Escritos de Lisboa, de Omar Khouri

Page 1

ESCRITOS

DE LISBOA

OMAR KHOURI

NOTAS E REFLEXÕES SOBRE A POESIA EXPERIMENTAL PORTUGUESA DE PAR COM O QUE ACONTECIA NO BRASIL



Escritos de Lisboa



ESCRITOS DE LISBOA Notas e reflexões sobre a Poesia Experimental portuguesa de par com o que acontecia no Brasil

OMAR KHOURI

Espaço Líquido Editora & Nomuque Edições São Paulo, 2021


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Khouri, Omar Escritos de Lisboa: Notas e reflexões sobre a Poesia Experimental portuguesa de par com o que acontecia no Brasil / Omar Khouri - São Paulo: Espaço Líquido Editora, 2021. 212p. 21cm ISBN 978-85-67718-10-1 1. Poesia portuguesa 2. Poesia experimental 3. Poesia visual 4. Poesia concreta I. Título CDD-808.81 Índices para catálogo sistemático: 1. Antologia: Poesia: Literatura 808.81 2. Poesia: Antologia : Literatura 808.81


In memoriam Décio Pignatari, António Nelos e E. M. de Melo e Castro.



Índice .Apresentação ........................................................................................ ......09 .A passagem de Décio Pignatari por Lisboa, anos 1950 ....................................11 .Antologias de Poesia Brasileira, em Lisboa: 1960 e 1962 .............................17 .Viagens: a viagem de Décio Pignatari à Europa, nos anos 1950 .................23 .Anotações à margem – BNP: Lisboa I ..........................................................29 .Anotações à margem – BNP: Lisboa II .........................................................33 .Anotações à margem – BNP: Lisboa III ........................................................39 .A tradução de textos poéticos como parte do projeto concretista........ .......45 .Brasil-Portugal: difícil contato .......................................................................51 .Revistas de Invenção/Experimentais: participações. Antologias ..................53 .Poesia: em busca do ouro: primeiras edições de Poesia Experimental portuguesa etc ..............................................................................................59 .Revistas de Invenção/Revistas Experimentais, Revistas de Artistas, Revistas .................................................................................................. ......65 .A Poesia do Grupo Noigandres não nasce Concreta: torna-se ....................69 .Do 1º Modernismo: Portugal e Brasil ...........................................................75 .Tipografia: algumas considerações ..............................................................81 .Revistas de Invenção/Revistas Experimentais: Portugal, anos ‘60 ..............87 .Fanopeia na Poesia Lusa ..............................................................................97 .Anotações às Margens do Tejo: I ........................................................... ......103 .As Origens da Poesia Experimental em Portugal .......................................109 .Anotações às Margens do Tejo: II ..............................................................115 .Reuniões de Poetas e doutros Criadores (alguns lances) ...................... ....121 .Necessárias Teorias para as Artes (paráfrases) ....................................... ....127 .Anotações às Margens do Tejo: III .............................................................133 .Contatos entre Criadores etc .....................................................................139 .Nome, Classificação da Poesia: Concreta, Visual/Experimental .................145 .Os Contextos Brasileiro e Luso à Época das Explosões Experimentais .......151 .Antologias. Uma Antologia da Poesia Experimental Portuguesa ...............157 .Antologias de Poesia Experimental Editadas (quase-sempre) em Portugal ......................................................................................................163 .Uma Ante-Antologia da Poesia Experimental Portuguesa .................... ....167 .Poesia Visual-Experimental Brasileira/Portuguesa: Pontos de Contato e Diferenças etc ..........................................................................................173 .Arremates à Beira-Tejo .......................................................................... ....179 .Sem Presumir Do Futuro O Que Sairá Daqui… ........................................185 .Peculiaridades Cá e Lá ...............................................................................189 .Toques .......................................................................................................195 .Fontes ........................................................................................................201



Apresentação

Este livro reúne 33 textos que escrevi em Lisboa, de outubro de 2015 a janeiro de 2016, fruto de uma pesquisa que levei adiante na Capital Lusa, durante a efetivação de meu Pós-Doutorado, como Bolsista PDE do CNPq, na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Houve, para a edição em livro-papel, ajustes mínimos e atualizações poucas. Os textos foram antes veiculados pela Rede, em meu Blog: www.nomuque.net/escritosdelisboa e estão aqui reproduzidos na mesma ordem em que foram primeiramente publicados. Espero poder sanar, em futuro próximo, falhas e lacunas existentes. Os meus agradecimentos a João Paulo Queiroz (supervisor de meu Pós-Doc) Fábio Oliveira Nunes, E. M. de Melo e Castro (in memoriam), Fernando Aguiar, António Nelos (in memoriam), Emerenciano Rodrigues, Peter de Brito, Augusto de Campos, Alfredo Gonçalves (Ecléctica Alfarrabista), à Biblioteca Nacional de Portugal (Lisboa) e ao CNPq. O Espaço Líquido (Bruna Callegari e Rafael Buosi) tornou possível esta publicação impressa.

Omar Khouri São Paulo, novembro de 2021

9



A passagem de Décio Pignatari por Lisboa, anos 1950

Em meados de 1956, Décio Pignatari fez uma rápida passagem por Portugal, Lisboa, em sua volta ao Brasil, depois de dois anos na Europa, com estadas principais na França, na Alemanha e na Itália. Em mais de uma ocasião, o poeta e teórico Ernesto Manuel de Melo e Castro (E. M. de Melo e Castro, como assina os seus textos) chamou a atenção para o fato, destacando, outrossim, a não-repercussão dessa passagem, apesar de se tratar de um Décio Pignatari em adiantado estado de criação da Poesia Concreta, com os irmãos Haroldo e Augusto de Campos, que permaneciam em São Paulo, mas mantinham, com o autor do Eupoema, uma correspondência epistolar contumaz e volumosa (chegou-se a falar em cartas de 16 páginas!, manuscritas e dactiloscritas). Décio Pignatari travou alguns poucos contatos em Lisboa, sem ter uma ideia precisa das coisas das Artes na Capital Lusa, num Portugal que ainda vivia o período ditatorial salazarista, mas não deixou em branco a sua passagem pela cidade. Acabou por dar uma entrevista, que se tornou um depoimento escrito e, penso que, para a publicação, orientou boa parte do texto introdutório e, certamente, redigiu as notas complementares, com raros momentos de imprecisão. Pois é: eu tive a oportunidade de consultar, na Biblioteca Nacional de Portugal (Lisboa), a revista na qual o Depoimento foi publicado e que é referida na “Sinopse” do Teoria da Poesia Concreta (edição da Duas Cidades, 1975, p. 194), no ano de 1956. Trata-se da revista Graal, número 2 (Graal: Poesia. Teatro. Ficção. Ensaio. Crítica. Publicação bimestral, nº 2. Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade, junho-julho de 1956.) Esta foi uma publicação que teve 4 números, apenas, e

11


12

todos no ano de 1956, adentrando 57. Uma revista, a começar pela capa, cheirando a século XIX – as 4 capas se repetem, com variação da cor do nome + número, com um mar de textos e poemas em versos, muito do publicado em corpos 12 e 10, sendo neste, inclusive o depoimento de Décio Pignatari. Uma revista acadêmica, com gráfica antiquada que, apesar das ilustrações e uma rara cor, como tantas outras, não apresenta nenhum arejamento. Informou-me Melo e Castro, em entrevista por e-mail, que se tratava de um publicação de direita, fascista mesmo, conservadora, por certo, fato do qual Décio Pignatari não deveria ter a menor ideia. Não sendo este o meu objeto de estudo, propriamente, não me detive no conteúdo da revista, a não ser no texto que me interessava; porém, não deixei de dar uma corrida d’olhos na publicação. O meio ao qual a revista pertencia, talvez que visse aquelas duas páginas como mera curiosidade e, por outro lado, ficaram perdidas em meio àquela verborragia sem fim. De fato, as ideias expressas de DP não tiveram repercussão, embora o poeta estivesse em pleno fervilhar de ideias, sendo que até o nome “Poesia Concreta” já havia sido proposto por Augusto de Campos, em artigo de 1955. Passemos às duas páginas do Depoimento (a revista não fala em “Entrevista”, como na referida “Sinopse”, mas em “Depoimento”: foram dadas a Décio Pignatari as páginas 208 e 209 (a numeração das páginas da revista é contínua, portanto a de nº 2 continua a de nº 1 etc, até o 4, indiciando vol. 1). No Sumário, consta em Depoimentos: Poesia Ideogrâmica ou Concreta, porém, dentro, à página 208: Poesia Concreta ou Ideográmica e uma introdução em duas colunas, cujas informações - sendo algumas pontuais (origens do Grupo Noigandres, a revista de nº 2 e a série “Poetamenos”, referida como “O Poetamenos”, de Augusto de Campos) - foram, certamente, fornecidas por Décio Pignatari. O depoimento, que deve ter sido dado por DP por escrito, comparece em itens, numerados de 1 a 12, em bloco único. Já se trata de um Décio com as ideias amadurecidas, como aquele que comparecerá com os irmãos Campos no Plano-Piloto para Poesia Concreta (1958). Nesses 12 itens, é utilizada a caixa-baixa, com uma exceção: a palavra Alemanha - um lapso, certamente. Aí, o poeta trata da questão do verso, fala em tradição de pesquisa e rigor, pesquisa baseada na informação em âmbito internacional, deprecia procedimentos poéticos brasílicos (chega a falar em “senilidades auriverdes”), critica a Lírica brasileira. Enumera os grandes valores:


Mallarmé, Cummings, Pound, Joyce, cita outros movimentos de outras artes, louva Apollinaire, mas critica o figurativismo de seus caligramas, pois, para a Poesia Concreta, a questão é a da estrutura que se apresenta, que a palavra “noigandres” é sinônimo de poesia e pesquisa e, no item 12 (p. 209): “hoje, mais do que nunca, ser internacionalista é o melhor modo de ser nacionalista.” E assina: “décio pignatari lisboa, julho 1956”. Aí, vêm as notas (em 2 colunas): Notas sobre os autores citados (“Notas organizadas por Décio Pignatari e Goulart Nogueira”): Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Max Bill, Escola Superior da Forma - Ulm, Alemanha (Hochschule für Gestaltung: Gildewart, Tomás Maldonado, Eugénio Gomringer), Cummings, Ezra Pound (a quem é reservado o maior espaço), Pierre Boulez entrando, aí, Stockhausen. Ezra Pound já aparecia como uma figura exponencial para Décio Pignatari e os demais componentes do Grupo Noigandres e, sem disputar com Mallarmé (que não entrou no paideuma poundiano, já que o autor dos Cantos preferiu simbolistas de uma outra linha), espécie de deidade para os concretistas, o semideus Pound chega a ofuscar, de quando em vez, o autor do Un coup de dés… Pound, de fato, foi um gigante enquanto poeta, teórico, promoter, tradutor e, como tradutor, foi o grande modelo para os transcriadores brasileiros. Décio Pignatari, nessa sua estada europeia, chegou a procurar, na Itália, um Pound que ainda estava enclausurado nos EUA, no St. Elisabeth Hospital (Washington). Uma vez no Brasil, pediu a Wesley Duke Lee que o fotografasse, pois, já estava livre e na Itália, e o pintor partia em viagem para a Europa (as fotos foram feitas e publicadas). Em 1959, em sua primeira viagem à Europa, Haroldo de Campos encontrou Ezra Pound (foi recebido por ele), com quem teve uma longa conversa (uma entrevista) a qual rendeu um belíssimo texto: “I punti luminosi”, publicado mais de uma vez (Ulisseia, Hucitec). Os concretos Augusto e Haroldo de Campos chegaram a se corresponder com Ezra Pound e a enviar-lhe publicações. Parece que Pound, já cansado, não chegou a compreender a poesia que os então jovens estavam propondo – os pais (artísticos), geralmente, não gostam de se reconhecer nos filhos, nas suas crias. Mas, retornando ao depoimento de Décio Pignatari publicado na Graal 2: - Como perceber a grandeza de suas propostas naquele mar de textos e em corpo diminuto? Como bradar, ali, contra a academia? Na introdução que encima os 12 pontos do Depoimento, à página 208, temos o seguinte:

13


14

“‘Graal’, como revista interessada em estabelecer diálogo crítico com as várias expressões e movimentos da arte e da cultura universais, em dar conhecimento ao público português de todos os testemunhos válidos e das sérias inquietações e orientações do nosso tempo, não podia deixar de trazer notícia deste movimento, tanto mais que se desenvolve num país da mesma língua e de cultura com tantos aspectos e raízes comuns. Por isso, rogamos a Décio Pignatari o depoimento que arquivamos a seguir, sobre as teses que defendem [os componentes do Grupo Noigandres], e que é o primeiro texto teórico a ser publicado com carácter de manifesto ou resumo das proposições fundamentais do grupo.” Certamente, pela pena de redator da revista. Repercussões teriam, como estavam tendo, no Brasil, as ideias que os concretistas estavam a divulgar nas mídias impressas. A Poesia Concreta brasileira vai repercutir em Portugal a partir de 1962, com a publicação da antologia da Poesia Concreta brasileira, organizada por Alberto da Costa e Silva, à época, secretário da Embaixada Brasileira em Lisboa. O depoimento de DP passou despercebido para aqueles que poderiam apreciá-lo. No mesmo ano de 1956 (mais para o final), por ideia e organização do Grupo Ruptura, acontece em São Paulo – Décio Pignatari no Brasil, desde julho – a Exposição Nacional de Arte Concreta, com a participação de artistas plásticos e de poetas, juntando aos que atuavam em São Paulo, os que operavam a partir do Rio de Janeiro. Esta data de 1956 é apontada como a do lançamento “oficial” da Poesia Concreta. No começo do ano seguinte, a exposição aconteceu no Rio de Janeiro, com estardalhaço da imprensa. A passagem de Décio Pignatari por Lisboa, em meados de 1956, restou como uma simples curiosidade dentro das histórias dos experimentalismos poéticos luso e brasileiro. Post Scriptum Cada vez mais creio que os maiores revolucionários das linguagens eram e são os que melhor conheceram e conhecem a tradição, daí, o poderem subvertê-la. No caso específico da Poesia Concreta, a grande empreitada foi efetivada contra o verso, negando-o, assim como foi feito e declarado: “dando por encerrado o ciclo histórico do verso…” – plano-piloto para poesia concreta (in: Noigandres 4, 1958). E os concretos eram, em verdade, excelentes versemakers, como


afirmou, em texto dos anos 1950, o poeta e crítico Mário Faustino, nomeando Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Ferreira Gullar (este, na época, praticando poesia concreta). Diz, precisamente, serem os referidos poetas os melhores versejadores do Brasil, depois da configuração do fenômeno João Cabral. Conhecimento, que é bom dizer, nunca perderam, nem que fosse no exercício (os Campos e Pignatari) da tradução-recriação de poemas-em-versos. O jovem Décio Pignatari foi um espantoso poeta-em-versos, como reconheceram publicamente José Lino Grünewald e Augusto de Campos (“Esses jovens querem fazer poemas em versos, no âmbito da logopeia, e desconhecem Décio Pignatari!”). Dominar o fazerversos é estar em posse de uma tecnologia preciosa: a tecnologia do verso (para compreendê-la e até praticá-la, o que não era o caso dos poetas concretos, nos anos 1950). E dentre as peças notáveis criadas em versos por Décio Pignatari, destaco (porque a citei no texto acima) Eupoema, com suas três breves estrofes (quadras). O poema é de 1951 e foi publicado em Noigandres 1, de 1952. Décio Pignatari referia-se à peça como “o meu poema fernandopessoal”, que se constitui num texto autobiográfico implacável! Vejamo-lo:

EUPOEMA O lugar onde eu nasci nasceu-me num interstício de marfim, entre a clareza do início e a celeuma do fim. Eu jamais soube ler: meu olhar de errata a penas deslinda as feias fauces dos grifos e se refrata: onde se lê leia-se. Eu não sou quem escreve, mas sim o que escrevo: Algures Alguém são ecos do enlevo.

15


Estupendo o domínio do verbal que Pignatari sempre teve, tanto quando se tratasse de poemas, em versos ou em não-versos, como na prosa metalinguística ou na prosa ficcional-artística, ou numa aula ou conferência. E, interessante é notar que, poetas de gerações posteriores, aficionados da visualidade em Poesia, possuem um considerável domínio das coisas do verbo e até, especificamente, da tecnologia do verso. E, com a Poesia Experimental portuguesa ocorre algo semelhante: dos históricos, como E. M. de Melo e Castro e Ana Hatherly, aos poetas de gerações posteriores, como Fernando Aguiar, o mesmo domínio do verbal e, especificamente, do verso. É importante que não se percam as antigas tecnologias, embora estejamos abertos às novas e prontos para o entendimento de todas elas. 16


Antologias de Poesia Brasileira, em Lisboa: 1960 e 1962

Num texto de 1977, em que faz a apresentação da Poesia Experimental portuguesa presente na XIV Bienal de São Paulo, E. M. de Melo e Castro afirma: “Dois acontecimentos antecedem o aparecimento em Portugal de manifestações originais da Poesia Experimental: primeiro, a rápida visita a Lisboa de Décio Pignatari em 1956 (sem resultados significativos) após o seu já histórico encontro com Gomringer; segundo, a publicação em 1962, pela Embaixada do Brasil em Lisboa, de uma pequena mas excelente compilação da Poesia Concreta do Grupo Noigandres – São Paulo – Brasil (ano em que eu próprio publico Ideogramas, reunindo poemas de 1961).” (A Poesia Experimental Portuguesa. Catálogo da representação portuguesa na XIV Bienal de São Paulo. São Paulo, 1977. Apoio: Fundação Calouste Gulbenkian). Já tratei da visita de Décio Pignatari à Capital Lusitana, tentando compreender o (não-) alcance do que deixou registrado em forma de depoimento. Agora, debruço-me sobre antologias de poesia brasileira vindas a público na Terra de Fernando Pessoa. No ano de 1962, em Lisboa, é publicada uma antologia de Poesia Concreta brasileira – Poesia Concreta (Lisboa: Serviço de Propaganda e Expansão Comercial da Embaixada do Brasil, 1962.) - na Biblioteca Nacional de Portugal, pude consultar o livro, digitalizado, o que não permitiu que o exame da publicação fosse mais completo. Demorou para acontecer algo semelhante no próprio Brasil e, mesmo assim, quando aconteceu, aconteceu precariamente: uma antologia de Poesia Concreta que não fosse bancada pelos próprios poetas, mas por editora integrante do mercado de livros. Essa referida antologia de 1962 veio a lume graças

17


18

aos esforços do então Secretário da Embaixada do Brasil na Capital Lusa, o poeta, escritor e diplomata Alberto da Costa e Silva. Novamente, vislumbro uma melhor elucidação desse processo cultural, quando puderem ser estudadas as trocas de correspondência que, de fato, existiram entre os irmãos Campos e o diplomata antologista. Essa publicação foi precedida por outra mais geral, que se constituía num alentado volume, também organizada por Alberto da Costa e Silva: A Nova Poesia Brasileira (Lisboa: Escritório de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil em Lisboa, 1960), com 287 páginas. Pude consultar a edição original na mesma Biblioteca Nacional. Não consta do volume, como seria de se esperar, um estudo crítico introdutório por parte do organizador, que reuniu poemas de poetas do Brasil, de 1940 a 1960, chegando quase a 100! - se não incorri em erro, contei 99. Logo de início, Fanor Cumplido Júnior (pertencente ao Corpo Diplomático brasileiro em Lisboa, um Adido Comercial), em espécie de preâmbulo, pede desculpas pelos excluídos, mas não julgados, e os enumera, e os nomeia – a maioria, hoje, no Limbo da Poesia. Daí, entra-se nos contemplados com mais ou menos páginas (João Cabral de Melo Neto, valor altamente reconhecido, mas relativamente jovem – 40 anos de idade, então, ganha 14 páginas), dependendo de sua importância, já naquela época: uma verdadeira multidão, em que Gregos, Persas e Troianos são acolhidos e se sucedem no volume, em ordem alfabética de prenome. Este, o excesso, é um dos maiores pecados de todas as antologias de contemporâneos, pois, não tendo tido tempo suficiente para amadurecimento de juízo, como, de fato, avaliar? Coloca-se o máximo possível de autores, bem porque estão vivos e poderão reagir, de algum modo, caso não compareçam na compilação. Parodiando Mallarmé: Nossos contemporâneos são nossos piores juízes, mesmo quando falam bem de nós. Ou, como falaria a Pítia: O Futuro lhes fará justiça (elevando ou rebaixando, não se sabe – o que der, estará de acordo). A grande maioria, dentre os contemplados, o tempo relegou, por um motivo ou outro, ao esquecimento, alguns ainda são lembrados, porém, poucos, de fato, tornaram-se grandes nomes da Poesia Brasileira e mesmo internacional, como João Cabral de Melo Neto, Augusto e Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Ferreira Gullar, José Paulo Paes, Ronaldo Azeredo, José Lino Grünewald e outros poucos dos que lá estão. Mas, no caso específico dos poemas concretos, passaram, com todas as suas


diferenças e peculiaridades, por um “tratamento” tipográfico (nãointencional, por certo) que anulou o que havia neles de notável e passaram acho que despercebidos. A falha, aí, deve ter sido de quem cuidou do planejamento gráfico - consta: “Orientação Gráfica de Manuel Motta Cardoso” que, certamente, não percebeu o quanto era importante a tipografia e a Gestalt dos textos concretistas, sendo que os poemas da fase dita ortodoxa ou heroica, anos 1950 em sua 2a metade, utilizaram um tipo futura extra-bold, com predomínio da caixa-baixa. A antologia-omnibus, não tira os méritos de divulgador de Alberto da Costa e Silva, mas deu uma ideia incorreta da qualidade da poesia brasileira produzida de 1940 a 1960,apresentando uma avalanche verbal tediosa, que exigiria um árduo trabalho de garimpagem. Ao final do volume (de boa aparência gráfica), dados biográficos e o índice. Sendo o meu objeto de estudo a visualidade em poesia, obviamente preocupei-me com a Poesia Concreta que aparece na antologia, que pertence a um momento de clara transição dos integrantes do Grupo Noigandres, que já havia agregado aos três primeiros (os Campos + Pignatari), Ronaldo Azeredo, desde a revista Noigandres 3 e mais José Lino Grünewald e que estavam empenhados, com projeto mais aberto, em publicar semanalmente a página “Invenção”, no jornal Correio Paulistano. Porém, o grande mérito de divulgador de Alberto da Costa e Silva, em termos de Poesia Brasileira, foi justamente o volume supra citado de 1962, cuja publicação, em Lisboa, é considerada por E. M. de Melo e Castro, como vimos, o marco inicial do experimentalismo na poesia portuguesa, ou seja, o volume trouxe informação fundamental para os jovens poetas, sedentos justamente de experimentação, mesmo já havendo, na poesia lusa, antecedentes a serem considerados. Nesse mesmo ano de 1962, Melo e Castro publica o seu Ideogramas, livro em que constam 27 poemas, que podem ser considerados “concretos” e que terão enorme repercussão em Portugal. (Melo e Castro. Ideogramas. Lisboa: Guimarães Editores, 1962. Coleção “Poesia e Verdade”). O autor, certamente, dada a sua formação de engenheiro têxtil, sentiu as afinidades existentes com relação ao racionalismo dos componentes do Grupo Noigandres, principalmente com Haroldo de Campos. Por outro lado, na expansão da poética concretista pela Europa, Melo e Castro veio a desempenhar importante papel, a partir daquele mesmo ano. Falemos, então, da antologia Poesia Concreta, organizada, como

19


20

já foi colocado, por Alberto da Costa e Silva. O nome do organizador não aparece na publicação, que tampouco contém estudo crítico introdutório ou um prólogo – traz, isto sim, o Plano-Piloto para Poesia Concreta, sem o post scriptum de 1961 (afirmação de Vladímir Maiakóvski de que, sem forma revolucionária não há arte revolucionária - resposta que os concretistas davam a seus detratores, que os acusavam de formalismo e alienação). Constam, no volume, poemas de Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, José Lino Grünewald, Manuel Bandeira, Marcelo Moura, Pedro Xisto, Ronaldo Azeredo, e Wlademir Dias-Pino. Manuel Bandeira (18861968) acolheu simpaticamente a Poesia Concreta e, tomando aquilo como um modo, chegou a realizar (criticamente) alguns poucos poemas, porém, nunca foi de fato um concretista, mas sempre Manuel Bandeira ou seja, suas proezas no âmbito da Poesia Concreta eram uma demonstração de compreensão e competência. Quanto a Wlademir Dias-Pino, um pioneiro da poesia visual/experimental brasileira, teve, assim como Ferreira Gullar, que não aparece na antologia, pois já havia “criado” a dissidência do Neoconcretismo, uma curta passagem pela Poesia Concreta e, como Gullar, havia participado – 1956-57 – da Exposição Nacional de Arte Concreta, em São Paulo e no Rio de Janeiro e criou, nos anos 1960, em sua 2a metade, o Poema-Processo. Quanto a Marcelo Moura (cearense nascido em 1941, e residindo no Reino Unido, segundo a sua nota biográfica), que comparece com 2 poemas, não consegui informações complementares, nem notícias de se continuou concreto ou, mesmo, poeta. Os poemas concretos, desta vez, estão bem melhor editados, com tipomorfia adequada, assim como diagramação a contento. Ao fim, notas biográficas e índice, mais equipe gráfica (dados técnicos). Bem apresentados, os poemas puderam ser apreciados naquilo que traziam de novidade, de invenção. Poemas da série Poetamenos, de Augusto de Campos, não comparecem, certamente pela questão cor, elemento encarecedor, mas lá estão, do autor: Ovonovelo e (F)Pluvial, e mais: Um movimento e Terra (Décio Pignatari), Nascemorre e Fala clara (Haroldo de Campos), Forma (J. L. Grünewald), Ruasol e Velocidade (Ronaldo Azeredo)... O que há a diferenciar a Poesia Concreta, em sua fase ortodoxa dos anos 1950, de outras manifestações que vinham desde o 1º Modernismo – a poética futurista, por exemplo, e alguns feitos dada – é: 1º a parcimônia vocabular, 2o uma tipomorfia


notória, mas econômica e uniforme com relação à produção do grupo, 3o a imposição de uma forma geométrica rigorosa e, para completar a exacerbação racionalista que será, depois, amainada, a grande consciência de linguagem dos poetas concretos e o seu profundo conhecimento da “tradição que permaneceu viva”. A antologia Poesia Concreta, de 1962, constituiu-se em fato fundamental para a experimentação poética lusa, sendo que a sua existência foi, em grande parte, mérito de Alberto da Costa e Silva: poeta, escritor e, certamente, um promoter.

21



Viagens: a viagem de Décio Pignatari à Europa, nos anos 1950

Há vários modos de aquisição de know-how, além da espionagem há modos mais dignos, digamos, que não sejam o da a rapinagem ou o do ato de surripiar. As viagens são muito importantes para a aquisição de know-how, de repertório (ampliação e elevação), pois constituem vivência hiper-complexa, que envolve múltiplas experiências, que vão da observação de paisagens à apreciação da arte, da culinária, aprendizado de idiomas e modos, enfim, aquisição de conhecimentos em geral e até de conhecimentos específicos. Isto acontece desde sempre e é claro que, no Mundo Grego, a coisa toma uma feição bastante notória e notável, com os livros do Pai da História, Heródoto, no século V a.C. A aquisição de know-how pode, enfim, dar-se de muitas maneiras: desde o deslocamento de uma pessoa, ou a contratação de alguém (um professor, por exemplo), ou o seu envio a algum lugar, a chegada de livros etc. Mas requer – sempre – esforço: adquirir conhecimento dá trabalho e inteligência é coisa que se cultiva e, assim, evita-se o processo de emburrecimento. Algumas viagens ficaram famosas dentro da História e fora dela, considerado, aqui, o universo ficcional. Mas, interessa-nos, agora, as que pertencem à História, como as dos Polo, por exemplo, pois tiveram desdobramentos, fizeram história, de fato. De importância grande para a Poesia Portuguesa foi a viagem de Francisco de Sá de Miranda (1481-1558) à Itália (e Espanha), com retorno em 1526, pois, da Península Itálica ele trouxe o Soneto, forma fixa da poesia ocidental, mormente da Lírica, das que maior sucesso tiveram e que, já alcançando alta qualidade nas facturas do introdutor, atinge o apogeu na Lírica Camoniana (Camões: 1524-1580) - e o

23


24

verso decassílabo. Há outros deslocamentos importantes na história Ocidental, com importantes consequências, envolvendo todas as artes. Artistas, quando se deslocavam para centros, como as cidades italianas nos séculos XV e XVI, ou Paris, no século XIX e inícios do XX, para aquisição de um Know-how somente encontrável lá. Marcel Duchamp fez o caminho inverso, deslocando-se de Paris para Nova Iorque, em 1915, afastando-se do palco principal da Primeira Guerra Mundial. Em inícios do século XX, Paris estava no centro das cogitações dos artistas, não só da América, mas da própria Europa. Tanto para portugueses como para brasileiros (e estadunidenses e outros americanos, digase), a capital da França era o foco – veja-se o caso, por exemplo, do grande artista português, que teve obras suas expostas em NYC, no Armory Show (1913), Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918). A pintora brasileira Anita Malfatti (1889-1964) foi exceção: apontada como aquela que despertou o Brasil para o Modernismo, estudou na Alemanha e, depois, nos EUA. Somente depois da Semana de 22, mais precisamente, em 1923, rumou a Paris, com Bolsa de Estudos do Governo do Estado de São Paulo. Tarsila do Amaral (1886-1973), em Paris, inícios dos anos 20, absorveu tardia, mas consistentemente as lições do Cubismo. Em 1924, estando Blaise Cendrars em visita ao Brasil, os modernistas de São Paulo empreenderam uma viagem, espécie de excursão, às cidades ditas históricas de Minas Gerais, como Ouro Preto, São João del Rey, Congonhas do Campo, Mariana, Tiradentes e começam a empreender a redescoberta do Brasil, sendo o documento de abertura desse processo o Manifesto da Poesia PauBrasil, de Oswald de Andrade, publicado pouco antes (março de 1924). Aqueles tesouros do Barroco tardio e do Rococó maravilharam os brasileiros, assistidos pelo suíço-francês Blaise Cendrars, sendo que isto repercutiu não apenas nas obras de Oswald de Andrade e de Tarsila do Amaral, como chamou a atenção dos próprios mineiros para aquela herança da época do Brasil-Colônia, e teve início o processo de valorização do Barroco (–Rococó) mineiro e doutros barrocos do Brasil, o estilo identificado como o “estilo colonial” brasileiro. Veja-se este poema de Oswald de Andrade, em louvor a Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, do livro Pau-Brasil (1925), que me foi revelado por Paulo Miranda, que dele fez excelente análise:


OCASO No anfiteatro de montanhas Os profetas do Aleijadinho Monumentalizam a paisagem As cúpulas brancas dos Passos E os cocares revirados das palmeiras São degraus da arte de meu país Onde ninguém mais subiu Bíblia de pedra-sabão Banhada no ouro das minas Diplomatas como João Cabral de Melo Neto (1920-1999), mais levaram do que trouxeram em termos da poesia que praticaram, se se considera apenas as produções dos contemporâneos dos lugares onde serviram. João Cabral, um viajor, manteve contatos com artistas (não somente da palavra), como Miró (sobre quem escreveu belíssimo ensaio, mas abordando-o, também, em poemas), Joan Brossa, Tàpies, Alexandre O’Neill (a quem dedica um poema obra-prima, do livro A Educação pela Pedra: “Catar Feijão”). Mas, o enriquecimento repertorial certamente ocorreu. Não basta que se empreenda uma viagem que, de qualquer modo, acrescenta. É preciso que se tenha um propósito específico, uma busca em mente. Décio Pignatari (então, recém-casado), quando se dirigiu, com a esposa, à Europa, tencionava não mais voltar, a ponto de carregar consigo uma quantidade apreciável de livros, praticamente a sua biblioteca da época, pois permaneceria no Velho Continente, talvez para sempre. O casal embarcou em Santos (meados de 1954), num navio meio precário, o Yapejú, em condições bastante modestas (e boa parte dessas informações foi-me fornecida pela viúva Lilla Pignatari, em inícios de 2013, numa entrevista informal, apenas anotada). Do desembarque à acomodação, em Paris, viveu, o casal, uma quase-odisseia, até que as coisas se ajeitaram. O pai de Décio Pignatari enviava, ao mês, a quantia ínfima de 100 dólares, o que na época já era muito pouco. Não houve chances para trabalho, a não ser a tradução de um livrinho, o que fez com que planos iniciais fossem mudando. Pouco mais de um ano em Paris, onde o principal contato foi com o músico Pierre Boulez (1925-), que já havia estado no Brasil. Parece que a poesia (notória) praticada na França, à época,

25


26

não interessou a Décio Pignatari (não me canso de dizer: quando a correspondência epistolar entre Décio Pignatari e os irmãos Augusto e Haroldo de Campos, dessa época: 1954-56, puder ser lida, esta história, também, poderá ser melhor contada). Constante o contato com Peirre Boulez – almoços quinzenais a convite do músico (providenciais, nas próprias palavras de Pignatari). Conversas com o músico, que chegou a lhe dizer que, quando tivesse acesso a certos recursos, faria grandes coisas. Foi daí, e por influência de Décio Pignatari, que formulei o seguinte pensamento e que não deixo de repetir a jovens artistas, alunos meus ou não: - Se tiver alguma ideia, concretize-a, mesmo com os parcos recursos e as condições precárias que tiver, no momento – não espere as “condições” ideais porque, daí, a obra não se concretizará. As obras quase-sempre são feitas, mesmo que “apesar de” (vai, aí, um pouco de Nietzsche). Um tempo, cerca de seis meses, na Alemanha. Em Ulm, conheceu Eugen Gomringer (segundo semestre de 1955, e por intermédio de Tomás Maldonado), que era secretário de Max Bill na Hochschule für Gestaltung (Escola Superior da Forma), escola de Design, em boa parte herdeira da Bauhaus (19191933: Weimar, Dessau, Berlin). Max Bill, reitor da Escola, papa da Arte Concreta, era conhecido no meio erudito brasileiro, tendo exposto no MASP e participado, como artista suíço, da 1ª Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1951, tendo ganho o prêmio de escultura (sua Unidade tripartida, obra-prima da escultura universal de qualquer tempo, do MAM-SP passou ao MAC-USP, onde permanece). Gomringer (1925-) poeta suíço-boliviano, chamou a atenção de Décio Pignatari, 1º porque tinha um elenco de precursores semelhante ao que cultuava o Grupo Noigandres, Mallarmé acima de tudo e todos, o inaugurador de uma nova poética e, 2º, porque praticava uma poesia ultra parcimoniosa, tendo já algumas realizações propriamente “concretas”, assim como Augusto de Campos havia composto, durante o 1º semestre de 1953, a série Poetamenos – considerada o 1º conjunto de poemas concretos. Daí, o interesse passou a ser mútuo, com troca de informações e, posteriormente, contatos epistolares, como a carta em que Gomringer escreve (em francês) dizendo achar conveniente o nome Poesia Concreta, proposto por Augusto de Campos em texto publicado de 1955 (Eugen Gomringer carta a Décio Pignatari, de 30.08.1956: “Votre titre poésie concrète me plait très bien. Avant de nommer mes “poèmes” constellations, j’avais vraiment pensé de


les nommer “concrets”. On pourrait bien nommer toute l’anthologie “poésie concrète”, quant à moi.” Planejava-se uma antologia internacional de poesia concreta – “Sinopse” do Movimento da Poesia Concreta Brasileira, ano de 1956, em Teoria da Poesia Concreta). Décio Pignatari ainda passa pela Itália, momento em que Lilla, grávida do primeiro filho, volta para o Brasil, para dar à luz a criança, já que as questões econômicas praticamente impediam que nascesse na Itália – Diniz Pignatari nasceu em São Paulo, no 1º semestre de 1956, e Décio na Itália. Daí, chegando aos meados de 56, ruma para o Brasil, não sem antes passar pela Espanha e por Portugal. Na Espanha, encontra-se com João Cabral de Melo Neto (veja-se o belíssimo texto de Décio Pignatari: “João Cabral”, em Errâncias. São Paulo, Ed. Senac, 2000, p. 55-59), fim de primavera, poeta que já merecia grande consideração por parte dos componentes do Grupo Noigandres e que figurará, com outro brasileiro, Oswald de Andrade, no Plano-Piloto para Poesia Concreta (1958). Curiosa sua passagem por Lisboa, onde teve a oportunidade de dar uma entrevista, que se transformou em depoimento e que teve publicação na revista Graal nº 2, de junho-julho de 1956. O depoimento passou despercebido pelos jovens poetas/ intelectuais e não teve, portanto, o papel de inaugurador que poderia ter tido, na Terra de Fernando Pessoa. Enfim, Décio Pignatari chega ao Brasil e, com os irmãos Campos e sempre em contato com os pintores do Grupo Ruptura, principalmente com Waldemar Cordeiro, trama o movimento, que já começa internacional, com a participação inicial de Eugen Gomringer (co-fundador) e que irá se alastrar pelo Mundo. No Brasil, ainda em 1956, acontece a Exposição Nacional de Arte Concreta, em São Paulo e, no ano seguinte, no Rio de Janeiro, com artistas de linha construtiva, mais poetas. O nº 3 da revista Noigandres já traz o subtítulo Poesia Concreta. Décio Pignatari entra como o articulador do movimento internacional da Poesia Concreta, a partir de seus contatos com Eugen Gomringer. Em Portugal, a Poesia Concreta explodirá a partir de inícios dos anos 1960: 1962 é, propriamente, o anomarco, com a publicação da antologia de poesia concreta brasileira, organizada por Alberto da Costa e Silva: Poesia Concreta, e com a publicação do livro de Ernesto Manuel de Melo e Castro Ideogramas e passa, depois, a assumir a denominação de Poesia Experimental (nome de importante revista, que teve 2 números: 1964 e 1966) e com características bem próprias. Diferentemente da organização a

27


partir de um grupo, como ocorreu no Brasil, a Poesia Concreta e/ou Experimental portuguesa não contou com grupo organizado, o que implica sectarismo, mas uniu poetas cujas afinidades e espírito de experimentação propiciaram grandes feitos poéticos. Décio Pignatari, com sua viagem à Europa, mais instigou que absorveu, arquitetou, considerando o trabalho que vinha desenvolvendo com Augusto e Haroldo de Campos, o Movimento da Poesia Concreta que, no Brasil, representou um divisor de águas e que estava fadado a durar muito tempo, sofrendo notórias modificações ao longo de seu percurso.

28


Anotações à margem – BNP: Lisboa I

Na Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, têm-se as condições ideais para um bom trabalho de pesquisa bibliográfica, ou mesmo de fontes primárias ou documentais: farto e rico material, em grande parte disponível nas edições originais (algumas edições raras ou em estado precário podem ser consultadas digitalizadas ou em microfilmes), sistema informatizado e desburocratizado, um pessoal da maior gentileza e competência. Frequento essa Biblioteca desde que cheguei em Lisboa, agosto de 2015, e a boa impressão inicial foi sendo reiterada nas muitas vezes seguintes em que lá estive. Entre um livro e outro ou na espera de uma edição mais difícil de ser localizada pelo técnico encarregado – o que é que esse brasileiro está a pesquisar em obras que quase nunca foram a nós solicitadas?, seria lícito pensar – eu fazia o registro escrito de alguma ideia que me ia surgindo, no mínimo, com a esperança de desenvolvê-la melhor, em futuro próximo. Trago, aqui, algumas dessas anotações, quase em ordem cronológica de registro. Anotações à margem dos fichamentos de livros e revistas, meus objetos de leitura, matérias-primas de minha pesquisa sobre poesia e visualidade em Portugal e suas relações com a poesia, da mesma estirpe, produzida no Brasil. Os acréscimos posteriores vão entre colchetes. § Augusto de Campos fez-me alguns esclarecimentos, por e-mail, e falou da importância que Alberto da Costa e Silva teve para a divulgação da Poesia Concreta na Europa. Deve ter correspondência com o diplomata

29


entre os seus documentos, assim como o arquivo epistolográfico de Haroldo de Campos, porém, seria difícil procurar, naquele momento. Melo e Castro deve ter tido um melhor conhecimento da PC brasileira, pela antologia de 1962 [foi, desde aquela época, e é amigo de Costa e Silva]. Costa e Silva é que deve ter feito, de fato, a seleção dos poemas constantes na antologia [provavelmente, trocando ideias e/ou acatando sugestões dos Campos] e a publicação saiu, é claro, graças a ele, que era Secretário da Embaixada do Brasil em Lisboa, e elemesmo poeta e escritor. Augusto disse-me que nem sabe quem vem a ser Marcelo Moura que, nas informações biográficas, fica-se sabendo que é cearense, nasceu em 1941, e que residia em Londres, à época.

30

§ Modernismos – tanto no Brasil, como em Portugal, Futurismo e Cubismo (muito tardio, no Brasil) tiveram fundamental importância e acho que também o Expressionismo – basta ver melhor como é que foi em Portugal, pois no caso do Brasil, não há dúvida. Contatos com Paris: diretos e por meio de… [Mário de Andrade, diferentemente de alguns companheiros de jornada artística, nunca saiu do Brasil, ou melhor, da América do Sul, mas informava-se por meio de publicações e amigos de lá chegados, cartas]. O Cubismo, antes em Portugal [o pintor Amadeo de Souza-Cardoso inteirou-se daquele repertório na capital francesa e teve obras expostas em Nova Iorque – Armory Show – em 1913. Veio a falecer muito cedo, em 1918]. Na Poesia Experimental [portuguesa], parece que acontece como no Brasil: respeito [dos mais novos] pelos experimentadores veteranos: Melo e Castro, Salette Tavares, Ana Hatherly, António Aragão, entre outros. § Pessoa: presença esmagadora. Não houve fenômeno semelhante no Brasil, que teve vários poetas excepcionais, no Modernismo e em momento imediatamente posterior. Sá-Carneiro – morte prematura, talento extraordinário. Almada como poeta… ? Não posso avaliar, ainda. O Futurismo ainda teve mais importância para os portugueses [pelo menos até fins de 1917]. Começaram antes, porém, não tiveram uma Semana, como a de 22. [Enquanto em Portugal, já em 1915,


há uma revista modernista Orpheu, que teve 2 números (o 3º ficou nas provas tipográficas), publicação importante, mas sem arrojo gráfico – a não ser a colaboração de Santa-Rita Pintor (1889-1918) no 2º número, + poema de Mário de Sá-Carneiro (1890-1916)Manucure - e um pouco do excesso interjetivo de Pessoa-Álvaro de Campos. Houve, ainda, a Portugal Futurista, fins de 1917 [número único], e que chegou a ser apreendida – aí, já há um arrojo gráfico, de par com o que era tradicional nas publicações periódicas. Klaxon, primeira revista modernista do Brasil, que durou de 22 a 23, teve 9 números em 8 volumes e apresentou um arrojo gráfico apreciável, diferente do que se observava em revistas do Brasil, na época.] § Os poetas visuais portugueses da atualidade parecem respeitar os mais velhos, que foram concretistas [de linha brasileira-noigandrense ou de linha propriamente europeia-gomringeriana, mas não somente], como Melo e Castro e Ana Hatherly [infelizmente, não pude conhecêla pessoalmente, pois veio a falecer em 5 de agosto deste ano 2015]. Parece que alguns não têm muita simpatia pelos concretos históricos do Brasil. A poesia visual/experimental brasileira que mais se assemelha à produzida em Portugal é a que deriva do Poema-Processo. 1956 (meados): passagem de Décio Pignatari por Lisboa – parece que não chegou a dar frutos. 1962: a antologia Poesia Concreta – marcou. Melo e Castro dixit. § Parece que existe, mesmo, por parte do pessoal mais novo – dos 40 aos 60 anos, ou um pouco mais – um respeito reverencial [não subserviente] pelos veteranos da visualidade em poesia (vamos ver se, pelas entrevistas, isto se confirma). Como no Brasil: os poetas visuais portugueses abraçaram, por um lado, as novas tecnologias e, por outro, a coisa do conceitual e suas ramificações como, por exemplo, a performance. A info-poesia é praticada e se apresenta com bastante força. Fico a pensar sobre o pouco uso da cor na poesia impressa: seria a questão do custo [sendo que grande parte das edições existe em função

31


dos recursos dos próprios poetas – edições auto-financiadas], até a chegada dos anos 90? No Brasil, ao que me consta, houve um pouco mais de utilização do elemento-cor, a começar pelos poemas da série Poetamenos, de Augusto de Campos, mas a questão custo foi um fator de impedimento importante. O pessoal de Artéria encontrou solução parcial, ainda nos anos 1970, na serigrafia, delegando a gráficos a tarefa, e aprendendo a técnica e executando o trabalho de impressão, sendo poetas-impressores: de fins dos anos 70 os inícios dos 90. [Em 1958, saiu a revista Noigandres 4, com capa-cor de Hermelindo Fiaminghi, em impressão serigráfica. Em 1955, havia saído a Noigandres 2, trazendo os poemas de Poetamenos impressos a cores, tipograficamente.]

32

§ Antologias são injustas, sectárias, excessivas, corrigíveis (modificáveis). Como evitar, pelo menos, a 1ª e a 3ª, já que que as outras “qualidades” continuarão sempre a existir, posto que inevitáveis? O Paideuma poundiano e a seleção drástica: seria, de fato, possível? [É preciso ter coragem intelectual.]


