calzada del Hueso 1100, Col. Villa Quietud, delegación Coyoacán, C.P. 04960, México, D.F.; teléfonos 5 483 70 00, ext. 3523. Página electrónica de la revista: www.espaciostransnacionales.org Dirección electrónica: comiteeditorialreletran@gmail.com Editora Responsable: Miriam E. Calvillo Velasco. Certificado de Reserva de Derechos al Uso Exclusivo del Título N° 04-2014-071513071400-203, ISSN 2007-9729, ambos otorgados por el Instituto Nacional del Derecho de Autor. Responsable de la última actualización de este número Mtro. Miguel Angel Orozco Arroyo. Universidad Autónoma Metropolitana Unidad Xochimilco, División de Ciencias Sociales y Humanidades, Departamento de Relaciones Sociales. Fecha de última modificación: 3 de enero de 2016. Tamaño de archivo 40 MB. Las opiniones expresadas por los autores(as) no necesariamente reflejan la postura de la editora responsable de la publicación.
Comité Científico Marcia Helena Batista Universidad Estadual de Minas Gerais, Brasil. Marta Nubia Bello Universidad Nacional de Colombia, Colombia. Astrid Ulloa Universidad Nacional de Colombia, Colombia. Miguel Miranda Aranda Universidad de Zaragoza, España. Chaime Marcuello Servós Universidad de Zaragoza, España. Juan Bosco Bernal Universidad Especializada de las Américas, Panamá. Jorge Alsina Valdés y Capote Universidad Autónoma Metropolitana-Unidad Xochimilco, México. Jorge Cadena Roa Universidad Nacional Autónoma de México, México. Fernando del Fiol Universidad de Sorocaba, Brasil Isabel Orellana Universidad de Quebec en Montreal, Canadá. Heinz Stapf - Finé Alice Salomon Hochschule Berlin, Alemania. Dariuš Zifonun Alice Salomon Hochschule Berlin, Alemania.
PAG. 11 Carta del editor.
Educación y Ecología
Movimientos y Sociedad
PAG. 12 Riflessioni per una nuova cultura della biodiversità.
PAG. 44 Angelus novus.
Elisabetta Falchetti.
PAG. 24
Felipe Dittrich Ferreira & Marcos Vinicios de Araujo Vieira.
PAG. 56 Movimentos sociais e educação ambiental: os rios que passam em nossas vidas.
A inclusão das crianças num sistema de códigos de poder: a espera na educação infantil.
Solange Castellano Fernandes Monteiro.
PAG. 32
PAG. 72 ¿Pueden Mayahuel y Xochipilli transformar una Universidad en una Poliversidad? Respetar la diversidad: de la prohibición a la gestión del consumo de sustancias psicoactivas.
Claudia Medeiros.
Encontros com Riobaldo e as biodiversidades textuais no ensino de biologia. Eduardo Silveira.
Juan Machín.
Diversidad y Género
Perspectivas
PAG. 86 La voz trans.
PAG. 128 Tus brazos abiertos.
PAG. 98 El arte como metodología de intervención social: pasos hacia una estética de la liberación.
PAG. 129 A la memoria de las que les arrebataron la vida.
Pili Hinojosa & Juan Machín.
Elena Hoyos.
PAG. 118 Conversa com João Manuel De Oliveira: Ativista, professor e pesquisador feminista.
PAG. 130 Actores emergentes. La homosexualidad a través de la Literatura Latinoamericana.
Diana Catalina Hernández.
Eder Proença.
Dario Maldonado.
Víctor Hugo Iturbe Legorreta.
escolaridade etc. e ao mesmo tempo é radicalmente igual a ter os mesmos direitos humanos universais, coletivos e individuais, construídos e legitimados ao longo da história. A nossa revista Espacios Transnacionales chega ao número 5 trazendo um dossiê voltado para a temática “diversidade”, com enfoques ecologistas. Nesses tempos em que as diversas correntes teóricas, culturais e politicas que deram origem à práxis ecologista em diversos pontos do planeta, principalmente à partir dos anos 1960 parecem esquecidas, ou foram ultrapassadas pelo pragmatismo instaurado nas instituições, nos governos, nas ONGS e em universidades ao redor do mundo, os artigos que compõem esse número nos chamam a atenção para os aspectos fundamentais e os desafios que as diversas manifestações de vida enfrentam no atual período histórico.
Essa orientação política pode ser resumida como o movimento de luta pelos direitos básicos de existir ( “o direito de se ter direitos” como explicitou Hannah Arendt) de grupos sociais e indivíduos espalhados pelas zonas sombrias da sociedade transnacional contemporânea, dilaceradas pela violência bélica, simbólica e econômica, sem que sejam massacrados, desprezados ou separados por muros (de) concretos e/ ou de invisibilidade deliberada.
Um outro aspecto importante da noção de diversidade que orientou a elaboração desse dossiê está intimamente relacionado ao que se define como “politica das diferenças”. Política essa que se concretiza nas e através de reivindicações, práticas e posicionamentos por justiça, ética e pelo reconhecimento do “outro”, que é diferente em aspectos culturais, de gênero, de etnia, de orientação sexual, de religião, de classe social, de
Dito de outra forma observamos que as diversas manifestações e significados do que se considera “vida”, poderá perder o seu protagonismo ecológico, cultural, simbólico, político e existencial e se tornar mais um objeto manipulável, um bem capitalizado ou o que é pior (e o que me parece mais provável): simplesmente desaparecer. Resistir é preciso. (Re)existir também.
Em outras palavras os textos , fotos, vídeo e poema aqui apresentados nos fazem lembrar que a vulnerabilidade de nossa existência e a destruição da vida e de formas de viver que rompem, questionam e desestabilizam o modelo capitalista “modernizador”, padronizador e produtivista continuam a ser Reduzir a perspectiva política, cultural e teórica um dos motes aglutinadores da práxis ecologista, apesar dos da práxis ecologista à gestão dos recursos naturais diversos e poderosos argumentos antagônicos e contrários necessários ao modelo de desenvolvimento capitalista que enfrenta cotidianamente. de exploração da natureza e de milhões de pessoas Não se trata tampouco de enfatizar as eventuais disputas espalhadas pelo planeta para garantir a alguns poucos pela hegemonia e muito menos contrapô-los a outros discursos a de acumulação de bens (incluindo os simbólicos) “mais aptos”, ou ainda “mais críticos”, segundo critérios continua em pleno vigor, apesar do seu anacronismo. sempre discutíveis de cientificidade e de compromisso O que encontramos nessa edição foge desse politico, social e ecológico. movimento pragmático, e conservador e traz ao espaço O que me parece ser necessário afirmar é que o que público transnacional movimentos, personagens, sujeitos, encontramos na Espacios Transnacionales está politicamente práticas pedagógicas, práticas sociais, línguas, linguagens e teoricamente situada na vertente desestabilizadora das e argumentos, autores e autoras, artistas, fotógrafos e verdades absolutas dos velhos (e novos) señores. poetas que evidenciam alternativas e rupturas com os discursos convencionais padronizados e nos conduzem às O risco de extinção das diferentes espécies (incluindo diversas formas de viver e possibilidades de se posicionar a humana) e a impossibilidade (o direito) de se viver politicamente. São textos, diálogos e ensaios visuais, diferentemente, que pessoas e grupos enfrentam e estéticos, poéticos e científicos posicionados politicamente experimentam cotidianamente em diferentes sociedades, em variados espaços cotidianos de produção e de difusão trazem consigo a concreta possibilidade de aniquilamento da de conhecimentos e de sentidos. vida, do seus sentidos e significados.
Marcos Reigota
Sobre el bienestar socioambiental
¡Diversidad! ¿Algo más?
11
Asociación Fazendo Arte, Divinópolis, Brasil.
3/5 ET 2/3
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
Educación y Ecología 12
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
Elisabetta Falchetti
Riflessioni per una nuova cultura della biodiversità Elisabetta Falchetti* “Prova ad elencare almeno 10 elementi di diversità che puoi trovare tra i tuoi compagni di classe”. Questo è il compito assegnato a bambini di sei anni circa, che frequentavano la prima classe di una scuola primaria nel centro di Roma, in occasione di un progetto educativo sulla biodiversità. E questi sono gli elementi descritti da due dei bambini intervistati (con qualche comprensibile errore grammaticale):
“Giacomo è biondo Norma è castana
Paolino è filipino Giulia è bionda Ilaria è riccia
Angela è permalosa
Sofia è amica di Giulia Nadia è gentile
I
“Capelli, occhi, comportamento
colore della pelle, segno zodiacale,
abbigliamento, chi dice le bugie e chi
no, una faccia abbronzata e una no …” Matteo
Andrea gli piace il calcio” Marco
ntroduco questo breve saggio riportando le risposte ingenue e simpatiche dei bambini Marco e Matteo, indicative della capacità di percepire finemente la diversità biologica anche in giovane età, ma anche della difficoltà di orientarsi nella diversità stessa e di categorizzarla con coerenza in mancanza di riferimenti concettuali della cultura formale. Nella scuola primaria italiana vengono insegnati ai bambini concetti di insiemistica che aiutano a strutturare categorie, e questa competenza generalmente si costruisce con facilità; i nostri giovani Marco e Matteo avranno imparato a includere in insiemi omogenei e confrontabili i vari caratteri di diversità che hanno riscontrato nei loro compagni. La scienza ha i suoi paradigmi per orientarsi nella diversità dei viventi. La scuola ne insegna alcuni e fornisce definizioni della biodiversità, non sempre con successo, in quanto non si tratta di un semplice apprendimento di insiemistica. I classici percorsi di educazione ambientale supportano l’apprendimento con un approccio scientista e orientato vero lo sviluppo sostenibile. Anche i media, ormai da tempo, propongono sotto varie forme i problemi della biodiversità. Le prospettive più ricorrenti sono quelle sensazionalistiche della narrativa giornalistica: il “meraviglioso mondo” della biodiversità, il dramma (la perdita della biodiversità, la nuova estinzione di massa), la scoperta ed il progresso (le future applicazioni per la medicina, la nuova biodiversità prodotta attraverso le biotecnologie, ogm).
* La mia formazione professionale è scientifica; sono laureata in Scienze Naturali e specializzata in zoologia. La mia concezione della diversità dei viventi va quindi oltre le categorie del quotidiano e della cultura comune, avendo integrato i modelli interpretativi della scienza nelle mie forme di pensiero. Ho condotto ricerche in natura sugli animali, ho lavorato in uno Zoo e in un Museo di Zoologia; ho elaborato progetti di salvaguardia di specie minacciate di estinzione. Sono pertanto un tecnico esperto della “biodiversità” animale e della sua conservazione; nel mio lavoro applico i fondamenti epistemologici ed empirici con i quali la scienza studia la diversità dei viventi. Oltre alla funzionalità, riconosco al modello scientifico un solido impianto culturale e ne apprezzo la ricchezza intellettuale, pur nella consapevolezza degli inevitabili limiti esplicativi e della transitorietà. Ma sono anche una docente universitaria; ho condotto ricerche e sperimentazioni nella didattica delle biologia e nell’educazione ambientale. Mi sono posta quindi il problema dell’insegnamento della/sulla biodiversità, del suo valore culturale ed educativo, del suo campo di influenza e dell’impatto non solo nella bio-ecologia e nella conservazione, ma anche nella formazione degli individui e delle nostre società.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Riflessioni per una nuova cultura della biodiversità
Di fronte alla diversità della vita La specie umana è particolarmente adattata a percepire la diversità dei viventi. Il nostro modo di conoscere il mondo, l’interpretazione dei fenomeni naturali e l’ordine che concettualmente costruiamo della realtà si basano sul grado di differenze o similitudine tra elementi e fenomeni; anche le discipline formali, come le Scienze Naturali, utilizzano un metodo osservativo-comparativo nello studio dei componenti naturali. Percepiamo forme, dimensioni, colori, suoni, odori, sensazioni meccaniche …attraverso recettori adattati ad apprezzare differenze, che interpretiamo e valutiamo mediante le immagini, le idee e le culture all’interno delle quali ci siamo formati. D’altronde, la possibilità di sopravvivenza nell’ambiente di vita è condizionata dalla conoscenza di ciò che convive, coesiste con noi, sia per la ricerca/raccolta del cibo, che per riconoscere ed evitare i pericoli o per contrarre relazioni sociali, ecc. Riconosciamo gli ambienti (e ne valutiamo l’idoneità) attraverso la diversità delle forme fisiche e dei viventi che ne sono parte. La relazione con altre specie viventi nel quotidiano è regolata principalmente dall’uso, primo tra tutti quello alimentare, ma anche da altre necessità: dai medicinali, agli indumenti, ai manufatti, alle abitazioni e tutti gli altri elementi naturali che rendono possibile e confortevole la vita umana sulla Terra, inclusa la compagnia. Nella cultura popolare, quindi, si ordinano i diversi viventi “funzionalmente” e si costruiscono etnocategorie (frutti di mare
o di bosco, erbe officinali, volatili, animali da cortile, funghi mangerecci, animali nocivi, ecc.) anche ambientali (parchi, giardini, prati…). Numerose culture indigene maturano spontaneamente anche visioni complesse della diversità naturale e dei viventi, potenzialmente omologabili a visioni ecosistemiche; Ellen (1998) sottolinea come in popolazioni di foresta, ad esempio amazzoniche, ci sia una profonda conoscenza empirica di piante e animali-forme, fisiologia, comportamento, abitudini alimentari, connessioni con altre specie, attività predatoria, malattie-anche se questi non sono oggetto diretto del loro consumo alimentare, ma sono connessi a quelli abitualmente consumati: in altre parole, piante e animali sono visti come parte della rete della vita in foresta, non isolati. In queste culture, ogni cosa del mondo naturale è collegata attraverso relazioni di mutua casualità per dare origine ad una nozione complessa di natura e a cosmologie che anticipano la visione sistemica del mondo della moderna ecologia. In tali contesti ambientali un contatto assiduo con gli elementi naturali e una cultura di sopravvivenza stimolano concezioni più “ecologiche” e capacità di osservazione non solo della diversità di strutture o di esemplari, ma anche di relazioni ambientali. Al contrario, nei paesi industrializzati e nelle società cittadine c’è una grave “devoluzione” (Atran et al., 2004), di conoscenza biologica ed uno scadimento della comprensione di senso comune del mondo vivente, con il quale veniamo a contatto quotidianamente. Questo deterioramento influisce sulla capacità di interagire con l’ambiente su una base di sostenibilità: persone che non sanno distinguere una specie di uccello o di albero da un’altra, almeno nella loro realtà locale, non possono rispondere in modo appropriato al cambiamento negli equilibri biologici delle specie.
13
¡Diversidad! ¿Algo más?
Qualche articolo di cultura generale porta l’attenzione sulla diversità umana. Le considerazioni di valore più frequenti si riferiscono al ruolo della biodiversità negli ecosistemi o a quello di risorsa per la vita umana e alla “fornitura di servizi” (Baskin, 2005). La maggior parte delle iniziative di divulgazione (purtroppo spesso anche quelle dell’educazione scolastica e ambientale) si esauriscono nell’informazione circoscritta ed isolata, frequentemente poco chiara, spesso solo suggestiva e non favoriscono la comprensione, né stimolano interrogativi sul fenomeno complesso della biodiversità e sulle problematiche di relazione con la vita umana; in breve… non contribuiscono a creare una “cultura della biodiversità”.
Pertanto si ritiene utile, a scuola e fuori, costruire conoscenze scientifiche sulla biodiversità.
La biodiversità nella scienza Nei percorsi di formazione dei paesi industrializzati è inclusa la cultura scientifica e dal 1992 (anno dell’Earth Summit di Rio de Janeiro) si è convenuto di insegnare a tutti i cittadini il modello della biodiversità, per sensibilizzarli alla
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Educación y Ecología 14
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
sua conservazione. Questo è un obiettivo dei piani di azione dell’Earth Summit, introdotto in Agenda 21. La prima Convenzione firmata a Rio de Janeiro è stata proprio sulla biodiversità (Convention of Biological Diversity, 1992), accanto a quelle sulle foreste (ancora biodiversità) e sul clima. Da allora, sono state intensificate ricerche e azioni di conservazione; il termine/concetto di biodiversità è entrato nei linguaggi correnti, nei programmi culturali e scolastici e nei media, generalmente riferito alla riduzione del numero di specie viventi o alla loro scomparsa. Tuttavia, a livello delle politiche mondiali, il fallimento degli accordi della Convenzione è testimoniato da vari Summit, come ad esempio quello di Johannesburg (2002), che a distanza di 10 anni dalla Conferenza e dai progetti di Rio avrebbe dovuto accertare una più diffusa presa di coscienza in fatto di conservazione e l’avvio di un trend di vita maggiormente sostenibile per tutti i viventi della Terra, e invece ha constatato (con rammarico) quanto siano lontani gli obiettivi auspicati. I vari check point, in particolare il “Biodiversity year 2010 lo confermano. Sono stati avviati progetti di educazione ambientale in molti Paesi del mondo; ma questi raramente toccano i problemi socio-culturali che influiscono sulla biodiversità; inoltre, sono poco conosciuti al di fuori della scuola o del livello tecnico-specialistico e soprattutto non partecipati dai cittadini comuni, che restano “ignoranti”, poco attivi e scarsamente sensibili. In Europa, i dati degli Eurobarometer “Attitudes towards biodiversity”, pubblicati nel 2007, 2010, 2013, che riportano pareri e conoscenze di campioni di cittadini europei, testimoniano quanto ancora questi siano lontani da una cultura delle biodiversità e da una consapevolezza dei suoi valori culturali, ecologici, evolutivi e anche dei suoi “servizi”. Particolarmente deludente è la constatazione che poco è cambiato nei dati dei tre Eurobarometer. Occorre quindi una riflessione sul valore filosofico e formativo dei modelli in uso, sui loro limiti o punti di forza, sulle difficoltà di accesso alle persone comuni, non esperte o scolarizzate. Generalmente, nell’approccio alla biodiversità ci si riferisce al concetto degli scienziati e/o se ne dà per acquisita la conoscenza e la comprensione. Tuttavia, dalla percezione della diversità biologica e dalle visioni di senso comune non si passa spontaneamente a quella scientifica. La
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Elisabetta Falchetti
mente umana ha i presupposti e le potenzialità concettuali per costruire e interiorizzare il pensiero scientifico (intelligenza logico-matematica, secondo Gardner, 1997), ma non i modelli culturali, che debbono essere appresi attraverso opportuni percorsi educativi. L’approccio della biologia alla diversità dei viventi include fondamenti di genetica, sistematica, ecologia e altre discipline delle quali utilizza principi, metodi e procedure di indagine. Anche le varie discipline biologiche hanno diversi orientamenti epistemici verso la biodiversità; la studiano infatti sotto diverse prospettive (ecologica, funzionale, morfologica, strutturale, biogeografica …), tutti distanti dal pensiero comune. Quindi, oltre a conoscenze teoriche consolidate che indirizzino il ragionamento e la pratica, per comprendere la visione degli scienziati occorrono capacità osservativa e consapevolezza di cosa osservare, attitudini alla categorizzazione e competenze specifiche; infine, una consolidata, ripetuta esperienza di catalogazione. La “sistematica” è un campo speculativo delle Scienze Naturali che ancora ha lo scopo di descrivere/classificare la biodiversità. Ma i suoi riferimenti e le convenzioni che applica sono mutate nel tempo. La Storia Naturale è stata la prima disciplina ”istituzionalizzata” della nuova classificazione della biodiversità, raccogliendo l’eredità aristotelica. Gli orti botanici e i musei di Storia Naturale l’hanno supportata: sono stati e sono ancora depositi di testimonianza della biodiversità della Terra. Il concetto di “specie”, pur con le sue variazioni nel tempo, resta la base della classificazione. Presenta tuttavia difficoltà di comprensione per i “non esperti” o “non studenti”. Nelle culture tradizionali e popolari le specie viventi animali e vegetali vengono identificate e incluse in ampie categorie, come uccelli, vegetali…, ma associate ad altri parametri di riferimento della vita quotidiana. Indicativa è la ricerca effettuata da alcuni zoologi milanesi a Tanlili (Burkina Faso), dove hanno cercato di verificare le conoscenze “ortotterologiche” dei contadini locali e le corrispondenze nella identificazione delle specie (Tibaldi et al., 2004). I ricercatori hanno verificato che i contadini avevano una grande padronanza nel riconoscimento delle “specie” animali, che categorizzavano e nominavano basandosi sui loro effetti nella vita comune quotidiana: edibili? velenose? pericolose? distruttrici di derrate? ecc.. Uno dei più diffusi ed accettati concetti di specie nella scienza si riferisce invece a individui di popolazioni potenzialmente o
Riflessioni per una nuova cultura della biodiversità
ispira quelle che dovrebbero essere le politiche di gestione. Le ricadute pratiche e operative sono innegabili. In considerazione della crisi ambientale generalizzata, al limite del non Il modello moderno della biodiversità contempla la ma- ritorno, il concetto/modello della biodiversità contribuisce trice genetica (biodiversità genetica, che è alla base della alla conoscenza e alla visione ecologica dei fenomeni vitali, diversità della vita e rappresenta il potenziale evolutivo l’ecoliteracy che Fritjof Capra (2006) vede come la sfida edudelle varie specie); i taxa (biodiversità tassonomica, che al cativa del XXI secolo. momento considera circa 1.700.000 specie descritte ma presume l’esistenza di almeno altri 30.000.000); le diverLa biodiversità, inoltre, influenza la struttura del pensiero e se associazioni di viventi generano altra diversità di livello delle culture umane. L’esperienza/la pratica della e con la dipiù complesso: delle comunità biotiche e degli ecosistemi. versità dei viventi influisce sulla capacita di costruire conosInfine, oggi apprezziamo anche la diversità dei paesaggi, cenze, modelli e relazioni (non solo sulla biodiversità) e sulla con l’inclusione degli aspetti culturali nelle categorie di in- gestione dei rapporti con il mondo. Praticare e padroneggiare terpretazione e nei modelli. Ancora altri aspetti di diversità, il modello scientifico incrementa queste competenze. come quella delle nicchie ecologiche, stanno modellizzando l’organizzazione dei viventi nei loro ambienti. Ordiniamo Tuttavia, può fornire anche un contributo alla formazione quindi la biodiversità in categorizzazioni complesse con di- di nuova cultura e nuove società. Dal punto di vista della penversi livelli di organizzazione, gerarchie e relazioni inter e siero scientifico, il modello della biodiversità rappresenta uno tra livelli (da quello cellulare, attraverso organi, tessuti, indi- dei più stimolanti ed attraenti (la bellezza è anche nelle idee), vidui, popolazioni, comunità biotiche ed ecosistemi). Anche di grande valore euristico e paradigmatico della biologia mola diversità umana, carattere adattativo che garantisce conti- derna. È un modello gerarchico, sistemico e complesso, nato nuità e successo evolutivo alla nostra specie e la sua diversità da nuove concezioni della vita e che introduce a sua volta culturale materiale e immateriale, rientra nella biodiversità. nuove concezioni scientifiche sulla vita e la sua organizzazioSocietà, lingue, abitudini di vita, produzioni artistiche diver- ne. I viventi sono visti come emergenza non come macchise … sono espressioni della relazione con l’ambiente, della ne e considerati come sistemi aperti che scambiano materia, diversità “ecosistemica” e della potenzialità evolutiva della energia ed informazione con l’ambiente. La visione sistemica specie umana. In questa prospettiva sono nate le diverse è relazionale, ecologica, mai riduzionista, meccanicistica, deConvenzioni UNESCO per la protezione e la valorizzazione terministica o lineare. Permette quindi di costruire un’idea didella diversità culturale (2001) e delle sue espressioni (2007). namica, complessa e integratrice della biodiversità e dell’interdipendenza di tutte le forme viventi e avvia ad una visione In considerazione delle difficoltà di comprensione che che Morin (2004), definisce ecologica planetaria. Proprio la presenta, ci si chiede se valga la pena insegnare e introdurre diversità è una chiave di interpretazione e classificazione dei nella cultura comune il modello della biodiversità e con qua- sistemi viventi, dei quali viene riconosciuta come proprietà le approccio filosofico/epistemologico. La prima risposta si emergente (Campbell & Reece, 2004). Potenza e ricaduta trova nel valore che attribuiamo alla scienza. Nelle società culturale di un modello! I vecchi trattati di zoologia, botanica, industrializzate si riconosce che la cultura scientifica contri- micologia, ecc. vengono oggi generalmente presentati come: buisce a costruire competenze concettuali e pratiche e mo- Diversità animale… vegetale… micologica… dalità di pensiero critico; in particolare, la visione scientifica della biodiversità mette ordine nella diversità dei viventi; Dietro e oltre l’uso applicativo, il modello racchiude una riporta l’attenzione sulle diverse forme di vita in Terra e sui grande rivoluzione (sensu Khun, 2009) concettuale e filosoloro modelli di organizzazione, dagli organismi unicellula- fica, che fa capo all’opera di Charles Darwin e che sostiene ri fino anche al “superorganismo” Gaia (Lovelock, 1979) e a tutt’oggi il pensiero evolutivo. La diversità della vita è il
ET 3/5
15
¡Diversidad! ¿Algo más?
effettivamente interfecondi e che danno origine ad una prole illimitatamente feconda.
julio-diciembre 2015
Educación y Ecología 16
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
risultato dell’evoluzione biologica. Darwin ha “ri-ordinato” la diversità dei viventi in tassonomie basate sulle relazioni evolutive e filogenetiche, considerando relazioni di parentela, omologie ed analogie. Egli ha individuato la diversità biologica come base/substrato e risultato dei processi evolutivi, sotto forma di nuovi adattamenti e origine di nuove specie. La visione darwiniana ha conferito un grande valore alla diversità biologica nella genesi e nel mantenimento della vita sulla Terra. Il valore della diversità come risorsa evolutiva deriva proprio dalla sua potenzialità di produrre nuove specie e nuovi adattamenti. Concepiamo quindi oggi la biodiversità, nella quale è inclusa quella culturale (diversità bio-culturale), come ricchezza e come risorsa. Prima di Darwin, la Storia Naturale ha osservato la diversità dei viventi; ha attribuito o confermato loro un nome, rimanendo tuttavia una scienza fondamentalmente descrittiva (i suoi testi ed i suoi musei lo testimoniano), che ha ammesso un’origine divina delle diverse specie e in alcuni casi ha ritenuto la diversità un “dis-valore”. Il modello moderno della biodiversità è figlio ed erede del pensiero evoluzionista. La rivoluzione darwiniana ha spiegato l’origine delle specie -della diversità dei viventi- e la loro trasformazione, introducendo un approccio storico nella scienza dei viventi, ed ha eliminato la necessità di un intervento trascendentale per spiegare la vita sulla Terra. Darwin ha introdotto nel pensiero scientifico e filosofico anche il valore della diversità degli ambienti di cui i viventi sono parte costituente. La scienza oggi descrive gli ambienti proprio attraverso le caratteristiche di diversità dei parametri fisici, chimici e biologici nei modelli ecosistemici, ai quali si aggiungono gli elementi culturali nel paesaggio. L’ambiente prima e dopo Darwin. Le numerose tavole descrittive dei viventi, ispirate dalla Storia Naturale, illustrano gli esemplari con grande cura in un contesto ambientale che suggerisce più uno sfondo decorativo che una contestualizzazione ecologica Al contrario, nelle moderne rappresentazioni pittoriche o fotografiche, specie e ambiente sono integrati ed interrelati.
Elisabetta Falchetti
mi, la loro ricchezza e la stabilità. Ambienti ad elevata biodiversità sembrano rispondere meglio alle variazioni e sollecitazioni ambientali. La diversità costituisce quindi la ricchezza ecologica. L’evoluzione e la diversità hanno introdotto nuove idee sulla vita; sono diventate categorie di interpretazione non solo della biologia, ma di tutta la cultura moderna. In questo quadro culturale la specie umana è parte integrante e non privilegiata della rete della vita e della biodiversità terrestre. Il modello della biodiversità promuove quindi la consapevolezza della posizione umana tra gli altri viventi e dei legami che li interconnettono. L’apprezzamento della diversità umana e la visione positiva della diversità culturale nascono da queste visioni. Pertanto l’interiorizzazione del modello della biodiversità può contribuire all’apprezzamento dell’intera diversità biologica.
Biodiversità per una nuova cultura!
Edgar Morin, in tutti i suoi saggi, auspica un cambiamento culturale “paradigmatico” e nuovi orientamenti etici e filosofici per un futuro sostenibile. Lo auspicano anche scienziati come Fritjov Capra (2006) e ambientalisti come Edwards, (2005), Senge (2008), Stibbe ( 2009); educatori come Sterling (2003) richiedono un cambiamento nell’epistemologi, che significa trasformare il modo di far esperienza del mondo. In molti campi culturali ed educativi si dibatte sulle forme di pensiero, le competenze e le attitudini che possono generare nuove società sostenibili. Lo State of the World del 2010 (World Watch Institute, 2010) ha proposto, non a caso, il tema: Transforming cultures. Quello della biodiversità è un macroconcetto che può contribuire al cambiamento auspicato e a nuove modalità di pensiero; può aiutare a costruire una cultura della sostenibilità, una diversa relazione con l’ambiente sociale e naturale. Al pensiero ecologico (come lo ha espresso Bateson (1979) e complesso (come lo intende Edgar Morin, 2001 e altri saggi) viene attribuito un ruolo facilitante, per comprendere storia, evoluzione, problemi e prospettive dell’ambiente –incluse le nostre società– e per affrontare crisi, Oggi la diversità viene considerata il maggior fattore di cambiamenti, imprevisti, incertezze e scenari futuri. La natura stabilità e potenzialità di resilienza degli ambienti naturali. multidimensionale e complessa del modello della biodiversità Le comunità biotiche determinano la diversità degli ecosiste-
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Riflessioni per una nuova cultura della biodiversità
Sulla biodiversità gravano molti campi di interesse. Pertanto, quello della biodiversità è un tema multidisciplinare e trasversale di grande impatto teorico e pratico; ha dimensioni culturali scientifiche ed umanistiche (nelle forme espressive ed artistiche sia “colte”, che nelle culture popolari e tradizionali), ma anche gestionali ed economiche, politiche, sociali ed etiche; implica atteggiamenti e valori che si formano sotto l’influsso di una varietà di visioni e che derivano dal modo di fruirne secondo la cultura di appartenenza. Questa molteplicità di punti di vista e la multidimensionalità ne incrementano la valenza educativa.
Quella umana con gli altri viventi è una complessa relazione che si articola in una mappa bio-sistemica, policulturale e polifonica, che aiuta a ricomporre saperi; a superare la frammentazione delle idee, delle conoscenze e dei problemi; a integrare diversi linguaggi e forme espressive (formali, informali, artistici, popolari); a far vivere la dimensione estetica, sensoriale ed emotiva.
Biodiversità per una nuova relazione con l’ambiente
17
¡Diversidad! ¿Algo más?
ne costituisce una ulteriore valenza culturale-educativa, in quanto esprime una visione sistemica e relazionale della vita e dell’ambiente con i suoi problemi. La conoscenza dei diversi livelli di organizzazione e gerarchie della biodiversità e delle innumerevoli interazioni che intercorrono all’interno e tra livelli promuove modalità di pensiero relazionale ed ecologico. Perché questo avvenga, la conoscenza della biodiversità deve superare le definizioni e gli elenchi di specie e includere tutti i caratteri di diversità dei viventi, in tutte le loro manifestazioni, concepiti in una visione integrata, globale e interconnessa.
Il cambiamento culturale auspicato dovrebbe anche ri-stabilire una relazione con la biodiversità, che non sia solo quella d’uso/risorsa e costruire un atteggiamento di responsabilizzazione e cura verso la Terra nella sua totalità, un atteggiamento filosofico ed etico che riconosca diritto all’esistenza, agli spazi vitali ed al benessere a tutti gli organismi umani e non, come espresso nella Carta della Terra e nei Principi di democrazia di Vandhana Shiva (1. La Democrazia della Vita di tutte le Specie. Siamo tutti membri della comunità terrestre. Abbiamo tutti il dovere di difendere i diritti e il benessere di tutte le specie e di tutti i popoli. Gli esseri umani non hanno il diritto di abusare dello spazio ecologico di altre specie e di altri popoli, o di trattarli con crudeltà e violenza. 2. Il Valore Intrinseco di tutte le Specie. Tutte le specie, gli umani, le culture e il pianeta hanno un valore intrinseco. Sono soggetti, non oggetti da manipolare o di cui appropriarsi. Gli umani non hanno il diritto di appropriarsi di altre specie, di altri popoli o della conoscenza di altre culture mediante brevetti, diritti di proprietà intellettuale, o in ogni altro modo. 3. La Diversità in Natura e nella Cultura. Difendere la diversità biologica e culturale è compito di tutti noi. La diversità è di per se stessa un fine, un valore, una fonte di ricchezza sia materiale che culturale…).
La relazione umana con gli altri viventi è evolutivo-adattativa; ma la nostra “umanità”, cioè il nostro carattere biologico umano, include una relazione complessa con la biodiversità che è anche emotiva/empatica, affettiva. La biofilia (Wilson, 2002), cioè l’attitudine e la curiosità innata, l’affiliazione, la tendenza a concentrare l’attenzione sulle forme di vita e ciò che le ricorda, ne rappresenta un prova. Siamo anche biologicamente adattati a percepire la bellezza della biodiversità; questa è fonte di ispirazione, arricchimento cognitivo, emotivo e spirituale, in tutte le culture e in tutte le epoche. Fa parte dell’immaginario dei miti e dei sogni; alimenta metafore utili per spiegare fenomeni del mondo e atteggiamenti umani. Influenza pittura, poesia, musica, letteratura, teatro, tutte le arti Una simile cultura nasce dall’apprezzamento, dal rispetto, umane; anche nella vita quotidiana ha un effetto benefico sul fisico e la mente: ci circondiamo infatti di piante e animali veri dal senso di solidarietà, non solo dalle conoscenze. Il modeo finti nelle nostre case, sugli abiti, nei giardini… La imitia- llo scientifico della biodiversità e la scienza non escludono mo nella tecnologia: la Biomimicry è “the practice of develo- queste attitudini. L’apprezzamento della diversità è già stato ping sustainable technologies inspired by ideas from Nature”.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Educación y Ecología 18
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
espresso da Darwin; egli ha dimostrato che non c’è incompatibilità tra razionalità del genio scientifico ed emozioni/ apprezzamento. L’opera darwiniana contiene implicitamente un inno alla bellezza della natura, descritta ed osservata non solo con grande rigore scientifico, ma anche con umiltà, entusiasmo e grande ammirazione… atteggiamenti che mancano molto nei nostri tempi e che dovrebbero essere parte integrante del pensiero sostenibile. Nel “Viaggio di un naturalista intorno al mondo”, dalle descrizioni dell’Autore traspaiono meraviglia, stupore, ammirazione, commozione di fronte alle specie naturali e le loro diverse organizzazioni. La bellezza delle diversità biologica viene introdotta da Darwin anche nel pensiero scientifico: “Vi è qualcosa di grandioso in questa concezione della vita, con le sue molte capacità, che inizialmente fu data a poche forme o a una sola e che, mentre il pianeta seguita a girare secondo la legge immutabile della gravità, si è evoluta e si evolve… fino a creare infinite forme estremamente belle e meravigliose” (Darwin -1859- 1989, pag. 428). Anche molti scienziati dei nostri tempi hanno studiato la biodiversità con un’apertura emozionale dichiarata; ad esempio, Edward Wilson nel suo saggio sulla biodiversità o Niles Eldredge (1998, pag. 3): “La vita è bellissima… La terra è la nostra casa e tutte le specie che vivono sul pianeta costituiscono la nostra famiglia, perché con essi ci siamo evoluti… La vita è rigogliosa, multiforme, coloratissima, enormemente diversificata”). Jane Goodall ha descritto il comportamento degli scimpanzé, sottolineando che non sono nati per servirci; e l’etologo Marc Bekoff (2002, pag. 75) scrive “Non rifuggo dal condurre analisi statistiche dettagliate ma non spingo mai da parte gli animali che studio come fossero numeri, variabili senza nome di una equazione o punti di un grafico. È importante che la membrana protettiva della statistica… non ci schermi dai mondi degli altri animali, dalle loro gioie e dolori, dalla loro saggezza e unicità”. L’ecologo Ricklefs (1997) scrive che se la moralità deriva da una legge naturale, cioè intrinseca alla vita stessa, possiamo presumere che i diritti degli individui e delle specie diversi dall’uomo siano tanto legittimi, quanto quelli degli individui entro la società umana.
Elisabetta Falchetti
tizzano l’osservazione e la speculazione scientifica. Inoltre, tra le varie forme di intelligenza riconosciute nella specie umana (Gardner, 1997) vengono riconosciute l’intelligenza naturalistica, che ci predispone alla relazione con l’ambiente anche naturale, e quella emozionale. In particolare, quest’ultima è considerata come fondamentale non solo nell’attivazione di motivazioni, nel cambiamento di attitudini e valori, ma anche nel favorire la cognizione. Un approccio simile afferma implicitamente o esplicitamente il valore intrinseco, prima ancora che quello utilitaristico della biodiversità; stimola un atteggiamento empatico; afferma quanto gli umani condividano con gli altri viventi per l’origine comune ed il ciclo della vita; insegna a considerare la specie umana come una delle componenti della biodiversità terrestre, diversa anche perché particolarmente ricca di diversità culturale. Molte tradizioni e culture antiche sono state più rispettose, fraterne e consapevoli verso gli altri viventi. Di queste, dovremmo recuperare lo spirito per costruire condizioni di vita più equilibrate, eque e sostenibili per tutti i viventi.
La filosofia della conservazione
Conoscenze ed atteggiamenti sono implicati con i problemi della conservazione di tutti i livelli di biodiversità, in quanto tutti fortemente minacciati. L’impoverimento della diversità biologica è un dato di fatto innegabile e preoccupante; Agenda 21, i rapporti annuali sullo State of the World, le Red Lists mondiali (IUCN) e locali e tutti i documenti scientifici testimoniano una inarrestabile scomparsa di specie viventi. Il Rapporto annuale del World Watch Institute sullo stato del mondo (Annual Report “State of the World”) o altri documenti come People and Planet, della Royal Society Science Policy Centre (2012) lo confermano. Sulla diversità biologica si fondano le proprietà di stabilità e resilienza, e la possibilità degli ecosistemi terrestri di evolvere. La continuità della vita sulla Terra è affidata alle potenzialità evolutive offerte dalla diversità biologica e alle reti di relazioni che esistono tra viventi e ambiente inorganico. Negli ultimi trenta anni, quindi, si è tentato di costruire una “cultura della L’ammirazione e il rispetto non precludono, anzi forse acu- conservazione”. Dopo la Conferenza di Rio sono nate anche a
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Riflessioni per una nuova cultura della biodiversità
ha aumentato presso classi sociali culturalmente preparate la sensibilità ai problemi della conservazione, ma i risultati non sono quelli che ci si aspettava né a livello della formazione degli individui, né delle società e delle loro scelte. La stessa considerazione vale per l’apporto dell’educazione ambientale.
Un modello rappresenta solo una fonte di conoscenza/ interpretazione che se non confrontato con le culture quotidiane si sovrappone a queste senza fornire contributi formativi e riflessivi; inoltre, la conoscenza e la comprensione di un modello non sostituisce la mancanza di contatti reali che diano senso al termine e al modello della biodiversità, e che producano reazioni emozionali, non solo cognitive. Capire ed interpretare (ma anche apprezzare) la biodiversità richiede innanzitutto la capacità di percepirla e identificarla consapevolmente, attribuirle un immagine e un nome. Questo non accade più nelle società cittadine, deprivate del contatto con altri viventi non umani, e forse nemmeno in quelle rurali. C’è necessità di ristabilire l’esperienza, favorire ogni occasione di conoscenza diretta con gli altri viventi, che vada oltre l’uso quotidiano. Il contatto può essere stimolato attraverso una pluralità di strategie che includano i paradigmi della scienza, ma anche quelli dell’arte o delle tradizioni culturali popolari. Quale contatto? Qualsiasi forma di contatto, che tuttavia sia emotivamente denso (Mortari, 2001) che sappia manifestare il valore intrinseco di tutte le specie viventi; anche un contatto, un rapporto intimo e profondo, come quello suggerito dalla filosofia ecologica trascendentale di Thoreau, Emerson Tuttavia, si è constatato nelle società scolarizzate e con e Muir, da riscoprire e rivalutare per il suo grande valore esmedia diffusi, che l’insegnamento del modello, la sua co- perienziale ed educativo nel costruire una relazione con gli noscenza non garantisce la costruzioni di attitudini positive altri viventi. verso la biodiversità e la sua conservazione. Già nel 1948 Leopold, nel saggio “The Land Ethic”, scriveva che il senso La ricerca educativa ambientale moderna riconosce la nedi cura e rispetto per la Terra nasce non solo dalle convinzioni cessità dell’apprezzamento del mondo naturale per costruire intellettuali, ma anche dal cambiamento del modo di sentire; attitudini e comportamenti di conservazione; l’apprezzamensembra anche dimostrato che dallo sviluppo empatico nas- to può nascere in particolare, ripetendo il percorso di Darwin, cano cambiamenti di comportamento (Rifkin, 2009). Gran dalla sensibilizzazione alla bellezza, dal riconoscimento del parte della comunicazione sulla biodiversità è stata fatta uti- valore estetico della natura, dal coinvolgimento emotivo, dal lizzando il modello scientifico o presumendo che fosse co- senso di gratificazione e benessere che attiva. L’intelligenza nosciuto ed interiorizzato. L’obiettivo è stato essenzialmente estetica/artistica (Gardner, 1997) offre una dimensione spel’informazione o la formazione scientifica. Questo apporto ciale di conoscenza e il contesto intellettuale per praticare una scientista, sostenuto anche da molte correnti ambientaliste, un’educazione beauty-centric (Lubarsky, 2011), una “peda-
ET 3/5
19
¡Diversidad! ¿Algo más?
livello regionale Convenzioni e iniziative, ad esempio il Programma d’Azione per lo Sviluppo Durevole e Sostenibile dell’Unione Europea, che ha approvato nel 1998 la Strategia Comunitaria per la Diversità Biologica, che contemplava quattro aree tematiche di grande rilevanza: la conservazione della biodiversità, l’istruzione, la formazione e la sensibilizzazione delle persone. Di fronte a un problema di tale portata come quello dell’impoverimento della biodiversità e a tutte le iniziative per la conservazione, ci si chiede perché ancora falliscano molti progetti di conservazione e non ci si avvii a praticare politiche ambientali responsabili. Solo una grande consapevolezza e partecipazione dei cittadini può indurre i governi a cambiare le strategie consumistiche distruttive in atto e superare interessi economici eco-insostenibili. La disinformazione (o l’indifferenza) su un tale argomento può avere una ricaduta drammatica sulle scelte di indirizzo ambientale e sulla capacità di opporsi a quelle anti-ecologiche che molti governi continuano a praticare. Il presupposto è che i cittadini siano informati e preparati, sviluppino attitudini positive verso le altre specie di coinquilini sulla Terra e infine possiedano alcune competenze di gestione ambientale, almeno sui problemi del vivere quotidiano. Tutto ciò non è immaginabile e resta su un piano speculativo più ch applicativo e realistico, se permangono disparità ed ingiustizie nelle condizioni di vita e nelle economie di tante popolazioni del mondo, se non si superano fame, povertà, malattie, sfruttamento, analfabetismo, conflitti…
julio-diciembre 2015
Educación y Ecología 20
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
gogia della bellezza”, insegnando a vederla e rivalutarla in tutte le componenti e le organizzazioni del mondo naturale e a “dolersi” per la sua perdita. Anche il recupero della relazione/dimensione spirituale (che dire del messaggio di fratellanza e gratitudine di Francesco di Assisi?) può indirizzare a nuove relazioni che includono rispetto, solidarietà, consapevolezza della rete di relazioni e della condivisione di percorsi con gli altri viventi.
