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O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS
GUILHERME MACEDO
Vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Gastrenterologia
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PREVENÇÃO É FUNDAMENTAL NA SAÚDE DIGESTIVA
Os portugueses estão a comer pior. Há uma ausência de diversidade alimentar e um aumento do consumo de hidratos de carbono de difícil digestão, que podem ser indutores da doença. Guilherme Macedo alerta para os efeitos da pandemia de COVID-19.
Revista H - COMO ANDA A SAÚDE DIGESTIVA DOS PORTUGUESES? Guilherme Macedo (GM) - A saúde digestiva dos portugueses anda muito influenciada pelos tempos que vivemos, relacionados diretamente com a pandemia. Mas também com aspetos colaterais – sociais, económicos e stress. Essa influência sublinha algo que é crucial: a influência direta de muitos fatores sobre aquilo que é o nosso bem-estar em termos de saúde digestiva. H - EM QUE CONSISTE A SAÚDE DIGESTIVA? G.M. - A saúde digestiva é um conceito que resulta do equilíbrio e do “silêncio”, em termos de sintomas de doença, nos diferentes órgãos do aparelho digestivo, que passa por aqueles que o compõem - o esófago, o estômago, o intestino, o cólon e o reto -, mas também outros órgãos de vital importância, como o pâncreas e, sobretudo, o fígado.
H - O RASTREIO E A PREVENÇÃO ASSUMEM UMA GRANDE IMPORTÂNCIA? G.M. - Claro! Daí o nosso foco constante para que os portugueses alinhem nos programas de rastreio, mas sobretudo de prevenção - ainda mais vitais quando falamos em doenças do foro oncológico. Temos a necessidade de procurar a evidência de doença, antes de a mesma se manifestar. H - O CONFINAMENTO E OS NOVOS HÁBITOS ALIMENTARES, ASSOCIADOS AO AUMENTO DE STRESS E ANSIEDADE, VAI REPERCUTIR-SE NA SAÚDE DIGESTIVA? G.M. - Os portugueses estão a comer pior e modificaram a sua higiene alimentar, fruto do confinamento e da restrição de algumas atividades ao ar livre. Há ainda uma ausência de diversidade alimentar e um aumento do consumo de hidratos de carbono de difícil digestão, que podem ser indutores da doença. Associado a isto há ainda um aumento notório do consumo de bebidas alcoólicas, que tem efeitos nefastos na saúde, nomeadamente a adiposição de gordura no fígado. Nos últimos tempos, também se tem registado um aumento do peso, pois não podemos esquecer a velha máxima “Somos aquilo que comemos”. A juntar a tudo isto, o confinamento trouxe o aumento dos níveis de stress e ansiedade relacionados com aspetos económicos que, também, contribuem para as escolhas menos saudáveis, pois os produtos alimentares mais baratos são mais ricos em hidratos de carbono. Tudo isto afeta, claramente, a saúde digestiva. Se juntarmos a redução no número de exames de diagnóstico, como colonoscopias e endoscopias, temos uma combinação explosiva que representa um atraso no diagnóstico e na prevenção das doenças digestivas. A identificação precoce das lesões precursoras e a sua remoção atempada são medidas essenciais na prevenção do cancro de cólon e reto. Portanto, estamos a passar de lesões curáveis para circunstâncias que podem resultar em lesões mais avançadas ou tumores. H - DE QUE FORMA SE ESTÁ A TENTAR INVERTER ESTA TENDÊNCIA? G.M. - Tem havido um esforço muito grande dos especialistas da saúde digestiva, seja nas instituições públicas ou privadas, para tentar minorar os atrasos. Isto resolve-se facilitando o acesso das pessoas aos procedimentos endoscópicos, que são totalmente seguros - assim como as instituições de saúde -, transmitindo essa segurança e confiança aos portugueses. H - APESAR DE TER MENCIONADO QUE ESTAS SÃO DOENÇAS SILENCIOSAS, A QUE SINAIS DEVEMOS ESTAR ALERTAS? G.M. - Não se deve menorizar alguns sintomas e associá-los a uma “má disposição”. Contudo, na saúde digestiva não podemos fazer essa gradação de gravidade dos sintomas, pois aqui é muito mais importante a prevenção. Nós não repousamos a nossa atividade na resposta ao sintoma, mas na adoção efetiva da medicina preventiva. É preciso que exista uma consciência de que é muito mais útil a realização, em tempo útil, de procedimentos de diagnóstico de lesões precursoras ou de condições que favoreçam o aparecimento de outras patologias. Exemplo disso é o caso do fígado, que tem 1,5 quilos de surpresas, porque é completamente assintomático e silencioso. H - A PREVENÇÃO COMEÇA LOGO PELO QUE COMEMOS? G.M. - Sim, começa num estilo de vida saudável, com uma dieta de estilo mediterrânico e a prática de exercício físico. Uma alimentação rica em vegetais e frutos secos, e alimentos que sejam cultivados na região mediterrânica. O importante é ter uma dieta variada, rica e diversa, sem exageros alimentares. Não nos podemos esquecer que a obesidade é um dos principais perturbadores da saúde digestiva. No que diz respeito ao exercício físico também não precisamos de ser atletas de alta competição, mas fazer coisas simples como caminhar e pequenos treinos - cumprindo as medidas impostas pela pandemia. Neste período de confinamento passa, sobretudo, por não ficarmos sentados no sofá. O somatório do equilíbrio emocional, com o equilíbrio alimentar e o equilíbrio do exercício físico é o melhor tripé para a saúde digestiva.
DIA MUNDIAL DA SAÚDE DIGESTIVA
“A obesidade, a pandemia em curso” foi o tema escolhido para assinalar, no dia 29 de maio, o Dia Mundial da Saúde Digestiva. Se no caso da covid-19 se podem objetivar as medidas preventivas para evitar a propagação da doença, «em relação à obesidade, que atinge um terço da população mundial, há que reforçar a importância da abordagem estratégica para erradicar este problema», explica Guilherme Macedo. Um dos parceiros na divulgação de informação são as farmácias, «local ao qual muitas pessoas continuam a recorrer para se pesar, por exemplo, e onde obtêm aconselhamento e acesso privilegiado a informação segura sobre obesidade». www.saudedigestiva.pt