Anotações à margem – BNP: Lisboa II

Da Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, ainda as anotações que se seguem, para não dar muita chance ao ócio, em momentos mínimos, e para que o alvoroço pensamental se aquiete um pouco e que se possa produzir algo mais elaborado a seguir – talvez que as primeiras ideias venham a ser as melhores, embora, às vezes, toscas na aparência. § A saída do sufoco, em Portugal [25 de Abril de 1974, depois de longuíssima ditadura de coloração fascista], e a entrada num internacionalismo [que já vinha acontecendo, há mais de 10 anos], com a Poesia Experimental… Nesse internacionalismo entra, obviamente o Brasil, com a Poesia Concreta (e outras tendências) e os contatos, que realmente houve, incluindo-se, aí, a correspondência epistolar de Melo e Castro com Haroldo de Campos. Este, teve papel fundamental, com sua paciência para escrever cartas, seu domínio de várias línguas e entusiasmo com relação ao Movimento [da Poesia Concreta], que se tornava internacional, de fato. Sob este aspecto, Melo e Castro também desempenhou importante papel, principalmente divulgando a PC no Reino Unido. Publicações fora [do Brasil] e exposições… § Artistas portugueses radicados no Brasil:

33


(Vieira da Silva, nos anos 40, com o marido…) Joaquim Tenreiro Fernando Lemos (trabalhou com Décio Pignatari; é coautor do logo C2N2L, da TV Cultura-SP, que não foi aprovado). António Manuel Arthur Barrio. Arte brasileira? Arte portuguesa no Brasil? Arte universal. §

34

A partir dos anos 1960 (o País vivendo, ainda, regime de exceção) e daí em diante, a poesia portuguesa partiu para uma internacionalização sem precedentes… publicações, congressos, exposições. Lisboa congrega e irradia e como que retoma um cosmopolitismo que era dela, séculos antes! Pelo que pude notar, até agora, os poetas experimentais [de 2ª e 3ª gerações] portugueses tiveram muito mais veiculação impressa que os da mesma época, no Brasil, que continuaram e continuam (em parte) a financiar as próprias publicações. Mas parece que, nem cá nem lá há muitas facilidades para veicular poesia e, ainda mais, uma poesia interdisciplinar. § Revistas, sempre com importante papel: no Modernismo etc (desde antes, porém) e até à atualidade, com a mídia eletrônica [e o carácter crescente e mutante]. Os blogs proliferam, mas a coisa impressa continua a exercer fascínio sobre quem faz o seu registro gráfico – e escrever, grafar é assumir um compromisso com a Posteridade (não a Eternidade). No Brasil, anos 1970, proliferação de revistas experimentais ou “de invenção”, como já se disse. E em Portugal? Saberei. § As questões que os “mal-humorados” colocam: - Mas a Arte (e a Poesia, especificamente) não é necessariamente experimental? Isto já foi respondido em Portugal e no Brasil e noutras paragens…


- Mas a Poesia não foi, desde sempre, intersemiótica? Três negações entrariam numa definição de arte, na parte de complementação de ideias: 1º Arte não é espontânea, 2º Arte não é expressão de sentimento e 3º Arte nem sempre é invenção, ou seja, a Arte nem sempre inova. E é arte porque cumpre um papel nas sociedades. Não à toa Pound, em sua classificação dos escritores (poetas, artistas em geral), coloca os Mestres, depois dos Inventores. Experimentação tem a ver com busca, risco, portanto, com curiosidade (aquela de que era dotado Leonardo da Vinci, aquela que conduz ao conhecimento). Experimentação não é reiteração de excelência, experimentação implica perigo. Herberto Helder e Melo e Castro escreveram muito bem sobre isto! § Antologias: quanto à questão da qualidade do material constante, nem se discutiria, bem porque esta seria a condição básica, como numa curadoria de Artes Plásticas etc. Daí, para evitar volumes intermináveis é que se colocam: “dos anos X”, “dos poetas com mais de X anos”, “daqueles que publicaram seus poemas em livros”, “dos que etc etc etc”. Antologias sempre apresentarão problemas, sempre abrigarão enganos, deverão ser sempre reconsideradas as seleções feitas. Antologias da Contemporaneidade: as mais difíceis, as que mais erram - quando se tornam passado e as olhamos criticamente é que percebemos melhor isto. Por outro lado, o antologista não pode apenas se ocupar do já consagrado, mas arriscar-se, ter coragem de assumir indicações não óbvias. O grande crítico é aquele que revela à sociedade novos valores – o resto é lucro. § Dizer que a Poesia Experimental é a “poesia do significante” é errôneo e preconceituoso. É aplicar a teoria e a terminologia inadequadas para uma poesia que se propõe de risco, de invenção. A Arte privilegia a Forma, senão não seria Arte e esta coloca em evidência, obviamente a materialidade dos signos que compõem a obra – Jakobson, discorrendo sobre a Função Poética e o signo linguístico. Acontece que – e isto pode-se tirar da teoria jakobsoniana como

35


36

corolário – à prevalência da forma, corresponde uma potencialização semântica. De qualquer modo, o termo “significante” está atrelado à teoria saussureana, que não é a mais adequada para analisar uma factura intersemiótica. Nisto, a teoria semiótica peirceana dá melhor conta do recado: desde a definição de signo, com sua enorme abrangência, até à classificação dos signos (o Signo com relação ao Objeto)– teoria que possui mais de 100 anos de existência, mas cuja dissecação ainda se processa. Uma “poesia do significante” coloca em evidência a separação conteúdo-forma, algo não-desejável, muito embora, em algum momento, a denominação possa ter funcionado [para propósitos específicos, não apenas por críticos, mas , antes, por poetas do ramo, mesmo]. Teorias criadas para uma área específica podem ser utilizadas, com o devido cuidado – já se disse – em outras, já que extrapolam o seu âmbito original. Aceita-se Platão, aceita-se Aristóteles, que escreveram no século IV aC (como se se pudesse encontrá-los ali, no bar da esquina, em qualquer momento), mas desaprovam a utilização de uma obra, uma teoria escrita nos anos 1930 – acham-na antiquada, ultrapassada. Ah!, essa Academia!!! § Melo e Castro evidencia a importância da Poesia Concreta Brasileira para a arrancada da Poesia Experimental portuguesa. Ana Hatherly reconhece o pioneirismo brasileiro, mas minimiza o papel do Grupo Noigandres em Portugal e valoriza Gomringer e, mais precisamente, o movimento de experimentação que se configurou na Europa a partir da Poesia Concreta, criação de Gomringer + Noigandres. Diz que, mais influenciado pelo grupo brasileiro, é Melo e Castro. Penso que o cerebralismo de Melo e Castro esteve acorde com o do Grupo Noigandres, daí a aproximação e afinidades até formais, apenas num dado momento. Ana Hatherly faz uma boa metalinguagem, grande pesquisadora, uma poeta a ser estudada, apreciada e amada. § Sem querer minimizar a importância do mundo acadêmico naquilo


que ele tem e traz de relevante, geralmente não é graças a ele que as coisas vão para a frente (no âmbito das Ciências deve estar a exceção). Os acadêmicos são capazes de pesquisas minuciosas, com análises aparentemente, ou de fato, profundas, porém, quando se trata de Arte, quando abordam artes que fizeram revoluções, são cautelosos, parecendo querer navegar por mares de calmaria e, portanto, colocar um ponto final nas inquietações vanguardistas. Dão um “graças a Deus” por um certo processo ter-se encerrado e dificilmente aceitam um novo modo de ver as coisas, pois teriam de refazer todo o seu repertório já cristalizado, solidificado, e não querem abrir mão de suas conquistas intelectuais e abraçar novas causas [como sempre e onde quer que se vá, há exceções]. Penso que a principal questão, aí, é o medo da perda do instrumental seguro para a abordagem do objeto de pesquisa, preferentemente situado num lugar do passado distante. Com um processo encerrado, tudo poderá ser etiquetado e engavetado, não mais representando perigo à muralha de conhecimentos que estava sendo ameaçada e até prestes a ruir – o conservadorismo das sociedades constitui-se numa força poderosa e a Academia, aí, possui importante papel. Novas produções artísticas exigem novas teorias e, como já se disse, a obra de invenção apanha a crítica desprevenida/ despreparada. A crítica acadêmica, oficial ou oficiosa, vê-se atropelada pelos acontecimentos e reage, como aconteceu em muitas ocasiões e muitos lugares, a propósito de inovações ou mesmo, de revoluções no âmbito da linguagem. No Brasil, a Poesia Concreta criou inimizades duradouras, no mundo acadêmico e fora dele. § Eu pensava Pessoa, em sua grandeza, como uma bomba de efeito retardado, a ocupar um lugar cada vez maior dentre as cogitações daqueles que se dedicam à Poesia [em Portugal], tanto os meramente apreciadores e pesquisadores, como os fazedores [poetas]: a questão seria fugir a tudo isto, escapar à tentação de estar a imitar o mestre ou estar acoplado a ele, como aqueles pequenos peixes grudados nos tubarões, que acabam por levá-los por onde forem: peixinhos-poetas subsidiários do grande vate. De fato, a obra pessoana criou problemas praticamente insolúveis para a poesia-em-versos, estabelecendo patamares difíceis de serem alcançados, no âmbito da Língua

37


Portuguesa (e alguns poetas e críticos explicitaram isto), mormente em Portugal. A Poesia Experimental mostrou que havia um outro caminho/outros caminhos, e abriu/explicitou possibilidades-mil para as novas gerações. §

38

A discussão sobre a denominação “experimental” está sobejamente apresentada na introdução da antologia elaborada por Carlos Mendes de Sousa e Eunice Ribeiro e que – parece – não gostam de vanguardas, mas fizeram um estudo cuidadoso/minucioso para introduzir os poemas/poetas objetos da referida obra, por sinal, um belo e importante livro, e no Brasil ainda não temos um trabalho desse porte, com tal abrangência, referente à Poesia Visual, digamos. Os autores recorrem a muitos teóricos, mas o que há de melhor ali é a citação de Herberto Helder, que se encontra em Poesia Experimental 1. Eu, particularmente, só aceito que toda prática artística tenha algo de experimental, se se considera a luta com (contra) o acaso, no processo de elaboração, posto que a Arte nem sempre é inovadora e a ânsia dos experimentais é chegar a algo novo. Então, nós reservaríamos o termo “experimental” para a prática que tem a experimentação como propósito e isto envolve risco, independentemente de se enquadrar no que se convencionou chamar “vanguarda”.


Anotações à margem – BNP: Lisboa III

Ainda, da Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa, frequentador contumaz que me tornei e sendo um escrevedor compulsivo, apegado à manuscritura, enquanto que 90% dos leitores, lá, utilizam os seus laptops. § Dado o fato de os textos barrocos portugueses, dos séculos XVII e XVIII, com forte visualidade, terem sido produzidos em época em que o Brasil (os Brasis) pertencia ao Mundo Lusitano, legítimo seria reclamarem, os brasileiros, ou melhor, clamarem os poetas visuais por essa herança. [Lembro-me de ter ouvido, certa vez, em entrevista na TV Cultura de São Paulo, Caetano Veloso estranhar o fato de os paulistas não reivindicarem Chico Buarque, de pai paulista, mas, ele-mesmo, nascido no Rio de Janeiro, porém, criado em São Paulo. Eu diria que o cosmopolitismo paulistano não faz questão disto, já que pode fruir as canções de Chico, pura e simplesmente, sem nenhum problema. O artista, por sua vez, adotou definitivamente, e há muito tempo, a Cidade Maravilhosa e, se não tinha, adquiriu um sotaque Zona Sul.] O Concretismo paulista (com 2 cariocas: Ronaldo Azeredo e José Lino Grünewald) já colocara – bem antes dos estudos importantíssimos terem sido feitos (e publicados) por Ana Hatherly – a importância do Barroco para nossa poesia de invenção e, particularmente, Haroldo de Campos já se colocara como produtor de uma poesia barroquizante, principalmente a partir de 1952 e, depois, na prosapoética das Galáxias,

39


40

a partir de 1963. Foi Haroldo de Campos o principal responsável pela mudança de uma certa opinião sobre o seiscentista Gregório de Mattos e Guerra, que lera Camões, Quevedo e Góngora. E toda uma defesa do Barroco foi feita nesse sentido [desaprovando a exclusão do estilo do Brasil-Colônia de um certo estudo célebre, que versava sobre a formação da Literatura na Terra Brasilis], culminando com a obra O sequestro do Barroco… e toda essa defesa recebeu, em parte, incentivo da 1ª geração modernista do Brasil, que teve em alta consideração o Barroco, principalmente a vertente mineira do Barroco (viagem dos modernistas de São Paulo às cidades históricas de Minas Gerais, em 1924, com o suíço-francês Blaise Cendras), mas não apenas. Acontece que toneladas de entulho esconderam essa importante herança lusa, mas algo deve ter permanecido dessa vocação de visualidade gráfica na poesia portuguesa que, aparecendo de quando em quando, teve sua primeira explosão com o Modernismo, futuristicamente, mas não apenas e, depois, configurou-se, de fato, no mundo lusófono, com as vanguardas dos anos 50 (Brasil) e 60 (Brasil e Portugal), tudo indicando a sua perenidade, mormente quando vem a adentrar as novas mídias, as novas linguagens. Concluindo: as pesquisas sobre textos barrocos, por Ana Hatherly e sua publicação (volume de 1983: A experiência do prodígio…) evidenciam a vocação visual (gráfica) da poesia lusa e, obviamente, isto irão repercutir entre os poetas experimentais. § Afinidades observadas entre novas gerações (a partir dos anos 1970, em que estão bastante diferenciadas) com a geração dos que nasceram em fins dos anos 20, começos dos anos 30, sendo que a geração mais antiga, em boa parte, continuou a produzir em elevado nível, chegando poucos (Augusto de Campos no Brasil, Melo e Castro em Portugal – e poderíamos apontar, também, Ana Hatherly, que faleceu em agosto de 2015) aos dias atuais, curiosos, atuantes, produtivos. Os mais velhos se contaminaram da juventude dos mais novos e estes se valeram da experiência e repertório dos mais velhos e, nesse caminho, nessa evolução, segue a experimentação, valendo-se das novas, sem desprezar tecnologias mais antigas e ainda eficazes.


§ O domínio do verbal e de tecnologias específicas do verbal, como a do verso: isto deveria tirar a dúvida daqueles que perguntam “- Mas isto é poesia ou artes plásticas?” Parodiando Mário de Andrade: É Poesia tudo aquilo que o poeta quer que o seja. § Alexandre O’Neill (Lisboa 1924-1986) – nome que vi (sim, “vi” e não “ouvi”) pela primeira vez quando, tendo-me apaixonado pelo poema “Catar feijão”, de João Cabral de Melo Neto, obra-prima publicada entre obras-primas, no livro A Educação pela Pedra, de 1966, senti a necessidade de ler o texto impresso. Vi, então que era dedicado a alguém, para mim, completamente estranho: Alexandre O’Neill e fiquei a matutar de que origem seria. João Cabral era objeto de estudo (a sua poesia) nas aulas de Introdução aos Estudos Literários, na Letras-USP e também no curso de Jornalismo, na FAAP, e Paulo Miranda trouxe até mim a maravilha, não sei de qual das Faculdades, pois ele chegou a cursar as duas. Deveria ser o ano de 1973. No ano seguinte cheguei assistir, como ouvinte, às aulas, na USP, de um grande especialista em João Cabral: o intelectual e crítico João Alexandre Barbosa, que abordou outras joias do mesmo referido livro, como Tecendo a manhã e Fábula de um arquiteto. E Alexandre O’Neill? Bem, ficou em minha cabeça, até que aos poucos, fui desvendando o mistério, sem recorrer ao Google que, na época, não existia. A descoberta do surrealista Alexandre O’Neill em antologias de poesia concreta e experimental foi outra surpresa: os sinais gráficos que levam títulos/comentários acabaram por figurar em muitas antologias e talvez tenham algo a ver com a profissão de publicitário, que o poeta acabou por abraçar, com a maior competência e desenvoltura, expert do verbal, que era. Era amigo de João Cabral, que o tinha na maior consideração. [E. M. de Melo e Castro, à minha pergunta sobre se havia conhecido pessoalmente o poeta, disse-me, em e-mail (10.11.2015): “Sim. Conheci bem o Alexandre O´Neill. Posso dizer que éramos amigos, principalmente nos últimos anos da sua vida. Almoçávamos muitas vezes na mesma mesa num restaurante do Bairro Alto!, mas as

41


42

relações eram um tanto cerimoniosas e ele nunca me referiu nada sobre o João Cabral de Melo Neto. Acontece que pouco mais ou menos nessa época, anos 80 talvez, o João Cabral estava no Porto como Consul do Brasil e só se dava com o Alexandre e com a Sophia de Mello Breyner. Para ele parece que não havia mais poetas em Portugal… tanto que estando eu na Direção do PEN CLUBE Português, em Lisboa, recusou aceitar um jantar-homenagem para o qual o convidamos a vir a Lisboa, respondendo que se o queríamos homenagear, devíamos nós ir ao Porto!!! Essa homenagem nunca se realizou… mas o O´Neill nada teve a ver com isso, pois não pertencia ao PEN. O O´Neill era uma excelente pessoa, muito convivial e um ótimo publicitário, profissão que quase toda a vida teve, sendo o criador de muitos slogans que ainda hoje estão na oralidade portuguesa como por exemplo HÁ MAR E MAR, HÁ IR E VOLTAR para uma campanha de segurança nas praias.” Quando, em 1985, estive em Portugal (Lisboa), com Paulo Miranda, Levei, a pedido de Augusto de Campos, várias publicações – Caixa Preta etc – para entregar, no Porto, a João Cabral. A tais publicações, juntamos algumas da Nomuque, mas não fomos ao Porto, onde o poeta era Cônsul Geral do Brasil, mas com direito a usar o título de Embaixador (que ele não quis ser). No Consulado do Brasil, em Lisboa, deram-nos o endereço do diplomata-poeta e enviamos o material e acho que chegou até o homem. Era uma chance de conhecer pessoalmente um dos poetas que eu mais admirava nesta vida, e tive mais duas e não as aproveitei: quando foi em São Paulo lançar a sua edição de poemas completos etc, da Nova Aguilar, em 1994 (Samira Chalhub e Vilma Maggio conseguiram, para mim, um volume com dedicatória), e quando ele, já aposentado, foi residir, não no Recife, não em Sevilha, mas no Rio de Janeiro (pertencia à Academia Brasileira de Letras), Bairro do Flamengo, Augusto de Campos deu-me o endereço, inclusive o telefone, mas acabei por não ir, considerando a sua quase total cegueira e a sua irritabilidade (todos diziam). Ah, não fora a aspirina…! Poucos poetas-verso do mundo lusófono estiveram no mesmo patamar que João Cabral de Melo Neto (1920-1999). Seus poemas de A Educação pela Pedra se constituem em verdadeiras joias: divididos em duas partes, opera o poeta, embora moderna e secamente, como um fazedor de sonetos: cria uma tensão, lança um problema, na 1ª parte (as quadras do soneto), e resolve a


tensão na 2ª (tercetos). De suas entrevistas filmadas/gravadas (tanto da juventude, como da maturidade e velhice), duas coisas me ficaram (além do cacoete “compreende?”): não é necessário poetizar o poema, pois ele já é poético, e um livro tem de ser planejado como um todo, não devendo ser um ajuntamento, uma cata de poemas.] Vamos ao Catar feijão (que, enganosamente foi “corrigido” na edição da Nova Aguilar): CATAR FEIJÃO A Alexandre O’Neill Catar feijão se limita com escrever: joga-se os grãos na água do alguidar e as palavras na fôlha de papel; e depois, joga-se fora o que boiar. Certo, tôda palavra boiará no papel, água congelada, por chumbo seu verbo: pois para catar esse feijão, soprar nêle, e jogar fora o leve e oco, palha e eco. 2. Ora, nesse catar feijão entra um risco: o de que entre os grãos pesados entre um grão qualquer, pedra ou indigesto, um grão imastigável, de quebrar dente. Certo não, quando ao catar palavras: a pedra dá à frase seu grão mais vivo: obstrui a leitura fluviante, flutual, açula a atenção, isca-a como o risco.

Na Edição original, em A Educação pela Pedra (Rio de Janeiro, Editora do Autor, 1966), o poema comparece impresso em 2 páginas, assim como os demais poemas. O livro, como um todo, é dedicado a Manuel Bandeira, “para seus oitent’anos”. Esta consulta foi feita, obviamente na BN, muito embora, em São Paulo, eu possua essa edição em minha biblioteca. Bem, voltando a Alexandre O’Neill, as suas faturas que têm feito parte de antologias de Poesia Concreta e Experimental, encontram-se num livro de 1960: Abandono Vigiado (Lisboa: Guimarães Editores), livro dedicado ao “brasuca Alexandre

43


Eulálio” – secção da 1ª parte “Divertimento com sinais ortográficos” (p. 21-49). Os sinais enormes tomam boa parte do branco da página, chamam a atenção para o branco da página, numa série, simplesmente ótima (? ! Ç … ~ § etc ) e dedica a secção: “A Sebastião Rodrigues, que se divertiu a apurar graficamente este Divertimento. Ao compositor e aos impressores que colaboraram neste livro”. Acontece que, chamando a bela série de “divertimento”, o poeta estaria tentando uma espécie de legitimação perante o establishment literário, o que não lhe tira, de qualquer modo, o mérito. É claro que há de se considerar o lado propriamente lúdico dessas facturas, o que têm de humorístico, de uma qualidade sem brincadeiras. Segue um exemplo:

44

§ Tenho colo de cisne e corpo de hipocampo


A tradução de textos poéticos como parte do projeto concretista

Nenhuma tradição poética é suficientemente rica para satisfazer a curiosidade de alguém que, de fato, ama a Poesia, a ponto de querer conhecê-la em profundidade. Nenhuma, seja em língua inglesa, francesa, alemã, russa, espanhola, portuguesa – nenhuma! Um leitor de Alemão, por exemplo, se quiser adentrar a Lírica, em profundidade, terá de recorrer à poesia grega, para nós, fundante, e deverá, portanto, penetrar os mistérios da língua de Safo, Alceu, Arquíloco e outros tantos. Para quem não quer saber de nada que não seja entretenimento, bastará ouvir a poesia cantada das chamadas músicas populares (é espantoso o fenômeno de massa que se observa nesses mega-shows, no mundo todo, com as plateias cantando junto com os cantores, com as bandas, a ponto de impressionar poetas do universo erudito), que operam em vários níveis, geralmente abaixo da Poesia considerada Grande Arte. É tudo uma questão de repertório, procurar uma ou outra poesia, o que não impede alguém de alto repertório de gostar de “coisas menores” - que as há, há! Ezra Pound, uma das pessoas que melhor entenderam essa questão da necessidade de se visitarem as produções poéticas das várias tradições idiomáticas, escrevendo para um público anglófono, fazendo recomendações de leitura (ele que se preocupou com o poético e as futuras gerações, elaborando paideumas), disse, com uma espécie de “desprezo respeitoso”: para aqueles que só sabem inglês… O português produziu grande poesia (uma das coisas que podemos tirar da teoria jakobsoniana de Funções da Linguagem, à maneira de corolário, é a de que todo idioma está apto a produzir poesia do mais alto nível),

45


46

desde sempre e até se poderia dizer que Camões vale por toda uma Literatura. Poetas, em muitos momentos, ocuparam-se da tradução, para seus respectivos idiomas, de textos de outros poetas, de realidades idiomáticas várias. Por sugestão, por encomenda remunerada ou por puro gosto e a operação se constituía num desafio. Um poeta somente será excepcional, num único idioma: o idioma dentro do qual nasceu (não me lembro de exceções). Mesmo no caso de domínio de dois ou mais idiomas, o poeta se destacará num, e o idioma de escolha é ciumento e, portanto, exclusivista e não dará vez a outro, consumirá as energias poético-criativas do fazedor, deixando nada ou quase-nada para outro idioma. Sempre vem à mente o caso de Fernando Pessoa (1888-1935), que possuía grande domínio do inglês e dele se serviu tanto para a poesia como para a prosa, porém, sua Pátria foi a Língua Portuguesa – o grande Pessoa está em Português. E Pessoa chegou a realizar traduções de poemas, em que, além da extrema competência, em termos de idioma e das técnicas de versificação, possuía ousadia, a ponto de, em sua mais célebre tradução de poema – The Raven/O Corvo, de Edgar Allan Poe – subtrair da peça o nome da amada-morta, já que em inglês, o seu (dela) nome rima com a expressão-chave, o que não seria possível no Português: Lenore – nevermore e considerando perfeita ritmicamente a tradução literal de nevermore por nunca mais. Bela tradução, possui momentos de ápice, como o verso, da última stanza: And his eyes have all the seeming of a demon’s that is dreaming: Seu olhar tem a medonha dor de um demônio que sonha. A mesma subtração em Annabel Lee! No Brasil, Manuel Bandeira (18861968), também um modernista da 1ª geração, que traduziu de tudo, realizou algumas ótimas traduções. Porém, isto de traduzir poemas não entrou para os citados poetas como um projeto que integraria com força suas atividades enquanto criadores, diferentemente do que veio a ocorrer, depois, com os componentes do Grupo Noigandres: Augusto e Haroldo de Campos e Décio Pignatari, mas principalmente os irmãos Campos, que colocaram a tradução de textos poéticos como preocupação tão importante como a produção de obra própria. O mesmo não se observa entre os experimentais históricos de Portugal isto não quer dizer que não tenham traduzido, incluindo, aí, os da 3ª geração de experimentais. Vejamos o que perguntei a Melo e Castro, tendo em consideração a grande cultura dos poetas e o fato de serem, em sua maioria, poliglotas:


Eu: - Houve, de sua parte, interesse na tradução de poesia para o Português, com a intenção de formar um paideuma, como aconteceu com os concretos no Brasil? (e-mail em 14.07.2014) Melo e Castro: - Não. Eu costumo até dizer que não tenho a “Musa tradutória”! A preocupação a que se refere não existiu também em nenhum dos poetas experimentais portugueses... talvez até porque as magníficas traduções do Haroldo e do Augusto de Campos nos satisfaziam completamente, enriquecendo a língua portuguesa! (e-mail em 18.07.2014) No caso brasileiro, a coisa foi diferente: houve desde o início da amizade entre Décio Pignatari e os irmãos Campos, uma grande ambição: a de formar um corpus mínimo e máximo, em Português, daquela que consideravam a melhor poesia produzida no mundo, em qualquer tempo, ou seja, elaborar um paideuma, como o entendeu Ezra Pound (um conjunto mínimo de poemas com o máximo de informação poética e que teria como finalidade a educação das novas gerações, facilitando-lhes o trabalho de garimpagem). Pound foi, portanto, o grande mentor intelectual e poético dos componentes do Grupo Noigandres, a começar pela denominação “Noigandres”, extraída de citação do Canto XX do poeta estadunidense que, por sua vez, a detectara em poema do trovador provençal Arnaut Daniel. Por outro lado, Pound não esteve no centro de cogitações dos poetas experimentais portugueses, muito embora cultíssimos; porém, algumas ideias lançadas pelo Bardo chegaram às suas práticas poéticas. Dúvida não há quanto a Mallarmé e James Joyce (por ocasião do centenário de nascimento de Joyce - 1982 - foi publicado um volume de um modo mais ou menos precário, porém, obra preciosa: não traduções de textos do irlandês, mas textos/poemas motivados por ele; participaram do trabalho: Ana Hatherly, E. M. de Melo e Castro, António Aragão e Alberto Pimenta - Joyciana. Lisboa: & etc, 1982). Poesia: obviamente o melhor é lê-la no original, o que restringe a possibilidade de muitos. Daí é que entra a tradução interlingual como um expediente que viabiliza um processo comunicacional verbal. E por penetrar nas estruturas dos idiomas, a tradução implica uma operação metalinguística. Muito já se falou sobre os problemas da tradução de textos poéticos, por não se tratar de um problema meramente técnico, mas principalmente artístico. Ao invés de simplesmente se aceitar a máxima “traduttore traditore”, ou de concordar com Robert Frost,

47


48

que “poesia é aquilo que se perde na tradução”, pensar a tradução de textos poéticos como uma “categoria da criação”. Ou seja, tentar transpor um texto poético, encontrando equivalências morfosemânticas na língua de chegada. Augusto de Campos (li certa vez, na introdução dum livro português, que trazia traduções de Bertolt Brecht, o seguinte: “Augusto de Campos, o maior tradutor de poesia para a Língua Portuguesa, de todos os tempos”. Grande elogio veio, também, de Paulo Miranda, que disse, depois de ler uma sua tradução de um dos franceses de linha coloquial-irônica: “Não gostei da tradução francesa!”) que, a partir de um certo momento - ele que sempre tomou o exercício de tradução de poemas como uma de suas facetas de criador/poeta - já não utiliza a expressão “re-criação”, como era de costume entre os concretistas tradutores, mas “tradução-arte”. É claro que o melhor tradutor de poemas será um poeta que, às vezes, se descobre poeta durante o percurso. E o tradutor-poeta, obviamente deverá dominar a tecnologia do verso, senão como poderá traduzi-los a contento? De bons versos na língua de partida, entregar bons versos na língua de chegada – Augustus dixit. Grande tradutor também, o irmão Haroldo de Campos foi nosso maior teórico da tradução de poesia, com muitos textos importantes, destacando-se entre outros, também excelentes, o “Da tradução como criação e como crítica”, dos anos 1960 (1962, que teve várias edições, mas que veio a integrar Metalinguagem). E, posteriormente, Haroldo de Campos cunha o termo “transcriação” para nomear a criação da criação, ou seja, aquilo que ele entendia como a tradução de poesia. O poeta-tradutor-ensaísta coloca que o texto traduzido deve ser autônomo e recíproco, o que significa que o texto deve ele-mesmo ser uma obra de arte (partiu-se de uma obra de arte, o poema, e se chegou a outra obra de arte) e trazer consigo a memória do original que o motivou. Quanto maior for a dificuldade apresentada pelo original, mais instigadora será a tarefa, diz ele. Entre as complementações, pelo próprio Haroldo de Campos, temos que a “lei da compensação” deverá sempre acompanhar o tradutor em seu exercício: o que se perde num lugar, ganha-se noutro. Não à toa temos, no Português, um Maiakóvski magnífico, trabalho dos irmãos Campos, em boa parte assistidos por Bóris Schnaiderman. Conta-se que o poeta russo, nascido na Geórgia, era monolíngue, ou seja, sabia apenas russo, mas emitia juízos sobre traduções, dizendo isto está bom, aquilo está mau e é compreensível: se em russo o


texto estava bom era porque a tradução estava bem feita. Mallarmé, Pound, Cummings, Carroll, Joyce, Dante, Arnaut Daniel, John Donne, e tantos outros estiveram no centro dos trabalhos de tradução dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos e este, que teve como última empreitada a tradução integral da Ilíada de Homero (assistido pelo helenista Trajano Vieira), apaixonado por línguas e pela Poesia, ainda tencionava aprender o árabe, para poder penetrar o universo de sua poesia. Vejamos como re-criou em Português, Augusto de Campos, poema de Lewis Carroll (de Através do espelho): JAGUADARTE Era briluz. As lesmolisas touvas Roldavam e relviam nos gramilvos. Estavam mimsicais as pintalouvas, E os momirratos davam grilvos. “Foge do Jaguadarte, o que não morre! Garra que agarra, bocarra que urra! Foge da ave Felfel, meu filho, e corre Do frumioso Babassurra!” Ele arrancou sua espada vorpal E foi atrás do inimigo do Homundo. Na árvora Tamtam êle afinal Parou, um dia, sonilundo. E enquanto estava em sussustada sesta, Chegou o Jaguadarte, ôlho de fogo, Sorrelfiflando através da floresta, E borbulia um riso louco! Um, dois! Um, dois! Sua espada mavorta Vai-vem, vem-vai, para trás, para diante! Cabeça fere, corta, e, fera morta, Ei-lo que volta galunfante. “Pois então tu mataste o Jaguadarte! Vem aos meus braços, homenino meu! Oh dia fremular! Bravooh! Bravarte!” Ele se ria jubileu.

49


Era briluz. As lesmolisas touvas Roldavam e relviam nos gramilvos. Estavam mimsicais as pintalouvas, E os momirratos davam grilvos.

50

Afora os Campos, em termos de tradução de Poesia, entre as gerações mais novas de criadores intersemióticos, ninguém esteve interessado em formar um corpus substancioso, com a finalidade de termos uma reserva poética para as novas gerações de não iniciados e/ou iniciantes nas coisas da Poesia. Porém, alguns encararam a tradução poética como um desafio, vendo-a como uma categoria da criação, trabalhando mais ou menos, nesse afazer, como, nos anos 1970, Luiz Antônio de Figueiredo e de duas décadas para cá André Vallias, sendo o empenho deste, considerável e com ótimos resultados. Alguns outros, de raro em raro, apresentam um trabalho, como Aldo Fortes e Omar Khouri. Vejamos um epigrama de Marcial, poeta latino do século 1 dC, por Luiz Antônio de Figueiredo, com a colaboração de Ênio Aloísio Fonda: Corre o rumor, Quione: nunca foste fodida, e nada mais puro existe que tua cona. Nessa parte (por vestes velada) nem te lavas. Se é pudor, desnuda a cona e vela a face.

Das minhas poucas incursões nesse território da tradução, por puro amor e resposta a desafios, fiz algumas poucas traduções do Grego Antigo e uma do Latim. Ouso publicar a tradução de um verso (330) de Eurípides, de sua tragédia Medeia, que me havia impressionado, e em que quis conservar algo do grego original, como a não necessidade do verbo ser, que fica subentendido, e um arranjo tal, que nem se assemelha a uma descontextualização, que o foi, de fato.

Dores, dores! Pra os mortais, grande mal: Amores.


Brasil-Portugal: difícil contato

“Que portugueses e brasileiros se desconhecem e ignoram cada vez mais, não pode haver dúvida nenhuma. Embora nos discursos e nos acordos se pretenda o contrário, a realidade grita que um oceano nos separa”. (João Alves das Neves. O Movimento Futurista em Portugal. 2ª ed. Lisboa: Dinalivro, 1987, p. 179). E isto talvez possa ser afirmado até à Contemporaneidade (exceções se verificam com relação às produções dos respectivos presentes, no campo da Música Popular, por exemplo, mas não apenas – porém, não o suficiente para poder desdizer o que acima se afirma), pois os olhos se voltam para centros hegemônicos (econômicos e culturais), desconhecendo, os portugueses, que há um Brasil que cresceu, mas que cresceu irregularmente e que vai além do universo folclórico, tencionando um lugar digno na chamada Cultura Ocidental, agora Global/Globalizada, não sendo, portanto apenas um país de proporções continentais, tão cheio de desigualdades e, por seu turno, os brasileiros não percebem a complexidade da Terra Lusitana, apesar de sua exiguidade territorial e de toda a herança, a partir do idioma, recebida e que Portugal esteve à frente da Europa, num certo momento – fins do séc. XIV, séc. XV, adentrando o XVI - tendo sido Lisboa a cidade mais cosmopolita existente no Mundo. Muita água rolou durante séculos e, apesar dos percalços, Portugal ainda conseguiu manter um império colonial (inclusive retomando parte do Brasil aos holandeses), ao qual emprestou uma coloração ímpar, tendo a destacar a traumática transferência da Corte para o Brasil e até a coroação do rei D. João VI, no Rio de Janeiro. Afora a chegada de portugueses durante o Brasil-

51


52

Colônia, a Terra Brasilis continuou a receber os lusos, sendo fortíssima a sua presença na formação étnica e na cultura brasileiras. Há um certo peso sobre Portugal, que talvez seja motivo de vagareza, que é o messianismo, sob a forma de Sebastianismo, que perpassou séculos (desde a desaparecimento do Rei D. Sebastião, no Norte da África, em 1578) e chega ao século XX, e alimentado por ninguém menos que a exponencial figura de Fernando António Nogueira Pessoa, o Fernando Pessoa, Poeta maior. Hoje, não saberia dizer sobre o que há de residual desse “nacionalismo místico”, que acometeu o grande fazedor. Por seu turno, o Brasil, frente a um potencial natural notório e notável, e pelo fato não engrenar como deveria, graças mesmo às suas riquezas naturais, foi (e talvez ainda seja) assolado por uma crença altamente perniciosa de que é o País do Futuro, e a coisa fica como a espiga de milho dependurada por um fio numa vara e colocada à frente de um burrinho que, tentando alcançá-la, põe-se a andar, mas nunca a alcança! A crença num país que irá se realizar plenamente no futuro não deixa de ser uma espécie de messianismo. Bem, dedicar-se a exercícios de futurologia é um modo de andar às tontas, com a certeza de errar na mosca, como diria Paulo Miranda. O que de fato interessa é a labuta no presente! Da mesma forma que se reclama uma maior integração cultural Brasil-Portugal, brada-se por uma maior vivência entre países da América Latina, incluindo o Brasil. Essas interações somente existirão de fato quando houver uma bem maior integração sob o aspecto econômico – daí, os bens culturais e os interesses mútuos nessas trocas terão voz e vez. Com os concretos e experimentais os messianismos não tiveram vez. Obs. Em Orfeu 1, consta modestamente, poeticamente falando, o brasileiro Ronald de Carvalho, que aparecerá na Semana de 22, em São Paulo. Um trabalho de Tarsila do Amaral consta em Presença, importante revista lusa, nos anos 1920. O foco, porém, desde antes, mas durante o 1º Modernismo, sempre se centrou um pouco além, em França - Paris, principalmente.


Revistas de Invenção/Experimentais: participações. Antologias

Contatos poéticos/artísticos entre Brasil-Portugal-Brasil (já sabemos), pelo menos a partir do século XIX, estiveram abaixo do que seria de se esperar – isto quando se trata de ações presentes em que trocas e influências mútuas poderiam vir a ocorrer (não estou a considerar aqui os casos de artistas portugueses que se radicaram no Brasil, tais como Joaquim Tenreiro, Fernando Lemos, Arthur Barrio, António Manuel, ou mesmo Vieira da Silva, exilada no País, com o marido Arpad Szenes, nos anos 1940). Penso que as coisas são como são e, forçar contatos, seria algo fora de propósito. Reclama-se, também, dos poucos contatos do Brasil com os demais países da América Latina, achando que deveriam ser mais intensos e perceptíveis. No campo da Música Popular, nem é preciso falar, porque as coisas acontecem, mesmo! Em outros campos, a mesma elite artística e intelectual que não faz contato (há exceções) é a que consome os produtos culturais, como a literatura, por exemplo, mormente quando passa a haver uma certa distância no tempo. Contatos há quando têm de haver, muito embora, existam aqueles que, se dependêssemos deles, teríamos um verdadeiro dirigismo artístico. Nada pior do que colocar cabresto no mundo da arte. Apesar de tudo, as coisas estão a acontecer, assim como estiveram. Porém, considerando Brasil e Portugal como países com tanta coisa em comum, é de se estranhar tanta distância com poucos momentos de aproximação. Vejamos, em momento bem determinado da história recente da poesia, os contatos que vieram a acontecer, em termos de publicação em revistas de invenção, como são identificadas no Brasil ou experimentais, como preferiram os portugueses.

53


54

Brasil. Em Noigandres (1952-1962), apenas Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos e, a partir da de nº 3, onde já aparece o subtítulo “poesia concreta”, entra Ronaldo Azeredo. José Lino Grünewald, apenas participa na de nº 5: “do verso à poesia concreta”. Grande abertura já se verifica na página “Invenção” do Correio Paulistano, o que se verificará também na revista Invenção (1962-1966-67), a partir da de nº 2 (a 1ª trouxe apenas 2 ensaios: de Cassiano Ricardo e de Décio Pignatari). Em Invenção 2 (2º trimestre de 1962) há a participação do poeta português Jorge de Sena (19191978) que, na ocasião, estava exilado no Brasil, onde lecionou por alguns anos (Assis, Araraquara), sendo que sua entrada se deve a Augusto de Campos, que o conheceu no Segundo Congresso de Crítica e História Literária de Assis, em 1961 – participa com 4 Sonetos a Afrodite Anadiómena. Aquele tipo de produção, não era bem o que a revista - que trazia o subtítulo de “revista de arte de vanguarda” esperava, mas os “sonetos” foram publicados. De qualquer forma, os referidos textos possuíam qualidade inegável. Em Invenção 3 (junho de 1963) aparece o poema Monumento, de E. M. de Melo e Castro, peça constante de Ideogramas, obra publicada pelo poeta, em 1962. E, na secção “Móbile” de Invenção, à página 79, o livro é noticiado e comentado. Em Invenção 5 (1966-67), na secção “Móbile”, páginas 112 e 113: Melo e Castro e a carta (1962) ao Times Literary Supplement e um longo relato sobre o experimentalismo em Portugal – atividades, exposições, publicações. Invenção encerra suas atividades com o 5º número, momento em que já se vivia no Brasil uma ditadura militar, sendo que o pior estava por vir, em dezembro de 1968. A Poesia Concreta brasileira, enquanto grupo organizado, mesmo com a evolução que se observou a partir de 1960, termina aí, muito embora o Concretismo poético continue o seu curso até bem mais além, assim como a denominação “Poesia Concreta” – poucos grupos de vanguarda tiveram duração tão longa e com um núcleo coeso e amigo, que durou até à morte da maioria. Além de o Grupo Noigandres ter incorporado Ronaldo Azeredo e José Lino Grünewald, mais dois poetas, praticamente da geração dos modernistas históricos, passaram a integrar a equipe: Pedro Xisto de Carvalho e Edgard Braga. Hoje, Augusto de Campos é o único sobrevivente e, aos 84,5 anos [era o 2º semestre de 2015 – AC é nascido em fevereiro de 1931], continua atuante como poeta, tradutor-recriador e ensaísta (não são


mencionados, aqui, poetas viventes que passaram pelo Concretismo, com realizações notórias, tendo participado da Exposição Nacional de Arte Concreta, 1956-57, em São Paulo e no Rio de Janeiro, como Wlademir Dias-Pino, um dos criadores do Poema-Processo, nos anos ‘60, e que continuou experimental, e Ferreira Gullar, que rompeu com o Concretismo paulista, instaurando o Neoconcretismo e, depois, afastando-se dos processos de experimentação e, hoje, membro da Academia Brasileira de Letras – de qualquer modo, históricos. Em outras artes, vivem: Judith Lauand, pintora, e o músico Gilberto Mendes, nonagenários [vieram a falecer: Wlademir Dias-Pino, em 2018, Ferreira Gullar, em 2016 e Gilberto Mendes, em 2016]. Em âmbito internacional, os viventes nonagenários: Pierre Boulez, músico [faleceu em 2016], e o co-fundador do Movimento da Poesia Concreta Eugen Gomringer. O poeta experimental português E. M. de Melo e Castro, octogenário, em plena atividade, vive em São Paulo de Piratininga, Brasil – para falar apenas de “históricos” que passaram dos 80 anos) [Melo e Castro faleceu em 2020]. Alguns poetas, temporariamente experimentais/concretos, passaram pela página, no Correio Paulistano e pela revista Invenção e, depois, afastaram-se, com ou sem conflito. Adesões temporárias também aconteceram em Portugal: breves participações nas hostes vanguardistas. O experimentalismo luso não veio a formar um grupo, propriamente, com um projeto rígido, mesmo que temporário, como aconteceu em outros lugares, inclusive no Brasil, com o Grupo da Poesia Concreta, implicando renúncia de um projeto meramente individual, em prol do coletivo, do Grupo. Houve, em Portugal, apenas a aproximação de pessoas, por afinidade de propósitos, sem sectarismo, propriamente. No caso do Brasil e dos concretistas, mesmo os manifestos foram, em sua maioria, assinados por um só integrante, embora se detectasse coerência nas propostas todas. Poucos manifestos tiveram as assinaturas dos três iniciantes do Grupo: o mais famoso teve: Plano-Piloto para Poesia Concreta (1958). Por outro lado, os poemas foram sempre individuais, embora tenha havido trabalhos “em colaboração”. Já na página “Invenção”, e também na revista do mesmo nome, é óbvia a busca do apregoado internacionalismo. Portugal. Brasileiros nas publicações experimentais portuguesas do 1º momento: Poesia Experimental 2 (1966): poemas de Pedro Xisto e Edgard Braga, e o fragmento inicial de Galáxias, de Haroldo de

55


56

Campos, e em Operação 1 (1967): Pedro Xisto de Carvalho (19011987), com 4 Epithalamia, trabalhos que o celebrizaram no âmbito de uma poesia gráfica e que já haviam sido publicados em Invenção 5, juntamente com outros 4 (Logogramas). Em 1969, em Hidra 2: Nei Leandro de Castro (1940-) poeta potiguar, pertencente ao PoemaProcesso, comparece com Desmontagem do NU, em três folhas soltas, num contexto de grande arrojo. O desejo de internacionalismo é evidente nas publicações coletivas do experimentalismo português. A impossibilidade de montar uma estrutura, de fato, de publicação periódica, praticamente ditou o fim de revistas de invenção/ experimentais, tanto no Brasil, como em Portugal. E no Mundo todo, pode-se dizer. No Brasil, houve tentativas e até se contou com editores, que foram mais distribuidores de publicações, cujos custos eram cotizados entre os participantes ou eram bancados por um dos componentes. Essa coisa de financiamento pelos próprios criadores também aconteceu em Portugal, sendo que patrocínios foram raros. Três importantes antologias de Poesia Concreta foram publicadas nos anos 1960, todas elas no mundo anglófono (Reino Unido e Estados Unidos da América): organizadas por Stephen Bann (Concrete Poetry: an international anthology. London: London Magazine Editions, 1967), Emmett Williams (An Anthology of Concrete Poetry. New York: Something Else Press, 1967) e Mary Ellen Solt (Concrete Poetry: a World View. Bloomington: Indiana University Press, 1968). Stephen Bann traz longa introdução. A antologia se inicia – Parte 1 - com Eugen Gomringer e outros de língua alemã. Brasileiros comparecem na Parte 2: Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Ronaldo Azeredo, José Lino Grünewald, Pedro Xisto e Edgard Braga. Na Parte 3, os de língua inglesa. Ausência de poetas de Portugal, que também se encontram ausentes da antologia de Emmett Williams que traz, além dos brasileiros já citados, Wlademir Dias-Pino e Luiz Ângelo Pinto. Emmett Williams privilegia o italiano Carlo Belloli (que foi casado com a escultora brasileira de linha construtiva Mary Vieira), uma espécie de tardo-futurista e que, não tendo qualquer papel para o nascimento da Poesia Concreta, apresenta interessantes poemas com destaque para a parte gráfica, com datas bem recuadas. Já Mary Ellen Solt, traz uma longuíssima introdução, em que percorre países, rastreando origens: Suíça, Brasil etc. Traz algumas linhas dedicadas a Portugal: menciona a passagem de Décio Pignatari pelo país, em 1956 e a antologia Poesia


Concreta, de 1962. Cita E. M. de Melo e Castro e Salette Tavares, os quais comparecem na antologia: Melo e Castro com Monumento e Salette Tavares com Aranha. Brasileiros presentes: Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Luiz Ângelo Pinto, Edgard Braga, José Lino Grünewald, Pedro Xisto, Ronaldo Azeredo e José Paulo Paes. Muitas outras antologias internacionais ou mesmo nacionais viriam depois. Em 1973, foi publicada a Antologia da Poesia Concreta em Portugal, organizada por José-Alberto Marques e E. M. de Melo e Castro (Lisboa: Assírio & Alvim). Traz uma elucidativa introdução sobre as origens da poesia concreta/experimental em Portugal, assim como suas fontes e rumos tomados até àquela data (inícios dos anos 1970), estampando poemas de 14 poetas com produção que poderia, pelo menos em parte e/ou temporariamente ser classificada como concreta, ou com visualidade como elemento estrutural. De Ana Hatherly, Melo e Castro, António Aragão e Salette Tavares, passando por Herberto Hélder e Alexandre O’Neill, a Alberto Pimenta e Silvestre Pestana, constam com mais ou menos páginas. Ao final, há uma entrevista com Haroldo de Campos, feita por Melo e Castro, quando da passagem do poeta brasileiro por Portugal, pouco tempo antes – fala-se, nessa entrevista, mais do geral do que da Poesia Concreta na Terra Lusitana, propriamente. Uma antologia geral da Poesia Concreta, no Brasil, demoraria a sair e, assim mesmo, de modo insatisfatório. Está, aí, algo a ser pensado e viabilizado. Obs. Em época mais recente, Fernando Aguiar e Jorge Maximino organizaram uma antologia internacional em que, ao lado de poetas experimentais portugueses (desde os “históricos”) e de outras nacionalidades, constam os brasileiros: Arnaldo Antunes, Avelino de Araújo, Joaquim Branco, Paulo Bruscky, Rodolfo Franco, Artur Gomes, J. Medeiros e Hugo Pontes. Publicação “associada à Bienal Internacional de Poesia do Douro e Vale do Côa – 2002, na qual os imaginários de ruptura servem de tema genérico.” F. Aguiar e J. Maximino org. Imaginários de ruptura: poéticas visuais (antologia). Lisboa: Instituto Piaget, 2002.