Elisabetta Falchetti
Si può immaginare un modello “sostenibile” di conservazione? Molti messaggi sulla conservazione diffusi dai media, ma anche in ambito scolastico, suonano come vuoti slogan o presentano solo aspetti parziali o visioni unilaterali del problema. Conservare la biodiversità è un problema complesso, che coinvolge aspetti ecologici, ma anche tutti quelli connessi con la relazione che individui e società hanno tra loro e con il resto del mondo naturale; molti sono gli “attori” nella/della conservazione. La vita di tutte le specie si svolge all’interno di fenomeni L’apprezzamento della biodiversità è il presupposto e la biologici più ampi e complessi; le reti di relazioni che la interesprospettiva nella quale va costruito quello per la diversità sano si intrecciano anche con i comportamenti e le scelte umane, culturale umana, per i diversi usi, le diverse espressioni e lin- individuali e sociali, locali e globali. La prospettiva di analisi del guaggi, che testimoniano l’apertura a diverse concezioni del problema dovrebbe essere allineata a quello che Morin (2004) mondo e dell’ambiente. Generalmente, queste concezioni definisce “eco-socio-sistema. Anche la scienza si sta orientando rappresentano una ricerca di esempi di economie sostenibili verso una prospettiva di conservazione della biodiversità basata e di relazioni più “intime” con e rispettose degli elementi su una visione transdisciplinare e trasversale; vengono riconosnaturali. ciuti parimente importanti i fattori bio-ecologici e tutti quelli socioculturali, politici ed economici. Si vogliono conservare diLa cultura della conservazione è stata (ed è ancora) molto versità genetica e specie, ma soprattutto sistemi ambientali, cioè allineata alla prima filosofia ambientalista “scientista”, che comunità biotiche, ecosistemi e paesaggi (i livelli più elevati di Arne Naess (1973, 1994) ha definito la shallow ecology; biodiversità) dei quali le società umane sono parte integrante questa persegue la responsabilizzazione ambientale basan- con le loro storie e culture. dosi sulla informazione/formazione scientifico-ecologica, su considerazioni utilitaristiche per la specie umana e cerLa prospettiva della conservazione della biodiversità non può ca soluzioni attraverso interventi tecnici. Non si possono essere separata da un progetto ampio di responsabilizzazione e ignorare gli apporti che possono dare diversi e più “com- salute delle società e di cambiamento dei rapporti tra umani e plessi” approcci: la social ecology (Bookchin, 2005), che altri viventi. I problemi vanno affrontati come elementi di ricontempla nelle responsabilità della crisi ambientale il mer- flessione ecologica (la stabilità degli ecosistemi), di mancanza cato, le questioni sociali e gli stili di vita umani e introduce di risorse (il servizio degli ecosistemi), ma anche di etica (il dinell’educazione direzioni etiche, sociali e politiche; la deep ritto alla vita e al benessere di tutti i viventi) e di sostenibilità ecology, che sceglie nuove direzioni epistemologiche nel (cambiamento di stili di vita, nuove relazioni sociali, responsamodo di pensare e di agire, valorizzando le interrelazioni bilizzazione, partecipazione, qualità della vita, ecc. delle comue la reciprocità uomo-ambiente, abolendone il dualismo nità umane). La crisi ambientale e della biodiversità riflette (o è e ricercando l’armonia della e nella natura. In particolare parte) di una crisi più generale non solo economica, ma anche la social e la deep ecology hanno le potenzialità di attiva- degli individui, delle società, della cultura, dei principi etici e re la consapevolezza dell’insufficienza della conoscenza filosofici, persino scientifici (Morin, 2005). La crisi è universale nel generare attitudini e valori o nell’indurre cambiamenti (l’urlo di Munch ne è l’espressione?) e contempla disperaziocomportamentali, e della necessità di interventi educati- ne, angoscia, perdita di fiducia, dolore, isolamento, mancanza vi trasversali e di livello più profondo della conoscenza o di solidarietà, di altruismo, di legami sociali; diminuzione di della formazione sui “servizi ecologici” degli ecosistemi. responsabilità; ipervalutazione del denaro; demoralizzazione;
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Riflessioni per una nuova cultura della biodiversità
Note finali
21
¡Diversidad! ¿Algo más?
frammentazione delle connessioni individuo, specie, società. Gli elementi delle crisi sono tra loro connessi e interdipendenti e vanno affrontati con interventi che li gestiscano totalmente e nella loro complessità; ciò richiede un disegno strategico nuovo, un radicale cambiamento culturale e un nuovo progetto esistenziale della specie umana, che non coincide certo con quello dello sviluppo sostenibile, irrealizzabile sul piano pratico, ingiusto, ipocrita e riduttivo sul piano culturale, etico ed educativo. Un nuovo progetto esistenziale sembra l’unica direzione possibile direzione e che auspichiamo. Nel 1992, in un interessante documento del WWF, IUCN, UNEP (Caring for the Earth) c’erano già alcuni suggerimenti sulla direzione verso un mondo migliore … “Il vivere sostenibile. Per vivere in modo sostenibile il primo dovere è ricercare l’armonia con gli altri popoli e con la natura. Principio guida è che i popoli debbono condividere la responsabilità di aver cura della Terra”.
Nota 1) Nulla di tutto ciò compare nella Strategia europea per la conservazione della biodiversità (The EU Biodiversity Strategy 2020), basata integralmente sui servizi ecosistemici. Nota 2) Da alcuni anni a questa parte sto rivolgendo l’attenzione professionale alla diversità culturale; studio e sperimento se e come il dialogo interculturale tanto auspicato possa divenire una realtà. Ho realizzato molti progetti con l’intento di avvicinare culture, favorire “l’incontro” con la diversità di altre genti, altre culture, altri valori, obiettivi, desideri… I risultati più gratificanti li ho ottenuti incontrando cittadini svantaggiati per età, stato fisico o sociale, immigrati, rifugiati politici … ( Falchetti, 2014; Da Milano & Falchetti, 2014). L’incontro con la loro biodiversità è stato molto formativo e mi ha aperto orizzonti insospettati umanamente e professionalmente. In questi percorsi, la biodiversità “non umana” è stata determinante. Ha costituito la base, la risorsa facilitante e il substrato sul quale abbiamo potuto costruire il dialogo. In particolare gli animali ci hanno offerto motivi ed elementi per trovare punti di contatto ed intesa tra culture diverse, in quanto non esistono culture che non abbiano costruito relazioni culturali ed emozionali con la biodiversità. Sugli animali abbiamo costruito e confrontato le diverse narrazioni e le diverse visioni del mondo. Nota 3) Pensare alla biodiversità… come? Mi viene in mente un frammento del testo “L’albero della conoscenza” di Huberto Maturana e Francisco Varela (1987), che riconoscono la diversità e vedono come “incontro di mondi” la relazione tra persone; questa è tanto più possibile se alimentata dalla “biologia dell’amore”, cioè la disposizione e l’apertura verso l’altro” e la sua diversità.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Educación y Ecología 22
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
Elisabetta Falchetti
Bibliografía ATRAN S, MEDIN, D. and ROSS, N. (2004). Evolution and devolution of Knowledge: A tale of two biologies. In: Journal of the Royal Anthropological Institute (NS) 10: 395-420. BASKIN, Y. (2005). Il pasto gratis. Instar libri, Torino. BATESON, G. (1979). Mind and Nature. E.D. Dutton, New York. BEKOFF, M. (2003). Dalla Parte degli animali. Franco Muzzio Ed., Roma. BOOKCHIN, M. (2005). Social Ecology. The Ecology of Freedom. Stirling AK Press. CAMPBELL, N. and REECE, J. B. (2004). Biologia. Zanichelli Ed., Milano. CAPRA, F. (2006). Alfabetizzazione ecologica. In: ECO’ l’Educazione sostenibile (1): 20-25. DA MILANO, C. and FALCHETTI, E. (2014). Musei per le Storie. Storie per i Musei. Storytelling digitale e musei scientifici inclusivi. Un progetto europeo. Vetrani Ed., Nepi (VT). DARWIN, C. (1859) (1989). L’origine delle specie per selezione naturale. Newton Compton Ed., Roma. EDWARDS, A.R. (2005). The Sustainability Revolution. New Society Publisher. ELLEN, R. (1998). Indigenous Knowledge of the rainforest: perception, extraction and conservation. In Maloney RK Human activities and the tropical rainforest: past, present, and possible future. Kluwer Academic Publishers, pp.87-89. ELDREDGE, N. (2000). La vita in bilico. Einaudi Ed., Torino FALCHETTI, E. (2014). Dal pensiero narrativo allo storytelling digitale in museo. In: Da Milano, C. and Falchetti, E. (eds) Musei per le Storie. Storie per i Musei. Storytelling digitale e musei scientifici inclusivi. Un progetto europeo. Vetrani Ed., Nepi (Vt), pp. 35-49. FALCHETTI, E. (2014). Il Museo come spazio di dialogo e inclusione culturale. In: Da Milano, C. and Falchetti, E. (eds) Musei per le Storie. Storie per i Musei. Storytelling digitale e musei scientifici inclusivi. Un progetto europeo. Vetrani Ed., Nepi (Vt), pp. 59-75. GARDNER, H. (1997). Formae Mentis. Feltrinelli Ed., Milano. KHUN, T. S. (2009). La struttura delle rivoluzioni scientifiche. Piccola Biblioteca Einaudi. LOVELOCK, J. (1979). Gaia. A new look of evolution. Basic Books, New York.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Riflessioni per una nuova cultura della biodiversità
LUBARSKY, S.B. (2011) Toward a Beauty-centric Education. In: www. Ecoliteracy.org/search?search=towards+a+beauty-centric+sducation (accessed 30 October 2015). MATURANA, H. and VARELA, F. (1979). L’albero della conoscenza. Garzanti Ed. Milano. MORIN, E. (2001). I sette saperi necessari all’educazione del futuro. Raffaello Cortina Ed., Milano.
¡Diversidad! ¿Algo más?
23
MORIN, E. (2004). La vita della vita. Raffaello Cortina Ed., Milano. MORIN, E. (2005). Il Metodo, L’Etica. Raffello Cortina Ed., Milano. MORTARI, L. (2001). Per una pedagogia ecologica. La nuova Italia Ed., Milano. NAESS, A. (1973). The shallow and the deep, long range ecology movement. In: Inquiry. An Interdisciplinary Journal of Philosophy. 16(1-4): 95-100. NAESS, A. (1994). Ecosofia. Red, Como. RICKLEFS, R.E. (1997). L’economia della Natura. Zanichelli Ed., Bologna RIFKIN, J. (2009). The empathic Civilization. Penguin Group (USA) Inc. United Nations. SENGE, P. (2008). The necessary revolution. Doubleday Publishing. STERLING, S. (2003). Whole Systems Thinking as a Basis for Paradigm Change in Education: Exploration in the context of sustainability. PhD Thesis, University of Bath,UK. STERLING, S. (2006). Educazione sostenibile. Anima mundi Ed., Cesena. STIBBE, A. (2009). (ed.) The handbook of sustainability Literacy. Skills for Changing world. Dartington: Green Books. TIBALDI, E.; NISSIM, L. and MODENESI, M. (2004). Il posto delle locuste nei saperi locali di Tanlili, un villaggio africano. In: Falchetti E ad Caravita S (eds) A scuola di animali. Roma: Franco Muzzio Ed., pp. 23-33. WILSON, E.O. (1984). Biophilia. Cambridge, MA, Harvard University Press. WORLDWATCH INSTITUTE (2010). Transforming cultures. State of the World.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Educación y Ecología 24
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
Claudia Medeiros
A inclusão das crianças num sistema de códigos de poder: A espera na educaçao infantil Claudia Medeiros* Resumo: Tomando como base a perspectiva de infância enquanto Abstract: Based on the childhood perspective as a social category categoria social e as provocações de Félix Guattari frente aos me- and the provocations of Félix Guattari of the social mechanisms of canismos sociais de coerção em creches e pré-escolas, este artigo coercion in day care centers and preschools, this article discusses discute a prática da espera na Educação Infantil. Tal aspecto surgiu the practice of waiting in kindergarden. Such aspect came into a em meio a uma pesquisa que tinha como objetivo identificar dife- survey which aimed to identify different conceptions of childhood rentes concepções e práticas de infância dos adultos para com as and adult practices to children of early childhood education in crianças da Educação Infantil numa instituição situada na Região an institution situated in the North of Brazil. During the research, Norte do Brasil. Durante a pesquisa, práticas educativas emergi- educational practices emerged and pointed to the need for disram e apontaram para a necessidade de discussões sobre aspectos cussions on aspects that can contribute to the work directed to que possam contribuir para a reflexão do trabalho com a infância children in school, in order that it breaks with the prospect of early na escola, a fim de que se rompa com a perspectiva da precoce inclusion in a power coding system. inclusão das crianças num sistema de códigos de poder. Palavras-Chave: Educação Infantil. Espera. Códigos de poder. Infância como categoria social. Pesquisa com crianças.
Keywords: Childhood Education, Waiting, Coding system, Childhood perspective as a social category, Childhood reserch.
Q
uem já entrou numa escola de Educação Infantil (quando era pequeno ou mesmo agora) deve se lembrar de ter visto as crianças enfileiradas, seja caminhando, seja no refeitório, seja na porta do banheiro, seja no corredor, seja na roda, seja em tantos outros momentos. Contudo, todas essas imagens nos parecem normais. Mas... Por que, geralmente, não temos a sensação de estranhamento diante de crianças pequenas em situação de espera? Essa pergunta surgiu em meio a uma pesquisa que pretendia identificar práticas e concepções de infância de diferentes profissionais de uma instituição na região norte do Brasil, na qual se desenvolvem propostas nas áreas de Educação, Saúde, Lazer e Cultura para as crianças matriculadas na sua escola de Educação Infantil. Participaram da pesquisa os adultos destas áreas e também crianças de uma turma de cinco anos de idade, que falaram sobre como percebiam esses adultos. Apesar de nesta escola ocorrer uma situação muito positiva com relação ao tratamento dado às crianças, durante as observações dos momentos em que ocorriam interações entre adultos e crianças e entre crianças e crianças, a espera parecia ser um eixo transversal da movimentação na escola, surgindo durante todos os dias. Nesse sentido, como tentar compreender tal contradição? É o que pretendemos discutir neste texto.
*Mestre em Educação Brasileira (2009) e Especialista em Educação Infantil (1996) pela PUC-Rio; Graduada em Pedagogia pelo Instituto Isabel – CCHS (1993). Sempre trabalhou como professora e coordenadora de Educação Infantil; desde 1997 é Assessora Técnica na área de Educação Infantil do SESC, Administração Nacional, trabalhando junto às escolas desta instituição, em todo Brasil.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
A espera na educação infantil
Pensar as crianças como pessoas que fazem parte do mundo e se esforçam muito para compreender esse mesmo mundo, exige-nos um empenho de nos colocar em seu lugar enquanto sujeitos ou, minimamente, nos aproximar.
aquelas que comumente são relacionadas às crianças em oposição ao tipo “negativo” das características dos adultos (maldade, imperfeição, fraqueza, teimosia, dependência, instabilidade, agressividade, desordem, por exemplo). Entretanto, o fato de vê-la “positivamente”, (inocente, pura, ingênua, exigente, digna de ser amada e respeitada) a aproxima de um olhar baseado na ideia de “natureza infantil”, cujas contradições lhes são “típicas” (criança filhote do homem, animalzinho rebelde, quase um selvagem).
Ao introduzir suas preocupações a respeito dos novos desafios postos pela condição “infância e contemporaneidade”, Pereira e Jobim e Souza (1998) afirmam que “uma das consequências mais radicais do sentimento moderno de infância foi, portanto, o Essa ideia de natureza, que parece dar uma explicação afastamento do adulto da criança” (Pereira e Jobim e satisfatória de como as crianças simplesmente seriam, se Souza, 1998: 37). Esse afastamento fez com que surgissem contrapõe, por sua vez, a outro aspecto sobre o qual uma dois mundos distintos: o das crianças e o dos adultos. visão de infância fica bem mais densa e complicada: a criança como ser social. De acordo com a maneira pela qual a infância é hoje reconhecida pela Sociologia da Infância, Sarmento A infância, ao ser relacionada a outras categorias (2008) ressalta que, para concebê-la como categoria, geracionais, contrapondo-se a estas, pode ser vista de teríamos que perceber que esta se forma não pelas duas formas: enquanto uma condição social homogênea, crianças em si, mas sim em meio à posição em que é singularizando seu lugar frente às estruturas sociais, ou colocada numa determinada sociedade. Esta posição heterogênea, quando se cruza com aquelas, deixando depende, primeiramente, da condição de diferença etária, emergir desse cruzamento singularidades e diferenças da relação de dependência entre a infância e a “categoria entre as categorias sociais (Sarmento, 2008). As crianças geracional constituída pelos adultos” (Sarmento, 2008: enfrentam seus cotidianos por meios os quais lhes são 22). É inegável a dependência que as crianças possuem apresentados pelas sociedades ou grupos em que vivem, não dos adultos para sobreviver, sobretudo em seus primeiros sendo as mesmas em qualquer lugar. Crianças de sociedades anos de vida; contudo, “o poder de controle dos adultos diferentes enfrentando diferentes cotidianos; entretanto, sobre as crianças está reconhecido e legitimado, não cada sociedade espera determinadas competências suas, sendo verdadeiro o inverso, o que coloca a infância – visto que existem modificações que lhes circundam, independentemente do contexto social ou da conjuntura as quais tecem o caráter heterogêneo desta categoria. histórica – numa posição subalterna” (Sarmento, 2008: Ao compreendermos que infância não significa um 22). Seria dizer que, nos dias de hoje, se há infância, é simples conjunto de crianças, mas uma categoria social, porque há adultos. E vice-versa? não podemos esquecer de que não se trata simplesmente Também, na análise de Charlot (1979), a imagem daquilo que as instituições inventam para ela, mas sim, da criança surge contraditória aos olhos do mundo de que há algo naquilo que a criança faz de si e naquilo adulto: “a criança é inocente e má; a criança é imperfeita que se faz dela (Sirota, 2001), como ser “criança” ou e perfeita; a criança é dependente e independente; a ser “aluno”. Esta autora destaca que a concepção de criança é herdeira e inovadora” (Charlot, 1979: 101). aluno (traduzida em “ofício de aluno”) nasce da noção Podem-se perceber, nestes julgamentos, características de “ofício de criança”, desenvolvido por Kergomard tanto positivas quanto negativas dos seres humanos, (apud Sirota, 2001). Esta noção definiu-se por uma escola dentre as quais identificamos, nas de tipo “positivo”, maternal voltada para a natureza infantil cujos objetivos
ET 3/5
25
¡Diversidad! ¿Algo más?
De qual infância estamos falando?
julio-diciembre 2015
Educación y Ecología 26
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
Claudia Medeiros
eram a operação livre dos “processos de maturação brigam, brincam, perguntam, pedem, insistem, ao estarem e desenvolvimento” (Kergomard, apud Sirota, 2001: em situação de espera, parecem compreender que não há 14). Esta concepção é ainda muito forte nas escolas de nada a fazer em momentos como esse, a não ser esperar. Educação Infantil, podendo ser melhor observadas em práticas pedagógicas de cunho lúdico, tal como ocorre na escola que se coloca em questão neste texto. Em estudos Corredor (Turma da manhã): Espera sobre os jogos, Bondioli (2007), ao discutir criticamente as relações entre adultos e crianças, destaca o lugar da Na sala a professora entrega as toalhinhas de mão após escola como se fosse o lugar do trabalho da criança, pois anunciar o lanche. A mesma pinga sabonete líquido nas “ali aprende (...) também a organizar seu tempo e sua mãos das crianças, ainda na sala, que correm para o vida segundo uma ordem que (...) prefigura aquela à qual banheiro. Quem termina fica encostado na parede do lado deverá submeter-se quando assumir as responsabilidades de fora deste. Assim que todos chegam, seguem para o de adulto” (Bondioli, 2007: 47). Jogo perigoso, esse. refeitório conversando, sem estarem em fila. As crianças que terminam de lanchar esperam pelo menos uma das professoras acabarem de comer para saírem do espaço. Enquanto isso, brincam sentando-se em um dos bancos da De dentro da escola mesa que já está livre, disputando quem conseguia estender As crianças já sabem bem o que fazer ao chegarem à suas pernas até o banco da outra mesa em frente. Quando sala de aula: tiram suas agendas, copos, toalhinhas liberadas, sentam-se no chão do corredor ao lado da porta e penduram as mochilas. O dia começa na roda com da sala esperando as que ainda não acabaram de comer para conversas informais ou atividades diversificadas, que todas recebam suas escovas de dente, as quais serão esperando que todos os colegas cheguem. Primeira espera. entregues por uma criança. Alguns meninos começam a se Crianças em fila na porta do refeitório esperando para agarrar pelo pescoço, fingindo lutar, meninas se aproximam comer, crianças sentadas na porta da sala esperando as pedindo para escreverem no meu caderno, outras me fazem escovas de dente serem distribuídas, crianças esperando carinho, e há aquelas que rodopiam de mãos dadas ou a pasta de dentes ser passada nas escovas, crianças conversam. Estão todas esperando pela professora que irá sentadas no chão na porta dos banheiros esperando colocar a pasta de dentes (Diário de campo, 7.mai.2008).
para lavarem as mãos/escovarem os dentes, crianças Entretanto, se por um lado esperam, seja lá o que tiver que sentadas no corredor da escola esperando o Recreador ser esperado, por outro, enquanto o fazem, movimentam-se chegar, crianças esperando o Dentista falar com sua revelando que alguma coisa está fora da ordem. Meninos ou mãe como se ela não estivesse ali, crianças esperando brincam de luta, ou se agarram, ou se empurram, ou brigam, todo mundo acabar a atividade, crianças esperando mesmo. As meninas se distraem com os objetos que estejam a hora de ir para a natação, crianças esperando sua em suas mãos ou enfeitando o próprio corpo, ou brigam, ou se vez de nadar, crianças esperando a hora do parque... empurram também. Richter e Vaz (2007) ao considerarem que Esperando o que, mesmo? O tempo de espera em “práticas corporais contribuem fortemente na (con)formação cada um desses momentos varia, mas nunca menos de comportamentos e subjetividades”, traçaram, por meio do que 10 minutos, podendo chegar até 30 minutos. de uma pesquisa numa creche da região sul do Brasil, um A espera nessa escola convive com outras práticas “inventário dos momentos e espaços da educação do corpo” pedagógicas, aquelas dos trabalhos em grupo, do brincar, (Richter e Vaz, 2007: 1), com destaque para os momentos de do escolher. Crianças que a todo momento discutem, alimentação das crianças. Embora na escola pesquisada não
ET 3/5
julio-diciembre 2015
A espera na educação infantil
A espera como código de poder Ao tentar compreender o significado da espera imposta às crianças numa escola que é pensada para elas, que se preocupa com elas, que as reconhece como sujeitos da cultura, há o deparar-se com o controle sobre seus corpos, sempre tão cheios de movimento, ou seja, com uma grande contradição.
Em contrapartida, para os adultos, geralmente quando as crianças faziam o que eles queriam, tudo lhes parecia correr bem e, do contrário, demonstravam-se um pouco irritados, às vezes valendo-se de certo tom de ameaça, aquele comumente escutado nas escolas, sem, contudo, serem agressivos (“Depois eu vou perguntar do filme e ninguém vai saber responder, hein?” – fala do Técnico de Cultura). Para as crianças, o tom de ameaça não parecia interferir muito, talvez porque as ameaças não se concretizassem (aliás, nenhuma das ameaças foi vista sendo colocada em prática), pois continuavam esperando os materiais para trabalhar, mantendo-se conversando bastante relaxadas, enfim, para elas ou “tudo é legal”, ou “está tudo bem”, ou “gostam de tudo”; do contrário, só não gostam que os adultos briguem com elas. Esse foi o único “senão” aos olhos das crianças: “Eu não gosto que ele(a) brigue”. Em que medida a briga do adulto aparenta, para as crianças, que elas estão fora daquela ordem sob a qual todos deveriam estar? Uma leitura de desordem, também por parte das crianças, seres do desvio? Talvez, sim. De resto, gostam de estar na escola e nos demais espaços da instituição, dando a impressão de que elas parecem ser as donas de todo o espaço, tal como percebiam muitos dos adultos. Crianças donas do espaço. Será? E do tempo?
27
¡Diversidad! ¿Algo más?
existissem situações de constrangimento do corpo das não gostavam nos adultos da instituição, não apareceram crianças nos momentos da refeição, ao pensar junto com queixas a respeito dos momentos de espera; até mesmo estas autoras sobre o que a ação do corpo das crianças pode quando reproduziam seus diálogos com os adultos, tal revelar, encontramos, por meio de situações de espera, como fez uma menina contando sobre como o Técnico rastros de “um processo de determinação do autocontrole, de Cultura fala com as crianças (“Olha, vocês têm que de dominação do corpo” (Richter e Vaz, 2007: 10). ficar quietinhos... Aí eu falo e todo mundo tem que ficar calado!”), seus comentários são do tipo “Ele(a) é legal”, “Gosto de tudo”.
A posição de Guattari (1985) contribui com algumas reflexões. Em sua crítica aos mecanismos utilizados pela sociedade capitalista moderna e suas influências no comportamento reprimido e repressor dos sujeitos, pergunta “como evitar que as crianças se prendam às semióticas dominantes ao ponto de perder muito cedo toda e qualquer verdadeira liberdade de expressão?” (Guattari, 1985: 50). Em sua análise, em sociedades como a nossa, as crianças, desde muito cedo, são colocadas em situações nas quais já se esperam delas comportamentos como obediência e ordenação. Escola, espaço onde deveríamos, por princípio, ampliar as experiências das crianças em direção a busca do novo, de desafios bacanas para elas ou de acordo com sua forma de ser e pensar, ao contrário, parece se constituir como oportunidade de iniciação das crianças “ao sistema de representação e aos valores do capitalismo” (Guattari, 1985: 51). Também este autor nos questiona sobre que ritos de iniciação Sala de aula (Turma da tarde): restaram à sociedade moderna no sentido de incluir as crianças como sujeitos que tomem e façam parte da vida Antes da natação social, já que parece sequer reconhecer a movimentação e a cultura de pares das crianças como algo legítimo em Na sala a turma se prepara para a natação; todos tiram os uniformes guardando-os nas mochilas (as crianças já termos de modo de ser, logo modos de cultura? estão com a roupa de banho por baixo). São 14h (a aula Na pesquisa, ao perguntar às crianças sobre o que será às 14h45min). Depois de prontos, a professora chama
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Educación y Ecología 28
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
todos para a roda. Começa a conversar sobre a leitura que fizeram lá fora sobre araras. Um menino começa a cantar “Tropa de Elite” e a turma toda o acompanha. A professora sugere que cantem outras músicas: “– A da casinha!”, ela diz. “– Agora a do João!”, continua. As crianças vão parando de cantar; a professora diz que só ela está cantando, mas as crianças não se manifestam. Ela então fala em tom sugestivo: “– Vamos combinar umas coisas antes da natação. Como é que a gente vai para a natação?”, “– Andando!”, uma criança responde em tom automático. Algumas crianças já estão fora da roda conversando ou em pé (já são 14h25min). “– Então vamos beber água e fazer xixi para irmos para a natação”. As crianças vão, quem retorna se senta ou fica conversando apoiado nas mesas, esperando os colegas voltarem. Seguem então para a piscina, a professora comandando um ritmo de passos bem devagar. Chegamos lá às 14h40min (Diário de campo, 12.mai.2008).
Claudia Medeiros
tonelada. Não estamos mais na época em que tínhamos de ficar aguardando de cabeça abaixada sobre os braços cruzados na mesa. Mas muitas escolas acabam empregando outros métodos para que aprendizagens como esta se consolidem, só que cada vez menos coercitivos, com “todo carinho” (Guattari, 1985). Afeto para conter, logo, a chance de tocar fundo pode ser maior. Mas afeto não é só amor, afeto é como chegamos ao outro, mas só que não pensamos o quanto isso possa constituir-se em mão dupla. Coerção para todos. A mesma força que tenta conter as crianças talvez, e até mais, não deixa escapar a professora. Também ela já foi criança e vive num mundo de contenções humanas. Entretanto, ela “decide assumir as roupas e os papéis que o sistema lhe apresenta” (Guattari, 1985: 55), mesmo tendo crescido, sendo adulta, e muitas vezes uma crítica de qualquer tipo de opressão.
Dessa espera que é obedecida e aceita, mas ao mesmo Para tentar compreender, uma tempo transgredida pelas crianças (lembremos de que sugestão nenhuma delas disse “eu não gosto de esperar...”), aparece a mobilização para que se adaptem à decifração A Educação Infantil é um lugar que deve ter definido em seus dos códigos de poder da sociedade, ainda que nem mesmo documentos norteadores, o(s) tipo(s) de experiência que seus professores pareçam se dar conta disso. Certamente, deseja colocar as crianças e seus adultos (equipe pedagógica, tais profissionais possuem clareza de que castigos e auxiliares de serviços gerais, famílias etc.). Temos discursos punições não devem ser utilizados na escola. Contudo, muito progressistas, reconhecendo a necessidade de estarmos agem corroborando uma ideia de contenção e controle vivenciando situações de cooperação, solidariedade, respeito, das crianças para que tudo dê certo. Mas, dê certo para acesso à informação, à Arte etc. Então, por que as crianças quem? As crianças só não gostam que briguem com elas, ficam esperando? Ou por que os adultos colocam as crianças mas não conseguem perceber que, mesmo com todo o em espera? respeito nas falas da professora, elas estavam submetidas Guattari (1985) sugere perguntar diretamente aos adultos a um controle. Quer dizer, parecia que não percebiam, já que lidam com a infância, em que suas atitudes favorecem a que agiam sem tensão. Mas não podemos esquecer de iniciação das crianças nos valores do sistema, denotando a que elas abandonavam as propostas da professora... emergência de um “trabalho micropolítico”, que implicaria Durante a espera no evento citado SALA DE AULA “de imediato um trabalho dos adultos sobre si mesmos, entre (Turma da tarde): ANTES DA NATAÇÃO, foram si mesmos, um trabalho de análise do coletivo (...) incidindo oferecidas às crianças atividades que pareciam disfarçá- igualmente sobre as famílias, sobre o meio etc.” (Guattari, la. A professora achava que continha a turma por meio 1985: 53 - 54). Contudo, não se trata de criar simplificações de brincadeiras e outras atividades enquanto controlava ou uma escola na qual não se precise “esperar”, nem o tempo que pesava, para ela, provavelmente, uma tampouco “proteger artificialmente a criança do mundo
ET 3/5
julio-diciembre 2015
exterior (...), um abrigo da realidade social” (Guattari, 1985: 54). Ao contrário, “criar condições que permitam aos
29
a não cristalização de atitudes, abrindo espaço para experiências na escola que possam ir dando lugar às próprias
¡Diversidad! ¿Algo más?
A espera na educação infantil
indivíduos adquirir meios de expressão relativamente autônomos” (Guattari, 1985: 55), seria uma maneira de garantir capacidades de expressão de todos: crianças e adultos.
Seriam então a inquietação e o desconforto das crianças, nos momentos de espera, as primeiras pistas para se
encontrar um caminho? Pode ser, pois “dizer que a criança é desprovida de tudo é também pensar que ela não possui
os meios de que dispõe o adulto para viver em sociedade” (Charlot, 1979: 105).
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Educación y Ecología 30
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
Claudia Medeiros
Bibliografía
BONDIOLI, A. (2007). A criança, o adulto e o jogo. In: Souza G. de (Org.). A criança em perspectiva: olhares do mundo sobre o tempo infância. São Paulo: Cortez: 38-52. CHARLOT, B. (1979). A Mistificação Pedagógica. Rio de Janeiro: Zahar Editora. GUATTARI, F. (1985). Revolução Molecular: pulsações políticas do desejo. São Paulo: Brasiliense. JAVEAU, C. (2005). Criança, infância(s), crianças: que objetivo dar a uma ciência social da infância?. Educação e Sociedade, Campinas, Brasil, Vol 26 (91): 379-389. MEDEIROS, C. S. de (2009). Profissionais de Educação, Saúde, Lazer e Cultura que trabalham com a Educação Infantil: Práticas e Concepções de Infância. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. MONTANDON, C. (2001) Sociologia da infância: balanço dos trabalhos em língua inglesa. In: Cadernos de Pesquisa, Rio de Janeiro: n.º 112: 33-60. PEREIRA, R. R.; JOBIM E SOUZA, S. (1998). Infância, conhecimento e contemporaneidade. In Kramer, S.; Leite, M. I. F. P. Infância e Produção Cultural. (Org.). Campinas, SP: Papirus: 25-42. RICHTER, A. C.; VAZ, A. F. (2007). Educação do corpo infantil como politização às avessas: um estudo sobre os momentos de alimentação em uma creche. 30ª Reunião Anual da ANPED – CD-Rom da ANPED. SARMENTO, M.; GOUVEA, M. C. S. de (Orgs.). (2008). Estudos da Infância: educação e práticas sociais. Petrópolis, RJ: Vozes (Ciências Sociais da Educação). SIROTA, R. (2001). Emergência de uma Sociologia da Infância: evolução do objeto e do olhar. Cadernos de Pesquisa, Rio de Janeiro, n.º 112: 7-31.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Asociaci贸n Fazendo Arte, Divin贸polis, Brasil.
Educación y Ecología 32
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
Eduardo Silveira
Encontros com Riobaldo e as biodiversidades textuais no ensino de biologia Eduardo Silveira*
Resumo: O presente artigo constrói-se a partir de um diálogo Abstract: This essay is written from a dialog between me, as meu enquanto professor de biologia do ensino médio em cursos high school biology teacher at the Federal Institute of Education, técnicos integrados do Instituto Federal de Educação, Ciência e Science and Technology of Santa Catarina (IFSC) and Riobaldo, Tecnologia de Santa Catarina (IFSC) e Riobaldo, protagonista do protagonist of the João Guimarães Rosa’s book “The Devil to Pay livro “Grande Sertão: Veredas” de João Guimarães Rosa. Nessa in the Backlands”. In that dialog, Riobaldo describes me about the conversa, Riobaldo me descreve as bio(diversidades) do Grande bio (diversity) of the “Grande Sertão”, and I present him the rich Sertão, e eu apresento-lhe as ricas biodiversidades ficcionais, fictional biodiversity, invented and written by students in biology inventadas e escrituradas pelos estudantes nas aulas de biologia classes from the theme “diversity of invertebrates”. In this meea partir da temática “a diversidade de invertebrados”. Nesse ting, and with the support from notions of cultural studies, I try encontro, e com o suporte de noções provenientes dos estudos to reflect the possibilities of teaching biology overcome rigidities culturais, busco refletir as possibilidades de o ensino de biologia and open up to the genesis of new looks and landscapes, more superar certa rigidez e abrir-se para a gênese de novos olhares e quotidian and multiples. novas paisagens mais cotidianas e múltiplas. Palavras-chave: João Guimarães Rosa, práticas pedagógicas, biodiversidade, escrita literária, paisagem.
Keywords: João Guimarães Rosa, pedagogical practices, biodiversity, literary writing, landscape.
O
presente texto parte de um encontro casual e de uma conversa fortuita com Riobaldo, o personagem central do romance “Grande Sertão: Veredas” de João Guimarães Rosa. Acompanhando Riobaldo jagunço com sua voz calma, transmutada em palavras angulosas e belas, seguimos suas memórias e derivas pelos sertões e veredas do planalto central brasileiro. É nos meandros dessa história fantástica e caracterizada por inúmeras reentrâncias, idas, vindas e volteios que se começa a compor essa aventura textual. A partir de uma leitura barthesiana de “Grande Sertão: Veredas”, ou seja, aquela que se delicia com os sabores provenientes da escritura (Barthes, 2007) que nos apresenta Riobaldo e nos faz ler, constantemente, levantando a cabeça (Barthes, 2004), se desvela um tecido também derivante que se perde por entre as biodiversidades e a escola. Sim, pois se em suas memórias Riobaldo me conta enternecido de seu cotidiano gasto com leveza entre as “belezas sem dono” (Rosa, 2001: 42) do Grande Sertão em sua amplidão movente com revoadas de pássaros e animais diversos, flores, rios caudalosos e serpenteados que marcam o exuberante e diverso Cerrado brasileiro; eu também conto para ele das ricas biodiversidades ficcionais, inventadas e escrituradas pelos estudantes do ensino médio técnico para os quais leciono como professor de biologia no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC).
* Ator e Doutor em Educação pela UFSC. Professor de Biologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina (IFSC).
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Encontros com Riobaldo e as biodiversidades textuais
O perigo da desobediência, Riobaldo. Uma urgente desobediência é que me incita a transgredir as precisas margens da biologia. E nessa desobediência também me irmano contigo. Sim, pois através de João Guimarães Rosa te vejo desobedecendo continuamente a língua. Sinto que nos interstícios de sua fala se inscreve algo que opera continuamente um desvio na linguagem. Abre uma fissura naquilo que nela é fascismo e poder, para trapaceá-la, combatê-la a partir de seu interior (Barthes, 2007). Como sugere Finazzi-Agrò (2006: 13): a escrita rosiana parece balançar constantemente entre a pontualidade e inconclusão, entre a opacidade e a transparência, entre uma linguagem pedregosa e uma expressão aérea (entre romance e poesia, enfim), levando quase fatalmente à impossibilidade de fechar o texto e o seu discurso na inelutabilidade dos seus limites físicos. Será que são essas desobediências que você tenta me mostrar Riobaldo? Quando com um sorriso escapando no
canto da boca diz:
33
de primeiro, eu fazia e mexia, e pensar não pensava. Não possuía os prazos. Vivi puxando difícil de difícel, peixe vivo no moquém: quem mói no asp’ro, não fantasêia. Mas, agora, feita a folga que me vem, e sem pequenos dessossegos, estou de range rede. E me inventei nesse gosto, de especular ideia (Rosa, 2001: 26). Não posso e nem preciso garantir, mas eis que contigo di-vago... Compartilhando angústias de professor. Sim, pois você me conta também ter sido professor quando fugiu da fazenda de seu padrinho, Selorico Mendes e acabou indo ensinar o grande e temido jagunço Zé Bebelo: “eu estava pensando que ia dar escola para os filhos dum fazendeiro. Engano. O comum, com Zé Bebelo, virava diferente adiante, aprazava engano. Estudante sendo ele mesmo. Me avisou” (Rosa, 2001: 144). Pois bem Riobaldo, sendo o senhor, professor de jagunço, me diga lá então: ainda seria possível trazer a inexatidão de volta ao ensino de Biologia? Reencontrar nela o dinamismo próprio da vida, que muitas vezes acaba por perder-se, quando se veste da sisudez que geralmente marca a ciência. Vejo ser a isso que se refere o escritor e biólogo moçambicano Mia Couto (2011: 49) quando diz que
¡Diversidad! ¿Algo más?
São singelos textos (contos, crônicas, poesias) resultantes de propostas pedagógicas experimentais e inusitadas que realizei em diferentes turmas durante os anos de 2014 e 2015, a partir da temática: “a diversidade de invertebrados”. São esses textos que ganham destaque ao evidenciar outra relação com a biologia. Transgredindo suas margens precisas a partir do potente encontro com a literatura, estas experiências, para além da busca pelo rigor científico do conhecimento biológico, propõem a aventura literária e a invenção. A busca daquilo que na biologia ainda não existe. Ou se deixou esquecer: a abertura para a gênese de novos olhares, novas paisagens. Menos exatas e mais múltiplas. E nisso Riobaldo novamente acode sussurrando em meu ouvido: “Se creio? Acho proseável” (Rosa, 2001: 65). Uma biologia mais proseável. Menos preocupada à credulidade da ciência e mais disponível à prosa desocupada. Sim, porque “no real da vida, as coisas acabam com menos formato, nem acabam. Melhor assim. Pelejar por exato, dá erro contra a gente. Viver é muito perigoso...” (Rosa, 2001: 101).
uma constrangedora aridez foi-se instalando como nossa [dos biólogos] condição comum. A culpa não é evidentemente nossa. Mas nós herdámos uma ideia de ciência que vive de costas para a necessidade de trazer leveza e construir beleza. Alguma coisa que se pretenda científica deve-se apresentar de trajes cinzentos, solenes. Para merecer credenciais científicas as nossas acções precisam ter uma seriedade quase ascética. Pois é Riobaldo, Mia Couto é um pensador que me parece atento e preocupado com o cruzamento dos discursos entre a biologia e a cultura, principalmente em Moçambique, seu país natal. Embora ele diga ser um biólogo que não mora todo o tempo na casa da ciência (Couto 2011: 51), é evidente a presença da dimensão da biologia atra-
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Educación y Ecología 34
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
vessando seu trabalho literário. São vários os textos, entrevistas e artigos em que ele expressa sua atenção à oralidade, às estórias, mitos e fábulas que fazem parte das raízes de seu povo e que ele conhece em seus trabalhos viajando como biólogo pelas savanas moçambicanas. É através desses encontros com a tradição cultural baseada na oralidade que são tecidos grande parte de seus contos e romances. E nessas travessias entre biologias, culturas e poesia, Mia Couto (2011: 118) reconhece a influência de João Guimarães Rosa: Foi poesia o que me deu o prosador João Guimarães Rosa. Quando o li pela primeira vez experimentei uma sensação que já tinha sentido quando escutava os contadores de histórias da infância. Perante o texto, eu não lia simplesmente: eu ouvia vozes da infância. Os livros de João Guimarães Rosa atiravam-me para fora da escrita como se, de repente, eu me tivesse convertido num analfabeto selectivo. Importante ressaltar que a proposta para a construção dos textos por parte dos alunos envolveu algumas discussões sobre esta relação entre biologia, cultura, poesia e invenção. Foram vários os materiais utilizados. Inicialmente lemos alguns textos mais conceituais, notícias de revistas e jornais e contos do livro “Você é um animal Viskovitz?” (Boffa, 1999) que evidenciam características biológicas de diversos organismos presentes nesse grupo artificial dos invertebrados. Depois, assistimos a alguns trechos de filmes, desenhos animados e comerciais que também trazem a presença de organismos desse grupo. Entre a presença de Bob Esponja, Homem-Aranha, Vida de Inseto e Formiguinhaz, destacamos algumas cenas do longa-metragem “Microcosmos: Le peuple de l’herbe”. O documentário francês de 1996, dirigido por Claude Nuridsany e Marie Pérennou foge do comum dos documentários supostamente educativos, nos quais o tom explicativo e demonstrativo baseado na discursividade da ciência se impõe. Em Microcosmos não há uma narração explicando as cenas. São somente imagens acompanhadas por música instrumental que compõem a narrativa.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Eduardo Silveira
As imagens de diferentes invertebrados (insetos, aracnídeos, moluscos, etc), capturadas em diferentes situações em closes muito belos compõem uma potente narrativa passível de ser construída ou compreendida de diferentes maneiras a partir da experiência fílmica. Destacamos a cena em que uma bela música lírica acompanha o encontro de dois escargots que lentamente se aproximam, estabelecem um sutil reconhecimento e acabam por se entregar a um apaixonado abraço. Além desses materiais, através dos quais nos aproximamos da temática, o principal disparador para tais produções textuais por parte dos estudantes foi um texto de Mia Couto sobre a escrita literária, endereçado para estudantes de nível secundário, participantes do projeto “Ciência Viva” em Portugal. No texto, ele discute os atravessamentos entre a ciência – especificamente a biologia – e a literatura, no sentido de auxiliar jovens participantes do projeto a escreverem textos literários relacionados à ciência. Porém, mais do que isso, ele acaba por criar um pequeno manifesto pela poesia da vida, frente à lógica que se instalou na maneira pela qual a escola e a ciência olham para o mundo: A escrita exige sempre a poesia. E a poesia é um outro modo de pensar que está para além da lógica que a escola e o mundo moderno nos ensinam. É uma outra janela no nosso olhar sobre as coisas e as criaturas. Sem a arrogância de as tentarmos entender. Só a ilusória tentativa de nos tornarmos irmãos do universo. [...] O segredo do escritor é anterior à escrita. Está na vida, está na forma como ele está disponível a deixar-se tomar pelos pequenos detalhes do quotidiano. [...] O conto é feito com pinceladas. É um quadro sem moldura, o início inacabado de uma história que nunca termina. O conto não segue vidas inteiras. É uma iluminação súbita sobre essas vidas. Um instante, um relâmpago. O mais importante não é o que revela mas o sugere, fazendo nascer a curiosidade cúmplice de quem lê. (COUTO, 2005: 45-46).
