4 minute read
Visão privilegiada
n Por Morgana Campos
Se alguém que não conhece nada do setor de combustíveis nacional chegar à sala do secretário de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia, Marco Antônio Martins Almeida, poderá ter uma breve visão da complexidade e questões que envolvem a atividade na atualidade. Organizados sobre a mesa estão arquivos com documentos, anotações e post-its, dividindo espaço com cronogramas delineados em quadros sobre as paredes com indicações sobre etanol, biodiesel, S10, gás etc.
Entre uma reunião e outra de sua complicada agenda, o secretario recebeu a Combustíveis & Conveniência em seu escritório em Brasília, onde afirmou que será possível reestabelecer em maio o percentual de anidro na gasolina, descartou problemas de qualidade no biodiesel e explicou porque se queima tanto gás no país. Confira a seguir os principais trechos dessa conversa que durou mais de duas horas.
Combustíveis & Conveniência: Por várias vezes, representantes do governo afirmaram que o GNV não é prioridade, gerando crise e desconfiança no setor. Qual a política do governo para o GNV? Os recentes leilões de curto prazo da Petrobras serão direcionados ao GNV?
Marco Antônio Martins A lmeida: Importante distinguir que existem as políticas de governo e as políticas da Petrobras, embora normalmente estas estejam alinhadas com as do governo. O GNV é um mercado como qualquer outro em termos de contrato firme e tem que ser respeitado. Mas, diferentemente
Os produtores se recapitalizaram, principalmente com o aumento de preço tanto do açúcar quanto do etanol, e isso vai facilitar a captação de recursos no mercado. Creio que, neste ano, provavelmente não será necessário o financiamento da estocagem e, se for, será numa quantidade muito pequena de outros segmentos, no GNV é o consumidor quem decide se quer usar o gás, a depender da competitividade em relação aos outros combustíveis. Não há, portanto, controle sobre a demanda. Os postos e as distribuidoras são livres para fazerem investimentos e o consumidor também tem a liberdade de converter seu carro e usar o GNV. O problema é que a oferta não é livre, é limitada.
O gás que está sendo ofertado nos leilões não é firme, são contratos de curto prazo para um ou três meses. Não é possível abastecer um consumidor firme com gás de leilão. Se o GNV for estimulado com o gás desse leilão, como ficará o abastecimento desse consumidor quando não houver mais esse gás? GNV precisa de demanda firme, não posso abastecer com outro contrato, porque o consumidor não pode ficar com o ônus de não ter o produto.
Não estamos estimulando a demanda de GNV por conta das restrições de oferta. Temos uma quantidade limitada de gás para abastecer de maneira firme o mercado e é necessário ter muito cuidado com essa questão, pois ela afeta diretamente o consumidor. Só vamos ter aumento de oferta firme de gás a partir de 2013/2014. Até lá, qualquer térmica que entrar em operação, por exemplo, precisará recorrer à importação de GNL (Gás Natural Liquefeito).
C&C: Há uma grande reclamação de que a queda no preço do gás não foi correspondente à alta registrada no período de disparada da cotação do petróleo no mercado internacional. Além disso, questiona-se a metodologia adotada pela Petrobras para corrigir preços, que possui uma parcela variável, acompanhando uma cesta de óleos no mercado internacional, e uma outra parcela fixa usada para cobrir custos com transporte e expansão da malha, que ninguém sabe como é calculada. O governo tem estudado essa questão? Na prática, não está cabendo à Petrobras o papel de definir a política nacional para o gás, estabelecendo preços e escolhendo quais setores devem ser estimulados?
MAMA: Quem define preço de gás no Brasil é a Petrobras, porque o mercado é livre desde 2002. Mas seríamos irresponsáveis se não nos debruçássemos sobre essa questão, até porque mais de 50 correspondências que recebemos ultimamente referem-se à questão dos preços.
Temos atualmente o gás que vem da Bolívia e o de produção nacional. O GNL importado destina-se basicamente às térmicas. O preço do petróleo adquirido da Bolívia é estabelecido por contrato, que tem validade até 2019 e precisa ser respeitado, ou seja, a Petrobras não tem qualquer arbítrio sobre ele.
Em relação ao gás nacional, o que vimos até pouco tempo eram preços baixos e uma demanda enorme, algo completamente oposto a uma regra de mercado. A Petrobras então mudou sua política. Adotou uma regra que previa uma correção trimestral dos preçosigual a do contrato da Bolívia e também à adotada na época do tabelamento de preços, anterior a 2002 – e uma parcela fixa associada à remuneração de todos os investimentos: transporte, estações de tratamento etc. A divisão é necessária até porque transporte tem uma tributação diferenciada, pois se trata de uma prestação de serviços.
As nossas análises preliminares nos levam a crer que, assumindo o volume de investimentos feitos pela Petrobras desde 2007, a parcela fixa pode estar subdimensionada. Para se ter uma ideia, em 2006, não foi agregado um único quilômetro à malha de gasodutos nacional. Já no ano seguinte, 662 km foram construídos; em 2008, mais 754 km; e em 2009, 521 km. E não são apenas mais quilômetros de dutos, temos também uma ampliação nos diâmetros, que passaram de 8 a 14 polegadas de diâmetro para 14 a 38 polegadas de diâmetro, o que implica maior capacidade.
Além disso, construir gasoduto no Brasil está caro, cerca de três vezes acima da média mundial. Primeiro porque as empresas estão sobrecarregadas, o que fez o preço subir. Além disso, o Brasil tem condições específicas e custos ambientais. Os dutos do gasoduto no Amazonas precisaram ser transportados de helicópteros; o excesso de chuva na região de Caraguatatuba obrigou a construção de 4 km de cobertura sobre os dutos para que a soldagem pudesse ser feita.
De qualquer forma, a nossa expectativa é de que a nova Lei do Gás vai trazer mais concorrência para o setor e mais transparência nessa questão dos preços.
C&C: A Petrobras aumentou a quantidade de gás queimado de uma média de 5,97 milhões de m 3 por dia em 2008 para 9,38 milhões de m3 em 2009. Não
Indicação
de Leitura
“Eric Clapton : a Autobiografia”
Eric Clapton
Editora: Planeta do Brasil
O gás que está sendo ofertado nos leilões não é firme, são contratos de curto prazo para um ou três meses. Não é possível abastecer um consumidor firme com gás de leilão. Se o GNV for estimulado com o gás desse leilão, como ficará o abastecimento desse consumidor quando não houver mais esse gás?
Não se queima gás que pode ser aproveitado. Se pudesse pegar esse gás e colocar no mercado, ele estaria no mercado, porque não fornecêlo é jogar dinheiro fora. Tampouco se está queimando gás porque o mercado caiu