57



Poesia: em busca do ouro: primeiras edições de Poesia Experimental Portuguesa etc

Poesia é “artigo” que pouco se vende e o poeta é um ser que não pode/não consegue viver daquilo que melhor faz: seus poemas, sua poesia (daí, talvez, carregar consigo a obrigação do risco – a não ser que seja o “poeta da corte” ou que venha a ter sucesso como letrista de canções populares. Poesia somente “dá dinheiro” quando, facilitada e utilizando recursos os mais vulgares que se conhecem, como o tema “amor” com todas as suas nuances, e rimas –adivinháveis - e refrões, é musicada baratamente, e é tocada no rádio e alimenta os megashows. Aí, sim, pode render até milhões. De quando em quando, algo um pouco melhor, no âmbito da música popular, e é o que irá vender menos). Não é de se estranhar que editores relutem em publicar, arcar com o ônus pecuniário de um livro que abriga poemas e que, certamente, não terá um comércio apreciável. Poemas! E, no entanto, as sociedades têm o maior orgulho de seus poetas, os mortos (quasesempre). A grande poesia – que continua a existir, diga-se – é difícil, indigesta, obriga a operações mentais cansativas e, por isto mesmo, quase não tem público. Edições de livros de poesia, pelo menos no âmbito da Língua Portuguesa são pequenas (a não ser daqueles valores consagrados, que constam das antologias escolares ou que, no caso do Brasil, são parte do programa dos vestibulares para ingresso nas universidades, mormente o da USP: daí, mega-edições a baixo-custo, já que há um público comprador certo), ao passo que a prosa pode chegar ao status de best-seller (certa vez, eu, ao telefone com Décio Pignatari, falava, a propósito de uma adaptação para cinema, de um desses best-sellers e tentei abordá-los, no geral – fosse um filme

59


60

brotado de uma obra literariamente importante eu diria, com Jakobson, não adaptação, mas tradução intersemiótica. Bem, Décio, sem muita paciência e para encerrar a conversa, disse-me, enérgico: - Omar, best-seller não é bem Literatura!). Exceções há, e o caso Pessoa (Fernando Pessoa 1888-1935) é bem ilustrativo disto. Além de grande e prolífico fazedor, Pessoa acabou, ele-mesmo, tornando-se uma lenda e todo um folclore foi criado à sua volta e a sua poesia (não somente) tem sido consumida, nem digo fruída, por uma multidão de leitores, que geralmente procuram conteúdos e incursões pensamentais elucubrativas, sem por um minuto pensar o que faz daqueles textos algo tão especial (o Poeta foi exímio nas incursões logopaicas, melopaicas e até fanopaicas, para ficarmos com Ezra Pound). Pessoa, no Brasil é unanimidade: entre os alfabetizados que leem poesia (Décio Pignatari diria: pelas “minorias de massa”), transita entre toscos e sofisticados, mas transita, a ponto de poder ser apreciado quando declamado em shows de música popular. Em Portugal, Pessoa se avoluma: edições sucessivas de seus escritos (era um compulsivo escrevedor, com um nível elevadíssimo). E livros sobre ele, penso que não haja semana em que não apareça algo novo e geralmente tentando penetrar o mistério Pessoa. É espantoso o fenômeno! A rigor, Fernando Pessoa não poderia ser chamado de inventor, considerando aqui aquela classificação de escritores elaborada por Ezra Pound (18851972), um seu contemporâneo. Seria um mestre, é um Mestre, já que como poeta, operou com versos, sem atentar contra a sua integridade – fossem livres ou não - muito embora tenha em suas práticas, em certas peças, o uso abusivo do enjambement, o que causa estranheza num leitor comum de poesia. Mas, a genialidade de Pessoa está justamente na multiplicidade configurada com a sua heteronímia, aliada a um qualitativo hors concours. Daí, pode ser considerado um inventor (embora não tenha inventado a heteronímia). Ficou difícil dizer algo poeticamente depois de Pessoa. Ficou mais difícil ser poetamaior depois do Bardo. Em Portugal, os poetas, de 1960 para cá, digamos, queixam-se de editores que relutam em editar os seus livros, e falam em dificuldades para consegui-lo (somente para lembrar: 2ª metade do século XIX, Cesário Verde esbravejando em seu poema Contrariedades, contra aqueles que não o publicavam – pobre/rica Poesia!). E isto pude notar quando, frequentando grandes e pequenas livrarias em Lisboa, dificilmente encontrava obras dos poetas


experimentais, até aquelas que foram editadas em outros momentos por editoras estabelecidas, dentro do sistema editorial. No Brasil, os “históricos”, quase todos, têm suas obras poéticas editadas e encontráveis em livrarias, mas somente a partir de meados dos ’70, em Portugal, obras dos “históricos”, quase-todas, se esgotam e não têm tido reedições. Daí é que, contrariando o que seria de costume, passamos a procurar as obras nos sebos, nos alfarrabistas. Conversando com Melo e Castro sobre isto e o Poeta abordando a questão com naturalidade, cheguei a afirmar ser paradoxal essa faina, o que em verdade não chega a sê-lo, já que nessas livrarias de livros usados (porém nem sempre) encontra-se tudo o que já passou por outras mãos, há muito ou pouco tempo. Lembrei-me do livro Soma (1963), de Edgard Braga (1897-1985), uma joiazinha que eu sempre quis ter e que somente anos após a sua morte pude encontrar em São Paulo, num sebo, aos montes e a preço tão baixo, que adquiri 15 exemplares, com os quais fui, ao longo dos anos, brindando os amigos. Penso que toda a biblioteca do velho Braga, médico-obstetra e poeta, tenha sido vendida a preço de nada. Pude comprar inúmeros livros, desde os primeiros, parnaso-simbolistas, até o mencionado Soma – quadradinho, com projeto gráfico de Décio Pignatari – além de livros de medicina, propriamente. Livros são a pior herança que se pode deixar para os familiares: não será jamais um prêmio, mas um encargo, do qual irão se livrar na primeira oportunidade. Bibliotecas têm a feição daqueles que as formaram e, por isto mesmo, têm-na em alta conta. Os outros, não. Daí, que é melhor destinar os livros a uma instituição. Mas o que acontece é que, geralmente, sabendo da importância da edição, os livreiros exorbitam nos preços. É claro que o lugar exato para se procurarem essas edições para consulta seria uma grande biblioteca e, em Lisboa, nenhuma melhor que a Biblioteca Nacional. E foi lá que pude ter acesso a publicações que se tornaram raridade, na edição original ou em cópia digitalizada, ou mesmo edição fac-similada. Porém, algumas outras, dentre as constantes do catálogo, ainda não estavam disponíveis. Somando-se a isto o fato de existirem muitos alfarrabistas no centro da cidade, passei a frequentá-los. Mesmo nos sebos, é difícil encontrar obras dos experimentais históricos e, quando encontradas, a dificuldade será pagar o que se pede por tais obras. Mesmo assim, adquiri umas poucas, não tão raras, pois edições como as das revistas, estas tinham preços estratosféricos. Estive na Letra

61


62

Livre, Calçada do Combro e encontrei textos metalinguísticos de Melo e Castro, acessíveis. Já outras obras, não pude adquirir. Ainda na Calçada do Combro, a livraria Ecléctica, onde, ao mencionar Melo e Castro, senti que havia uma grande familiaridade com relação ao autor. O rapaz que me atendeu mostrou-me algumas obras (3, depois, adquiri) e prometeu falar com o pai, o proprietário, que era amigo de Melo e Castro. Em outro dia, cheguei à livraria e já havia, em exposição, raridades da Poesia Experimental Portuguesa: Operação 1, Hidra 1, Hidra 2, Suplemento Especial do Jornal do Fundão, de 24 de janeiro de 1965 e algumas obras de autores vários. Fiquei maravilhado com o que vi e assustado com os preços que ouvi. Não só o Sr. Alfredo Gonçalves era amigo de Melo e Castro, como o Poeta havia vendido a ele, acho que parte de sua biblioteca, e sabia do valor daquele material. Conversei, conversei e perguntei, dada a impossibilidade de adquirir aquelas publicações, se poderia ir até lá para consultá-las, com todo o cuidado, ao que ele concordou. No dia seguinte, lá estava eu, com caderno de notas, régua e caneta para efetuar a pesquisa, e a fiz! Depois, considerei-me o maior cara-de-pau, mas fui e fiz. Sou imensamente grato ao livreiro que, no mais, deu-me muitas preciosas informações sobre publicações e Poesia Experimental, especificamente. Isto tudo me faz lembrar de uma Livraria e Editora de São Paulo, que não era alfarrabista e que já nem mais existe: a Duas Cidades, ali na Rua Bento Freitas, Centro, com aquelas moças, Maria Antônia à frente, que entendiam de livros, como poucos: atendiam bem, sabiam o que estavam a vender, davam informações, faziam sugestões quando solicitadas e até eram capazes de indicar a concorrente quando um certo título não estava ali disponível. Deixar algo em consignação na Duas Cidades, era certeza de correcção no acerto – não apenas aceitava em consignação as publicações da Nomuque, como, em 1977, distribuiu nacionalmente as Artérias 1 e 2, além de outras publicações da mesma estirpe e, o mais notável, fez reedição do Teoria da Poesia Concreta, editou comercialmente a poesia de Décio Pignatari – Poesia Pois É Poesia – e a de Augusto de Campos – Viva Vaia - e chegou a publicar 3 números de uma revista que, dentro do sistema editorial brasileiro, foi a mais arrojada, com um notável time de colaboradores: Através. Hoje, muitas livrarias, do mundo todo, possuem cadeiras confortáveis para que os seus clientes (ninguém mais fala “fregueses”) possam examinar livros e outros tipos de


publicação (e muitos chegam a ler, em várias “sessões”, volumes inteiros), somente falta uma mesinha para que possam realizar as suas pesquisas. Auguri! Obs. Devo ter, em minha pequena biblioteca particular, em São Paulo, umas 10 ou 12 diferentes edições do Mensagem de Fernando Pessoa, livro publicado em 1934 e, pelo qual, não obteve o 1º lugar num concurso. É um livro que se apresenta completo, redondo, embora poemas tenham sido escritos em épocas diferentes. Propõese como um épico, o épico possível em seu tempo, um épico sem movimento, composto de quadros estáticos, como na galeria de um museu, mas, que quadros! José Augusto Seabra disse tratar-se de uma obra pan-genérica. Dá para entender. A excelência das peças que o compõem faz até com que a riqueza semântica, que remete a ocultismo, numerologia, messianismo, nacionalismo místico etc, seja negligenciada. É coisa de Mestre. É possível lê-lo em 1 hora e 20 minutos… e ficar a retomá-lo a vida toda. Pude consultar a edição de 1934 (único livro de poesia em português publicado por Fernando Pessoa, ele-mesmo), na Biblioteca da Faculdade de Letras da USP, há mais de 20 anos. Procurei-o, cá em Lisboa, num sebo, ao que obtive como resposta que é raro aparecer um exemplar e, caso apareça, terá um preço proibitivo. Comprei uma edição fac-similada. Um dos mais belos livros de Poesia do século XX.

63



Revistas de Invenção/Revistas Experimentais, Revistas de Artistas, Revistas

As revistas de criadores (poetas, artistas plásticos…), via de regra, desdizem a definição de revista, pois já começam a falhar quanto à periodicidade – isto, quando conseguem sair do 1º número, sobrevivendo por um certo tempo (incerto). A partir de fins do século XIX, mas principalmente ao adentrar o século XX, tais publicações desempenharam um papel assaz importante na divulgação de poemas etc e ideias, e foram congregadoras de produtores de linguagem de muitas áreas, principalmente de Poesia. No modernismo luso, assim como no brasileiro, elas tiveram fundamental importância, chegando a emprestar seus nomes a grupos – Orpheu, Portugal Futurista, Presença, Klaxon, Revista de Antropofagia… Reuniram forças, preservaram materiais e como que retiveram o espírito de sua época. Difícil, porém, é, em primeiro lugar, obter coesão, com relação a um grupo de criadores e, em segundo, manter esse grupo interessado por algum tempo (questões referentes a revistas já tratamos em Doutorado, cuja Tese continua inédita, e na publicação de 2004, da Ateliê Editorial: Revistas na era pós-verso…). Se a Arte não suporta amarras por muito tempo, muito embora não viva sem regras, temporárias ou duradouras, os grupos, via de regra, têm curta duração, muito embora tenham tido importância capital nos Modernismos. O Grupo Noigandres (São Paulo, Brasil) dos concretistas é um desses grupos de longa duração – excluam-se grupos internacionais, com grande abertura e com poucos contatos entre os seus membros. O Grupo Noigandres, inicialmente formado por Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos nasce propriamente com a publicação do número 1 da revista

65


66

do mesmo nome, em 1952, e dura até a de número 5, de 1962 – nesse meio-tempo, agrega Ronaldo Azeredo (a partir da de nº 3) e José Lino Grünewald (na de nº 5). Décio Pignatari, em várias ocasiões, dissenos que os três [ele e os irmãos Campos] haviam feito um trato: o de nunca romper a amizade, por mais que viessem a ocorrer diferenças na criação ou pensamento, para que, na maturidade e na velhice, eles não viessem a ficar sem interlocutores, e isto surgiu ao observarem, quando em visita a Oswald de Andrade, modernista histórico, a solidão em que vivia o poeta, no que diz respeito à vida intelectual e artística, muito embora se esforçasse por participar das atividades culturais da cidade de São Paulo. Como já foi dito, ao Trio Noigandres se juntaram Ronaldo Azeredo e José-Lino Grünewald e, já nos anos 60, Edgard Braga e Pedro Xisto de Carvalho. Adentra-se os ‘60, com a página “Invenção”, no Correio Paulistano e tem início a edição de Invenção, sendo que os dois primeiros números saem em 1962, antes mesmo do 5º número de Noigandres, que encerra suas atividades com uma espécie de balanço do Concretismo brasileiro-noigandrense, apresentando uma antologia dos cinco componentes, com o título: antologia noigandres 5: do verso à poesia concreta. Invenção também durou 5 números, sendo o último datado de 1966-67. Experimentação e amizade prosseguiram, não sem discordâncias, porém, discordâncias discutidas e não-estruturais. Como afirmou várias vezes Melo e Castro e outros, em Portugal, os poetas experimentais não se constituíram em grupo, apenas se reuniam para conversas e nas publicações, mas mesmo assim, houve desacordos, sendo o mais notório o de Herberto Hélder, que teve importante papel nos princípios do experimentalismo português. Este também registra importantes publicações coletivas de pouca duração e que tiveram papel fundamental no processo de instauração e prosseguimento de propósitos, embora sem sectarismo. Registram-se as publicações (que serão tratadas em texto especial): Poesia Experimental 1 (1964), Poesia Experimental 2 (1966), Suplemento Especial “Poesia Experimental”, do Jornal do Fundão (24.01.1965), Hidra 1 (1966) e Hidra 2 (1969), Operação 1 (1967) e Operação 2 (1967), além de exposições, com catálogos que assumiram especial papel de registro. Depois desse período, que se pode chamar “heroico”, de luta, aconteceram muitas mostras, antologias e exposições-sessões de performance. A investida internacional, presente desde o início, nos anos ’60, terá uma intensificação sem


precedentes na poesia lusa. Retornando às generalidades sobre revistas de artistas, em verdade, publicações coletivas, cujo trabalho maior sempre recai sobre 1, 2 ou 3 dos componentes da “equipa”, dão força a um pensamento, a uma proposta, a um movimento e atrai gente. Mesmo no caso daquelas que não saíram do 1º número ou que, saindo, não chegaram a ter periodicidade, pois a tendência é que, a partir de um certo momento, cada um tome o seu rumo e os projetos coletivos – formando ou não um grupo – desapareçam, tomem outras formas ou comecem a apresentar variantes, sendo que alguns até abandonam por completo antigas crenças, chegando a renegá-las, por um motivo ou outro. Essas publicações coletivas, num futuro, dão lugar a obras individuais que acabam por reunir o já publicado, recontextualizando-o, ao mesmo tempo em que parte do que está nas revistas fica esquecido, porém, a preparar surpresas para futuros pesquisadores. As revistas cumprem o papel que lhes cabe: veicular criação/pensamento e revelar novos valores. Escreveu Melo e Castro num ensaio sobre revistas dos anos ‘50 e ’60: “… o livro, quer em edição de autor, quer em edição de uma editora, não era geralmente acessível aos jovens estreantes; a revista constituía o meio mais prático de publicar pela primeira vez.” (Melo e Castro. “As revistas de poesia nas décadas de 50 e 60”. In: Literatura portuguesa de invenção. São Paulo: DIFEL, 1884, p. 78). Muita coisa mudou e, hoje, um estreante poderá elaborar o seu livro em casa e enviar a uma empresa que fará a reprodução de poucos exemplares, a um custo bastante baixo. O grande problema de quem custeia a sua própria edição será principalmente o da distribuição. As revistas estarão sempre no universo do provisório, muito embora, com o tempo, revistam-se de uma espécie de aura que faz com que sejam facsimilarmente reproduzidas. Livros, namoram o perene, aspiram à eternidade. Mesmo numa época em que o digital – universo do disponível – se impõe como a coisa do momento, os impressos continuam a fascinar estreantes, que já nasceram com esses instrumentos e media da Nova Era. PS O encargo financeiro, o custo dessas revistas - e, em mais de 90% dos casos não se computa o capital trabalho – fica por conta do grupo, que se cotiza ou de um ou dois que, mais comumente do que se imagina, recorrem a membros da família mais abonados, sob a promessa de que reporão o dinheiro ali “investido”. A alegria de

67


publicar coletivamente talvez seja a maior recompensa daqueles que se empenham para que “revistas” aconteçam.

68


A Poesia do Grupo Noigandres não nasce Concreta: torna-se

Décio Pignatari (1927-2012) conheceu Augusto (1931-) e Haroldo de Campos (1929-2003), em fins dos anos 1940, a propósito de Poesia (se os Andrades do Modernismo não eram sequer parentes, os Campos do Concretismo eram irmãos!). E essa amizade teve mais motivos para se solidificar, além do grande interesse pela Arte da Palavra, pelo fato de os três cursarem Direito na Faculdade do Largo de São Francisco (Décio começou, depois Haroldo e, então, Augusto, que se formou com Décio, que nunca exerceria a Advocacia, e que terminou a Faculdade mais por exigência do pai). Já nesse tempo, fazem visita a Oswald de Andrade, modernista histórico que admiravam e que comparecerá no futuro Plano Piloto para Poesia Concreta, ao lado de João Cabral de Melo Neto, como as duas grandes e únicas referências brasileiras da poesia que estavam a praticar. Haroldo de Campos e Décio Pignatari publicam seus primeiros livros de poesia em 1950: Auto do Possesso e O Carrossel, pelo Clube de Poesia (espécie de reduto da “Geração de 45”); Augusto de Campos publica O Rei Menos o Reino, em 1951, Edições Maldoror (em verdade, um volume autofinanciado). Os moços já vêm com uma poesia diferenciada, em relação ao que estava em voga naquele momento em São Paulo e no Brasil, e isto foi notado pelo historiador e crítico literário Sérgio Buarque de Holanda, e exposto em artigos sobre os novos poetas, antes, inéditos em livro, no ano de 1951. Motivados pela então misteriosa (mas, com um halo de positividade) palavra “Noigandres”, citada no Canto XX, de Ezra Pound (1885-1972), extraída de poema do trovador provençal Arnaut Daniel (1150-1210), formam o Grupo Noigandres, em 1952, o que

69


70

é assinalado pela publicação do nº 1 da revista do mesmo nome. A poesia que publicam na revista já traz índices de algo que estava para acontecer, ou seja, indicava um caminho com surpresas e muita novidade, considerando-se ainda a curiosidade dos rapazes (aquela que conduz ao conhecimento, a mesma que acometia Leonardo da Vinci) e a cultura poética enorme que já possuíam. Nesse mesmo ano de 1952, o Grupo Ruptura faz a sua 1ª exposição e lança manifesto: algo de uma grande radicalidade, ainda mais considerando que a Abstração chegou, de fato, tardiamente ao Brasil e tratava-se de uma arte de caráter construtivo (Abstracionismo Geométrico, como comumente se diz). O Grupo Ruptura já nasce Concreto (o manifesto de Van Doesburg… – Art Concret – é de 1930. Já havia, portanto uma Arte Concreta, assim como já existia uma Música Concreta) e, inicialmente, era formado por sete artistas, apenas dois nascidos no Brasil: Geraldo de Barros e Luís Sacilotto - os demais, a começar pelo líder Waldemar Cordeiro (brasileiro nascido em Roma), vinham da Europa: Lothar Charoux, Anatol Wladislaw, Kazmer Féjer e Leopoldo Haar. Desses, acercaram-se outros, como Hermelindo Fiaminghi, Maurício Nogueira Lima, Judith Lauand e Alexandre Wollner. No Rio de Janeiro, menos sectário, forma-se, em 1954, o Grupo Frente, que também terá importante papel na Arte Brasileira. Ruptura e Noigandres: nasce, daí, uma duradoura amizade entre seus integrantes + a admiração que todos nutriam pelo italiano nascido em Lucca, Itália, Alfredo Volpi (1896-1988), um pintor autodidata que teve um percurso singular na arte brasileira, desembocando num peculiar construtivismo, elaborado à base de têmpera. O Brasil vinha de uma mudança importante a partir de 1945, com o fim do Estado Novo: ditadura de Getúlio Vargas, e era acometido de ondas de euforia, o que iria culminar na segunda metade dos anos 1950, durante o Governo JK. 1947: fundação do MASP. 1948: fundação do MAM-SP. 1949: fundação do MAM-RJ. Exposições de Alexander Calder (Rio de Janeiro e São Paulo) e de Max Bill (em São Paulo). I Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo: 1951, sendo que as atenções dos mais empenhados em mudanças se voltaram para as obras dos artistas da delegação suíça, entre eles Max Bill, que recebeu o prêmio de Escultura, e as Bienais continuam a se realizar: 1953, 1955 etc. São do primeiro semestre de 1953 os seis poemas coloridos que compõem a série Poetamenos, de Augusto de Campos, elaborados a partir da experiência que o então jovem


poeta teve com a audição e estudo da Música de Anton Webern (1883-1945): fascinou-o a Klangfarbenmelodie (melodiadetimbres – somcormelodia), coisa que ele transpõe para o campo da visualidade e já criando palavras, aglutinando e decompondo-as. Os poemas dessa série utilizam de duas a seis cores (poderíamos até chamar a operação de uma – em parte – tradução intersemiótica, evocando Jakobson) e são considerados como formando o primeiro conjunto de poemas propriamente concretos. Enquanto não houve possibilidade de imprimir a série numa gráfica, os poemas eram distribuídos em cópias feitas com carbonos coloridos, até que saem em Noigandres 2, ano de 1955, acompanhados de um texto explicativo/manifesto – este foi um dos dois textos metalinguísticos publicados em Noigandres, que contou com 5 números (o outro foi o Plano-Piloto para Poesia Concreta, em Noigandres 4, 1958). Nessa altura, Décio Pignatari já se encontrava na Europa (meados de 1954 – meados de 1956), sendo que, na Alemanha, em Ulm, acabou por travar contato com o poeta suíçoboliviano Eugen Gomringer – secretário de Max Bill na Hochschule für Gestaltung - Escola Superior da Forma, herdeira da Bauhaus - donde nasceria o movimento internacional da Poesia Concreta. No mesmo ano de 1955, Augusto de Campos propôs a denominação Poesia Concreta, para aquela que estavam a praticar, já que existiam uma Arte Concreta e uma Música Concreta. (Um artista sueco nascido em São Paulo, Öyvind Fahlström, pouco antes, havia proposto uma poesia concreta, o que não teve repercussão.) Em carta a Décio Pignatari, de agosto de 1956, Eugen Gomringer concorda com a denominação “poesia concreta”. Noigandres 3 sai em 1956, já trazendo subtítulo “poesia concreta”. Costuma-se dar como lançamento “oficial” da Poesia Concreta, no Brasil, a Exposição Nacional de Arte Concreta – que incluía os poetas Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Ronaldo Azeredo, Ferreira Gullar e Wlademir Dias-Pino - que aconteceu em dezembro de 1956, em São Paulo, por ideia do Grupo Ruptura. A exposição, em inícios de 1957, realizou-se no Rio de Janeiro e neste ano já tem início dissidência entre os que operavam a partir de São Paulo e os que operavam a partir do Rio de Janeiro, liderados por Ferreira Gullar, o que culminará, em março de 1959, com o Manifesto Neoconcreto e a exposição que se realiza na então Capital do Brasil. Nessa altura, Brasília já se concretiza e a Bossa Nova (nascida na Zona Sul do Rio de Janeiro) é sucesso nacional e vive-se a ilusão/

71


euforia do desenvolvimentismo. Concluindo: o Grupo Noigandres não nasce Concreto, torna-se Concreto no processar-se dos anos 1950. Obs. 1: Formado originalmente por Augusto de Campos, Décio Pignatari e Haroldo de Campos, o Grupo Noigandres foi-se ampliando, primeiro com Ronaldo Azeredo (1937-2006) e, depois, com José Lino Grünewald (1931-2000). Podem ser considerados, também, como fazendo parte do Grupo, a partir dos anos 1960: Edgard Braga (18971985) e Pedro Xisto de Carvalho (1901-1987).

72

Obs. 2: Como disse certa vez em entrevista, Augusto de Campos, quanto às Artes Plásticas Concretas e Neoconcretas, que, vendoas à distância, não havia diferenças substanciais entre as obras dos dois grupos as quais, à época, haviam sido maximizadas. Poesia Neoconcreta, quase não existiu, ou existiu pouco, sem, porém, a grandeza a que chegaram os artistas plásticos. A racionalidade Noigandres irritou e indispôs pessoas e virou lugar-comum acusar os paulistas de racionalistas (frios): de Ferreira Gullar a Mário Pedrosa. Conte-se o espírito de guerreiro de Waldemar Cordeiro e Décio Pignatari + a alta-tecnologia pensamental de Haroldo de Campos e Augusto de Campos. Gullar ficou irritadíssimo com texto metalinguístico de Haroldo de Campos, de 1957: “Da fenomenologia da composição à matemática da composição”. Daí, a março de 59, foi o tempo necessário à ruptura de fato, que alguns colocam mais como delimitação de territórios do que diferenças artísticas formais ou de postura. O Rio seria, então, dos neoconcretos, tendo na liderança Ferreira Gullar. Em texto do História Geral da Arte no Brasil, volume 2, o grande crítico, historiador e promoter Walter Zanini (1925-2013), ao discorrer sobre a Arte Construtiva no Brasil, diz exatamente isto: a cisão concretos/neoconcretos se explicaria, para alguns, mais como uma disputa de poder do que por diferenças propriamente artísticas. Gullar logo abandona a experimentação e abraça uma outra causa, operando com fórmulas tradicionais. Anos mais tarde, enfim, reassume a sua produção concreta/experimental e publica o poema com que participou da Exposição Nacional de Arte Concreta (1956-7), com modificações, poema sobre o qual se tinha imensa curiosidade: Formigueiro. Mais recentemente, Gullar andou fazendo declarações estapafúrdias, como a que nada tinha contra a Poesia Concreta, pois ele a tinha inventado.


“Eu desestruturei o verso”, chegou a dizer, coisa que não corresponde nem de longe à verdade, pois que, quem desestruturou o verso foi outro excelente verse-maker, o estadunidense e. e. cummings. Gullar continua a cultivar a sua ira contra concretistas de São Paulo. E entrou para a Academia Brasileira de Letras. Obs. 3: Fiz questão de frisar que as duas maiores cidades do Brasil, Rio de Janeiro e São Paulo, eram os dois grandes centros irradiadores da arte erudita no Brasil e, desde os anos 1920, São Paulo vinha tomando uma espécie de dianteira (e veio a se tornar a maior cidade do País, em termos populacionais). Pessoas de todo o Brasil e de fora acabaram por se radicar nessas duas cidades – poucos eram verdadeiramente paulistanos ou cariocas, dentre os que estavam a fazer a Grande Arte. Nas Artes Plásticas, estrangeiros abundavam, porém, na Poesia, que de qualquer modo exige um pensamento a partir de um idioma específico, não. O que me ocorre, agora, é um único caso de poeta estrangeiro que atuou nas hostes neoconcretas e que era psicanalista, pintor, colecionador, também: Theon Spanúdis (Esmirna, Turquia: 1915 – São Paulo, Brasil: 1986), que assinou o Manifesto Neoconcreto de 1959 e produziu poemas. Nessa atividade de poeta, pode ser considerado um esquecido (injustamente?) – é mais lembrado como colecionador e como doador de sua coleção (com muitas obras de Alfredo Volpi) ao Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.

73



Do 1º Modernismo: Portugal e Brasil

A partir do Modernismo – e este é um fenômeno originalmente europeu, que se irradia principalmente da França para toda a Europa e chega às Américas - instalado primeiro em Portugal e, pouco depois, no Brasil, revistas foram editadas, abrindo praticamente o processo e/ ou acontecendo durante. Não há propriamente ligação, de fato (significativa), entre os dois Modernismos muito embora se registre a presença de um brasileiro, em Orpheu 1 (Lisboa) como co-director e colaborador, e o nome Brazil (Portugal e Brazil), em sua página de rosto. O mesmo brasileiro, Ronald de Carvalho, teve, também, alguma participação na Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo. Orpheu, a primeira revista modernista de Portugal, de importância capital, cujo centenário se comemora neste ano de 2015, com exposições e edições e reedições, acontece sete anos antes da nossa, que foi Klaxon (mensário de Arte Moderna), editada em São Paulo, a partir de maio de 1922, e que durou 9 números (em 8 volumes, sendo o último, duplo: 8 e 9). Orpheu chegou apenas ao número 2, sendo que o terceiro ficou apenas nas provas tipográficas, e supõe-se que teria como ilustrações obras de Amadeo de Souza-Cardoso, figura exponencial do 1º Tempo Modernista português. E Portugal ainda contou com Portugal Futurista, fins de 1917, com maior arrojo gráfico, mas com persistências da gráfica tradicional, e que teve um destino desastroso, posto que apreendida. O Modernismo brasileiro foi informado fundamentalmente por 3 ismos: Expressionismo, Futurismo e Cubismo, sendo que este chegou, de fato, tardiamente ao Brasil, com Tarsila do Amaral (1886-1973), já nos anos 20, embora antes já

75


76

se tivesse notícia de façanhas picassibraqueanas. Em Portugal, que também teve até mais a presença do Futurismo, o Cubismo chega bem antes, haurido diretamente em Paris, por Amadeo de Souza Cardoso (1887-1918) - que teve obras expostas em Nova Iorque, no Armory Show, em 1913 - ou no próprio território português, dada a presença de Robert e Sonia Delaunay (Cubismo Órfico/Simultaneísmo), durante a I Guerra Mundial e o contato que com eles teve o pintor Eduardo Viana, além de outros, mais reencontros (veja-se a bela mostra que ora acontece no Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa: O Círculo Delaunay). Importante lembrar trabalho de Amadeo de Souza-Cardoso, que antecipa (sem influência direta, porém) algo do que será a Poesia Experimental Portuguesa: o conto de Gustave Flaubert La Légende de Saint Julien L’Hospitalier, caligrafado e ilustrado pelo artista, em Paris, no ano de 1912. (Uma coisa interessante a registrar sobre a pintora do pau-brasil e da antropofagia, Tarsila do Amaral, é que ela esteve na posse do mais importante quadro de Robert Delaunay, da série “Tour Eiffel”, pintado em 1911, e que hoje faz parte do acervo do Art Institute of Chicago, adquirido em Paris, pela artista, nos anos 1920 e que durante muito tempo – até 1951 – esteve em São Paulo e que aparece em fotos: tanto da época da abastança, na residência da Alameda Barão de Piracicaba, época em que estava casada com Oswald de Andrade, como em época de “vacas magras”, em apartamento da Rua Tabatinguera. E a própria Tarsila do Amaral, que também foi excelente cronista, narra, em texto de 1936, publicado no Diário de São Paulo, os contatos com Robert Delaunay. Tarsila do Amaral. “Delaunay e a Torre Eiffel”. In: Crônicas e outros escritos. Campinas, Ed. da Unicamp, 2008, p. 84-86.) Os extratextos (hors –textes) de Santa-Rita Pintor (1889-1918), que aparecem em Orpheu 2, e emprestam arrojo visual à revista, quatro ao todo, em preto-e-branco, mais que futuristas, assemelham-se a facturas de um Cubismo Sintético ou a algo Pré-Dadá, e são datados de Paris: 1912-13-14. Mas foi grande a força do Futurismo nesse Modernismo luso (embora por pouco tempo) que, sem pejo, abraça o ismo marinettiano, que aparece em atitudes, textos poéticos, manifestos (Santa-Rita Pintor, Almada-Negreiros…). No Brasil, apesar da flagrante presença da “escola” de Marinetti, já aparecem reações contra a pecha de “futurista”, mormente da parte de Mário de Andrade, que explicita isto no “Prefácio Interessantíssimo” ao seu


Pauliceia desvairada (o mais importante livro de poesia do ano de 1922, no Brasil) e no editorial de Klaxon 1, que deve ter sido escrito por ele – o editorial pode ser tomado como um manifesto, pois, colocase contra uma situação observável nas artes do Brasil daquele momento e faz propostas; insiste no aspecto construtivo do Movimento – em oposição à destruição apregoada por Marinetti - assim como não nega o passado, apenas não o reproduz. Porém, faz o elogio dos progressos científicos e técnicos, colocando a Cinematografia, como “a” Arte do Momento. Diz: “Klaxon não é futurista, klaxon é klaxista”. No mais, o teor marinettiano do editorial é notório – depois do italiano, nascido em Alexandria, ninguém que fez manifesto livrou-se dele. Quando da passagem de Marinetti por São Paulo, uns o evitaram ou se viram em situação embaraçosa. Oswald de Andrade, o descobridor do Mário poeta, no ano de 1921, num artigo, entusiasmado pelos versos que lera do Pauliceia desvairada, de Mário de Andrade, tinha chamado o autor de “o meu poeta futurista”, coisa que o desagradou, pois sentiuse enquadrado em algo que não se julgava ser. O adjetivo “futurista”, no Brasil, durante muito tempo, foi sinônimo de arrojo formal, principalmente para os de repertório artístico médio. As revistas são propícias à aglutinação de pessoas com interesses comuns, mas costumam durar pouco. Tomando Lisboa como centro dos acontecimentos do processo modernista em Portugal (e parece que na Terra Lusitana não houve rivalidade entre cidades que produziam e/ou exportavam talentos, pois, em grande parte, as forças convergiam para a capital), notamos a presença mais forte da Poesia. No Brasil que teve na cidade de São Paulo o seu centro de irradiação modernista - como já colocou Paulo Mendes de Almeida, as Artes Plásticas é que apontaram os caminhos primeiramente, e duas mulheres tiveram aí um papel preponderante: Anita Malfatti (1889-1964), praticamente a deflagradora do processo (veja-se Mário da Silva Brito: História do Modernismo Brasileiro: I Antecedentes da Semana de Arte Moderna) e Tarsila do Amaral (com importante atuação a partir do 2º semestre de 1922 - estando em Paris a completar tardiamente seus estudos de pintura, não participou da Semana de Arte Moderna. Seu grande salto qualitativo se deu em 1923. Teve aulas com mestres cubistas, com destaque para Fernand Léger e, na fase pau-brasil de sua pintura, fez uma leitura do País sob a óptica cubista, porém, sem arremedo). Embora Paris estivesse no centro das cogitações, tanto de portugueses

77


78

como de brasileiros, houve quem tomasse outro rumo, como o fez Anita Malfatti, que estudou desenho e pintura na Alemanha (191014) e nos Estados Unidos da América (1915-16), antes, portanto, de sua histórica exposição de 1917, que provocou reações, com consequências desastrosas para a artista, mas marcou o início do processo modernista no Brasil. O lituano Lasar Segall expôs, no ano de 1913, em São Paulo e Campinas e estas mostras, que há quem as considere como as primeiras exposições de Arte Moderna no País, não tiveram qualquer repercussão na Arte brasileira, bem porque continuam na névoa, não se sabendo ao certo se uma parte mais radical de sua obra, à época, foi mostrada – é mais provável que não. A importância de Segall, na arte brasileira, acontecerá após a sua volta e fixação no Brasil, a partir de 1924. Anita Malfatti e Lasar Segall, laboravam dentro do repertório Expressionista. Em Portugal, há a singular e importante figura de José de Almada-Negreiros (1893-1970), pintor e poeta, autor de célebres manifestos e precursor da performance em Portugal (14 de abril de 1917, conferência no Teatro República, Lisboa), que já desponta em Orpheu e extravasa em Portugal Futurista. Querendo saber se, como no Brasil, em Portugal tinha havido contato dos experimentais, com sobreviventes do 1º Modernismo, AlmadaNegreiros, por exemplo, eu, perguntei a E. M. de Melo e Castro, em 26.10.2015, por e-mail: “Você conheceu pessoalmente o AlmadaNegreiros? Acha que ele foi importante, de algum modo, para a Poesia Experimental portuguesa?” Em e-mail de 27.10.2015, escreveu-me Melo e Castro: “Não posso dizer que conheci o Almada pessoalmente, embora uma vez lhe tenha sido apresentado num café de Lisboa. Mas fui e sou um estudioso do seu trabalho principalmente do livro VER e do ALMADA E O NÚMERO organizado pelo Lima de Freitas. Tenho mesmo alguns textos críticos sobre a sua poesia e sobre o Quadrado Azul. Mas são todos posteriores à PO-EX e o Almada nada teve a ver com a Poesia Experimental, embora fosse por todos apreciado e respeitado como Futurista e amigo do Fernando Pessoa. Como pintor nunca nos interessou muito... Já nos primeiros anos do século XXI o filho dele, também chamado José de Almada-Negreiros, contatou-me para lhe dar uma opinião sobre a descoberta de 3 caligramas inéditos datados de 1920 de autoria de seu Pai. São uma pequena joia que eu estudei e então apresentei em público. Esses caligramas e o meu


texto encontram-se no meu livro publicado no Rio pela Confraria do Vento POÉTICA DO CIBORGUE. Mas são apenas documentos de uma arqueologia da poesia visual.” E mais: “Relendo o meu e-mail de ontem acho que fui injusto para com o Almada porque ele faz parte indiscutível da herança modernista e inventiva de todos nós e cada poeta experimental individualmente tinha uma relação cultural com ele! Só que isso apenas indireta e subjectivamente terá uma influência no trabalho experimental dos anos 60. Não devo esquecer o quanto me fascinava o seu retrato de Fernando Pessoa que quando eu era jovem estava exposto na pastelaria Irmãos Unidos, no Rossio! E o enorme painel mural que está ainda na entrada do edifício da Gulbenkian, em Lisboa e que é um extraordinário poema visual! Só que as suas bases herméticas e estéticas nada têm a ver com as bases da PO-EX! A Poesia Experimental deve muito mais a DADA do que ao Futurismo, mesmo na sua versão portuguesa. No entanto deve ser dito que o ORPHEU exerceu uma grande influencia sobre a PO-EX pois era considerado como o seu único antecedente histórico, principalmente com Fernando Pessoa, Mário de Sá Carneiro e Ângelo do Lima. Ninguém da PO-EX considerava a existência de um ‘segundo modernismo’ na poesia portuguesa (como alguns críticos chamam ainda hoje à poesia da revista “Presença” dos anos 30 e 40, que é apenas um regresso ao Eu e ao sentimentalismo!!!). […] Também não devemos esquecer que o Almada foi o primeiro performer português em 1917... Mas nesse tempo essa palavra não existia!” Duas importantes personagem do 1º Modernismo português desaparecem prematuramente no mesmo ano de 1918: Santa-Rita Pintor e Amadeo de Souza-Cardoso. [A poesia portuguesa perdeu, também prematuramente, o grande poeta/escritor amigo/interlocutor de Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, em 1916, em Paris.] Podese dizer que, no 1º Tempo Modernista português, as correntes que mais o informaram foram Cubismo e Futurismo, considerando que, em verdade, houve uma confluência complexa de ismos, de par com contribuições propriamente lusas, principalmente no campo da Poesia. Obs. Sobre o Modernismo em Portugal, algumas informações aqui veiculadas foram hauridas em: José-Augusto França. História da Arte em Portugal: Modernismo (século XX). Lisboa: Editorial Presença, 2004.