Encontros com Riobaldo e as biodiversidades textuais
Quem mais uma vez me socorre em resposta é Riobaldo. Com sua fala calma, travestida de simplicidade, mas expressando uma lógica complexa, é ele quem novamente abre as janelas do Grande Sertão mostrando-me não ser ele somente um espaço físico. Lugar para se reconhecer como um apanhado de características geográficas e biológicas. “O sertão está em toda a parte” (Rosa, 2001: 24). Há entre ele o sertão uma relação existencial. “Que eu sou muito do sertão? Sertão: é dentro da gente” (Rosa, 2001: 325). Eles relacionam-se com muita proximidade, dialogam, coexistem, confundem-se. O sertão é o mundo e é a vida, o lugar e o espaço onde suas próprias diversidades se encontram. É biológico, político e cultural. Como também é sensível, atormentador e sufocante. “Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera” (Rosa, 2001: 302). Sertão. Ser sertão. Ser tão paisagem. Vejo esse sertão que Riobaldo me apresenta como uma grande paisagem. E isso me fez lembrar um trecho do livro “Aos 7 e aos 40” de João Anzanello Carrascoza. O livro é a história de uma vida contada em dois tempos, infância e meia-idade através de fragmentos que se tocam. Em determinado momento em um fragmento da infância, o narrador conta sobre um dia em que ele e um amigo, o Bolão, tentavam capturar um pássaro-preto em uma arapuca (2013: 98 – grifo meu): A tarde chegou. O sol caía. E, então, fomos lá no Santa Cruz. O Bolão pôs a arapuca no meio de uma touceira. Os dois escondidos. Nada em
nós fazia barulho. A gente só via. E nada aconteceu, de imediato. O mundo estava parado; mas, aos poucos conforme nos acostumamos, vimos a verdade. Tudo se movia, bem lento. Era preciso paciência pra notar a vida que ali se manifestava, no rastilho das formigas (dava pra ouvir as patinhas delas estalando o silêncio), no vento que fervia a cabeleira do capim-gordura, no céu a tremular de azul, no cheiro flutuante do mato, e o dedo do Bolão se erguia até os lábios, Psiu, em alerta, pra gente ser só o que éramos, também paisagem, e, enquanto isso, as plantações davam volta em torno de nós.
35
¡Diversidad! ¿Algo más?
Deslumbrar-se pelo cotidiano. Entre currículos, tempos e espaços regulados, onde a maquinaria escolar se debate entre dispositivos de controle e subjetivação (Veiga-Neto, 2008; Moraes e Veiga-Neto, 2008), a inquietante questão que movimentou essa proposta de atividade foi: ainda haveria possibilidade de a biologia feita nas escolas, com adolescentes entre 15 e 17 anos, suscitar o deslumbramento de abrir outras janelas para olhar as diversidades da vida e do mundo? Talvez um olhar mais despretensioso, mais delicado e cotidiano.
Encontrar outras paisagens no exercício de escrita das diversidades biológicas. Ser tão paisagem. É Denilson Lopes (2007: 133) quem me fala das paisagens como um vasto campo de possibilidades (sertão?), onde se encontram “elementos vindos da natureza e da cultura, da geografia e da história, do interior e do exterior, do indivíduo e da coletividade, do real e do simbólico”. Assim como o sertão paisagem de Riobaldo, quantas paisagens cotidianas, talvez mais sutis, não se permitem explorar e adentrar nesses pequenos exercícios escriturais dos estudantes? Delicadas paisagens textuais, abertas de forma sutil em textos despretensiosos. Paisagens que se agrandam em horizontes múltiplos, ambiguidades, mistérios, revoltas e, a cada momento, de acordo com os diferentes estímulos que recebe, fazem aparecer novos movimentos. Alguns lentos, outros velozes, mas sempre movimentos de manifestação da vida em potência. Isso me coloca em diálogo com os estudos culturais, quando eles evidenciam a possibilidade de se pensar a biologia e a ciência enquanto cultura (Hall, 1997; Wortmann e Veiga-Neto, 2001; Latour, 1997), continuamente perpassadas por múltiplos discursos como o cotidiano, a política, a arte, a sexualidade cujos atravessamentos se estabelecem através de relações de poder assimétricas. Da mesma forma, Stuart Hall (2006: 13) também evidencia como a constituição cultural das
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Educación y Ecología 36
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
Eduardo Silveira
sociedades contemporâneas estabelece a gênese de um novo indivíduo, cuja identidade “torna-se uma celebração móvel formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam. É definida historicamente e não biologicamente”.
E é assim, lentamente, em tom menor, que agora abrimos as janelas para essas paisagens textuais. Em alguns trechos e recortes lançamo-nos ao cotidiano que as atravessa e, caminhamos no ser-tão que as constitui:
E inevitavelmente sou levado a perceber que o sertão paisagem tampouco é vivido ou habitado por uma identidade fixa e invariável. Pelo contrário, sua própria constituição fluída e móvel determina outro sujeito a ocupá-lo. Riobaldo confere certeza a essa minha percepção ao dizer: “O senhor […] mire e veja: o mais importante e bonito, do mundo, é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas — mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior, é o que a vida me ensinou” (Rosa, 2001: 39). E isso ele me diz com a convicção do jagunço sertanejo que vive suas próprias diversidades, sexuais, religiosas, sociais entre as grandezas do Sertão. Entre amores diversos, múltiplos grupos sociais, diferentes crenças em diálogo com o compadre Quemelém, o que Riobaldo atesta é: “natureza da gente não cabe em nenhuma certeza” (Rosa, 2001: 417).
Margareth e Rita
Assim também o são as paisagens textuais dos estudantes: habitadas por discursos que evidenciam identidades variáveis e essencialmente instáveis no grande horizonte que as constitui. Nelas se cruzam elementos provenientes da ciência da biologia, mas também de suas próprias diversidades. De forma deslocada, mas potente, expressam-se nas paisagens da escritura, pequenos gestos textuais evidenciando dúvidas, desejos, incompreensões... Ou seja, nessas despretensiosas paisagens textuais surge, delicada e deliciosamente, a poética do cotidiano evidenciando um “real em tom menor, espaço de conciliação, possibilidade de encontro, habitado por um corpo que se dissolve na paisagem, nem mero observador, nem agente, apenas fazendo parte do quadro, da cena” (Lopes, 2007: 87).
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Nas profundezas do Pacífico, onde um majestoso e colo-
rido recife de coral se erguia, viviam colônias de criaturas incríveis aos olhos humanos. Havia lulas, polvos, arraias,
pepinos-do-mar, anêmonas, estrelas-do-mar, cardumes das mais variadas espécies de peixes e, é claro, os grandes mamíferos. Em uma pequena residência, e com isso, digo,
sentados num coral, dois pequenos organismos discutiam:
– Você tem que ir ao médico! – Disse o ser com simetria radial e aspecto gelatinoso. Uma anêmona.
– Mas isso já aconteceu milhares de vezes! Eu sempre me regenero! – respondeu a estrela-do-mar.
– Anda Margareth! O Doutor Peixoto vai dar um jeito nesse teu membro quebrado.
– Deixa de ser chata, Rita. Basta esperar minhas células-tronco entrarem em ação.
– Olha! Tu vês se me respeita, rapariga. Queres ser
queimada pelas minhas toxinas? – e dizendo isso,
começou a movimentar seus tentáculos de um modo ameaçador para a estrela-do-mar.
– Ué? Vai querer me comer, dona molenga? – Se for preciso. Depois disso eu ainda posso libe-
rar algumas enzimas para te digerir externamente
e então te consumir. Que delícia! Estrela-do-mar al dente. [...]
Encontros com Riobaldo e as biodiversidades textuais
Foi de um dia para o outro que essa mudança aconteceu. Ainda bem cedo me destaquei por ser um dos poucos que havia sobrevivido. A maioria nem chegou a nascer, apenas algumas centenas de irmãos não foram levados pela enchente. Parece que foi ontem que comecei minha vida, e o mais doido disso é que foi mesmo! Tudo deste pouco mundo que eu conheci parece maravilhoso. Eu estive o dia todo apreciando o néctar que eu encontrava nas poucas flores aqui do mangue. Não é uma vida fácil, nessa prática leva-se muito tempo e recebe-se pouca recompensa... Parece que toda minha vida se resume a isso: buscar alimento. Mas algo dentro de mim estava me dizendo para sair em busca dos meus irmãos, muitos ainda estão perdidos. Mamãe havia nos depositado sobre um tronco apodrecido aqui da região, e quando a maré começou a subir, nada pude fazer, eu era só mais um Maruim comparado a esse imenso tronco! Ah, eu ainda nem me apresentei. Sou Ubirajara, a mosca sem pata. E pode parecer meio estranho cato amigo, mas poucos conhecem a nossa história. [...]
Pernáculos Primeiramente eu sou um polvo. É, isso mesmo, tenho um cérebro grande para o meu tamanho (não ouse me chamar de cabeçudo), minha camuflagem deixa muito camaleão no chinelo, e meus oito tentáculos fortes e flexíveis podem lutar até com tubarões. Não que eu pense ser uma criatura desvalorizada do fundo do mar, mas desde que vim para a sala de um daqueles humanos que usam jaleco, minha vida melhorou bastante. Há muitos tipos de animais aqui. Vivo
com outros dois peixes pequenos que são meio burrinhos, mas são muito amigos meus. Eles gostam quando imito as cores do aquário. Oh... Eu posso sentir a admiração de todos os bichos nessa sala. [...] É que eu tenho lua em leão, a culpa não é minha. A última aquisição do homem de jaleco foi uma aranha. Ela chegou dentro de uma caixa de vidro irritadíssima, com as patas erguidas! Era uma armadeira. O humano resolveu chamá-la de Josefina, sabe-se lá o motivo. Aliás, fiquei com um ódio mortal da tal intrusa, pois eu mesmo não tinha nome! Josefina não era das criaturas modestas. As demonstrações que fazia de seu veneno eram impressionantes e estavam entretendo os bichos da sala bem mais do que as minhas... Meu mundo estava caindo!
37
¡Diversidad! ¿Algo más?
Em busca de uma família
Fiquei deprimido, pois além de roubar meu posto, Josefina, a aranha, era o único ser que com um simples olhar, fazia meus cromatóforos corarem: estava com o ego ferido e, pior, apaixonado! [...]
Vá com Deus, Evaristo [...] E então o tempo passou Aquela pequena larva, Evaristo se tornou Evaristo era estranho e desigual Por todo o formigueiro, dele falavam mal Evaristo não entendia Por que amigos não fazia? Quando alguém o via, sempre corria Quem não corria, dele ria Mas, então, ele ria junto Pois era quase surdo-mudo E não sabia que estavam lhe chamando de aberração E se soubesse não mudaria sua reação Pois Evaristo não pode frequentar a escola do formigueiro Por uma imposição do conselho e do próprio governo Mais isso nunca lhe deixou abatido
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Educación y Ecología
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
Pois sabia que se a escola frequentasse Seria humilhado e oprimido Às vezes se sentia como um bandido À margem da sociedade e sempre sozinho. [...]
38
Limites: Nelson ou Chica, faz diferença? Meu nome é Nelson. Na verdade, meu nome ainda é Nelson. Por mim já seria Chica. Não entendeu? Bem, vou contar minha humilde história. Numa primavera úmida, dois caracóis acasalaram lindamente. Um deles depositou 203 ovinhos num buraco milimetricamente cavado ao lado de um laranjal. Dali a algum tempo foi surgindo o que seria o caracol mais lindo desse mundo: euzinha. E é claro, com o nascimento vem a hora de dar os nomes.
Eduardo Silveira
O DNA peregrino e a guilhotina sanguinária [...] Eu perambulava sozinha em um quarto escuro cheio de defuntos. Oh! Que tragédia acontecera aqui! A melancolia tomou conta de mim, fazendo doer minha probóscide. Eu estava no quarto de um assassino, ele havia matado todas as mulheres da minha família, foi um massacre só. Adam era um adolescente perturbado, ninguém em sã consciência faria uma coisa dessas e depois ia à frente do espelho cantar rock, fazer coreografias bizarras e beber com se o mundo fosse acabar. Sem falar no cabelo espetado e nas decorações esotéricas.
Essa coisa de dar nomes é sempre complicada para nós hermafroditas. E aí começa o meu dilema: meu nome é Nelson. Minha mãezinha – que os deuses do escargot a tenham – me registrou como Nelson.
Para mim talvez o mundo realmente fosse acabar. Quem sabe quanto tempo levaria para que ele notasse a minha pequena presença? Minha mãe, avó, irmãs, primas, netas, filhas, bisnetas... todas esmagadas nas paredes encardidas daquele lugar imundo, mortas pelo teto, pelo chão, por todos os lugares. Um pernilongo pode ouvir o zumbido de outro a 30 metros de distância, e o único som que eu ouvia era música dos guns’n roses no último volume, nem sinal de outro mosquito, nem os machos que ficam só na boa vida se alimentando de néctar.
Aparentemente isso não afetaria minha pequena vida. Afinal, somos todos diferentes e podemos ser o que bem entendermos, certo? Errado! De acordo com as regras da moral e dos bons costumes, eu devo reproduzir somente com caracóis que foram registrados como fêmeas, ou com nome de fêmea. “É o certo”, dizem eles. Nunca entendi quem decide essas coisas.
Quando as luzes se apagaram e o garoto fora dormir, me preparei para o ataque. Havia chegado a hora de vingar as crueldades cometidas por aquele ser sem coração. Mas... se não há coração não há sangue, certo? Errado! Com as minhas antenas farejei a vítima, identificando o CO2 liberado na sua respiração. Com a minha probóscide perfurei sua pele e pude sugar seu sangue. Ele tinha sangue, afinal.
Mas aí tem o Teobaldo. Quem é o Teobaldo? Ah... Ele é um deus grego, um tudo! Eu amo aquela conchinha, aquele brilho... Fico toda gosmenta só de pensar. [...]
ET 3/5
julio-diciembre 2015
E que sangue! Quando senti o gosto do primeiro gole uma energia que nunca havia sentido tomou conta do meu corpo. Eu não conseguia parar, aquele sangue era viciante, uma mistura de álcool com maconha que me deixou hiperativo, quando vi já estava voando de um lado para o outro fazendo coreografias bizarras e batendo minhas asas 600 vezes por minuto.
Encontros com Riobaldo e as biodiversidades textuais
[...]
Quem é você, Adamastor? Todos os dias, Adenir apostava uma corrida contra o sol. Ele sempre perdia, e era isso que o motivava em seu trabalho. Não sabia se gostava ou não daquilo. Apenas movia rapidamente suas seis esguias patas, tateando o caminho com as próprias antenas. Subia e descia a relva, escalava os galhos, desviava das inúmeras gotas de orvalho que forçavam a criação de uma nova rota a cada manhã. Chegava a seu destino: um robusto pé de couve povoado por uma comunidade de pulgões. Notava que outras poucas formigas operárias, mais ligeiras, já haviam chegado ao local de trabalho.
Certo dia, uma formiga um tanto importante na região, Adamastor, convocou uma reunião aberta para toda a comunidade. Afirmou que era de suma importância que todos comparecessem para ouvir o que ele tinha a dizer. [...] Uma vez que, como em qualquer sociedade, havia alguns pequenos problemas e assuntos que precisavam ser tratados numa reunião, foi consenso a participação de todos. Dez minutos antes do horário marcado, todos já estavam presentes na copa do pé de laranjeira mais próxima, local escolhido por Adamastor. Seu discurso foi tão polêmico que nenhum outro assunto foi tratado. A formiga apresentou uma família de besouros que morava na região, muito interessada no líquido coletado pelas formigas. Eles poderiam oferecer altas recompensas em alimentos e matéria-prima em troca de uma grande quantidade do produto. Adamastor explicou então que o segredo para a prosperidade de um formigueiro era o trabalho ininterrupto. A partir daquele momento, todas as formigas deveriam trabalhar feito escravas, até a exaustão, em nome da prosperidade e de um bem maior. Assim, no futuro, teriam uma quantidade de mercadoria interessante para trocarem com os besouros. Diante da proposta Adenir sentou, pela primeira vez, algo que poderia chamar de “receio”.
39
¡Diversidad! ¿Algo más?
Mas eu não estava lá para brincadeira, meu estoque de proteínas estava reabastecido e eu poderia então colocar meus 200 ovos em um vasinho com água ali mesmo. Que alívio eu senti. Agora poderia voltar lá e beber mais sangue, mesmo sem ter mais ovos dentro de mim. Adeus vida de pernelonguinha de família, eu queria só curtir a vida.
A ordenha dos pulgões era realizada diariamente pelas operárias. O líquido doce coletado era transportado ao formigueiro e dividido entre todos. Os pulgões não protestavam: as formigas-guardiãs empenhavam-se na árdua tarefa de protegê-los das temidas joaninhas, que frequentemente tentavam devorá-los. Várias vezes ao dia Adenir trilhava o caminho inverso para transportar o produto para o formigueiro. Descia e subia a relva, os galhos e as pedras. Junto de outras dezenas de operárias, adentrava a câmara de estoque. O alimento era líquido, e isso acarretava, no início, em problemas para a estocagem do mesmo. Por esse motivo, a cada mês era convocada uma equipe de formigas “pote-demel”, como haviam sido apelidadas. Elas armazenavam toda a produção em seus corpos.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Educación y Ecología 40
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
Eduardo Silveira
Referências
BARTHES, Roland (2004). O Rumor da língua. Tradução de Mário Laranjeira. (2a Edição). São Paulo: Martins Fontes. BARTHES, Roland (2007). Aula. Tradução de. Leyla Perrone-Moisés. (14a Edição). São Paulo: Cultrix. BOFFA, Alessandro (1999). Você é um animal Viskovitz? São Paulo: Companhia das Letras. CARRASCOZA, João Anzanello (2013). Aos 7 e aos 40. São Paulo: Cosac & Naify. COUTO, Mia (2005). Pensatempos – textos de opinião. Lisboa: Editorial Caminho. COUTO, Mia (2011). E se Obama fosse africano?: e outras interinvenções. São Paulo: Companhia das Letras. FINAZZI-AGRÒ Ettore (2006). A perfeita imperfeição: transição e permanência em Grande Sertão: Veredas. Disponível em: HYPERLINK “http://www.cultura.mg.gov.br/files/2006-maio-especial.pdf” http:// www.cultura.mg.gov.br/files/2006-maio-especial.pdf Data de consulta: 01 de outubro de 2015. HALL, Stuart (1997). A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo. Revista Educação e Realidade, Vol 33 (2): 15-46. HALL, Stuart (2006). A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guaciara Lopes Louro. (11a Edição). Rio de Janeiro: DP&A. LATOUR, Bruno, WOOLGAR, Steve (1997). A vida de laboratório: a produção dos fatos científicos. Tradução. Angela R. Vianna. Rio de Janeiro: Relume-Dumará. LOPES, Denilson (2007). A delicadeza: estética, experiência e paisagens. Brasília: Editora Universidade de Brasília: Finatec. MORAES, Antônio Luiz; VEIGA-NETO, Alfredo (2008). Disciplina e controle na escola: do aluno dócil ao aluno flexível. In: Anais do IV Colóquio Luso-Brasileiro sobre Questões Curriculares Florianópolis (pp.118): UFSC. ROSA, João Guimarães (2001). Grande sertão: veredas. (19a Edição). Rio de Janeiro: Nova Fronteira. VEIGA-NETO, Alfredo (2008). Crise da Modernidade e inovações curriculares: da disciplina para o controle. In: PERES, Eliane et alii (Orgs.). Trajetórias e processos de ensinar e aprender: sujeitos, currículos e culturas (pp.35-58). Porto Alegre: EDIPUCRS. WORTMANN, Maria Lúcia Castagna; VEIGA-NETO, Alfredo (2001). Estudos Culturais da Ciência e Educação. Belo Horizonte: Autêntica.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Encontros com Riobaldo e as biodiversidades textuais
¡Diversidad! ¿Algo más?
41
Maria José Lemos, Divinópolis, Brasil, 2013.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Eduardo Marques, Ucrania, 2014.
Diversidad y Género
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
44
Felipe Dittrich / Marcos Vinicios de Araujo Vieira
Angelus novus Felipe Dittrich Ferreira* Marcos Vinicios de Araujo Vieira** Resumo: Em busca das raízes da crise ecológica em curso, este artigo lança luz sobre transformações no modo como o mundo natural foi concebido ao longo da história, destacando, brevemente, três estágios: “criação”, na Era Medieval; “natureza”, no início da história moderna; “depósito de matérias-primas”, no capitalismo tardio. Argumenta-se que mudanças na concepção do mundo natural tem relação com o declínio do pensamento, por conta do crescente papel desempenhado pelo raciocínio técnico. Para oferecer oposição a essa tendência, os autores propõem a reintegração da teologia ao escopo do pensamento moderno, enfatizando a importância de noções como mistério e dádiva para a compreensão do mundo no qual vivemos.
Abstract: Searching for the roots of the current ecological crisis, this article looks at transformations in the way the natural world was conceived throughout history, briefly highlighting three stages: “creation”, in medieval times; “nature”, at the beginning of modern history; “raw material deposit”, in late capitalism. It is argued that changes in the conception of the natural world are related to the decline of thinking, owing to the growing role played by technical reasoning. To oppose this trend, the authors propose the reintegration of theology within the scope of modern thought, emphasizing the importance of notions such as mystery and gift in the comprehension of the world in which we live.
Palavras-chave: crise ecológica; concepções do mundo natural; pensamento; raciocínio técnico; teologia.
Keywords: ecological crisis; conceptions of the natural world; thinking; technical reasoning; theology.
Introdução
Q
uando, ao final da vida, embevecido pelo espírito, São Francisco de Assis compôs o Cântico das Criaturas, entoando hinos de louvores ao Altíssimo, Onipotente e bom Senhor “pelo irmão vento, e pelo ar e pelas nuvens e pelo sereno e por todo tempo”, bem como “pela irmã água, que é muito útil e humilde e preciosa e casta”, assim como “pela nossa irmã, a mãe terra, que nos sustenta e governa”, o mundo não estava sob ameaça de uma crise ecológica. Era o remoto ano de 1224, e os louvores do santo não tinham como pressuposto a possibilidade de uma catástrofe capaz de trazer consequências irremediáveis ao mundo que amava. A desproporção entre a escala humana e a escala da natureza era, então, incomensurável. Nesse contexto, a vida humana desenvolvia-se, sobretudo, no plano local, e cabia a Deus, com exclusividade, agir no plano global. As páginas do Eclesiástico oferecem uma bela imagem da disposição de espírito da época, profundamente refletida na espiritualidade de São Francisco: “Aquele que vive eternamente criou todas as coisas em conjunto. (...) Quem será capaz de contar as suas obras? E quem investigará suas maravilhas? Quem poderá explicar o poder de sua grandeza? Ou quem se porá a descrever sua misericórdia? Não há o que diminuir ou acrescentar, nem é possível inventariar as maravilhas de Deus: ao terminar apenas se começou, e ao parar, fica-se perplexo”. (Eclo 18:1-6)
* Mestre em Antropologia Social pela Universidade Estadual de Campinas. ** Sociólogo graduado pela Universidade Estadual de Campinas. É diplomata.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Angelus Novus
ET 3/5
45
¡Diversidad! ¿Algo más?
Nos tempos do santo de Assis, oito séculos atrás, a não quiseres que todo o universo se levante contra ti: Um dia toda ‘a criação se erguerá contra razão e a sensibilidade humanas lançavam raízes em os insensatos’ [Sb 5,21], ao passo que será motivo solo bastante diverso daquele no qual hoje pisamos. A de glória aos sensatos, os quais podem dizer com mente e o coração do homem medieval nutriam-se da o profeta: ‘Senhor, a visão de tuas criaturas me seiva da cristandade. Era ainda vigoroso o ímpeto huencheu de alegria. Exulto perante o espetáculo mano em direção ao absoluto; a atmosfera religiosa de tuas mãos’ [Sl 91,5]. ‘Como são grandiosas, moldava as dimensões principais da existência humana, Senhor, as tuas obras! Tudo fizeste com sabedoria. nada ou pouco lhe escapando; a natureza era abordada Toda a terra está cheia de teus bens.” (Boaventucomo um livro para interpretar a vontade de Deus; o unira, 2012: 48-49 e 34-35) verso era uma linguagem de amor do Criador; os cânticos de Francisco, como os de um pássaro, procuravam integrar a sinfonia do universo. São Boaventura, herdeiro de Francisco, exprime admiravelmente o sentimento Para nossa sensibilidade, os exultantes agradecimentos e as aspirações daquele mundo remoto no seu célebre de Francisco ao Senhor e a espiritualidade encarnada de “Itinerário da mente para Deus”: São Boaventura podem soar algo estranhos e fora do lugar. Haverá mesmo quem veja nisso certa dose de ingenuidade. “todas as criaturas do mundo sensível conduzem A verdade é que pouco restou da convicção teológica que o espírito do contemplante e do sábio ao Deus conformou o imaginário medieval. No tempo de Franciseterno. As criaturas são, efetivamente, uma co, não se compreendia a origem do cosmos à luz de consombra, um eco e uma pintura daquele primeiro troversas hipóteses científicas, que tateiam no escuro, sem Princípio potentíssimo, sapientíssimo e ótimo; muito conseguir dizer. Havia abundância de sentido. Viadaquela eterna origem, luz e plenitude, e, além se o mundo como o produto de uma vontade infinitamente disso, daquela causa eficiente, exemplante e orcapaz e soberanamente boa. Francisco, por isso, vivia agradenadora. Elas são sombras, ecos e aparências, decendo ao bom Deus: estava convencido de que o mundo são vestígios, semelhanças e espetáculos colocasubsistia apenas em função da livre vontade do Criador. dos e sinais divinamente apresentados aos nossos olhos para contuirmos a Deus [contuição, É interessante notar que, durante aquela época, ouna linguagem de São Boaventura, é a apreensão tros aspectos da existência humana definiam-se à luz intelectual da presença do ser infinito no e pelo de princípios e objetivos que viriam a ser relativizados ser finito]. (...) Cego é, por conseguinte, quem pelas correntes filosóficas secularistas e anticlericais da não é iluminado por tantos e tão vivos resplen- modernidade. A escatologia cristã, que propugnava pela dores espalhados na criação. É surdo quem consumação do Reino de Deus na história, constituía o não acorda por tão fortes vozes. É mudo quem eixo axiológico que emprestava sentido a ação humana, em presença de tantas maravilhas não louva o seja no plano do conhecimento, da vontade ou da cultura. Senhor. É insensato, enfim, quem com tantos e Tudo devia estar a serviço de uma causa transcendental tão luminosos sinais não reconhece o primeiro que se imaginava poder realizar na história. Homens e Princípio. Abre, pois, os olhos e inclina o ouvido criaturas achavam-se subordinados às superiores realidade teu espírito, desata teus lábios e dispõe o teu des da Providência pelo serviço humilde e a obediência. A coração [Pr 22,17], para que em todas as cria- verdadeira e perfeita alegria ensinada por São Francisco turas vejas, ouças, louves e ames a teu Deus, se ao Irmão Leão era consequência da humildade de quem se
julio-diciembre 2015
Diversidad y Género
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
coloca a serviço das causas sagradas do Crucificado1. As ordens mendicantes, não por acaso, surgiram e ganharam força no interior desse universo simbólico. É, também, altamente ilustrativa, nesse sentido, a oração de Santo Inácio de Loyola, composta já no final do período medieval: “Tomai, Senhor, e recebei toda a minha liberdade, minha memória e entendimento e toda a minha vontade. Tudo que tenho ou possuo vós me destes. A vós, Senhor, restituo. Tudo é vosso. Disponde segundo a vossa vontade. Dai-me o vosso amor e a vossa graça, pois ela me basta.”
46
Sujeito, natureza e cultura não tinham, portanto, o caráter autônomo que passaram a ter na modernidade. A promessa evangélica de edificação de uma nova terra e de um novo céu compunha a linha mestra e o motivo principal do imaginário daquele período, com desdobramentos éticos, filosóficos, estéticos, ecológicos e também econômicos. Como se sabe, esse estado de coisas sofreu uma “revolução copernicana” ao final da Idade Média. Uma nova maneira de pensar e sentir o mundo emergiu com o Renascimento. A razão e a sensibilidade do homem medieval foram subvertidas a partir do século XV. A ciência, com
1 “Um dia, o bem aventurado Francisco, em Santa Maria, chamou Frei Leão e disse: ‘Frei Leão, escreve’. Este respondeu: ‘já estou pronto’. ‘Escreve – disse – o que é a verdadeira alegria. Vem um mensageiro e diz que todos os mestres de Paris entraram na Ordem: escreve que isso não é a verdadeira alegria. Igualmente, que [entraram na Ordem] todos os prelados ultramontanos, arcebispos e bispos, o rei da França e o Rei da Inglaterra: escreve que isto não é a verdadeira alegria. Do mesmo modo, que os meus irmãos foram para o meio dos infiéis e os converteram todos à fé; e, além disso, que eu tenho tanta graça de Deus que curo os enfermos e faço muitos milagres: digo-te que em tudo isso não está verdadeira alegria. Mas o que é a verdadeira alegria? Volto de Perúgia e chego aqui na calada da noite; e é tempo de inverno, cheio de lama e tão frio que gotas de água se congelam na extremidade da túnica e [me] batem sempre nas pernas, e o sangue jorra de tais feridas. E totalmente na lama, no frio e no gelo, chego à porta e, depois de eu ter batido e chamado por muito tempo, vem um irmão e pergunta: Quem és? Eu respondo: Frei Francisco. E ele diz: Vai-te embora! Não é hora descente de ficar andando; não entrarás. E, como insisto, de novo ele responde: Vai-te embora! Tu és simples e idiota. De maneira alguma serás acolhido junto a nós; somos tantos e tais que não precisamos de ti. E eu novamente me coloco de pé diante da porta e digo: Por amor de Deus, acolhei-me por esta noite. E ele responde: não o farei. Vai ao lugar dos Crucíferos e pede lá. Digo-te que, se eu tiver paciência e não ficar perturbado, nisto está a verdadeira alegria e a verdadeira virtude e a salvação da alma”. (Fontes Franciscanas, 2008:194)
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Felipe Dittrich / Marcos Vinicios de Araujo Vieira
seu caráter implacável, e a técnica, com sua audácia, ambas refletindo o espírito moderno de conquista e exploração do mundo, alteraram as condições básicas da existência humana e deram origem à Idade Moderna. Nesse contexto, as noções de mundo criado, vocação humana e cultura, de forma geral, foram objetos de profunda revisão. À luz da filosofia iluminista, o universo material e a subjetividade humana assumiram a condição de entidades estanques e incondicionadas, isto é, subsistentes por si próprias, sem necessidade de qualquer apoio transcendental. Não por acaso, houve quem proclamou, em tom triunfal, que a Idade Moderna decretou o fim da metafísica. Quer-se agora um mundo sem Criador e entregue às potências titânicas do homem moderno. Vista sob esse novo prisma, a obra humana adquire sentido antes reservado exclusivamente à obra divina. O mundo perde o caráter de “criação”, convertendo-se em mera “natureza”, plenamente manipulável. Com o desenvolvimento do capitalismo, a própria noção de natureza degenera-se, dando origem à compreensão do universo material como simples fonte de “matérias-primas”. A ação humana, ao longo desse processo, deixou de ser animada pela esperança escatológica do serviço em proveito do Reino de Deus. O homem, antes servidor de uma causa que o transcendia, torna-se construtor de si e do mundo que o cerca. No final do século XV, já nos estertores da Idade Média, em um dos textos mais famosos do humanismo, “O Discurso sobre a dignidade do homem”, Pico della Mirandola professa uma tese assombrosa para a teologia cristã: a grandeza e o milagre do homem estão no fato de ele ser artífice de si mesmo, autoconstrutor. Trata-se de uma nova antropologia filosófica, reflexo das mudanças profundas que se operavam no espírito humano. Colocando na boca de Deus sua doutrina sobre a dignidade do homem, o escritor italiano declara, parafraseando o Genesis: “Eu não te dei, Adão, nem um lugar determinado, nem um aspecto próprio, nem alguma prerrogativa que desejas, tu as obténs e as conservas segundo tua vontade e teu juízo. A natureza limitada dos outros (animais) está contida nas leis prescritas por mim. A tua (lei), tu a determinarás, sem seres constrangido por qualquer obstáculo, segundo teu arbítrio, a cujo
Angelus Novus
única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína e as deposita a seus pés. Ele gostaria de deter-se para acordar os mortos e juntar os fragmentos. Mas uma tempestade sopra do Paraíso, com tanta força que ele não pode mais fechar as asas. Essa tempestade o impele irresistivelmente para o futuro, ao qual ele vira as costas, enquanto o amontoado de ruínas cresce até o Céu. Essa tempestade é o que chamamos progresso”. (Benjamin, 1994:226)
Como conseqüência dessa nova concepção antropológica, a humanidade imaginada por Pico della Mirandola, senhora de si mesmo, passa a sentir-se à vontade para apoderar-se, sem escrúpulos, dos meios de existência para conformar o mundo de acordo com sua vontade soberana. Ao atribuir à sua vontade inédita autonomia, legitimada pela própria subjetividade, o homem emancipa-se de Deus, tornando-se senhor de sua vida, novelista de sua própria história. Nessas condições, o desenvolvimento da cultura secular enseja o alvorecer da ciência e da técnica modernas, as quais, sob os auspícios do capitalismo e da filosofia do progresso, inauguram um novo tempo, dotado de uma escatologia própria – o futuro a ser “colonizado” indefinidamente, como se não houvesse qualquer limite, moral ou material, para a ambição humana. Testemunha dos horrores que assolaram a Europa na primeira metade do século XX, Walter Benjamin assim sintetizou, alegoricamente, a filosofia do progresso:
47
¡Diversidad! ¿Algo más?
poder tu te submeterás. Eu te colocarei no meio do mundo para que tu descubras melhor dali o que existe nele. Eu não te tornei celeste nem terreno, mortal nem imortal, para que tu mesmo, como livre e soberano artesão, te modeles e te esculpas segundo a forma que escolherás previamente. Tu poderás degenerar nas coisas inferiores que são rudes; tu poderás segundo tua vontade, te regenerar nas coisas superiores que são divinas”. (Mirandola, 2008:57)
O leitor atento já se deu conta que o “Angelus novus” de Benjamin corresponde ao “novo Adão” de Pico della Mirandola. Esse curioso anjo, incapaz de frear, quase preso a uma vertigem2, bate as asas de forma frenética e desastrada, avançando com pressa, sem saber para onde. Assim ele deixa a “idade das trevas” para dar início à construção da modernidade. Max Weber também viu nisso algo de assombroso e espetacular. A vontade de autonomia absoluta da subjetividade humana, ao penetrar nas diversas esferas da existência, emancipa da influência da cosmovisão cristã a ciência, a política, a economia, a arte e a pedagogia, liberando forças muito poderosas. O mundo, nesse contexto, desencanta-se. Descobertas e invenções, desenvolvidas no bojo desse desencantamento, deram à espécie humana a capacidade de desvendar os segredos da criação e intervir sobre a lógica da natureza, tornando o homem suscetível à tentação de ocupar o lugar do Criador. Paradoxalmente, ao tentar superar a condição humana, equiparando-se a Deus, o homem tende a degra“Há um quadro de Klee que se chama Angelus dar-se: cria problemas que não consegue resolver; assunovus. Seus olhos estão escancarados, sua boca me responsabilidades para as quais não está preparado; dilatada, suas asas abertas. O anjo da história mobiliza forças que acabam voltando-se contra si próprio; deve ter esse aspecto. Onde nós vemos uma ca- produz um “amontoado de ruínas que cresce até o Céu”. deia de acontecimentos, ele vê uma catástrofe Retomando a perspectiva teológica, podemos dizer que o Homem moderno, colocando-se no centro do mundo, 2 Poder-se-ia recordar, neste ponto, a personagem de Ítalo Calvino que “fala da vertigem deixou de agir como fiel depositário: em vez de “culticomo de uma tentação que de algum modo a atrai (...) parece um poço sem fundo. Ouve-se o apelo do nada, a tentação de lançar-se, alcançar a escuridão que chama.” (Calvino, 1999: var e guardar” (Gn 2:15) o “jardim” que lhe foi confiado, 88 e 91) As asas levantadas do “angelus novus”, no quadro de Klee, em combinação com o tornou-se um déspota inconseqüente, submetendo à sua seu olhar, entre atônito e patético, fazem lembrar Pilatos, diante de Jesus, lavando as mãos. Esse anjo decaído parece dizer: “não tenho responsabilidade sobre isso, não foi culpa minha”. vontade todas as demais partes da criação, como se não
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Diversidad y Género
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
48
Felipe Dittrich / Marcos Vinicios de Araujo Vieira
fizesse parte deste mundo e fosse imune à degradação da meira e fundamental matéria-prima submetida à mobilinatureza. O Papa João Paulo II, ecoando essa perspectiva, zação total gerada pela técnica por toda crosta terrestre”. (Ferreira, 2012:206) Umberto Galimbert, no mesmo diadeclarou em 2001: pasão, nota que “a técnica, comumente considerada uma ‘ferramenta’ à disposição do homem, tornou-se, hoje, o “Infelizmente, se o olhar percorre as regiões do verdadeiro sujeito da história; o homem executa o papel nosso planeta, apercebemo-nos depressa de de ‘funcionário’ de seus equipamentos, cumpre aquelas que a humanidade frustrou a expectativa diviações descritas no rol de ‘tarefas’ das ferramentas e colona. Sobretudo no nosso tempo, o homem devasca sua personalidade entre parênteses em favor da funciotou sem hesitações planícies e vales cobertos de nalidade”. (Galimbert, 2015:03) bosques, poluiu a água, deformou o habitat da terra, tornou o ar irrespirável, perturbou os sisIsso implica dizer que, na Era da Técnica, passamos temas hidro-geológicos e atmosféricos, deserti- do agir para o fazer: “eu ajo quando faço algo em vista de ficou espaços verdejantes, levou a cabo formas um objetivo, enquanto eu faço quando executo bem minde industrialização selvagem, humilhando, para has funções, independentemente do objetivo final, que usar uma imagem de Dante Alighieri (cf. Paraíso, não conheço, ou, na hipótese de conhecê-lo, dele não sou XXII, 151), o ‘canteiro de flores’ que é a terra, responsável.” (Galimbert, 2015:15) A ação autêntica, em nossa morada”. outras palavras, supõe reflexão e preparo. A execução de
Discutiremos, a seguir, alguns aspectos desse trágico paradoxo. Ao final, apresentaremos algumas propostas, com o objetivo de contribuir para o indispensável processo de ajuste das ambições humanas.
A dubiedade da técnica, o declínio do pensamento e o embotamento da sensibilidade Na presunção de moldar o mundo de acordo com sua vontade soberana, o homem moderno atribui-se como missão básica o desenvolvimento de meios técnicos cada vez mais sofisticados. O objetivo central da civilização moderna é libertar a humanidade de toda e qualquer limitação imposta pela natureza. A técnica, nesse contexto, é concebida como simples meio a serviço dos interesses humanos. Essa concepção, no entanto, tem sido questionada – tanto em princípio, quanto à luz da experiência. Wanderley Ferreira, por exemplo, afirma, com base em Heidegger, que “o homem na realidade não é o sujeito, mas o funcionário da técnica. Ele é, na verdade, a pri-
ET 3/5
julio-diciembre 2015
tarefas, por sua vez, requer apenas adesão e treinamento, prescinde de discernimento e imaginação. A qualidade do sujeito, nas duas situações, é radicalmente distinta. O homem que simplesmente executa tarefas é um autômato: tornou-se parte de um mecanismo. O homem cuja capacidade de reflexão não foi destruída, por outro lado, é continuamente interpelado: tem sempre em vista o impacto de suas ações e a razão de ser das coisas com as quais se defronta. Por essa razão, Heidegger faz referência ao homem como matéria-prima. O autômato precisa ser construído. O caso Eichmann, estudado por Hannah Arendt (1999), é apenas uma variação particularmente extrema de um fenômeno mais amplo, cuja base é a “reificação”, isto é, a transformação de entidades complexas em “objetos”, com referência a um “sujeito” arbitrariamente definido. Essa simplificação atinge não apenas relações humanas, mas também as relações da espécie humana com a natureza. Como nota Wanderley Ferreira, “para o pensamento objetivante e dessacralizador da ciência e da técnica simplesmente não existem homens, coisas e mundo, mas apenas sujeitos e objetos que se relacionam mecanicamente no espaço puro da geometria. Essa visão dessa-
Angelus Novus
49
¡Diversidad! ¿Algo más?
cralizante do mundo e das coisas imposta pelo Refletindo a respeito, T. S. Elliot compôs os seguintes olhar objetificante da ciência não consegue ver, versos, lançando luz sobre a outra face da modernidade: por exemplo, que na água jorrada da fonte, as “O círculo sem fim da ideia e ação, rochas permanecem presentes. E nelas, o sono De invenção sem fim, de experimentação sem fim, pesado da terra, que recebe do céu a chuva e o Traz conhecimento do movimento, mas não da orvalho. As núpcias do céu e da terra, portanto, tranquilidade; estariam presentes nessa água jorrada da fonConhecimento da língua, mas não do silêncio; te, que o pensamento calculador não vê senão Conhecimento de palavras, e ignorância da Pacomo um objeto disponível ao poder desafiador lavra.” da técnica. As núpcias do céu e da terra também estão presentes no vinho, dado a nós pelo fruto da vinha, na qual a força nutriz da terra e a A lógica do pensamento, na Era moderna, parece, em força solar do céu estão confiadas uma a outra outras palavras, ter sido esquecida. Como voltar a com(...). Tanto no jorrar da água da fonte, como na preendê-la? Jacques Leclercq, numa obra que trata das oferenda do vinho na jarra, terra e céu estão relações entre o céu e a terra, ressalta uma característica cada vez presentes e conspiram para trazer algo peculiar do pensamento – sua imprevisibilidade: à presença”. (Ferreira, 2012:214) “Conta-se que São Tomás despertava, por vezes, no meio da noite o irmão que lhe servia de secretário e o levava às apalpadelas à biblioteca para verificar um texto ou redigir um argumento. Foi no banho que Arquimedes achou a sua idéia fundamental. O pensamento surge de noite ou de dia, de roldão ou depois de meses. É preciso agarrá-lo quando chega, porque não vem de encomenda”. (1965:04)
Essa perspectiva, que poderá soar pitoresca ao leitor moderno, encontra correspondência nos inúmeros rituais desenvolvidos ao longo da história humana em torno, por exemplo, do cultivo de alimentos. Em tais rituais, o alimento é tratado como dádiva. Para obtê-lo, não é suficiente trabalhar: é preciso contar também com a boa-vontade dos deuses. Esse modo de compreender a lógica da natureza foi rechaçado pelo homem moderno. Com base no paradigma técnico, vinculamos a produção de alimentos à manipulação de variáveis conhecidas, não restando Na mesma linha, Wanderley Ferreira, ainda com base espaço para qualquer tipo de superstição ou mistério. em Heidegger, sugere que o pensamento “apto a ultrapassar a penúria de nossa época” é basicamente atento e Essa atitude com relação à produção aplica-se tam- receptivo, consciente do mistério e desconfiado diante de bém ao trabalho intelectual. A moderna ciência, diante supostos “dados”: da natureza, comporta-se como um juiz: apresenta questões e exige respostas. Não contemplamos a natureza, “sua atenção está voltada aos lentos sinais do que como faziam os gregos, por exemplo, aguardando que não pode ser calculado e neles reconhece o adela própria nos revele as suas leis. Formulamos hipótevento do inelutável, que não pode ser antecipado ses e fazemos experiências: “se a natureza confirmar o pelo pensamento. O auxílio que este pensamento experimento, transformamos as nossas suposições em presta não prova sucessos porque não precisa de leis da natureza”. (Galimbert, 2015:07) Extraímos resrepercussão. Esse pensamento originário está postas, portanto, por meio de experimentos, em vez de na busca constante da palavra através da qual a aguardar súbitas iluminações. Isso quer dizer que tamverdade do Ser chega à linguagem. Nessa busca, bém o conhecimento deixou de ser tratado como dádiva.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Diversidad y Género
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
50
Felipe Dittrich / Marcos Vinicios de Araujo Vieira
dirigindo “nosso progresso para frente”. O tempo cronológico, portanto, pode ser “manipulado pelo planejamento, pela técnica e pela razão instrumental”3. (Maroni, 2005:13) O tempo kairótico é diferente. Aqueles que o habitam “não podem determinar antecipadamente o tempo certo para agir. Eles aguardam um futuro desconhecido e se preparam para responder. A resposta, aliás, é vital, já que no tempo kairótiVê-se que o pensamento, nessa perspectiva, supõe um co o presente não está predeterminado e plenamente formalongo processo de escuta. Wilfred Bion, levando essa do; antes o presente é oportunidade e desafio. É um tempo idéia ao extremo, chega a dizer “os pensamentos estão em aberto para o novo”. (Maroni, 2005:13) Assim compreendibusca de pensadores” e que “o pensar passa a existir para do, kairós demanda ao mesmo tempo prontidão e paciência, dar conta dos pensamentos”. (apud Maroni, 2005:21) O já que contém “ritmos alternantes, adensamentos, paradas e conhecimento, segundo essa compreensão, é antes capredemoinhos” (Maroni, 2005:16), aos quais temos que nos tado que obtido, mais gestado, de acordo com um ritmo adaptar, como um barco ao mar. que lhe é próprio, do que produzido com base num cronograma estabelecido de antemão. A temporalidade caA combinação de prontidão e paciência é exaltada nos racterística do pensamento, portanto, não é a cronológica. Evangelhos. Em Lucas, por exemplo, Jesus diz aos discípuo pensamento é solícito ao Ser e nessa solicitude para com o Ser, esse pensamento cumpre seu destino. O dizer desse pensamento originário vem de um silêncio longamente guardado e que também é fonte do nomear do poeta”. (Ferreira, 2012:212)
É importante, nesse ponto, lembrar que os gregos tinham duas palavras para se referir ao tempo: chronos e kairós. A cronologia, como nota Amnéris Maroni, “é uma seqüência de instantes homogêneos que se sucedem ininterruptamente”, sempre da mesma forma. (Maroni, 2005:13) Trata-se de um “eixo imóvel”, no interior do qual nos movemos. “Como somos nós que estamos andando, podemos imaginar que controlamos a direção”,
3 O modo moderno de compreender o tempo, como “recurso” a ser permanentemente “otimizado”, é ilustrado por este diálogo de Saint Exupéry, em O Pequeno Príncipe:
“- Bom dia - disse o pequeno príncipe. - Bom dia, disse o vendedor. Era um vendedor de pílulas especiais que saciavam a sede. Toma-se uma por semana e não é mais preciso mais beber água. - Por que vendes isso? - perguntou o principezinho. - É uma grande economia de tempo - disse o vendedor. - Os peritos calcularam. A gente ganha cinquenta e três minutos por semana. - E o que se faz com esses cinquenta e três minutos? - o que a gente quiser... ‘Eu’, pensou o pequeno príncipe, ‘se tivesse cinquenta e três minutos para gastar, iria caminhando calmamente em direção a uma fonte’.”
