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PRIMEIRO ESTRANHA SE, DEPOIS
A 26 de Março de 2020 deu-se o início do funcionamento das Áreas Dedicadas à COVID-19 (ADC), em pleno Estado de Emergência Nacional. A USF Espinho foi uma das equipas que iniciou o funcionamento da ADC de Paramos, com 4 elementos que se voluntariaram para a missão: 2 médicas, 1 enfermeira e 1 secretária clínica.
Lidámos necessariamente com algumas incertezas: se teríamos equipamento de protecção individual (EPI) durante os 14 dias de trabalho; sobre o funcionamento de uma nova plataforma informática –Trace Covid –e que doentes vigiar diariamente.
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Foi um período de adaptação a uma nova realidade. De repente tivemos de alterar de paradigma, quase abandonando a abordagem holística e o modelo biopsicossocial, tão característicos da nossa especialidade, passando a integrar um modelo puramente biomédico, baseado em fluxogramas, quase despersonalizado. Para essa despersonalização contribuiu, também, o meio envolvente e o circuito do utente, cheio de obstáculos à comunicação e potencialmente gerador de mais receios e ansiedade. À entrada, um vigilante e enfermeira com EPI, alertando sobre o devido distanciamento social e a necessidade do uso de máscara, aferindo posteriormente indicação para observação ali. A sala de espera que permitia a permanência de apenas 4 utentes em simultâneo. Dentro do consultório (com o triplo da área dos nossos!), com janelas abertas, sentavam-se numa cadeira isolada e a 3 metros da secretária, que ainda envergava uma proteção em acrílico “escondendo” uma médica irreconhecível com o EPI. A primeira frase que ouviam era necessariamente “Não se assuste!”. De facto, o medo imperava e estava espelhado não só nos utentes, como nos profissionais de saúde.
As dúvidas clínicas também tiveram lugar. Apesar de bem escudadas com Normas de Orientação Clínica e Circulares Informativas da DGS, inicialmente actualizadas quase diariamente, mercê da evolução pandémica, havia sempre a exceção à regra, aquele caso clínico que não se enquadrava nas orientações para realização de teste diagnóstico, mas que era suspeito.
Além de gerir as expectativas dos utentes que pensavam que iam fazer teste diagnóstico ali, ainda havia a gestão à distância das listas de utentes que, repentinamente, ficaram “sem” médicas de família. Passámos de um extremo ao outro: se na “Era AC” (Antes da Covid) a maioria dos problemas era resolvida presencialmente, a “Era DC” (Depois da Covid) pede-nos que a maioria dos problemas seja resolvida à distância e a muito mais do que 2 metros.
Primeiro estranha-se, depois… depois, ah… admirável mundo novo!
Paula Silva
USF Espinho pssilva@arsnorte.minsaude.pt
Cátia Matos
USF Espinho camatos@arsnorte.minsaude.pt