79



Tipografia: algumas considerações

Interessante discorrer, embora brevemente, sobre a Tipografia, que provocou uma verdadeira revolução no que diz respeito à reprodução e divulgação de textos: livros etc e que é considerada a maior invenção técnica do Renascimento, e que nasceu no que viria ser a Alemanha e que teve a sua emergência ligada a Johann Gutenberg (1398?-1468). Tudo aquilo que nasce como técnica, quando revela sua peculiar linguagem, termina por produzir Arte e a tipografia teve enorme influência nas artes da escritura, assim como, sem que bem percebamos muito, o computador está tendo, de um tempo para cá. Há pesquisas que atestam a existência, no Extremo-Oriente, de tipos metálicos móveis, mas foi justamente no Ocidente que a Tipografia de fato aconteceu e revolucionou. Em boa parte, para esta explanação, estou a utilizar o livro de Carlos Rizzini: O Jornalismo antes da Tipografia. São Paulo, Cia. Editora Nacional, 1968, o qual trata da era préGutenberg, mas chega à “letra de forma” e ao Brasil e à implantação tardia da Tipografia em solo brasileiro (página 164 e seguintes). A Tipografia nasce em meados do século XV (e exigiu como condições prévias: prensa, papel e tinta - técnicas de decalque já existiam há milênios e a gravura era uma realidade) e rapidamente se alastra pela Europa, chegando a Portugal, ainda no referido século, época em que o Estado Português se expandia para áreas do Além-Mar, constituindose na vanguarda da Expansão Marítima europeia. Nessa faina, cujo principal objetivo era descobrir um caminho marítimo para as Índias, fato consumado pela viagem de Vasco da Gama (1497-8), entra o acidente Brasil, a Terra de Santa Cruz (prevalece a leitura de propósito, em contraposição à de acaso, para o achamento do Brasil por Cabral,

81


82

em 1500). A colonização do Brasil foi uma tarefa a que se impôs Portugal, sob pena de perder a Terra e esteve na iminência de perdêla, em muitas ocasiões, mas não apenas a recuperava como conseguia dilatar o território e lançou as bases, sedimentadas pelos Braganças, para que se mantivesse uno o território, aquele que chegou a ser 3 colônias de Portugal. Mas o que nos interessa, de fato, aqui, é como se desenvolveu a Cultura na Terra de Pindorama. Muito embora não houvesse interesse em desenvolver Letras e Artes no Brasil, estas brotaram, mesmo que à revelia, por uma necessidade que os humanos têm de alimentar o espírito e, trabalhando o idioma e adaptando tendências às possibilidades da terra, floresceu a Poesia, floresceram as Artes Plásticas, com a aclimatação do Barroco português, sendo que não o primeiro poeta, mas o primeiro grande poeta brasileiro, produziu sob o signo do Barroco: trata-se do baiano Gregório de Matos e Guerra, vivente no século XVII. O grande escritor, autor d’Os Sermões, o Padre António Vieira, participou desse universo. Nesse mesmo século XVII, Portugal ainda sob o jugo espanhol, o Nordeste brasileiro foi invadido e dominado (em parte) pelos holandeses, interessados na produção do açúcar. Chegaram a ficar em Pernambuco e arredores por 24 anos, mas os lusos, saídos da dominação hispânica, conseguem retomar aquele pedaço de chão. Na América, a Tipografia entra, na primeira metade do século XVI, pela cidade do México. Bem, os portugueses nunca se interessaram em levar a Tipografia ao Brasil (isto tem duas explicações plausíveis: evitar concorrência para os tipógrafos da Metrópole e manter a colônia, dificultando a circulação de ideias, que teriam as suas facilidades, com a existência da Imprensa). Os holandeses, em seu tempo de Nordeste brasileiro, enviaram um ilustrado, Maurício de Nassau, durante um tempo, para administrar a área que dominavam e, muito embora o nobre tivesse levado para a Terra Brasilis cientistas e artistas, não conseguiu um tipógrafo que se dispusesse a ir trabalhar nos Trópicos. Houve, pelo menos, duas tentativas de implantar a Tipografia no Brasil-Colônia: foram ambas reprimidas. A Tipografia somente chegou ao Brasil com a transferência da Corte Portuguesa e sua instalação na então capital - desde a segunda metade do século XVIII - Rio de Janeiro, e devido às necessidades do momento e porque o material necessário para tal foi levado da Metrópole para a Colônia, que passou a abrigar a Família Real portuguesa e mais alguns milhares de pessoas. Por decreto de 13 de maio de 1808, o Príncipe Regente D. João (futuro D. João VI) cria


no Rio de Janeiro, que passou a ser a sede do Império Português, a Impressão Régia. Interessante é que o primeiro periódico brasileiro, que existiu de 1808 a 1822, foi editado em Londres, por Hipólito da Costa, e chamou-se Correio Brasiliense – seu foco era o governo de D. João, que recebia duras críticas. O que nos interessa, de fato, aqui, é a questão da Tipografia que, com maior ou menor controle, foi-se expandindo pelo Brasil. Know-how se adquire e até com alguma rapidez, porém, tradição leva tempo. Para se ter tradição numa certa área e até poder modificá-la, de algum modo, é preciso tempo, muito tempo. Aqui, neste ponto, poderíamos evocar a Antropofagia de Oswald de Andrade (Manifesto Antropófago, 1928): Antropofagia Cultural: Absorver o que é do outro e que nos vai enriquecer culturalmente; importante é adquirir o know-how para, então, poder criar coisas originais - “Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago”. “Tupy, or not tupy that’s the question.” Assim como, quatro anos antes, o mesmo Oswald de Andrade bradava no Manifesto da Poesia Pau Brasil: “A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como somos.” - deplorando a pura imitação. O primeiro resultado do amadurecimento gráfico e tipográfico brasileiro veio na esteira da Semana de Arte Moderna de 1922: a revista Klaxon, com grandes novidades gráficas, em termos de Brasil, com aquela capa mais-que-interessante, com a letra “A” enorme, valendo por todos os “aa” do texto que lá comparece, capa que se repete em todos os números da revista e que nos remete à Torre Eiffel (provável ou certamente baseada em capa de livro de Blaise Cendrars) e que, já no nº 1, na quarta-capa, traz o primeiro anúncio publicitário verdadeiramente moderno do Brasil, o “coma Lacta”, tudo indicando a autoria do poeta Guilherme de Almeida, e que Mário da Silva Brito, grande historiador do Modernismo Brasileiro, considerou um “poema pré-concreto”. Daí, destaque para a bela capa que Tarsila do Amaral elaborou para o livro de poemas de Oswald de Andrade, com a Bandeira Nacional, em giro de 90˚, e com o dístico modificado para Pau Brasil (O. de Andrade. Pau Brasil. Paris: au Sans-Pareil, 1925) e que antecipa os anos 1950, no Brasil e, nos EUA, no âmbito da Arte Pop! O ápice de posse de know-how gráfico e tipográfico no Brasil, no entanto, é alcançado nos anos 1950, que é quando a arte de linha construtiva veio a ter vez e voz, e que houve contatos estreitos com esta arte, via exposições de artistas, bienais, discussões, aquisição de

83


84

conhecimentos fora, como foi o caso dos que estiveram em Ulm, na Alemanha, a estudar com eminentes figuras, na Hochschule für Gestaltung, como foi o caso de Alexandre Wollner, grande designer visual – ele assim o prefere, ao invés de “designer gráfico” - ainda a trabalhar, nos seus 87 anos de idade. Ele foi autor dos cartazes da 3ª e 4ª Bienais de São Paulo – o autor do cartaz da 1ª, Antônio Maluf, não esteve ligado a grupos, mas foi, também, importante artista de linha construtiva. É importante que não se percam as velhas tecnologias, muito embora hoje se conte com imensas facilidades advindas do campo do Digital. Tipografias tradicionais, com todos os tipos de prelo, ainda existem e no mundo todo e penso que, aquele que entra em contato com a Tipografia (veja-se a não-perda do exercício da manuscritura, por outro lado) e passa a compreender o processo, aquele que venha a operar uma máquina-de-escrever (dactilografia) etc, saberá muito melhor trabalhar com um processador de textos de última geração. Considere-se, aqui o que colocou Antonio Risério, em seu longo texto-manifesto: Ensaio sobre o texto poético em contexto digital que, com os computadores, apareceu um novo artesanato, dispondo de recursos-mil que as tais máquinas oferecem. Estamos frente aos “novos escribas”. A grande dificuldade que se tem de enfrentar, justamente com esses muitos recursos, é a de saber selecionar o pouco frente ao que exorbita – ter a ideia, a partir dos meios disponíveis. Tarefa para os artistas da Nova Era, para os poetas que experimentam e se expõem ao risco. PS Tipomorfia: de cerca de 10 ou 12 anos para cá, tenho pensado na imprecisão do termo tipografia (como de tipologia, e aí as coisas pioram) para designar o desenho da letra. Tipografia refere-se primacialmente à técnica, ao processo que no Ocidente (Europa) veio à luz em meados do século XV, revolucionando a coisa do texto, sua reprodução e divulgação. Preferimos, então, deixar o termo tipografia - palavra totalmente de origem grega, para o processo, a técnica com os tipos móveis metálicos e/ou de madeira. E, para designar o desenho da letra, sua conformação, sua Gestalt, sem sair do grego, utilizaremos tipomorfia, tipomórfico, tipomorfeia (a degeneração da letra). Acreditamos na maior precisão da palavra evocando a sua etimologia. Porém, feita a proposta a pelo menos 2 especialistas, eles não gostaram do termo, talvez por estarem acostumados com Tipografia. Mas, fica aí a ideia, a proposta para que nós passemos


a utilizar a palavra tipomorfia. Por exemplo: na fase dita ortodoxa da Poesia Concreta brasileira, também chamada fase heroica, o que predominou nos poemas, em termos de tipomorfia, foi o futura em negrito - tipo desenhado nos anos 1920 por Paul Renner - e caixabaixa. Optou-se, também, em vários textos de prosa metalinguística, manifestos, pela utilização exclusiva da caixa-baixa, o que chegava a ser mais chocante nos textos em alemão ou inglês, onde há excesso de maiúsculas (caixa-alta) e menos no português, mas mesmo assim, chocante. Particularidades observáveis no período áureo da Arte Construtiva no Brasil, no âmbito da Poesia.

85



Revistas de Invenção/Revistas Experimentais: Portugal, anos ‘60: algumas considerações

Examinando os fatos, hoje, com o distanciamento no tempo, e verificando a presença da Poesia Concreta brasileira – Noigandres, entenda-se – percebe-se que, apesar de reações contrárias e até mesmo ferozes, vindas de direções várias, e das inimizades duradouras que vieram a acontecer, teve voz e vez nas mídias impressas: revistas, livros, jornais, muito embora a poesia, propriamente, para ser editada comercialmente, teve de esperar até meados dos ‘70. Dificuldades para os poetas não faltaram, tanto cá como lá: d’Aquém e d’AlémMar. Os concretistas de São Paulo, constituindo-se em grupo, fortaleciam-se frente às críticas, rebatendo-as, argumentando e, com recursos próprios, embora poucos, ou contando com alguém mais abonado do grupo (ou algum aficionado de fora, como foi o caso de Erthos Albino de Souza, desde os anos 1960), ou os que se foram a ele juntando, as publicações, de fato, aconteciam: Noigandres (5 números: 1952-62), cerca de 1 ano a página semanal “Invenção”, no Correio Paulistano, (de janeiro de 1960 a fevereiro de 1961), Invenção: revista de arte de vanguarda (5 números: 1962-1966-67), e toda a guarida dada por Mário Faustino, no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil. Faustino era um poeta que operava com versos, bons versos, mas tradicionais, porém, mente aberta, admirador de Ezra Pound, valorizava o trabalho das vanguardas e assumia isto em seus textos críticos, sendo, também, tradutor, e, no referido Suplemento, escrevia na seção “Poesia-Experiência” - faleceu precocemente, no ano de 1962, em acidente aéreo. Ocasionalmente, brechas em órgãos da Grande Imprensa. Tudo indica que os brasileiros tiveram mais

87


88

oportunidades de veiculação de suas ideias e, mesmo, realizações poéticas que os portugueses, na fase de lançamento e afirmação da poesia que estavam a praticar, pelo menos. Porém, tanto no Brasil, como em Portugal, houve dificuldades para a publicação, principalmente da Poesia, que a metalinguagem desenvolvida, tanto por brasileiros como por portugueses, e as traduções-recriações, do lado brasileiro, chegaram a contar com editoras, dos respectivos sistemas editoriais. No Brasil, como vimos, revistas de invenção concretistas chegaram ao nº 5. No caso dos poetas experimentais históricos de Portugal, tanto Poesia Experimental, como Hidra e Operação pararam no nº 2. (Interessante é que, no 1º Modernismo português, sua 1ª revista, Orpheu, 1915, teve somente dois números.) Talvez que o fato de não se terem constituído em grupo tenha pesado sobre os acontecimentos. Mas foi enorme a importância dessas publicações que, no momento, pedem edições fac-similares. Tenho mencionado as revistas brasileiras, mais página especial de jornal neste espaço, assim como tenho-me dedicado ao seu estudo há bastante tempo e até elaborado e publicado ensaio crítico: Noigandres e Invenção: revistas porta-vozes da Poesia Concreta. In: Revista FACOM-FAAP 16. São Paulo, FAAP, 2006 (em PDF, no Google). Há que se considerar, também, que a fase heroica da Poesia Concreta brasileira desenvolveu-se em época de plena euforia democrática, 2ª metade dos anos 1950 e prolongou-se até parte dos ’60, pois, a partir de 64, o Brasil se encaminha para uma ditadura, que recrudesceu a partir de dezembro de 1968 – já havia saído o 5º e último número de Invenção. Diversamente, a fase heroica, de luta da Poesia Experimental portuguesa se desenvolveu em época ainda de ditadura, anos 1960, constituindo-se numa espécie de foco de resistência com relação ao Regime. O fim da ditadura, em Portugal, com o 25 de abril de 1974, apanhou o experimentalismo português em pleno desenvolvimento e vai ver o surgimento de uma segunda geração de experimentadores. Portanto, as históricas, célebres “revistas” do experimentalismo português, vêm à luz em época de autoritarismo, ou mesmo apesar do, e como que anunciam uma nova era para Portugal. A experimentação portuguesa, em termos de revistas, já começou com formatos inusitados, assim como indiciou o internacionalismo que iria reinar nesses espaços/veículos gráficos. [Antecedentes das revistas experimentais, as próprias e depois, incluindo livros e outros tipos de publicação: ver texto de Melo e


Castro “As revistas de poesia das décadas de 50 e 60”. In: Literatura portuguesa de invenção. São Paulo: DIFEL, 1984, p. 78-94. Ana Hatherly. “Poesia Concreta”. In: Obrigatório não ver e outros textos de comunicação social (anos 1960-1980). Lisboa: Quimera, 2009, p. 22-27 - fala (texto) em um roteiro de programa na RTP 2 Lisboa, em 12.11.1978.] Vamos, então, à abordagem, mais técnica que crítica de apresentação das revistas, o que interessará principalmente a brasileiros aficionados da experimentação nas Artes em geral e particularmente na Poesia. .Poesia Experimental 1. Lisboa: António Aragão (Cadernos de hoje), 1964. Formato da capa-invólucro: 14,9 X 29,2 X 1 cm (pode haver diferença milimétrica entre um exemplar e outro dadas contração e expansão dos materiais, com o passar do tempo). São 90 páginas (pranchas – papel de baixa gramatura - com 2 dobras, o que resulta em 3 segmentos de folha com 6 páginas, de 14,7 X 27,2 cm). Organização António Aragão e Herberto Helder. Capa de Ilídio Ribeiro. Capa que vale por um cartaz, arrojada – pasta em cartão, que abraça pranchas dobradas e soltas: papel cinza com impressão vinho e preto – POESIA EXPERIMENTAL 1 – tudo em caixa-alta. Nos textos, há o predomínio do tipo futura claro, mas também aparece o negrito e tipo serifado. Páginas de 1 a 6: dados, citações-palavras de ordem (frases-aforismos sobre poesia, com seus respectivos autores,: Maiakóvski, Reverdy, Garnier e outros). Texto de abertura: uma parábola, um manifesto pela arte experimental – fala em metamorfose, experimentação, evolução de formas, a quantas veio a publicação. Não se filia a nenhum movimento – é simplesmente experimental. Ass. H. H. (Herberto Helder). Colaboradores: António Aragão, António Barahona da Fonseca, António Ramos Rosa, E. M. de Melo e Castro, Herberto Helder, Salette Tavares + antologia da tradição experimental. “POESIA EXPERIMENTAL 1º caderno antológico organizado por antónio aragão e herberto helder… abril de mil novecentos e sessenta e quatro.” “no próximo mês de outubro efectuar-se-á na ‘galeria divulgação’ em Lisboa uma exposição de VISOPOEMAS seguir-se-á uma outra sob o título de AUDIO-POEMAS e ainda um POEMA FÍLMICO.” Ana Hatherly, em depoimento de 1977, coloca-se enquanto criadora e lamenta a sua não-participação em Poesia Experimental 1: “Em Portugal as coisas seguiam um caminho que a mim não me

89


90

interessava particularmente, embora eu nessa altura estivesse a fazer um trabalho ainda bastante dentro das linhas tradicionais, mas era uma espécie de ganhar músculos para caminhadas mais longas, e finalmente quando o 1º número de Poesia Experimental estava em projecto, eu cheguei mesmo a mandar colaboração. Essa colaboração não foi incluída, por razões que não interessa agora aqui mencionar; eu não participei no 1º número por esse motivo. Participei no 2º e então já devia ter formado a minha “musculatura’ porque foi ela que me permitiu a caminhada até agora…” (A. Hatherly e Melo e Castro (org.) PO.EX: textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa. Lisboa: Moraes Editores, 1981, p. 19.) .Poesia Experimental 2. Lisboa: António Aragão (Cadernos de Hoje), 1966. Organização: António Aragão, E. M. de Melo e Castro e Herberto Helder. Capa de Ilídio Ribeiro: uma interessante composição de linha construtiva, sendo seu formato maior do que o das pranchas que contém, e possui furos, por onde deveria passar algo (metal ou fita de tecido) que viesse a amarrar, segurar o material constante. Formato: 19 X 29,5 X 0,9 cm. Capa-invólucro: cartão vermelho (verso pardo), com impressão em preto e prata – o texto, com arranjo gráfico perturbador POESIA EXPERIMENTAL (XPRMNTL: sem as vogais, que se tornam desnecessárias) DOIS, criando ambiguidade com a marca BOLS (logo do qual se apropria e re-cria) e, no que seria a quartacapa, texto de Lewis Carroll, em prata sobre o vermelho. Além dos colaboradores-poetas, traz, em separata, texto metalinguístico e exemplificação (notações) do músico Jorge Peixinho – “Música e notação”, único texto teórico da revista. Esse segundo e último número de Poesia Experimental já dá o grande salto internacionalista dessa nova poesia portuguesa, colocando-a, não apenas num confronto internacional, mas situando essa produção poética no contexto do Mundo. São colaboradores: Luiza Neto Jorge, Herberto Helder, José Alberto Marques, E. M. de Melo e Castro, António Barahona da Fonseca, António Aragão, Álvaro Neto, Ana Hatherly, Salette Tavares, Jorge Peixinho (Portugal). Pedro Xisto, Haroldo de Campos, Edgard Braga (Brasil). Mike Weaver, Ian Hamilton Finlay (Grã-Bretanha). Henri Chopin, Pierre Garnier (França). Mario Diacono, Emilio Villa (Itália). A revista é composta de Capa + cartão de rosto (14,5 X 27 cm – frente: nome e dados, verso índice de autores) + 13 pranchas + caderno-separata. Observa-se grande variação tipomórfica.


“o 2º caderno antológico organizado por antónio aragão, e. m. de melo e castro e herberto helder com separata MÚSICA E NOTAÇÃO de jorge peixinho. capa de ilídio ribeiro com texto de lewis carroll na contracapa.” “edições do autor – travessa da Fala – só – 15 – 2º esq. – b, Lisboa. maio de mil novecentos e sessenta e seis. composto e impresso nas oficinas gráficas da escola de artes e ofícios – funchal.” .O Suplemento Especial do Jornal do Fundão: POESIA EXPERIMENTAL, em 24.01.1965, saiu entre Poesia Experimental 1 e a de nº 2, e teve um importante papel na difusão da Poesia Experimental portuguesa. Consultei-o no sítio PO.EX – reprodução fac-similar e transcrições, mas estive com o original em mãos, na Livraria Ecléctica, pela generosidade de seu proprietário, o Sr. Alfredo Gonçalves. O Jornal do Fundão, editado na localidade do mesmo nome era, em verdade, um semanário. A organização do referido Suplemento esteve a cargo de António Aragão e E. M. de Melo e Castro. Em formato de jornal, são quatro páginas com textos teóricos e poemas. Colaboraram: E. M. de Melo e Castro, António Ramos Rosa, Álvaro Neto, Maria Alberta Meneres, Luís Veiga Leitão, António Barahona da Fonseca, José Alberto Marques, Herberto Helder, Salette Tavares, António Aragão e José Blanc de Portugal. A presença de poemas com espacialização especial levou a uma diagramação diferenciada, porém, em termos gráficos, o mais impressionante é a disposição do texto crítico de José Blanc de Portugal: Notas sobre a moderna poesia experimental portuguesa – fragmentos, que se dispõe transversalmente, em duas colunas ocupando o centro das duas páginas centrais do Suplemento, o que seriam as de números 2 e 3 – é texto de alguém que se simpatiza com a experimentação, texto culto, mas que pouco diz da poesia ali veiculada. Apenas quatro páginas de um suplemento de semanário, mas que valeram por uma revista! “O Jornal do Fundão sempre foi feito e publicado no Fundão que é uma pequena cidade da Beira Interior, a 20 km da Covilhã (que é a minha terra). Foi um foco de resistência no tempo do Salazar/ Marcelo Caetano. O proprietário e diretor era António PAULOURO, muito meu amigo e um grande jornalista. O jornal/semanário tratava de assuntos locais, principalmente da classe operária e rural e teve intervenção notável no desenvolvimento social e económico regional. Morreu já há alguns anos, mas o jornal continua com um sobrinho

91


92

dele. O Suplemento Especial da Poesia Experimental teve larga difusão porque ele enviava gratuitamente o jornal para todos os núcleos de emigrantes portugueses nos países europeus, no Canadá e USA.” (e-mail de 11.11.2015) .Operação 1. Lisboa: Edição dos Autores, 1967. Tiragem: 150 exemplares (se tanto). Formato: 35,6 X 50,6 X 1,2 cm. Caixa-pasta em papel-cartão e gravura (decalque/baixo-relevo) em material aderido ao cartão, material semelhante a lacre, a partir de matriz tipográfica de jornal. Não há duas capas iguais, ou seja, cada capa vem a ser objetoúnico (pude examinar 2 exemplares na Livraria Ecléctica). As capas são do artista plástico João Vieira. Segunda-capa, à esquerda o nome O P E R A Ç Ã O 1 e os créditos + dados da edição. Colaboradores: António Aragão: 2 cartazes. Ana Hatherly: Alfabeto estrutural. E. M. de Melo e Castro: Sintagramas. José Alberto Marques: Homeóstato. Pedro Xisto: 4 Epithalamia. Capas de João Vieira. Organização de E. M.de Melo e Castro. Ed. dos Autores. Lisboa 1967. Composição e impressão Tipografia do Jornal do Fundão. O que funciona como página de rosto repete o logo da revista e apresenta os poetas participantes, brevemente, em seus trabalhos, em três línguas: francês, português e inglês. As páginas são, em verdade, folhas soltas, cartazes, em formato 34,6 X 49,9 cm, em papel monolúcido (face acetinada e verso áspero). Essa revista vem a ser, de fato, uma exposição portátil. A cor aparece nos trabalhos de António Aragão (preto e vermelho). .Operação 2: estruturas poéticas. Fundão: Ed. de Autor, 1967. 54 páginas. Formato: 25 X ?? (ainda não tive acesso à edição original). “O número 2 e último desta série de publicações foi totalmente preenchido com o livro “Estruturas Poéticas” de Ana Hatherly de que aqui se reproduz o projecto/programa, que se reveste de particular interesse teórico, pois se trata de um dos primeiros exemplos de Poesia Conceptual.” (Ana Hatherly e E. M. de Melo e Castro (org.) PO.EX… obra supra citada, p. 75.) .Hidra 1. Porto: Ecma, MCMLXVI. 24,6 X 34,5 cm, 72 páginas + encarte. Organização de E. M. de Melo e Castro. Paginação e arranjo gráfico de Eduardo Calvet de Magalhães e de E. M. de Melo e Castro. Este primeiro número de Hidra, em formato livro, geralmente não conta com a consideração dos protagonistas da vanguarda portuguesa, dado o fato de a maior parte do material constante na


revista não poder ser classificado como “experimental”, apesar de trazer reeditado, como encarte, Mapa do Deserto, poema de 1962, de Melo e Castro. Nas colaborações (são 20 colaboradores): desenhos, poemas, ensaios. A capa é de autoria de João Vieira e se constitui num exercício caligráfico, pincel e tinta da china em que, a palavra “hidra” é grafada várias vezes, configurando-se quase que um texto ideogrâmico. Na quarta-capa, anúncio da TAP (Transportes Aéreos Portugueses), o que aparecerá, também, em Hidra 2. Declarou a mim, Melo e Castro, em e-mail de 17.11.2015 que apenas Hidra I teve o patrocínio da TAP e que o 2 foi todo feito artesanalmente por ele. Em PO-EX… op. cit., à página 89: “Nota: HIDRA-I, de 1966, não tinha características marcadamente experimentais, além da inclusão do vasto poema visual “MAPA DO DESERTO” de Melo e Castro.” Porém, entre os colaboradores estavam: António Aragão, Luísa Neto Jorge, Salette Tavares, entre outros. .Hidra 2. Lisboa, 1969. Distribuição Livraria Quadrante Lisboa Portugal. Espécie de pasta que abriga folhas soltas, papel branco e poroso, de baixa gramatura: os poemas – cartazetes, sendo que parte pode ser considerada de poemas-objeto, executados artesanalmente, com a agregação de materiais/colagem. Formato: 25 X 35,1 cm. A capa traz trabalho de linha construtiva de Melo e Castro, que assina maqueta e arranjo gráfico. Organização: E. M. de Melo e Castro. Colaboradores: Nei Leandro de Castro, um brasileiro potiguar, ligado, à época, ao movimento do Poema-Processo: Decomposição do NU. Liberto Cruz: Exercícios de fonética. José Alberto Marques: Texto matérico. António Aragão: Faça o seu avião. Silvestre Pestana: Atómico acto. E.M. de Melo e Castro: Sintagrama 67. A publicação é bastante arrojada, fazendo até lembrar aqueles álbuns coletivos com trabalhos executados artesanalmente e semiartesanalmente por artistas. Hoje, nós diríamos: livro-de-artista. Uma das mais belas publicações da “fase de luta” da Poesia Experimental portuguesa. O exemplar por mim consultado, por gentileza do Sr. Alfredo Gonçalves, da Livraria Ecléctica, estava incompleto, falha que sanei, consultando o sítio da PO.EX (CD-ROM) e o já citado volume organizado por Ana Hatherly e Melo e Castro que, à p. 89, traz a seguinte nota: “A novidade desta publicação (que também não passou do nº 2) é que incluía objetos reais propondo-os como ‘poemasobjecto’, tais como: carteiras de fósforos, balões de borracha, folhas de

93


94

exercícios escolares em stencil, posters desdobráveis e dobráveis, etc.” Examinar as edições originais dessas revistas (ou os fac-símiles, quando os houver) será importante e surpreendente. Tendo colocado a Melo e Castro algumas questões referentes às “revistas” da Poesia Experimental, em e-mail de 01.09.2015, escreveu-me ele: “Caro Omar Khouri “Sobre a chamada Revista de Poesia Experimental nº 1 publicada em 1964, foi de iniciativa do António Aragão e do Herberto Helder, que convidaram os outros colaboradores, entre os quais eu. A capa foi feita pelo Ilídio Ribeiro que tinha um sério gosto por artes gráficas e muito dinheiro, pois era filho de um dos maiores construtores civis dessa época em Portugal. O miolo foi impresso numa máquina de offset (então uma novidade) da Associação dos Alunos do Instituto Superior Técnico em Lisboa. “O nº 2 teve um nascimento mais atribulado. O Aragão e o Ilídio financiaram. Dado o escândalo do nº 1 e da repercussão internacional do Suplemento do Jornal do Fundão dedicado à Poesia Experimental e publicado em 1965, organizado por mim e pelo António Aragão, eu encarreguei-me de organizar uma representação de colaboradores internacionais. Mas o Helder não gostou da ideia... A capa foi também do Ilídio Ribeiro - usou um motivo da propaganda da Bols (creio que uma bebida alcoólica!) […]. Parte do miolo foi impresso no Funchal (Ilha da Madeira) e outra parte na tipografia do Jornal do Fundão. “Logo a seguir ao lançamento do nº 2 em 1966, o Herberto Helder publicou nos jornais uma nota em que se distanciava da Poesia Experimental porque os seus colaboradores ‘eram todos medíocres’. Eu tive uma nota de resposta escrita, em que perguntava ‘quem era esse Herberto Helder, pois eu não o conhecia...’ mas desisti de publicá-la, preferindo ignorar o assunto. Foi assim que não houve mais números, mas eu publiquei por minha exclusiva iniciativa a HIDRA e a OPERAÇÃO, embora com pequeníssimas tiragens, demonstrando que a ideia Experimental tinha pés para andar... o que realmente aconteceu, tanto com as nossas obras individuais como com o reconhecimento desse nº 2, como um marco decisivo da poesia portuguesa. Em breve, uma nova geração de poetas experimentais surgiu, afirmando-se com a publicação da antologia POEMOGRAFIAS, em 1985, organizada por Fernando Aguiar e Silvestre Pestana. Mas já em 1980 se tinha realizado


a exposição PO-EX 80, na Galeria de Arte Moderna em Lisboa, que revelou a um público mais amplo e novo, a razão de uma POESIA EXPERIMENTAL.” […] Essas importantes publicações, colocadas com inteligência pelo sítio Po.Ex, mais do que merecem, exigem edições fac-similares.

95



Fanopeia na Poesia Lusa

Foi uma praxe, pode-se dizer, quando se discorria genericamente sobre poesia e visualidade, pelo menos para os brasileiros paulistas puquianos (PUC-SP), falar-se em 3 tipos de ocorrência: 1. A da visualidade evocada pelas palavras, independentemente de sua escrita (ou mesmo num contexto ágrafo), o fenômeno da Fanopeia, como a colocava Ezra Pound: “a projeção de uma imagem na retina da mente”. 2. A da visualidade configurada pela escrita que, como a entendemos (a partir do surgimento das escritas fonéticas, silábicas e alfabéticas, que não foram as primeiras – estas primeiras foram figurativas, pictográficas) é a “contrapartida gráfica dos sons da fala”, ou seja, o texto (poético) escrito já ganha, necessariamente, a visualidade que o código lhe empresta – podem-se perceber aliterações, paronomásias, rimas, palíndromos num sistema de escrita (alfabético) no qual não se é iniciado, apenas por meio da observação das repetições gráficas (visuais), o mesmo valendo para o texto oralizado, com a necessária lentidão. Seria interessante que não nos esquecêssemos de que os símbolos alfabéticos fenícios, que desembocam no grego (símbolo, na Semiótica peirceana: signo que mantém com o seu objeto uma relação estabelecida por uma convenção) têm, na sua origem, pictogramas, ou seja, figurinhas (signos que mantêm com seu objeto uma relação de semelhança) como a do boi (Alef) e a da casa (Beth), por exemplo. Ana Hatherly, em belo, esclarecedor e didático texto: A reinvenção da leitura: breve ensaio crítico seguido de 19 textos visuais (Lisboa: Editorial Futura, 1975.), à página 5, escreve: “É preciso não esquecermos que a escrita alfabética é relativamente recente e que muito antes dela já se

97


98

estabelecia a comunicação por imagens. Assim, se quisermos estudar a origem da poesia como escrita dum texto, nunca a poderemos dissociar do seu aspecto pictórico. Percorrendo a história mundial das imagens produzidas pelo homem, encontraremos quase sempre paralelamente escrita e imagem, sendo muitas vezes uma a outra.” Daí, muitas vezes, nas práticas poéticas experimentais notarem-se tentativas, com bastante êxito, de reversão: do símbolo ao ícone (ao hipo-ícone imagem, melhor dizendo). 3. A visualidade quando entra como um propósito do poeta, do fazedor, e é esta 3ª ocorrência que interessa à poesia intersemiótica, visual, concreta, experimental. Porém, o 1º tipo de ocorrência nos fascina, porque descreve uma situação, supõe-se ali um certo realismo (semioticamente falando, é realista o signo, ou complexo sígnico, que evoca um objeto passível de ser existente, e o signo sempre representa, substitui, está no lugar de e o “realismo” não é algo dado, é construído, elaborado), como comparece nas descrições do haiku japonês: “uma paisagem com reflexão, em três linhazinhas”. Esteve no centro das preocupações do Imagismo, tendência da poesia em língua inglesa, do começo do século XX, e que teve como figura exponencial o estadunidense Ezra Pound. (A Fanopeia difere da descrição estática de algo, como geralmente ocorre no tipo de composição descritiva que é a ékphrasis, esta seria como que um tipo de “tradução intersemiótica”, pois o poema fanopaico parte de algo real, dinâmico, e o capta, captura com as palavras.) Ezra Pound falou em 3 tipos de poesia (Ezra Pound. ABC da literatura. Trad. De Augusto de Campos e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix, 1970, p. 63…): Melopeia - aquela em que predominam elementos musicais, Fanopeia - a que evoca imagens visuais, e a Logopeia - que ele descreve como “a dança do intelecto entre as palavras”. Geralmente, nos poemas, essas três modalidades vêm mescladas, mas com predomínio de uma ou outra. Um exemplo de poema onde a Fanopeia se configura fortemente é do próprio Pound e apontado como uma obra-prima do Imagismo: In a station of the metro The apparition of these faces in the crowd; Petals on a wet, black bough.

É de 1913 a sua primeira publicação. Vejamo-lo em tradução-


recriação, para o português, de Lara Werner em que, além da manutenção da eurritmia presente no original, a tradutora-poeta recupera a rima toante: Em uma estação de metrô O surgir dessas faces em bando; Pétalas em úmido, negro ramo.

Da rica tradição poética lusa, selecionei alguns exemplos de ocorrência fanopaica, de diferentes autores e épocas, porém, poderíamos encontrar muitos outros exemplos, igualmente ótimos: Luís Vaz de Camões (1524-1580) Esta primeira quadra de um magnífico soneto descreve a beleza de uma mulher e diz-lhe a cor dos olhos: qual seria? Quem vê, Senhora, claro e manifesto O lindo ser de vossos olhos belos, Se não perder a vista só com vê-los, Já não paga o que deve a vosso gesto. […]

Alguém conseguiria descrever (pelo que há e pelo que não há) um lugar, melhor do que isto (início de uma canção de Camões): Junto de um seco, fero e estéril monte, inútil e despido, calvo, informe, da natureza em tudo aborrecido; onde nem ave voa, ou fera dorme, nem rio claro corre, ou ferve fonte, nem verde ramo faz doce ruído; cujo nome, do vulgo introduzido, é Félix, por antífrase infelice; o qual a Natureza situou junto à parte onde um braço de mar alto reparte Abássia da arábica aspereza; […]

Olhos camonianos que comparecem em todos os oitos verso do

99


poema (como destacou magnificamente em trabalho Luiz Antônio de Figueiredo): Sem olhos vi o mal claro Que dos olhos se seguiu, Pois cara sem olhos viu Olhos que lhe custam caro. De olhos não faço menção; Pois quereis que olhos não sejam: Vendo-vos, olhos sobejam; Não vos vendo, olhos não são.

100

Manuel Maria Barbosa du Bocage (1765-1805) Cometimento fanopaico, mesmo sendo caricatural e jogando com hipóteses (poema, que, nos anos 1960, no Brasil, inspirou uma obraprima de Juca Chaves – lá, um autorretrato – Nasal sensual): Nariz, nariz, e nariz, Nariz, que nunca se acaba; Nariz, que se ele desaba, Fará o mundo infeliz; Nariz, que Newton não quis Descrever-lhe a diagonal; Nariz de massa infernal, Que, se o cálculo não erra, Posto entre o Sol e a Terra, Faria eclipse total!

José Joaquim Cesário Verde (1855-1886) De um poema, que já é uma obra-prima: Contrariedades, um verso que extrapola. É de uma brancura espantosa, este 1º verso [de estrofe], sendo que a referência é a uma pobre mulher a engomar roupas para fora, que ele observa e descreve: […] Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas! Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica. Lidando sempre! E deve a conta na botica! Mal ganha para sopas... […]


Fernando António Nogueira Pessoa (1888-1935) Poema de Abertura de um dos mais belos livros de poemas do século XX: Mensagem (publicado em 1934). O poeta, aí, pinta o mapa da Europa e, mesmo sabendo do emaranhado de confluências semânticas que o poema comporta, o que fica é a excelência da factura pessoana:

O DOS CASTELOS A Europa jaz, posta nos cotovelos: De Oriente a Ocidente jaz, fitando, E toldam-lhe românticos cabelos Olhos gregos, lembrando. O cotovelo esquerdo é recuado; O direito é em ângulo disposto. Aquele diz Itália, onde é pousado; Este diz Inglaterra onde, afastado, A mão sustenta, em que se apoia o rosto. Fita, com olhar sfingico e fatal, O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal. Em Plenilúnio (publicado em Portugal Futurista, 1917), Pessoa ele-mesmo, faz configurarem-se as três águas: Melopeia, Fanopeia e Logopeia, mas predominam as duas primeiras, sendo que a segunda, de modo notório e notável:

PLENILÚNIO As horas pela alameda Arrastam vestes de seda, Vestes de seda sonhada Pela alameda alongada Sob o azular do luar… E ouve-se no ar a expirar -

101


A expirar mas nunca expira Uma flauta que delira, Que é mais a ideia de ouvi-la Que ouvi-la quase tranquila Pelo ar a ondear e a ir… Silêncio a tremeluzir…

102

Há, também, exemplos notáveis de Fanopeia na poesia brasileira e poderíamos destacar poemas de Oswald de Andrade, Manuel Bandeira e Guilherme de Almeida, só para ficarmos com os modernistas do primeiro momento, da geração do luso Fernando Pessoa.


Anotações às Margens do Tejo: I

O Tejo pode não ser mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, mas o Tejo é o TEJO! Quem lê ou ouve uma única vez o poema de Pessoa/Caeiro, nunca mais o esquece e talvez venha a compreender que a Poesia “fala” uma língua especial, mesmo que a mesma. Poesia: a mais elevada forma de expressão verbal, ao mesmo tempo em que pode vir a ser a mais parcimoniosa. A Poesia, quebra as fronteiras do verbal e adentra outros códigos, mesmo sem sair do verbal. A Poesia pode ir além do verso, além do verbo e até configurar-se sem palavras. A poesia fala o inefável. § Ainda não bem me conscientizei de que estou à beira do Tejo… precisamente à margem direita do Rio, que é onde se situa Lisboa, de longínqua origem fenícia e que abraça, acaricia, não sufoca, não agride o Curso d’Água. Justamente nesta margem direita nasceu e, depois de uma certa ausência, voltou a habitá-la Fernando António Nogueira Pessoa, o Fernando Pessoa, o Pessoa que hoje repousa nos Jerônimos e que, representado em bronze faz a alegria de turistas que se querem fotografar ao seu lado, ali, em frente à A Brasileira do Chiado, à Rua Garrett, um café que era frequentado pela 1ª geração de modernistas portugueses, geração esta que fez a Orpheu, seus 2 números, no ano de 1915. O homem Pessoa produziu sua grande e múltipla obra nesta margem direita do Tejo. Como alguém ainda se atreve a escrever às margens do Tejo? Junto à margem direita do Tejo? Quem o saberá? Um talvez residual de energia…

103


§ Se não impossível, ficou difícil escrever poemas em Português depois da passagem de Fernando Pessoa por essas Bandas. Penso que a superação, de fato, dessa questão se deu com o Experimentalismo na Poesia Lusa, a partir dos anos 1960, caracterizado pelas incursões intersemióticas, multi e intermidiáticas e o seu cada vez maior internacionalismo. §

104

Exemplifiquei Fanopéia na Poesia Lusa… e prometi algo da brasileira. Porém, gostaria de estampar, aqui, duas peças-prodígio da Poesia em Língua Portuguesa, onde a festa é feita do encontro de Melopeia com Logopeia, uma da primeira metade do século XVI e outra da segunda do XX, mas que, em essência “tratam” do problema do EU: 1. Francisco de Sá de Miranda (1481-1558) e 2. Antonio Risério (1953-): 1. Comigo me desavim Sou posto em todo o perigo; Não posso viver comigo Nem posso fugir de mim. Com dor da gente fugia, Antes que assi crecesse; Agora já fugiria De mim, se de mim pudesse. Que meo espero ou que fim Do vão trabalho que sigo, Pois que trago a mim comigo Tamanho inimigo de mim? 2. POR MAIS QUE EU TENTE PÔR MENOS DE MIM HÁ DEMAIS NESSE TALVEZ E NEM SEI O QUE SEJA HAVER DEMAIS DE MIM NUMA VEZ TAL QUE VOZ NÃO TEM OU ENTÃO SOA AQUÉM E ALÉM DA LENDA QUE SOU


E, como prêmio, a célebre 1ª quadra da AUTOPSICOGRAFIA, de Fernando Pessoa, perpassada pela música e minada por armadilhas verbais: O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. […]

E agora, o fenômeno fanopaico no Modernismo Brasileiro de: A. Oswald de Andrade (1890-1954), B. Manuel Bandeira (1886-1968) e C. Guilherme de Almeida (1890-1969): A. LONGO DA LINHA Coqueiros Aos dois Aos três Aos grupos Altos Baixos B. A Realidade e a Imagem O arranha-céu sobe no ar puro lavado pela chuva E desce refletido na poça de lama do pátio. Entre a realidade e a imagem, no chão seco que as separa, Quatro pombas passeiam. C. MORMAÇO Calor. E as ventarolas das palmeiras e os leques das bananeiras abanam devagar inutilmente na luz perpendicular. Todas as coisas são mais reais, são mais humanas:

105


não há borboletas azuis nem rolas líricas. Apenas as taturanas escorrem quase líquidas na relva que estala como um esmalte. E longe uma última romântica — uma araponga metálica — bate o bico de bronze na atmosfera timpânica.

§

106

Mínima é a presença de mulheres na poesia mais experimental do Brasil, Poesia Concreta, melhor dizendo (e a razão disto, se é que alguma há, deve ser averiguada entre as poetas (as mulheres), não entre os protagonistas do Concretismo, que agora conta apenas com Augusto de Campos). Em Invenção 5 (1966-67) aparece Meretrilho, um poema admirável de Maria do Carmo Ferreira, poeta mineira que depois fez algumas raras aparições, com peças igualmente belas (nesses anos todos, não consegui localizá-la no Brasil. Num certo tempo, chegou a se corresponder com Samira Chalhub, que soube dela por intermédio de Décio Pignatari, que deu dela ótimas referências enquanto poeta – na época, e lá se vão uns 20 anos, ela elaborava papéis de carta e envelopes, com a técnica da colagem, e devo ter, ainda, um ou dois, de cartas que recebi de Samira). Mais recentemente, a partir dos anos 1970, surge a figura fortíssima de Lenora de Barros, que trilha entre a Poesia, propriamente, e as Artes Visuais, mas com grande domínio do verbo. Diferentemente, em Portugal, colocam-se com força, desde o início da Poesia Experimental, figuras como Salette Tavares e Ana Hatherly, além de outras que se seguem, mas cujo trabalho não teve a continuidade que teve o das primeiras. Já no Concretismo pictórico e no tridimensional, no Brasil, aparecem figuras de suma importância, tanto na “ala” paulista, como na “ala” carioca: Judith Lauand (1922-), Lygia Clark (1920-1988), Lygia Pape (1927-2004) e, ainda, Mary Vieira (1927-2001). Tivemos, em nosso Primeiro Modernismo duas figuras fundamentais na Pintura, que foram Anita Malfatti e Tarsila do Amaral, além de outras artistas cuja obra não teve a mesma repercussão. A portuguesa Maria Helena Vieira da Silva (1908-1992), desenvolveu uma importante obra, em grande parte fora de Portugal, tendo, inclusive, morado no Brasil nos


anos 1940. Grandes artistas mulheres atuaram nas vanguardas do 1º Modernismo e, na Rússia, aparecem muitos nomes, com trabalho admirável (Augusto de Campos as nomeia em poema-homenagem a Judith Lauand, em época mais ou menos recente), além daquelas que atuaram no Ocidente, como a ucraniana Sonia Delaunay-Terk (18851979), que teve passagem por Portugal, durante a 1ª Grande Guerra. No ano de 1913, havia colaborado, executando nos exemplares do livro desdobrável de Blaise Cendrars - La prose du transsibérien et de la petite Jehanne de France - suas “cores simultâneas”.