ET 3/5
julio-diciembre 2015
los: “Ficai de prontidão, com o cinto amarrado e as lâmpadas acessas. Sede como pessoas que estão esperando seu senhor voltar de uma festa de casamento, para lhe abrir a porta, logo que ele chegar e bater. Felizes os servos que o Senhor encontrar acordados quando chegar.” (Lc 12:35:37) Logo em seguida, Jesus acrescenta: “Ficai certos: se o dono da casa soubesse a que horas viria o ladrão, não deixaria que fosse arrombada sua casa. Vós também ficais preparados! Pois na hora em que menos pensais, virá o Filho do Homem”. (Lc 12:39-40)
Reflexões desse tipo nos convidam a deixar de conceber o tempo como matéria-prima para voltarmos a reconhecê-lo como um “meio” complexo, dotado de qualidades intrínsecas, alheias à nossa capacidade de controle. É particularmente importante a ideia, anunciada nos Evangelhos, de que o tempo é portador de dádivas ou graças. Esse contraste entre graça e planejamento pode ser aplicado também, como vimos, ao domínio da produção material e do saber. Seremos ainda capazes, no entanto, de compreender noções como dádiva, dom ou milagre? Parte da dificuldade tem relação com a moderna concepção de natureza, isto é, como sistema regulado por leis, reiteradas mecanicamente ao longo da eternidade. Como notou Gilbert Chesterton,
Angelus Novus
provavelmente está morta; uma peça numa engrenagem. As pessoas sentem que se o universo fosse pessoal ele variaria; se o sol estivesse vivo ele dançaria. O que é uma falácia até em relação a fatos conhecidos. Pois a variação nas atividades humanas é geralmente causada não pela vida, mas sim pela morte; pelo esmorecimento ou pela ruptura de sua força ou desejo. Um homem varia seus movimentos por algum leve elemento de incapacidade ou fadiga. Ele toma um ônibus por estar cansado de caminhar; ou caminha por estar cansado de ficar imóvel. Mas se sua vida e alegria fossem tão gigantescas que ele nunca se cansasse de ir para [Teresópolis], ele poderia ir para [Teresópolis] com a mesma regularidade com que o [Amazonas] vai para o [Atlântico]. A própria velocidade e êxtase de sua vida teria a imobilidade da morte.” O escritor inglês dá seqüência a esse raciocínio, evocando um exemplo quase simplório: “O que quero dizer pode ser observado, por exemplo, nas crianças, quando elas descobrem algum jogo ou brincadeira com que se divertem de modo especial. Uma criança balança as pernas ritmicamente por excesso de vida, não pela ausência dela. Pelo fato de as crianças terem uma vitalidade abundante, elas são espiritualmente impetuosas e livres; por isso querem coisas repetidas, inalteradas. Elas sempre dizem: ‘Vamos de novo’, e o adulto faz de novo até quase morrer de cansaço. Pois os adultos não são fortes o suficiente para exultar na monotonia. Mas talvez Deus seja forte o suficiente para exultar na monotonia. É possível que Deus todas as manhãs diga ao sol: ‘Vamos de novo’; e todas as noites à lua: ‘Vamos de novo’. Talvez não seja uma necessidade automática que torna todas as margaridas iguais; pode ser que Deus
crie todas as margaridas separadamente, mas nunca se canse de criá-las. Pode ser que ele tenha um eterno apetite de criança; pois nós pecamos e ficamos velhos, e nosso Pai é mais jovem do que nós. A repetição na natureza pode não ser mera recorrência; pode ser um BIS teatral. O céu talvez peça BIS ao passarinho que botou um ovo.” Mesmo entre pessoas que se declaram religiosas, nem sempre há consciência de que a ação divina subjaz também aos fatos naturais, de acordo com a doutrina cristã. A noção de milagre exemplifica esse ponto. Deus agiria, segundo o senso-comum, contrariando a lógica da natureza. O ato miraculoso, no entanto, como destaca Jacques Leclercq,
51
¡Diversidad! ¿Algo más?
“supõe-se que se uma coisa vai se repetindo ela
“não é em si mesmo diferente do ato criador. O ato criador é causalidade total. Deus é causa de tudo, em todos os pormenores e em todos os estados. Não de outra maneira é Ele causa do fato miraculoso. É um erro julgar que Deus criou o Universo com as suas leis de tal maneira que, depois de criado, sem que Deus tenha que intervir mais, esse Universo viva a sua vida própria, de acordo com leis que seriam uma espécie de entidades que o dominassem. A ação criadora está constantemente em tudo; Deus não criou, cria. Cria de um modo sempre atual. Em todos os instantes, a ação criadora está no presente. Deus não pode, pois, agir no milagre numa maneira mais direta do que a que emprega na criação. A ordem natural manifesta a lógica divina. Como Deus é verdade, não se contradiz; a sua obra, pois, continua: as leis da natureza são, simplesmente, esta não contradição em Deus. O milagre afirma a liberdade divina. Como somos estúpidos, poderíamos julgar que Deus está dominado pela sua obra, submetido a esta natureza que ele mesmo criou. Deus é bastante bom para nos recordar de tempos a tempos a sua liberdade. Mas Deus não nos explica o milagre como não nos explica os fenômenos da ordem natural. As árvores crescem, a chuva cai e
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Diversidad y Género
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
52
Felipe Dittrich / Marcos Vinicios de Araujo Vieira
o mar sobe sem nada dizer. O milagre produz-se sem dizer mais do que isso. Para nós fica o trabalho de compreender. (...) Deus manifesta a sua sabedoria na Natureza; manifesta mais particularmente a sua bondade e o seu amor no milagre, ainda que bondade e amor se possam ler por quem souber, na Natureza.” (1965:45-47) Romano Guardini, ao falar sobre gratidão, afirma, a esse respeito, que, “no fundo, nada do que se passa é totalmente natural (...), não é natural que o mundo se mantenha. Ele não é necessário, poderia não existir. Existe porque Deus o quis, e Ele qui-lo simplesmente porque o quis. Aquis terminam as razões e começa a pura liberdade”. (Guardini, 1957:87) Como chegar a essa compreensão, tão insólita para a nossa época? O Cardeal Gianfranco Ravasi afirmou, a propósito, o seguinte: “Descobrir no interior do cosmos, não a casualidade e o caos, mas uma mensagem, é um caminho espiritual. O famoso teólogo Daniélou chamava este itinerário de ‘revelação cósmica’. Todos os homens deveriam se esforçar para compreender o pergaminho que se estende do céu até a terra – a palavra secreta da própria criação. Tiro esta imagem da tradição sinagogal. Muitos homens veem o cosmos e permanecem insensíveis porque perderam a capacidade de se admirar. Contemplam o mundo com um olhar técnico, frio. Talvez por isso, violentemos a terra e escondamos os céus atrás da poluição. Precisamos fomentar a disposição que animava Pascal. Ele olhava os espaços infinitos, considerava a fragilidade humana e ficava perplexo diante de um contraste tão grande. O escritor inglês Chesterton dizia que o mundo não perecerá por falta de maravilhas - são muitas - mas por falta de admiração”. (Ravasi, 2009, s/p)
Conclusão O tema deste artigo é a crise ecológica, cujas causas e conseqüências têm sido objeto de abundantes reflexões e de acalorados debates. Não há hoje, entre as pessoas que se preocupam com os destinos da humanidade, uma única sequer que não tenha uma opinião formada sobre esse assunto. Não se contentando com explicações superficiais, algumas dessas pessoas, analisando os fatores sociológicos e econômicos subjacentes à degradação ecológica em curso, consideram a questão como parte de uma profunda crise civilizacional, como se os próprios alicerces do modelo de convivência que adotamos nos últimos séculos estivessem em processo de erosão e precisassem ser substituídos urgentemente. Estamos inclinados a aceitar essa hipótese. Nossa única ressalva, porém, é que, por mais convincente que pareça, ela peca por não ousar ir um pouco mais longe, por ignorar que, por detrás da denunciada destruição do nosso patrimônio natural, se ocultam questões ligadas à ordem metafísica do mundo, que remetem ao lugar do homem no cosmos e ao sentido da história. É imprescindível, pois, voltar às questões primeiras. Se a teologia é aqui aludida é porque estamos convencidos de que ela pode jogar alguma luz sobre assuntos que afetam nosso cotidiano de uma maneira ou de outra. Interessa-nos trazer essas questões ao debate científico e político em razão, sobretudo, de seus efeitos práticos. E poucas coisas têm importância mais prática em nossas vidas do que o modo como nos posicionamos diante de questões metafísicas. A
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Angelus Novus
fim de poupar muitas páginas de esclarecimento, convém dizer logo que a premissa desse texto é teologia cristã da criação. É bom que fique claro, no entanto, que a ideia não é, tomando por objeto a grave questão teológica que se aprofunda em nossa época, simplesmente alinhar argumentos em favor da superioridade da metafísica cristã contra um mundo que alguns julgam cada vez mais secular e alheio aos princípios da mensagem cristã. Não se trata disso. Aliás, não queremos alargar ainda mais o fosso que separa pensadores modernos e medievais. Os modernos dizem que os medievais foram por demais transcendentais, dando mais valor ao céu do que à terra. Os intelectuais simpáticos ao pensamento medieval, por seu turno, acusam os modernos de serem demasiadamente práticos para darem-se conta dos benefícios da espiritualidade. Julgamos estéril essa polêmica. Se fosse possível traduzir em uma imagem o argumento principal deste texto, talvez não haja outro melhor do que a cena bíblica da escada de Jacó, pela qual, se descem anjos em direção a terra, podem também subir os homens rumo ao céu (Gn 28:12-18). Tomamos a sério o significado profundo dessa imagem teológica do Primeiro Testamento, que supõe uma profunda conciliação entre as coisas imanentes e aquelas transcendentes, prenúncio do mistério cristão da encarnação de Deus. Queremos crer que, ao interpretar o mundo como sinal sacramental da transcendência divina, a teologia cristã presta um valioso serviço em proveito da preservação da natureza. Ao considerar a natureza como dádiva divina, o cristianismo empresta dignidade sagrada a ela e encoraja uma relação de delicadeza com as criaturas deste mundo. À luz da teologia da criação, queremos recuperar o sentido de mistério que caracteriza o mundo que habitamos e amamos, assinalando suas implicações sociológicas mais amplas. Que mistério? O personagem Markell, o peregrino do romance “O adolescente”, de Dostoievski, quando questionado sobre o significado de mistério, respondeu: “Tudo é um mistério, amigo. Em tudo existe o mistério de Deus. Cada árvore e cada arbusto encerra esse mistério. Podes ter certeza de que se uma avezinha canta e as estrelas brilham no céu, tudo isso faz parte do mesmo e único mistério”.
ET 3/5
¡Diversidad! ¿Algo más?
53
julio-diciembre 2015
Diversidad y Género
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
54
Felipe Dittrich / Marcos Vinicios de Araujo Vieira
Bibliografia
ARENDT, H. (1999). Eichmann em Jerusalém. São Paulo: Companhia das Letras. BOAVENTURA, S. (2012). Itinerário da Mente para Deus. Petrópolis: Vozes. BENJAMIN, W. (1994). Sobre o Conceito da História. In: Magia, Técnica, Arte e Política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Obras Escolhidas, Vol. 1. São Paulo: Brasiliense. CALVINO, I. (1999). Se um viajante numa noite de inverno. São Paulo: Companhia das Letras. FERREIRA, W. (2012). Indigência e Penúria na Era da Técnica. Veritas 57 (3): 205-218. FONTES FRANCISCANAS (2008) Petrópolis: Vozes. GALIMBERT, U. (2015). O Ser Humano da Era da Técnica. Cadernos IHU Idéias 218 (13): 01-28. CHESTERTON, G.K. (2007). Ortodoxia. São Paulo: Mundo Cristão. GUARDINI, R. (1957). Introdução à Oração. Lisboa: Editorial Aster. JOÃO PAULO II, (2001). O compromisso para afastar a catástrofe ecológica, Vaticano, Audiência Geral, 17 de Janeiro. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/audiences/2001/documents/ hf_jp-ii_aud_20010117.html LECLERCQ, J. (1965). Diálogo do Homem e de Deus. Lisboa: Editorial Aster. MARONI, A. (2005). Busca e Mistério. Campinas: Unicamp/IFCH. MIRANDOLA, G.P. (2008). Discurso sobre a dignidade do homem. Lisboa: Edições 70. RAVASI, G. (2009). Entrevista ao jornal O Estado de São Paulo. Disponível em: http://ciencia.estadao. com.br/noticias/geral,a-igreja-catolica-nunca-condenou-darwin-ou-seus-escritos,339769
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Marcos Reigota, RĂo de Janeiro, 2015.
Diversidad y Género
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
56
Solange Castellano Fernandes Monteiro
Movimentos sociais e educaçao ambiental: Os rios que passam em nossas vidas Solange Castellano Fernandes Monteiro* Resume: Essa pesquisa tem o foco em alguns movimentos curriculares Abstract: This research focuses on some curricular movements in nos quais docentes e alunos realisam dentro de uma escola de ensino which teachers and students have done inside a high school in Rio médio no Rio de Janeiro. Essas indagações nos moveram em direção de Janeiro. These questions lead us toward research in / of / with the à pesquisa nos/dos/com os cotidianos. Isso por entender que somos everyday life. This happens because we understand that we are subsujeitos da pesquisa e assumimos o cotidiano como um “tempoespaço” jects of the research and to assume the everyday life as a “time/placapaz de revelar inúmeras e complexas possibilidades e descobertas ce” able to reveal numerous and complex possibilities and discoveries do que emerge sem desperdiçar as transformações que acontecem até of what emerges without wasting the transformations that happens então desconhecidas. Nesse sentido, ao falarmos do que acontece nas hitherto unknown. Thus, when we speak of what happens inside the escolas, falamos das discussões de tantos “nós” e dos sujeitos com schools, we are talking about many discussions of “we” and the subseus valores e crenças em relação, nesse caso, das questões ambien- jects to their values and beliefs on, in this case, local and global envitais locais e globais, em especial, relacionadas à água. As questões ronmental issues, in particular related to water. The issues were how levantadas foram: como os movimentos curriculares ambientais den- curriculum movements of the environmental at schools can be added to tro das escolas podem se somar aos movimentos ambientais locais? O the local environmental movements? What happens inside the schools que se passa dentro das escolas que pode ajudar o cotidiano de alguns can help the daily life of some environmental movements, especially on movimentos ambientais, em especial em relação à questão da água? the issue of water? How the social emancipation that comes from the Como a emancipação social a partir da educação ambiental se soma a environmental education could add to the global social movements? movimentos sociais globais? Num esforço de respondê-las utilizamos In an effort to answer these questions four instruments were used: naquatro instrumentos: narrativas de alguns professores de Ciências da rratives of some natural sciences teacher in a secondary school, locaNatureza de uma escola de ensino médio, situada em Jacarepaguá, no ted at Jacarepaguá, Rio de Janeiro; written material and pictures of Rio de Janeiro; material escrito e imagens do projeto dos professores Biology Teachers project developed during 2014 at the same school de Biologia desenvolvido no ano de 2014 na escola pesquisada e ima- and pictures from the personal collection or news report of the engens do acervo pessoal ou de reportagens do movimento ambiental no vironmental movement in the neighborhood of the same city, posted bairro da mesma cidade, postados em redes sociais digitais, relaciona- on digital social networks, related to maintain the Canal das Taxas. dos à manutenção do Canal das Taxas. Dentro desse contexto, e diante In this context, and with all the possibilities that Environmental Edudas inúmeras possibilidades que a Educação Ambiental pode promov- cation can promote, this study is therefore, actions that embrace do er, esse estudo trata-se, portanto, de ações que abraçam não mais um not only a curricular component or a transversal theme anymore, but componente curricular ou um tema transversal, mas de intenso diálogo the intense dialogue modifications of traditional forms of working on de modificações das formas tradicionais de se trabalhar no cotidiano the schools’ everyday. So, we believe that the challenge of making the das escolas. Desse modo, consideramos que o desafio de tornar o mo- preparation time and the implementation of these projects in schools mento da elaboração e execução desses projetos nas escolas, atentos attentive to the printed movements in digital social networks can be an aos movimentos impressos nas redes sociais digitais pode ser um original movement to enable the environmental rationality in a social movimento inovador de possibilitar a racionalidade ambiental numa and environmental perspective. It reveals a demand to work for and perspectiva socioambiental revelando a demanda de trabalhar para e with the democracy and, thus, to make an Environmental Education com a democracia e, assim, tornar possível uma Educação Ambiental emancipatory for these rivers possible, rivers that are always going emancipatória nesses rios que estão sempre passando em nossas vidas. on in our lives. Palavras-chave: Movimentos curriculares - Educação Ambiental – Emancipação Social - Redes Sociais Digitais - Cotidiano
S
Keywords: Curricular Movements - Environmental Education - Social Emancipation - digital social networks - daily life
egundo Maria da Gloria Gohn, “uma das premissas básicas a respeito dos movimentos sociais é: são fontes de inovação e matrizes geradoras de saberes. Entretanto, não se trata de um processo isolado, mas de caráter político-social” (Gohn, 2011:333). Nesse sentido, para analisar os saberes que emergem na relação Movimentos Sociais X Educação Ambiental X Cotidiano Escolar, no mundo contemporâneo, essa pesquisa tem o foco em alguns movimentos curriculares em que docentes e alunos realisam dentro de uma escola de ensino médio no Rio de Janeiro. Esses movimentos curricula-
* Instituto de Familia (INFA/RJ) e´maili: castellanosol@gmail.com
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Movimentos sociais e educação ambiental
As questões que se levantam são: como os movimentos curriculares ambientais dentro das escolas podem se somar aos movimentos ambientais locais? O que se passa dentro das escolas que pode ajudar o cotidiano de alguns movimentos ambientais, em especial em relação à questão da água? Como a emancipação social a partir da educação ambiental se soma a movimentos sociais globais? Estas foram algumas indagações que nos moveram em direção à pesquisa. O horizonte no qual se pretende responder essas questões e falar desse tema tão contemporâneo, em especial nos últimos anos, escolhemos a metodologia da pesquisa nos/dos/com os cotidianos. Isso por entender que somos sujeitos da pesquisa. Assim, nós assumimos o cotidiano como um tempolugar capaz de nos revelar inúmeras e complexas possibilidades. Nessa metodologia somamos as descobertas do que emerge sem desperdiçar cada detalhe que acontece no cotidiano (Certeau, 2000). Nesse sentido, ao falarmos do que acontece na escola e o que se aprende nos movimentos ambientais locais falamos de nós e de sua relação com o mundo. Falamos das discussões de tantos “nós” e dos sujeitos com seus valores e crenças em conexão com as questões ambientais locais e globais, nesse caso, relacionadas ao tema da água.
No entanto, nossas vozes não conseguem expressar toda riqueza presente em cada momento. Isso porque tudo muda quando nada parece mudar no cotidiano. Afinal, nós pesquisadores dessa metodologia, como já foi sinalizado, entendemos o cotidiano a partir do momento que vivemos com esses mesmos cotidianos de forma atenta aos seus sinais vivenciados. E, ainda, partilhamos na participação contínua nas escolas e no que acontece fora dela. Ou seja, é preciso conviver com suas/nossas experiências locais, buscarmos estar atentos ao que se passa quando nada parece passar (Pais, 2003).
57
¡Diversidad! ¿Algo más?
res somados a ações de movimentos ambientais locais, “infinitamente simples”, ligam redes de conhecimentos em suas múltiplas ações que se tornam coletivas como fontes integradas em “temposespaços” diferenciados. Além disso, esses movimentos curriculares ambientais também podem se abrir para novos movimentos. Ou seja, permitir nesses “espaçostempos” escolares a possibilidade da busca de uma emancipação social tão almejada e legitimada pela Educação Ambiental que acontece fora das escolas. siguiente contribución es un bosquejo de una propuesta de investigación que el autor pretende realizar. La propuesta ha sido presentada a una fundación alemana que convoca a personalidades investigadores a presentar propuestas de investigación que salen tanto desde su objetivo como también metodológicamente de lo común y que sean interdisciplinarios.
Nos Estudos com o cotidiano a complexidade só pode ser apreendida por um processo de dupla captura: a complexidade horizontal da vida social deve ser reconhecida e descrita na contextualização do vivido, que está intimamente implicada na complexidade vertical da vida social e na coexistência de relações sociais datadas em diferentes momentos históricos. Em Lefebvre, no vivido, os diferentes modos de produção de significados e interações e a experiência concreta das contradições são simultâneos e coexiste, o que possibilita a emergência dos momentos de criação que transformam o impossível no possível imediato. Na vida cotidiana o tempo é o tempo do possível, que se manifesta como impossível; é na e pela prática cotidiana do homem comum que se produzem as condições de (e se efetivam, muitas vezes de modo fragmentado e pontual, mas nem por isso menos importante) transformação do impossível no possível. (Pérez; Azevedo, 2008:39). A realização da pesquisa teve como metodologia quatro instrumentos: o primeiro foi baseado em narrativas de alguns professores de Ciências da Natureza de uma escola de ensino médio; o segundo foi um material escrito do projeto dos professores de Biologia desenvolvido no ano de 2014 na escola pesquisada; o terceiro instrumento foi: algumas imagens do projeto dos professores, do meu
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Diversidad y Género
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
58
acervo pessoal a partir da participação em um movimento ambiental no bairro do Recreio dos Bandeirantes e de postagens em redes sociais de coberturas jornalísticas e de informações do movimento de preservação do Canal das Taxa. O quarto foi dos textos das reportagens realizadas por um jornal e relacionadas ao mesmo movimento já citado. Esses textos também foram postados na internet. Ainda estudamos os compromissos propostos pela Agenda 21 para auxiliar na análise dos instrumentos. As narrativas levantadas nos dão pistas para pensarmos os movimentos dentro e fora da escola em sua dimensão curricular e política. O uso das imagens no texto faz parte da própria pesquisa. Seja numa utilização como ilustração, testemunha ocular, fonte de pesquisa e/ou análise da expressão estética dos momentos vividos. Cada imagem serve como um suplemento significativo no texto escrito por se tratar de uma ferramenta importante na perspectiva da “importância da imagem como compreensão do conhecimento e do próprio entendimento da realidade [que] foi relegado ao segundo plano” (Alves, 2001: 7). Isso porque, nas últimas décadas, o uso de imagens passou a ser fonte alternativa aos documentos escritos. As imagens também podem aparecer como simplesmente testemunha ocular da fonte histórica. No entanto, entendemos que as imagens utilizadas nessa pesquisa por si só não darão conta do que pretendíamos descortinar. Isso porque como lembra Michel Foucault não podemos esquecer que:
Solange Castellano Fernandes Monteiro
No entanto, somente os instrumentos utilizados podem limitar a pesquisa no cotidiano que se vive. Para ampliar nossa análise a escrita de professores em seus projetos e as políticas registradas também nos ofereceram “representações sociais” importantes que emergem em nosso “tempoespaço”. Assim, ao observarmos a Agenda 21, entre suas inúmeras indicações a partir dos compromissos propostos, percebemos a necessidade do enfrentamento dos problemas socioambientais atuais. Essa agenda aponta para o sentido de como se forja uma metodologia de planejamento de ações que tornarão possíveis os confrontos dos problemas ambientais “glocais” (Reigota, 1999). Nesse sentido, propomos práticas cotidianas no tocante a necessidade de discutir a complexidade do tema e a proposta de os movimentos curriculares das escolas aos movimentos ambientais fora das escolas. No entanto, longe de tratar os problemas ambientais locais e globais com dicotomias, a pesquisa que se apresenta nesse artigo traz as reflexões importantes na busca de conectar a educação ambiental que acontece nos projetos desenvolvidos a partir das/nas políticas educacionais utilizadas nas escolas e sua relação com o mundo.
No entanto, segundo Marcos Reigota, a educação ambiental aponta para propostas pedagógicas centradas na conscientização, mudança de comportamento, desenvolvimento de competências, capacidade de avaliação e participação dos educandos. (Reigota,1998). A partir dessas premissas e diante das inúmeras possibilidades que a Por mais que se diga o que se vê, o que se vê não Educação Ambiental pode promover esse estudo e ações que se aloja jamais no que se diz, e por mais que se acontecem não mais apenas em um componente curricular faça ver o que se está dizendo por imagens, metá- ou um tema transversal. O fato é que assim acontece um foras, comparações, o lugar onde estas resplan- intenso diálogo de modificações nas formas tradicionais decem não é aquele que os olhos descortinam, de se trabalhar no cotidiano das escolas. Esses cenários mas aquele que as sucessões da sintaxe definem. e atuações parecem desconstruir uma cultura ancorada em uma epistemologia que ignora a apropriação que o (FOUCAULT, 2002: 12). capitalismo faz dos processos de relação com a natureza. E, Ou seja, em uma sociedade formada em torno em termos de atuação a prática capitalista, ainda provoca do sentido da visão não podemos desconsiderar os desenfreada busca de caminhos para salvar o planeta e instrumentos imagéticos em nossas pesquisas. sem uma preocupação com ações mais participativas.Mas,
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Movimentos sociais e educação ambiental
A caminhada no/do/com o cotidiano da escola pesquisada “Água, não tens gosto, nem cor, nem aroma; não te podemos definir; nós te bebemos sem te conhecer. Não és necessária à vida: és a vida. Tu nos penetras de um prazer que os sentidos não explicam.Contigo voltam a nós todos os poderes a que havíamos renunciado. Pela tua graça se abrem em nós todas as fontes estancadas. És a maior riqueza do mundo e também a mais delicada, ó tu, tão pura no ventre da terra. Pode-se morrer sobre uma fonte de água magnesiana. Pode-se morrer a dois passos de um lago de água. Pode-se morrer mesmo possuindo dois litros de orvalho que retêm alguns sais em suspensão. Não aceitais mistura, não suportas alteração, ó deusa esquiva... Mas difundes em nós uma felicidade infinitamente simples.” (Antoine de Saint-Exuperréry,2006:122) No cotidiano das escolas muito se tem discutido o tema da água. Após discussão dessa importante questão proposto por uma professora de Química surgiu um projeto de pesquisa com alunos da escola pesquisada: o estudo do livro Rios que passam pelo cotidiano das escolas: a emancipação social a partir da educação ambiental. A partir desse estudo foi elaborado e realizado, um projeto de pesquisa ambiental com os professores de Biologia. O coordenador de Ciências da Natureza e alguns outros docentes, da segunda série da Escola Sesc de Ensino Médio, em 2014, também participaram ativamente do projeto de forma interdisciplina.
O projeto denominado “O Rio que passa por nossas vidas: responsabilidade e consumo” teve como proposta inicial buscar um contato direto e uma visão mais próxima da trajetória do Rio Arroio Fundo. A escolha desse rio se deve ao fato dele ter duas nascentes: o Rio Grande e o Rio Pequeno. Essas nascentes que brotam dentro da reserva do Parque Estadual da Pedra Branca e se encontram formando o rio que passam em frente à Escola SESC de Ensino Médio, no Rio de Janeiro. Ou seja, faz parte de um “ver” cotidiano. A realização do projeto de forma integrada com alunos e professores desencadeou um desejo de ir além das discussões teóricas sobre a questão da água. O rio e a importância da sua despoluição para atender a população desse espaço vivido foram relacionados à questão das enchentes e doenças locais. Porém, inicialmente, ainda sem um trabalho concreto e sociopolítico da/na localidade. Após a leitura do livro estudado percebeu-se que professores e alunos pensaram a relevância da pesquisa elaborada para a consciência e compromisso com as questões da educação ambiental locais. Eles seguiram com a proposta desenvolvida em 2014 e este ano (2015) ampliaram o projeto para toda a primeira série do ensino médio. Incorporaram, juntamente com o coordenador da série, um projeto interdisciplinar que pulou os muros da escola. A escola em questão realizou trabalhos internos, propôs/ propõe discussões com o poder público e passou a desejar entrar em contato com movimentos ambientais locais. Também ampliaram o projeto para as questões das lagoas e reservas nessa localidade. A caminhada das discussões e trabalhos dentro da escola trouxe a possibilidade e a utopia perseguida por Humberto Maturana quando traz a biologia do observar. Segundo o autor, essas propostas de ação “acontece na práxis do viver na linguagem, em que ele ou ela [observador/a] se encontra enquanto tal, e de fato na experiência do acontecer, anterior a qualquer reflexão ou explicação” (Maturana, 2001: 263). Além disso, ao nos basearmos nos estudos de Humberto Maturana pretende-se tomar o caminho de um argumento adverso da explicação da objetividade feita pelo observador que se presume existir independente do que ele ou ela faz. Isso porque como Maturana afirma,
ET 3/5
59
¡Diversidad! ¿Algo más?
ações geradoras de lucro. Essa é a nossa preocupação e a de muitos pesquisadores do/no/com o cotidiano da Educação Ambiental como veremos a seguir na caminhada da escola pesquisada.
julio-diciembre 2015
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
Diversidad y Género
(...) nesse caminho explicativo, o observador é
60
consciente do fato de que todo o sistema racional
é um sistema de discurso coerente, que resulta
Solange Castellano Fernandes Monteiro
O que fica evidenciado são os caminhos dos participantes
na elaboração e vivência desses movimentos curriculares.
Assim, consideramos que o caminho e os caminhantes preci-
da aplicação recursiva impecável de um conjun- sam de uma atenção nesses projetos. to de características constitutivas implícitas ou
explicitamente aceitas a priori, como premissas
gerativas básicas. (op.cit.267)
No âmbito dessa discussão as descrições das práticas
cotidianas, a partir do que é observado aqui passam a “ser
o ponto de partida por ser o foco exorbitado da cultura
contemporânea e de seu consumo: a leitura” (Certeau,
Alguns caminhos caminhados pelos participantes no/do/com o projeto da escola sesc de ensino médio Os professores elaboram um roteiro para realizar uma observação in lócus da trajetória do rio a ser estudado. Esse roteiro foi pensado para se desenvolver em uma manhã e uma
2000: 48) para entendermos as representações sociais ad- tarde. Ele foi dividido em dois momentos porque os alunos vindas desses textos. Assim, compreendemos que as prá- estudam e os professores trabalham em horário integral. Asticas de Educação Ambiental são entendidas no cotidiano
sim, a observação local poderia reunir, em um mesmo dia,
das escolas e fora delas como possibilidade de emanci- aspectos interessantes para o estudo. pação social na perspectiva de possibilitar inspiração de
formalização teórica do que parece comum no grande movimento de vida cotidiana dos próprios projetos.
Roteiro do Projeto
Partimos do pressuposto da pesquisa de Machado
Roteiro da Manhã
Pais, “tomando o cotidiano como alavanca metodológi-
-Saída da escola às 7h
ca do conhecimento” (Pais, 2003:11). Esses estudos nos
serviram de âncoras teóricas para o entendimento das
-Chegada ao Parque Estadual da Pedra Branca 8h
protagonistas dessa escola. Pois, compreendemos que ao
-Trilha até a nascente do Rio Grande
-Visita à estação de tratamento e coleta de água da Cedae
práticas diárias de Educação Ambiental realizada pelos
se trabalhar com as investigações voltadas para o coti-
-Análise da água
diano das escolas e das práticas dos professores e alunos
-Saída do parque
em interação a possibilidade emancipatória pode estar presente em cada uma dessas mesmas ações. As práticas
emancipatórias nas escolas trazem embutida o que se implementa e observa no currículo enquanto documento de
identidade (Silva, 1999). Identidade porque vai além de
Parada para observação e análise da água do rio em dois outros trechos:
-1ª parada na Taquara, bairro próximo a reserva.
momentos de definir conteúdos a serem aprendidos. Afi-
-2ª parada na Cidade de Deus, bairro próximo a escola.
culo escolar, logo se pretende definir fundamentalmente
-Chegada a UTR Arroio fundo (Unidade de Tratamento - Estação de tratamento em frente a escola) às 11h30.
nal, em nossa cultura colegial “ao pensarmos sobre curríque conteúdos e habilidades precisam ser trabalhados”
(Macedo et alli, 2002:38).
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Almoço na escola de 12h30 às 14h
Movimentos sociais e educação ambiental
-Saída às 14h para visita a Reserva de Marapendi situada na Barra da Tijuca/Recreio -Chegada a estação das “ecobalsas” às 14h30 ? Passeio de “ecobalsa” por dentro da reserva ecológica, para registro fotográfico de espécies nativas da região ? Transição da reserva para o centro da barra por dentro do canal do Marapendi, registro fotográfico das espécies -Retorno para a estação das “ecobalsas” previsto para as 17h
tam que “A oportunidade de acompanhar um rio, tão presente em nossas vidas, desde sua nascente, promove ao
longo de seu curso d’água a possibilidade de conhecer
diversos aspectos do crescimento urbano e do desenvol-
vimento humano, com suas histórias e contradições”.
A oportunidade de ver a nascente com suas águas cla-
ras e límpidas, a constatação através da análise da água
realizada nos laboratórios da CEDAE, além das imagens
1; 2 e 3 a seguir, trazem algumas das grandes questões
em torno do tema da água. Somam-se a isso que essas
61
¡Diversidad! ¿Algo más?
Ao realizar o roteiro planejado os professores comen-
Roteiro da tarde
observações tiveram papel educativo para os sujeitos
- Conclusão da atividade:
que participaram do estudo de forma a relacionar teo-
Após o desembarque das balsas às 17h, lanche na praia para ver o por do sol
Retorno a escola com previsão de chegada às 19h (Projero: O Rio que passa por nossas vidas: responsabilidade e consumo p.3)
riaprática e visibilizar um acervo considerável de interpretações sociais presentes. Assim, o confronto entre pesquisa sobre as várias lutas sobre os movimentos de
despoluição das águas e sobre outras questões envolvendo as discussões ambientais “glocais” foram permanen-
temente discutidos.
Imagem 1
Estação de Tratamento e coleta de água da CEDAE.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
Solange Castellano Fernandes Monteiro
Diversidad y Género
Imagem 2
62
Imagem 3
Estação de Tratamento e coleta de água da CEDAE.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Movimentos sociais e educação ambiental
63
Imagem 5
¡Diversidad! ¿Algo más?
Imagem 4
Acervo da Escola Sesc - Rio Arroio Fundo próximo a Cidade de Deus/RJ Fotografias do acervo dos professores que foram tiradas durante uma durante uma parada para observar e analisar a água do rio em outro trecho fora da reserva.
Segundo o projeto dos professores, a comprovação da poluição da água durante o percurso do rio trouxeram indagações para serem trabalhadas no projeto dentro da escola, tais como: na mesma água que bebemos lançamos nosso esgoto? Por que a estação de tratamento foi instalada no limite da comunidade pobre e separa esta comunidade de um bairro nobre? Qual a relação do rio com as enchentes tão comuns nos verões cariocas? Essas perguntas perpassaram “por diversas disciplinas e esses saberes orientaram os professores como as margens sinuosas do rio direcionando o caminho das águas” (Projeto dos professores de Biologia/2014). Segundo os professores envolvidos, cada uma das interrogações surgiu e se intensificou durante todo percurso dos caminhos do desenvolvimento do roteiro. É curiosa a relação que as pessoas desenvolvem ao ver, cheirar e sentir o rio em suas modificações
a partir do que as comunidades e o desmazelo político poluem. Foi possível cada um e todos nós compreendermos, com esse caminho caminhado, que as pessoas que convivem diariamente com o rio parecem não mais perceberem sua existência. Possivelmente porque outras belezas naturais estão mais visíveis quando se trata de um lugar de grande especulação mobiliária no qual o mar é a referência turística. O projeto dos professores chama a atenção que pouco se faz fotos do rio estudado. Pois, parece não se deseja visibilizar as mazelas do reflexo social que ele carrega diariamente. Afinal, parece não ser interessante para as vendas imobiliárias ao descartar o excesso de lixo que esse rio carrega e desconsiderar sua essencial função para a vida local e global. É importante esclarecer que os encontros dos rios locais se comunicam com três lagoas. Essas lagoas formam um dos mais bonitos complexos do sistema lagunar no Rio de Janeiro. Na região do trecho estudado cresce uma cidade nova em volta. Assim, o projeto da escola se ampliou para observar as
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Diversidad y Género
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
64
lagoas de uma área preservada na Barra da Tijuca até o ponto que fica bem no centro da mesma. . No trecho final das lagoas, forma-se, então, esse “canal”, que um dia fora limpo. Além de testemunhar a triste transição das formas, cores, cheiros e vida que transforma completamente no trajeto lagoa/rio/canal, o projeto buscou uma visão mais próxima e completa da trajetória das águas do rio pesquisado podendo se aliar aos movimentos ambientais locais de despoluição dos “canais e lagoas”. Depois de observarem um “canal” malcheiroso, mas rodeado de imóveis de luxo, no coração da Barra da Tijuca- que é um dos bairros mais nobres de nossa cidade - o caráter educativo dessa prática curricular dentro/fora da escola. Esses movimentos somados às narrativas do coordenador de Ciências da Natureza em uma reunião da série de: “será que Língua Portuguesa poderia desenvolver alguma ação que somasse a esse projeto? Será que como vocês vão ensinar “cartas”, não poderiam pensar em ampliar e mandar para jornais, sei lá?” são propostas e inquietações em não ficar apenas num projeto estanque e restrito a uma área do conhecimento.Ou seja, não permanecer em uma única área ou local de estudo. Além disso, como anuncia Maria da Glória Gohn:
Solange Castellano Fernandes Monteiro
Por outro lado, abordar a complexidade das possibilidades emancipatórias a partir dos movimentos ambientais fora das escolas vão permitir novas reflexões em torno do assunto.
As possibilidades emancipatórias a partir dos movimentos ambientais
Ao se estudar a diferente noção com que se apresentam os movimentos ambientais não se pode deixar de apontar para as dimensões políticas e sociais as quais se representam em cada prática desenvolvida. Essas ações quando em relação com os movimentos curriculares e somados as discussões que ainda estão se travando, nesse momento histórico, trazem as complexas formas de como os movimentos ambientais com a preservação ou com a contínua recuperação do que fora degradado. Nesse sentido, os movimentos curriculares imbricados às questões ambientais que acontecem no interior das escolas, possivelmente, trazem à tona as diferente concepções de cuidado com o ambiente e provocam uma ação-reflexão-ação da própria Educação Ambiental. Esses movimentos curriculares somados aos das concepções de educação ambiental podem trazer para os processos educacionais formais (...) um caráter educativo nas práticas que se impulsos a superação dos problemas ambientais cotidiadesenrolam no ato de participar, tanto para os nos. Isso porque os movimentos travados entre currículo membros da sociedade civil, como para a soe educação ambiental são também processos sociais na ciedade mais geral, e também para os órgãos busca da emancipação a partir do inconformismo ou a públicos envolvidos – quando há negociações, indignação perante ao que existe dentro e fora das escolas. diálogos ou confrontos. Uma das premissas básicas a respeito dos movimentos sociais é: Mas, a qual emancipação se está referindo nesse mosão fontes de inovação e matrizes geradoras mento? de saberes. Entretanto, não se trata de um proA emancipação aqui pretendida e defendida parte das cesso isolado, mas de caráter político-social. ideias de Boaventura de Sousa Santos. Ideias no sentido (GOHN,2011:333). da realização de uma emancipação com possibilidade de pensar a subjetividade individual e coletiva de modo mais Por isso, consideramos que os movimentos curricula- integrado e íntegro, reduzindo as especificidades indivires de educação ambiental dentro das escolas de forma duais que fundam a personalidade, a autonomia e a liberparticipativa podem ser um movimento emancipatório. dade dos sujeitos (Santos, 2003). Soma-se a isso, que enE, desse modo, podem enfrentar uma realidade que exi- tendemos como esse pesquisador que não há democracia ge matrizes geradoras de saberes que não são isolados. sem condições de democracia. Ou seja, também parece que não há emancipação sem condições de emancipação.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Movimentos sociais e educação ambiental
práticas pedagógicas de Educação Ambiental e os movimentos de associações de moradores, de ambientalistas, moradores dos bairros que precisam superar a mera transmissão de conhecimentos ecologicamente corretos e as ações de sensibilização, rompendo as armadilhas pragmáticas e propiciando a cidadania ativa (Guimarães, 2004).
Por fim, mais do que compreender a natureza em suas diferentes manifestações, a Educação Ambiental como Isso também significa que se deseja alterar todo e possibilidade emancipatória busca tornar possível uma qualquer modo de autoritarismo no relacionamento espiral de alternativas democráticas, contínuas e permasocial. E, para isso, reconhecer o caráter político des- nentes. Ou seja, “sempre em processo de intensificação da sas relações assumindo a luta de transformar todas as democracia” (Oliveira, 2006: 154). E falar de democracia relações de poder em correlações partilhadas. Assim, traz a questão da autoria social no cotidiano como verea nova emancipação passa a se constituir nas lutas a mos a seguir. partir dos riscos que a sociedade contemporânea vem enfrentando. Outro passo importante será o de colocar de que democracia e emancipação estão intimamenA autoria social no cotidiano: Os te entrelaçadas e, ainda, indissociáveis nesse processo. Para pensar a questão democrática:
65
¡Diversidad! ¿Algo más?
Sendo assim, isso implica promover um conhecimento participativo democrático que forme subjetividades democráticas nos espaços estruturais das escolas e dos movimentos ambientais. No entanto, não se trata apenas de socializar os saberes, mas revalorizar socialmente os chamados saberes não formais que são tecidos durante os processos de participação nos movimentos travados nas escolas e/ou nos movimentos ambientais.
movimentos ambientais e as redes sociais
A emancipação não é mais um conjunto de lutas processuais, sem fim definido. O que a distingue de outros conjuntos de lutas é o sentido político da processualidade das lutas. Esse sentido é, para o campo social da emancipação, a ampliação e o aprofundamento das lutas democráticas em todos os espaços estruturais da prática social, conforme estabelecido na nova teoria democrática acima abordada (SANTOS, 2003: 227).
O falar ou o escrever também são “lutas” com recursos não somente linguísticos. Isso porque a palavra está sempre carregada de memórias e experiências únicas. Trata-se, portanto, de momento de tecer algum sentido para quem ouve ou lê. Desse modo as “lutas” para a conquista da autoria faz-se também no modelo do agir comunicativo (Habermas, 1981) permitindo, assim, a contínua participação do falante ou escritor faz diante dos sons e/ou letras que outros traçam/traçaram no cotidiano. Ou seja, a palavra ouvida ou lida é sempre um momento e lugar de continuidade e inovação.
Ao especificar de outra forma, a Educação Ambiental, como possibilidade emancipatória é tecida por um conjunto de ações-reflexões-ações que não estão contidas somente nas escolas. O que fica evidenciado é que a recuperação da emancipação social a partir dos movimentos curriculares com práticas ambientais passa, portanto, pelo papel do “sujeito encarnado” (Nadjmnovich, 2001) no e com o cotidiano de cada luta também fora da escola. Além disso, requer a superação das dicotomias entre as
Nesses novos tempos as redes sócias digitais parecem exercer um novo papel do processo de autoria. Observamos um grande movimento da conquista da autoria que não somente compreende o reconhecimento da palavra impressa, mas também dele resulta novos textos. Assim o encontro entre palavras e contrapalavras, imagens e comentários produzem fios diversos em nossa formação.Do ponto de vista da complexidade que esse “espaçotempo” se liga aos fios intermináveis de nossa identidade, as redes
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Diversidad y Género
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
66
sociais tecem conhecimentos que antes não nos dávamos conta. Ou seja, emerge uma nova autoria cotidiana. Considerando essas proposições, pensar a conquista da autoria no cotidiano das redes sociais, e/ou a partir delas, é entender que ela inclui um movimento implícito de cada sujeito forjando a autoria social. Isso significa uma autoria e uma formação cotidiana a partir das relações que se estabelecem nesse “espaçotempo” continuamente. Dentre as possibilidades de autoria nas redes sociais a “continuidade implícita e, às vezes, inconsciente, acompanhada da negação dessa relação” (Todorov, 1998: 71) versam que a autoria é, antes de tudo, compreensão de um movimento processual individual e coletivo. No nosso entendimento a autoria que se inscreve na tensão entre regulação e emancipação encontrada nas ações diárias de tudo que acontece. Assim, “destronado de sua antiga soberania pela linguagem” (Chartier, 2002: 101) e se relaciona em diálogos, em paródias, em contestação e participação. Considerando esse entendimento, acrescentamos que “a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas concernentes à vida” (Bakhtin,1999:95). Logo, essa premissa nos leva a acreditar que as redes sociais com convocações para movimentos ambientais é também “espaçotempo” de autoria coletiva e individual. Um caminho que se conquista mediante a participação democrática. Um “espaçotempo” coletivo que evidencia as chamadas para os eventos que se organizam e auxiliam na autoria das lutas ambientais. Portanto, a autoria nas redes sociais, se pensada como espaço participativo e democrático de criação e do próprio processo de reflexão permanente e aberto, é uma questão de emancipação social e fortalecimento da cidadania. Nesse sentido, a busca da conquista da autoria social pode estar relacionada à Educação Ambiental por essa ser eminentemente dialógica.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Solange Castellano Fernandes Monteiro
Como já mencionado, algumas imagens foram selecionadas a partir da retiradas das mesmas em redes sociais digitais. Capturadas de reportagens sobre a questão ambiental das águas do complexo lagunar de Jacarepaguá e do movimento de preservação do Canal das Taxas, na reserva de Marapendi no bairro Recreio dos Bandeirantes. Dessa maneira, as imagens selecionadas sintetizam uma série de outras redes de significação presentes no momento de compreensão das relações de quem as ler nesse texto (Alves, 2001). Dito de outra forma, cada uma dessas imagens pertencem a um processo contínuo de autoria das pessoas que as escolheram, nomearam e pensaram sobre as mesmas. Um processo que vai além do ver a imagem. Ação intimamente interligada e não dá conta da riqueza de cada momento. Porém, ajuda no as refletir das prática e liga os fios das redes de conhecimento de cada sujeito participante dos movimentos. Imagem 6
O símbolo do Movimento de Despoluição do Canal das Taxas que se encontra na página do movimento, camisetas e adesivos que são distribuídos nos eventos programados.
Movimentos sociais e educação ambiental
67
¡Diversidad! ¿Algo más?
Imagem 7
2º Abraço ao Canal das Taxas / Blog do Recreio 24/02/2015 0 Imagem 8
Na página mencionada anteriormente, além das informações e história do Movimento de Despoluição do Canal das Taxas, estão presentes alguns dados sobre o evento organizado, as informações, as convocações e resultados do que fora realizado. O “curtir”, o “compartilhamento” e os “comentários” trazem a interação possível com os “sujeitos ordinários” (Certeau, 2000) que se aderem ao processo de autoria social possível. Acreditamos que são tais constituições que apontam algumas possibilidades de autoria social e sua relação com os movimentos ambientais e as redes sociais. Para dar mais realismo às imagens e aos sons desse movimento ambiental existe outro efeito no qual o discurso vai se ampliando: o discurso nos jornais das imagens televisivas e da imprensa escrita. As imagens 8 e 9 a seguir testemunham bem essa premissa:
Acervo pessoal - Emissora da TV GLOBO que entrevista crianças presentes no Movimento
Moradores do Recreio, através do Grupo do Recreio no Facebook (clique aqui), se organizam para realizar o 2º Ato Simbólico pelo Meio Ambiente, “Abraço ao Canal das Taxas”. Como vocês sabem o Canal das Taxas está assoreado e poluído por esgoto. Certo? Então vamos às informações iniciais: O que já foi feito? No dia 13 de abril de 2014 os moradores (https://ptbr.facebook.com/MovimentoDeDespoluicaoDoCanalDasTaxas/photos /a.391440864304419.1073741827.391436700971502/628093610639142/?type=1)
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Diversidad y Género
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
68
Essas imagens, somadas às outras do Abraço Simbólico ao Canal das Taxas, provocam os participantes a exigir encaminhamentos para andamento da petição enviada ao Ministério Público. A resolução imediata da despoluição e cuidados com o esgoto despejado no canal parece mobilizar outros participantes de outras partes do mundo. A finalidade Facebook do Grupo do Recreio- Repórter morador do bairro escreve reportagem para a dessas imagens geRevista que circula aos domingos no Jornal O ram efeitos de sentiGLOBO. dos múltiplos e pode configurar que os movimentos ambientais locais podem ultrapassar diferentes fronteiras. Assim, tornam-se globais. É essa perspectiva que torna a imagem 10 testemunha do desejo de fazer ecoar no mundo as lutas locais. Imagem 9
Solange Castellano Fernandes Monteiro
As imagens 11 e 12 apresentam crianças próximas ao símbolo maior do movimento: o jacaré. De forma lúdica, o movimento em questão vai atraindo as crianças. Com ironia e crítica também chama a atenção da população loca acostumada com cultura de fantasias carnavalesca no Rio de Janeiro. Além disso, as diferentes idades, os cartazes e desenhos podem nos ajudar a refletir também outra cultura: a escolar. Além dessa cultura, a própria faixa escrita na língua inglesa parece querer ir mais a frente do movimento local. Pois, comunica para/com outra língua na tentativa de ir além-mundo, visa os eventos que acontecerão no Rio de Janeiro em 2016 e ultrapassa os limites locais. Tendo em vista que nesse movimento do Segundo Abraço para a Despoluição do Canal das Taxas encontramos adultos de profissões variadas, crianças pertencentes a várias escolas e no momento em que falamos que exteriorizamos nossa palavra também na autoria de cartazes e faixas, se pode inferir que essas crianças e pessoas envolvidas poderão levar para seus diferentes “espaçostempos” noções de lutas sociais e ambientais importantes.. No entanto, esse conhecimento de si e do mundo que o cerca será aproveitado nas escolas desses mesmos alunos? Somarão aos estudos e aos planos de educação ambiental do interior das escolas? A conversa se limitará aos encontros de pátios e corredores? Essas são outras provocações para novas pesquisas que provocarão novas autorias sociais e considerações.
Imagem 10
Segundo Abraço ao Canal das Taxas em abril de 2015. Retiradas da página do Movimento de Despoluição do Canal das Taxas. https://ptbr.facebook.com/MovimentoDeDespoluicaoDoCanalDasTaxas/photos
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Movimentos sociais e educação ambiental
69
Imagem 12
Retiradas da página do Movimento de Despoluição do Canal das Taxas. https://ptbr.facebook.com/MovimentoDeDespoluicaoDoCanalDasTaxas/photos
¡Diversidad! ¿Algo más?
Imagem 11
Considerações A análise do material colhido na escola pesquisada, nas redes sociais e nas reportagens sobre a luta pela despoluição do complexo lagunar da região de Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes trazem movimentos curriculares na escola e fora dela. Oferecem elementos que podem ser avaliados como significativa contribuição para os movimentos sociais que emergem a partir da Educação Ambiental nas escolas e nos movimentos ambientais. Pois, tanto os movimentos curriculares dentro das escolas como a participação social nos movimentos ambientais, fora dessas mesmas escolas, podem gerar conhecimentos que abordam a temática transnacional da questão do cuidado com a água do planeta. Além disso, essas ações desenvolvem negociações, diálogos e confrontos nos múltiplos “espaçostempos” também das/nas/com as redes sociais. Quando consideramos os focos da pesquisa nas práticas curriculares de Educação Ambiental presentes em cada um desses movimentos podemos observar que essas provocam inúmeras “representações sociais” do que se vive ou se viveu no cotidiano de sujeito comum. As narrativas levantadas durante na coleta de dados e posteriormente analisadas nos dão pistas para pensarmos os movimentos em sua dimensão curricular e política associando vida e conhecimento. Nessa perspectiva, também visibiliza as aprendizagens e as múltiplas possibilidades de ações presentes nas escolas e nos movimentos ambientais. Ao suscitar a emancipação social a partir da participação democrática percebemos que a hegemonia de sentido da incorporação das redes sociais, blogs e as TIC podem apontar outras possibilidades de respostas nas maneiras coletivas de socializar as informações Além disso, aumenta a probabilidades dos sujeitos comuns se incorporarem aos diferentes movimentos (Barreto, 2009). A partir das indagações levantadas foi possível perceber que os movimentos curriculares dentro das escolas podem ir além de seus muros. Eles podem somar-se aos movimentos ambientais locais e, no caso dessa pesquisa, com o tema universal de cuidado com água do palneta. Os dados coletados evidenciaram como a emancipação social a partir da educação ambiental se soma a movimentos sociais globais ao discutir questões “glocais”. Ressaltamos a importância dos registros imagéticos, os textos jornalísticos e os projetos dos professores como autoria social significativa. Logo a metodologia escolhida da pesquisa no/no/com o cotidiano trouxe a reflexão da educação que está presente também nos movimentos ambientais e na participação social dos caminhos de ações coletivas nos rios que passam em nossas vidas
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Diversidad y Género
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
70
Solange Castellano Fernandes Monteiro
Referências ALVES, N. (2001) Imagens das escolas: sobre redes de conhecimentos e currículos escolares. Educar, Curitiba, Editora da UFPR. Nº 17, p. 53-62.. BAKHTIN, M. (1974) Problemas da Poética de Dostoiéviski. Rio de Janeiro: Ed. Forense – Universitária;. BARRETO, R. G. (2009) Discursos, Tecnologias, Educação. Rio de Janeiro: EdUERJ. CERTEAU, M. de. (2000) A Invenção do Cotidiano: as artes de fazer. Petrópolis: Vozes/ RJ. CHARTIER R. (2002) Os desafios da escrita. São Paulo: Ed. UNESP, SP. FOUCAULT, M. de. (2002) A Palavra e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes. GOHN, M.da G. (2011) Movimentos sociais na contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação. Universidade Estadual de Campinas Universidade Nove de Julho. v. 16 n. 47 maio-ago. GUIMARÃES, M. A (2004)Formação de Educadores Ambientais Campinas: Papirus,. HABERMAS, J. (1981)Teoria de La acción comunicativa. Madrid: Taurus. MACEDO, E. (1999). Parâmetros Curriculares Nacionais: a falácia de seus temas transversais. In: Moreira A. F. org. Currículos: políticas e práticas. São Paulo: Papirus, MATURANA, H. (1998). Emoções e linguagem na educação e na política. 2ª Ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG. ___________(1998). Emoções e linguagem na educação e na política. 2ª Ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG. ___________(2001). A Ontologia da Realidade. 2ª Ed. Belo Horizonte: Ed. UFMG. MOSCOVICI, S. (2010) Representações Sociais. 7ª Ed. Petrópolis: Vozes.RJ. NADJAMOVICH, D. (2001). O sujeito encarnado: questões para a pesquisa do/no cotidiano. Rio de Janeiro: DP&A.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Movimentos sociais e educação ambiental
OLIVEIRA, I. B. de. (2006) Boaventura & a Educação. Belo Horizonte: Autêntica. PAIS, M. (2003) Vida Cotidiana: enigmas e revelações. São Paulo: Cortez. PÉREZ, C. L. V.& AZEVEDO, J. G. Apontamentos de aulas: questões teórico-metodológicas a respeito dos estudos com o cotidiano. In.: FERRAÇO, C. E.& PEREZ, C L. V.& OLIVEIRA, I. B. (Orgs.) (2008). Aprendizagens cotidianas com a pesquisa: novas reflexões em pesquisa nos/dos/com os cotidianos das escolas. Petrópolis: DP et Alii,.
¡Diversidad! ¿Algo más?
71
REIGOTA, M. (1999) A Floresta e a Escola: por uma educação ambiental pós-moderna. São Paulo: Cortez. _________(2008) O meio ambiente e a escola em Vidas Secas. Trabalho apresentado em Congresso de Pesquisa do cotidiano, UFF- Disponível em: http://www.grupalfa.com.br/arquivos/Congresso_trabalhosII/ palestras/Reigota.pdf 2008. Acesso em 23/03/2015. SANT – EXUPÉRY, A. (2006). Terra dos Homens. Rio de Janeiro: Nova Fronteira. SANTOS, B. de S.(2000) A Crítica da Razão Indolente: o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez. ______, org (2003). Reconhecer para libertar: os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. SILVA, T. T. (1999). Documentos de Identidade: uma introdução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica. TODOROV, Tzvetan (1998). A Conquista da América: A questão do Outro. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes. VYGOTSKY, L. S. (1998). O desenvolvimento psicológico na infância. São Paulo: Martins Fontes.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Diversidad y Género
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
Juan Machín Ramírez
¿Pueden Mayahuel y Xochipilli transformar una Universidad en una Poliversidad? Respetar la diversidad: de la prohibición a la gestión del consumo de sustancias
Juan Machín Ramírez*
72 Resumen: El consumo de sustancias psicoactivas es un fenómeno hipercomplejo tan antiguo como la humanidad, del que las y los jóvenes universitarios no son ajenos. El objetivo del presente texto es exponer una investigación sobre el consumo de sustancias psicoactivas en el contexto de dos espacios abiertos de la Ciudad Universitaria de la Universidad Nacional Autónoma de México: el jardín del estacionamiento de la Facultad de Filosofía y Letras, y las canchas de Frontón entre el Anexo de Ingeniería, la Facultad de Contaduría y Administración y la Escuela Nacional de Trabajo Social. En particular, se presentan las dinámicas de auto-organización (en lógicas territoriales y de mercado) de las interacciones de las personas que concurren en ambos espacios, como sistemas complejos que producen seguridad y diversos dispositivos de control y mediación de los conflictos. La propuesta de intervención que resultó de esta investigación está orientada a respetar la diversidad y pasar de una lógica persecutoria, criminalizante a una lógica de aprendizaje de la gestión de los placeres, en última instancia, de reducción de los riesgos y los daños asociados al consumo, abandonando la idea de la abstinencia como meta única.
Abstract: The use of psychoactive substances is a hypercomplex phenomenon as old as mankind, and of that university’s students are no strangers. The aim of this text is to present research on the use of psychoactive substances in the context of two open spaces of the National Autonomous University of Mexico: the garden in front of the parking of the Faculty of Philosophy and Letters, and frontennis courts between Annex of Engineering, the School of Accounting and Administration and the National School of Social Work. In particular, the dynamics of self-organization (in territorial and market logic) of the interactions of the people who attend in both spaces, as complex systems that produce safeness and diverse control and conflict mediation devices. The proposed intervention that resulted from this research is aimed at respecting diversity and switch the persecutory and criminalizing logic into learning the pleasures management, ultimately seeking to reduce the risks and harms associated with consumption rather than abstinence as the only goal.
Palabras clave: Universidad, Poliversidad, diversidad, consumo de sustancias psicoactivas, reducción de riesgos y daños
Keywords: University, Poliversity, diversity, psychoactive substances use, risk and harm reduction,
L
Sustancias psicoactivas y seres humanos: Un complejo vínculo
as sustancias psicoactivas, denominadas fármacos por los griegos (φαρμαχον, significa lo mismo remedio o medicina, que veneno, brebaje mágico o encantamiento) y actualmente más conocidas como drogas, fueron definidas por Galeno como aquellas que vencían al cuerpo, suscitando efectos orgánicos, anímicos o ambos, desproporcionados a la cantidad ingerida, en lugar de ser vencidas por él, es decir, ser simplemente asimiladas como alimento (Escohotado, 1999: 13). Hipócrates diferenciaba fármaco de alimento por la capacidad del primero de modificar el “estado presente”, y del segundo de mantenerlo. En este sentido, cuando se introduce en nuestro cuerpo (según sea el caso, de forma ingeri-
* Formación en la acción para la intervención en situaciones de sufrimiento. Co-fundador y Director General del Centro Cáritas de Formación para la Atención de las Farmacodepen-
dencias y Situaciones Críticas Asociadas A.C. Socio fundador de diversas organizaciones y redes de la sociedad civil entre las que destaca la Red Americana de Intervención en Situaciones de Sufrimiento Social (RAISSS). Investigador, docente, escritor, pintor, fotógrafo y promotor cultural. Autor y coautor de diversas publicaciones en México y otros países.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Respetar la diversidad
Todas las culturas, hasta donde se sabe (Weil y Rosen, 1999), han empleado substancias psicoactivas y la historia de su consumo es tan antigua y universal como la historia y prehistoria de la humanidad. Incluso hay autores, como Terence McKenna o Edgar Morin, que señalan que el descubrimiento de esas substancias tuvo un papel crucial en la hominización misma. Debido a la fuerza y variedad de efectos que producen las sustancias psicoactivas, las diferentes culturas construyeron diversos mecanismos sociales de regulación y control de su uso. Por ejemplo, el consumo del ixtac octli1, bebida fermentada del maguey (el pulque de la cultura mesoamericana),2 era estricta y exactamente controlado por todo un entramado cultural de sentidos, prácticas, prescripciones, prohibiciones, ritos, mitos, etcétera (Corcuera, 1994) integrado a una Weltangschauung completa, que regulaba tanto el comportamiento cotidiano como el relacionado a las situaciones extraordinarias. Así, por ejemplo existían diversas fiestas, de acuerdo al calendario tonalpohualli (que preveía las influencias cotidianas), en que era perfectamente lícito beber pulque. Conforme al calendario xiuhpohualli (que les permitía
1 2 3
ixtac octli, el licor blanco.
Pulque puede ser una corrupción española de octli poliuhqui, que significa licor descompuesto.
En realidad era un poco más complejo, consultar López, 2005: 85.
prever el destino individual y que guiaba su conducta pública), los nacidos en la fecha ome totchli, dos conejo, ineluctablemente serían inclinados a beber pulque sin remedio: la fuerza de los cuatrocientos conejos (Centzon Totochtin, hijos de Mayahuel, la diosa del Maguey, la de las cuatrocientas tetas, con las que alimenta a sus hijos) representando los incontables dioses de la embriaguez, penetraba de forma tal a las personas que fatídicamente la ebriedad los poseería como destino.3 Al orden relacionado a la distribución temporal, hay que agregar el ordenamiento asociado a los diferentes grupos sociales: productores de pulque, guerreros, sacerdotes, ancianos, etc. Para cada grupo existían normas y pautas claras y precisas que determinaban la cantidad, la frecuencia con la que lo podían hacer, etc. Lo mismo que hemos dicho del pulque se puede decir, mutatis mutandis, de los otros fármacos empleados, según sus propiedades particulares, como alucinógenos, euforizantes, embriagantes, estimulantes, somníferos, inductores de trance, entre los que podemos mencionar los teonanácatl (“Carne del Dios”, hongos Psilocybe mexicana), el peyote (cactácea Lophophora williamsii), el ololiuhqui (“Cosa redonda”, trepadora Turbina corymbosa), la “Hoja de la pastora” o pipiltzintzintli (Salvia divinorum), el botón del siniquiche, la semilla del tlápatl y el toloache o tolohuaxíhuitl (“yerba del diablo”, diversas especies de Daturas) (De Sahagún, 1999) asociados muchos de ellos a Xochipilli, dios de las flores, la música, la danza, la poesía y los placeres, esposo de Mayahuel, que era reproducido en los billetes de cien pesos en México, sentado con expresión extática (estupefacta) y con el cuerpo decorado con algunas de estas fuentes de fármacos.
73
¡Diversidad! ¿Algo más?
da, inhalada, fumada, inyectada u otras) alcohol, café, chocolate, marihuana, aspirina, tabaco, mate, heroína, LSD, peyote, metadona, y un larguísimo etcétera, se están consumiendo, lo sepamos o no, sustancias psicoactivas. Sin embargo, hoy sabemos algo que ignoraban Galeno e Hipócrates: el cuerpo humano mismo produce sus propias sustancias psicoactivas: estimulantes como la adrenalina y noradrenalina, depresoras como la serotonina y el ácido gamma-amino-butírico, opiáceos como las endorfinas, etc. Recientemente se ha encontrado que incluso nuestro cerebro produce moléculas similares al tetrahidrocanabinol, principio activo del cannabis.
Como muchas de estas sustancias psicoactivas son la base de rituales chamánicos (Eliade, 2001), a los fármacos se les ha denominado entéogenos, es decir, que engendran a Dios en el interior, y, también, encaósgenos (Machín, 2003), es decir, productores de un Caos interior: fuentes de confusión o claridad, energía o paz, accesos a formas distintas de conocimiento, cielo al mismo tiempo que infierno, medios de purificación y contaminación, creadores de orden y desorden, dadores de vida y muerte.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Diversidad y Género
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
74
Pero no se debe pensar que el uso de fármacos con fines rituales es cosa del pasado, por el contrario, pervive en muchos ritos como la peregrinación a Viricota, las curaciones mazatecas, la misma eucaristía cristiana, múltiples manifestaciones juveniles cargadas de un fuerte sentido ritual (religioso o no), incluyendo las practicadas en la Universidad. De esta manera, retomando su historia, el uso de sustancias psicoactivas se “puede considerar como uno de los estilos de vida de una comunidad” (Milanese et al, 2000: 19) es decir, contra lo que pareciera en muchos discursos, es parte de la normalidad de los sistemas sociales. Existe, además, todo un espectro de diversas maneras de relacionarse con las sustancias que van desde la necesidad cotidiana de tomar té o café4 hasta relaciones altamente destructivas con personas o cosas. Todo lo anterior nos ha llevado a considerar que el fenómeno del uso de sustancias psicoactivas es hipercomplejo y no es en sí mismo totalmente eliminable de nuestras comunidades y que, por lo tanto, el tema más que de su erradicación (la utopía de construir “un mundo libre de drogas”) es el de su gestión.
4 Dependencia que puede tener sus propios costos de salud, económicos, sociales (por ejemplo, durante el siglo XVII en Europa), etc. 5 Dentro del subproyecto “Educación Social para la Prevención y Atención de Conductas Adictivas” del Proyecto MP6-03 “Cultura del consumo de sustancias en un entorno universitario”, en la línea de investigación “Diagnóstico” dentro del Macroproyecto “Desarrollo de Nuevos Modelos para la Prevención y el Tratamiento de Conductas Adictivas”. SDEI-PTID-06-1 de la Universidad Nacional Autónoma de México, Secretaría de Desarrollo Institucional, Programa Transdisciplinario en Investigación y Desarrollo para Facultades y Escuelas, Unidad de Apoyo a la Investigación en Facultades y Escuelas. 6 Interesantes las reflexiones y precisiones de Suárez y Pérez Islas (2007: 5-8) sobre las distinciones necesarias entre jóvenes, estudiantes y universitarios. 7 Al hablar de sistema nos referimos al hecho de que toma su identidad a partir de los elementos que la constituyen; las relaciones entre éstos, y entre éstos y el todo que vienen a constituir, relacionándose entre sí y con el contexto-entorno. Cf. von Bertalanffy, 1982: 54-91.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Juan Machín Ramírez
Mayahuel y Xochipilli en la universidad La Ciudad Universitaria (CU) de la Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM) tiene una larga historia de consumo de sustancias psicoactivas, que ha dado origen a expresiones como la porra de la Facultad de Filosofía y Letras (conocida como “Filosofía y Yerbas”): “¡hongos, peyote y mota!, ¡en Filosofía no hay derrota!,” entre otras. Desde su origen, podemos hablar de generaciones de personas que han consumido en CU, lo que ha cambiado con el tiempo son las modalidades y los lugares. Así, una referencia clásica, hasta hace poco, es la correspondiente al consumo y tráfico en las llamadas “Islas”, pequeñas zonas arboladas diseminadas en la amplia explanada atrás de la Torre de Rectoría. Dos espacios abiertos paradigmáticos del consumo de sustancias psicoactivas legales e ilegales en CU son el jardín del estacionamiento de la Facultad de Filosofía y Letras conocido como “El revolcadero” (en referencia a que muchas personas se “revuelcan” en el pasto, apuntando al hecho que se tienen diversas prácticas afectivas, incluso sexuales) y el área de los frontones de la zona deportiva conocido como “Frontón-bar” (haciendo un juego de palabras, en referencia al alto consumo de alcohol similar al de un “bar”). En ambos espacios se llevó a cabo una investigación5 con recorridos de observación sistemática y entrevistas semi-estructuradas con informantes, principalmente estudiantes consumidores de sustancias psicoactivas (legales o ilegales), elementos de Vigilancia y Auxilio UNAM y otras personas como estudiantes no consumidores y comerciantes. La lectura de la información sistematizada, en base al metamodelo ECO2 (Machín, 2013), nos ha permitido descubrir que la interacción de las personas, en su mayoría jóvenes estudiantes universitarios6, forma un sistema7, en cada uno de los espacios estudiados, con las siguientes características:
Respetar la diversidad
- Relacional significante: como unidad global organizada de interrelaciones e interacciones que supera y articula entre sí los componentes individuales, con la capacidad de producir relaciones orientadas a un fin, significantes, que establecen e implican, por un lado, su conformación misma y, por el otro, el contexto en el cual su conformación se hace explícita (Morin, 1999:115-179). - Cuasi-autopoyético (Maturana & Varela, 1972; Luhman, 1991: 56-63): hasta cierta medida produce por sí mismo no sólo sus estructuras, sino también los elementos de que está compuesto. Los elementos del sistema no tienen una existencia independiente (no están ahí simplemente), son producidos en ciertos sentidos por el propio sistema: son informaciones (distinciones) que producen diferencias en el sistema. - Socioecológico: orientado a mantener su propia organización interna, su propia estabilidad, abierto a la posibilidad de coexistencia de todos sus elementos y sus dinámicas, a través de la conformación de sus propios códigos, símbolos y reglas de relación. De esta forma son posibles los pares opuestos orden-desorden, equilibrio-desequilibrio, posibilidad-amenaza, dependencia-independencia, seguridad-inseguridad, permanencia-cambio, permitido-prohibido, etc. - Complejo adaptativo: como red dinámica de agentes similares que actúan en paralelo, reaccionando constantemente a lo que otros agentes
Se retoman los aportes de De Certeau (2000), Duvignaud (1997) y Augé (2002), para quienes el lugar es un espacio relacional, histórico, simbólico, identitario. 8
están haciendo y buscan adaptarse a los cambios externos, sin un control centralizado. Basado en procesos de competencia y cooperación entre los agentes mismos, el comportamiento global del sistema (conocido como emergente) es el resultado de las decisiones efectuadas cada momento por muchos agentes individuales (Gell-Mann, 1998; 34-41, Axelrod, 2004; Johnson, 2003). Estos sistemas (disipativos, relacionales significantes, cuasi-autopoyéticos, socioecológicos, complejos adaptativos) se han auto-organizado en torno a dos grandes dinámicas:
75
¡Diversidad! ¿Algo más?
- Disipativo: abierto al flujo de masa, energía e información, en estado de no equilibrio estático y con fronteras difusas (Prigogine, 1996: 72-80).
a) Dinámica asociada a una lógica del espacio como territorio: dinámica proxémica (Hall, 2003: 6) de tensión entre no lugares, lugares e hiperlugares. La presente investigación ha evidenciado que los espacios de CU no se pueden reducir a su aspecto simplemente geométrico, físico, geográfico, ecológico o “abstracto” (en referencia al cruce de las cualidades abstractas de dimensión y ganancia, es decir, de la racionalidad productiva de la acumulación de capital), sino que debemos considerarlos como lugares8, es decir, espacios construidos y vividos socialmente, con una historia, asociados a una cultura, un imaginario social y dotados de sentido (en general basado en oposiciones binarias: público/privado, amenaza/ posibilidad). Un elemento fundamental del espacio como lugar es que responde a una lógica proxémica, es decir, a las diferentes maneras en que las personas utilizan el espacio como territorio: por ejemplo, el establecimiento de una diferencia entre espacio personal y social, privado y público, por lo tanto, la definición de lugar defendido (no necesariamente como área de residencia definitiva, permanente). Este empleo diferenciado del uso social del espacio (territorializado), orientado a la auto-organización del sistema y a la construcción de seguridad, está basado en pautas comunicacionales y metacomunicacionales (Watzlawick et al, 1993) organizadas por: Una disposición determinada de elementos físicos diversos (cuerpos, árboles, senderos, muros, rocas, agua,
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Diversidad y Género
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
76
etc.), como sistema de posiciones relativas, donde sus relaciones permiten, por ejemplo, la definición implícita de un espectro adecuado de distancias (Hall, 2003: 139-159) y posibilidades de movimiento. Una serie tanto de tácticas9 como de estrategias10, a partir de la apropiación del lugar (como consumo/posesión del espacio, es decir, transformado en territorio) y su control, a través de un sistema de dispositivos para la regulación de los movimientos: prácticas que definen un espectro de las posibilidades de movilidad, como una especie de ajedrez o juego perfectamente reglamentado, estableciendo los vectores de movimiento permitidos/prohibidos/ prescritos/regulados, demarcando sus orientaciones e intensidades, temporalidades, circunstancias: por ejemplo, un sitio donde se puede circular prácticamente en cualquier dirección durante cierta distancia (la explanada, donde se permiten desplazamientos radiales a partir de un punto, formando una semiesfera), o en una sola dirección (un sendero), un solo sentido (para un auto que respeta las normas de tránsito, una calle de un solo sentido), o sólo hasta cierto límite (por ejemplo, una barda u otro obstáculo prácticamente infranqueable). La red de re-juegos con que las personas actualizan alguna de ellas, a través de la negociación, la confrontación, la improvisación, la desviación, la redefinición de sus funciones, etc. Por ejemplo, las y los jóvenes se reúnen en grupos (nunca se forma un único gran grupo, físicamente posible, socialmente inviable por las valencias afectivo-cognitivas
9 Tácticas en cuanto a prácticas, patrones, que “consumen” el espacio, no lo poseen en sentido estricto, más ligadas a lo inconsciente, son invenciones del momento, improvisaciones, que responden a una coyuntura y hacen uso de lo que está a mano. 10 Estrategias en tanto son prácticas, patrones de movimientos planificados (es decir, conscientes y con una racionalidad orientada a fines) que busca explícitamente mantener o incrementar el dominio, es decir, orientados a poseer (de facto más que de iure) un espacio, considerado, entonces como territorio.
El espacio de los flujos es la organización material de la interacción social simultánea a distancia a través de la comunicación en red, con el apoyo tecnológico de las telecomunicaciones, los sistemas de comunicación interactivos y las tecnologías de transporte rápido. Cf, (Castells, 1999: 445).
11
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Juan Machín Ramírez
positivas o negativas percibidas en la interacción misma), cada grupo forma un círculo en el piso y cuando el círculo está cerrado no se acercan otros actores; en cambio cuando el círculo se abre es como una señal de apertura para la interacción y es cuando los vendedores y otras personas se aproximan. Los usuarios transforman los espacios abiertos de la Universidad de no-lugares (en el sentido de Augé, 2002: 81-118) en lugares-territorios (si bien transitorios, fluidos, móviles, nómadas) y al entrar en interacción todos los actores se convierten en hiperlugares, espacios n-dimensionales, es decir, lugares donde las personas pueden llevar a cabo actividades diferentes, simultáneamente, en múltiples campos sociales. Un hiperlugar puede ser definido como un espacio en el que coexisten simultáneamente diferentes dimensiones y escalas. A semejanza de un hipertexto que pertenece simultáneamente a diferentes textos, un hiperlugar cobra sentido a través de diversas narrativas ubicadas en dimensiones diferentes. Así los espacios del “revolcadero” y del “frontón-bar”, son simultáneamente parte integrante de la Universidad como un todo, que tiene en sí misma diferentes dimensiones y escalas, por ejemplo, una escala mundial, cuando la consideramos patrimonio de la humanidad o si se toman en cuenta todos los turistas que la visitan, o dimensiones/escalas asociadas al paisaje urbano de la ciudad de México o del diseño arquitectónico, cuando la miramos como universidad pública o centro de trabajo, como espacio de flujos,11 etc. A su vez, ambos espacios tienen funciones múltiples dentro de la propia Universidad: áreas verdes, zonas deportivas, etc. En ese sentido, más que Universidad se trata de una Multi o Poliversidad, un espacio abierto a la diversidad. Como en todos los espacios sociales se pueden identificar conflictos entre los diversos actores; aquí, lógicamente, gran parte de ellos son por el uso mismo del espacio. El espacio se convierte en un campo de fuerzas (en el sentido de Bourdieu o de Foucault más que en el sentido de Lewin o Maxwell) de los actores en lucha. En este sentido, podemos hacer la hipótesis de que el espacio se ha organizado de manera isomórfica (Machín y Molina, 1987) a la universidad/poliversidad.
Respetar la diversidad
La zona del “revolcadero” se encuentra organizada en tres grandes territorios que, a su vez, se subdividen en territorios más pequeños en una lógica cuasifractal (Mandelbrot,1997)dereproducciónautosimilardelespacio: Territorio “A”: es el territorio más público, similar a un parque, con la vida cotidiana de convivencia familiar, amistad y noviazgo, estudio, descanso, deporte, ensayos teatrales, etc. En ciertos horarios se da lugar a manifestaciones afectivas, incluso sexuales. Territorio “B”: lugar de consumo de alcohol y uso de otras sustancias psicoactivas, organizados en grupos, sin límite de día y horario.
Cada actor, además con diferentes roles actanciales: consumidores o no, amenaza o posibilidad..
12
Cluster, racimo en inglés, es un término muy utilizado en el campo del análisis de redes sociales (Network Analysis) y aceptado sin traducción para referirse a la formación de subsistemas de alta densidad: “arracimados”.
13
Territorio “C”: lugar organizado por el comercio de todo tipo de mercancías, en especial la venta de sustancias psicoactivas ilegales. Consumo fuerte de alcohol y uso de otras sustancias psicoactivas. La zona del “Frontonbar” está organizado similarmente en espacios para el consumo de alcohol y en menor grado marihuana o drogas más duras, para la convivencia de grupos deportistas y sus familiares, consumidores y no, espacios más públicos para el estudio y el consumo de alimentos y espacios para las relaciones de pareja. b) La lógica de mercado
77
¡Diversidad! ¿Algo más?
Si consideramos la escala de la interacción de las diferentes personas que usan ese espacio se han identificado tres grandes roles (jóvenes estudiantes universitario/as, personal (administrativo y docente) de la universidad, comerciantes informales)12 que emplean el espacio con múltiples y variados sentidos (lugares de tránsito, consumo, recreo, trabajo, estudio, socialización, que abarca todo el espectro de lo completamente público (en el sentido de universidad pública) a lo privado, como espacio de encuentro con los amigos, o incluso íntimo como espacio de relaciones sexuales o de recogimiento personal) y a través de diferentes estrategias (fragmentación, definición de fronteras y su grado de permeabilidad, la ocupación del espacio y el manejo de la distancia como diferenciador del carácter público-abierto / privado-íntimo, formación de clusters,13 territorialización).
Esta lógica no excluye pero no se reduce al aspecto abstracto de la búsqueda de ganancia, es decir, de la racionalidad productiva de la acumulación de capital, ni a otros aspectos relativos reducidos a la dimensión económica, sino que incluye, además, dinámicas del trueque y otras asociadas donde tienen mayor peso las dimensiones sociales, culturales y simbólicas (remitiendo al sentido amplio de mercado, en procesos más o menos análogos a los del circuito kula y del potlach). Esta lógica de mercado regula la apropiación privada de los espacios públicos y los transforma en territorios para el consumo. El acceso, parcialmente, se basa en la capacidad de pagar o intercambiar. Este control del espacio y de las relaciones asegura la disminución de la irregularidad, la impredictibilidad y la inseguridad. Sin embargo, a pesar de la complejidad del sistema, éste se ha auto-organizado en gran medida, creando patrones de interacción con un nivel de escalamiento de conflictos muy bajo y con un alto nivel de seguridad para los actores. En esta dinámica de auto-organización hemos descubierto una recursividad muy grande donde el espacio organiza las relaciones que organizan el espacio y el mercado organiza las relaciones que organizan el mercado, y ambos ciclos conectados entre sí por las relaciones que organizan tanto el espacio como el mercado y son, recursivamente, organizadas por éstos, como lo representa el siguiente diagrama:
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Juan Machín Ramírez
Diversidad y Género
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
78
Elaboración propia, 2015.
Otro elemento clave es que esta auto-organización está orientada también al auto-control y la solución autónoma de los conflictos y necesidades. El Consejo Nacional contra las Adicciones en su Programa contra la farmacodependencia afirmó que: […] el uso y abuso de drogas ilegales aún son conductas raras dentro del total de la población de nuestro país, así como de otras sociedades... Asimismo, en todos los países se ha demostrado que, entre los que han probado alguna droga, un número reducido continúa consumiéndola. También hay una proporción de usuarios de drogas que las consume de manera funcional, sin presentar problemas que requieran atención en servicios de salud, o que sean captados por las instituciones de justicia (CONADIC,1999: 19). Esto es aplicable también dentro de la Universidad. En este contexto se ha descubierto que las sustancias psicoactivas juegan un rol muy significativo de mediación de las relaciones: como médium de socialización intragrupal, generalmente ritualizado, y como médium de interacción intergrupal, a través del intercambio (compraventa, trueque) de bienes y servicios. Una intermediación entre oferta pública y consumo privado.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
En contraste con nuestra investigación, según la información de la Encuesta nacional de juventud 2005 (citada por Suárez y Pérez Islas, 2008), a la pregunta de “¿Qué tanto se justifica para ti los siguientes comportamientos?”, los comportamientos más rechazados fueron “fumar marihuana” y “pegarle a una mujer” con un índice de 2.2 (promedio ponderado donde los valores iban de 10 (mucho), 8 (algo), 6 (poco) y 0 (nada), comparados con divorciarse (el menos rechazado con un índice de 4.8), tener relaciones sexuales antes de casarse (4.3), no pagar impuestos y quedarte con el dinero que encuentras (3.9), comprar algo pirata, ser homosexual, la eutanasia (3.7), enfrentarse a la policía (3.5), matar en defensa propia (3.4), tener relación con casados, tener relaciones sexuales con compañeros (3.2), recibir o dar mordida, hacer justicia por propia mano, mentir para obtener un beneficio (3.1), abortar, comprar algo robado (3.0), que los padres peguen a los hijos, no avisar en caso de dañar un vehículo (2.9) fumar en lugares públicos, la prostitución (2.7), robarse la luz (2.5), suicidarse, tomar sin permiso un carro ajeno (2.4), tirar basura en lugares públicos, superar los límites de velocidad (2.3). Y a la pregunta “¿Qué tanto crees tú que en México los jóvenes tienen estos comportamientos?” Consideran que fumar marihuana es tan practicado como superar los límites de velocidad, abortar, recibir o dar mordida (6.7), superados por tener relaciones sexuales con compañeros, mentir para obtener un beneficio, comprar algo robado, fumar en lugares
Respetar la diversidad
En las entrevistas que se realizaron en el Revolcadero y el Frontón-bar, en cambio, existe una tendencia de no considerar como problema el consumo de sustancias psicoactivas dentro de los espacios estudiados. Sin embargo, sí aparecen como molestias asociadas las riñas entre “borrachos” y el mal olor del humo de la marihuana (en tercer y noveno orden de importancia entre quince problemas mencionados). En cambio, las principales preocupaciones se encuentran en: a) Falta de vigilancia y seguridad. b) El cuidado de la imagen de CU. c) Basura y falta de contenedores. d) Que se orine en vía pública y el mal olor que produce.
Intervención sinérgica sobre los sistemas A partir del diagnóstico, propusimos a las autoridades universitarias14 construir y poner en marcha, en uno de los espacios abiertos de consumo de sustancias psicoactivas, un dispositivo de intervención para la gestión del consumo, la reducción de los riesgos y los daños, y, en los casos necesarios, de canalización al tratamiento. El dispositivo se diseñó en base a la observación y entendimiento de las reglas y lógicas comunitarias, tratando de evitar procesos de exclusión y estigmatización. El dispositivo trata de integrarse lo mejor posible al contexto cotidiano de los espacios, sin convertirse en una amenaza evidente. A través del dispositivo, se pretende propiciar la articulación y sinergia de los recursos de la propia comunidad universitaria para mejorar la calidad de vida de los universitarios. 14 Propuesta finalmente rechazada por considerar que violentaba las normas universitarias. Predominó la lógica UNI-versitaria de imposición monolítica versus la lógica respetuosa de la diversidad POLI-versitaria.