107



As Origens da Poesia Experimental em Portugal

Pesquisando em fontes primárias, em bibliografia e contando com depoimentos de protagonistas da Poesia Experimental, certifiqueime de que, além de questões não tão bem assentadas sobre quem deu o start para tal processo, há discordâncias não-conflituosas quanto à motivação primeira, quanto à fonte de onde foram hauridas informações que iriam resultar no movimento português. O AlémMar, onde se situa o Brasil, com o Grupo Noigandres (e outras americanidades não cultuadas por uma e outra ala dos iniciadores do processo, com relação ao estadunidense Ezra Pound que, de qualquer modo, terá alguma influência sobre toda a Poesia que se segue a ele no século XX, direta ou indiretamente), ou a própria Europa, tendo o suíço-boliviano Eugen Gomringer como figura maior? Dúvida não há quanto ao papel de grande divulgador dessa poética experimental (a Poesia Concreta e seus desdobramentos) que foi Ernesto Manuel de Melo e Castro (1932-), figura onipresente no desenrolar do processo, durante décadas. Vamos nos ater, neste texto, a falas ou escritos de protagonistas. No catálogo da representação portuguesa à XIV Bienal de São Paulo, em 1977, há um texto histórico-crítico de E. M. de Melo e Castro, que apresenta a “Poesia Experimental Portuguesa”, texto que é reproduzido em A. Hatherly e Melo e Castro (org.) PO.EX: textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa. Lisboa: Moraes Editores, 1981, p. 9-10: “Quase toda a Poesia Experimental Portuguesa produzida a partir do início da década de 60 se pode inscrever dentro de uma denominação

109


110

geral de POESIA ESPACIAL, uma vez que as suas coordenadas visuais são dominantes. De fato foi e é no campo das experiências visuais e espaciais do texto, considerando como matéria substantiva de que o poema se produz, que a pesquisa morfológica, fonética, sintáctica e semiológica se projectou e projecta. “Dois acontecimentos antecedem o aparecimento em Portugal de manifestações originais da Poesia Experimental: primeiro, a rápida visita a Lisboa de Décio Pignatari em 1956 (sem resultados significativos) após o seu já histórico encontro com Gomringer; segundo, a publicação em 1962, pela Embaixada do Brasil em Lisboa, de uma pequena mas excelente compilação de Poesia Concreta do Grupo Noigandres – São Paulo – Brasil (ano em que eu próprio publico Ideogramas, reunindo poemas de 1961). “Em Portugal nunca houve, no entanto um grupo organizado de poetas concretos, tendo a Poesia Concreta interessado a determinados poetas em determinada altura, como via de alargamento da sua pesquisa morfossemântica. Assim, podem até assinalar-se exemplos esporádicos de poemas com uma coordenada visual, ou com uma organização na página, tanto em Mário Cesariny de Vasconcelos como em Jaime Salazar Sampaio ou em Alexandre O’Neill, na década de 50. Mas é o Experimental da Década de 60 que virá a ser propriamente criativo, e servindo até (centrando-se em Lisboa) de Difusor da Poesia Concreta, principalmente para o Reino Unido”… Augusto de Campos (1931-), em e-mail de 18.08.2015, respondendo à minha pergunta sobre Alberto da Costa e Silva e a antologia Poesia Concreta, escreveu-me: “A antologia foi editada por iniciativa do Alberto da Costa e Silva, então Secretário da Embaixada. Ele já havia publicado, anteriormente, uma antologia grande sobre a poesia brasileira. A publicação da antologia de p.c. em 62 foi muito importante, porque provocou o interesse de Melo e Castro e dos poetas que vieram a integrar a Poesia Experimental portuguesa. Uma carta dele ao Times Literary Supplement suscitou, por sua vez, o interesse dos britânicos. O escocês Ian Hamilton Finlay me escreveu convidando-me para colaborar no seu jornal literário, menos que uma little magazine, um tablóide de poucas páginas, e aí começou o contato com outros como Stephen Bann, Edwin Morgan e que acabou resultando nas primeiras exposições de p.c. no Reino Unido, na publicação dos brasileiros no Times Literary


Supplement, em setembro de 1964, etc etc. Longa história.” É célebre a carta que Melo e Castro enviou e que foi publicada no Times Literary Supplement, de 25 de maio de 1962 (original em inglês, traduzido pelo Autor), reproduzida à página 216 de PO.EX…, obra supra-citada: Poesia, Prosa e a Máquina Sr. Diretor Li com muito interesse o artigo “Poesia, Prosa e a Máquina” de um correspondente especial publicado no número de 4 maio do seu jornal, mas não posso deixar de ficar surpreendido por ele não ter mencionado o cada vez mais importante movimento da Poesia Concreta que, sendo oriundo do Brasi,l chega agora a Portugal. De fato, a Poesia Concreta é uma bem sucedida experiência de escrita ideogramática ou diagramática e também de criação poética precisamente nas linhas referidas pelo correspondente. Este tipo de experiência propõe-se substituir o método tradicional da comunicação descritiva por um modo visual compacto e ideogramático de criar e comunicar relações complexas e subtis entre ideias, imagens, palavras, coisas, etc. A Poesia Concreta está a despertar uma onda de interesse tanto no Brasil como em Portugal especialmente entre os jovens e os mais avançados poetas. E. M. de Melo e Castro Também protagonista, Ana Hatherly (1929-2015), além de poeta e artista plástica, fez importantes pesquisas sobre a origem remota da visualidade na Poesia Lusa e possui inúmeros escritos que tratam dessa história: “A simultaneidade do seu aparecimento [da Poesia Concreta] com Gomringer na Europa e o Grupo Noigandres no Brasil – embora o seu acordo básico nos pontos fundamentais, assumindo como antecessor o ‘Coup de Dés’ de Mallarmé, as teorias de Fenollosa e Pound sobre o ideograma chinês e ainda a Teoria da Informação, as técnicas de comunicação de massa, teorias científico-matemáticas, etc., há diferenças entre estes dois polos e são elas que vão depois dar origem aos diversos caminhos que seguiram outros praticantes e teorizadores da poesia concreta. “Enquanto no grupo brasileiro, que em Portugal influencia particularmente o trabalho de E. M. de Melo e Castro, se torna saliente

111


112

a infiltração do lirismo do ideograma e a fidelidade aos princípios de Mallarmé, com sua particular incidência nos aspectos da espacialização do texto e a sua relação com a música, que vem tornar o poema uma autêntica partitura, na Europa, a influência das artes plásticas, sobretudo via Bauhaus, é mais forte. Não esqueçamos que Gomringer foi secretario de Max Bill e que a influência que a arte de vanguarda post-cubista exerceu nos diversos campos de criação artística foi decisiva. Assim, enquanto o grupo brasileiro, que possuía talvez menor vocação gráfica, evoluiu de um lirismo-cientista até atingir a crítica social e a sátira (tendência de certo modo herdada, com o idioma, da veia lusitana do escárnio e maldizer), acabando por assimilar alguns aspectos da Pop-Art, para os concretistas europeus, sobretudo os germânicos e os anglo-saxões, a importância do aspecto formalmente visual acaba por impor-se e até sobrepor-se ao aspecto literário, com ramificações importantes para a exploração das zonas fónicas da língua, reatando assim com a tradição de vanguarda (embora estes termos possam parecer incompatíveis) em que língua, som, imagem se confundem, derrubando declaradamente as fronteiras entre as artes. “Nessa linha europeia se inscrevem mais nitidamente os meus próprios trabalhos, culminando com ‘Mapas da Imaginação e da Memória’ e ‘O Escritor’, mas das obras dos concretistas e paraconcretistas portugueses falei extensamente no ensaio intitulado ‘Elementos para uma Investigação da Poesia Experimental nos anos 60/70’.” […] “Quando em 1959 publiquei no Suplemento ‘Artes e Letras’ do Diário de Notícias de Lisboa, o primeiro artigo crítico sobre a poesia concreta e também o primeiro poema concreto dum autor português que se publicava entre nós…” […] (Ana Hatherly. A reinvenção da leitura: breve ensaio crítico seguido 19 textos visuais. Lisboa: Editorial Futura, 1975, p. 14-15.) O texto de Ana Hatherly, publicado no Diário de Notícias de Lisboa, em 17.09.1959, traz reproduzidos 3 poemas, sendo o terceiro considerado o 1º poema concreto português. Acontece que, na referida publicação, o poema saiu desformatado, sendo que a sua forma original foi recuperada apenas bem posteriormente, assim como o artigo não teve quase repercussão no momento em que foi dado a público. Ana Hatherly e alguns estudiosos posteriores costumam colocar Melo e Castro como seguidor do “grupo brasileiro” e ele nunca, ao


que me consta, contestou tal afirmação publicamente. Pelo contrário: em diversas ocasiões chamou a atenção para a importância que tiveram os brasileiros do Grupo Noigandres para a emergência da Poesia Experimental portuguesa e manteve contato com os poetas Décio Pignatari, Augusto e Haroldo de Campos, mas principalmente com este último, com quem manteve correspondência epistolar. Penso que Melo e Castro, na sua exuberância enquanto produtor de linguagem, prolífico poeta, um dos grandes experimentadores da poesia mundial do século XX e adentrando o XXI, enxergou, de cara, as afinidades que existiam entre o racionalismo exacerbado do Trio Noigandres e o seu, com sua formação como engenheiro têxtil, assim como percebeu o aguçado senso gráfico daqueles poetas, que vinham de uma cidade efervescente que era e ainda é São Paulo de Piratininga. Prova de seu cerebralismo é o magnífico Soneto Soma 14 X, que é datado da 1ª metade dos anos ’50, mas que foi publicado apenas em 1963 (e é esta a data que conta), em seu livro Poligonia do Soneto, à página 38 (Lisboa: Guimarães Editores, 1963). Soneto que parodia toda a tradição do soneto, enquanto forma fixa de grande sucesso e das preferências da Lírica – e o homenageia, pois toda paródia acaba por elevar a o objeto parodiado. Vem a ser dos mais importantes sonetosanti-soneto produzidos em 100 anos. Na secura numérica, tal como se apresenta, dialoga com o Fisches Nachtgesang (Canto Noturno do Peixe), do início do século XX, de Christian Morgenstern, que constrói a peça com a utilização, rigidamente estruturada, do macro e da bráquia (sinais gráficos que indicam vogal longa ou breve). Melo e Castro, figura onipresente no Experimentalismo português, acabou por seguir, e durante décadas de produção, sem descair, caminho próprio. Além de poeta, teórico/crítico e promoter, foi um dos responsáveis pela divulgação do Movimento da Poesia Concreta, principalmente no Reino Unido, como ele-mesmo admite. A internacionalização esteve no centro das cogitações da Poesia Concreta/Experimental. Melo e Castro e Ana Hatherly não são os únicos, mas vêm a ser os mais aplicados críticos e estudiosos de Poesia dentre os Experimentais históricos de Portugal, os mais brilhantes e prolíficos. Ela mais didática, ele mais técnico, ambos, de suma importância enquanto poetas e teóricos.

113



Anotações às Margens do Tejo: II

Entre Lisboa e São Paulo há um Oceano e uma Serra, a do Mar. Isto quer dizer que uma enorme distância se verifica entre o Tejo, um rio ibérico, mas a Cara de Portugal e o Tietê, um rio totalmente paulista e que diferentemente do Tejo, que desce de Espanha e entra no mar em Portugal, o Tietê, que é a Cara de São Paulo, nasce próximo ao maroceano e deságua em outro rio, o Paraná, depois de rumar Noroeste pelo Estado. O Tejo parece ter menos problemas que o Tietê que, antes de se tornar um grande rio, contamina-se de dejetos humanos e detritos industriais e chega a morrer na Pauliceia, entre envenenado e sufocado pela urbe, para renascer mais adiante. As cinzas do historiador paulista Sérgio Buarque de Holanda (de mocinho, representante de Klaxon no Rio de Janeiro e ensaiando ficção) não foram depositadas no Tietê, como ele desejou, pois a família considerou o rio, na altura da capital, indigno de recebê-las, e tinha razão. Só não fiquei sabendo se foram lançadas mais adiante, na região de Jaú, por exemplo, em que o curso d’água já se avolumou e apresenta uma melhor aparência. Lisboa não sufoca, acaricia o Rio. Lisboa foi centro de convergência das ansiedades modernistas lusas e de sua irradiação, assim como das façanhas da Poesia Experimental. São Paulo iniciou a revolução modernista no Brasil e foi berço da Poesia Concreta. § Houve aproximação entre fazedores de diferentes áreas em torno de algum projeto ou por pura afinidade e comunhão de ideias, algumas ideias: poetas, músicos, artistas plásticos, tanto em Portugal

115


116

como no Brasil (e em muitos outros lugares) - desde antes, mas principalmente a partir dos Modernismos - reunidos ou não em torno de uma revista, como foi o caso de Orpheu, em Portugal e Klaxon, no Brasil. Colaborações entre artistas da palavra, do traço, da cor. Alguns poetas aparecem, também, como artistas plásticos e estes como poetas, nos vários momentos: é o caso de Almada-Negreiros, Lenora de Barros, Willys de Castro, Tadeu Jungle, Melo e Castro, Arnaldo Antunes, Fernando Aguiar, Ana Hatherly, Emerenciano, António Nelos, por exemplo, mostrando, quando não a ruptura de fronteiras entre as Artes, a elasticidade das mesmas. E houve artistas plásticos que até poderiam ser chamados de poetas visuais, já que cumularam de grafismos, alfabéticos ou não, os seus trabalhos. No Brasil, poderíamos citar Wesley Duke Lee, Ubirajara Ribeiro, Mira Schendel, Rubens Gerchman, e o mais-que-admirável Arthur Bispo do Rosário, com suas peculiaridades. Em Portugal temos como autor das capas de Poesia Experimental 1 e 2 Ilídio Ribeiro. João Vieira foi o autor das capas de Hidra 1 e Operação 1. Hidra 2 teve capa e projeto gráfico a cargo de Melo e Castro, que pode, além de poeta, ser considerado um artista plástico de linha construtiva. Poetas como Décio Pignatari e Augusto de Campos tiveram importante papel em planejamento gráfico e elaboração de capas. Pignatari, grande olho (tipo) gráfico é autor da capa de Noigandres 1 e de algumas outras que ficaram na história, como a do livro Um e Dois, de José Lino Grünewald e o das traduções de Cantares de Ezra Pound, além de projetos gráficos de livros inteiros, como o Soma, de Edgard Braga. As capas de Invenção, que repetem o desenho da de nº 1, com variação de cor, também são ideia de Décio Pignatari. Noigandres 4 (1958) teve capa de Hermelindo Fiaminghi, tendo sido executada pelo próprio artista, em serigrafia – Fiaminghi teve, também, grande participação na preparação gráfica de poemas para exposições. Alfredo Volpi (1896-1988), um artista nascido em Lucca, Itália, mas desde criança morando no Brasil, era uma unanimidade entre artistas plásticos e poetas: teve um seu trabalho reproduzido de modo aproximado na capa de Noigandres 5 e foi apontado pelos poetas como “o primeiro e último pintor brasileiro”. Volpi, chegou a financiar várias edições autônomas de poemas de seu amigo Ronaldo Azeredo. Alexandre Wollner (1928-[2018]), artista plástico e designer visual, que estudou na Hochschule für Gestaltung, e que é autor dos cartazes da 3ª e 4ª Bienais de São Paulo, foi o planejador gráfico da página “Invenção”,


no Correio Paulistano (de janeiro de 1960 a fevereiro de 1961). Houve, de fato, desde os anos 50, uma aproximação, que continuará nos 70, a qual, além dos concretos históricos (sempre a produzir), incluirá os “intersemióticos” e afins, das novas gerações. § Julio Plaza (1938-2003), espanhol chegado ao Brasil na 2ª metade dos anos 1960 e que rumou para Porto Rico, onde ficou, acompanhado da esposa, a artista plástica Regina Silveira, por alguns anos, acabou por se radicar em São Paulo, na 1ª metade dos anos 1970. Num certo período, Julio Plaza – podemos dizer – mais aprendeu que ensinou, ele que possuía um know-how invejável em termos de métodos e técnicas em artes plásticas/gráficas e se interessou por Poesia, a que especificamente já era praticada em São Paulo, desde os anos 1950, época do nascimento da Poesia Concreta, que muito evoluiu e se transformou com o passar do tempo, além dos projetos individuais que se foram configurando, como o de Galáxias (1963/64-1976), de Haroldo de Campos, por exemplo. Julio Plaza, em fins dos anos 1960, na oficina de Julio Pacello, havia editado Objetos, livro-de-artista constituído de pranchas que se abrem e deixam configurar formascores, e para o qual Augusto de Campos, solicitado, fez um poema que se integrou a um dos “objetos” - e não uma apresentação, como se haveria de esperar - obra esta que desembocaria em Poemóbiles. Na volta de Porto Rico (1973) e seu estabelecimento na cidade de São Paulo, Julio Plaza se associa a Augusto de Campos, donde brotará um trabalho importantíssimo para a Poesia, as Artes Plásticas e as Artes Gráficas do Brasil: Poemóbiles, 1974, cuja 1ª edição foi por eles mesmos custeada (houve + duas edições dessa obra), Caixa Preta, 1975, constituída de poemas de Augusto de Campos e trabalhos de Julio Plaza, sendo alguns em colaboração e além disso, constava um disco, um compacto simples, 33 RPM, com a oralização (-musicalização) de dois poemas de Augusto de Campos por Caetano Veloso. Em 1976, saiu o ReDuchamp, livro com texto de Augusto de Campos sobre Marcel Duchamp, com imagens elaboradas por Julio Plaza. Um quarto trabalho, que partiria de trechos do “Inferno de Wall Street”, de Sousândrade, chegou a ser pensado e iniciado, mas não prosseguiu. Plaza trabalhou com planejamento gráfico e diagramação, fez capas de livros, cartazes de exposições etc. Fez importantes curadorias,

117


118

como a da Arte Postal, na 16ª Bienal de São Paulo, em 1981 e a de Videotexto na 17ª, participou de projetos do MAC-USP, na época em que foi diretor o grande crítico e promoter Walter Zanini. Foi professor na FAAP e na ECA-USP, onde ajudou a formar muitos artistas, hoje importantes. Do 2º semestre de 1978 ao 1º de 1981, esteve, com Regina Silveira, Donato Ferrari e Walter Zanini, à frente de um Centro de Estudos: o ASTER, por onde passaram muitos importantes artistas plásticos e poetas e intelectuais, com cursos de curta duração, espécie de “escola dos sonhos”, mas, dada a área em que veio a se localizar (Bairro das Perdizes, São Paulo), zona então puramente residencial, enfrentou dificuldades e teve de fechar. Fez uma exposição nos 70, que foi das melhores coisas que São Paulo já viu: LO(A)S MENINO(A) S, em que dialogou com Velázquez. De artista de linha construtiva, para artista conceitual, poeta intersemiótico, teórico, a pesquisador das novas tecnologias, Plaza não quis, a partir de um certo momento, diálogo com galerias e críticos e praticamente se isolou, dedicandose ao ensino, a seu trabalho com novas mídias e à nova família que veio a constituir. Sua competência gráfica foi algo notório e notável. Do seu maravilhamento pelas palavras, nasceram vários trabalhos, no limite mesmo entre Poesia e Artes Plásticas, trabalhos estes em que explorou paronomásias, palíndromos etc. Plaza, além de ter feito planejamento gráfico de algumas importantes revistas, como Qorpo Estranho e Através, esteve presente com trabalhos, quase-sempre inéditos, em revistas que estiveram à margem do sistema editorial brasileiro, como Código, Qorpo Estranho, Artéria, Zero à Esquerda e outras. Viabilizador de projetos, Julio Plaza está ligado, além dos já citados, a edições de trabalhos, como os livros de poemas de Décio Pignatari (Poesia Pois É Poesia) e Augusto de Campos (Viva Vaia), por editora comercial (Duas Cidades) e o livro-objeto Oxigênesis, edição de autor (STRIP), de Villari Herrmann. Esteve à frente de trabalhos em Videotexto (Arte pelo Telefone), de onde saiu sua dissertação de Mestrado. Teorizou sobre livro-de-artista e arte e tecnologia, porém, seu texto teórico mais conhecido é o Tradução Intersemiótica em que, partindo da sugestão de Roman Jakobson, desenvolve sua tese de Doutorado, aplicando a Semiótica peirceana. Julio Plaza foi dessas ótimas aquisições que o Brasil fez de gente de fora. Plaza conta com excelente companhia: Giovanni Castagneto, Eliseu Visconti, Lasar Segall, Grigori Warchavchik, Alfredo Volpi, Clarice Lispector, HansJoachim Koellreutter, Ernesto de Fiore, Frans Weissmann, Tomie


Ohtake, Manabu Mabe, Yoshiya Takaoka, Joaquim Tenreiro, Lothar Charoux, Kazmer Féjer, Mira Schendel, Fernando Lemos… País de imigração, muita gente de fora, dedicada às artes, radicou-se no Brasil. § Um belo livro dos anos 1920, no Brasil, foi o Pathé Baby (1926), de Antônio de Alcântara Machado (1901-1935) – [A. de A. Machado. Pathé Baby. Edição fac-similar. São Paulo: Secretaria Estadual da Cultura, 1982.] O livro traz prefácio de Oswald de Andrade, o que é bem sintomático, pois é uma espécie de filho da prosa oswaldiana, que havia se configurado em 1923-24, com o Memórias sentimentais de João Miramar, mas difere, primeiramente porque é menos concisa, sem deixar de sê-lo e, em segundo, porque o livro-em-si forma um todo, de par com o que de gráfico nele comparece: da tipografia às ilustrações, perfeitamente integradas ao texto, de Antônio Paim Vieira (18951988), um artista plástico que, de viés, havia participado da Semana de Arte Moderna de 1922, ao lado do historiador e trocista Yan de Almeida Prado. E tudo se relaciona com Cinema, a começar pelo título da obra: Pathé Baby era o nome de um projetor de filmes de 9,5 mm e o livro, motivado por anterior viagem de Alcântara Machado à Europa, apresenta-se inteiro relacionado ao Cinema, e os desenhos de Paim Vieira abordam uma tela de cinema e um conjunto musical abrindo cada secção do livro (anunciando as sessões), sendo que modificações vão sendo observadas até ao final. O texto é primoroso enquanto composição, em grande parte, paratática, o que faz com que aquela prosa se aproxime da poesia. Alcântara Machado chega a fazer parte da equipe que levou adiante a Revista de Antropofagia, a mais radical das revistas de nosso 1º Modernismo. Sua principal obra, porém, é o internacionalista Pathé Baby e não outros textos em que pinta histórias que se passam na Pauliceia. Muito já se disse que o Cinema havia ficado (como ficou) fora da Semana de 22 – explicação plausível não é difícil de se dar: simplesmente não havia pessoas ligadas a cinema entre os que planejaram e participaram da Semana, mas a arte da Cinematografia (que nasceu na efervescência da virada do século XIX para o XX e que já levava multidões às salas) era muitíssimo apreciada por todos, e o seu elogio comparece no Editorial do nº 1 de Klaxon. O livro Pathé Baby não contou muito com consideração por parte dos concretistas, já que havia maior radicalidade, além da anterioridade, na

119


obra de Oswald de Andrade, mas penso que deva ser apontado como um passo importante para a valorização da coisa gráfica no Brasil (é também considerado o melhor trabalho de Paim Vieira, que não era propriamente um modernista) e do livro em colaboração inteiro (como já vinha acontecendo), como que antecipando essa prática do “livro-de-artista” e apresentando relação inclusive com a poesia intersemiótica. Leiam-se os textos de Valêncio Xavier, sobre o Pathé Baby, Valêncio (1933-2008) - um experimentador da prosa, autor do romance-invenção O mez da gripe - na revista Cult 47: “Cinema escrito”. Também, o texto “A grafia imagética de Antônio de Alcântara Machado”, da escritora e crítica de literatura Neiva Pitta Kadota, na revista FACOM 10. É preciso rever Antônio de Alcântara Machado, via Pathé Baby, um belo livro modernista. 120


Reuniões de Poetas e doutros Criadores (alguns lances)

Tanto na Europa como na América (de Sul a Norte), poetas e artistas em geral discutiam procedimentos, praticavam a crítica (= discernimento) e bebiam e comiam e até se agrediam verbal e/ou fisicamente (entre os gregos, havia, além de conversas ao ar-livre e até aulas que eram ministradas a caminhar, as reuniões em que assuntos propostos eram “trabalhados”, enquanto se bebia vinho, mais ou menos diluído com água, daí, sympósion, que significa ocasião em que “se bebe junto”) e não à toa há o célebre texto de Platão, Sympósion, traduzido como O Banquete, em que o assunto escolhido para se discorrer sobre foi o Amor. Bem, saltemos mais de 2 milênios! Em fins do século XIX e inícios do XX, alguns lugares ficaram famosos por terem dado o ensejo a reuniões de artistas e poetas em particular: bares, restaurantes, residências (antecedidas pelos “salões”, também em residências) etc. Em Lisboa, não se pode esquecer, no 1º Modernismo, de A Brasileira do Chiado. O Martinho da Arcada, na arcada da Praça do Comércio (Terreiro do Paço), frequentado por muita gente célebre antes, mas, em especial, por Almada Negreiros e Fernando Pessoa – de lá, a pouco mais de 100 metros, corre o Tejo, em direção ao Atlântico, que está bem próximo: uma esticada de olho e vê-se o Rio. Esses Cafés ficaram na História e ainda estão a funcionar e a atrair, por pura curiosidade, letrados e não-letrados do Mundo todo, sendo que os aficionados da Poesia têm como que a ilusão de estarem a aprisionar um residual de energia… No Brasil, em São Paulo, o berço do Modernismo brasílico, ficaram famosas casas que se dispunham a receber poetas e artistas em geral, dos inícios do século XX, a parte dos

121


122

anos 1940: a Vila Kyrial, do Senador Freitas Valle (mais de transição que propriamente modernista), a de Paulo da Silva Prado (que chegou a hospedar o poeta suíço-francês Blaise Cendrars, que esteve no Brasil pela primeira vez em 1924), a de Dona Olívia Guedes Penteado (com seu “Salão Modernista”), a de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral (que abrigava o mais famoso quadro da série Tour Eiffel, o de 1911, de Robert Delaunay, e que pertenceu à pintora) e a de Mário de Andrade, sendo esta última a única remanescente, porém, sem o acervo do escritor-polígrafo que, em grande parte, encontra-se no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo. É claro que outras casas chegaram a receber criadores, mas sem a importância das acima citadas. As reuniões informais (houve, também, as mais formais, para tratar de assuntos específicos, mas predominaram as informais em que especificidades poéticas e de edições também eram assuntos tratados), a partir dos anos 1970, aconteceram com bastante frequência em casa de Augusto de Campos, à Rua Bocaina, nas Perdizes, São Paulo. Uma casa (em verdade, um apartamento) que teve fundamental importância para a Poesia brasileira nos anos 70 e 80. O poeta e sua esposa Lygia de Azeredo Campos reservavam um tempo considerável de suas vidas para receber pessoas interessadas em Música, Pintura, Poesia, Artes Plásticas e Gráficas, Cinema etc, e que sabiam da importância e da sabedoria de Augusto. Os anfitriões tinham essa disposição e lá o assunto principal girava em torno de Poesia e outras artes, tendo a Música um lugar especial nas conversas. De Caetano Veloso e Walter Franco a John Cage, de Julio Plaza e Regina Silveira a Geraldo de Barros e Hermelindo Fiaminghi, de Décio Pignatari e Ronaldo Azeredo a Paulo Miranda e Walter Silveira e Lenora de Barros e Tadeu Jungle e Júlio Mendonça e Arnaldo Antunes. Grande divulgador, também, o Augusto de Campos, pessoa muito informada quanto à produção internacional e brasileira de arte de invenção. Era costume os poetas, com suas edições-de-autor, ou seja, autofinanciadas, deixarem vários exemplares de seus trabalhos com o poeta, que os passava adiante, para os frequentadores da casa. A residência de Augusto de Campos, em cerca de duas décadas, desempenhou, em São Paulo, o mesmo papel que as acima mencionadas, só que por muito mais tempo, em época de não-sectarismo. E já se estava vivendo o momento da 2ª geração de experimentadores no Brasil que, como em Portugal, se mescla com os da 1ª, que continuaram atuantes e inventivos. A


casa-ateliê de Julio Plaza e Regina Silveira, na região do Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, à Rua Baronesa de Bela Vista, onde o casal se estabeleceu quando da volta de uma longa estada em Porto Rico, recebeu também, além de artistas plásticos do Brasil e de fora (coisa que Regina faz até hoje), muitos poetas, jovens e menos jovens, e eles chegaram até a fazer trabalhos em colaboração, como os que Julio Plaza fez com Augusto de Campos e que marcaram as Artes Gráficas no Brasil. Houve, em São Paulo, um centro de estudos das Artes, chamado Aster, criado por Julio Plaza, Regina Silveira, Donato Ferrari e Walter Zanini, que funcionou de 1978 a 1981 e que foi uma espécie de “escola dos sonhos” e que teve de encerrar suas atividades por estar localizada em área exclusivamente residencial, à época. O Aster abrigou muitos encontros de poetas e artistas plásticos, e Zero à Esquerda, publicação coletiva da Nomuque Edições foi, em grande parte, impressa serigraficamente lá, na base do “ateliê livre”. Alguns bares e casas, na capital e no interior (Pirajuí, Presidente Alves, Bauru) serviram de local de encontro dos poetas “intersemióticos”. Com o fechamento do Aster, resolvi montar, em um corredor de meu apartamento, à Rua Dona Veridiana, em São Paulo, uma mesa tosca de serigráfica que era, também, “estúdio” de gravação de matriz serigráfica e isto possibilitou, milagrosamente, a feitura das Artérias 5 e 6, sendo que a de nº 6 foi a revista de mais longa gestação na história da cultura brasileira: mais de 10 anos, do projeto ao lançamento, e as sessões de impressão, como no Aster, eram um misto de canseira e alegria, com muita gente comparecendo (certa vez, eu + Sonia Fontanezi, em conversa com Décio Pignatari em um bar, ele meio de mal com a vida disse, referindo-se à alegria de fazer: - Preferiria eu, mil-vezes, estar naquele corredor da sua casa imprimindo com vocês. E Décio nunca havia ido à minha casa, mas tinha ouvido falar de nossos encontros e impressões serigráficas, que agora reconhecemos: dali saíram pequenas edições primorosas! Hoje, em torno da bissexta Artéria, ainda acontecem, de raro em raro, encontros em que se discutem assuntos relacionados à Poesia. Em minha troca de e-mails com os históricos Augusto de Campos (1931-) e Melo e Castro (1932-), ambos atuantes e residindo em São Paulo, lancei-lhes a questão das reuniões e obtive respostas. Vejamolas:

123


Omar Khouri (02.12.2015) - Caríssimo Augusto Cá estou eu, de novo, a incomodá-lo com coisas do passado! Nos anos 1970 e 80, sua casa (ap. da Bocaina) foi o lugar mais importante de reuniões não-sectárias de poetas e outros fazedores. Gostaria de saber onde vocês - em época que existiram como “grupo”, nos anos 1950 e 60 - se reuniam para discussões, trocas de informações, apreciação de novos poemas. Abraços-mil, também para Lygia Omar, o Khouri

124

Augusto de Campos (15.12.2015) - Caro Omar, principalmente na Rua Cândido Espinheira, 635, onde residíamos Haroldo e eu com nossos pais. Décio vinha de Osasco, chegava no sábado e pernoitava em casa, voltando no domingo. Menos frequentemente íamos a Osasco. Depois, nos bares com os pintores, Instituto dos Arquitetos, Clube dos Artistas, Museus de Arte e Arte Moderna, casas de uns e outros pintores, residência de Haroldo, minha, na Cândido Espinheira 866, Décio, nas Perdizes, Homem de Melo, Rua Diana (se não me falha a memória), etc. Abraços Augusto Omar Khouri (10.11.2015) - Caro Melo e Castro Sei que os poetas experimentais portugueses não se constituíram em “grupo”, o que implica não-sectarismo. Mas, gostaria de saber onde se reuniam, quando era necessário: em algum bar ou restaurante? Na casa de alguém dentre os poetas? Abraços Omar Melo e Castro (10.11.2015) – Caro Omar Khouri Nós nos reuníamos em Lisboa num café perto do Saldanha chamado Monte Carlo ou numa pequena pastelaria mesmo na Praça Saldanha: a Paraíso. Ambos já não existem. Ou em outras pastelarias ao acaso. Nunca constituímos um grupo como por exemplo os Surrealistas-Abjeccionistas, no café Gelo, no Rossio, onde se reuniam todos os dias para coscuvilhar... Nós trabalhávamos cada um em sua casa!


Mesmo faltando alguns dados para esta pesquisa, principalmente no que se refere a Portugal (Lisboa), encerro, por aqui, este texto, esperando poder completá-lo em breve. Acabo de me lembrar das residências (foram, pelo menos, 3) do casal Samira Chalhub e João Jorge Rosa Filho, em Vila Mariana, São Paulo que, em décadas, ocasionalmente, recebia gentes do intelecto e da sensibilidade para jantares, regados a boa comida, bebida e conversa (de Décio Pignatari e Haroldo de Campos, a Melo e Castro e José Saramago. Foi numa dessas ocasiões, em 1976, que ouvi de Décio Pignatari um dos três elogios que chegou a me fazer – disse ele: - Você é autor da mais bela página, da melhor revista que se faz hoje no Brasil. Tratava-se de uma de minhas erotografias, que acompanhava tradução de epigrama de Marcial, por Luiz Antônio de Figueiredo e Ênio Aloísio Fonda, na revista Qorpo Estranho 1, cujo projeto gráfico era de Julio Plaza e a edição de Régis Bonvicino et alii), da PUC-SP, um centro universitário que esteve na vanguarda da divulgação da poesia mais avançada que se fazia no Brasil e no Mundo (Décio Pignatari e Haroldo de Campos exerceram, lá, a docência, assim como Samira Chalhub e Lúcia Santaella, que levou adiante os estudos relativos à Semiótica peirceanas, revelada no País por Décio Pignatari), de bares de São Paulo onde poetas se reuniam com alguma constância, mas mencionarei apenas um, por ora: O Krystal Chopps, à Rua Cardoso de Almeida, esquina com a Dr. Homem de Melo, nas Perdizes, que é onde foi lançada, em 15/16 de julho de 1975 (noite mais fria dos últimos tempos, em São Paulo), o nº 1 da revista Artéria. Estavam presentes: Augusto de Campos, Carlos Valero, Paulo Miranda, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Luiz Antônio de Figueiredo, Hermelindo Fiaminghi e Omar Khouri. E foi no mesmo local, muitos anos depois que ouvi de Décio Pignatari o seguinte: Pois é, nós fizemos todo um rastreamento crítico, elaboramos todo um paideuma, falamos sobre o melhor do melhor e agora estamos nas mãos dos medíocres! Não ousei, para evitar sobressaltos, perguntar quem seriam os “medíocres”. É claro que não se resolvem os destinos do Mundo numa festa ou numa mesa de bar, porém, muitas ideias transformadoras podem iniciar o seu trajeto revolucionário a partir dessas ocasiões, desses lugares.

125



Necessárias Teorias para as Artes (paráfrases)

Teorias: Os Humanos pensam sobre, exigem explicações e basta, para certificar-se disto, atentar, nas crianças, para a fase dos porquês. Daí, a ânsia das generalizações… Algumas teorias são tão abrangentes que acabam por não se conter nos limites dos objetos para os quais foram criadas e atingem outros campos, servindo de instrumental de análise e nada mau se se tiver o devido cuidado na aplicação. É o caso dos textos teóricos/críticos de Ezra Pound, plenos de aforismos, para ou pensando na Literatura (em verdade, na Poesia que, para ele, não era bem literatura), mas que se aplicam para todas as Artes, como a apresentação das categorias de criadores (ele diz escritores), aquelas seis, a saber: inventores, mestres, diluidores, bons escritores sem qualidades salientes, belles lettres e os lançadores de modas. Às vezes, surge a dúvida (principalmente em sala-de-aula) de como diferenciar um inventor de um lançador de moda – a questão, em verdade, não apresenta complicações, já que o inventor opera na estrutura da linguagem e o lançador de moda, na superfície. Os inventores são os que, de fato, trazem algo novo cuja absorção por parte do grande público é lenta e, via de regra, indireta (diluição daquilo que foi invenção chega antes e penetra com maior facilidade, vindo a fazer parte do repertório do fruidor). Mestres são, segundo Pound, aqueles que combinaram processos introduzidos por outrem (os inventores) e realizaram obra atingindo e até ultrapassando o grau de excelência. Conclui-se, daí, (e Pound foi inventor e mestre) que a arte nem sempre é inovadora, podendo ser apenas reiteradora de um certo grau de excelência das obras. O diluidor reduz, rebaixa o repertório, em

127


128

comparação com obras de inventores e mestres, porém, isto não quer dizer, necessariamente, que seu trabalho seja algo desprezível – há diluidores de alto repertório. Já os bons escritores (criadores) sem qualidades salientes são os que operam no horizonte da medianidade e são aqueles que produzem a maior parte do que é produzido em todas as Artes, num dado período. Essas categorias, porém, se entrecruzam e um mesmo criador poderá fazer parte de duas ou mais: inventor, mestre e até diluidor da própria obra, por exemplo. Bem, o que mais nos interessa, aqui, é a categoria dos inventores, que são os que apresentam o primeiro exemplo (a sua obra) de um novo procedimento e, portanto, são aqueles que adentram a linguagem por meio da qual operam, e agem em sua estrutura – porque têm conhecimento da tradição – sendo, portanto, pesquisadores, buscadores que enfrentam os riscos de tal aventura e assumem as suas descobertas, que podem resultar diretamente desse trabalho, incluindo o aproveitamento do Acaso. Este, como alguns já apontaram, estará sempre a rondar essa procura e é preciso ter repertório para percebê-lo e valorizá-lo e se utilizar dele. O pesquisador da linguagem, o produtor de linguagem, o designer da linguagem (Décio Pignatari, referindo-se ao poeta) possui um repertório tal, uma abertura tal que percebe a ocorrência-acaso, compreende-a e a incorpora, quando considera que é o caso. Então, experimentação e invenção estão intimamente ligadas – o inventor é um experimentador que chega a resultados que podem implicar subversão, modificações profundas na estrutura da linguagem: revoluções. Essa coisa de dizer que toda arte é experimental, senão não seria arte, não se sustenta - 1º porque é arte (objeto artístico) aquilo que é encarado e consumido enquanto tal, daí termos arte barata, arte de médio e altíssimo repertório, pois, o que chamamos Arte se corporifica nas chamadas obras de arte - portanto, um objeto pode ser artístico, sem que nele haja inovação, propriamente, e alguém o encarará como tal e ele cumprirá, para aquele repertório particular o que uma obra carregada de alta informação cumprirá para outro (imagine-se uma obra de Maliévitch, um poema de Cummings, uma peça de Schoenberg): toda mensagem (incluindo as artísticas, é claro) informa, dependendo do repertório de quem a recebe; 2º assim como os estraga-festas diriam: “Mas a poesia não foi sempre intersemiótica?” ou “A arte não é sempre experimental?”, diríamos: “A intersemioticidade aí referida é um propósito e não um acerto ao


acaso” e “Toda arte é experimental apenas se se considerar que o exercício artístico está certamente cercado pelo acaso e que o artista deverá sempre lutar contra, domar esse acaso ou incorporá-lo, até”. Via de regra, o inventor, o artista pesquisador tirará proveito desse acaso que poderá ser a mola-mestra da invenção. Daí que a invenção norteou as vanguardas do Modernismo e vem até os dias atuais (com menos estardalhaço, porém) em que o esforço mais se concentra na compreensão, domínio e utilização de novos meios/novas linguagens, propiciados por essa revolução silenciosa do digital/virtual. Não à toa os concretistas brasileiros, em fins dos 50 e inícios dos anos 60 escolheram o nome Invenção para sua segunda revista (a primeira havia sido Noigandres, nome que chegou a ser tido como palavramistério e estar em poemas de dois inventores: o poeta provençal Arnaut Daniel, século XII e, no séc. XX, o estadunidense Ezra Pound) e os poetas da vanguarda lusa, o nome Poesia Experimental (dois números) à sua revista (1964-66). É claro que, quando os poetas falam de poesia/arte experimental, estão a considerar as altas esferas das manifestações artísticas. Experimentação envolve risco: “Poesia é risco”, Augusto de Campos, pois, para ele, Poesia tem de adentar o território da invenção, do desconhecido. Muito embora, em última instância, para Ezra Pound, os manifestos acabam sendo inúteis (pois se constituem em crítica antecipadora feita pelos próprios criadores, sendo que os resultados sempre superam as propostas), são muito importantes, à medida que deixam explícito que o artista é um ser que possui consciência de linguagem. Mais importante do que pensar na exequibilidade de propostas, é tê-las enquanto projeto. E toda obra nova, feita ou pretendida, exige uma maneira nova de encarar o objeto artístico e, em certo momento – mormente quando é dada à luz (quando a obra é publicada) - a crítica estabelecida é apanhada sem instrumental adequado para abordá-la; daí, a necessidade de os próprios produtores (artistas) fazerem a reflexão sobre, ou seja, a metalinguagem. Nas vanguardas dos anos 50, 60 e até 70, vemos a melhor metalinguagem feita pelos próprios artistas-poetas: um misto de exposição de projeto, esclarecimentos até didáticos e agressividade contra o establishment. Daí, tantos textos/manifestos que, a partir de um outro momento, quase que desaparecem e, retornando, podem até tomar a feição de grandes volumes, que nem são passíveis de grandes contestações, como esses que apregoam a necessidade de se

129


130

trilhar os caminhos das novas mídias/novas linguagens. O que se observa, porém, é uma verdadeira mistura de meios e linguagens, sendo que o artesanal se mescla ao industrial e ao digital, época em que ganha relevo e destaque o leitor e em que se buscam caminhos para uma maior interatividade, de fato. Vejam-se, por exemplo, as mostras de artecnologia- crianças e adolescentes (pois já nasceram dentro dessa realidade) dominam a manipulação dessas máquinas com trabalhos que permitem uma certa interatividade. Daí que, ressaltada a dimensão lúdica, a revolução que se processa passa como que despercebida para a grande maioria. Nossa leitura-do-mundo está condicionada pelo nosso repertório, assim, a nossa leitura dos complexos sígnicos artísticos ou não-artísticos. Mesmo havendo um repertório comum, patrimônio de toda uma comunidade ou sociedade, cada indivíduo apresenta a sua singularidade repertorial e essas peculiaridades é que permitem tantas leituras de uma mesma obra (coisa que a Semiótica peirceana explica brilhantemente, quando adentra a questão do Interpretante, que é parte integrante do Signo). Uma leitura pobre ou empobrecedora de uma obra é uma leitura reles, simplesmente: o signo (a obra, o complexo sígnico) estará à espera de um leitor ideal, que fará uma leitura satisfatória, porém, nunca completa, jamais definitiva, mesmo que venha a satisfazer os aficionados e a sociedade em geral, por muito tempo até. Bem, certa vez, comentei com Augusto de Campos sobre a dificuldade que apresenta a leitura do Plano-Piloto para Poesia Concreta (1958), ao que ele, discordando, disse-me: - O texto é didático. É claro que os manifestos têm de ser necessariamente didáticos, pois criticam uma situação, direta ou indiretamente, e fazem propostas com algum grau de novidade e são publicados, ou seja, querem que se saiba o que pretendem os signatários daquele texto, panfleto, manifesto. Sim, do modo como as ideias são colocadas no Plano-Piloto, podemos considerá-lo didático, mas para um leitor de alto repertório específico nas coisas das Artes em geral e da Poesia, em particular, pois são muitos os conhecimentos ali veiculados. O mesmo se pode dizer do livro-manifesto do poeta Ernesto Manuel de Melo e Castro A Proposição 2.01: Poesia Experimental (1965), em que assuntos – tendo a Poesia no centro de tudo – são colocados didaticamente, porém, percebe-se que é para um leitor de altíssimo repertório – ao final do volume, uma antologia exemplificadora do experimental em


Poesia. Num clima de entusiasmo pela invenção e perspectiva de mudanças para toda a Sociedade, é “natural” que se nivelem as coisas por cima. - A massa ainda comerá do fino biscoito que fabrico. Oswald de Andrade dixit.