¿Qué se entiende por mejorar la calidad de vida de los universitarios? El hecho de que el consumo de sustancias psicoactivas ilegales sea considerada como uno de los problemas más graves de la Universidad es producto de la construcción de una representación social y de extrapolación de una elaboración política aplicada a nuestra sociedad, que hemos descubierto no corresponde a la realidad universitaria. Existe consumo de sustancias psicoactivas ilegales, sí. Y el consumo puede generar problemas, sí. Sin embargo, en muchos sentidos, podemos considerar otros problemas mucho más graves (tanto en número como en consecuencias para la universidad): la deserción escolar, embarazos no deseados, infecciones de transmisión sexual, consumo inmoderado de alcohol.
79
¡Diversidad! ¿Algo más?
públicos (6.8), divorciarse (6.9), tener relaciones sexuales antes de casarse, quedarte con el dinero que encuentras, tirar basura en lugares públicos (7.0), comprar algo pirata (7.3, el comportamiento considerado más frecuente).
Por lo tanto, una intervención orientada al consumo de sustancias psicoactivas debe contemplar tanto las sustancias legales como las ilegales, diferenciar los diversos subgrupos y tener un acercamiento integral, en función de los distintos niveles de riesgos y daños asociados, incorporando una perspectiva generacional, de género y de derechos humanos. Mejorar la calidad de vida, implica, entonces, incidir en prevenir o atenuar problemas asociados a: conductas sexuales (ITS, embarazo no deseado, explotación sexual comercial), violencia (riñas, conflictos), accidentes, exclusión, estigmatización, deserción, bajo rendimiento, inseguridad (robos, violaciones), incluso la imagen institucional de la UNAM. Y, también por supuesto, al consumo de sustancias psicoactivas legales o no, buscando, en algunos casos el dejar de consumir, en otros una disminución del número de sustancias o de la frecuencia de uso o de las dosis, pasar del consumo de sustancias de más a menos problemáticas, evitar intoxicaciones, sobredosis, etc. Conocer mejor los efectos, el manejo de los efectos indeseables, etc. En resumen, gestionar con seguridad el consumo, no buscar exclusivamente su erradicación, meta irreal y éticamente cuestionable. Por lo tanto, la intervención contempla hacer un fuerte trabajo de articulación de red (es decir, identificando los nodos y construyendo lazos entre ellos), sabiendo que dentro la Universidad se cuenta con diferentes recursos
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Diversidad y Género
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
80
Juan Machín Ramírez
que, por un lado, no están sensibilizados frente este fenómeno y, por otro lado, trabajan completamente desarticulados, desconociendo sus estrategias, servicios y en plena carencia de estrategias conjuntas de intervención. Finalmente, un elemento clave de la estrategia es vincular y propiciar la participación de las y los estudiantes consumidores en la definición e implementación de las políticas universitarias relacionadas con el tema de sustancias psicoactivas y temas asociados. Así, la propuesta de intervención está orientada a respetar la diversidad y pasar de una lógica persecutoria, criminalizante a una lógica de aprendizaje de la gestión de los placeres, en última instancia, buscando la reducción de los riesgos y los daños asociados al consumo y no la abstinencia como meta única. Es decir, promover una gestión más eficaz del consumo, respetando la diversidad de la población universitaria. Proponemos romper una lógica de reducción y simplificación, pasando a un aumento de la complejidad efectiva de los sistemas y apostando, en ese sentido, a permitir que Mayahuel y Xochipilli transformen la UNI-versidad en una POLI-versidad. Esperamos un día no muy lejano sea posible.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Respetar la diversidad
Bibliografía AXELROD, R. (2004). La complejidad de la Cooperación. Modelos de cooperación y colaboración basados en agentes. México: Fondo de Cultura Económica. AUGÉ, M. (2002). Los no lugares. Espacios del anonimato. Una antropología de la sobremodernidad. España: Gedisa. BENÍTEZ, F. (1990). Los indios de México. Tomo II. México: ERA Castells, M. (1999). La Era de la Información. Volumen 1: La Sociedad Red. México: Siglo XXI. CONADIC (1999). El consumo de drogas en México: diagnóstico, tendencias y acciones. México: CONADIC.
¡Diversidad! ¿Algo más?
81
CONADIC (2000). Programa contra la Farmacodependencia. Documento de trabajo. México: CONADIC CORCUERA, S. (1994). Del amor al temor. Borrachez, catequesis y control en la Nueva España (15551771). México: Fondo de Cultura Económica. CORCUERA, S. (1997). El frayle, el indio y el pulque. México: Fondo de Cultura Económica. DE CERTEAU, M. (2000). La invención de lo cotidiano. México: UIA, ITESO. DE SAHAGÚN, B. (1999). Historia general de las cosas de la Nueva España. México: Porrúa. DUVIGNAUD, J. (1997). Lieux et no lieux. Francia: Gallimard. ELIADE, M. (2001). El Chamanismo y las técnicas arcaicas del éxtasis. España: Fondo de Cultura Económica. ESCOHOTADO, A. (1999) Historia general de las drogas. España: Espasa Calpe ESTRADA, A. (1977). Vida de María Sabina: la Sabia de los Hongos. México: Siglo XXI. GELL-MANN, M. (1998). El Quark y el Jaguar. Aventuras en lo simple y lo complejo. España: Tusquets. HALL, E. (2003). La dimensión oculta. México: Siglo XXI. HOPENHAYN, M. (1999). La droga más allá de la droga. Un signo de los tiempos juveniles. En JOVENes. Año 3, núm. 8, pp. 166-175 JOHNSON, S. (2003). Sistemas emergentes. O qué tienen en común hormigas, neuronas, ciudades y software. México: Fondo de Cultura Económica. LEACH, E. (1978). Cultura y comunicación. La lógica de la conexión de los símbolos. España: Siglo XXI. LÓPEZ, A. (2005). “Modelos a distancia: concepciones nahuas” en López, Alfredo (coord.). El modelo en la ciencia y la cultura. México: Siglo XXI LUHMANN, N. (1991). Sistemas sociales. Lineamientos para una Teoría General. México: UIA, Alianza editorial.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Diversidad y Género
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
82
Juan Machín Ramírez
MACHÍN, J. (1999). Chamucos, chinelos y calacas. Fiestas tradicionales y promoción juvenil. México: Cultura Joven, Cáritas, Cejuv. Dirección General de Cultura Populares Morelos MACHÍN, J. (2000). ¡¡¡Páaaseeele al circo!!! En Merlo, R. & Milanese, E. (coord.). Miradas en la ciudad. Métodos de intervención juvenil comunitaria, México, Centro de Investigación y Estudios sobre Juventud del Instituto Mexicano de la Juventud. Colección Jóvenes. Núm. 8 MACHÍN, J. (2003). Jóvenes y Farmacodependencias. Una compleja encrucijada de miradas. En Pérez; J. et al (coord.). Nuevas miradas sobre los jóvenes. México-Quebec, México, Centro de Investigación y Estudios sobre Juventud del Instituto Mexicano de la Juventud. Colección Jóvenes. Núm. 13 MACHÍN, J. (2010). Modelo ECO2: redes sociales, complejidad y sufrimiento social. En REDES- Revista hispana para el análisis de redes sociales. Vol. 18, #12. MACHÍN, J. (2013). Teoría y praxis de un metamodelo para la inclusión social comunitaria (ECO2). En KNIFFKI, J. & REUTLINGER, C. (eds.). Comunidad. Transnacionalidad. Trabajo social. Una triangulación empírica América-Latina- Europa. Madrid: Editorial Popular. MACHÍN, J., MERLO, R. & MILANESE, E. (2009). Redes sociales y farmacodependencias. Aportes para la intervención. México: Consejo Nacional contra las Adicciones y Centro Cáritas de Formación para la Atención de las Farmacodependencias y Situaciones Críticas Asociadas. MACHÍN, J. y MOLINA, H. (1987) Principios de Metageofìsica. México: UNAM. MANDELBROT, B. (1997). La Geometría Fractal de la Naturaleza. España: Tusquets. MANSFERRER, E. (2003). “Los alucinógenos en las culturas contemporáneas. Un patrimonio cultural” en Arqueología Mexicana, Vol. X, núm. 59, Enero-febrero. pp. 50-55 MATURANA, L. & VARELA, F. (1972). Autopoiesis, Universidad de Chile, Chile MORIN, E. (1983). El Paradigma olvidado. España: Kairós. MORIN, E. (1999). El método I: la naturaleza de la naturaleza. España: Editorial Cátedra. PÉREZ MONTFORT, R. (1999). Yerba, goma y polvo. México: ERA-CONACULTA-INAH PRIGOGINE, I. (1996). El fin de las certidumbres. Chile: Andrés Bello. SUÁREZ, M. y PÉREZ ISLAS, J. (coord.) (2007). Jóvenes Universitarios en Latinoamérica, hoy. México: Porrúa, UNAM. VON BERTALANFFY, L. (1982). Teoría General de Sistemas. México: Fondo de cultura económica. WASSON, G. (1983). El hongo maravilloso. Teonanácatl. Micolatría en Mesoamérica. México: Fondo de cultura económica. WATZLAWICK, P., BAVELAS, J., JACKSON, D. (1993). Teoría de la comunicación humana. España: Herder. WEIL, A. & ROSEN, W. (1999) Del café a la morfina. España: Integral.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Reigota, Santigo de Chile, 2014.
Eduardo Marques, Holanda, 2013.
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
Diana Catalina Hernández
Sociedad
La voz trans: violencia y resistencia
Movimientos y
Tak Combative
Diana Catalina Hernández *
A continuación presentaré algunas de las diferentes violencias que recaen sobre las personas transgénero en Bogotá, específicamente los hombres trans, y cómo, desde la acción colectiva, se han generado diversas estrategias y metodologías para resistir en el marco de la defensa de los derechos humanos y la construcción de paz.1
86
Conocimiento situado: diversidad de género
L
a población a la cual nos referiremos se caracteriza por ser género-diversa, es decir, por tener una identidad de género alternativa a la identidad de género tradicional hegemónica. Han habido varias denominaciones externas e internas para estas personas, por ejemplo: “transexuales”, “transgénero” y “transgeneristas”. Estas denominaciones han dependido del marco con el cual se comprenden y enuncian sus identidades: la psiquiatría, los estudios de género o las políticas públicas. En este caso particular, estaremos hablando de sujetos que, al nacer, fueron asignados según su genitalidad como mujeres, pero que construyen una identidad de género masculina. A estas personas las denominaremos “hombres trans”.
Adicionalmente, es importante resaltar que este análisis se nutre principalmente de la reflexión acerca del trabajo realizado por el Colectivo Entre-tránsitos en la ciudad de Bogotá, Colombia. Este grupo trabaja desde el año 2009 por la defensa de los derechos humanos de las personas trans y, específicamente, de la población transmasculina en Bogotá. Así, mi lugar de enunciación en tanto autor de este texto es el resultado de haber pertenecido activamente al Colectivo durante varios años y de haber sido el sistematizador de las experiencias educativas que el grupo implementó y amplió durante el 2012 y hasta principios año del 2015.
1. Diversidad de violencias Cuando una persona decide no obedecer al sistema sexo/género que le ha asignado una identidad específica y supuestamente inmodificable bien sea como hombre o como mujer, inmediatamente se convierte en el blanco de una serie de violencias cuyos actores van desde la familia y las instituciones hasta la misma religión o la psiquiatría. A continuación listaré varias de estas violencias que he identificado van dirigidas a la población transmasculina en Bogotá y que con certeza tienen correlación con violencias que viven las personas trans en otros países, especialmente en Latinoamérica.
El presente escrito se basa en el trabajo final del diplomado Urdimbre: abordaje de violencias desde el punto de vista comunitario, organizado por RELETRAN, el departamento de Trabajo social de la Universidad Nacional de Colombia y la Fundación Procrear durante el periodo de julio a octubre de 2014. Agradezco a la profesora Patricia Sierra por sus aportes y correcciones.
1
ET 3/5
julio-diciembre 2015
La voz trans: violencia y resistencia
este documento, aunque no sea lo legalmente estipulado.
Dean Spade, activista trans norteamericano, abogado, fundador del Silvia Rivera’s Project y quien visitó Bogotá a comienzos del año 2014, acuña este término a propósito de la violencia que ejerce el Estado sobre la población trans.
La libreta militar también resulta necesaria si algún policía decide realizar una requisa en el espacio público, como por ejemplo alguna estación del sistema de transporte. Esto significa que la movilidad del hombre trans se ve restringida y atravesada por el miedo a ser detenido y cuestionado por no tener la libreta.
En el caso del contexto colombiano, los hombres trans sufren de violencia administrativa debido principalmente al asunto de la documentación. Hablamos aquí de la libreta militar y del documento de identificación o “cédula de ciudadanía”. La libreta militar es un documento que expide el estado colombiano y que establece la situación de la persona con respecto a la prestación del servicio militar obligatorio. En Colombia, según el artículo 10 de la ley 48 de 1993: “todo varón colombiano está obligado a definir su situación militar a partir de la fecha en que cumpla su mayoría de edad, a excepción de los estudiantes de bachillerato, quienes definirán cuando obtengan su título de bachiller”. Esto quiere decir que los hombres en Colombia (no es claro si se refiere a hombres “biológicos” únicamente) deben formar parte del ejército durante un cierto tiempo para prestarle un servicio a la patria. Los hombres trans que tienen una apariencia masculina (voz gruesa, barba, etc.) o aquellos que han cambiado su nombre a uno masculino pueden ser llamados a prestar el servicio. Dado que dicha posibilidad es altamente peligrosa para una persona trans, esto deriva en un serio inconveniente incluso si el hombre trans desea prestar el servicio. También sucede que algunos hombres trans son antimilitaristas y se rehúsan a participar en el ejército. La libreta militar genera una problemática por el hecho de que es un requisito para obtener el grado de la universidad y para obtener un trabajo. De acuerdo con el artículo 111 del decreto 2150 de 1995, se dictamina que es necesaria la libreta militar para “obtener grado profesional en cualquier centro docente de educación superior”. Adicionalmente, el decreto 2150 menciona que la libreta militar solo es necesaria para un contrato con entidades públicas, sin embargo, las entidades privadas en Colombia solicitan
Actualmente existe una forma, conocida solo a través del voz a voz, para que a los hombres trans les expidan una libreta militar por medio de funcionarios del gobierno que están al tanto de su situación. Sin embargo, como dice Andrés Felipe, ex-miembro del Colectivo:
87
¡Diversidad! ¿Algo más?
1.1. Violencia administrativa
(…) aunque hay un deseo de apoyar a las personas trans en la resolución de la problemática con respecto a la libreta militar, falta un conocimiento acerca del tema transmasculino por parte del personal militar y de los psicólogos que trabajan para esta institución. De igual forma, no se tiene clara la diferencia entre orientación sexual e identidad de género y se involucran las prácticas sexuales en el proceso, las cuales no se deberían dar por sentadas y tampoco veo su relación con la evaluación psicológica para determinar si se puede proseguir con el proceso. (Radio Diversia, 2014)
Como Andrés comenta en el citado artículo, las multas y los documentos que se requieren para poder obtener la libreta militar hacen el proceso largo y costoso o incluso, para algunas personas, imposible de pagar. Por otra parte, el documento de identificación es el segundo foco de violencia administrativa para los hombres trans. Este documento contiene el nombre de pila de la persona y el sexo de nacimiento. Cuando la persona trans ha realizado cambios en su apariencia a través de terapia hormonal, cirugías o simplemente modificaciones a su forma de vestir o comportarse, entra en problemas, ya que su documento no coincide con su apariencia, gene-
3/5 ET 2/3
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
Movimientos y
Sociedad
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
88
rando que se le acuse de suplantación o documentación falsa en aeropuertos, bancos, requisas, etc. Esta es una problemática que se presenta a nivel mundial y por ello hace parte de la preocupación y agenda política de las organizaciones trans alrededor del mundo. Como lo dicen varias personas transgénero en el video de Proyecto transgénero en Ecuador: “La identidad es la puerta abierta al resto de derechos. Para poder abrir una cuenta corriente, que un ejercicio tan sencillo para el resto de la ciudadanía, a mí generalmente se me presentan obstáculos” (Campaña mi género en mi cédula). Actualmente en Colombia es posible modificar el nombre en el documento de identidad solo una vez con un determinado costo. Sin embargo, investigaciones realizadas en conjunto con la clínica jurídica PAIS de la Universidad de los Andes muestran cómo muchos funcionarios se niegan a realizar este procedimiento debido a que las personas supuestamente deben cambiar un nombre femenino a otro femenino, lo cual no está realmente estipulado por la ley. 2
Diana Catalina Hernández
1.2. Violencia de género y endo-discriminación Es una constante que a los hombres trans no se les reconozca su identidad de género en el ámbito escolar y laboral. A ellos se les nombra con su nombre de pila (“femenino”) para ofenderlos y se les cuestiona su genitalidad (¿qué tiene entre las piernas?). Su vida privada se ve vulnerada con preguntas del tipo: ¿con quién tienes sexo, cómo lo haces, ya te operaste?, etc. Esto sucede en espacios de estudio, de trabajo e inclusive en cualquier instancia de la vida cotidiana que implique un trato con el otro. Por ejemplo, si la decisión de asumir una identidad trans se da en edades tempranas, el niño trans puede ser expulsado de su familia y perder sus redes de apoyo. En ese contexto, puede también ser sujeto de discriminación en la escuela, teniendo así problemas para continuar con sus estudios y, por ello, para acceder a trabajos calificados.
Esta misma situación se puede presentar en la educación superior, si el hombre trans decide comenzar su tránsito siendo adulto. Sin embargo, debido al “auge” de lo trans que Adicionalmente, en el año 2015, se aprobó el decrese ha ido presentando en Bogotá gracias al arduo trabajo to 1227 que permite modificar el sexo en el documento de activistas y artistas trans así como de académicos trans, de identificación en Colombia. Aunque no es una ley de feministas e investigadores, en las universidades se ha ido identidad de género, este decreto es importante porque generando más conciencia de la existencia de personas trans dejó de lado los requerimientos como el certificado psien la institución educativa. quiátrico y la inspección médica que anteriormente requería la entidad pública para considerar un cambio de Ejemplos positivos de esto es el manual Proporcionansexo en el documento: “La aprobación de este decreto do servicios exclusivos, respetuosos e inclusivos a personas significa que las personas trans que deseen corregir su trans (2014)3 que la Universidad Nacional de Colombia ha sexo en el registro civil y la cédula de ciudadanía, lo publicado para el manejo de población trans con la colabopueden hacer en cualquier notaría del país. Además, ya ración del Grupo de acción y apoyo transgénero GAAT. Sin no se requerirá el certificado psiquiátrico de “disforia de embargo, dado que quienes promueven estos proyectos no género” para que puedan acceder al trámite” (Sentiido, son usualmente personas trans informadas ni trabajadores 2015). sociales o psicólogos especialistas en temáticas trans, la imEsta victoria política de la comunidad trans y sus aliados ha generado la posibilidad de disminuir la violencia administrativa. Sin embargo, como también es un trámite que tiene costo, resulta de nuevo muchas veces imposible para personas con bajos recursos.
plementación de estos textos suele verse permeada por visiones obsoletas y binaristas del tránsito de género, donde se aconseja a los estudiantes buscar ayuda psicológica para “dar el paso”, “terminar su proceso” como si todas las personas trans construyeran su identidad de género de la misma
2 Revisar las grabaciones de las respuestas de funcionarios a solicitud de cambio de nombres en Bogotá en: http://takcombative.podomatic.com/ 3http://issuu.com/gestiondeproyectos/docs_imprimir_cartilla_servicios_respetu
ET 3/5
julio-diciembre 2015
La voz trans: violencia y resistencia
Finalmente, si la persona logra acceder a algún tipo de estudio y se lanza al mercado laboral, tendrá dificultades en conseguir trabajo, bien sea porque su apariencia no concuerda con su documento o su nombre no coincide con el sexo de su cédula, por el asunto de la libreta militar o simplemente por presentar una apariencia “extraña” o “sospechosa”. Es por eso que las personas trans terminan optando por trabajos mal remunerados donde no se piden documentos ni hay un contrato laboral definido, lo cual deriva a su vez en diferentes abusos por parte de los empleadores. También sucede que algunos hombres trans se involucran en trabajos que exigen de sus capacidades físicas algunas cosas que no pueden realizar como “hombres”. Como dice Coli en el video “Buscarse la vida como hombre trans” del Proyecto transgénero:
Venía un importantísimo activista trans de Estados Unidos, un escritor y profesor de universidades de esas donde uno sueña una beca, Harvard, Universidad de New York, entre otras: Dean Spade. (…) Invité a Pepito, a María, a Pedro y hasta a los amigos imaginarios de Noemí. Después de hacerle un chiste con mi irresistible sonrisa, coquetería e irreverencia, le dije que entráramos al primer bar. No nos dejaron entrar. Me hice la pendeja y en el segundo… tampoco nos dejaron entrar. ¡Hágame el favor!, ahí estaba yo toda regia, pero humillada, porque “parecía muy travesti”, no “pasaba” como “mujer” y, de hacerlo, público se encargaron todos los bouncers. Ellos argumentaron que sus jefes les tenían prohibido dejar entrar a travestis, porque éramos peligrosas y malos tragos. Un señor con un tinto en la mano –de pésimo gusto- me dijo que yo no estaba vestidO (con O MASCULINA MAYÚSCULA) de forma apropiada y normal. ¡Ay, la ira! ¿Mal vestida?, ¿hombre? (www.hojablanca.net)
89
¡Diversidad! ¿Algo más?
forma y con el fin de ser “completamente” hombres o mujeres, que en este contexto se supone todas las cirugías o los tratamientos hormonales.
(…) dos trabajos que yo tuve y que uno lo dejé porque no era suficientemente fuerte para hacerlo, era
Finalmente, también sucede que algunas de las lesbianas feministas consideran que los hombres trans son la madera, lijando los muebles, pero, hubo un tiemtraidores de su propio género al haberse convertido en po en que había que descargar de trailes la madera hombres luego de haber sido mujeres y, por eso, también (…) y fue por eso que o dejé ese trabajo porque era se genera al interior de la comunidad una hostilidad hacia muy pesado; el tema de la fuerza es hasta hoy en mi los transmasculinos. trabajo actual (…) yo, la verdad, si lo intento y no una carpintería; trabajé un tiempo, empecé lijando
puedo, ya, lo intenté. (Coli Fernández)
1.3. Violencia médico-psiquiátrica
Una de las realidades que tiene que enfrentar una persona Otra de las dimensiones de la violencia de género es la que se identifica como hombre trans es la comprensión endo-discriminación. Este término se refiere a la discrimi- que se hace de su identidad desde la psiquiatría, la relinación que se da dentro de la comunidad LGBT hacia las gión y los medios de comunicación. personas trans. Durante varias décadas, el Manual diagnóstico y esComo lo comenta Matías en su crónica sobre la visita de tadístico de los trastornos mentales (DSM), emitido Dean Speade a Bogotá, muchas veces las personas trans les por la Asociación psiquiátrica americana (APA), ha es negado el acceso a los bares de gays y lesbianas debido a determinado que una persona trans (a quien denomina transexual) padece de un trastorno psiquiátrico una presunción de supuesta peligrosidad:
3/5 ET 2/3
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
Movimientos y
Sociedad
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
90
Diana Catalina Hernández
En definitiva, no hay, bajo la mirada médico-psiquiátrica, la posibilidad de existencia de una identidad de género que no esté conforme con el binarismo, no son posibles las identidades estratégicas, móviles, que juegan entre el masculino y femenino, etc. No se comprenden estas identidades como una decisión, sino como un trastorno que tiene que ser corregido y normalizado según lo que se supone son A pesar de que la homosexualidad fue retirada de esta los estándares de la mujer y el hombre, que en verdad son clasificación de enfermedades, las identidades de género estereotipos que replican la violencia y la desigualdad entrans aún continúan en la lista, aunque en cada versión tre las personas. Así lo ilustra con mucha ironía el “Doctor de dichos manuales se ha ido avanzando en la terminolo- loco” en la video sobre la despatologización de las identigía utilizada. De todas formas, en el ámbito médico-psi- dades trans. Él, un doctor hombre trans, se fue de Ecuador quiátrico, el paradigma de la “transexualidad” pareciera a Europa a estudiar psiquiatría para luego poner un conreferirse únicamente al sexo (macho, hembra, intersex) y sultorio en su país y dejar atrás las aberraciones trans de la a la identidad sexual de la persona y no a su género. provincia de Manabí. Él habla con la “Doctora demencia”:
que se ha ido denominado: “trastorno de identidad de género”, “disforia de género”, “incongruencia de género”, entre otras. Así mismo, el Clasificación internacional de enfermedades (CIE), emitido por la Organización mundial de la salud (OMS), ha determinado que las personas trans padecen de una enfermedad.
Actualmente en el estado colombiano una persona trans puede acceder a tratamiento hormonal y diferentes cirugías solo si presenta el certificado que prueba su enfermedad mental. Es por esto que muchas veces el movimiento trans se ha dividido entre quienes luchan por la despatologización de las identidades trans y quienes no quieren que esto se dé por temor a que el acceso a as transformaciones corporales se vea denegado. Bajo la mirada psiquiátrica, solo es posible ser un hombre trans si se sigue un modelo de masculinidad hegemónico. Es decir, un hombre trans debe ser heterosexual, le debe gustar el fútbol, el azul, el alcohol y las peleas de puños. Cuando el psiquiatra realiza el test para dar el certificado de disforia de género (o el nombre que haya elegido la junta médica de turno), tiene en cuenta todas estas características. Si la persona no concuerda con este estereotipo, entonces no obtiene su certificado, lo cual significa que es identificado como una lesbiana muy masculina, y no puede acceder a hormonas a través del sistema de salud, ni al cambio de sexo, etc.
Allá las trans femeninas viven de reinado de belleza en reinad de belleza (…) creo que el DSM IV se quedaría corto a la hora de catalogar toda la fauna que encuentra usted en Manabí (…) figúrese que las trans femeninas andan en camisilla sin sostén, una vergüenza; con bigotes y felices de la vida, los trans masculinos, peor, ellos andan pariendo hijos y dando de lactar, ¿acaso cree usted que se fajan el busto? Por supuesto que no, van felices por la vida enseñando su hembritud, varones con pechos, así se denominan (…) llevaré al Ecuador el DSM IV e intentaré que tan importante catálogo psiquiátrico cale hondo en las vidas de esos cientos de ecuatorianos trans que llevan su desorden de identidad de género a cuestas sin sospechar siquiera. (Proyecto trasngénero)
Las consecuencias sobre los hombres trans de este tipo de violencia dependen mucho del empoderamiento de la persoUna complicación adicional es que, cuando se accede na y sus redes de apoyo. Un hombre trans puede convenceral tratamiento hormonal una vez obtenido el certificado, se de que está enfermo, que debe curarse y hacer “concordar” los médicos suelen inmediatamente programar la esteri- su cuerpo, volviéndose un hombre hegemónico, machista, lización (histerectomía) y la cirugía de senos, sin tener en violento, heterosexual por obligación, etc. Si el hombre trans cuenta la forma en la que la persona está construyendo no cree en esta patologización, igual tendrá problemas para su tránsito y si en verdad desea o no dichas operaciones. acceder a una atención de salud.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
La voz trans: violencia y resistencia
Es importante recordar que esta visión de las identidades trans ha permeado todo el discurso y representación en los medios de comunicación, quienes utilizan este paradigma para definir y representar a las personas de género diverso irrespetando y vulnerando la dignidad como personas. Continuamente en las noticas las personas trans son mencionadas en el género de nacimiento y el tinte amarillista de las notas es el común denominador. Adicionalmente, dado que la ciencia es el discurso más poderoso y verosímil hoy en día, también los colegios y las universidades lo adoptan como la verdad y replican esta idea violenta y errada, que además perpetúa otro tipo de violencias. Por otra parte, la religión (sea el catolicismo, el cristianismo, judaísmo, por no mencionar otras) en Colombia ha calificado a las personas trans como pecadoras, enfermas, peligrosas, mala influencia sobre otros, etc.
1.4. Violencia personal Debido a los problemas para el acceso a salud y los estigmas alrededor de las identidades de género alternativas, muchos hombres trans deciden asumir su proceso de hormonación sin acompañamiento médico. Entendemos esto como violencia personal si el sujeto no ejerce un cuidado de sí mismo y de su cuerpo, queriendo a toda costa los beneficios de la testosterona, como la barba, la voz, el cambio en la masa muscular, etc. sin tener claridad sobre las consecuencias a largo plazo. Adicionalmente, debido a las dificultades de tener redes de apoyo y afecto y conservar la familia, los hombres trans también son proclives de caer en el consumo de psicoactivos que son nocivos para su salud o generar relaciones violentas con sus parejas.
1.5. Violencia epistémica En este caso se habla de la violencia que ejerce la academia sobre las personas trans, sus supuestos “objetos de estudio”, cuando elaboran sus tesis y ejecutan sus proyectos con el Estado para “ayudar” a la comunidad trans o “entender y teorizar” sobre ellos, sin que haya un proceso de construcción de conocimiento colectivo que los tenga en cuenta, que construya de la mano con ellos, esté al tanto de cómo se enuncian, cómo se entienden y cuáles son sus verdaderas necesidades. Como se cuenta en este texto:
91
¡Diversidad! ¿Algo más?
Debido a esta situación, el hombre trans en ocasiones decide no formar parte del sistema de salud y llevar a cabo su proceso de hormonación de manera no monitorizada, lo cual puede traer otras condiciones médicas negativas a largo plazo, como quistes en los ovarios, acné, problemas de hígado, osteoporosis, entre otras.
Y lo más indignante es que vemos a algunas feministas que antes abominaban a los trans masculinos por haberse “vendido” al patriarcado y decidido incorporar al enemigo (el hombre) implementar cuantiosos rubros para investigar sobre nosotros o diseñar políticas públicas. Así lo viví en carne propia cuando una investigadora nos llamó para formar grupos focales de hombres trans, “que por favor unos sean discapacitados, otros con educación media,” etc., como si fuéramos los “chulos” de un grupo de personas, sin el mayor conocimiento de nuestra situación ni nuestros intereses y, por supuesto, sin ningún compromiso hacia nuestra calidad de vida. (Tak Combative, Sentiido) Es así como el Colectivo tiene experiencias traumáticas con estudiantes de universidades y funcionarios públicos que los han utilizado para sus propósitos sin reportar ningún beneficio, sino todo lo contrario. Además, como los hombres trans tienen problemas en el acceso a la educación, ni siquiera se tiene en general la facilidad de llegar al lugar de poder de donde emerge el “conocimiento”, no pudiendo entonces teorizar sobre ellos mismos.
2. Diversidad de resistencias En este apartado quisiera mencionar las estrategias principales del trabajo del Colectivo Entre-tránsitos y su importancia en la construcción de paz. Analizando de forma amplia las iniciativas que se han llevado a cabo desde la
3/5 ET 2/3
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
Sociedad
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
Diana Catalina Hernández
fundación del Colectivo en el 2009, puedo agrupar las acciones en las siguientes estrategias:
Movimientos y
2.1. Incidencia formal Esta estrategia consiste en la documentación de casos y el avance de litigio estratégico4 a través de la alianza con el consultorio jurídico de la Universidad de los Andes PAIIS (programa de acción por la igualdad y la inclusión social). Aquí se recolectan los casos de vulneración de derechos (salud, trabajo, educación, etc.) para lograr, a través del trabajo con abogados, cambios estructurales en Colombia.
92
Es pertinente mencionar la conformación de una alianza con otras organizaciones denominado “Aquelarre trans” donde hay una agenda compartida para la obtención de un mundo más justo para las personas trans.5 Este Aquelarre de organizaciones ha llevado a cabo diferentes eventos en conjunto. Por ejemplo, para 2014, la visita de invitados internacionales como Dean Spade, Nico Amador, Gina Rocero y Chris Hanssman, personas trans expertos en temáticas trans que vinieron a compartir sus conocimientos y a alimentarse también de los quehaceres y saberes locales. Un segundo ejemplo es la organización de paneles para la discusión de temas coyunturales como la ley de identidad de género y el cambio de sexo en la documentación colombiana. Un tercer ejemplo es la organización de eventos públicos que se podrían llamar “performances colectivos” que procuran generar conciencia sobre las problemáticas trans y algún tipo de presión sobre las entidades de gobierno. Así fue el plantón en la registraduría nacional de Bogotá con el lema “mi cédula mi género” a propósito del cambio de sexo. Esta estrategia consiste en tomar casos ejemplares de vulneración de derechos de personas trans para formular acciones de tutela que puedan llegar a generar sentencias que ayuden a las personas trans que atraviesen situaciones similares. 4
Se define como: “una coalición de organizaciones de la sociedad civil y activistas independientes que busca: 1. El reconocimiento de las identidades trans como parte de una experiencia de vida válida y valiosa 2. El reconocimiento de los derechos de las personas trans” Su objetivo principal es: “avanzar en el reconocimiento de los derechos de las personas trans y una vida libre de violencias por identidad de género”. 5
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Esta estrategia de la incidencia formal es importante, porque busca incidir en las leyes colombianas y en todo el sistema de justicia con el fin de utilizar el derecho como herramienta para tener una vida digna. También hay acciones de veeduría ciudadana para mantener un seguimiento de las políticas y leyes y su implementación. Finalmente, también se trabaja con la elaboración de “informes sombra” (informes dirigidos a organizaciones internacionales defensoras de los derechos humanos que sean alternativos a los que presenta
La voz trans: violencia y resistencia
93
¡Diversidad! ¿Algo más?
el Estado colombiano)6 y participación en instancias internacionales que puedan incidir directamente sobre el Estado. De hecho, el actual decreto trans para el cambio de sexo en Colombia es un logro político del Aquelarre trans.
2.2. Trabajo en medios de comunicación Hasta el año 2014, el Colectivo Entre-tránsitos desarrolló un programa en la Radio Comunitaria Radio Diversia (www. radiodiversia.com) denominado Señales de tránsito. Este era un espacio para hablar de temáticas que podían inquietar a los hombres trans y a la comunidad en general con un enfoque educativo y de derechos humanos. También se trabajó en dos productos audiovisuales, un cortometraje denominado Transvengers inicia sobre el asunto de la libreta militar y otro denominado Identidad (video musical) sobre la vivencia de un hombre trans cuando decide iniciar su tránsito. Como muchos de los que hemos pasado por el Colectivo hemos podido graduarnos de nuestras carreras en la universidad, también decidimos desde ese lugar de poder que hemos logrado adquirir producir artículos académicos que hemos publicado en diferentes medios y revistas, y que aparecerán en la bibliografía de este escrito. Esta estrategia es importante no solo porque logra hacer visibles y congregar a diferentes hombres trans y personas interesadas en los asuntos de identidades de género en Colombia y a nivel internacional, sino porque también permite educar y sensibilizar a la población a través de medios de comunicación que tengan un largo alcance. Finalmente, a través de este medio es posible tener voz para producir conocimiento y modos de auto-representación propios.
6 El último informa sombra que presentamos como parte de un grupo de organizaciones fue ante la comisión de la CEDAW en Ginebra y está disponible aquí: http://www.law. cuny.edu/academics/clinics/iwhr/publications/IWHR-Report-Colombia-2013-SPA.pdf
3/5 ET 2/3
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
Movimientos y
Sociedad
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
94
2.3. Educación popular En esta misma línea mencionada arriba, el Colectivo Entre-tránsitos adelantó un proyecto de educación popular denominado Universo pedagógico que pretende, a través de la educación popular, llevar a cabo encuentros donde se piensen las experiencias de vida trans como algo por lo que todos atravesamos y donde sea posible también identificar las violencias de género que se reproducen debido a los estereotipos, así como la posibilidad y existencia de nuevas masculinidades no solo trans, sino no hegemónicas, ni patrialcales, ni heterosexuales por obligación, etc. Esto se realizó bajo la convicción de que la educación es una herramienta muy poderosa para el cambio social y la construcción de paz y por ello vale la pena poner los esfuerzos en este espacio.
Diana Catalina Hernández
Posteriormente, se realizaron otros talleres para concretar las metodologías y los conceptos, lo cual derivó en una Guía para replicar los talleres, lanzada a comienzos del 2015.
2.4. Artivismo Aunque personalmente considero que todo arte es político, he tomado este término de “artivismo”, que se utiliza hoy en día, para hacer énfasis en la creación de arte como ejercicio político en pro de los derechos humanos.
Aquí se considera el arte y la movilización en el espacio público como una alternativa para la transformación de los imaginarios culturales violentos y discriminadores sobre los hombres y las mujeres, y sobre las identidades trans. Dentro de las acciones aquí propuestas se encuentra el performance, las movilizaciones en calle y también la música, la literatura Luego de implementar una serie de talleres con gru- y los títeres. pos focales, el grupo desarrolló una sistematización de la A propósito de la patologización de identidades trans, por experiencia vivida que fue lazada en el 2013. ejemplo, se realizó en el 2011 un performance colectivo por las calles de Bogotá donde los miembros del Colectivo, disfrazados de médicos, repartían certificados de disforia de género a los transeúntes después de contestar algunas preguntas. Esto estaba enmarcado en la campaña mundial de Stop Transpatologización liderada por España. Hasta la fecha, el grupo cuenta con un grupo de reggaeton denominado La jeringa mueca que transforma las letras machistas y sexistas del reggaeton a letras donde se visibilizan las personas trans y sus problemáticas. También hay un grupo de títeres denominado Transpuppets donde se re-escriben los cuentos infantiles para llenarlos de diversidad de género y orientaciones sexuales. Por ejemplo, Pinocho le crecen los senos de madera cuando dice mentiras y el patito feo es una cisna muy hermosa. Finalmente, durante un tiempo se mantuvo un espacio de escritura denominado La panadería, donde los participantes escribían sobre sus vidas y vivencias haciendo un ejercicio de ficción autobiográfica que permitiera tener voz y soñar con un mundo más justo.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
La voz trans: violencia y resistencia
Espero que este recorrido haya sido útil para visibilizar las problemáticas de la población transmasculina en Bogotá y las acciones de resistencia y transformación que, desde el Colectivo Entre-tránsitos, se han venido realizado.
¡Diversidad! ¿Algo más?
Conclusión
95
La construcción de paz en Colombia no se trata solo del cese del conflicto armado y la “reparación” de las que se definen como víctimas del conflicto (definición que no abarca ni un tercio de quienes han sido realmente damnificados por la violencia). La paz en Colombia involucra también una vida digna y plena para las personas que, en su diversidad, optan por alejarse de los modelos tradicionales y hegemónicos de masculinidad y feminidad, que ostentan otros cuerpos (unos cuerpos transformados, diferentes, trasgresores) y otras decisiones sobre su orientación sexual y su estilo de vida. Hasta que el valor de las vidas de estas personas diversas no sea reconocida, hasta que no haya un mundo justo donde las personas trans podamos habitar y ser felices, entonces no habrá llegado todavía esa paz tan anhelada.
3/5 ET 2/3
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
Movimientos y
Sociedad
Diana Catalina Hernández
96
Bibliografía BENAVIDES, Luisa (comp.) (2011). Tránsitos en curso. Disponible en: http://www.entretransitos.org/enloque/capsulas/RevistaEntreTransitos.pdf HERNÁNDEZ, D.C. (2013). Human Rights for trans men in Colombia. En: Bowl of Rights, CISV. Disponible en: http://cisv.no/uploads/bowl-of-rights.pdf HERNÁNDEZ, D.C. (2014). Libretas militares y hombres trans. En Radio Diversia, disponible en: http:// www.radiodiversia.com/#!Libretas-militares-para-hombres-trans/ctn6/03420A18-288E-49C8-A3558CB364E1A50B HERNÁNDEZ, D.C; VARGAS, N; LOSADA, C. (2013). Sistematización de experiencias educativas. Colectivo Entre-tránsitos, Bogotá, Digiprint Editores. HERNÁNDEZ, D.C.; VARGAS, N; ROJAS, C. (2013). Procesos y culturas de paz. En: Revista de Estudos Universitários, V. 39, n. 1 (2013). Disponible en: http://periodicos.uniso.br/ojs/index.php?journal=reu&page=article&op=view&path%5B%5D=1607&path%5B%5D=1530 ROJAS, C. (2011). Categorías en disputa. Ponencia Ciclo Rosa Académico 2011. Disponible en: http:// www.entretransitos.org/documentos/pdf/Categorasen_Disputa_ciclo_rosa.pdf ROJAS, C. (2012). Pan-sexualidades y bizcochos: amasijos de tránsitos y multiplicidades. Ponencia Ciclo Rosa académico. Disponible en: http://www.entretransitos.org/documentos/pdf/ponenciapansexualidadesybizcochos.pdf ROJAS, C. (año). Entrevista con CIVIS. Disponible en: http://globalportalen.org/nyheter/entre-tr-nsitos-besker-civis-konferens-29-30-november
ET 3/5
julio-diciembre 2015
La voz trans: violencia y resistencia
SARMIENTO, K (comp.) (2011). Trans-grediendo las masculinidades. Bogotá: 2011. Disponible en: http:// www.entretransitos.org/enloque/capsulas/TransgrediendoMasculinidades.pdf
¡Diversidad! ¿Algo más?
97
VARGAS, N. (2011). Textos-teron. Ponencia Ciclo Rosa académico. Disponible en: http://www.entretransitos. org/documentos/pdf/textosteron.pdf VARGAS, N. (2013). Entrevista en: Hugs and Kisses. Disponible en: http://www.hugsandkissesonline. de/?p=2100 VARGAS, N.; ROJAS, C. (2012). Colectivo Entre-tránsitos y transmasculinidades. Ponencia Seminario de masculinidades. Disponible en: http://www.entretransitos.org/documentos/pdf/colectivo.pdf VARGAS, N.; CIFUENTES, S. (2010). Militarización y diversidad, denominadxs desde la periferia. Ponencia La soberanía es a los pueblos como la dignidad a las personas. Disponible en: http://www.entretransitos. org/documentos/pdf/INTERVENCINPUEBLOS.pdf VARGAS, N.; ROJAS, C.; ARIAS, M. I. (2012). Transmasculinidades en Bogotá. Ponencia Encuentro de saberes. Dirección de Diversidad sexual de planeación. Disponible en: http://www.entretransitos.org/documentos/pdf/TransmasculinidadesenBogotaencuentrodesaberes.pdf Páginas Web: Colectivo Entre-tránsitos: www.entretransitos.org y http://entretransitos.tumblr.com/page/2
3/5 ET 2/3
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
Sociedad
El arte como metodología de intervención social: pasos hacia una estética de la liberación.
Movimientos y 98
Pilar Hinojosa / Juan Machín
Pilar Hinojosa* & Juan Machín** Resumen: En el presente texto, se expone una investigación-acción cualitativa en desarrollo sobre una propuesta de intervención denominada “Pasos hacia una estética de la liberación”, basada en la creación artística como expresión de una estética liberadora y en elementos teórico-metodológicos de un metamodelo transdisciplinar denominado ECO2, que busca propiciar procesos de catarsis personal y grupal, conocimiento de sí, crecimiento de la autonomía de las personas, empoderamiento, conformación de minorías activas para el cambio de representaciones sociales y en la cultura, así como para incidir en las políticas públicas asociadas a la violencia de género.
Abstract: The aim of this text is to present a qualitative action research on a proposal for intervention in situations of violence, mainly associated with those women who go beyond the boundaries of what is permitted, who disturb “morals and good customs.” Transgression is heavily stigmatized and often persecuted in our capitalist patriarchal society, because it can undermine other borders of human relationships, while foster alternative modes of existence: who transgresses makes visible and confirms the existence of otherness denied and repressed. The intervention employs the artistic creation as an expression of a liberation aesthetic and theoretical and methodological elements of a transdisciplinary meta-model called ECO2, developed in Mexico but currently applied in 15 countries. This proposal seeks to promote processes of personal and group catharsis, selfknowledge, growth of individual autonomy, empowerment, active change of social representations and cultural minorities, and to influence public policies associated with gender violence.
Palabras clave: violencia de género, intervención, estética de la liberación, disidencia.
Keywords: gender violence, intervention, aesthetic liberation, dissent.
Introducción
L
as transgresiones a los roles de género dictados por nuestra sociedad patriarcal capitalista son fuertemente estigmatizadas y frecuentemente perseguidas, porque pueden socavar otras fronteras simbólicas y reales en las relaciones humanas, en tanto propician modos alternativos de existencia: quien transgrede visibiliza y confirma la existencia de las alteridades negadas y reprimidas. En ese sentido existen muchas situaciones de violencia de género asociadas a quien se permite traspasar las fronteras de lo permitido, de “la moral y buenas costumbres”. Por ejemplo, cuando una mujer se tatúa o se perfora, aborta o consume sustancias psicoactivas, se viste o desviste de ciertas maneras, tiene relaciones con otras mujeres o con muchos hombres, pide el divorcio, no quiere tener hijas e hijos, etcétera es señalada, estigmatizada y, a menudo, perseguida, azotada, violada, encarcelada, asesinada: “para que aprenda a comportarse como debe”. Sin duda, las fronteras asociadas al género en su definición como una identidad “esencial”, “natural” son paradigmáticas del sistema patriarcal hegemónico, que tiende a invisibilizar las desigualdades y las diferencias pero, especialmente, las disidencias y las transgresiones. Así, el género, como frontera impuesta, va a delimitar, clasificar, organizar a las personas, para controlarlas y someterlas. En el presente texto, se expone una investigación-acción cualitativa en desarrollo sobre una propuesta de intervención basada en la creación artística como expresión de una estética liberadora (por eso la denominamos “Pasos hacia una estética de la liberación”) y en elementos teórico-metodológicos de un metamodelo transdisciplinario denominado ECO2, y busca propiciar procesos de catarsis personal y grupal, conocimiento de sí, crecimiento de la autonomía de
*Pilar Hinojosa es maestra en Historia del arte, diseñadora, artista plástica y modelo mexicana que ha retomado las premisas básicas de la intervención con el modelo ECO2, en especial los acercamientos éticos (como punto de partida irrenunciable, el respeto a la dignidad humana y los derechos humanos) y el papel que juegan las representaciones sociales, las minorías activas y las redes sociales, desarrollando una propuesta que hemos denominado ‘Una estética de la liberación’. **Juan Machín: Co-fundador y Director General del Centro Cáritas de Formación para la Atención de las Farmacodependencias y Situaciones Críticas Asociadas A.C. Socio fundador de diversas organizaciones y redes de la sociedad civil entre las que destaca la Red Americana de Intervención en Situaciones de Sufrimiento Social (RAISSS).
ET 3/5
julio-diciembre 2015
El arte como metodología de intervención social
Estética de la liberación Pilar Hinojosa es maestra en Historia del arte, diseñadora, artista plástica y modelo mexicana que ha retomado las premisas básicas de la intervención con el modelo ECO2, en especial los acercamientos éticos (como punto de partida irrenunciable, el respeto a la dignidad humana y los derechos humanos) y el papel que juegan las representaciones sociales, las minorías activas y las redes sociales, desarrollando una propuesta que hemos denominado ‘Una estética de la liberación’. Obviamente, al hablar de una estética de la liberación, se indica que es una propuesta entre muchas posibles. El término liberación entronca esta propuesta con las teorías y praxis vinculadas a diversas luchas antisistémicas, como los relativos al movimiento de liberación femenina, los movimientos de liberación nacional, la pedagogía de la liberación, la teología de la liberación, la psicología de la liberación, ética de la liberación, etcétera. La propuesta apuesta a propiciar procesos de resistencia, disidencia, transgresión de fronteras, seducción, imaginación, es decir, en última instancia de liberación; a través de reflexiones, acciones, vivencias, ancladas en la estética, entendida no como “una teoría de lo bello”, sino como instrumento de transformación radical (es decir, de raíz), personal y social, como praxis cultural performativa que crea un mundo otro.
99
¡Diversidad! ¿Algo más?
En primer lugar, como procesos de resistencia, no de las personas, empoderamiento, conformación de minorías activas para el cambio de representaciones sociales y en la simple y pasiva inercia, sino de una oposición activa a un cultura, así como para incidir en las políticas públicas aso- sistema opresor, por ejemplo, nombrando lo intolerable, develando lo ocultado, haciendo visible lo invisibilizado, ciadas a la violencia de género. principalmente, pero no de manera exclusiva, por medios La creación artística y la transgresión consciente de las visuales como la pintura y la fotografía. normas impuestas a un género, tienen un carácter liberador, en tanto pretenden cuestionar los roles impuestos de géneEn segundo lugar, como procesos de apertura a la disiro, propiciando que las identidades se entiendan más como dencia y la seducción. Disidir significa “separar, no peralteridades fluidas, nómadas, fractales, denunciando y rom- manecer, no desear”, es decir, la liberación es un llamado piendo las fronteras y límites simbólicos, disidiendo, resis- a la disidencia, a no inscribirse ni permanecer en el mistiendo seduciendo, imaginando, creando, transformando los mo sistema dominante, a marcar su distancia y “pintar su espacios de poder. raya”: al separarse, de manera performativa, rompe con lo “normal”, revela que otro orden es posible. La seducción (del latín seductio, “apartar”), por su parte, en sinergia con la disidencia, llama a las y los otros a ese territorio aparte, que conforma un nosotros/nosotras diferente, como posible minoría activa que crea sus propios “nomos” (normas, valores). De esta manera, en la disidencia y la seducción se articula un actuar doble: se apartan y llaman a apartarse de un modo dominante de sentir, pensar, actuar, de tener y ser; subvierten, trastocan, trastornan el sistema, cuestionando las representaciones sociales y los valores hegemónicos, mostrando que no son “naturales” sino construidos socialmente, que no son “lo real” sino una invención, entre otras posibles. Pilar transgrede las fronteras que el sistema patriarcal impone a su género, se rebela y seduce, imagina e invita a imaginar, se emociona, emociona a las personas que ven su obra y actúa en consecuencia, perturba, desordena el espacio-tiempo de la dominación, irrumpe, rompe, transgrede las fronteras con el viejo sistema patriarcal y despliega, construye, crea espacios de posibilidad de nuevas relaciones. Abre, de esta manera, horizontes para la esperanza, para el deseo y los sueños, es decir, para la imaginación creadora. Su pintura y acciones, como potentes metáforas del Caos, remiten a lo informe, indeterminado y sin límites (ápeiron, abismo o magma), confuso e indistinto, desdibujado y sin contornos definidos ni definitivos, la diversidad y alteridad absolutas, lo completamente Otro y, por lo mismo, lleno de posibilidades, no como Universo ordenado
3/5 ET 2/3
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
Movimientos y
Sociedad
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
100
(el Cosmos) sino como Pluriverso abierto, actualización de potencialidades, matriz primordial de la que surgen todas las cosas posibles. Una estética de la liberación funciona, entonces, como una puesta en acto de transgresión de fronteras, rupturas de simetrías y re-equilibrios, como expresión potente del cambio, de la renovación de la vida, lo lúdico y el amor, instituyentes de lo histórico social y sus culturas. Incluso como operadores paradigmáticos de una transformación radical y de la irrupción de la alteridad, como manifestación de una crítica y resistencia al orden establecido, también como ejercicio de una infrapolítica, de una infinita fecundidad creadora, instituyente de nuevos órdenes alternativos, instauradora de un tiempo imposible que irrumpe no sólo como posible sino inclusive como necesario. Ante estas acciones el sistema responde con mayor o menor violencia, reprime, condena, persigue, encarcela, mata. La sociedad está construida en parámetros masculinos que determina para cada persona y grupo social unas fronteras definidas y, por lo tanto, las posibilidades de nutrirse o no de una cierta manera, de estudiar o no, de acceder o no a ciertos trabajos y ciertas remuneraciones, sufrir o no la violencia de manera cotidiana, incluso la posibilidad misma de nacer o no, todo ello está estructurado y legitimado en función de normas que ubican a la población femenina siempre pasos por detrás, escalones abajo, en posiciones de inferioridad e invisibilidad, de negación y opresión, dentro de un sistema que produce y reproduce la desigualdad, la exclusión, la explotación a partir del modelo patriarcal que articula sexo-género con esas pautas y lógicas de diferencia de poder e inequidad. De esta manera, los patrones de consumo de sustancias psicoactivas, de relaciones sexuales, de uso del cuerpo, etcétera, son altamente diferenciados, y las mujeres que se atreven a cruzar cualesquiera de las delgadas líneas que separan los comportamientos aceptados, se ven sometidas a estigma, discriminación, marginación y exclusión por quebrantar su rol, a sufrir la cárcel y sufrirla con más rigor y abandono que los hombres, incluso a pagar con su vida por su osadía.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Pilar Hinojosa / Juan Machín
De sujeta sujetada a sujeta transgresora a subjeta disidente Michael Foucault nos habla de la transformación de los seres humanos en sujetos, por medio de tres modos de objetivación: a) los modos de investigación que tratan de darse a sí mismos el status de ciencia: la objetivación del sujeto hablante en la grammaire générale, la filología, la lingüística; del sujeto productivo en la economía; del sujeto vivo en la historia natural y la biología; b) los de las prácticas divisorias, que separan entre el loco y el cuerdo, el enfermo y el sano, los criminales y los “buenos muchachos” , etcétera y c) los modos en que un ser humano se convierte a sí mismo en sujeto. La transformación de individuos en sujetos es una forma del poder que clasifica a los individuos en categorías, los designa por su propia individualidad, los ata (sujeta en sentido estricto) a su propia identidad. La deconstrucción postestructuralista del sujeto como actor permitió su comprensión como una posición dentro de una ficción, un discurso. “Sujeto”, entonces, ya no designa a un individuo, sino las relaciones de poder-saber que producen una posición al interior del discurso. Así, Pilar ha desarrollado de manera sintética y analítica una narrativa (textual y visual) sobre su propio proceso liberador, donde transita de una posición de sujeta sujetada por la cultura patriarcal de su familia y contexto social, a una posición donde empieza a resistir y transgredir, traspasar las fronteras que se le imponen, para llegar a reconstruir su propia subjetividad como sujeta disidente, seductora y creadora: lo que denominamos una subjeta. Toma la palabra Pilar en primera persona: Nací en una familia conservadora, en total consonancia con el sistema patriarcal, con una madre que sufrió la violencia de género y emocional desde niña, y que, a su vez, por ignorancia la reprodujo conmigo y mis hermanas. Esto repercute en mi forma de ver y percibir el mundo como niña, adolescente y mujer. A los 23 años, una noche que estaba en el coche des-
El arte como metodología de intervención social
Me casé como se esperaba y tuve dos hijos. Sin embargo, pronto descubrí que mi matrimonio había sido un error y me cuestionaba si en verdad había querido ser madre. En 2002 comencé a practicar la disciplina del Sumi-e (tinta negra, en japonés). Esta disciplina tiene sus orígenes en China en el siglo V; en Japón hace su aparición a mediados del siglo XIII, por medio de los monjes Zen que tenían como hábito la meditación y compartían con el Sumi-e la interpretación de la naturaleza. En el Sumi-e se trata de captar la energía y esencia del modelo, a través de la contemplación y meditación, para así encontrar la manera de ser uno mismo con la naturaleza. La expresión debe ser espontánea y la pincelada debe hacerse de forma segura y sin juicio, jamás un trazo se intentará corregir. La intención de esta forma de expresión no es la representación fiel del modelo, su objetivo es plasmar el carácter y esencia de la persona que pinta.
101
¡Diversidad! ¿Algo más?
pidiéndome de mi novio, dos hombres con pistola nos secuestraron y me violaron, no se lo dije a mi mamá porque me daba miedo cómo lo tomaría, además de que siempre me había dicho que si un día me violaban quedaría marcada por el resto de mis días. Decidí que no sería así. Entré a terapia y fui buscando caminos para superarlo.
Descubrí que las expresiones zen podían representar lo que soy, que eran como un espejo de mi alma. Esta disciplina me permitió mejorar mi autoestima y la seguridad en mí misma; así como, el aprendizaje de amar lo que hago y aceptarlo tal como es – como soy. Muy significativos son los títulos de mis primeras obras: “Nacimiento” e “Independencia”, “Madurez”.
Nacimiento
Expresión Zen
Tinta china sobre papel de algodón
3/5 ET 2/3
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
Pilar Hinojosa / Juan Mach铆n
Movimientos y
Sociedad
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
102
Independencia
Expresi贸n Zen/
Tinta china sobre papel de algod贸n
ET 3/5
julio-diciembre 2015
El arte como metodología de intervención social
¡Diversidad! ¿Algo más?
103
Madurez
Expresión Zen
Tinta china sobre papel de algodón
3/5 ET 2/3
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
Movimientos y
Sociedad
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
104
En 2003 inicié una maestría en Historia del Arte y me vi fuertemente influenciada por diversas corrientes filosóficas y humanistas, lo mismo de nuestras raíces indias como de oriente, del existencialismo y los estudios de género. Con el tiempo incorporé la acuarela a mi trabajo plástico, esto y el Taichi me permitieron integrar los dos lenguajes plásticos en lo que fue la base de mi propuesta de una estética liberadora; utilizando la escritura y mi expresión plástica e inscribiendo en varias ocasiones poemas o reflexiones que están íntimamente relacionados con mi historia. Con este modo de trabajar he hecho catarsis personales y he podido superar momentos y situaciones difíciles en mi vida. Por ejemplo, yo no había terminado de elaborar la violación que sufrí y tenía muchos problemas en mi relación de pareja que le achacaba a ese suceso. Escribí el poema “Catarsis” y elaboré el cuadro del mismo nombre (Imagen 3), con el objetivo de dejar atrás la experiencia traumática que representa ser violada.
Pilar Hinojosa / Juan Machín
Catarsis Como volcán en erupción, Sobresalto, Una mano poderosa que invade el espacio, mi espacio Arma mortal que doblega Insensible se sirve a placer Invasión que detiene el latir de mi ser Congelando mi alma Sentimientos que arden en el centro del mundo Atrapados en el olvido por la evasión No puedo ver Explosión gris que invade mi espíritu Basura que emerge a la luz de la conciencia Debe ser liberada Debe ser vista Debe ser escuchada.
Catarsis / Acuarela y tinta china y sobre papel de algodón
ET 3/5
julio-diciembre 2015
El arte como metodología de intervención social
Reflexionando sobre lo que yo deseaba en una relación de pareja, es cuando surgen dos cuadros (Imágenes 4 y 5), en los que manifiesto lo que para mí debería de ser el amor: confianza, seguridad, ternura, amistad, seducción, sexualidad, respeto y tolerancia.
105
¡Diversidad! ¿Algo más?
En la relación de pareja viví abuso emocional muchos años sin darme cuenta, vivía triste y me enfermaba constantemente. Mi homeópata me recomendó un psicoanalista porque, me explicó, gran parte de mis problemas de salud tenían que ver con mi matrimonio. Empecé a psicoanalizarme en 2007. De la confluencia de mi práctica de la pintura, mi maestría, mi psicoanálisis y otros sucesos en mi vida, me permiten empezar a darme cuenta, no sólo de que vivo en una relación de abuso emocional, en la que obviamente no estoy contenta, sino de que ya no amo a mi esposo. Decido, por lo tanto, divorciarme.
Los amantes / Tinta china y acuarela sobre papel de algodón
3/5 ET 2/3
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
Pilar Hinojosa / Juan Machín
Movimientos y
Sociedad
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
106
Soltando sentimientos / Tinta china y acuarela sobre papel de algodón
Un día, al ir por ropa y cosas para mis hijos a mi anterior domicilio conyugal, de donde salí un día huyendo en un ataque de ira de mi esposo, a raíz de que recibió la solicitud de divorcio, y a donde ya no había regresado, me acusa de allanamiento de morada. Me detienen y me llevan al Ministerio público. Ahí, de considerar que era sólo un problema familiar, mágicamente, mi esposo me acusa de allanamiento de morada, y me encierran en los separos. La condición que pone para dejarme salir era que firmara un acuerdo redactado por su abogado, además de pedir que le entregara a los niños. Preferí pasar la noche en los separos que entregárselos en esas condiciones, con miedo a que se los llevara para siempre. Ya divorciada, la separación periódica para mi hija Erika y para mí era muy difícil, es por ello que decidí empezar otro proyecto en el que, a través de mis reflexiones por escrito, descubro que sí quería tener hijos. Mi objetivo específico era lograr desvanecer ese sentimiento de culpa que yo viví al aceptar una custodia compartida, ya que lo esperado en el rol de género impuesto es que la mamá debe de estar y ser para sus hijos, y éste no era mi caso, ya que la custodia compartida me ha permitido dedicarme profesionalmente al desarrollo de mi proyecto plástico. Al final, surgen estas dos obras que representan ese proceso y que me ayudan a ir desmantelando la culpa de transgredir mi rol como madre, así como lograr poco a poco que mi hija se pueda ir tranquila, para tener una relación cercana con su papá y no vivir la pérdida de esa figura como me sucedió cuando mis padres se separaron.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
El arte como metodología de intervención social
Erika / Tinta china y acuarela sobre papel de arroz
¡Diversidad! ¿Algo más?
107
Alessandro / Tinta china y acuarela sobre papel de arroz
Inicié hace casi 6 años una nueva relación, en la que la confianza y la seguridad eran lo que yo esperaba, además de tener una vida sexual plena, comienza otro proceso en el que utilizo mi cuerpo para transgredir lo permitido en el rol de género impuesto, en una serie de performances que traspasan diversas fronteras que se me imponen como mujer: poso como modelo para la realización de una serie de sesiones de fotos de desnudos parciales, en lugares públicos, como actos transgresores, creando imágenes y narrativas que rompan con los preceptos del ser “mujer”, en especial, “madre”, respetuosa de la “moral y buenas costumbres”, así como con los estereotipos de belleza dominante con cuerpos jóvenes, ultra-delgados, con senos y nalgas firmes... En una ocasión fuimos detenidos por la policía en un parque prácticamente desierto, por “alterar la tranquilidad y el orden”, seguramente buscando un soborno. En especial, los policías eran agresivos conmigo y me amenazaban con mostrar las fotos a mis hijos y me preguntaban que qué pensarían ellos de mí... Lo que ellos no sabían es que en mi casa cuelgan fotos mías desnuda y mi hija y mi hijo lo ven con toda naturalidad. Nos llevaron al sector, donde pasamos algunas horas detenidos mientras pagábamos la multa. Para mí fue especialmente traumático, por lo que sabía de casos donde alguna persona había sido detenida en Cuernavaca y terminaba desaparecida o muerta (por ejemplo, el caso de Jethro Ramsés Sánchez).
3/5 ET 2/3
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
Movimientos y
Sociedad
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
108
Pilar Hinojosa / Juan Machín
Retomando esta experiencia y la de los separos, es cuando nace mi interés por ir al Centro de Readaptación Social Femenino de Morelos a impartir un taller de Sumi-e, con la intención de compartir con las internas el proceso terapéutico y liberador que he experimentado con mi trabajo artístico. De este taller surgen imágenes muy fuertes en las que expreso todo lo que ha significado para mí esa estancia de una noche en los separos, las horas detenida en el sector y mis visitas al CERESO, que a través de lecturas y reflexiones sobre personas que han estado en la cárcel, muchas veces injustamente, sobre todo las mujeres, me permiten internalizar todo ese aprendizaje y dar a luz un nuevo material. Así mismo, el taller de pintura en Atlacholoaya tenía como uno de los objetivos la ilustración de la colección “Revelación Intramuros”, que consta de tres libros que contienen narrativa y poemas escritos por las mismas internas, además del calendario patrocinado por el Instituto Morelense de la Mujer y el Instituto Morelense de Radio y Televisión, que se ilustró con las imágenes creadas por ellas y una exposición que se inauguró en el marco del día internacional de la mujer en marzo del 2014, en colaboración con el colegio Cristóbal Colón y la fundación Noval para el fomento de la cultura y las artes AC. En el contexto de la exposición se realizaron visitas guiadas en las que las personas se confrontan con la realidad carcelaria y de las mujeres privadas de libertad, descubriendo que lo que se piensa, no coincide con lo que sucede dentro del sistema, en el que un Centro de readaptación social, en su origen, lejos de readaptar a las personas, las denigra, discrimina y excluye, dejándolas al margen de la sociedad. La exposición y el trabajo de la Colectiva Editorial Hermanas en la Sombra, a la que pertenezco, tuvo una gran acogida. A continuación, se transcriben fragmentos de algunas de las entrevistas que se realizaron a las internas sobre su experiencia del taller de Sumi-e:
El arte del Sumi-e ha sido bueno, ya que jamás lo reconocí, lo reconozco ahora, el día que hice mi primer pintura con esta técnica estaba pasando por uno de los tragos más amargos de mi paso por este lugar, no quería hacer nada, sólo llorar, llorar hasta quedarme ciega para no afrontar mi estupidez. Otra vez, la reina de los errores anota otro a su curriculum. La insistencia de Elena para expresar ese dolor, fue como una amiga que me lleva de la mano y me para frente a la parte retorcida que está encadenada a mi; al tomar la brocha, sólo pinte el horror de mi, todo negro. La segunda, mi vida retorcida. Fue el primer día y el último, antes de arrancarme las uñas y el pico, al volver adolorida con propósitos de los que, esta vez, Dios no pudo amarrarse el dedo, porque salieron del infierno, escritos con letras de azufre. Dejé de ser tóxica: los colores llamaron mi atención; dejé de ser daltónica, en mi inconsciencia dibujé una mujer pájaro, con el pico largo. Esa magia me la consiguió Pilar Hinojosa. Águila del Mar, Atlacholoaya, Morelos. 2014
ET 3/5
julio-diciembre 2015
El arte como metodología de intervención social
Hola, mi nombre es María Elena Basave. Les voy a compartir un poco de la técnica del Sumi-e. Lo que me ha dejado. El sumi-e es una técnica del oriente, impartido por Pilar Hinojosa. Nunca imaginé lo placentero y divertido que es plasmar mis emociones por medio de la tinta y del agua, descubrí que el arte del dibujo abstracto lo traigo en la sangre; aprendí a encuadernar y a elaborar agendas, con las pastas del Sumi-e y la técnica del Suminagashi, ambas del oriente, impartido por Marina Ruiz y el Sumi-e por Pilar Hinojosa. Actualmente, estoy elaborando cuadros, cada vez entiendo más las imágenes que plasmo. Gracias.
¡Diversidad! ¿Algo más?
109
María Elena Basave. Atlacholoaya, Morelos. 2014
Pincelada tras pincelada Pilar me enseña a enamorar el papel, a que el agua y la tinta se reconcilien con mi espíritu... ¡Qué curioso, yo que siempre me creí águila! Hoy esas alas las siento tan pesadas que no me dejan volar, ni siquiera caminar. Pero estas pinceladas me dejan volar, me dejan respirar; aire superior: aire de libertad. Quedan atrás mi rabia y esos pesares con lo que cargo mi existencia. Serena, lúcida, crezco vigorosa, me extiendo como esa tinta sobre el agua. Sé que es el eco prolongado de una alma que quiere renacer, es pincelada que cambia mi vida. Pilar ¿Cómo darte las gracias? Salí de aquí contigo. Alegremente surcas la inmensidad en los limpios, corruptos (sic) de mi vida, dejas refluir en mí ese cambio apagado. La espera de mis alas pesadas se volvieron pincel. Aprendí que se puede iluminar lo mudo, lo negro, contigo ríen las cosas y se asombran los colores, lo único que sé es que con una pincelada tatuaste tu presencia en mi vida”. Pilar Hinojosa en Chulavista
Galia Tonela. Atlacholoaya, Morelos, 2014
Las citas anteriores reflejan lo que justifica este texto, una estética de la liberación que en la práctica ha permitido a mujeres privadas de la libertad encontrar, a través del arte, la transposición de las fronteras que se imponen, una liberación que les proporciona alivio, catarsis y por qué no, también felicidad a pesar de sus circunstancias.
3/5 ET 2/3
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
Movimientos y
Sociedad
Pilar Hinojosa / Juan Mach铆n
110
Punz贸n / Tinta china y acuarela sobre papel
Cuerpos suspendidos / inta china y acuarela sobre papel
ET 3/5
julio-diciembre 2015
El arte como metodología de intervención social
¡Diversidad! ¿Algo más?
111
Sublimación / Acuarela y pastel sobre papel de algodón
La mirada / Acuarela y pastel sobre papel de algodón
Después del proyecto en Atlacholoaya, Morelos surgió “Pintando por un mundo sin violencia contra las mujeres”, con el apoyo de la Secretaría de Salud de Morelos y el centro Sygue (salud y género unidad especializada) en el que se proporciona apoyo psicológico y legal a mujeres que viven violencia. Para desarrollar esta obra plástica me inspiré en las frases que las usuarias dicen en las entrevistas que realiza el centro en la primera visita, los títulos de las obras son las frases de las usuarias.
Sueño posible / Acrílico sobre lienzo
La luz esta ahí / Acrílico sobre lienzo
3/5 ET 2/3
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
Movimientos y
Sociedad
Pilar Hinojosa / Juan Machín
112
Sé que sale el sol / Acrílico sobre lienzo
Deconstruyendo el patriarcado a través del arte es otro proyecto que desarrollé a partir de frases como: “Te prohíbo salir con ellas”, “Ganar para ti será perderlo todo”, “No eres capaz de amar”, etc. y otras cómo “Ay hija, ¿Pues que hiciste para que tu marido te golpeara”, con el fin de visibilizar el lenguaje patriarcal que denigra, excluye y golpea emocionalmente a niñas y mujeres, este proceso desemboca en acciones que realicé en diferentes espacios como el zócalo de Cuernavaca o la UAM Iztapalapa y en otros espacios.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
El arte como metodología de intervención social
¡Diversidad! ¿Algo más?
113
Te prohíbo salir con ellas
Acuarela y pastel sobre papel de algodón
Si quieres verme felíz ven desnuda con una cerveza en una mano y una pizza en la otra
Acuarela y pastel sobre papel de algodón
Esta obra es una forma más de visibilizar la situación de las mujeres indígenas, que Elena Garro plantea en su obra de teatro llamada “Los perros” en la que las mujeres son sistemáticamente robadas, violadas al cumplir quince años y condenadas a vivir con su captor como marido.
3/5 ET 2/3
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
Movimientos y
Sociedad
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
114
A través de un proceso interno muy difícil en el que interviene la culpa, el miedo al qué dirán, a la imagen de una misma, hemos comenzado el proyecto de la Fotografía de la Liberación, en el que sumamos a nuestras fotos, otras propuestas artísticas diferentes de grupos y personas que también usan sus cuerpos como estrategia para cambiar las representaciones sociales de los roles de género impuestos y transgredirlos, así como comenzar a incidir en las políticas públicas asociadas. De acuerdo al ECO2 incidir en el cambio de representaciones sociales, a través de nuestras acciones y estilos de comportamiento como minorías activas, es posible modificar patrones de relacionamiento y de conducta, vinculados a diversas formas de violencia de género. Tanto con mujeres como con hombres, es posible ir construyendo representaciones sociales alternativas que propicien relaciones más equitativas y con menos violencia.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Pilar Hinojosa / Juan Machín
El arte como metodología de intervención social
¡Diversidad! ¿Algo más?
115
Nadie quiere mirar la desgracia / Acuarela sobre papel de algodón
3/5 ET 2/3
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
Pilar Hinojosa / Juan Machín
Movimientos y
Sociedad
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
116
Por una fotografía de la liberación / Portada de la página http://culturajovenmx.wix.com/cultura-joven
ET 3/5
julio-diciembre 2015
El arte como metodología de intervención social
Otro proyecto que realizamos es Apocryphal, (proyecto de residencia para Bank street arts de Diana Cortez) al que Juan Machín y yo fuimos convocados por Diana a realizar las pinturas y dibujos del libro de artista que narra la historia de una pareja de amantes ingleses de inicios del siglo pasado que tienen el fetiche de los libros, él es un impresor y ella una viuda y se pintan mutuamente, en este proyecto nos fotografiamos desnudos para realizar las imágenes.
¡Diversidad! ¿Algo más?
117
Finalmente me atreví a que las fotos de desnudo que Juan Machín me ha tomado en estos últimos años fueran expuestas en un centro cultural en Cuernavaca, donde vive mi familia..
Conclusiones Las mujeres que trasgreden las fronteras impuestas como roles de género representan una amenaza simbólica para el sistema patriarcal hegemónico, porque pueden ser fuente de una posible contaminación, se tornan en un emblema de lo que amenaza el orden social y, por eso, se les debe excluir y reprimir. Sin embargo, es posible a partir de asumir los estilos de comportamiento de minorías activas ir modificando las representaciones sociales asociadas a roles de género que marcan fronteras rígidas, límites estrictos, definiendo pautas binarias aceptadas que sirven como dispositivos de clasificación, de educación de cuerpos dóciles, de control, sujeción, represión. A través de mi pintura, talleres y fotos, desarrollo una narrativa transgresora de las fronteras que me imponen roles de género determinados y, por lo tanto, se convierte en praxis performativa que abre espacios de resistencia, disidencia, seducción, imaginación, creación, en una palabra, de liberación. La finalidad de esta propuesta de una estética de la liberación basada en el ECO2 es acompañar a las personas y a las comunidades para que recuperen la capacidad de soñar como primer paso hacia el conocimiento de sí mismas, y entonces de cambio y mejoramiento de sus vidas. En segundo lugar, les invita a comportarse como minorías activas que incidan en la modificación de las redes sociales y de las representaciones sociales. Y, a partir de ahí, en articulación con otras experiencias buscar un cambio en las políticas públicas. Todo esto para construir un mundo otro, multidiverso y más equitativo.
3/5 ET 2/3
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
Sociedad
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
Eder Proença
Movimientos y
Conversa com João Manuel de Oliveira: ativista, professor e pesquisador feminista* Eder Proença**
Resumo: A presente entrevista é parte da pesquisa realizada em Abstract: This interview is part of the research carried out dumeu estágio de doutorado tre abril e setembro de 2015, junto à ring my doctoral program abroad between April and September of Universidade Autônoma de Barcelona, Espanha, cujo título 2015 at the Universitat Autònoma de Barcelona, Spain, whose title 118 “Práticas discursivas sobre as sexualidades no cotidiano escolar: “Discursive practices of the sexualities in the school life: what does o que diz o cinema?”, tinha como um dos objetivos encontrar the cinema show?” had as one of objectives to find male and feprofessores/as pesquisadores/as que estão trabalhando com temas male researchers teachers who are working with themes regarding voltados para as sexualidades não normativas, procurando captar the non-prescriptive sexualities, seeking to understand their acasuas trajetórias teóricas acadêmicas, posicionamento político e as demic theoretical trajectories, political position and the possible possíveis aproximações com o cinema e o cotidiano escolar. approaches to the cinema and to the school life. Palavras-Chave: Trajetória de professor Sexualidades não normativas; Cinema.
E
pesquisador;
Keywords: Trajectory of the Researcher Teacher ;Non-Prescriptive Sexualities; Cinema.
ncontrei o professor João Manuel de Oliveira, investigador auxiliar do Centro de Investigação e Intervenção Social do Instituto Universitário de Lisboa, no restaurante Zapata, na capital portuguesa. Enquanto esperávamos para fazer o pedido, João Manuel quis saber sobre a minha estadia na Europa e sobre o meu trabalho e pesquisas no Brasil. Comentou sobre sua formação profissional e política e a influência da Revolução dos Cravos para as mudanças ocorridas em Portugal, a partir de 1974. Citou muitas interlocuções filosóficas e artísticas que lhe são caras, como o Ludwig Wittgenstein, o coreógrafo e amigo português Francisco Camacho e o cineasta Derek Jarmam. Continuamos nossa conversa no Café Noobai, no Mirador do Adamastor, um espaço que o João Manuel frequenta e que tem uma vista panorâmica para o rio Tejo e a ponte Vinte e Cinco de Abril. João Manuel se assume como um investigador feminista, no sentido de entender as questões feministas como aquelas que pensam o humano e não apenas no que se restringe ao universo feminino ou masculino. Inspirado por Butler, gostaria de poder se dedicar mais à disciplinas voltadas para as questões de gênero, que não é totalmente contemplada nas universidades portuguesas. É enfática sua crítica à Academia por persistir em um modelo retórico conservador, acrítico e praticamente insensível à arte e ao potencial criativo para discutir as questões contemporâneas.
* Pós-Doutor pela Escola de Psicologia da Universidade do Minho (2010-2011); Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (2012-2013); Doutor em Psicologia Social pelo Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL); Pesquisador visitante no Birkbeck College, Universidade de Londres. ** Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação na Universidade de Sorocaba, Bolsista Capes PDSE (BEX 2661/15-2) na Universidade Autónoma de Barcelona. E-mail: eder.proenca1@gmail.com
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Conversa com João Manuel de Oliveira
Eder Proença: Para começarmos, gostaria que você traçasse uma trajetória de sua formação até chegar aos estudos de gênero e ao feminismo. João Manuel de Oliveira: Quando eu estava para escolher o curso de graduação, não sabia bem o que queria, sabia que queria vir para Lisboa, sabia que queria ser investigador, agora, no quê, poderia ser qualquer coisa. Quando fui para a universidade, entrei na psicologia social e a primeira professora que tive foi a Lígia Amâncio, que dava aula de psicologia social, sendo especialista em estudos de gênero. Eu fiquei impressionado pelo discurso dela, pela capacidade analítica dela e, inclusive, os exemplos todos que dava eram sempre dos movimentos sociais e completamente distinta do que os demais professores faziam, daquilo que eles explicavam, proveniente de uma psicologia social norteamericanizada dos Estados Unidos.
Li muito Lévi-Strauss, que é interessante do ponto de vista intelectual, não muito mais do que isso e, mais interessante do que Lévi-Strauss, foi ter conhecido a Gayle Rubin, que é quem faz a crítica feminista ao Lévi-Strauss. Assim, cheguei aos feminismos, sem saber muito bem o que estava a fazer, mas foi uma questão puramente intelectual. Eder Proença: E antes disso, as influências da família, as questões políticas e religiosas? João Manuel de Oliveira: Minha família é da região do Alentejo e essa parte de Portugal sempre esteve mais voltada para a política de esquerda. Eu nasci em 1977, ou seja, após a Revolução dos Cravos e a minha geração é filha dessa gente que passou pela experiência do fascismo e lutou por seus direitos. O Alentejo, durante o período da revolução viveu um período marcado por ações revolucionárias com ocupações de terras, formação de cooperativas com o mote “a terra a quem a trabalha”.
Eu nunca gostei da psicologia, especialmente, eu gosto da psicanálise, gosto de Freud. Leio Freud que é um autor que me acompanha e, no mais, foi o único intelectual que a psicologia produziu. Na psicanálise as coisas são diferentes. Sempre tive uma postura crítica em relação a tudo aquilo e por isso, fazia distinção daquilo que seria bom ou não para mim.
Houve influência do que via na televisão, como os desenhos animados soviéticos, como das antigas Tchecoslováquia e Iugoslávia, por exemplo; os desenhos norteamericanos eram execrados, pois poderiam estragar as crianças tornando-as capitalistas. Durou pouco tempo, mas tivemos um período na infância muito distinto do que se vive agora.
O meu curso era muito aberto e permitia que se fizesse disciplina em outros cursos. Então, faço uma formação em antropologia: tive aula de antropologia urbana, antropologia e cinema, antropologia visual, tive aulas muito interessantes de antropologia do corpo, que eu gostei bastante. Primeiro, por achar que a antropologia é uma área muito interessante, depois, por outro lado, é uma área muito próxima das humanidades, é uma maneira de pensar muito as humanidades, não são ciências sociais ou psicologia clássica com seus questionários e as estatísticas. É um pensar interpretativo e eu me interesso muito por essas questões, fiquei fascinado com a antropologia por causa disso.
Minha família era muito aberta e deixava a gente ver o que queria, fui muito influenciado por leituras e filmes, aos dez anos assistia a filmes exibidos na televisão aberta de grandes cineastas como Fassbinder, Pasolini, Greenaway e até filmes da primeira fase de Almodóvar, creio que até cineastas brasileiros, como Cacá Dieges e Glauber Rocha.
119
¡Diversidad! ¿Algo más?
Trajetória
Uma leitura marcante em minha adolescência foi a obra “Os versos satânicos”, de Salman Rushdie, que apesar de minha mãe, que é professora ter ficado com medo, para mim, foi uma coisa emancipatória, por se tratar de um livro que obriga a pensar e não é como os muito outros que
3/5 ET 2/3
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
Movimientos y
Sociedad
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
120
já havia lido e que tratam da moral e dos bons costumes, isso é completamente tóxico.
Eder Proença
Schiller é um filósofo e escritor muito identificado com o eurocentrismo, com essa ideia de Europa como centro. Spivak faz exatamente aquilo que o Famon fez com o Hegel, Também do ponto de vista ideológico, me aproximo que é pegar o europeu, transformá-lo e usá-lo pós objeto de do Bloco de Esquerda que surge em 1999. Mas para mim, pesquisa. Educação é isso! Eu leio aquele livro e penso, eu para além da construção de alternativas de esquerda na nunca tinha dito isso com tais palavras, mas ela encontrou a política, é fundamental a liberdade para a gente pensar. maneira de exprimir essa sensação. É o que pode nos salvar dessa barbárie toda, não uma barbárie no sentido colonial da Eu sempre tive liberdade, não no sentido de que me mesma, mas a coisa do empobrecimento do espírito, que é o foi dada. Sempre me interessou estar num local onde que nós temos com o projeto neoliberal. A partir do momenme pudesse sentir mais livre e vejo a universidade, ao to que temos espíritos não críticos e sim, preparados para contrário do que a maioria das pessoas vêm, como um obedecer cegamente, continuaremos viveremos num conlugar de liberdade, um espaço de liberdade de pensar. texto brutal, medíocre e estúpido. É uma prática de alimentar Há pessoas que têm uma visão contrária, porque vêm a a estupidez humana e a ignorância. universidade como um sítio em que você tem que obedecer às pessoas. Eu nunca fui de obedecer e não vejo Assim, as armas que temos são as humanidades, que ima universidade como esse lugar. Sempre tive isso e na plicam um tempo longo, pois não se consegue formar uma minha história intelectual e também tenho interesse por pessoa em humanidades sem uns vinte anos de livros e bons essas questões ligadas à liberdade. Acredito que a única filmes. Não há caminhos fáceis e o acesso a determinados maneira de poder criar alguma coisa é tendo liberdade. bens culturais, podem contribuir para fazer pensar. Esse é o grande jogo! Eder Proença: A decisão de se aventurar por pesquisas Eder Proença: Incrível, é a mesma sensação que eu no campo do embate de gêneros, sexualidades e a teoria sinto e que você está demonstrando agora. Dentro do es- queer, também foi por razões intelectuais, como o feminispaço escolar, enquanto diretor de escola da rede muni- mo? cipal de Sorocaba, eu nunca me sinto aprisionado, pelo contrário. João Manuel de Oliveira: Em 1998, Portugal fez um referendo sobre o aborto. Perguntaram às pessoas se o aborto João Manuel de Oliveira: Nem eu e nunca me senti poderia ser disponibilizado por escolha da mulher até as dez aprisionado. Mas isso é o que eu chamo de educação primeiras semanas de gestação e o não venceu. Eu achei isso estética. Agora eu ando a ler muito Gayatri Spivak, uma horrível. É como se dissessem que as mulheres são humanos autora para mim muito importante, que sendo indiana, menos cidadãos que os demais. Os discursos médicos e relisua especialidade são as questões do pós-colonialismo e giosos eram coisas terríveis de se ver e ouvir. Não dava para as relações com o feminismo. Ela tem um trabalho sobre acreditar que, após o vinte e cinco de abril, que foi algo maga questão da educação estética, que é essa educação mais nífico, uma luta de autodeterminação do povo, onde havia do século XIX romântico, que é a educação como pre- sido construída uma ponte separando a igreja, que possuía paração do homem para a liberdade. A Spivak trabalha um poder asfixiante, mas que após a revolução, foi colocada a partir de um livro muito conhecido do Schiller (1995), na caverna de onde nunca deveria sair, mas de repente, sai e que é “A educação estética do homem”. assim, padres e bispos querem determinar o que as mulheres podem ou não fazer. Isso é assustador.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Conversa com João Manuel de Oliveira
Os artistas foram os mais afetados pelo fascismo, um caso interessante é o da pintora Paula Rego, uma portuguesa que vive em Londres e tem agora quase oitenta anos. Ela consegue utilizar as memórias do fascismo como fertilizante para suas obras, um imaginário que é completamente fantasmagórico, e que lhe permitiu fazer suas criações, mas só conseguiu porque estava na Inglaterra e pode de alguma forma, aproveitar aquele lixo fascista português.
O projeto feminista, que é um projeto com uma amplitude muito maior e, portanto, ao contrário do que as pessoas pensam, não é algo restrito à mulher. Feminismo é pensar o humano, é uma outra lógica. Não tem relação em apenas pensar os homens e as mulheres, que são elementos, mas não o centro do feminismo, o centro do feminismo é problematizar quem chega a contar como humano.
A minha geração usa as confluências. E creio que as minhas influências dessas transformações foram ótimas para minha formação. Ter nascido em um país que atravessou uma revolução como a de 1974, é uma coisa muito bonita, muito poético e muito importante. A poesia é uma forma de política e de intervenção sobre o mundo.
Arte, subversão e experimentações
121
¡Diversidad! ¿Algo más?
Quando o não ganhou, eu ouvi algumas buzinas na rua, de católicos contentes e eu pensei, vou ter que estudar sobre isso, precisava compreender o que é que está passando aqui, aquilo tudo me deixo perplexo. Apenas em 2007 é que passamos a ter a lei. Então, eu fiz o meu mestrado sobre o aborto, na graduação fiz um trabalho sobre as questões de gênero com a Lígia Amâncio e no doutorado, minha tese foi uma abordagem feminista sobre o debate sobre a interrupção da gravidez em Portugal.
Eder Proença: Você disse ter feito teatro e dança contemporânea, quais são as suas referências nesse campo?