131



Anotações às Margens do Tejo: III

O Tejo em Portugal é o Tejo. Não é o Tajo, nem o Tagus. É o Tejo. Sente-se pelo olfato, ao dele se aproximar, quando está baixo. Quando está alto, invade os degraus da rampa que, do Terreiro do Paço (Praça do Comércio), sob as vistas de D. José I (protegido por três bandas de arcos), dão acesso a ele e imita o mar, lançando suas ondas nervosas a assustar turistas. Gaivotas sempre a rondar, ora mais ora menos, às vezes agitadas a fazer voos rasantes. O Tejo. O mar-oceano lhe fica próximo e dita-lhe certas condutas. O Tejo deu e dá Literatura! § Tanto em Portugal como no Brasil, houve e há encontro de gerações, por afinidade artística. No âmbito da experimentação, os nascidos a partir de fins dos anos 1920, inícios do anos 1930 e um pouco mais, continuaram produtivos e corajosos (coragem artística, coragem intelectual) e receptivos com relação aos mais novos, que veem nos mais velhos seres paradigmais e desfrutam desse convívio raro e gratificante. Podemos afirmar que chegamos à 3ª geração de experimentais, d’Aquém e d’Além Mar. Figuras como Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Ronaldo Azeredo, Edgard Braga a conviver com Paulo Leminski (este, ainda um adolescente nos anos 1960, esteve com seus ídolos e chegou a ter poemas publicados em Invenção 4 e Invenção 5. Leminski - 1944-1989 – não chegou a ser um “concretista”, propriamente, mas sempre um experimentador antenado, cultivando a amizade dos históricos), Lenora de Barros,

133


Paulo Miranda, Omar Khouri, Walter Silveira, Tadeu Jungle, Aldo Fortes, Júlio Mendonça, Arnaldo Antunes, Gil Jorge, João Bandeira, André Vallias… Em Portugal, figuras como Melo e Castro, António Aragão, Salette Tavares, Ana Hatherly, José-Alberto Marques em contato com Alberto Pimenta (também um teórico importante), Silvestre Pestana, António Nelos, Fernando Aguiar, António Barros, [António Dantas], Manuel Portela, Rui Torres… Esse convívio existiu (e ainda existe) e, desconhecendo idades, colocou lado a lado poetas de gerações diferentes, que tinham como propósito sondar o novo, experimentar, enfrentar o risco. § 134

Diferentemente do que foi apregoado nos anos 50 e 60 pelo pessoal adverso à Poesia Concreta, esta apontou para uma grande abertura (para a frente) no exercício poético, o mesmo acontecendo com a Poesia Experimental em Portugal. Grande parte do que ora se observa, em termos de uma poesia mais condizente com o hoje, vem dessas práticas poéticas que se desenvolveram nos anos 50 e 60, com seus textos críticos, seus manifestos, podemos até dizer: com sua militância poética. Apreciar revistas como Invenção, do nº 2 ao 5, Poesia Experimental 1 e 2, Operação 1, Hidra 2 é ver que aquelas práticas poéticas apontavam para o futuro e para a valorização de novas tecnologias, novas linguagens (e nisto, os concretistas de São Paulo foram pioneiros, já nos anos 1950) e um internacionalismo, a começar pela questão da visualidade e convívio com gentes de todos os lugares, nos contatos pessoais e nas publicações. E nisto, a ânsia internacionalista em Portugal é tão ou mais notória que no Brasil. § Em texto publicado primeiramente em 1984, Haroldo de Campos interpreta aquela atualidade como uma época Pós-Utópica (Haroldo de Campos. “Poesia e Modernidade: Da Morte da Arte à Constelação. O Poema Pós-Utópico.” In: O Arco-Íris Branco: ensaios de literatura e cultura. Rio de Janeiro: Imago, 1997, p. 243-269). Se Baudelaire, que inaugura a Modernidade, ainda opera com formas da tradição poética, Mallarmé, com o Un coup de dés jamais n’abolira le hasard


(1897), já é um pós-moderno – então, num tempo em que as utopias (entendidas como projetos alternativos, como expectativas de mudanças futuras) minguaram, melhor seria chamá-lo pós-utópico. E explica: o que norteava os grupos de vanguarda históricos era a Utopia – esta lhes dava sustentação - “Sem perspectiva utópica, o movimento de vanguarda perde o seu sentido. Nessa acepção a poesia viável do presente é uma poesia de pós-vanguarda, não porque seja pós-moderna ou antimoderna, mas porque é pós-utópica” (Campos, 1997: 268). E mais: “Ao projeto totalizador da vanguarda, que, no limite, só a utopia redentora pode sustentar, sucede a pluralização das poéticas possíveis. Ao princípio-esperança, voltado para o futuro, sucede o princípio-realidade, fundamento ancorado no presente” (p. 268). Nós vemos destacando-se, nessa “pluralização das poéticas possíveis”, como que uma poética de ponta, representada por aqueles que fazem uso adequado das novas tecnologias/novas linguagens, de par com o “conceitual” em Arte, com todas as suas facetas. § O advento do Concretismo poético no Brasil foi traumático e acabou por entrar como um divisor de águas na Poesia etc do País. E, por falar nisto, a Poesia Concreta no Brasil, criou inimizades duradouras, gente furiosa, em vários âmbitos, mormente na Faculdade de Letras da maior universidade do País, a USP. A Poesia Experimental portuguesa também causou escândalo e chegou a plantar inimigos. As pessoas têm medo de enfrentar aquilo que não conhecem ou conhecem mal ou não compreendem. Têm medo de ter de rever seus conceitos e posições, têm medo de perder o seu objeto de indagações ou vê-lo desvalorizado e combatem o que não conseguem de fato compreender. Essa briga, no Brasil, durou muitas décadas e vai perdurando, embora arrefecida, enquanto protagonistas de um lado e de outro estiverem vivos. Quanto à influência, até inimigos acabaram por se render – sem reconhecer publicamente o fato - a certos procedimentos próprios da Poesia Concreta. A não articulação de um grupo, propriamente, em Portugal, entra como uma das diferenças notórias entre o que houve na Terra Brasilis e em Território Luso. Tendência da agregação, no Brasil, com formação de grupos, com maior ou menor sectarismo: do Concretismo (Ruptura e Noigandres, 1952) e ao Neoconcretismo e

135


Poema-Processo e, no caso de Portugal, a dispersão, mesmo havendo afinidades entre vários criadores. Em Portugal, o agrupamento dos experimentais se deu mais em torno de revistas e, portanto, coisa do efêmero, sem plataformas de ação que fossem endossadas por todos, propriamente: manifestos a várias cabeças e muitas mãos. Manifestos, houve, desde o editorial de Poesia Experimental 1 (1964), porém, sempre a trazer a assinatura de um dos criadores (é claro que subentende-se que os outros viessem a concordar com o que estava sendo expresso), o mesmo no Suplemento Especial do Jornal do Fundão, de janeiro de 1965. Publicações causaram escândalo, em Portugal, houve muita reação adversa.

136

§ Uma coisa interessante a se notar foi a duração do Grupo de Concretista de poetas de São Paulo (que compreendeu, também, dois cariocas, podendo ainda ser considerados um alagoano e um pernambucano): enquanto grupo, foi dos que mais duraram na História dos Modernismos, no Mundo. O Grupo Noigandres, formado em 1952, adentrou os anos 60, até à publicação de Invenção 5 – inícios de 1967. Porém, apesar das diferenças cada vez mais evidentes dos trabalhos dos poetas (sempre a comportar experimentação), continuaram a defender certas bandeiras, mesmo não mais se constituindo em grupo, propriamente (o texto “Teoria da Guerrilha Artística” [1967], de Décio Pignatari, que ele credita, também, a Augusto de Campos, traz essa preocupação com relação a uma poesia/arte que se mantém experimental). Essa forte amizade e confluência, até certo ponto, de interesses poéticos, durou até à morte de quase-todos – sobrevive, e em plena atividade, Augusto de Campos. § Ezra Pound, poeta e crítico, tradutor e promoter estadunidense teorizou sobre crítica e críticos de modo aforismático, sem rodeios elucubrativos. Apontou tipos de crítica e de crítico e, destes, diz que os melhores são os que colaboram para melhorar aquilo que criticam (crítica = discernimento) e, a seguir, os que enfocam o melhor da produção poética. E a função da crítica: uma delas seria a de antecipar


a obra de arte, mas essa crítica tem cabido a poetas/artistas e são, na verdade os manifestos: plataformas de ação. Pound diz, enfim, que é o tipo de crítica inútil, pois, por um lado, é feita pelos próprios “atores” que farão a demonstração e que o que resulta é sempre superior à proposta. De qualquer modo, muitos manifestos tiveram importante papel em muitas das poéticas do século XX, e em todas as Artes. Por outro lado, muita coisa ficou em discussões, conversas, sem ir ao papel, coisas que eram faladas em reuniões de poetas e artistas em geral, fossem onde fossem. Redigir um manifesto já significa sistematizar, de algum modo as ideias para torná-las inteligíveis e públicas. Mesmo que alguém não assine um dado manifesto, estará com ele a concordar, se aceita participar da mesma revista, exposição, apresentação musical etc. Sectarismo existe se se aceita participar de projetos, mesmo não constituindo aquilo que se chama de “grupo”, que é algo mais organizado, digamos, e com propósitos aceites e até obra com grande afinidade formal, ou seja, há uma renúncia parcial e temporária com relação ao projeto individual, em prol do projeto coletivo, do grupo (veja-se texto supra citado, de Haroldo de Campos). E manifestos tiveram vez e voz principalmente dentro dos Modernismos. Depois, houve uma espécie de arrefecimento no âmbito de propostas de linguagem. O Manifesto de Fundação do Futurismo (1909), de Filippo Tommaso Marinetti (1876-1944), pesou sobre todos os outros que vieram depois. Estamos no território da “política das artes”. O Plano-Piloto para Poesia Concreta (1958) é o mais famoso manifesto brasileiro, fora do Brasil. § Poesia Experimental, o Experimental – vejamos o que disseram três dentre os “históricos”: .Herberto Helder, em Poesia Experimental 1, 1964: Em princípio, não existe nenhum trabalho criativo que não seja experimental, nesse sentido de que ele supõe vigilância sobre o desgaste dos meios que utiliza e que procura constantemente recarregar de capacidade de exercício. A linguagem encontra-se sempre ameaçada pelos perigos de inadequação e invalidez. É algo que, no seu uso, se gasta e refaz, se perde e ajusta, se organiza, desorganiza e reorganiza – se experimenta. Como diria um poeta, essa

137


é a própria lição das coisas. .António Aragão em Jornal do Fundão, Suplemento Especial, de 24.01.1965: A posição experimental é francamente uma posição de movimento. Uma poesia experimental, visual, verbal, táctil ou auditiva, essa poesia saída das máquinas ou dos jornais, não admitem fronteiras para o espírito, nem desprezam qualquer técnica para o seu conseguimento. Por isso mesmo não se pode pretender fazer a análise de uma poética nitidamente experimental usando um instrumento crítico inadequado ou fabricado sobretudo para o conhecimento de estruturas convencionais.

138

.E. M. de Melo e Castro em Jornal do Fundão, Suplemento Especial, de 24.01.1965: A Arte Experimental é genericamente uma tendência para a reestruturação sistemática dos métodos e razões da criação artística integrada no tempo tecnológico e no espaço vivencial em que nos encontramos. É assim que se pode dizer que toda a arte nasceu e nasce sempre experimental, só deixando de o ser quando cessam as suas motivações existenciais. § Essa coisa de se dizer “Tal tendência esgotou suas possibilidades de…” tudo se esgota, ou seja, cumpre o seu papel enquanto portador de informação, daí, acaba e/ou continua naquilo que tem de continuar, pois já entrou na corrente sanguínea do pensamento global. A radicalidade (que implica risco) é a mãe da invenção. Poderse-ia considerar que toda arte é experimental, à medida que o fazedor – em posse dos conhecimentos da tradição, que ele aciona – tem de lutar com o acaso (ou até incorporá-lo). Em verdade, nem sempre a Arte é inovadora e/ou quase sempre reitera uma excelência ou dilui “protótipos”. O experimental se expõe ao perigo porque sempre lida com a incerteza, mas desafia o risco do abismo. E acrescenta.


Contatos entre Criadores etc

Se foram raros (raros, não inexistentes) os contatos Brasil-Portugal em termos da Poesia e da Arte em geral, a partir do século XIX, no Brasil é quase inexistente o contato entre os vários grupos/vertentes da Poesia Visual, como é genericamente denominada a poesia que, entre outros recursos, utiliza a visualidade (gráfica, cromática etc.) como elemento de ordem estrutural. No caso, por exemplo, da Bahia, foi diferente: considerando a revista Código lá editada, de 1974 a 1990, por Erthos Albino de Souza (1932-2000), engenheiro e poeta, que mais publicou em revistas, tendo sido pioneiro na utilização da linguagem computacional – ainda, o sistema Fortran – para a poesia, obtendo ótimos resultados, assim como, desde os anos 1960, colaborava, em pecúnia, com publicações que diziam respeito ao Concretismo paulista - quase-sempre com Antonio Risério (1953-) desempenhando importante papel de co-organizador e que despontou nos ’70 como menino-prodígio, inteligência extraordinária e grande talento para a Poesia, que praticou visualidades e fez uma das mais belas peças da Lírica em Língua Portuguesa: “por mais que eu tente pôr menos de mim…”, conhecedor, como poucos, do Concretismo paulista. Código foi uma importante publicação, chegando, prodigiosamente, ao nº 12! e era intimamente ligada a São Paulo, em especial a Augusto de Campos. No caso de Paulo Leminski, também: operando a partir de Curitiba, Paraná, a mesma ligação por afinidade de pensamento e amizade – o autor do Catatau pouco praticou visualidades e fez a sua revolução de linguagem construindo uma prosa poética que já entrou para a História, porém, até hoje mal-digerida no Brasil. Em

139


140

Curitiba, Leminski organizou muitos números do Suplemento Pólo Cultural Inventiva, que veiculava o melhor da produção brasileira de fins dos ’70. Essas são, portanto, exceções. Mas, porque essa falta de contatos num mesmo país? Tento responder à questão: 1º por ser o Brasil um país de dimensões continentais (mais de 8,5 milhões de km2), os contatos presenciais ficam difíceis, assim como apreciação de exposições, que essa poesia é, por natureza, exponível. 2º o predomínio Rio-São Paulo acaba por obrigar artistas em geral a mostrar seu trabalho nessas metrópoles, para que possam “acontecer” para o País, sendo que nem sempre os próprios artistas desses centros têm acesso aos media. Por outro lado, seria altamente positivo o desenvolvimento de outros centros irradiadores da produção artística brasileira, o que está a acontecer, muito embora esse desenvolvimento venha se processando com muita lentidão. O milagre da Internet não é garantidor de contatos ou de trânsito da informação em 100%. 3º A rivalidade existente – ainda – entre São Paulo e Rio de Janeiro. Tendo sido São Paulo o berço da Poesia Concreta (precedida, entre outros importantes processos, pelo Movimento de 22) e o centro irradiador de uma produção rigorosa e informada, e também pelo fato de ser a Pauliceia a capital econômica do Brasil, é vista como dominadora e atravancadora do desenvolvimento de outros Estados, quando, em verdade, a eternização de elites regionais tem sido a responsável pelo não-desenvolvimento local. (O Rio de Janeiro, como já colocou Décio Pignatari, representa a síntese entre um Brasil ruralista e um Brasil industrializado sendo, portanto, mais aceito). Se São Paulo está com o dinheiro, como tem sido dito, o dinheiro não está com os poetas de São Paulo, que a própria mídia impressa simplesmente ignora. Poetas paulistas, principalmente os experimentais, que possuem afinidade com o Concretismo, são excluídos de eventos por poetas experimentais de outros Estados e outras linhagens (há exceções). O caso do PoemaProcesso, que se desenvolveu a partir da 2ª metade dos anos 1960, foi mais flagrante: poetas paulistas não eram admitidos e/ou desejados. Ficamos sabendo de eventos envolvendo o que comumente se chama de Poesia Visual, quando já aconteceu. De qualquer modo, fica a questão aí, para ser pensada. Nós, da Nomuque Edições, que também nos tornamos impressores, nunca contamos com patrocínios: nossas edições eram e são autofinanciadas na base da canalização de parte de nossos salários e, todos sabemos, edições autofinanciadas nunca


dão retorno financeiro, bem porque a distribuição, sendo por demais precária, não propicia o ressarcimento dos custos, e nem é computado o fator-trabalho, que sai de nós-mesmos. A Nomuque Edições viveu, em certos momentos, um verdadeiro comunismo - e isto eu estou a dizer pela primeira vez – sem teorias, viveu, sem se auto-classificar, um verdadeiro sistema de cooperativa. É claro que o trabalho de edição/ seleção envolvia um certo sectarismo. Em Portugal, país com menos de 100 mil km2, porém, complexíssimo, não se observou rivalidade entre cidades, como no Brasil e teve Lisboa como centro de irradiação do experimentalismo em Poesia, mas muita coisa aconteceu e acontece fora da capital: eventos de grande importância. Acredito que seja possível e é preciso romper com o monopólio exercido culturalmente pelos maiores centros populacionais do Brasil. A Poesia, as Artes, antes de tudo. .E. M. de Melo e Castro a mim - e-mail de 10.11.2015: Não, não houve nenhuma rivalidade entre Lisboa e Porto [as duas maiores cidades de Portugal], por várias razões. A primeira é que nunca houve nenhum grupo constituído, nem em Lisboa nem no Porto, nem em Coimbra, nem no Funchal (Madeira). O [António] Aragão e o Herberto Helder eram naturais da Madeira, mas isso nada influiu na criação da revista experimental. É certo que os dois tiveram um projecto juvenil de fazerem uma revista que certamente nada teria de experimental. Quando anos depois os dois se reencontram em Lisboa, o Aragão teve a ideia original de fazerem uma revista experimental para a qual convidaram os colaboradores do 1º número, em 1964. No 2º número, de 1966, eu entrei como um dos organizadores, responsável pelas colaborações internacionais. Mas o centro irradiador foi sempre Lisboa, onde também se realizou o 1º happening português, organizado pelo músico Jorge Peixinho e outras exposições das quais a mais importante foi na Galeria de Arte Moderna de Belém, em Lisboa, 1980, onde surgiu a sigla PO-EX, que dura até hoje. § Radicalizar: não há outra atitude para os que se empenham em chegar a algo novo. Elegem-se valores – buscam-se os pais artísticos e intelectuais – e todo o resto é refugado, independentemente de

141


um certo valor que possa conter. Essa revisão, de modo a achar e apontar e valorizar a qualidade onde quer que ela esteja é coisa de maturidade e velhice, o chamado “estágio de sabedoria”. E curioso, se esses “pais” ainda estiverem vivos e atuantes e tiverem a chance de apreciar a obra dos mais novos, nela não se reconhecerão: de Freud a Pound a Duchamp. Os pais não se reconhecem ou não querem se reconhecer em seus filhos: “Ah! Então eu era assim?!” O importante, em certos momentos é ter projetos, independentemente da questão de sua exequibilidade, de suas possibilidades. Mesmo que beirando a impossibilidade, o importante é ter algo enquanto projeto e perseguir os objetivos ali explícitos.

142

§ Compreendemos, nós do Ocidente, herdeiros dos gregos e até condicionados por um tipo de pensamento/raciocínio que nos vem da Hélade, o pensamento do Oriente, do Extremo-Oriente, digamos? O que já somos nos permite adentrar os segredos de um outro povo, um outro universo? O domínio do idioma já é uma porta bastante larga, mas não o suficiente. Não se penetra o imo de uma Civilização se não se formou dentro dela. Pode-se compreendê-la em parte e há gente curiosa e por demais inteligente que fez tentativas e até chegou a resultados satisfatórios (para os padrões ocidentais), mas, certamente, não chegou lá (o mesmo será verdadeiro para os de Lá com relação ao Cá). Compreende-se o que se pode compreender e há disto consequências. Boas, enriquecedoras. Se se entende como um da terra, nada acontece além do entendimento, mas se se entende como é possível entender, isto terá desdobramentos e acréscimos na cultura intrusa. É claro que não sou especialista e nem tive o alcance, com relação a Fenollosa e Pound, que Haroldo de Campos teve, mas arrisco-me a dizer que Fenollosa, um erudito com contribuições inestimáveis para o Oriente e para o Ocidente, entendeu o Ideograma como pôde entender, daí plantar ideias que seduziram Pound e a coisa deu no que deu: um enriquecimento da Poesia no Ocidente, com muitos desdobramentos importantes. Foi preciso mostrar aos orientais as riquezas culturais que eles possuíam – e isto foi feito por ocidentais, os grandes observadores. Para um japonês, canji era canji e bastava! Mas ocidentais (Haroldo de Campos também entra aí) mostraram o


que havia de concreto na escrita que japoneses haviam assumido dos chineses. Sierguiei Eisenstein não lamentou um certo americanismo que acometia o cinema japonês, quando o x da montagem já estava no seu sistema de escrita? Compreenderam os fauves, os cubistas a escultura da África Negra? Haviam compreendido os impressionistas e pós-impressionistas, plenamente, a xilogravura japonesa? Aí é que está: por só compreenderem o que podem ou puderam compreender é que fizeram o que fizeram: revoluções na linguagem – senão, não as fariam, integrar-se-iam nas respectivas culturas. Um grande museu, uma grande biblioteca, não apenas evidenciam a importância que um país dá à Cultura e à Arte em particular, mas propiciam a quem os possui a ilusão de domínio sobre aquelas culturas lá representadas, a ilusão da ciência sobre aqueles povos e, mesmo (inconfessavelmente) o poder do tacão sobre eles. Coisas de Humanos Seres. § Houve época em que eu tinha mãe jovem-senhora, e dizia: “Depois dos 80, tudo é lucro!” Hoje não penso assim e até me desespero com certos passamentos, mesmo aos mais de 100 anos de idade. Recentemente, em Portugal, foi a vez de Herberto Helder (1930-2015), natural do Funchal (Madeira), faleceu em 23 de março. O poeta, fino poeta, esteve ligado às origens da Poesia Experimental portuguesa tendo sido co-organizador de Poesia Experimental 1 e 2, importante revista – depois, afastou-se dos experimentais. Ana Hatherly (1929-2015), natural d’O Porto, faleceu em 5 de agosto. É poeta experimental histórica, artista plástica e pesquisadora – fez importantíssimo trabalho de militância crítica. Gilberto Mendes (19222016), natural de Santos-SP-Brasil, morreu em 1º de janeiro. Músico, com atuação importante junto aos poetas concretos, cujos poemas musicou – promoveu, durante décadas, o Festival Música Nova. Em 16 de abril de 2015, aos 53 anos, faleceu Pipol (José Waldery Mangieri Pires), natural de Tupã-SP-Brasil – poeta e homem multimedia, ele criou e administrou o Cronópios, Portal de Literatura, com milhões de acessos mensais, abrigando um leque considerável de produção artística, sem preconceitos, sem sectarismo. A impressão que dá, com esses desaparecimentos, é a de que o Mundo se vai empobrecendo. De qualquer modo, a Vida se processa. Auguri!

143



Nome, Classificação da Poesia: Concreta, Visual/Experimental

Dar nome é coisa primordial para nós (entre nós e o mundo: uma espessa camada de signos), classificar é o passo seguinte. A ânsia de classificação é coisa que persegue os Humanos, principalmente os doutos que, classificando, etiquetando, engavetando, acabam por ter a posse da coisa (ou a ilusão de), o domínio sobre a coisa e, tudo o que com ela se relacione tem de caber naquela classificação. Algumas classificações até chegam a ser úteis, desde que sua operacionalidade as justifique. A Semiótica peirceana nos ensina que nenhuma leitura de signos ou de complexos sígnicos é definitiva, por melhor que seja – o Interpretante Final tem como lugar o Futuro, sempre. Nomes têm sido dados, pelo bem (por autodenominação ou não) e pelo mal (pejorativamente ou não) e acabam por se consagrar, tais como Impressionismo, Futurismo, Fauvismo, Cubismo, Imagismo, Orfismo, Simultaneísmo, Surrealismo etc. Como sabemos, o nome Poesia Concreta foi dado por Augusto de Campos (já que existiam Arte Concreta e Música Concreta – é assim que o poeta o justifica - e independentemente de um sueco nascido em São Paulo ter falado pouco antes em poesia concreta, coisa que não vingou) e aceito por Eugen Gomringer (co-criador), em contato com Décio Pignatari e o Grupo Noigandres. Sendo uma poesia de altíssimo repertório, a penetração junto a um público maior de não-especialistas/não-aficionados da Poesia foi e é difícil: 1º pelo boicote empreendido pela crítica do establishment, e 2º pelas próprias dificuldades apresentadas por uma poesia que não fez concessões sendo que, via de regra, a informação chega de forma diluída antes de chegar ela-mesma ou chega de forma indireta ao grande público.

145


146

No caso da Poesia Concreta, no Brasil, até pessoas de um repertório mais elevado - mais lendo os detratores do que procurando a própria produção - tiveram uma noção errada das coisas, limitando a Poesia Concreta àquela produzida nos anos 1950 (importantíssima, por sinal), fase dita Ortodoxa ou Heroica, em que os poemas se caracterizavam pela parcimônia verbal, pela espacialização rigorosa, deixando sentirse a brancura da página, pela tentativa de uniformização tipomórfica (com o tipo não-serifado futura) e pela imposição de uma forma geométrica. Acontece que as coisas evoluíram, sem perda do rigor, muito rapidamente, nos 60 e 70, mesmo em tempo em que os poetas concretistas brasileiros, embora cultivando estreitos laços de amizade (não sem conflitos esporádicos e conversáveis), já não formavam propriamente um grupo. Nesse universo dos anos 1960, além do chamado “salto participante” (Invenção 2, 1962), surgiram projetos individuais e em colaboração, mas com peças de autoria sempre individual, como as Galáxias, de Haroldo de Campos, os pop-cretos de Augusto de Campos + Waldemar Cordeiro, os poemas-código ou poemas semióticos de Décio Pignatari + Luís Ângelo Pinto, que tiveram seguidores. Wlademir Dias-Pino que, no texto “Nova linguagem. Nova Poesia” é apontado como precursor dos poemas semióticos (poemas código), por Décio Pignatari e Luís Ângelo Pinto, acaba por se tornar tributário daquela proposta quando, na 2ª metade dos anos ’60 cria o Poema-Processo (que frutificará mormente em Estados do Nordeste brasileiro), tentativa de radicalização do não-verbal em Poesia – os poemas semióticos portavam uma “chave léxica” direcionadora de leitura. Além das discordâncias e atritos que, desde a 1ª metade dos anos 1960, houve com Mário Chamie (1933-2011), que teve participação na página “Invenção”, do Correio Paulistano, mas acabou por se tornar inimigo figadal dos poetas concretos, criador da Poesia Práxis, houve uma indisposição Concretismo/Poema-Processo, sendo este anti-paulista ferrenho. Em entrevista concedida a Antonio Risério (publicada na revista Código 1. Salvador: Erthos Albino de Souza, 1974), Haroldo de Campos chegou a afirmar; “o poema-processo é a doença infantil da poesia concreta”. Coloca-se, geralmente, a denominação Poesia Visual, como algo geral, uma espécie de sacode-gatos, onde cabe tudo - então, a Poesia Concreta seria uma modalidade de poesia visual, o que não conteria alguma precisão, pois, abraçando um termo cunhado por James Joyce, os concretistas


se propunham a fazer e fizeram uma poesia verbivocovisual. Apesar de consagrado, inclusive internacionalmente, o termo “poesia visual” é insuficiente, não somente por não dar conta do fenômeno como por levar a equívocos. Quando os concretistas do Grupo Noigandres entram em desacordo com Apollinaire e seus caligramas, é pelo fato daquelas facturas serem figurativas e em nada diferirem dos carmina figurata, praticados há mais de 2 milênios e, no mais, estava-se na época dos radicalismos exacerbados: Haroldo de Campos havia escrito (1957) um texto que trouxe problemas, principalmente com Ferreira Gullar: “Da fenomenologia da composição à matemática da composição”, cuja ideia principal era a de que deveria existir uma estrutura que antecedesse a feitura do poema. A denominação “Poesia Concreta” não apenas continuou a ser utilizada pelos componentes do Grupo Noigandres, como sua abrangência, por ação de seus principais teóricos, chegou a ser ampliada. Haroldo de Campos, em época tardia, em que inclusive havia dado por encerrado o seu projeto de prosa experimental Galáxias (1963/4-1976), muito embora acatasse a ideia de que toda poesia digna do nome é concreta, à medida que coloca em evidência a materialidade dos signos, cansou-se de ser chamado “concretista” e, em várias de suas conferências chegou a dizer: “se amanhã eu vier a fazer um soneto, ainda dirão: ‘o poeta concretista Haroldo de Campos acaba de publicar um soneto’”. Esse fardo, Augusto de Campos carrega até hoje e com grandeza, pois, além do trabalho crítico que continua a desenvolver + a tradução-arte que pratica diariamente, produz uma poesia com forte carga de visualidade o que o liga, indissoluvelmente, embora com anos-luz de distância, à Poesia Concreta dos primeiros tempos, desde a sua célebre série de poemas coloridos Poetamenos (1953). E. M. de Melo e Castro apresenta no Suplemento Especial “Poesia Experimental” do Jornal do Fundão uma classificação por demais abrangente, envolvendo todo o universo da poesia experimental mundial, que é reapresentada em A Proposição 2.01: Poesia Experimental, com algumas alterações - o primeiro, publicado em 24 de janeiro de 1965 e o segundo em abril do mesmo ano (Lisboa: Editora Ulisseia). Assim como os nomes de movimentos podem ser dados pelos próprios criadores, todo um trabalho de organização do pensamento, por escrito, e com fins didáticos pode ser desenvolvido e Melo e Castro é mestre nesse tipo de coisa e ninguém melhor que

147


148

ele para discorrer sobre, ele que, além do alto repertório e de ser criador, possui essa capacidade de expor ideias, como poucos. Assim também Ana Hatherly, embora mais didática. Ambos fizeram muita metalinguagem constituindo-se, em Portugal, não nos únicos, mas nos maiores críticos (crítica= discernimento) das hostes experimentais. Os melhores críticos são aqueles que contribuem para a melhoria da arte que criticam – é o caso deles. A seguir vêm os que focalizam o melhor que se produz – é o caso deles e as afirmações acerca dos críticos foi feita por Ezra Pound. Os grandes críticos (além de serem capazes de grandes e esclarecedoras análises) são os que revelam à Sociedade novos valores e por isto mesmo, pelo menos num certo período, fazem crítica militante. É o caso dos dois. Voltemos à questão terminológica: Melo e Castro, em e-mail de 11.09.2015 […] Penso que fui o primeiro a usar os seguintes termos : Videopoema, videopoesia, infopoesia , infopoema, mas Visopoema é de autoria de António Aragão no 1º número da revista Poesia Experimental [organizada por António Aragão e Herberto Helder], talvez influenciado pelo termo Poesia Visiva usado pelos italianos, pois ele viveu em Roma alguns anos estudando restauro de obras de arte e convivendo com poetas visivos. Segundo me parece é também italiano o sema POESIA VISUAL hoje vulgarmente usado e abusado por muita gente... Ao final do pequeno e importante volume A Proposição 2.01: Poesia Experimental, Melo e Castro traz uma antologia mais que interessante de poesia que valoriza a visualidade e outros cometimentos, já com aquele internacionalismo que caracterizará a mais avançada poesia produzida em Portugal, a partir dos anos 1960 e, na apresentação, diz que as peças constantes estão divididas em três partes: 1ª - Documentando uma profunda e essencial preocupação do Homem com a escrita. 2ª - Exemplos de poemas gráficos pioneiros. 3ª - Exemplos actuais de poemas gráficos, plásticos, concretos e combinatórios.” Nota-se, já, a abertura que se anuncia para esse universo de prática poética. Melo e Castro, em 1977: “Quase toda a Poesia Experimental Portuguesa produzida a partir do início da década de 60 se pode inscrever dentro de uma denominação geral de POESIA ESPACIAL,


uma vez que as suas coordenadas visuais são dominantes”. É claro que esta afirmação era até então válida, sendo que, a seguir, estará superada pelos acontecimentos poéticos, a começar pelo próprio Melo e Castro, e novos discursos foram necessários. Poesia do Significante, utilizado por mais de um estudioso para qualificar a Poesia Experimental portuguesa, não me parece adequado bem porque toda poesia digna do nome chama a atenção para a materialidade do signo poético (Jakobson) e é por isto que, mais que ambiguidade, o signo poético é portador de uma carga semântica potencializada, sem compromisso com verdades, mas com o Admirável. Parece que, com relação à poesia com forte carga de visualidade, dos anos 1970 (a partir da 2ª geração de experimentais, digamos), até hoje, não houve muita preocupação em classificar a produção ou estabelecer uma tipologia da mesma. A preocupação maior esteve em denominar o fenômeno como um todo: poesia intermedia, poesia intersemiótica, visopoemas, poesia multimídia, poesia intersignos, poesia interdisciplinar, poesia da era pós-verso. Porém, tudo faz crer que a primeira tentativa de classificação geral da produção a partir dos ’70 até aos ’80 (parte), no Brasil especificamente, incluindo a produção de criadores que vinham de bem antes, originou-se de um trabalho de Philadelpho Menezes (1960-2000), que se constituiu em sua Dissertação de Mestrado e depois publicado (Philadelpho Menezes. Poética e visualidade: uma trajetória da poesia brasileira contemporânea. Campinas: Editora da Unicamp, 1991.) Ele, também poeta, chegou a sistematizar algumas ideias que eram discutidas desde os anos 1970 por um grupo de São Paulo (onde se incluía o seu pai Florivaldo Menezes, poeta) do qual, por um curto espaço de tempo e mais tardiamente, ele chegou a fazer parte, como sua esposa, a artista plástica e poeta Ana Aly. E, dentre as ideias colocadas, a central era a da perfeita fusão de códigos no poema, não simplesmente justaposição ou superposição de códigos/linguagens. Bem, mas a classificação que ele apresenta, possui o mérito de ter sido a primeira tentativa de agrupar sob critério formal e valorativo poemas – então, minimizava o aspecto qualitativo de uns e supervalorizava de outros, sendo que era, em verdade, de difícil aplicabilidade. Poema Embalagem, Poema Colagem e Poema de Montagem Intersígnica, numa escala crescente quanto ao aspecto qualitativo. Chamou de Poesia Intersignos a que obtinha uma verdadeira fusão de códigos e chegou a organizar uma exposição no

149


150

Centro Cultural São Paulo, com aquela denominação (1985). Tirando a repercussão negativa (mal-estar) que isto causou entre os poetas, essa terminologia nem chegou a ser adotada por outrem. Importante foi a exposição por ele organizada, também no CCSP (1988) e que reuniu grandes nomes da Poesia Visual, internacionalmente falando – I Mostra Internacional de Poesia Visual de São Paulo - e que contou com a presença de Eugen Gomringer. Seu trabalho poético estava a se desenvolver e adentrando as novas mídias, quando veio a falecer. Ana Aly tem divulgado a poesia de Philadelpho Menezes por meio de várias exposições, principalmente na cidade de São Paulo. Seu mais bem realizado poema a meu ver (e não é o mais divulgado) é o que utiliza o anagrama “universo-souvenir”. Há quem não se preocupe com classificações, considerando apenas se o poema é ou não um bom poema, porém, aí, entra em jogo uma outra questão: o que vem a ser um “bom poema”? De qualquer modo, a pioneira classificação elaborada por Philadelpho Menezes fica como um estímulo para novas tentativas. Metalinguagem não é exclusividade de doutos - todos a fazem, com maior ou menor consciência, de modo simplório ou bastante sofisticado. A mais importante é a que venha a implicar, de fato, esclarecimentos acerca dos fenômenos das linguagens. Obs. Toda uma apresentação cuidadosa (com discussão) é desenvolvida na “Introdução” da Antologia da Poesia Experimental Portuguesa: Anos 60 – Anos 80, pelos organizadores Carlos Mendes de Sousa e Eunice Ribeiro (Coimbra: Angelus Novus, 2004).


Os Contextos Brasileiro e Luso à Época das Explosões Experimentais

O Brasil, após o fim da ditadura do Estado Novo (1937-1945), sob o comando de Getúlio Vargas, gradativamente se encaminhou para um regime democrático, permeado de crises políticas, sendo as mais graves: a que culmina com o suicídio de Vargas, que havia sido eleito Presidente e a que se inicia com a renúncia de Jânio Quadros e culmina com o Golpe de 1964, que põe termo ao período. O momento pósVargas é caracterizado por uma crise, que terá fim com a eleição e posse de Juscelino Kubitschek de Oliveira, o JK que, superando os primeiros momentos nada pacíficos de seu governo, coloca o País num clima de euforia, sendo que importantes acontecimentos no âmbito da cultura já vinham ocorrendo desde os anos 1940: da criação do MASP (1947) aos MAMs (São Paulo 1948 e Rio de Janeiro 1949), ao TBC, Cia. Cinematográfica Vera Cruz, à Bienal de São Paulo (sendo a primeira, em 1951), a entrada em grande estilo e de fato da Arte de Linha Construtiva no Brasil (já em fins dos anos ’40, mas, principalmente, nos anos ’50). A Arquitetura Moderna, que fora introduzida em fins dos anos ’20, ganha força nos 30, continuando a sua escalada nos ’40 e triunfando nos ’50 de mãos dadas com o urbanismo, 2ª metade, com Lúcio Costa e Oscar Niemeyer e o projeto e construção da Nova Capital: Brasília. Concretismo nas Artes Plásticas, com os Grupos Ruptura (1952) e Frente (1954) e, mais para o final da década, o Neoconcretismo. O marasmo e conservadorismo poético da Geração de 45 têm um “basta” com o nascimento da Poesia Concreta, Grupo Noigandres, 1ª movimento artístico internacional com a participação de brasileiros em sua criação, movimento experimental-inventivo, por

151


152

excelência, em sua fase ortodoxa ou heroica. Exposição Nacional de Arte Concreta, com a participação dos poetas: 1956 São Paulo-1957 Rio de Janeiro. Tempo em que nasce a Bossa Nova, no Rio de Janeiro, e já começa o seu florescimento sendo que, na década seguinte, acaba por ganhar o Mundo. Em 1958 o Brasil, que já era o “país do futebol”, conquista a sua primeira Copa, brilhantemente, na Suécia. O país, vive, então uma fase de verdadeira democracia (apesar dos grandes problemas de ordem social, dos quais não se livrou até hoje), e se aposta num desenvolvimentismo, que acabou por deixar como herança todas as brechas que dariam guarida a crises, que explodiriam na década seguinte, em seus inícios: da Renúncia de Jânio Quadros, à casuística instalação do Parlamentarismo (enquanto que o Vice eleito estava ausente do País), à derrubada do Parlamentarismo por meio de um Plebiscito, à volta do Presidencialismo e as campanhas populistas que mexeram com os temores da burguesia, classe média e militares, o que culminou com o Golpe de 1964, instituindo os governos militares, com um autoritarismo que foi num crescendo, recrudesceu e demorou a arrefecer – isto já nos anos 1980, em que eleições diretas começam a ser restabelecidas (menos para Presidente, que terá de esperar mais) até que civis vieram a ocupar o cargo maior do País (1985) e a nova Constituição (1988), com garantias das liberdades etc. Mesmo sob o tacão da ditadura militar, na 2ª metade dos anos ’60 floresceu a Tropicália ou Tropicalismo, em São Paulo, movimento musical e comportamental, propondo uma diferente leitura do Brasil, mas que acabou por ser vítima do Regime, porém, mudou tudo na MPB, ultrapassando suas fronteiras. Nos anos 1970, com a 2ª geração de poetas experimentais (abraçada à 1ª), que atuaram mormente junto às revistas, que proliferaram no País, a Poesia floresce e, dentro já de uma tradição do rigor e intersemioticidade, estende-se à atualidade. Então, diferentemente do Brasil, em Portugal o Experimentalismo poético se inicia e se desenvolve sob um regime autoritário, regime este que cede apenas em 1974 - daí, depois de décadas, o País experimentará a Democracia. Já em suas origens, o autoritarismo luso de António de Oliveira Salazar (1889-1970) encontrou entre seus opositores, ninguém menos que Fernando Pessoa (1888-1935) que, já próximo do desaparecimento e que, dando vazão ao seu “nacionalismo místico”, havia publicado (1934) o seu Mensagem, chega a compor peças


ditadas pela conjuntura, que reproduzimos a seguir (Fernando Pessoa. Mensagem e outros poemas sobre Portugal. Lisboa: Assírio & Alvim, 2014, p. 127, 128 e 129-130): António de Oliveira Salazar. Três nomes em sequência regular… António é António. Oliveira é uma árvore. Salazar é só apelido. Até aí está bem. O que não faz sentido É o sentido que tudo isto tem. (29-3-1935) Este senhor Salazar É feito de sal e azar. Se um dia chove, A água dissolve O sal, E sob o céu Fica só o azar, é natural. Oh, c’os diabos! Parece que já choveu… (29-3-1935) Coitadinho Do tiraninho! Não bebe vinho, Nem sequer sozinho… Bebe a verdade E a liberdade, E com tal agrado Que já começam A escassear no mercado. Coitadinho Do tiraninho! O meu vizinho Está na Guiné, E o meu padrinho

153


No Limoeiro Aqui ao pé, E ninguém sabe porquê. Mas, enfim, é Certo e certeiro Que isto consola E nos dá fé: Que o coitadinho Do tiraninho Não bebe vinho, Nem até Café. (29-3-1935) 154

Salazar (e o “Estado Novo”) dominou o País, de 1932 a 1968, seguido por outro “mão de ferro”, Marcelo Caetano, derrubado em 1974, com o 25 de Abril. E nesses mesmos anos ’70, meados, libertações das Colônias portuguesas de África, depois de guerras de independência. Valerá a pena ler a entrevista-depoimento concedida por E. M. de Melo e Castro a Raquel Monteiro, no Museu de Serralves, Porto, em 2006 - disponível em: http://www.po-ex.net - em que o contexto político e literário em Portugal, nos anos 50 e 60 é brilhantemente colocado. Do mesmo poeta-experimentador, entrevista concedida a Ana Cristina Joaquim, Revista Desassossego 9, junho de 2013 (existe em PDF). Melo e Castro, com a sua exuberância verbal, conhecimento-vivência e clareza, não sonega informação. Daí ser desnecessário que eu o parafraseie. O mesmo, com textos de divulgação (Rádio) de Ana Hatherly, abordando os anos 1960: “A década prodigiosa I, II, III, IV e V” (Ana Hatherly. Obrigatório não ver e outros textos de comunicação social, anos 1960-1980. Lisboa: Quimera, 2009, p. 92-102.) A entrada de Portugal no rol das Democracias, depois de décadas, trouxe consequências boas, mas também dificuldades para um país que, durante séculos esteve em posse de um Império Colonial que, apesar dos muitos percalços, manteve-se, até o seu desmantelar completo, nos anos 1970. Na Democracia Lusa, tem-se observado a atuação de forças contrárias, não propriamente antagônicas, do que ainda se chama de esquerda (os progressistas) e direita (os conservadores/entreguistas) sem grande poder de ação


para um país que optou por fazer parte da Comunidade Europeia, para não ficar à margem com relação ao restante do Continente Europeu. Mas vive-se uma democracia num país que muito tem a oferecer e que se transforma para melhor – para os de fora, que o observam. A Poesia Experimental lusa antecipou-se à grande abertura, desmantelando o discurso do autoritarismo salazarista (Melo e Castro dixit) e abrindo o País para o Mundo.