João Manuel de Oliveira: A dança contemporânea aqui em Portugal tem um momento de verdadeira ruptura Eder Proença: Você fala muito da dança, do teatro e com a chamada nova dança portuguesa, que implica levar do cinema, um tema que muito me interessa, pois acredia dança a um limite e, um limite pode ser o não dançar, to que a arte é potente para nos fazer pensar e refletir sopode ser tocar na dança, pode ser coreografar palavras; bre o mundo que temos e o mundo que queremos. Quais pode ser o contrário, usar uma linguagem até onde ela dá são as influências da arte na sua vida e formação? e mostrar que ela não dá mais depois daquilo. Há várias peças portuguesas nesse sentido, mas eu vou falar de duas João Manuel de Oliveira: As aulas de educação arque marcaram muito a minha vida. tísticas foram importantes, tive aulas de teatro contemporâneo. Aqui em Portugal, praticamente pulamos da Há uma peça da Vera Mantero que se chama “uma mispré-modernidade para a pós-modernidade, não houve teriosa Coisa, disse o e.e. cummings*” (1996), inspirada modernidade. Nós temos a democracia em 1974, portanna obra “Caminhos” de cummings. Vera Mantero é uma to é o momento em que o movimento punk cresceu e, nós pessoa que também luta contra esse empobrecimento do íamos buscar isso. Creio que é a metáfora a antropofamundo – a expressão é dela, uma coreógrafa portuguegia brasileira. O fascismo português destruiu as possibisa fundamental. Quando faz essa peça, está pensando a lidades de criatividade e da produção artística e com o questão da colonização, então, aparece toda pintada de seu fim, era preciso inverter tudo. O retorno dos exilados preto, ela é branca, mas está toda pintada de preto, com políticos contribuiu para que novos conhecimentos cheuns pés de cabra. Não dança, lê um texto. Dança, seus gassem e processos de criação e movimentos artísticos movimentos são, mas não há nenhuma dança. Lê um texganhassem espaço. to sobre essa questão da falta, uma certa ausência, uma
3/5 ET 2/3
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
Movimientos y
Sociedad
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
122
Eder Proença
João Manuel de Oliveira: A minha passagem pela dança ocorre pós os estudos de gênero. Foi uma proposta do próprio Francisco Camacho, para que eu criasse um programa de formação em gênero, sexualidade e dança e dessa forma surgiu o Inbreeding, que é quando aquelas famílias reais fazem casamentos entre si, esse é um processo de inbreeding. A minha ideia com o Francisco é muito próximo disso e os A segunda produção é de Francisco Camacho e se cha- estudos de gênero é muito isso, não fazem fronteiras. ma “Nossa Senhora das Flores” (1992), que, inclusive, que já escrevi um texto sobre essa peça que estréia dois Naquela altura eu lia muito Donna Haraway e como ela, anos depois da publicação do Gender Trouble (Butler, acredito na porosidade das fronteiras e que elas não têm que 1990), Francisco não conhecia Judith Butler naquela al- ser respeitadas a priori. As fronteiras são porosas e não tem tura, mas ele faz o gênero como a Judith Butler dizia que que ser uma única coisa. Então fizemos esse programa que o gênero é feito. Ele frequentou os mesmos meios que a incluía o ciclo de pesquisa e criação em que as pessoas não Butler frequentava em Nova York, conhecia as mesmas tinham apenas aulas, a ideia era para que pudessem fazer a pessoas, as mesmas manifestações e havia aquela ideia pesquisa no processo de criar algo. Um processo criativo no ar de que o gênero não era uma coisa que estivesse, alimentado por leituras, por vídeos, por cinema, por conera uma coisa que se fazia. versas, por feedbacks, tanto nosso quanto dos participantes, portanto, numa óptica de experimentar. Experimentações ao Francisco faz uma peça inspirada numa tradição mui- máximo. Esse programa durou quatro anos em Lisboa. to curiosa, que é a das freiras em Portugal, em que aparece como uma espécie de noiva, vestido de homem, deMas minha relação aí, começa a ficar mais séria, à medida pois com um manto, um hábito de freira cheio de flores. que passei a fazer dramaturgia e a dança contemporânea em Ele faz uma dança que também não é uma dança, ele faz conjunto com um coreógrafo ou coreógrafa, na construção uma coisa que nos faz pensar como é que o gênero pode das peças, fornecendo materiais como textos, filmes e vídeos ser inteligível. Então, uma peça de teoria do gênero pura. e ao mesmo tempo utilizava esses materiais nas aulas do douO curioso é que Judith Butler não tinha chegado ainda torado. Às vezes levava coisas da Pina Baush para os alunos em Portugal, ninguém tinha escrito nada sobre a teoria verem, que é interessante para pensar as questões de gênero. dela, a primeira pessoa a escrever sobre a Butler é a Conceição Nogueira, em 1996 e esta peça estreou em 1992, A dança me interpela muito, pois é muito forte pensar o já com essa marca. O ponto forte da peça é que o Fran- que você pode fazer com o corpo. Não é óbvio. Há um texcisco dança sempre de olhos fechados, o que tem uma to do Deleuze, que se chama “O que pode um corpo”, essa tradução muito interessante, uma ideia de que o gênero questão é muito séria, um corpo não pode fazer nada se não é uma coisa completamente inconsciente e deliberada. O tiver uma série de contextos e instrumentos e tecnologia que gênero é resultado de uma tensão com as normas, uma o permitam fazer, porque nós somos completamente depentensão que você resolve através ou da conformidade dentes e vulneráveis. Portanto, há um mundo interno para com essas normas, ou da subversão delas. se pensar a dança, que seria, o que um corpo pode fazer? As pessoas acham que o corpo é um dado, o corpo não é um Eder Proença: Mas você está ligado à dança só em dado, é algo complexo. Pois é uma construção, apesar de ter relação ao que ela pode provocar teoricamente, ou tam- um lado concreto, mas um concreto que se não tiver certa inbém ao ato de criar, dançar? teligibilidade, não é legível, não existe. Por isso eu sou muifalha, como uma forma de significar a questão da raça. Ela pode ser perfeitamente considerada como uma teórica; através de uma linguagem que é uma dança que não é uma dança, é um plano completamente conceitual, mas um plano conceitual não no sentido da arte conceitual, mas no sentido filosófico.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Conversa com João Manuel de Oliveira
O cinema como transformador da consciência Eder Proença: Gostaria que me contasse de suas experiências com o cinema, além do que te influenciou. João Manuel de Oliveira: Boa parte da minha trajetória foi muito marcada pelo cinema. Eu uso o cinema como arma, como eu uso um livro ou uma peça de teatro ou da dança. Sempre numa preocupação com a educação estética, mas que é uma educação ao estilo marxista, no sentido que está inscrito a usar aquilo para transformar o mundo. Um objeto de ideias sempre. Transformar o mundo nem que seja através de aprender as teorias e conhecimentos que te fazer assumir posições no mundo. E nós temos, a Lígia Amâncio, a Conceição Nogueira e eu, muitos alunos que depois das aulas procuram participar de movimentos sociais e fazer uma participação política. É para isso que a gente está lá na universidade, não é para formar alunos que irão preencher os quadros de funcionários das empresas. Não estou formando bons funcionários, estou a formar cidadãos e cidadãs críticos e construtivos, eles podem implicar em muitas coisas.
Não dá para ficar pensando sempre ou optando sempre pela ideia que a maioria tem de classe, por exemplo. Nesse contexto, estou de acordo com o que diz a filósofa brasileira Marilena Chauí, quando defende que o modelo de classe utilizado maioritariamente nas ciências sociais é uma ignorância. É um modelo que não se sabe de onde vem das ideia clássicas de Marx, ou seja uma classe é a uma inserção num determinado sistema de produção e reprodução. A psicologia e sociologia muitas vezes utilizam a ideia de classes proveniente do marketing e dos estudos de mercado, onde o principal interesse é servir às empresas e dizer quem é que compra o quê, qual é o nível de rendimento e de vida. Portanto, aí há uma lógica que nós temos que combater. Eu sempre tento combater essas coisas, pois acho que faz parte de nossa obrigação enquanto intelectual e, uma das formas de fazer isso é complexificar as questões. Nunca se satisfazer com um concordo ou discordo, pois as coisas são sempre complexas, implicam conversas, implicam discursos, implicam compreender que não é porque sou gay que preciso consumir para atingir um status X e ter acesso à cidadania. Tudo virou mercantilizável, mesmo as identidades, na formação social capitalista.
¡Diversidad! ¿Algo más?
to crítico às pessoas que criticam a Butler, que não perce- uma mulher ao dizer que não tem um orgasmo. Eu gosto bem que não há limites para a construção. A construção é do cinema que complica os debates, que os torna mais a possibilidade de leitura que você tem sobre um objeto. complexos, pois esses dados são sempre muito complexos.
123
O que eu tento fazer? Ao usar os filmes, por exemplo, não os mais comerciais norteamericanos dos EUA – a não Shortbus (2007) é um filme que eu sempre uso nas ser que tenha o pressuposto para criticar aquilo. Eu, partiaulas, é de John Cameron Mitchell, onde há uma experi- cularmente, prefiro os filmes mais ambivalentes, o cinema mentação sexual. Uma cena que eu gosto muito do filme que tenha uma preocupação estética, como Pasolini. Pois é quando as mulheres começam a discutir o orgasmo e o que você ensina extravasa muito a dimensão de ensinar são mulheres – não apenas a mulher espectro – eram mul- apenas uma disciplina, como os estudos de gênero. heres de diferentes raças. Havia uma psicóloga que não conseguia ter orgasmo e nesse sistema é uma vergonha, Há um outro filme que eu gosto de usar, o “Tarnation” pois se tornou obrigatório ter orgasmo. Há uma relação (2003), de Jonathan Caouette, um cineasta independente muito interessante para pensar, quais são os limites da norteamericano, que desde muito jovem, alugava câmaras libertação? Não há libertação nenhuma ao julgar errada e filmava a vida dele e de sua mãe que sofria de esquizo-
3/5 ET 2/3
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
Movimientos y
Sociedad
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
124
frenia e passou pela terapia de eletrochoques que a destrói. Uma senhora que só sente e reage, às vezes, com agressividade, as estruturas cerebrais foram destruídas. O filme é uma experiência brutal do ponto de vista da teoria queer, autobiografia e subjetivação e é uma excelente maneira de iniciar, por exemplo, aulas sobre subjetivações. Tem uma cena do filme que mostra ele aos onze anos imitando aquelas figuras white trash, de programas de auditório, uma que havia sido vítima de violência doméstica. A cena é potente para mostrar a questão da performatividade, porque é muito mais do que fazer ou imitar, é viver a performatividade. O cinema, portanto, transformador de consciência é um cinema que mexe com as estranhas, que coloca uma mão dentro do corpo e embaralha. Eder Proença: Você já viu filmes do Karim Aïnouz, um cineasta brasileiro? Acredito que seus filmes se aproximam do que você está me dizendo. Um recente, lançado em 2014, se chama “Praia do Futuro”. Mas o que eu mais gosto é “O céu de Suely”, de 2006, que mostra a história de uma jovem nordestina que volta para sua terra natal com o filho, abandonada pelo parceiro e que não se reconhece mais naquele lugar. Assim, cria como estratégia para sair dali, ganhar dinheiro com uma rifa do próprio corpo e poder comprar uma passagem para um lugar distante dali.
Eder Proença
pector é a minha autora favorita da Língua Portuguesa. Tenho uma prática na psicologia que é muito filosófica. Penso que nunca deveria ter separado a psicologia da filosofia. Os lugares onde eu vejo uma outra psicologia sendo feita, são onde as escolas estão mais próximas da psicologia crítica. A psicologia social brasileira tem um papel fundamental, assim como movimentos que agora estão ocorrendo na Inglaterra e nos Estados Unidos, os estudos psicossociais, ou seja, o cruzamento entre a psicanálise e a teoria social. Por exemplo, estudam a partir de Zizek, a partir de Butler, uma série de processos psicológicos. Uma psicologia com algum interesse, um apelo filosófico que eu gosto muito. E isso explica porque o cinema tem uma grande importância. A psicologia contemporânea vive nesses espaços culturais e interculturais, onde um filme é mais do que um filme, é uma narrativa psicossocial.
Nessa perspectiva, é muito interessante como alguns autores e autoras se fazem valer dos filmes. Vou falar de dois casos especificamente. Um texto de Judith Butler, em “Bodies that matter”, que vai analisar o documentário “Gender is burning” e é um exemplo de como a partir do cinema se cria uma teoria generalizativa de outras coisas. E, Judith Halberstam, em “The queer art of failure”, onde ela vai buscar no cinema americano de animação uma série de possibilidades para pensar a teoria queer. Ela busca em “Procurando Nemo” que é um filme da Pixar, a personagem Doris, que não tem memória, nem a longo e nem a curto prazo. Ela João Manuel de Oliveira: Eu já ouvi falar des- não lembra nunca, de nada. É uma personagem queer, ao se filme, mas ainda não o vi. Também gosto muito pensar em como ela estabelece afetos, que é o que está busdos livros de ficção e quando você falou dela ser uma cando constantemente, sem memória. A Doris está sempre mulher nordestina, eu logo me lembrei de “A hora da em afeto. Isso mostra como o cinema pode afetar, influenciar estrela” (1977) de Clarice Lispector. Eu normalmen- e impulsionar determinadas práticas e teorias e maneiras de te recomendo aos meus alunos para que percebam as estar nesse mundo. questões de classe, questões de pré-determinação de classe, que mostra muito bem e de outras característiEu sou muito inspirado pelo cinema, não apenas na práticas como gênero e procedência geográfica. A história ca profissional, nos movimentos sociais, mas na vida. Há um daquela mulher só poderia acabar daquela forma, não filme que eu ainda não utilizei em aula, mas quero muito utihavia outra possibilidade. Isso é brutal. Clarice Lis- lizar. É um filme português recente que se chama “E agora?
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Conversa com João Manuel de Oliveira
da empresa. Por que despediram as negras? Porque sentiam que estavam mantendo intocadas as políticas raciais, porque tinham homens e, as políticas de gênero, porque havia mulheres brancas. Creio que é uma maneira diferente de discutir a interseccionalidade, que é o oposto desta prática da empresa.
Gosto de usar filmes clássicos do cinema europeu, como Lars von Trier, Chantal Ackerman, Agnés Varda ou Michael Haneke. O Haneke, sobretudo, que tem um filme muito brutal, se chama “Le temps du loup”, que a história é assim, um dia acaba a água e a comida em uma cidade da França, por contaminação e um grupo passa a procurar a comida em outros lugares. É uma experiência da psicologia social praticamente, pois há pessoas que têm comida e o valor da comida aumenta, e sem comida as pessoas morrem. O filme foca-se na personagem feita pela atriz Isabelle Huppert e nas ações que desenvolve lutando pela sobrevivência de seus filhos, que chegam a seEder Proença: São muitas as possibilidades, não? O rem situações-limites, além de violentas regras sociais. É, cinema é repleto de trabalhos que nos tira do lugar co- portanto, um filme hardcore e o cinema bom, sempre promum, que nos faz pensar de outra maneira e não são porciona um choque hardcore, faz sempre um confronto apenas ilustrações de temas ou conteúdos que queremos às maneiras de pensar o real, que é violento e complexo. trabalhar. Não pode faltar nunca um filme feito por mulheres. Há João Manuel de Oliveira: Eu tenho um enorme pro- cinemas deslumbrantes feitos por mulheres! E também blema com as coisas demonstrativas, aliás, eu não gosto as pessoas não têm que ver filme só feito por homens. de dar exemplos. Prefiro que nas aulas predomine o com- Ainda não tive muitas possibilidades de trabalhar cinema plexo. Quando eu uso exemplos reais, eu os faço depois queer, sempre incluo um ou outro, mas não tanto quanto de pensar muito, pois é preciso complexificar os exem- eu queria. plos, afinal, se estamos tratando de uma teoria que é abstrata, um exemplo qualquer pode fazer perder o potencial Eu gosto muito de documentário também. Eu os mostro de abstração teórica. em minhas aulas, como de Angela Davis, sobre os Black Panthers. O último que me marcou se chama “ConcerApenas para contextualizar essa questão, eu costumo ning violence”, de Göran Olsson, que é um documentário utilizar para pensar o processo de interseccionalidade, sobre um texto do Frantz Fanon, que se chama “Sobre a uma história sobre a General Motors, que nos anos de violência”. O documentário mostra imagens da África co1970 decidiram aplicar políticas pela igualdade, portanto lonial, sobretudo Angola e Moçambique, enquanto a atriz para questões de raças e questões de gênero na contra- Lauren Hill (na versão inglesa), narra o texto do Fanon, tação de novos funcionários, mas, quando tiveram que que diz, o colonialismo não é uma máquina que pensa, é despedir pessoas, despediram todas as mulheres negras uma máquina de pura violência. Em seguida começa a
3/5 ET 2/3
125
¡Diversidad! ¿Algo más?
Lembra-me”, de Joaquim Pinto, que é lindíssimo, conta a história de um homem que tem HIV e hepatite C, que é o realizador do filme. Ele filma ele e seu namorado mostrando como foi horroroso o tratamento pela qual passou, que ia matando-o, mas ele sobrevive porque está agarrado completamente por uma espécie de alegria do amor. Há cenas lindas que é ele filmando o companheiro, que é a única coisa que o faz agarrar-se à vida. É brutal e é um filme que eu usaria para explicar a filosofia de Espinosa, pois mostra a alegria de estar junto, a sensação de paz, a alegria da criação, o olhar para a vida como algo do tipo, que bom que estamos aqui, amanhã já não vamos estar. Há a sensação de um fim, quase uma espada que está acima daquelas cabeças, mas eles estão fazendo a cena deles, com seus cães enormes, no campo onde vivem. O filme começa com uma lesma que se arrasta na tela e, ao mesmo tempo, está a marcar com eles essa coisa bonita que é a vida. Isso é política.
julio-diciembre 2015 julio-diciembre 2014
Movimientos y
Sociedad
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
126
Eder Proença
introduzir a relação colono e colonizado e as imagens falam por si. Há uma parte em que um casal missionário sueco vai para um país africano e quando chega, seu discurso é de construir escolas, hospitais, mas a primeira coisa que constrói é uma igreja e, que só podem entrar aqueles que vivem uma relação monogâmica, dentro dos padrões religiosos. Isso se torna um debate muito interessante e eu gosto de usar esse documentário, junto com o texto do Fanon. As imagens são ótimas e amplificam as ideias e levam os alunos a perceberem que aquilo não são só palavras. O texto tem uma determinada inscrição no mundo. E com esse tipo de cinema a gente pode dar um corpo e amplificar o texto. Eder Proença: Há um cinema queer? Quem você cita como referência? João Manuel de Oliveira: Eu fui muito inspirado pelo cinema do Derek Jarman, que é um realizador de inúmeros filmes queers. Sua produção é muito violenta também e, normalmente, implica pensar o mundo a partir de umas coordenadas queers, implica toda uma história. Um bom exemplo é que ele transforma personagens clássicos da história inglesa em personagens queers. Um dos meus filmes favoritos é A tempestade (1979), em que ele transforma os personagens do texto de Shakespeare, num mote gay, que é impactante. Aquilo é um grau de queering de uma peça do Shakespeare, que originalmente, não tem nada de queer, mas é completamente transformado. Derek é um grande realizador do cinema punk. Há um outro filme dele que eu gosto muito que é o “Jubilee” (1978), que é sobre uma viagem no tempo realizada pela rainha Elizabeth I ao futuro, no meio de uma Inglaterra dos anos 1970, pós industrial, destroçada e em caos. É um filme genial, considerado um dos primeiros filmes punk. Há pouco tempo escrevi um capítulo sobre um filme do Derek Jarman, que é o “Wittgenstein” (1963) para compor o catálogo brasileiro “Derek Jarman – Cinema é liberdade” (2014), organizado por Alessandra Castañeda, Raphael Fonseca e Victor Dias, que fizeram um ciclo com os filmes todos do Derek Jarman. Wittgenstein foi muito importante para minha formação, assim como considero a influência dos filmes de Derek Jarman, então, ao concluir o texto, eu os coloquei junto comigo numa cama estranha, por causa das trocas rizomáticas que podem ser feitas a partir do filósofo, do cineasta queer e eu, investigador, entre os dois. Uma relação de promiscuidade. Gosto da teoria promíscua, que não está inscrita numa só história, mas que se alimenta de muitos lados. Eu uso a escrita para clarificar as ideias. Minha escrita é muito reflexiva e, muitas vezes, quando estou escrevendo, nunca sei como o texto vai terminar, pois os encaminhamentos são vários, não há uma receita. Tal como a teoria, trata-se de um enredo, de uma tessitura, um texto é uma rede que inclui aquilo que chamamos vida, como diz muito bem a Spivak.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Patricia Ríos R. UAM-Xochimilco, México. 15/octubre/2015
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
Perspectivas
Dario Maldonado
Tus brazos abiertos
128
Tus brazos abiertos no aprendieron a abrazar así se quedan sosteniendo mucho mas que tus dos manos. Tus brazos abiertos sí aprendieron a volar y yo me quedo viendo que hoy están tan ocupados. Tus brazos abiertos se quejan que cuando duermen conmigo no pueden dormir, no es por culpa de la noche ni del frío de Berlín es por el ruido travieso que hace al respirar tu nariz. Con tus brazos abiertos te imagino en Roma caminando descalza en la Fontana di Trevi, con un corset rojo envolviendo la gloria y un Fellini extasiado de rodar su mejor toma. Tus brazos se abrieron por primera vez a los catorce o quince… cuando de una sombra fueron testigos. A tus brazos los abrió la soledad y un impulso de autocastigo. Tus brazos abiertos e una misma noche me bajan la luna y me abren el infierno y aunque me hacen enojar a menudo… reconozco que calientan tan bien en invierno. Dario Maldonado.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Elena de Hoyos
A la memoria de las que les arrebataron la vida
¡Diversidad! ¿Algo más?
129
i Ya sabías que estabas muerta y seguías viviendo demostraste tus heridas invisibles colocándote en un ataúd, posando para tu funeral No te lo esperabas, no lo imaginaste ii Juntas intentamos hallar al culpable y no pudimos con tanto odio misógino con la sentencia del patriarcado asesino “Así no, mejor muerta que libre de mi yugo” iii No entiendo al odio pero me duele Sueño contigo y vuelven todas mis muertas Les arrebataron la vida a estas personas que no se resignaron a ser solo mujeres, a sucumbir a la no pertenencia, a la no decisión, por no renunciar a vivir una vida propia y contagiar a las otras de este “insano deseo” iv voy a desayunar poesía para olvidar el amargo sabor de aquel desprecio por tu vida que orquestó tu muerte suplicando por aquellos que aún frente al mar son capaces de seguir mirando el odio
Elena de Hoyos.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Perspectivas
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
130
Víctor Hugo Iturbe Legorreta
Actores emergentes. La homosexualidad a través de la Literatura Latinoamericana Víctor Hugo Iturbe Legorreta*
Introducción
L
o marginado, lo que nadie quiere ver ni tocar, sin embargo, existe, ronda por la noche y se desvanece en el aire. Habitantes de una periferia que va más allá de lo geográfico; habitantes de la famélica noche americana.
¿Qué es aquello que no nos atrevemos a mirar pero que sabemos que existe? La mirada alternativa, el viaje psicodélico hacia otra parte, la última moda en París deambulando al filo de la media noche, esperando algún despistado que pueda regalarle unos cuantos billetes a cambio de su compañía.
Es lo raro, lo exótico, lo que corrompe a la juventud y las buenas costumbres. El lado diabólico a erradicar, la mugre y el cochambre que se arrumba a las afueras de la ciudad. Como un virus se extiende en los barrios de toda Latinoamérica, de todo un continente cuyas entrañas encierran los mismos misterios, la función del relato permanece, únicamente cambian sus componentes. En todos los relatos aquí expuesto algo queda como hilo conductor, no tan solo muestran esa mirada de la cual raramente se presta atención, no es tan solo la voz del que nunca tiene voz, por el contrario, dentro de dichas páginas se encuentran, con diferentes visiones de una realidad distorsionada, paisajes que parecen inexistentes a los ojos de un neófito, miradas lúgubres de las entrañas de una Latinoamérica llena de cochambre. A través de los barrios de las periferias en donde uno puede conseguir un poco de drogas o encontrarse a algún asesino a sueldo, también se esconden los tugurios, las zonas iluminadas por luces de neón rojas, el espectáculo de la media noche, la salvaje tertulia de los forajidos. Tras la lectura de las novelas, lo único que queda claro es que nada en este mundo es lo que parece. ¿Quién podría imaginarse al honorable servidor público visitando un barrio de mala muerte para hacerse de los servicios de un mancebo que lo penetrara hasta saciar sus instintos primigenios? ¿Quién se imagina a un sacerdote disfrazado de doncella practicándole placer oral a un simple albañil? Por tanto, lo raro no se encuentra a las afueras, no se halla disfrazado de colores pastel ni usa pelucas fosforescentes. Lo raro muchas veces se encuentra en el que por principio utiliza la palabra raro para designar aquello que le resulta desagradable por el simple hecho de no comprenderlo ni intentar hacerlo. Aquel al que le resulta más fácil tipificar y usar adjetivos peyorativos para distinguir entre lo que pueda considerar correcto a los ojos de la gran mayoría de personas. El raro puede ser tu vecino, tu amigo de la primaria que gustaba de llamar marica a medio mundo, aquel
* Estudiante de la Licenciatura en Sociología de la Universidad Autónoma Metropolitana Unidad Xochimilco.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Actores emergentes
tas y el olor a sexo y podredumbre, que ayuda a Joaquín Hurtado a narrar las vivencias de un grupo de “vestidas” que se ganan el sustento de cada día vendiendo su cuerpo a camioneros y taxistas. No muy lejos de ahí, el escritor coahuilense Carlos Velázquez, narra un Torreón en ruinas, asolado por la violencia urbana heredada de la guerra contra el narco impuesta por el gobierno federal hace unos Al elaborar un análisis sobre la perspectiva que se años. El escritor cubano, Pedro Juan Gutiérrez nos otorga tiene en Latinoamérica en torno a la homosexualidad, una visión no muy amistosa sobre Cuba, algo que, prees obvio que mi trabajo queda por demás inconcluso, cisamente por el hermetismo que guarda dicho país, nos empezando por el hecho de que la visión aquí expuesta resulta por demás desconocido, entre sus obras tan diverproviene de la lectura de novelas, no de ensayos clínicos sas “Nuestro G. G. en la Habana” sirve como el pretexto ni psicológicos. No pretendo hacer un desentrañamienperfecto para adentrarse en los tugurios controlados por to de la condición humana, ni tampoco un perfil de los chinos que viven en la Habana y cuyo principal capital actores emergentes que cada día ganan más terreno reproviene de las casas de citas. specto a sus derechos civiles (cada día se observa un mayor desarrollo en dicha materia, hace no muchos días El escritor peruano, Mario Bellatin, en su obra se declaró la legalidad del matrimonio gay en Estados “Salón de Belleza”, resulta una sencilla carta de amor Unidos, así mismo, en México existe un amparo sobre al género humano, con menos violencia que las obras dicha materia), lo que propongo es una visión un tanto anteriormente citadas, pero no por eso carente de cruimparcial sobre dicho fenómeno. No me parece lógico deza. El autor narra las peripecias y múltiples difiintentar una labor titánica como la anteriormente ex- cultades de un homosexual dispuesto a ayudar a los puesta cuando, entre mi corpus de lecturas, se encuen- enfermos de una extraña plaga que ha asolado la ciutran un número reducido de la extensa literatura que dad (¿sida acaso?) y su posterior contagio, el cual, lenaborda dicho tema. tamente va deteriorando su estado físico y emocional. Sin embargo, ¿Qué ofrecen dichos libros elegidos? Pues bien, algo que sirvió como base para su elección fue, en primer término, la relativa actualidad de los mismos, es decir, en su mayoría son escritos por autores contemporáneos. Su publicación (Con excepción de las obras de Manuel Puig y José Donoso) es reciente, no se aleja más allá del nuevo milenio. Por otra parte, la imagen que reflejan al describir sus respectivos países nos ayudan a tener una perspectiva diferente en torno a la violencia urbana que se vive en América Latina. Desde la Colombia y sus estrechas calles donde se mata sin pudor alguno, desde la cual Fernando Vallejo ambienta su “Virgen de los Sicarios”; o el paisaje desolador de una Tijuana que sirve como escaparate para los gringos ansiosos por un par de te-
131
¡Diversidad! ¿Algo más?
sacerdote que desde su pulpito vocifera que el infierno está reservado para los leperos que osan besar a alguien de su propio sexo, el político que considera como bestial el matrimonio entre dos hombres. Todo mundo guarda secretos, y es precisamente en la periferia donde abundan las voces encerradas, las imágenes censuradas.
Efraím Medina, con sus “Técnicas de masturbación entre Batman y Robín”, da un rápido paseo por los escenarios de fiesta y diversión ambientada, mayormente, en tugurios y antros de mala muerte, donde los excesos de alcohol y drogas sintéticas son el pan de cada día. Pareciera un paisaje sacado de una película de ciencia ficción, pero no, sólo es la Ciudad Inmóvil, es decir, una forma sui-generis de llamar a Cartagena. La única dama dentro de esta lista es la puertorriqueña Mayra Santos Febres, quien en su novela “Sirena Selena vestida de pena” nos muestra la vida de un travesti, desde el proceso de gestación de dicha afición a vestirse de mujer hasta las implicaciones que esto conlleva a nivel social y cultural: una búsqueda de identidad dentro de un mundo que no permite desviaciones de este tipo, pero que, no ob-
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Perspectivas
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
stante, es el principal visitante de las muñecas vestidas de seda que se paran en los cruceros de las carreteras.
132
del chileno José Donoso, quien se interna en un prostíbu-
Por último, un par de novelas precursoras del género
de la literatura rosa, por una parte, “El lugar sin límites”, lo para narrar las múltiples historias que un lugar así puede
encerrar. Personajes como “La Manuela” se volvieron en-
trañables en la versión cinematográfica dirigida por Arturo Ripstein y protagonizada por el genial Roberto Cobo.
Esta obra ejerce una fuerte crítica hacia la clase política, aquellos “latifundistas” que han dejado a sus habitantes
aislados de cualquier tipo de progreso en su comunidad. Por último “El beso de la mujer araña”, del argentino Man-
uel Puig, guarda una fuerte carga política. La historia trata
sobre un par reos que comparten la misma celda. Uno es un político revolucionario, el otro es un homosexual acusado de
corrupción de menores. Durante el transcurso del relato, am-
bos hablan de sus vidas y se sumergen en una relación que
tendrá implicaciones sexuales. Prohibida en la década de
1970 durante la dictadura militar en Argentina, al grado que
el propio escritor tuvo que exiliarse para terminar los últimos
capítulos de su obra.
Tras este breve repaso sobre la elección de dichos autores,
continuaré haciendo un pequeño análisis de cada una de estas
obras, ubicando los puntos relevantes de cada relato, así como
los principales conectores que tienen respecto al tema abordado.
Laredo Song. Joaquín Hurtado
Víctor Hugo Iturbe Legorreta
necesidades básicas. Puede ser un breve vistazo a las entrañas de los diferentes puntos rojos donde la violencia y el tráfico de drogas resulta una cosa por demás normal. Desde militares en días de descanso, sacerdotes que dejan la sotana para vestirse de mujer, taxistas que llevan a sus clientes a visitar travestis y ello termina en tremenda orgia. Aquello resulta un genial vistazo a la doble moral imperante en la mentalidad de muchos mexicanos, donde la discriminación a los homosexuales es algo común; “el repudio al mariquita te hace macho”. Sin embargo, estos relatos rompen con el paradigma del macho mexicano: quienes se exhiben intolerantes son los que, al filo de la media noche, rasgan sus vestiduras para ser penetrados por un travesti al que le han pagado la mitad de la quincena que recién acaban de cobrar.
La marrana negra de la literatura rosa. Carlos Velázquez Es un libro de relatos en los cuales, contrario a lo indicado por su título, el tema de la homosexualidad no es el tema imperante, únicamente en dos de sus narraciones los protagonistas son abiertamente homosexuales. Con un sentido del humor que raya en lo ácido, casi lisérgico, Velázquez narra los encuentros de un travesti que vive en Torreón, el cual, año con año, busca ser premiado como el travesti más bello en la Marcha del Orgullo Gay, sin embargo, su enorme nariz es el impedimento principal para cumplir su tan anhelado objetivo.
Cierta noche, cuando esperaba clientes en su esquina habitual, un auto deportivo conducido por un cubano intenta hacerse de sus servicios. Su cliente resulta ser alguien famoso, más que eso, resulta ser todo un ídolo para la ciudad: el pitcher del equipo local de béisbol. Las cosas nunca son lo que parecen. El máximo ídolo de la ciudad, el que los está llevando a jugar el campeonato es un asiduo visitante Los protagonistas son, en su mayoría, un grupo de de prostitutas travestis. Durante algún período lo oculta, sin travestis que deben luchar para ganar clientes y ase- embargo, con el paso del tiempo se da cuenta que su amada gurar una ligera ganancia monetaria para cubrir sus no tan solo le brinda placer por el recto, sino que sirve como La presente obra del autor mexicano nacido en Nuevo León, Joaquín Hurtado se compone de pequeños cuentos, algunos dedicados a personajes como Carlos Monsiváis, los cuales inducen al lector a una serie de narraciones por demás extraordinarias; el ambiente es terso, complicado y desolado.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Actores emergentes
es mejor ignorar, que es mejor imaginar que no existe.
De esta forma, el pelotero lleva a todos los partidos a su amada. Al principio, los aficionados al equipo se sorprenden, sin embargo, el sabor del triunfo los termina por convencer, no importa un homosexual en el campo de juego siempre y cuando el equipo gane. Prácticamente es la asimilación de lo raro, lo extraño como algo habitual, algo que puede convivir con el resto, siempre y cuando sea de lejos, y el extraño se mantenga al margen y no intente por ningún motivo cruzar esa delgada línea; no debe de olvidad que el nunca será como el resto, que es una alimaña, un desecho de la naturaleza. En pocas palabras, volvemos a esa doble moral que impera en la sociedad mexicana.
La turbulenta relación que el protagonista sostiene con su madre, con su amigo Rep, quien es un machista total, así como con las distintas mujeres que aparecen en el transcurso de la historia, estructuran el principal hilo argumental de la novela: un ser humano luchando por encontrar un lugar en este mundo.
Técnicas de masturbación entre Batman y Robín. Efraím Medina Reyes
Prácticamente, uno de los temas recurrentes a lo largo del relato es la soledad, un sentimiento que termina devastando el interior del protagonista. Múltiples achaques por los recuerdos que no puede evitar, con los cuales lidia noche tras noche. Los diferentes excesos de la vida nocturna son un vano pretexto para olvidar sus dolores, sus múltiples rencores.
133
¡Diversidad! ¿Algo más?
amuleto para ponchar a sus rivales en el campo de juego.
Las múltiples relaciones sexuales que sostiene el protagonista no son más que una búsqueda interminable de afecto, de aceptación y rechazo.
El libro nos adentra en la historia de Sergio Bocafloja, un Nuestro G. G. en la Habana. Pedro novel escritor que va tras la búsqueda de su identidad, así Juan Gutiérrez como de un amor que pueda salvarlo de su propia existencia. Perseguido por los demonios de un pasado turbu- Cuba no es el paraíso que creemos. Por más que el socialento, intenta superar el peso de aquello que le abruma. lismo haya triunfado, que el nivel de alfabetización sea del 99 por ciento, que la desnutrición infantil sea una cosa Alrededor de él habitan una multiplicidad de personadel pasado, no deja de ser un lugar donde el vicio haya jes cuyas vidas transcurren a la deriva en un submundo desaparecido. donde los excesos de alcohol y las drogas sintéticas son el principal alimento de sus ansias. Un mundo que reA lo largo de sus novelas, Pedro Juan retrata La Habana sulta un extraño limbo entre la juventud y la madurez. desde sus entrañas, con olor a cabezas de pescado y tabaUna sociedad dominada por la violencia convierte el escenario de la historia en una trampa mortal, cuya muerte espera en cada esquina. La narración ocurre en una ciudad ficticia llamada Ciudad Inmóvil, que esconde muchos rasgos de Cartagena, ciudad de la que es originario el autor. Por tal motivo, hace un majestuoso paisaje de los barrios y calles encaramadas por la mugre y pestilencia de la periferia. Aquello que no es visto por los gobernantes, aquello que
co podrido, a ron barato, sudor y semen provenientes de un cuartucho. La Cuba de Pedro Juan no es la postal de “Visite La Habana”, el llamado “Bukowski cubano” deja claro que dicho mote no es mera casualidad. El retrato de su país proviene de los estratos bajos, de las zonas marginadas donde nada de lo que se ve en la televisión existe, donde padrotes, prostitutas y traficantes confluyen como la fauna habitual, donde la sobrevivencia es más que una simple palabra.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Perspectivas
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
134
Víctor Hugo Iturbe Legorreta
En la novela elegida, un escritor británico llega a La Como su nombre lo indica, “La Virgen de los Sicarios” Habana y se sumerge en un trepidante y vertiginoso retoma una costumbre arraigada por muchos jóvenes que mundo, en el que travestis, agentes del FBI y de la KGB, han dedicado su vida a disparar su arma de fuego a diestra cazadores de nazis y la mafia italiana aderezan la historia y siniestra: la de rezar y pedir favores a una virgen. La igleque es por demás caótica y delirante. sia está llena de asesinos, quienes piden, entre otras cosas, protección ante las ráfagas de fuego, así como una finísima Basada en hechos reales, dicha novela reproduce un puntería para aniquilar a sus adversarios sin complicación momento interesante y, en cierta forma, desconocido de alguna. la reciente historia cubana. De igual forma, resulta un relato que lleva a la reflexión a partir de las diversas siLa homosexualidad de los protagonistas no parece tener tuaciones que expone. Un país del cual se puede rescatar repercusión sobre aquellos que los observan, nadie los juzga una mirada alternativa, no la visión del revolucionario y ni se ríen de ellos. Será acaso porque aquel que lo intente reel militante, sino del habitante de a pie, del que vive (o cibirá como respuesta un balazo en medio de la frente. Sólo sobrevive) en un ambiente donde el menor error puede de esa forma aprenderá a respetar los gustos de las otras perresultar muy caro. Un ambiente donde la hostilidad se sonas. Sólo así puede ser posible la tolerancia… palpa en el aire; donde la fuerza es el único motor de Más que una mirada sobre los actores emergentes, la nosubsistencia. vela intenta dar testimonio de la vida que transcurre en la En pocas palabras, una imagen que no se aleja dema- ciudad más violenta del país. Dicho testimonio puede ser siado de cualquier barrio marginal de América Latina. trasladado hacia cualquier punto geográfico donde la ley del más fuerte impere por encima del derecho civil. El Medellín mostrado por Vallejo puede ser Ciudad Juárez o San Pedro La Virgen de los sicarios. Fernando Sula, los nombres de los protagonista pueden cambiar, sin Vallejo embargo, el ambiente de la obra permanece intacto, la violencia urbana imperante es el lazo común que hermana a La década de los noventa. Medellín arde en llamas. En la dichas ciudades. ciudad donde se ambienta el presente relato, un reconocido lingüista visita una casa de citas en la que conoce y La forma de trabajo elegida por los jóvenes es un claro rese enamora de un chiquillo al que posteriormente adopta flejo de las políticas practicadas en dichos países, en los que como compañero de vida, al menos de lo que le queda una población totalmente ignorada y pisoteada por las clases de vida. opulentas intenta, a costa de la violencia explícita, hacerse de un poco de respeto. Conseguir un par de pantalones de La ciudad se aísla a sí misma con su violencia casi marca extranjera a cambio de la propia vida. Comprarse un absurda; la muerte habita en cada esquina por donde se par de tenis cuesta sólo dos balazos en la frente de un fulano. transite. Salir de tu casa y regresar a ella resulta ser una tarea por demás peligrosa, nada ni nadie puede asegurarDe manera vertiginosa, Vallejo narra la reproducción de te que vivirás para ver el atardecer. la violencia a través de los barrios marginales que funcionan como los principales focos de infección, no importa cuántos Un ambiente hostil, que pesa y resulta sofocante. jóvenes mueran al día, siempre habrá un ejército de reserva Donde las autoridades prefieren hacer caso omiso de las que tomará la pistola y asesinará a quien se le ponga enfrenmúltiples denuncias. El estado no tiene poder sobre los te. No hay principio ni final, todo es un ciclo, una vorágine traficantes, ellos son los dueños de Colombia. que se traga a cualquiera que vea el atardecer desde el barrio.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Actores emergentes
cir a sus maridos cincuentones. Los peluqueros de dicho salón son hombres que acostumbran vestirse de mujer con el propósito de entablar una mayor intimidad con las clientas; para sentirse parte de un club compuesto únicamente por mujeres.
135
¡Diversidad! ¿Algo más?
ses terminales a pasar sus últimos días sobre la tierra. No hay necesidad de morir bajo un puente o en el basurero Quizás este sea el relato que más se aleja del molde que municipal; en el moridero se puede vivir los últimos días venían ejemplificando los autores referidos anterior- de vida de una manera más o menos digna. mente. En “Salón de Belleza”, Bellatín hace un ligero Aquella analogía resulta por demás curiosa, un rechallamado a la fraternidad y el apoyo mutuo; a solidarizado social (en este caso un homosexual) decide cuidar zarse con el otro, al que comúnmente se rechaza y se a un grupo de marginados debido a la enfermedad que prefiere dejar de lado; a hermanarse con el extraño, con padecen. El moridero se transforma en un lugar donde el paria y el infectado. ambos confluyen, sin embargo, eso no significa que sea El protagonista de dicho relato es un estilista que tie- un lugar donde la pluralidad impere, nada de eso. Una ne un salón de belleza demasiado concurrido por seño- de las principales reglas es que no se aceptan mujeres, ni ras de edad avanzada que buscan lucir guapas para sedu- más ni menos.
Salón de Belleza. Mario Bellatín
Por tanto, el rechazado transmuta su valor y pasa a ejercer rechazo hacia otro grupo de personas. Dueño de su propio espacio decide crear un sencillo compendio de reglas bajo las cuales funciona el moridero.
Novela sobre la tolerancia, sobre la enfermedad y la Sin embargo, después de cerrar el salón de belleza, muerte. El relato culmina con la extinción de dicho lugar, acostumbran salir a las calles para saciar sus apetitos lo cual lleva consigo la propia extinción del protagonista. sexuales. Avanzan por las oscuras avenidas, viajan en el La muerte es lo único seguro en esta vida. autobús nocturno, aunque por motivos de seguridad deben recurrir a la ropa de hombre. Salir vestido como mujer provoca que la violencia se acreciente, que el odio El beso de la mujer araña. Manuel no sea disimulado. Un riesgo a su propia integridad les Puig prohíbe salir como reinas de la noche. Sin embargo, esas costumbres poco a poco dejan de practicarse. Una extraña plaga invade la ciudad, una enfermedad parecida a la peste o a la lepra, deja con nulas oportunidades de supervivencia a los afectados. Por azares del destino, un infectado llega a vivir al salón de belleza. Pronto empezará la metamorfosis del lugar que, posteriormente, arrastrara consigo al dueño.
La novela narra la historia de dos presos que son compañeros de celda. Uno de ellos es un revolucionario, el otro es un homosexual que está preso por corrupción de menores. Son dos personas diferentes asociadas únicamente por la situación que ambos viven en ese momento.
El escape de su realidad lo obtienen a través de la narración de diversas películas que se cuentan todas las noProgresivamente, el salón deja de hacer cortes de ca- ches. Aquello funciona como pretexto perfecto para conobello para convertirse en un refugio para los moribundos. cer detalles de sus vidas. Ahí encontrarán una cama y un plato de sopa, así como Con el paso del tiempo, su relación se afianza cada vez los cuidados necesarios para tener una muerte menos más, encuentran cierta empatía y cierta fraternidad, por dolorosa. Así es, aquello no es un hospital, su función no decir un amor mutuo que cada vez se va haciendo más no es curar, por el contrario, el salón se transforma en grande. Aquello culmina en el acto sexual. un moridero, un lugar al que asisten los enfermos en fa-
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Perspectivas
ISSN:2007-9729 URL: www.espaciostransnacionales.org
136
Víctor Hugo Iturbe Legorreta
Puig escribió “El beso de la mujer araña” durante un periodo en el cual la imagen de la homosexualidad no era muy aceptada, por el contrario, aquello era un tema que apenas se mencionaba, por lo cual su novela fue tachada de inmoral y provocadora. El autor hace hincapié en el tema de la homosexualidad con notas a pie de página que son estudios científicos ficticios que abordan dicha temática. Al final de dicho estudio, una psicoanalista de nacionalidad danesa exhorta a hombres y mujeres a estrechar tanto la masculinidad como la feminidad existente en sus adentros, así como a evitar suprimirlos en afán de adaptarse a las convenciones sociales.
ET 3/5
julio-diciembre 2015
Actores emergentes
¡Diversidad! ¿Algo más?
137
Bibliografía BELLATÍN; Mario (2015) El salón de belleza; España; Ed. Tusquets. DONOSO; José (2012) El lugar sin límites; México; Ed. Alfaguara. GUTIÉRREZ; Pedro Juan (2004) Nuestro G. G. en la Habana; España; Ed. Anagrama. HURTADO; Joaquín (1997) Laredo Song; México; Ed. Fondo Estatal Para La Cultura y Las Artes de Nuevo León. MEDINA; Reyes Efraím (2003) Técnicas de masturbación entre Batman y Robín, Colombia; Ed. Destino. PUIG; Manuel (2013) El beso de la mujer araña; Argentina; Ed. DeBolsillo SANTOS; Febres Mayra (2000) Sirena Selena vestida de pena; España; Ed. Punto de Lectura. VALLEJO; Fernando (2010) La virgen de los sicarios; México; Ed. Punto de Lectura. VELAZQUEZ; Carlos (2010) La marrana negra de la literatura rosa, México; Ed. Sexto Piso.
ET 3/5
julio-diciembre 2015