155



Antologias. Uma Antologia da Poesia Experimental Portuguesa

Quando falamos em jornal, estamos lidando com o efêmero (“o que tem a duração de 1 dia” - heméra, em grego= dia), pois jornal quer dizer diário e não à toa o lugar onde se guardam, colecionam jornais, recortes (e até periódicos) é a hemeroteca. Já a revista fica entre o efêmero do jornal e o perene do livro, e cuida-se de reunir em livro o que foi publicado em jornais e revistas, veículos que chegam rapidamente aos leitores e são imediatamente desprezados – “nada mais velho que o jornal de ontem”. Uma antologia que se assume antologia em volume, entra, já, na categoria livro, aspirando à perenidade, ou mesmo, à eternidade implícita no veículo. Já não entra no jogo a questão impossível (para publicações, como as que estou a tratar) da periodicidade e, embora continue com a parte mais difícil, que é a da seleção, vivencia as diferenças: numa revista ou suposta revista, pessoas são escolhidas, enquanto que, na antologia, os poemas-em-si, têm peso maior. Agora, se a antologia mexe com viventes, as dificuldades até aumentam, pois, se mortos não reagem, viventes o fazem. Exposições coletivas são como antologias: exigem uma curadoria, implicam seleção. E sempre há a exclusão de alguns, por um motivo ou outro. Portanto, critérios têm de ser consistentes e devem ser expostos com clareza. § Toda antologia peca (quase toda) pelo excesso, sendo que o antologista teme ter-se esquecido de algum valor maior – daí é que

157


158

acaba por incluir peças que lhe trarão, cedo ou tarde, arrependimento e isto ocorre principalmente quando se trata de antologizar poetas da Contemporaneidade. A pesquisa para a elaboração de antologias nunca é feita satisfatoriamente e, portanto, essas devem ser constantemente reformuladas, modificadas, ao menos, com supressões e acréscimos, trocas de pecas constantes etc. Por outro lado, há que se ter coragem intelectual, o suficiente, para podar, assumir escolhas etc etc etc. O critério da qualidade é o principal (deve ser), pois, se se vai escolher o melhor, a nata (antologia= flores escolhidas), deverá entrar, em primeiro lugar o critério do qualitativo e, mesmo assim, há dificuldades – por exemplo: como colocar, numa antologia lusa da Lírica apenas 3 sonetos de Camões? Ou 2 poemas de Fernando Pessoa? Eis a questão. Daí, entram critérios secundários, como: produção dos anos tais, ou poemas publicados em vida do poeta, ou poemas que falam de amor, e aí vai. Em sua antologia que encerra o livro Apresentação da poesia brasileira, Manuel Bandeira exclui Oswald de Andrade (já havia dito, no texto, propriamente, da poesia de Oswald de Andrade que era constituída por “versos de um romancista em férias”) e, no entanto, coloca, ali, versos de poetastros, cuja ruindade, podendo ser percebida à época, o tempo (o melhor dos juízes) escancarou, com todas as letras, tendo sido relegados ao esquecimento – e olha que Bandeira foi um grande poeta: sua obra é uma espécie de síntese da Lírica Ocidental. Na Antologia da poesia brasileira moderna (Lisboa: 1960), organizada por Alberto da Costa e Silva, em 1º lugar, pedese desculpas pelas exclusões, quando deveria ser o contrário, pois sobram nomes e poemas de poetas que não vingaram e, portanto, desapareceram. Penso que, além do critério da qualidade, deverá haver outras especificações plausíveis e deixar claro (digo mais uma vez) que a antologia estará aberta a reformulações etc. § A antologia que ora elaboro tem a intenção de levar aos brasileiros uma significativa amostragem da Poesia Experimental portuguesa, pois, somente os diretamente interessados têm dela conhecimento no Brasil, que conta, inclusive, com alguns estudiosos do assunto e, considere-se, muitas publicações lusas chegam até lá, além de livros de poetas portugueses que são publicados no Brasil, como alguns de


Ernesto Manuel de Melo e Castro e de Fernando Aguiar. De qualquer modo, falta a divulgação, falha esta que acomete os próprios brasileiros. Em Portugal, essa poesia, malgrado algumas dificuldades no campo editorial, tem sido divulgada por meio de antologias e de catálogos de exposições – por falar em meios impressos – sem contar as inúmeras exposições que têm tido lugar no País e fora, de algumas décadas para cá (o que mostra a vocação internacionalista dessa poesia). Então, o nosso problema era e é: “Como organizar uma antologia da poesia contemporânea portuguesa impressa, a que valoriza a visualidade, para um público brasileiro?” É claro que o mérito maior será o da qualidade das peças constantes e isto não será problema, pois o material é farto de elevado nível. Mas temos que considerar peças que por si sós tiveram importância no desenvolvimento subsequente da Poesia Experimental portuguesa, mesmo que os autores não tenham sido praticantes contumazes desse tipo de poesia. Aqueles que, embora continuem a produzir, apresentam trabalho consistente ao longo de décadas. Aqueles que, embora tardios, estão a construir obra forte, digna de nota, e tentar reunir um máximo de 50 poemas que, certamente poderão ser até menos (ou mais) no futuro, pois toda antologia é passível de ser reformulada, mesmo as que trazem peças milenares (se constam mais pela antiguidade do que pelo que tenham de qualidade). Uma antologia é uma antologia, não “a” antologia e sua função, além de informar, deverá ser a de estimular para a procura de outros poemas. Reunirei, portanto, 50 peças-poemas, com o objetivo de que o apreciador brasileiro tenha uma 1ª ideia do que vem a ser a Poesia Experimental portuguesa que, embora não tendo se constituído em movimento organizado, é mais concentrada do que o que se observa no Brasil, país de dimensões continentais, com mais de 200 milhões de habitantes, onde as visualidades pululam, pipocam, dispersivamente. Que essa antologia venha a anunciar uma exposição a ser realizada em local ainda não-definido, na cidade de São Paulo, quem sabe na Casa das Rosas, Espaço de Poesia Haroldo de Campos. § Eu fazedor de antologias vou basear-me nas que fiz de Poesia, pois já selecionei Pinturas, Esculturas, Obras Arquitetônicas, Peças Musicais. Vivemos a selecionar. Afora o mais informal em sala de aula,

159


160

com pré-adolescentes e adolescentes, durante mais de duas décadas, elaborei 8 antologias que eram impressas e distribuídas no final do ano e ainda uma, acoplada à minha Dissertação de Mestrado, e que teve edição (pela Nomuque Edições) em separata muito bem cuidada – um trabalho artesanal feito totalmente em serigrafia e com dobraduras, e foram cerca de 100 exemplares distribuídos principalmente a amigos e aficionados, além dos exemplares que acompanharam o volume da Dissertação: Não muito mas muito da poesia em língua portuguesa (de Sá de Miranda a Paulo Miranda). Então, iniciava com a melopeia/ logopeia do Mestre luso e terminava com o soneto-fita-métrica do então jovem poeta brasileiro – eram apenas 22 peças de portugueses e brasileiros sendo que, dos portugueses, concluímos com Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa ele-mesmo. Constituiu-se num ato de coragem. Organizar antologias mínimas causa sofrimento, mas apresenta compensações – é preciso, além da coragem, o empenho). Em sua maioria, as referidas antologias foram elaboradas para chegar a um público de não-iniciados, abraçando a noção de Paideuma (um mínimo de peças com um máximo de informação estética, visando a um público de não-iniciados ou de iniciantes, como entendeu Ezra Pound, que colocou a seleção rigorosa como uma das funções da crítica, a principal) e na tentativa de realizar um projeto que era, em verdade e em parte, de Haroldo de Campos, de elaborar uma “antologia da poesia brasileira de invenção”, para a qual colocou apenas algumas diretrizes e sugestões (Pound sempre presente, assim como Jakobson). Também organizei várias exposições, ou seja, fiz curadorias que diziam respeito especificamente à Poesia Visual (não só, mas principalmente na cidade de São Paulo e congregando poetas brasileiros), sendo que a memória de algumas acabou por se perder. Penso ser melhor a antologia que peca por menos do que a que faz sobrar, pois, o objetivo é esse mesmo: o de motivar novas buscas por parte do público leitor. § Reiterando: As dificuldades em se organizar uma antologia de poemas são imensas e sem remédio. E como diz o ditado: “Se não tem remédio, remediado está!” E persistimos em reunir poemas, sendo que o exame da totalidade seria o mais conveniente, mas isto é tarefa para especialistas e para toda uma vida. Antologias cumprem


o seu papel de iniciar alguém em determinado território ou autor ou autores de uma certa poesia, tradição etc. De qualquer modo, os critérios têm de ser claros e o antologista deve ter a consciência de que está fazendo o melhor, dentro do que é possível. E saber que ajustes serão necessários num futuro, que poderá ser próximo: cortes, substituições, acréscimos, correções. No caso específico da Poesia Visual/Experimental portuguesa as dificuldades não são menores, não apenas pelo fato de o processo estar em curso, mas porque já existem excelentes trabalhos de seleção e juntada de poemas dessa estirpe, que se auto-nomeiam antologias e as antologias que são catálogos de exposições, belos catálogos. Vamos, logo mais, apresentar a nossa que acabará por se desdobrar em luso-e-brasileira. 161



Antologias de Poesia Experimental Editadas (quase-sempre) em Portugal

Há inúmeras antologias da Poesia Experimental portuguesa editadas em Portugal e fora. Aqui (neste texto) se consideram também “revistas” que, em verdade, são reuniões de poemas de uma certa atualidade, ou seja, são antologias, mais que revistas, já que a questão da periodicidade fica ausente, ainda mais no caso em que essas revistas chegaram apenas ao 2º número. E que poetas/poemas constam dessas publicações? Interessante observar: .Poesia Experimental 1 (1964). Esta publicação inaugura as reuniões de poetas/poemas interessados em mudanças e por que não dizer invenção, inovação? Participam desta os poetas: António Aragão, António Barahona da Fonseca, António Ramos Rosa, E. M. de Melo e Castro, Herberto Helder e Salette Tavares. Há, ainda, na publicação, uma antologia da tradição experimental em Portugal. .Suplemento Especial “Poesia Experimental” do Jornal do Fundão (24 de janeiro de 1965). Poetas: E. M. de Melo e Castro, António Ramos Rosa, Álvaro Neto, Maria Alberta Menéres, Luís Veiga Leitão, António Barahona da Fonseca, José Alberto Marques, Herberto Helder, Salette Tavares e António Aragão. .A Proposição 2.01: Poesia Experimental (abril de 1965) livro teórico de Melo e Castro, de pequeno formato, mas que, ao final, traz uma interessante antologia, com facturas de épocas diversas e autores de vários países (com destaque para o Brasil). Os portugueses daquela atualidade presentes: Salette Tavares, Herberto Helder, Mário Cesariny de Vasconcelos, António Aragão e E. M. de Melo e Castro. .Poesia Experimental 2 (1966). Neste 2º e último número, além dos

163


164

portugueses, a revista abriga um contingente internacional de poetas [Melo e Castro, que consta como co-organizador, juntamente com António Aragão e Herberto Helder foi o encarregado da contribuição internacional]. Poetas portugueses: Luiza Neto Jorge, Herberto Helder, José Alberto Marques, Melo e Castro, António Barahona da Fonseca, António Aragão, Álvaro Neto, Ana Hatherly e Salette Tavares (+ o músico Jorge Peixinho, escrevendo sobre “notação musical”). .Operação 1 (1967). Aparecem trabalhos de um brasileiro, Pedro Xisto de Carvalho. Portugueses: António Aragão, Ana Hatherly. E. M. de Melo e Castro e José Alberto Marques. .Hidra 1 (1966). Os próprios poetas experimentais desconsideram esse 1º número de Hidra, que classificam com eclético demais, pois são muitos os colaboradores não-ligados à experimentação, mas há nomes importantes, como os de António Aragão, Luisa Neto Jorge, Salette Tavares, Herberto Helder, Liberto Cruz, porém, o destaque maior é para Melo e Castro com o seu Mapa do Deserto, poema de 1962, que aparece como encarte. .Hidra 2 (1969). Participa, aqui, um brasileiro do Poema-Processo: Nei Leandro de Castro. Portugueses: Liberto Cruz, José Alberto Marques, António Aragão, Silvestre Pestana e E. M. de Melo e Castro. .Antologia da Poesia Concreta em Portugal (1973). Poetas antologizados: Abílio, Alberto Pimenta, Alexandre O’Neill, Ana Hatherly, António Aragão, Melo e Castro, Herberto Helder, Jaime Salazar Sampaio, José Alberto Marques, José Luís Luna, Liberto Cruz, Luís Pignatelli, Salette Tavares e Silvestre Pestana. .Antologia da poesia visual europeia (1977). [Josep M. Figueres e Manuel de Seabra org. Lisboa: Editorial Futura] Portugueses presentes: António Aragão, E. M. de Melo e Castro, Silvestre Pestana, Liberto Cruz, Manuel de Seabra e Ana Hatherly. .Representação Portuguesa na XIV Bienal de São Paulo – catálogo (1977). Abílio José dos Santos, Alexandre O’Neill, Ana Hatherly, António Aragão, E. M. de Melo e Castro, Herberto Helder, Jaime Salazar Sampaio, José Alberto Marques, José Luís Luna, Liberto Cruz, Salette Tavares e Silvestre Pestana. .Joyciana (Lisboa: & etc, nov. 1982). Constituiu-se numa obrahomenagem ao centenário de nascimento de James Joyce, um dos valores considerados pelos poetas experimentais portugueses. Consta que foram impressos 1000 exemplares, porém Melo e Castro escreveu-


me em e-mail, que foram, em verdade, bem menos. Uma brochura tipo apostila, bem impressa em papel de gramatura baixa, sendo uma cor para cada um dos 4 participantes, com trabalhos originais, a partir de James Joyce: Ana Hatherly, E. M. de Melo e Castro, António Aragão e Alberto Pimenta – apresentam trabalhos além de interessantes, com destaque para Alberto Pimenta – homiliada joyce – espécie de ready-made em que mexe com um catálogo de nomes, e onde entra o humor como componente importante. Aliás, o humor aparece desde a 1ª página: “no primeiro e último centenário do nascimento de James Joyce”. .Poemografias: perspectivas da poesia visual portuguesa (1985). [Fernando Aguiar e Silvestre Pestana org.] Reúne poetas portugueses (+ um crítico e um músico) que, independentemente da extensão do percurso poético, já adentraram novas mídias e/ou impregnaram o seu trabalho de conceptualismo: Ana Hatherly, Alberto Pimenta, Salette Tavares, Antero de Alda, José-Alberto Marques, Abílio, António Barros, E. M. de Melo e Castro, Fernando Aguiar e Silvestre Pestana. .Concreta. Experimental. Visual. Poesia Portuguesa 1959-1989 (1989). [Fernando Aguiar e Gabriel Rui Silva org.] Esta antologia constituiu-se em um catálogo de exposição. Poetas constantes: Ana Hatherly, E. M. de Melo e Castro, António Aragão, Salette Tavares, Abílio-José Santos, Alberto Pimenta, José-Alberto Marques, Fernando Aguiar, António Barros, Rui Zink, Gilberto Gouveia, Gabriel Rui Silva, António Nelos, Emerenciano, António Dantas, Armando Macatrão, César Figueiredo, Avelino Rocha e Eduardo Nascimento. .Visuelle Poesie aus Portugal: eine Anthologie (1990). [Fernando Aguiar org.] Poetas constantes: César Figueiredo, Armando Macatrão, Ana Hatherly, Emerenciano, Salette Tavares, Fernando Aguiar, José Alberto Marques, Antero de Alda, António Barros, Abílio José Santos, Alberto Pimenta, Rui Zink, António Aragão, António Dantas e António Nelos. .Poesia Experimental Portuguesa dels 90. Antologia (1994). [Fernando Aguiar org.] Autores: Abílio-José Santos, Alberto Pimenta, Almeida e Sousa, Ana Hatherly, Melo e Castro, António Nelos, Armando Macatrão, César Figueiredo, Cristina Novais, Emerenciano, Manuel Portela, Fernando Aguiar e Gabriel Rui Silva. .Imaginários de Ruptura: Poéticas Visuais. Antologia (2002). [Fernando Aguiar e Jorge Maximino org.] A antologia agrega aos

165


166

portugueses vários brasileiros e poetas de outras nacionalidades, sendo uma publicação “associada à Bienal Internacional de Poesia do Douro e Vale do Côa – 2002, na qual os imaginários de ruptura servem de tema genérico.” Poetas portugueses constantes: Fernando Aguiar, António Aragão, Melo e Castro, César Figueiredo, Emerenciano, Ana Hathertly, José Alberto Marques, António Nelos, Alberto Pimenta, Avelino Rocha, Abílio-José Santos e Almeida e Sousa. .Antologia da Poesia Experimental Portuguesa: Anos 60 – Anos 80 (2004). [Carlos Mendes de Sousa e Eunice Ribeiro org.] A publicação agrupa a produção da Poesia Experimental em anos 60, 70 e 80 – há quem conste das 3 décadas (Ana Hatherly, Melo e Castro, António Aragão, Salete Tavares, Silvestre Pestana), pois que a produção poética justifica. Poetas constantes: Abílio-José Santos, Alberto Pimenta, Alexandre O’Neill, Álvaro Neto, Ana Hatherly, Antero de Alda, António Aragão, António Barros, António Dantas, António Nelos, Armando Macatrão, César Figuiredo, Emerenciano, Melo e Castro, Fernando Aguiar, Gabriel Rui Silva, José-Alberto Marques, Luiza Neto Jorge, Salette Tavares, Silvestre Pestana. Estamos a tratar da Poesia Experimental impressa e de antologias a que tivemos acesso tanto no Brasil como em Portugal. Entre outras dificuldades de uma antologia que se pretenda geral em algum âmbito é justamente a questão da atualização, pois se está trabalhando com algo que se processa há décadas e que está ainda em curso. A delimitação temporal pode entrar como um recurso que, de fato, acabe por minorar o problema, mas não o elimina. Como vimos, das origens da Poesia Experimental portuguesa até parte dos anos 90, há uma cobertura bastante satisfatória. Daí em diante, as coisas ficam por fazer. A fonte mais atualizada para esse estudo será portanto uma fonte digital: o sítio PO.EX, organizado por Rui Torres: http://www. po-ex.net. [Podem ser citados os catálogos da exposição ‘Poesia Experimental Portuguesa’, realizada pelo Espaço Líquido e com curadoria de Bruna Callegari e Omar Khouri, como verdadeiras antologias: o de 2018, em Brasília, e o de 2021, em São Paulo.]


Uma Ante-Antologia da Poesia Experimental Portuguesa

Uma antologia deve ser apenas um esboço de amostragem de obras/fazedores, com abertura para modificações: correções, acréscimos, cortes etc. Se já deveria ser deste modo em outros tempos, a tarefa hoje se simplifica, à medida que, com novos meios, novas linguagens, novos procedimentos - embora embasados em toda uma tradição – temos este tipo de publicação (digital): crescente e mutante. A maior das antologias, dentre as que examinei [Po.Ex], não ultrapassou o 20º poeta. Isto significa que houve seleção, houve cortes – critérios foram postos em ação. Esta pretende ser geral, partindo do final dos 50, mas principalmente a partir dos 60, até à atualidade, porém, apenas considerando a produção impressa, se bem que muitas das peças podem transitar de um meio para o outro, sem perda da informação estética. A maior dificuldade foi justamente a relativa aos poetas e às poetas (não sei se em Portugal “poeta” se tornou comum-de-dois ou se os portugueses continuam a utilizar, para a fazedora, o feminino “poetisa”) que, atravessando décadas, desde o início da experimentação consciente, possuem obra volumosa e de grande qualidade – o que selecionar? Outras questões: a dos que não participaram de revistas pioneiras, mas acabaram por produzir textos afins, como Alexandre O’Neill, que comparece nas antologias, salvo erro, a partir de 1973, com a Antologia da Poesia Concreta em Portugal, ou dos que, como Herberto Helder, abandonaram as hostes experimentais, ou o dos artistas plásticos que tiveram e têm a escrita no centro de suas preocupações, como Emerenciano Rodrigues e Jorge

167


168

dos Reis. Rui Torres, de uma 3ª geração, podemos assim dizer, tem foco principal nas novas mídias, porém, há um aspecto gráfico que pode, não sem perda de parte da informação estética, ir para o papel, que é o principal (não o único) suporte da poesia impressa: tipografia, offset, serigrafia, reprografia, carimbos e até auxílio à caligrafia gestual etc. Interessante é que, em alguns poetas, a parte verbal/verso/ discursiva é muito mais volumosa que a propriamente experimental (com forte visualidade estrutural) que, tudo faz crer, obriga à prática da parcimônia. Os históricos, todos, já possuíam um percurso na poesiaverso, como disse em entrevista Melo e Castro, que também afirmou, em outra ocasião, que a poesia visual que produziu equivaleria a cerca de um quarto de toda a sua produção poética. Antologia escolhe peças e não autores, daí que o seu objetivo maior não é dar uma ideia da evolução de um poeta em particular, mas de todo o universo poético abordado. Uma antologia informa e cria expectativas para que o leitor-fruidor possa ir em busca de mais e mais informação. Embora contando com colaboradores (às vezes), os maiores promoters, divulgadores e organizadores de exposições e antologias são Melo e Castro e Fernando Aguiar – este último pertencente à 2ª geração de experimentais portugueses. Algumas peças tornaram-se verdadeiros “clássicos” da Poesia Experimental portuguesa e aqui comparecem inevitavelmente (não todas, porém). Que se tenha uma noção, tênue que seja, de como se desenvolveu a experimentação em Solo Lusitano. *Fontes dos Poemas: sigla determinada e o nº de página ou de figura. Por uma questão que envolve direitos autorais etc. os poemas serão, por ora, apenas indicados, não reproduzidos. ABVG: Alexandre O’Neill. Abandono vigiado. Lisboa: Guimarães Editores, 1960. APEP60-80: Carlos Mendes de Sousa e Eunice Ribeiro (org.) Antologia da Poesia Experimental Portuguesa: anos 60-anos 80. Coimbra: Angelus Novus, 2004. APCP: José-Alberto Marques e E. M. de Melo e Castro (org.) Antologia da Poesia Concreta em Portugal. Lisboa: Assírio & Alvim, 1973. COEXVS: Fernando Aguiar e Gabriel Rui Silva (org.) Concreta. Experimental. Visual. Poesia Portuguesa 1959-1989. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa, 1989. 10EMER: Pedro Barbosa et alii. Emerenciano: 10 Anos de Escripinturas: 1973/1983. Porto: Fundação C. Gulbenkian, 1983.


25PO: António Nelos. 25 Poemas Visuais. Lisboa: Vala Comum, 1993. IDGR: E. M. de Melo e Castro. Ideogramas. Lisboa: Guimarães Editores, 1962. PLGS: E. M. de Melo e Castro. Poligonia do Soneto. Lisboa: Guimarães Editores, 1963. REILEI: Ana Hatherly. A Reinvenção da Leitura: breve ensaio crítico seguido de 19 textos visuais. Lisboa: Editorial Futura, 1975. PEXPP90: Fernando Aguiar (org.) Poesia Experimental Portuguesa dels 90 (Antologia). Barcelona: RSalvoEdicions, 1994. PO.EX: site po-ex.net sip: sem indicação de página fig: figura sd: sem data A Ante-Antologia - Poetas/Poemas (em ordem alfabética de prenome de autor): Abílio-José Santos (Maia 1926-1992) .Sem título [d o o o], 1968. COEXVS: 18 .Humo, 1972. COEXVS: 19 .Sem título [Amor], 1992. PEXPP90: sip Alberto Pimenta (O Porto 1937-) .Biografias, 1977. APEP60-80: 168-171 .BLACK & WHITE, 1977. COEXVS: 21 .Intervenção no dia do turista, Lisboa, 1991. PEXPP90: sip Alexandre O’Neill (Lisboa 1924-1986) .Tenho o colo de cisne e o corpo de hipocampo, 1960. ABVG: 26 .Quem nos dera bem juntos…, 1960. ABVG: 31 .Uma alegria de vírgulas em fuga…, 1960. ABVG: 39 Almeida e Sousa (…) .Sem título [poema], 1991. PEXPP90: sip Álvaro Neto [Liberto Cruz] (Sintra 1935-) .Demonstrativando, 1966. APEP60-80: 82 .Despossuindo, 1966. APEP60-80: 84 .Grelha vocálica, anos ‘60. APCP: 96

169


Ana Hatherly (O Porto 1929-Lisboa 2015) .1º Poema Concreto, 1959. COEXVS: 10 .1 - MAIS IMPORTANTE E LIVRE, 1975. REILEI: sip .3 - OS AS, 1975. REILEI: sip .19 - LE PLAISIR DU TEXTE, 1975. REILEI: sip . Sem título, 1984. APEP60-80: 247 Antero de Alda (Sever do Vouga 1961-) .Poema do guarda-chuva fechado, 1984. APEP60-80: 251

170

António Aragão (São Vicente/Madeira 1921- Funchal 2008) .Poema encontrado, 1964. COEXVS: 14 .Istória VEM, anos ‘60. APCP: 49 (encarte) .Antes de vós, anos ’60. COEXVS: 15 .SOS-CÉU, 1987. COEXVS: 50 António Barros (Funchal 1953-) .TrAdição/Traição, 1979. COEXVS: 24 .Escravos, 1979. APEP60-80: 195 .Estudo dum texto visual, 1985. APEP60-80: 265 António Dantas (Funchal 1954-) .ta-ta-ta, 1986. APEP60-80: 271 António Nelos (Ilha da Madeira 1949-) .SUB VER SÃO, anos ‘80. 25PO: sip .DE VO TA, anos ‘80. 25PO: sip .PRI MATA, anos ‘80. 25PO: sip Armando Macatrão (1957-) .Soneto do nada ubíquo, 1987. COEXVS: 52 .Soneto atómico, 1990. PEXPP90: sip César Figueiredo (O Porto 1954-) .Solar III, sd. COEXVS: 55


Emerenciano Rodrigues (Ovar 1946-) .Escripintura, anos ‘70. 10EMER: fig 3 .Escripintura, anos ‘70. 10EMER: fig 4 .Escripintura, 1985. COEXVS: 40 Ernesto Manuel de Melo e Castro (Covilhã 1932-) .Tontura, 1962. IDGR: sip .Soneto Soma 14 X, 1963. PLGS: 38 .Geografia Humana, 1962. IDGR: sip .Sintagramas 7, 8, 9, 10, 1967. APCP: 69 .Transformação-2, 1993. PEXPP90: sip (sequência de 3 páginas) Fernando Aguiar (Lisboa 1956-) .(c)entro, 1978. APEP60-80: 208 .País de poetas, 1986. COEXVS: 42 .Murmúrios acerca de um soneto, 1986. COEXVS: 43 .Soneto progressivo-regressivo, 1990. PEXPP90: sip Gabriel Rui Silva (Almada 1956-) .Sem título [Camara Municipal/informações], 1991. PEXPP90: sip Herberto Helder (Funchal 1930-Cascais 2015) .Sem título, anos ’60. APCP: 70 Jorge dos Reis (Unhais da Serra 1971-) .Alfabeta [releitura], 2011. PO.EX José-Alberto Marques (Torres Novas 1939-) .Sem título [o pó], 1967. APEP60-80: 133 .Textura 1, anos ‘60. APCP: 83 .Homeóstato-1, 1967. COEXVS: 22 .Geopoema, 1984. COEXVS: 39 .Ex-critas, 1985. APEP60-80: 326-7-8 Manuel Portela (…) .Fractal, 1991. PEXPP90: sip

171


Rui Torres (O Porto 1973-) .PoemAds – Sob o signo da devoração, 2012. PO.EX Salette Tavares (Lourenço Marques-Maputo/Moçambique 1922-1994) .Falo, anos ’60. APCP: 102 .Os efes, anos ’60. APCP: 104 .Kinetofonia – TAKiTAKi, anos ’60. APCP: 105 .Kinetofonia – Ri m riri, anos ’60. APCP: 106 .Ironia sobre o computador, anos’60. APCP: 111 (encarte)

172

Silvestre Pestana (Funchal 1949-) .Atómico Acto (Construir o Poema), 1969. APEP60-80: 150 .Telegrafias, 1969. APEP60-80: 148 .Computer Poetry to Julian Beck, 1985. APEP60-80: 338 Creio que, em pouco tempo, já estarei a executar modificações, provavelmente acréscimos e trocas, pois, por mais que tenha tentado uma certa objetividade nas escolhas, norteadas mormente pela dimensão do qualitativo, há a irremediável questão idiossincrásica, mas sempre esperando ter feito o melhor possível, na base do “por enquanto”. XAIPE!


Poesia Visual-Experimental Brasileira/ Portuguesa: Pontos de Contato e Diferenças etc

Penso que haja muita semelhança e poucas diferenças entre os trabalhos dos poetas experimentais de Portugal e do Brasil, a partir principalmente da 2ª geração, a que começa a operar nos anos 1970 e a que vem depois, a 3ª, digamos. A começar pela superação dos tempos heroicos - mas não das dificuldades de veiculação da poesia e da incompreensão - com a possibilidade de trabalhar num ambiente em que já havia um lastro poético de invenção e toda uma fundamentação teórica. É o que chamo de Era Pós-Verso (apesar do verso), em que manifestos ou coisas semelhantes já não faziam quase sentido: adentrou-se um tempo em que a lentíssima mudança de paradigma forçou a comportamentos outros, sem disputas literárias e/ou poéticas/artísticas e em que, portanto, a chamada política-dasartes arrefece – isto não significa que não se defendessem ideias, bem porque, a vaidade de uns criou indisposições com relação a outros, mas isto é coisa menor. Adentrou-se, de fato, um tempo de pluralidade de recursos, abertos para toda e qualquer manifestação e em que as facturas/poemas, sem abandonar de vez o veículo livro, fizeram uso de todos os media que se apresentaram acessíveis. Poesia intersemiótica. Sim. Poesia interdisciplinar. Sim. Poesia de trânsito entre os media. Sim. Poesia multimedia. Sim. Poesia da Era Pós-Verso. Sem descartar meios e modos consagrados, mas abraçando as novas tecnologias, as novas linguagens, exacerbando o conceitual em todas as suas facetas, essa poesia, sem romper com a tradição de rigor estabelecida pelos poetas “históricos”, e até radicalizando certas propostas, continuaram e continuam atuantes, provando que a busca é uma constante no

173


174

mundo da criação poética. E mais: é poema tudo aquilo que o poeta quer que o seja (parodiando Mário de Andrade). Vejamos, então, as afinidades e diferenças entre os experimentais do Brasil e de Portugal. Houve um encontro de gentes, em que os poetas “históricos” da experimentação, tanto no Brasil como em Portugal, mesclaram-se a uma nova geração, depois outra, existindo um grande respeito dos mais novos com relação aos mais velhos, sem que se notasse subserviência. Como se fossem da mesma geração, atuaram em muitos projetos, como o de revistas, antologias, exposições, performances. Daí, concluirse que não houve uma ruptura (das novas gerações) com relação ao trabalhos desenvolvidos pelos poetas “históricos”, que continuaram a produzir obra digna de nota, mas uma continuidade de busca, sem implicar continuísmo. Alguns, como este poeta-pesquisador, tiveram a oportunidade de conviver e cultivar durante décadas a amizade dos “históricos”. Exceptuando-se dissidentes, como Ferreira Gullar e independentes, como Wlademir Dias-Pino e Florivaldo Menezes (pai), hoje, vivo, no Brasil, apenas Augusto de Campos, atuante. Dos portugueses, Melo e Castro, José-Alberto Marques, Álvaro Neto e Alberto Pimenta, todos nascidos nos anos 1930, com maior ou menor relevo nas origens da Poesia Experimental lusa, vivem e produzem. São poetas que valorizam as visualidades todas, assim como as técnicas que as possibilitam, quebrando as supostas fronteiras entre as Artes, porém, têm uma grande familiaridade com o verbal em estado de poesia, inclusive dominando a tecnologia do verso (a maioria). Mesmo não acreditando mais no verso tradicional – o verso, se feito, deve extrapolar os limites do livro, mesmo podendo estar nele - explodindo em vociferações ensurdecedoras, em luminosos, outdoors… O poeta é também um performer. É importante que não se percam antigas tecnologias, a exemplo da tipografia, que dota o manipulador de programas gráficos no computador de uma sabedoria, uma consciência maior e mais precisa do universo gráfico. Os concretistas, que parece que foram os primeiros poetas a romper com o verso, por escrito: “dando por encerrado o ciclo histórico do verso” (A. de Campos et alii Plano-piloto para poesia concreta. Revista Noigandres 4, 1958) eram exímios versemakers e nunca perderam essa tecnologia, nem que fosse no exercício da tradução criativa - transcriação, como colocou Haroldo de Campos. O mesmo com os “históricos” portugueses: Ana Hatherly, Melo e Castro, Salette Tavares… A lição da beleza do verbal


jamais foi desprezada por esses poetas. Muitos dentre os da 2ª geração também haviam começado como versejadores. Algo muito cultivado pelos concretistas brasileiros foi a traduçãorecriação de textos poéticos que consideravam fundamentais, visando a formar um corpus essencial da Poesia Universal em Português, para facilitar o trabalho de busca para os iniciantes no gosto pela Arte de Cesário Verde e Manuel Bandeira. E trabalharam com isto durante décadas, ao mesmo tempo em que desenvolviam o seu trabalho propriamente poético e metalinguístico. Muito embora fossem poliglotas, os “históricos” em Portugal, não tiveram o mencionado propósito. Como esse trabalho no Brasil se desenvolveu por muito tempo, vencendo gerações – e até hoje Augusto de Campos dele se ocupa – os poetas experimentais da 2ª geração, pouco se ocuparam da tarefa da transcriação (Haroldo de Campos), embora houvesse alguns com o domínio de idiomas, outros, a não ser Luiz Antônio de Figueiredo, que, em colaboração com Ênio Aloísio Fonda, fez ótimas recriações do Latim (Catulo e Marcial) e, já da 3ª geração, o poeta André Vallias, que se tem revelado um excelente recriador a partir do Alemão, do Francês e do Inglês. Em Portugal, mesmo contando com poliglotas da 2ª e 3ª gerações, não se observa essa preocupação de elaborar Paideuma, mesmo que haja um considerável trabalho de tradução por parte de Rui Torres e de Manuel Portela, por exemplo. A prática do artesanato das chamadas Artes Plásticas, dada a própria necessidade na execução dos poemas: o desenho da letra a aplicação da letraset, a fotocomposição, o novo artesanato propiciado pelo computador - “os novos escribas” (Antonio Risério. Ensaio sobre o texto poético em contexto digital, 1998) – o uso da cor, o desenho, a colagem, a fotografia: do registro à pratica laboratorial, do processo fotoquímico à fotografia digital, o vídeo e a operação com a câmera, a edição. Alguns são, de fato, artistas plásticos, posto que têm o domínio de técnicas e métodos e processos e até chegaram a ter a formação universitária em Artes Visuais, Fotografia, Design. Isto tudo não impede ao autor da ideia de delegar tarefas mais técnicas a outrem ou trabalhar em colaboração. Uma das práticas tentadas e levadas a efeito foi a da serigrafia, primeiro como meio de viabilizar economicamente a impressão de trabalhos e, quase que ao mesmo tempo, pela beleza do resultado-cor e pela dimensão tátil emprestada aos trabalhos. Carimbos, tipografia, caligrafia gestual, xerografia etc

175


176

tiveram vez e voz, fazendo com que certos trabalhos se avizinhassem ou mesmo assumissem a arte postal e o chamado livro-de-artista. Tanto Cá como Lá, o interesse pela performance vocal/gestual foi uma constante. Essa poesia se desenvolveu em seus respectivos países, em contextos sociopolíticos diferentes, chegando a haver desencontro total quanto a democracia e autoritarismo num e noutro lugar. Poemas políticos aparecem em ambos os países, porém, em Portugal o fenômeno foi bem mais explícito e constante que no Brasil. A abertura para as tecnologias de ponta dos vários momentos, sabendo que não basta dispor de tecnologias tais e tais. É preciso que se as pense enquanto linguagens e que se tenham ideias adequadas. O computador possibilitou um trabalho de artefinal muitíssimo rápido e perfeito, porém, antes de tudo é preciso que se tenha a ideia. Do videotexto aos computadores de última geração disponíveis, usa-se a ferramenta adequada, que poderá ser simples pedaço de carvão e um parede clara. Ou um aparato tecnológico digno da NASA. Houve, principalmente nos anos 1970 e 80, uma larga utilização da reprografia em xerox (fotocópias), explorando a coisa enquanto linguagem, fazendo uso de todas as possibilidades do processo e, mais em Portugal que no Brasil, e entre os poetas/artistas, essa técnica/ linguagem foi explorada, com ótimos resultados. Alguns dos poetas trabalham de maneira contumaz com as novas tecnologias e já dispõem de uma linguagem mais universal, tendo como pensamento norteador a questão da interatividade, coisa que interessa ao público mais jovem. A questão do vídeo esteve presente, desde, pelo menos os anos 1970, ganhando força nos 80 e desembocando no universo digital. Há experiências poéticas e artísticas com computadores, desde os anos 1960, época de máquinas que hoje consideramos dinossáuricas e os “históricos” estiveram com elas envolvidos: Décio Pignatari, Erthos Albino de Souza, Melo e Castro, coisa que um pouco mais tarde e com muitos outros recursos prosseguiu e prossegue com a 2ª e 3ª gerações de experimentais, sem desprezo pelas tecnologias já consagradas. A produção quase-sempre pouca, tendo o claro objetivo de não redundar. Outros, publicaram muito pouco, porque dificuldades de veiculação, principalmente a impressa, continuam. Uma preferência pela veiculação em publicações coletivas que eram chamadas de revistas, oportunidade de encontros e troca


de informações, assim como as exposições coletivas, geralmente registradas em catálogos-antologias. Por outro lado, havia a publicação autônoma de poemas (e isto não era exclusividade desses poetas, mas de toda uma época), o que emprestava à coisa uma certa precariedade, sendo a distribuição quase sempre de-mão-em-mão, o que dificultava a divulgação e inclusive o armazenamento das peças. No Brasil, revistas “de invenção” proliferaram nos anos 1970. Em Portugal, exposições, não apenas em Lisboa, mas também em outros centros urbanos e fora do País. Houve grande interesse pelas muitas artes, incluindo as épocas várias, o que exigiu uma certa erudição por parte dos poetas desta vertente. Diga-se: não houve propriamente a formação de grupos, tanto em Portugal como no Brasil, a não ser as afinidades, o que fazia com que poetas se reunissem em torno de uma revista ou para participar de uma exposição/espetáculo performático. Paideumas eram pensados também para todas as áreas: Poesia, Música, Pintura, Arquitetura, Cinema, Design – mais sistematicamente no Brasil que em Portugal, muito embora alguns valores artísticos fossem cultivados tanto Aquém como Além-Mar. No rastro de Edgar Allan Poe e Décio Pignatari, cogitava-se das relações entre as Artes e a Ciência – o que remete a Leonardo da Vinci – tentando entender o que haveria de comum entre esses tipos de criação/descoberta. Não foi por acaso que jovens cientistas integravam as reuniões de poetas, em São Paulo. Não se via qualquer incompatibilidade entre as duas grandes áreas, que, no senso comum, eram vistas como antagônicas. Em Portugal, alguns poetas possuíam esse repertório mais científico, pela própria formação universitária na área das Exatas e/ou Biológicas e, portanto, tinham um pensamento análogo. A investida internacional, iniciada pelos “históricos”, foi mais explícita entre os portugueses que entre os brasileiros, a partir da 2ª geração, o que colocou a poesia visual-experimental portuguesa num confronto internacional mais visível, ocupando o merecido lugar que ocupa no contexto poético mundial. No caso dos brasileiros, muito embora tenha havido alguma divulgação fora, este é um trabalho ainda por fazer.

177


178

Praticamente, toda a metalinguagem no que diz respeito a plataformas-de-ação era feita oralmente em reuniões em bares, restaurantes e algumas casas e eram quase sempre acaloradas. Porém, salvo um ou outro trabalho teórico mais geral, pouco expuseram esses poetas – tanto em Portugal, como no Brasil – de seus próprios trabalhos, diferentemente dos “históricos”, em ambos os países. Foi uma época, os anos 70 e depois, em que não faziam mais sentido os manifestos, como já foi dito, nas pegadas das vanguardas históricas, porém havia uma certeza entre os poetas dessa estirpe: a de que estavam fazendo a poesia mais significativa do Brasil e de Portugal. O que se almejava estava acima da excelência, já que as exigências para ser poeta eram muitas, dada a eleição de certos parâmetros. Não se cuidou de demarcações de limites nem de território a ser ocupado. A certeza de se estar fazendo trabalho de alta qualidade jamais colocava em questão o ser-se poeta, embora ninguém estivesse interessado em disputar o título. A Poesia, assim produzida, visava ao Planeta.


Arremates à Beira-Tejo

Alguns assuntos laterais (porém, não menos importantes) relativos à pesquisa que vimos desenvolvendo em Lisboa ficaram, até aqui, sem registro em forma de uma escrituração publicável, e outros tantos ficarão, dada a riqueza do assunto e por ser um trabalho que ainda deverá se desenvolver por algum tempo (pois ultrapassa, e de muito, os limites estabelecidos de nossa proposta de pesquisa), com o surgimento de mais fontes e, portanto, de outros dados importantes. Veiculo, por ora, esses arremates à Beira-Tejo (que necessitarão de alguns poucos ajustes), esperando que venham a ser úteis a outros pesquisadores e aficionados do assunto – Poesia de Invenção/Poesia Experimental, Portugal e Brasil. Antologias de Poesia Concreta no Brasil houve, mas nada que se comparasse aos portentosos volumes que ora se encontram com a Ateliê Editorial: o Viva Vaia, de Augusto de Campos e o Poesia Pois É Poesia, de Décio Pignatari que, como outros, tiveram de esperar os meados dos anos 1970 (Editoras: Duas Cidades, Brasiliense - e lá se vão 40 anos!) para terem obra poética editada comercialmente (depois, vários outros títulos aconteceram, muito bem produzidos graficamente, sem economia de meios). Haroldo de Campos e José Lino Grünewald, Edgard Braga e Pedro Xisto de Carvalho (este com edição autofinanciada) também tiveram voz e vez – Ronaldo Azeredo ficou na espera (até o presente momento). Em 1962 saiu a Noigandres 5 (antologia) do verso à poesia concreta, com Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, José Lino Grünewald e Ronaldo

179


180

Azeredo, em verdade, edição financiada pelos poetas (José Lino Grünewald…), muito embora levasse o nome de editor. Nos anos 70 as editoras Vozes e Abril chegaram a editar antologias de Poesia Concreta sem, porém, os cuidados gráficos que os poemas exigiam e mereciam. Mas já foi alguma coisa. Na Bahia, nos anos 80, Erthos Albino de Souza editou um número especial de Código (nº 11, 1986) abordando a Poesia Concreta, e a Nomuque Edições (1986 – 30 anos da Poesia Concreta) fez uma pequena edição, toda impressa em serigrafia: Poesia Planetária: a Revolução Concreta – Amostragem. Durante muito tempo, revistas cumpriram esse papel de veiculação e até de memória viva da poesia brasileira de caráter experimental (o que foi comum, também, em Portugal e outros países) e dessas, apenas restou Artéria que, em 40 anos, teve somente 10 números, mas que insiste em continuar. Na Rede: Errática, editada pelo poeta André Vallias. No Brasil, há as Poesias Visuais, de diferentes vertentes, sendo raros os contatos entre poetas das diferentes águas e raras também foram as antologias publicadas – ocorrem-me, agora: Saciedade dos poetas vivos, organizada por Urhacy Faustino e Leila Miccolis (1993) e Bacana 1: coletânea de poesia visual em postal, organizada por Philadelpho Menezes (1994) – cheguei a ver, cá em Lisboa, num sebo (alfarrabista), uma Antologia da poesia visual mineira, edição mais ou menos precária dos anos 90, mas não pude adquirir o pequeno volume. Porém, do pessoal que se identifica com a herança concretista, nada. A não ser belas exposições que têm acontecido no Brasil e fora, quase sempre sem catálogo, propriamente, ou com catálogo que não cumpre o papel de uma antologia, como a bela mostra organizada nos EUA (Austin, Texas) por Regina Vater, reunindo poetas de várias das vertentes experimentais do Brasil e que teve, além de reportagem com grande destaque na revista Art in America, um catálogo simples, mas se encontra na Rede até hoje: www.imediata.com/BVP/. A recente exposição ARTÉRIA 40 ANOS, organizada pelo Espaço Líquido, Caixa Cultural-Rio de Janeiro, com curadoria de Omar Khouri e Paulo Miranda, além de uma bela mostra, teve um catálogo que vale por uma antologia. Outras mostras: Poesia Evidência (1984 - organização de Gil Jorge, PUC-SP, sem catálogo), Palavra Imágica (1987 - org. Betty Leirner e Walter Silveira, MAC-USP, com catálogo básico), I Mostra Internacional de Poesia Visual de São Paulo (1988 – org. Philadelpho Menezes, com muitas exclusões e auto-exclusões e que contou


com 2 pequenos catálogos, sendo um [Arte Pau-Brasil] constituído de 26 poemas em formato de catões-postais, de poetas do Mundo todo - CCSP), Paraver (1993 – org. Omar Khouri e Inês Raphaelian, Faculdade Santa Marcelina, sem catálogo), Poesia Brasileira da Era Pós-Verso (2011 – org. Omar Khouri, IA-UNESP, um simples cartazfolheto, com texto de apresentação), Poesia (2012 – org. Omar Khouri e Paulo Miranda, Galeria Virgílio-SP, folheto com apresentação), além de muitas outras menores, mas também, importantes. Em 1990 e 1992, André Vallias organizou a parte brasileira da Transfutur, que teve lugar em Kassel e Berlin, Alemanha, mostra que também reuniu poetas visuais da área de língua alemã e da Rússia, e que teve catálogo. Houve catálogos-registros, também, em exposições realizadas em instituições, como a Poéticas Visuais, 1977, no MAC-USP, por Walter Zanini e Júlio Plaza; este também organizou mostra que, de São Paulo chegou à cidade do Porto, em Portugal (Transcriar - 1985) e que contou com catálogos. A Multimedia Internacional, idealizada por Walter Silveira e Tadeu Jungle, com o apoio de Walter Zanini, que teve lugar na ECA-USP, em 1979, contou com catálogo de grande valor documental. Ou seja: falta uma boa amostragem impressa, e em volume, da poesia experimental brasileira que se desenvolveu a partir da Poesia Concreta. Mencionem-se, ainda, os catálogos: O Grupo Noigandres (2002 - organização João Bandeira e Lenora de Barros), Poesia Concreta: O Projeto Verbivocovisual (2008 – org. João Bandeira e Lenora de Barros [Walter Silveira, Cid Campos]) + o site www.poesiaconcreta.com, e Concreta 56: a Raiz da Forma (2006 MAM-SP). A recente mostra que organizei em Lisboa, na FBAUL, em fins de 2015, pequena mostra, mereceu um catálogo simples, que vale como registro e esteve vinculada ao meu projeto de Pós-Doutorado: Amostragem da poesia brasileira da era pós-verso (ver ouvir pensar). Em alguns dos textos/depoimentos ou em textos em que historia a Poesia Experimental portuguesa, o pioneiro Melo e Castro diz que, em Portugal, não houve de fato a constituição de um grupo de vanguarda coeso, como aconteceu no Brasil – tanto no que diz respeito à Poesia, como às Artes Plásticas: Grupo Noigandres e Grupo Ruptura, formados em 1952, em São Paulo e Grupo Frente, menos coeso, em 1954, no Rio de Janeiro. O que houve em Portugal foi um conjunto de poetas ligados por afinidades de propósitos e laços de amizade, sendo

181


182

algumas duradouras e, ao longo de um percurso que durou décadas, a aquisição de outros elementos humanos, de outras gerações, mais novas. Melo e Castro deixa clara a importância e a influência dos brasileiros do Grupo Noigandres para o despertar da experimentação na poesia portuguesa, assinalando até a passagem de Décio Pignatari por Lisboa, em meados de 1956, embora sem repercussões. Depois, destaca como fundamental a antologia Poesia Concreta, editada em 1962, organizada pelo poeta e escritor, diplomata de carreira Alberto da Costa e Silva, secretário da Embaixada do Brasil em Lisboa, à época. Isto teria, realmente, despertado o interesse de poetas jovens para a experimentação, muito embora ele, Melo e Castro, já viesse com as suas inquietações e havia precedentes, em Portugal, de valorização de aspectos visuais em poesia, desde o 1º Modernismo, chegando até a poetas de linhagem surrealista (isto sem falar no posterior conhecimento das peripécias visuais dos barrocos portugueses dos séculos XVII e XVIII, matéria que foi pesquisada estudada e divulgada por Ana Hatherly, nos anos 1970, com publicação de resultados a partir de fins da década e o mais importante livro, em 1983: A experiência do prodígio…). No mesmo ano de 1962, saiu o livro de poemas concretos de Melo e Castro: Ideogramas, que veio a ter fundamental importância para o desenvolvimento subsequente da experimentação na poesia, em Portugal. O artigo de Ana Hatherly, no Diário de Notícias, de 1959, não chegou a ter repercussão à época e o poema apontado como “o 1º poema concreto português” saiu, na referida edição, desformatado, sendo que, somente em edição posterior, foi rearrumado. Ana Hatherly, poeta experimental do 1º momento (muito embora não compareça - 1964-65 - na revista Poesia Experimental 1, Suplemento Especial “Poesia Experimental”, do Jornal do Fundão, tampouco na antologia que Melo e Castro traz ao final do seu A Proposição 2.01: Poesia Experimental) prefere apontar como as influências principais da experimentação poética em Portugal aquelas hauridas na própria Europa, desde os exemplos que podem ser colhidos no 1º Modernismo, até experiências dos anos 1950, de Gomringer e outros - sem se esquecer de toda a tradição de visualidade na poesia europeia, desde os gregos aos barrocos portugueses - apontando Melo e Castro como sendo uma espécie de seguidor dos concretos do Grupo Noigandres. Fica difícil analisar as coisas, se se toma uma espécie de partido nessa questão, porém, a presença dos brasileiros


nas origens da Poesia Experimental portuguesa é óbvia – e que mal haveria nisto? Pensamos que a notória aproximação de Melo e Castro dos componentes do Grupo Noigandres, especialmente Haroldo de Campos, deve-se à extrema racionalidade ou cerebralismo, o que estava acorde à formação em Ciências Exatas de Melo e Castro, um engenheiro têxtil. Não à toa, à maneira dos brasileiros e de tantos outros poetas do século XX, Melo e Castro desenvolveu, concomitantemente à sua atividade poética, uma extensa obra metalinguística, obra de reflexão sobre poesia e criação artística em geral o que fez, também, Ana Hatherly. A essa influência inicial sofrida por Melo e Castro, seguese uma obra que dá vazão ao seu cosmopolitismo e à curiosidade com relação a novas tecnologias, características marcantes em toda a Poesia Experimental portuguesa. Do Mundo para Lisboa, de Lisboa para o Mundo. Portugal acabou por produzir, do Planeta, uma das poesias mais instigadoras e os chamados experimentais históricos têm aí um papel fundamental. Pensamos que a onipresença de Melo e Castro cria uma certa indisposição (para alguns). Interessante que, quando em 1973 é editada uma importante antologia, organizada por JoséAlberto Marques e Melo e Castro, sai com o título Antologia da Poesia Concreta em Portugal (Lisboa: Assírio & Alvim) e traz, do ano anterior, uma entrevista com Haroldo de Campos de passagem por Lisboa, em que os assuntos tratados são mais gerais do que especificamente de uma ou outra poesia experimental. Em época mais recente, em que tem sido muito requisitado para entrevistas, criador importante que é, Melo e Castro tem dado muita ênfase à herança mediterrânica longínqua, quando toca na questão da visualidade na Poesia Lusa. Com relação à opção pelo político (os temas políticos), o pró é mais grave (pernicioso) que o contra. Uma opção pelo social-explícito (o abraçar uma causa), em certas conjunturas, é preferível à opção por um partido-político em particular porque, invariavelmente o poeta quebrará a cara – é somente uma questão de tempo. Quanto ao pró, um publicitário faria melhor, pois que a publicidade somente diz sim. Isto não desmerece grandes poetas, que chegaram a ser publicitários profissionais por pouco ou muito tempo, como por exemplo Décio Pignatari, Alexandre O’Neill, Paulo Leminski. Até Pessoa foi cogitado para a confecção de um slogan para a coca-cola: esta, não era a praia de Pessoa, que fez um slogan trocadilhesco difícil e com –

183


184

é claro – qualidade poética, mas, coisa de alguém que não era do ramo: “primeiro estranha-se, depois entranha-se”! O slogan não foi veiculado. Mas, artistas e poetas têm feito trabalho engajado e de altíssimo nível: de Goya e Picasso aos Antónios: Aragão, Nelos, Dantas, Décio Pignatari, Carlos Valero, Villari Herrmann, Júlio Mendonça, André Vallias. Fora de partidos, tudo bem, pois as coisas transcorrem tendo o poeta/artista liberdade de ação poética/artística. Com ligações partidárias, o caldo entorna quando pessoas ignorantes em matéria de Arte, começam a sugerir, a querer direcionar o trabalho artístico e, mesmo, a impor-lhe normas de procedimento, temas etc. Político, de um modo ou de outro, todo trabalho é, ou mais ou menos. Não à toa os abomináveis regimes totalitários e autoritários perseguiram as artes (revolucionárias enquanto linguagem) – será que compreendiam o perigo de um trabalho de desmantelamento dos discursos repetitivos políticos kitsch? e. e. cummings: A politician is an arse upon which everyone has sat except a man (e, em tradução-recriação de Augusto de Campos: Um político é um ânus no qual tudo se sentou exceto o humano). Se se referir à conjuntura por uma necessidade de expressarse, seja sempre contra e, se for a favor, reprima-se e não se expresse, pois você não conseguirá ultrapassar os limites do kitsch, que é onde desemboca tudo o que é laudatório.


Sem Presumir Do Futuro O Que Sairá Daqui…

Em seu prefácio (que pode ser considerado um “manifesto”, porém, sem autoritarismo) ao poema-livro Un coup de dés jamais n’abolira le hasard, cuja 1ª publicação é de 1897, na revista Cosmopolis, Stéphane Mallarmé chega a dizer algo que se insere no campo do proféticoaberto: “Aujourd’hui, ou sans présumer de l’avenir qui sortira d’ici, rien ou presque un art”. É que, do futuro, ninguém sabe e todo bom profeta (profeta é aquele que ‘diz à frente’) é antes ambíguo que categórico. Seria algo como que uma pitonisa (quase) sem o aparato místico-misterioso. De qualquer maneira, Mallarmé sabia que dali sairia algo diferente. Mas, seria o quê? O poema que o texto apresenta é dessas peças fundantes, pois, anuncia e embasa a vertente mais criativa e radical da Poesia do século XX. A herança mallarméana deu e continua a dar frutos e o complexo sígnico Un coup de dés… continua a desafiar leitores-observadores e a suscitar interpretações muitas. Interessante é que, no Brasil, Mallarmé encontrou leitores muito especiais: de Manuel Bandeira aos poetas do Concretismo, que foram até hoje seus melhores tradutores, cabendo a Haroldo de Campos a tarefa de traduzir Um lance de dados, tarefa da qual se desincumbiu magnificamente bem, com sabedoria e sensibilidade. E o poema continuou a instigar músicos: veja-se o projeto de Pierre Boulez (morto recentemente) para o poema, que continuou - salvo engano ou alguma revelação post mortem projeto. Parece que músicos se sentem como que castrados frente à excepcionalidade da peça mais que centenária. Dificilmente acontece de grandes poemas darem boas composições musicais, ou seja,

185


186

tornarem-se poemas cantáveis com boa música – o que geralmente se observa é que poemas medianos acabam por “inspirar” músicos que até acabam por fazer peças revolucionárias, a partir deles e com eles. (No Cinema se observa coisa semelhante: salvo raras exceções, veemse obras literárias medianas propiciando obras-primas – de Hitchcock a Kubrick, enquanto que as obras-primas da Literatura permanecem literatura e não se transformam no melhor Cinema.) Há muito não se vive mais época de proselitismos, polêmicas não há, não se defendem ideias (pelo menos com algum entusiasmo), muito embora elas existam, e como! Novas ideias existem e todas ligadas à prática das artes e suas relações com os novos meios/linguagens. Sim, novas tecnologias trazem consigo todo um potencial de linguagem, o qual vem a ser percebido por artistas que, lançando mão daquelas, fazem Arte. Pois é isto mesmo: algo surge como uma mera técnica, tornando-se arte à medida que é percebido como linguagem. Foi o que aconteceu com a Fotografia, com o Cinema, com o Vídeo, que continua na ordem-do-dia, agora mesclado com tecnologias mais avançadas, e tendo, já, produzido obras-primas e abrindo caminho para as obras-primas a surgirem nos outros campos mais recentes. O interessante é notar que, no que diz respeito à defesa dessas novas tecnologias – salvo um ou outro caso de escândalo, envolvendo suposta questão de ordem ética – temos verdadeiros manifestos, geralmente longos e que quase não encontram resistência por parte de quem quer que seja. É que essas tecnologias adentram o dia-a-dia de todos, independentemente de se ser ou não arrojado e mostram alguma utilidade ou oferecem algo de lúdico, atraindo crianças e adolescentes, que já nasceram em meio à nova realidade desses meios, num processo irreversível. Nessas feiras de Alta-Tecnologia ou nas exposições de Artecnologia, é difícil para um adulto alcançar um daqueles “brinquedos”, já que crianças e adolescentes chegaram antes e já tomaram conta de tudo. O que interessa aos novinhos é a interatividade que, diga-se, é sempre limitada, pois que é dado operar a partir das possibilidades colocadas pelo mentor da obra, que continua sendo o autor (individual ou grupo que se associa). Porém, poucos têm a consciência de que há linguagens aí, à espera de alguém que as trabalhe: o artista percebe e faz. De quando em quando, um débil grito contra “o processo de desumanização que se observa”. Mas como seria não-humana uma produção dos próprios humanos? -


perguntaria Décio Pignatari. Essa tecnologia não nos veio de Saturno, mas foi gerada, mesmo, no planeta Terra. Abraçar as novas tecnologias é caminho obrigatório para aqueles que querem fazer Arte hoje e Poesia, em especial, mesmo que operem no convívio de tecnologias várias. Porém, é fundamental que não se percam as antigas tecnologias, como vimos dizendo. Saberá operar muito melhor uma câmera aquele que conhece pintura e demais artes da visualidade. Operará com mais sabedoria um processador de textos alguém que porventura visitar uma tipografia e ver como é que trabalha um tipógrafo, ainda hoje – e olha que os há em toda parte. Ao mesmo tempo em que se constata a globalização, nota-se a exacerbação de particularismos – ninguém quer que desapareçam as características de sua etnia, comunidade etc. A tecnologia mais avançada pode tolerar antigas tecnologias e até conviver com elas e é o que tem acontecido – é importante que não se percam tais tecnologias, muito embora nunca permaneçam as mesmas. Observa-se, de fato, uma mistura de paradigmas, como bem colocou em importante ensaio Lúcia Santaella (Os três paradigmas da imagem). Nisso tudo, a ambição artística continua como componente obrigatória dos procedimentos daqueles que - de fato - estão comprometidos com a criação e têm consciência-de-linguagem. Ou seja, poderia ser considerado um artista, um fazedor, alguém que não estaria interessado em, de alguma forma, inovar? Nem que não seja revolucionar, propriamente. Essa questão, configurada no “Experimental”, foi assaz discutida pelos poetas experimentais portugueses, nos anos 1960 e mantém a sua atualidade. O sonho de todo poeta é encarnar o papel de Inventor, tal como colocou Ezra Pound em sua famosa classificação dos escritores (poetas, artistas em geral), ou seja, construir uma obra em que se detectem os primeiros sinais de uma nova arte. E geralmente o que temos são co-inventores: aqueles cujas obras em conjunto são o exemplo de um novo procedimento. No mínimo, quer-se ser um mestre que, às vezes, até chega a fazer algo melhor elaborado que os inventores, que necessariamente o precederam. Com tudo isso o que se quer dizer é que a inquietação e a pesquisa, a busca, estão sempre a acompanhar artistas-poetas e os que abordamos deixam explícita essa inquietação/investigação com relação à(s) linguagem(s). Daí, a experimentação, a busca e a crença em projeto que, no mínimo, vise ao aperfeiçoamento dos humanos seres,

187


188

no que diz respeito à sensibilidade. Décio Pignatari, Melo e Castro e Salette Tavares, Augusto de Campos e Haroldo de Campos, Ana Hatherly e José-Alberto Marques, Ronaldo Azeredo, António Aragão, Villari Herrmann, Emerenciano Rodrigues, Fernando Aguiar, Lenora de Barros, Gil Jorge, João Bandeira, António Nelos, Aldo Fortes, Tadeu Jungle, António Barros, Paulo Miranda, Armando Macatrão, Silvestre Pestana, Walter Silveira, Alberto Pimenta, Júlio Mendonça, António Dantas, Arnaldo Antunes, André Vallias, Rui Torres… Já com um certo distanciamento de parte da produção dessa poesia aqui abordada, pois que o seu processar-se continua em curso, daria para tirar algumas conclusões, como a de que é a que mais se tem empenhado em buscar formas novas, a mais curiosa e investigativa. A de que essa poesia se tem, como que naturalmente, envolvido com as mais novas tecnologias, vendo-as não como meras técnicas a serviço de, mas como portadoras de linguagens, propiciadoras de uma nova arte, a arte de uma nova era. A de que essa poesia já produziu obrasprimas, que vão da poesia-papel até o vídeo e as incursões na Rede, adentrando o universo do disponível. Pensa-se, aqui, que o desafio maior da atualidade seja o de conceber peças que possam despertar a curiosidade de terráqueos, simplesmente terráqueos, o que vale como um manifesto e reitera o papel da visualidade como elemento constitutivo estrutural da obra poética. No momento atual (de uns 30 anos para cá) em que muito se restaurou – verso, pintura, prosa ficcional com desenvolvimento lógico etc – poetas, mesmo dominando o afazer do versemaker, insistem numa poesia experimental, como novos leitores do Mundo, como produtores de linguagem a cumprir um papel: o de serem portadores de um novo modo, uma nova Poesia. Que um julgamento mais preciso disso tudo é tarefa da qual só o futuro poderá se (des)incumbir. Coragem intelectual, sensibilidade aberta para abraçar a causa. Poesia. Poesia para romper barreiras e encontrar fruidores no mundo todo. Porém, nada se descarta: do livro impresso a um muro, de um poema reproduzido em xerox autonomamente, a um outdoor-papel ou painel luminoso computadorizado, e daí para a Rede. Que essa poesia fala alto e se apresenta com uma linguagem mais universal.


Peculiaridades Cá e Lá

Alguns dos valores colocados pelos concretistas de São Paulo eram também cultuados pelos experimentais de Portugal, com destaque para Mallarmé (1842-1898) e James Joyce (1882-1941). Ezra Pound (1885-1972), uma das figuras de maior destaque no mundo anglófono das letras, poeta fundamental, crítico, tradutor-recriador, promoter (a quem muita gente ótima, de Eliot a Joyce, deve gratidão), espécie de semideus para os concretistas, frente ao deus Mallarmé, é referido lateralmente e como recusa pelo experimentalismo português. Mesmo no que diz respeito à questão do ideograma e sua importância para a poesia ocidental no século XX, não apenas pelo ensaio de Fenollosa (Os caracteres da escrita chinesa como um meio para a poesia), editado e divulgado por Ezra Pound, mas principalmente por ele-mesmo Melo e Castro não reconhece a influência direta de Pound em seu experimentalismo, antes, clama por uma herança mediterrânica. E olha que já em 1956, na entrevista-depoimento que Décio Pignatari deu em Lisboa, com publicação na revista Graal 2, a palavra aparece e por influência de Pound, que é colocado (como vinha sendo, desde muito antes pelos componentes do Grupo Noigandres, formado em 1952 e do qual DP fazia parte) como um valor maior. Com ou sem repercussão, o depoimento de Décio Pignatari estava lá. Quando em 1962, o poeta Melo e Castro publica seu 1º livro de fato experimental, a obra vem com o título de Ideogramas, o que coloca em evidência, não apenas um tipo de escrita, mas também, o modo como ela se organiza. Os contatos diretos dos portugueses com o Oriente, contatos por mar, diga-se, datam de fins do século XV. No século XVI, os lusos estão

189


190

no Japão e lá deixam marcas de sua presença, entre outros índices, a palavra pan = pão (de origem latina), como chamou-me a atenção, em Buenos Aires, em 15 de janeiro de 1984, Jorge Luis Borges. Então, esse contato dos portugueses com os canji e, mais diretamente na China, onde estiveram e por séculos, colocam-nos em contato com esse tipo de escrita que, além de guardar algo do hipo-ícone imagem, organiza-se espacialmente em seu suporte, sobressaindo a coordenação. Porém, não foram esses fatos que desembocaram com força na poesia experimental portuguesa, com a assimilação de uma sintaxe ideogrâmica e de uma escrita tendente à imagética. Mais indireta que diretamente, o famoso escrito de Fenollosa, via Ezra Pound e concretistas de São Paulo, repercutiu nas origens da Poesia Experimental portuguesa, como, depois de Ezra Pound, com sua ação poética e crítica, ninguém ficou livre de tal influência, em maior ou menor grau. Talvez que o principal motivo para a recusa com relação ao poeta estadunidense esteja na sua opção política, a partir de um certo momento, e esta opção foi pelo fascismo na Itália, país de sua predileção. Os portugueses que, a partir dos anos 1930 até 1974, estiveram sufocados por uma ditadura de coloração fascista, talvez que não tenham conseguido deixar de lado esse aspecto político do bardo, autor dos Cantos, e preferiram não lhe dar o relevo a que, como poeta e crítico, fazia jus. O pessoal da Poesia Experimental constituía um foco de resistência com relação ao regime que vigia em Portugal. Penso que a própria menção do nome Pound causasse uma certa indisposição, um mal-estar entre os/as poetas. Quando Décio passou por Lisboa, Ezra Pound ainda cumpria pena em manicômio judiciário, nos EUA. Livre, foi morar na Itália (e Haroldo de Campos lá o visitou, em 1959), onde veio a morrer, tendo sido enterrado no cemitério da Isola di San Michele, em Veneza. Direta ou indiretamente, todos passaram por Pound. Opção por um partido, quando feita por um artista, é sempre o que de pior ele pode fazer, pois, mais dia, menos dia, ele, artista, quebra a cara. Se todos têm na vida a sua cagadamor, cósmica, digamos, a de Pound foi ter abraçado o fascismo. Os brasileiros do Grupo Noigandres, assim como o independente Mário Faustino, souberam isolar das grandezas os deslizes do grande Poeta. E quem ganhou com isto foi a Poesia. [Melo e Castro acolheu e publicou o livrinho Ezra Pound: seleção de textos do bardo estadunidense traduzidos por Augusto de Campos,


Décio Pignatari, Haroldo de Campos, José Lino Grünewald e Mário Faustino, pela Ulisseia, Lisboa, 1968.] § Importante tentar detectar semelhanças e diferenças entre os experimentais do Brasil e de Portugal, já que, de qualquer modo, houve contato entre eles, direta ou indiretamente, e há propósitos bem semelhantes no que diz respeito à postura frente à criação poética e à própria execução de trabalhos, e o evoluir dentro dessa (r) evolução trazida pelas novas tecnologias, novas linguagens. Se Lisboa é uma cidade europeia (e chegou a ser a cidade mais cosmopolita do Mundo), com distâncias fáceis de vencer no Continente, rumo a centros, como Paris, por exemplo, São Paulo acabou por assumir sua vocação cosmopolita, tendo o Estado de São Paulo recebido do século XIX ao XX, o maior número de imigrantes do Brasil e, particularmente a cidade de São Paulo, que chegou, nos anos 1940, a ser uma “cidade estrangeira”, ou seja, a maior parte de seus habitantes era nascida fora do Brasil, sendo de italianos a maioria dos tais estrangeiros. Por outro lado, São Paulo possuía uma aristocracia que endinheirou-se graças ao café, que se expandiu pela Província, depois Estado e essa aristocracia mantinha contatos com a Europa, desde o século XIX, chegando ao XX, com o Modernismo – então, de Eça de Queirós a Blaise Cendrars (os Silva Prado e outros) a aristocracia teve a oportunidade de exercitar o seu cosmopolitismo. Nos anos 1950, informações chegavam ao Brasil e viagens eram empreendidas, sendo que aquela aristocracia acabou, em boa parte, por ceder lugar aos emergentes que descendiam de imigrantes enriquecidos. Por outro lado, observavam-se (não na poesia) um número muito grande de artistas imigrantes - basta olhar para o Grupo Ruptura, à época de sua formação, em 1952, em que, de nascidos no Brasil (interior de São Paulo), só havia Geraldo de Barros e Luís Sacilotto, de sete componentes. Mesmo sendo ainda, em parte, São Paulo, uma cidade provinciana, o cosmopolitismo paulistano tendeu a crescer e entre os poetas (Grupo Noigandres, também formado em 1952) isto não apenas foi mais visível, como teorizado: basta olhar os valores que eles estavam a eleger: os precursores apontados, não apenas poetas, mas artistas plásticos e músicos. E passaram a medir tudo considerando o âmbito internacional. O Concretismo poético foi

191


internacionalista. De Portugal, contatos com França, Inglaterra, Itália e Brasil, principalmente, permitiam o trânsito da informação. § Com relação ao Concretismo, houve os criadores do movimento, os que passaram pela Poesia Concreta, os que a praticaram esporadicamente, como um modo, uma “dicção”, os que fizeram e a renegaram e os que não a praticaram, mas a respeitaram e reconheceram o seu valor. O mesmo se observou em Portugal, com relação à POEX.

192

§ Como já foi colocado e com base em textos e depoimentos dos “históricos” de Portugal, neste país, não se formou propriamente um grupo, mas houve associação por afinidades poéticas para certos projetos. Portanto, houve menos sectarismo na Terra Lusitana. No Brasil, a coisa de “grupo” foi tão forte que, na fase ortodoxa, foram produzidos poemas que muito se parecem, embora sejam de autores diversos, pois trazem como características principais: economia de materiais, a começar pelo emprego de poucas palavras e, às vezes, uma, apenas, a imposição de uma forma geométrica e a utilização preferentemente do tipo futura negrito, com predomínio de caixabaixa. § União de poetas com artistas plásticos e designers, tanto em São Paulo, como no Rio de Janeiro. Em Portugal: participação de artistas plásticos nos negócios de poesia e, muito embora sejam muitas as procedências dos poetas, Lisboa foi o grande centro de irradiação dessas ideias de inovação/experimentação. Dados os sectarismos e radicalização de propostas no Brasil, houve a ruptura, a partir de 1957, que se consumou em 1959, com o Neoconcretismo. Fruto principalmente das rivalidades São Paulo – Rio de Janeiro. Há quem considere a dissidência neoconcreta, no Brasil, mais uma questão de exercício de poder do que uma não-aceitação de ordem formal,


apesar do extremo racionalismo paulista nos anos 1950, com destaque para Haroldo de Campos e o seu texto, de 2 páginas apenas “Da fenomenologia da composição à matemática da composição”, que provocou a ira de Ferreira Gullar. Menção merece, também, a extrema radicalidade de Waldemar Cordeiro à época, ele que liderava o grupo de artistas plásticos, que é de onde surgiu a ideia da Exposição, com a participação dos poetas, sendo que Augusto de Campos foi o encarregado de convidar o pessoal do Rio de Janeiro. Essa rivalidade entre centros irradiadores de cultura não houve em Portugal, em torno da Poesia Experimental: poucos são nascidos em Lisboa (Fernando Aguiar, por exemplo), sendo a maior parte provinda de outras cidades, da parte continental do País (Ana Hatherly, do Porto e Melo e Castro, da Covilhã), mas muitos da Ilha da Madeira (o que terá a água do Funchal e arredores, que propicia tantos e tão grandes poetas? Antónios: Aragão, Nelos, Barros, Dantas) e até da África (Ex-) Portuguesa, como é o caso de Salette Tavares, nascida em Maputo, ex-Lourenço Marques, Moçambique.

193



Toques

Música e Poesia - registremos alguns nomes fundamentais Brasil/ Portugal para posterior abordagem (de antes, durante e depois do 1º Experimentalismo em Poesia), os de fora e os de dentro: Anton Webern (1883-1945), paira como um deus, sobre todos os outros, Hans-Joachim Koellreutter, Pierre Boulez, Karlheinz Stockhausen, John Cage, Diogo Pacheco, Gilberto Mendes, Jorge Peixinho, Daniano Cozzella, Júlio Medaglia, Rogério Duprat, Willi Correa de Oliveira, Jorge Lima Barreto, Vítor Rua, Lívio Tragtenberg. § Pensemos: alguns poemas/versos de Sá de Miranda e Camões e Fernando Pessoa e Carlos Drummond e António Risério seriam, ou melhor pertenceriam ao universo de uma “poesia do significante”? Na teoria das Funções da Linguagem, de Roman Jakobson […], há a colocação da prevalência da Forma quando se configura a Função Poética, então, toda poesia, de fato seria “poesia do significante”, sempre entre aspas. Acontece que, à prevalência da Forma corresponde uma potencialização Semântica. Então, vejamos: 1. […] Pois que trago a mim, comigo, Tamanho imigo de mim? Sá de Miranda

195


2. [.…] Leva-lhe o vento a voz que ao vento deita. Camões 3. […] Vestes de seda sonhada Pela alameda alongada Sob o azular do luar… […] Fernando Pessoa

196

4. […] Chuvadeira Maria, chuvadonha, Chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha. […] Drummond 5. […] …ou então soa Aquém e além da lenda que sou Antonio Risério

§ Há um engano por parte daqueles que pensam ter a Poesia Concreta parado nos experimentos dos ano ‘50. E dos que acham que aquele tipo (revolucionário) de poema continuou no centro de cogitações e práticas dos poetas que operaram a partir de São Paulo: mesmo depois dos concretos “históricos”. Todo mundo, quando descobre o que se pode fazer com palavras, além de construir sequências eurrítmicas/ eufônicas e de jogos trocadilhescos (paronomásticos), acha que pode criar um poema “concreto”… e pode, mesmo! Porém, não se registram poetas maduros ou jovens operando dessa maneira (o mundo da publicidade, grande diluidor e beneficiário das conquistas artísticas, sim, quando convém). Agora, como colocou Ezra Pound quando expôs os tipos de crítica: há um tipo de exercício crítico que


consiste na visita de um estilo ou modo de época. Faça o seu poema “à maneira de”, com a consciência de que isto não passará de um exercício crítico para adentrar/melhor compreender aquele “modo”, assim como existe a crítica via tradução. § A antologia que organizei da Poesia Experimental portuguesa difere das demais, entre outras coisas, porque quis saber, dos próprios poetas, que poemas colocariam numa coletânea, considerando o todo de sua produção. Porém, nem sempre as sugestões foram acatadas em sua totalidade. E quando me referi a antologias, foram antologias coletivas, o que difere de antologia versando sobre toda a produção de um único autor - aí, a amostragem tem de ser representativa de todo o seu percurso. § Apesar de terminologia e conceitos da teoria linguística saussuriana já terem entrado na corrente sanguínea dos estudos das linguagens, pois o seu sistema (ou suposto sistema) já extrapolou as fronteiras do campo para o qual foi criado, migrando, dado o trabalho dos semiologistas, para outras áreas, acaba sendo algo bastante simplista se comparado ao legado do estadunidense Charles Sanders Peirce (18391914), criador de um sistema filosófico do qual é parte integrante a Semiótica (ou Lógica), que acaba por se definir como uma “teoria geral dos signos”. É que, de fato, o conceito peirceano de signo é o mais abrangente de quantos foram enunciados até hoje (em verdade, ele definiu inúmeras vezes Signo, com maior ou menor complexidade, em diferentes momentos, porém, sem contradições) e é aí que estivemos a nos basear quando falamos de signo ou complexo sígnico. “Signo ou representamem é tudo aquilo que, de algum modo ou em certa medida, representa alguma coisa para alguém. Cria na mente dessa pessoa um signo equivalente ou melhor desenvolvido, que é o interpretente do primeiro signo. Um signo representa alguma coisa: o seu objeto, coloca-se no lugar desse objeto, não sob todos os aspectos, mas segundo algo que chamo de o fundamento do representamem.” A partir daí podemos tirar as seguintes conclusões: O signo representa,

197


198

substitui, está no lugar de; tudo pode vir a funcionar como um signo; o significado de um signo é sempre um outro signo, um outro, um outro, numa cadeia infinita; interpretante é parte integrante do signo e é mais do que comumente entendemos por significado (é tudo aquilo que o signo contém e que poderá vir a se mostrar no processo de leitura, a semiose. É o que dele se extrai, de fato, numa leitura. E possui uma verdade absoluta cujo lugar é o Futuro, sempre. Na leitura do signo, parte-se do emocional, ocupa-se da análise para se chegar a uma generalização); o que o signo representa é o seu objeto, o que está fora dele e o determina e esse objeto tanto pode ser algo existente como algo ficcional, imaginário; todo signo tem um fundamento, que poderá estar na semelhança com o objeto, numa conexão dinâmica, física, mesmo, ou numa convenção e isto dará, na classificação peirceana do signo, considerado com relação ao objeto: ícone, índice e símbolo. A leitura de um signo, obviamente estará condicionada ao repertório do leitor, do intérprete. A leitura possui limite: falta de tempo, estratégia didática, esgotamento repertorial do intérprete, pois, teoricamente, esgotar um signo em todas as suas possibilidades seria chegar ao Interpretante Final, à Verdade, mas o lugar do Interpretante Final é o Futuro. Não chegamos à Verdade absoluta, porém, podemos chegar a parcelas satisfatórias dessa Verdade, o que deixa o signo (ou complexo sígnico: uma sinfonia, um quadro, um filme, um poema, um romance, para ficarmos no âmbito da Arte) aberto para novas leituras, outras interpretações. Então, as obras de análise que consideramos definitivas, não o são de fato – é somente uma questão de tempo aparecerem outras leituras, revolucionárias ou mesmo complementares. Se alguém, frente a uma obra de arte diz: “Que maravilha!”, já deu início ao processo que é a semiose (ação do signo) e estará meramente no nível do emocional, que poderá se desdobrar numa análise até profunda (e é disto que a Academia gosta e exige de seus integrantes) e poder chegar à generalização ou conclusões “provisórias” e este é o ideal: do emocional (que nem sempre é explicitado pelo leitor com ouvintes, pois a Academia o abomina), passando pelo esforço da análise, até chegar às generalizações, ou seja ao Interpretante Dinâmico Lógico. Toda leitura de um signo ou complexo sígnico exige um certo repertório do leitor, assim como, para elaborar o complexo sígnico – artístico, que é o que aqui nos interessa – o artista mobilizou todo um repertório que, em grande parte ele


controla, mas em que haverá chance de intromissão do Inconsciente (este, sempre coloca a sua cara!). Nem tudo numa obra, mesmo que altamente pensada, racionalmente elaborada (é claro: racionalidade sempre fazendo par antagônico com a sensibilidade), é do domínio do próprio criador, que poderá colocar ali coisas que não passaram necessariamente pelo crivo do racional. Há coisas que fazem parte do repertório do artista e que vazam, passam sem que ele chegue a perceber. Veja-se a Filosofia da Composição, de Edgar Allan Poe (1846) e a leitura que, em fins dos anos 1950 fez Roman Jakobson da última estrofe de O Corvo. São coisas que, após a leitura de Jakobson parecem tão óbvias, que chegamos a estranhar o fato de Poe não as ter colocado no seu escrito metalinguístico que trata justamente do referido poema. Mas, Jakobson sabia que tudo estava no autor, para que chegasse ao poema. Com tudo isto, queremos dizer que o nosso pensamento está norteado por conceitos da Semiótica peirceana, porém, sem exercícios classificatórios. Charles Sanders Peirce, Décio Pignatari e Lúcia Santaella assistiram-me neste texto, que deveria ter precedido os demais, já publicados.

Omar Khouri . Lisboa . 2015-2016 . Bolsista PDE pelo CNPq junto à Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa . Supervisor: Prof. Dr. João Paulo Queiroz

199



Fontes (referências):

A relação que se segue é constituída por livros de poemas em suas primeiras edições (princeps), mas não apenas, edições fac-similares, catálogos, antologias, livros de textos teóricos, periódicos, sítios e depoimentos de protagonistas desta história. Predominam os livros, pelo motivo de serem o principal veículo de divulgação da poesia aqui abordada: a impressa. .Aguiar, Fernando cur. (1994) Poesia Experimental Portuguesa dels 90 Antologia).Barcelona: RSalvo Edicions. .Aguiar, Fernando org. (1990) Visuelle Poesie aus Portugal: eine Anthologie. Siegen: Experimentalle Texte. .Aguiar, Fernando e Maximino, Jorge org. (2002) Imaginários de ruptura: poéticas visuais (Antologia). Lisboa: Instituto Piaget. .Aguiar, Fernando e Pestana, Silvestre org. (1985) Poemografias: Perspectivas da poesia visual portuguesa. Lisboa: Ulmeiro. .Aguiar, Fernando e Silva, Gabriel Rui (1989) Concreta. Experimental. Visual. Poesia Portuguesa 1959-1989. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa-Università di Bologna. Facoltà di Scienze Politiche. Palazzo Hercolani. .Amaral, Aracy Abreu org. (1977) Projeto construtivo brasileiro na arte (1950-1962). Rio de Janeiro-São Paulo: MAM-Pinacoteca do Estado. .Andrade, Oswald de. Pau Brasil. Paris: Sans Pareil, 1925. .Aragão, António (1990) Electrografia 1. Lisboa: Vala Comum. .Aragão, António (1990) Electrografia 2. Lisboa: Vala Comum. .Aragão, António (1962) Poema primeiro. Covilhã: Livraria Nacional. .Bann, Stephen ed. (1967) Concrete Poetry: an international anthology. London: London Magazine Editions.

201


202

.Barbosa, Pedro et alii (1983) Emerenciano: 10 Anos de Escripinturas: 1973/1983. Porto: Fund. C. Gulbenkian. .Campos, Augusto de, Pignatari, Décio e Campos, Haroldo de (1975) Teoria da Poesia Concreta: textos críticos e manifestos 1950-1960. São Paulo: Editora Duas Cidades. .Campos, Augusto de et alii (1962) Poesia Concreta. Lisboa: Serviço de Propaganda e Expansão Comercial da Embaixada do Brasil. Provável organização desta antologia pelo diplomata Alberto da Costa e Silva, Secretário da Embaixada, na ocasião. .Campos, Haroldo de (1992) Metalinguagem & outras metas: ensaios de teoria e crítica literária. 4ª ed. São Paulo: Perspectiva. .Campos, Haroldo de (1989) O sequestro do Barroco na formação da literatura brasileira: o caso Gregório de Mattos. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado, 1989. .Castro, Ernesto Manuel de Melo e (1965) A Proposição 2.01: Poesia Experimental. Lisboa: Ulisseia. .Castro, Ernesto Manuel de Melo e (1980) As vanguardas na poesia portuguesa do século XX. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesa-Ministério da Educação. .Castro, Ernesto Manuel de Melo e (1962) Ideogramas. Lisboa: Guimarães Editores. .Castro, Ernesto Manuel de Melo e (1984) Literatura Portuguesa de Invenção. São Paulo: DIFEL. .Castro, Ernesto Manuel de Melo e (1963) Poligonia do Soneto. Lisboa: Guimarães Editores. .Castro, Ernesto M. de Melo e (1961) Queda livre. Covilhã: Livraria Nacional. .Castro, Ernesto Manuel de Melo e e Hatherly, Ana (1981) PO.EX: textos teóricos e documentos da poesia experimental portuguesa. Lisboa: Moraes Editores. .Castro, Ernesto Manuel de Melo e e Marques, José Alberto org. (1973) Antologia da Poesia Concreta em Portugal. Lisboa: Assírio & Alvim. .Ferreira, Claudiney e Vasconcellos, Jorge (org.). Certas palavras. São Paulo: Estação Liberdade-Secretaria de Estado da Cultura, 1990. .Figueres, Josep M. e Seabra, Manuel de (1977) Antologia da poesia visual europeia. Trad. de Manuel de Seabra. Lisboa: Editorial Futura. .França, José Augusto (2004) História da Arte em Portugal: O Modernismo (século XX). Lisboa: Presença.


.Hatherly, Ana (1975) A reinvenção da leitura: breve ensaio crítico seguido de 19 textos visuais. Lisboa: Editorial Futura. .Hatherly, Ana (2009) Obrigatório não ver e outros textos de comunicação social (anos 1960-1980). Lisboa: Quimera. .Hatherly, Ana (1980) Poesia: 1958 / 1978. Lisboa: Moraes Editores. .Hatherly, Ana (1983) A experiência do prodígio: bases teóricas e antologia de textos visuais portugueses dos séculos XVII e XVIII. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda. .Hatherly, Ana et alii (1982) Joyciana. Lisboa: & etc. .Helder, Herberto (1996) Poesia Toda. Lisboa: Assírio & Alvim. .Jakobson, Roman (1974) Linguística e Comunicação. 7ª ed. Trad. de I. Blikstein e J. P. Paes. São Paulo: Cultrix. .Khouri, Omar (1992) Não Muito Mas Muito da Poesia em Língua Portuguesa. São Paulo: Nomuque Edições. .Khouri, Omar (2006) Noigandres e Invenção – revistas porta-vozes da Poesia Concreta. In: Revista Facom 16. São Paulo: FAAP, p. 20-33. .Khouri, Omar (2003) Revistas da Era Pós-Verso: revistas experimentais e edições autônomas de poemas no Brasil. Cotia-SP: Ateliê Editorial. .Khouri, Omar (2007) Ver Ouvir Pensar a Poesia: uma antologia comentada da poesia da era pós-verso. São Paulo: IA-UNESP (Tese de Livre Docência). .Klonsky, Milton ed. (1975) Speaking Pictures: a Gallery of Pictorial Poetry from the Sixteenth Century to the Present. New York: Harmony Books. .Melo Neto, João Cabral de (1966) A Educação pela Pedra. Rio de Janeiro: Editora do Autor. .Menezes, Philadelpho (1991) Poética e visualidade: uma trajetória da poesia brasileira contemporânea. Campinas: Editora da UNICAMP. .Nelos, António (1993) 25 poemas visuais. Lisboa: Vala Comum. .Neves, João Alves das (1987) O Movimento futurista em Portugal. 2ª ed. Lisboa: Dinalivro. .O’Neill, Alexandre (1960) Abandono vigiado. Lisboa: Guimarães Editores. .Peirce, Charles Sanders (1975) Semiótica e filosofia. Trad. de Octanny Silveira da Mota e Leônidas Hegenberg. São Paulo: Cultrix-EDUSP. .Pessoa, Fernando (2015) Mensagem e outros Poemas sobre Portugal. Porto: Assírio & Alvim. .Pessoa, Fernando. Mensagem. Ed. Fac-similada (da de 1934), sem outros dados da edição.

203


204

.Pessoa, Fernando (1973) Páginas de Estética e de Teoria e Crítica Literárias. 2ª ed. Lisboa: Ática. .Pignatari, Décio (2004) Contracomunicação. 3ª ed. Cotia-SP: Ateliê. .Pignatari, Décio (2000) Errâncias. São Paulo: SENAC. .Pimenta, Alberto (2003) O Silêncio dos Poetas. Lisboa: Cotovia. Precedido de Reflexões sobre a Função da Arte Literária e de A Dimensão Poética das Línguas. .Plaza, Julio (1987) Tradução Intersemiótica. São Paulo: Perspectiva. .Plaza, Julio e Tavares, Monica (1998) Processos Criativos com os Meios Eletrônicos: Poéticas Digitais. São Paulo: HUCTEC. .POE, Edgar Allan (1981) Ficção Completa, Poesia e Ensaios. 3ª ed. Trad. de O. Mendes e M. Amado. Rio de Janeiro: Nova Aguilar. .Pound, Ezra (1970) ABC da Literatura. Trad. de A. de Campos e J. P. Paes. São Paulo: Cultrix-CEC. .Pound, Ezra (1976) A Arte da Poesia: Ensaios Escolhidos. Trad. de Heloysa de Lima Dantas e José Paulo Paes. São Paulo: Cultrix. .Pound, Ezra (1968) Antologia poética. Trad. de Augusto de Campos, Décio Pignatari, Haroldo de Campos, José Lino Grünewald e Mário Faustino. Lisboa: Ulisseia. .Reis, Jorge dos (2012) Três movimentos da Letra: o Desenho da Escrita em Portugal. 3 vol. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal. .Ribeiro, Eunice e Sousa, Carlos Mendes de org. (2004) Antologia da Poesia Experimental Portuguesa: Anos 60 – Anos 80. Coimbra: Angelus Novus. .Risério, Antonio (1998) Ensaio sobre o Texto Poético em Contexto Digital. Salvador: Fundação Casa de Jorge Amado-Copene. .Rizzini, Carlos (1968) O Jornalismo Antes da Tipografia. São Paulo: Cia. Editora Nacional. .Santaella, Lúcia (1992-1993) Palavra, Imagem e Enigmas. In: Revista da USP 16. São Paulo: CCS da USP, dez./jan./fev. 1992-1993. .Santaella, Lúcia e Nöth, Winfried (1998) Imagem: Cognição, Semiótica, Mídia. São Paulo: Iluminuras. .Serrão, Joel org. (1983) Obra Completa de Cesário Verde. 4ª ed. Lisboa: Livros Horizonte. .Silva, Alberto da Costa e org. (1960) A Nova Poesia Brasileira. Lisboa: Escritório de Propaganda e Expansão Comercial do Brasil em Lisboa. .Solt, Mary Ellen ed. (1971) Concrete Poetry: a World View. Third printing. Bloomington: Indiana University Press.


.Teles, Gilberto Mendonça (1999) Vanguarda Europeia e Modernismo Brasileiro. 15ª ed. Petrópolis: Vozes. .Valéry, Paul (1991) Variedades. Trad. de M. M. de Siqueira. São Paulo: Iluminuras. .Williams, Emmett ed. (1967) An Anthology of Concrete Poetry. New York: Somethings Else Press. § .Graal: Poesia. Teatro. Ficção. Ensaio. Crítica. Nº 2. Lisboa: E.N.P., 1956. .Klaxon: mensário de Arte Moderna. Edição fac-similar. São Paulo, Martins- CEC, 1972. .Orpheu. Edição facsimilada (1989) Lisboa: Contexto. .Poesia Experimental 1 (1964). Lisboa: Cadernos de Hoje. .Poesia Experimental 2 (1966). Lisboa: Cadernos de Hoje. .Portugal Futurista. 3ª ed. Facsimilada (1984) Lisboa: Contexto. .Representação Portuguesa XIV Bienal de São Paulo. São Paulo, 1977 (Catálogo). Organizador responsável: E. M. de Melo e Castro. .Invenção: Revista de Arte de Vanguarda 1. São Paulo: GRD, 1962. .Invenção: Revista de Arte de Vanguarda 2. São Paulo: Massao Ohno Editora, 1962. .Invenção: Revista de Arte de Vanguarda 3. São Paulo: Ed. Invenção, 1963. .Invenção: Revista de Arte de Vanguarda 4. São Paulo: Ed. Invenção, 1964. .Invenção: Revista de Arte de Vanguarda 5. São Paulo: Ed. Invenção, 1966-7. .Noigandres 1. São Paulo: Ed. dos Autores, 1952. .Noigandres 2. São Paulo: Ed. dos Autores, 1955. .Noigandres 3. São Paulo: Ed. dos Autores, 1956. .Noigandres 4. São Paulo: Ed. dos Autores, 1958. .Noigandres 5. Antologia: do Verso à Poesia Concreta. São Paulo: Massao Ono, 1962 .Suplemento Especial do Jornal do Fundão, de 24 de janeiro de 1965: “Poesia Experimental”. Fundão. Organizado por António Aragão e E. M. de Melo e Castro. .Hidra (1).Porto: Ecma, 1966. Organização de E. M. de Melo e Castro. .Hidra 2. Lisboa: Ed. dos Autores , 1969. Organização de E. M. de Melo e Castro. .Operação 1. Lisboa: Ed. dos Autores, 1967. Organização de E. M. de Melo e Castro.

205


.Poesia Concreta: o Projeto Verbivocovisual. São Paulo: Artemeios, 2008. (Org. Cid Campos, João Bandeira, Lenora de Barros e Walter Silveira) .Poesia Experimental Portuguesa. Brasília: Caixa Cultural - Espaço Líquido, 2018. (Curadoria: Bruna Callegari e Omar Khouri) .Poesia Experimental Portuguesa. 2ª ed. São Paulo: CCSP - Espaço Líquido, 2021. (Curadoria: Bruna Callegari e Omar Khouri) § .PO.EX: www.po-ex.net/autores .Poesia Concreta Brasileira.com.br .http://www.nomuque.net/escritosdelisboa/ 206

§ .Entrevistas/ Depoimentos (por e-mail): António Barros, António Nelos, Augusto de Campos, Emerenciano Rodrigues, Ernesto Manuel de Melo e Castro, Fernando Aguiar e Rui Torres





Título: Autor: Capa: Poemas na capa: Projeto gráfico: Formato: Tipologia: Papel: Número de páginas: Impressão: Editora:

Escritos de Lisboa Omar Khouri Bruna Callegari Tontura, de E. M. de Melo e Castro 1961-62 K8, de Villari Herrmann 1969-71 Bruna Callegari 15x21cm Sintax Pólen Soft 80g / m (miolo) Cartão Supremo 250 g/m (capa) 212 Interfill Espaço Líquido Editora Nomuque Edições



No Brasil, a Poesia Concreta, anos 1950, constituiu-se num divisor de águas. Do mesmo modo, a Poesia Concreta/Experimental, em Portugal, anos 1960, foi um marco divisório. Daí, o Antes, o A Partir De e o Depois Da… Essa poesia, calcada na Invenção, foi a de maior trânsito e se tornou a mais conhecida produção do mundo lusófono, em âmbito planetário, com suas incursões de linguagem beirando a universalidade. Os textos que constam deste volume, 33 ao todo, traçam origens e características de fazeres intersemióticos e que visaram e visam ao trânsito nos vários media, abraçando as novas tecnologias/novas linguagens. Diferentemente do que disseram muitos, essa poesia abriu caminhos e ensinou a liberdade no fazer, sem deixar de lado o rigor.


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.