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Adulteração no ar
Depois das irregularidades nos combustíveis automotivos, a adulteração chega agora ao lucrativo mercado da gasolina de aviação
n Por Rodrigo Squizato
A novela da adulteração de combustíveis no Brasil é longa e triste. Cada capítulo é recheado de uma dose cavalar de corrupção, estelionato, fraudes, sonegação e, não raro, alguma violência. Como em toda novela, a maior parte das cenas é altamente previsível, mas sempre surgem desdobramentos que surpreendem todos os espectadores.
A condenação e prisão de uma quadrilha de adulteração de combustíveis trouxe ao público um fato estarrecedor descoberto pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) –Núcleo Campinas.
Uma quadrilha baseada no interior de São Paulo, não satisfeita apenas com a adulteração de combustível para automóveis, resolveu entrar no mercado mais lucrativo, de gasolina para a aviação.
As investigações começaram em 2002. Um dos responsáveis pelo grupo já estava na mira da polícia desde a época da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Combustíveis da Assembleia Legislativa de São Paulo.
Humberto Armbruster Neto, conhecido como Betito, foi condenado a um ano e dez meses de prisão e pagamento de multa de R$ 18,9 milhões. Também foram condenados: Viviani Galetti de Oliveira Armbruster (1 ano e 8 meses), Marcelo Prada (1 ano e 8 meses), Antônio Carlos Caneo, Edson Zerbinato e Marilene Pereira Donato (1 ano e 3 meses). André Figueiredo de Araújo, condenado a um ano e oito meses, conseguiu fugir e Oto Armbruster, Fernando Sanches Galetti e Carlos Augusto de Assis Medeiros, também condenados a um ano e oito meses, não foram localizados.
Segundo informações do Ministério Público de São Paulo, a quadrilha adquiriu mais de 15 milhões de litros de solvente. O produto era usado para a adulteração de combustível vendido pelas distribuidoras da quadrilha, entre elas a Petroleum, sediada em Cordeirópolis (SP). O solvente era comprado por empresas de fachada.
Os lucros da fraude eram destinados à aquisição de bens em nome das empresas do grupo. Entre as compras da quadrilha havia uma lancha de 43 pés modelo Pershing 43, no valor de 490 mil euros (cerca de R$ 1,2 milhão), adquirida em nome da transportadora de combustíveis Transpantaneira, da qual Armbruster Neto era proprietário. Também em nome da Transpantaneira foi comprado um helicóptero Helibrás, modelo HB 350-B, depois vendido para a Transportadora Transac por R$ 166 mil, embora o valor de mercado seja de aproximadamente R$ 1 milhão.
Para produzir a gasolina de aviação, a quadrilha usava os mesmos métodos adotados para adulterar gasolina para carros: misturar solvente ao produto, a chamada gasolina azul, usada em aviões de pequeno porte. A única diferença é que realizavam testes no produto acabado, para reduzir as chances de que ele não causaria pane nos motores das aeronaves. As gravações realizadas com autorização da Justiça durante as investigações dão a entender que os testes eram feitos em um motor de bancada.
Além das distribuidoras, a quadrilha possuía uma empresa de produtos químicos a Sigla Química Geral Ltda.
Segundo registros da ANP, uma das distribuidoras usadas por Armbruster Neto, a Petroleum Distribuidora e Comércio de Combustíveis Ltda., teve o registro cancelado em 5 de setembro de 2007.
Pesquisa realizada em órgãos de imprensa revela uma curiosidade. Em 1997, Armbruter Neto denunciou uma proprietária de dois postos de gasolina em São Paulo por pagamento de fornecedor com cheques roubados. Joselma de Souza Moreno foi presa em um posto no
Ipiranga, em São Paulo, em posse de 2.000 cheques roubados, somando R$ 45 mil, segundo informações da polícia à Folha de S. Paulo, à época.
Na época, segundo o jornal, Armbruster Neto foi citado como gerente da Avan Distribuidora de Derivados de Petróleo e Álcool Ltda., que teve o registro revogado pela ANP em 4 de maio de 2001.
Embora não se tenha notícia no passado recente de adulteração de gasolina para aviação, é relativamente sabido que no interior do país alguns pilotos optam por usar combustíveis alternativos para reduzir o custo de operação da aeronave.
Nos Estados do Norte, onde o avião é um meio de transporte importante devido às grandes distâncias e falta de infraestrutura, há relatos de pilotos que usam a gasolina para carros Podium da Petrobras, com 95 octanas, para o trecho de navegação em velocidade de cruzeiro, embora a BR Distribuidora seja taxativa de que a gasolina é apenas para veículos terrestres.
Apesar da alta octanagem, existem diferenças significativas entre as gasolinas para automóveis e para aviação. A AVGAS, como é conhecida, ainda contém chumbo – que deixou de ser usado na gasolina de carros em 1989 – e não recebe mistura de etanol. Além disso, à gasolina de aviação é adicionado um corante azul, para facilitar sua identificação.
Já nas fronteiras agrícolas, pilotos de aviões de pulverização de lavouras foram pioneiros no uso do etanol como combustível de aviação, também com o objetivo de reduzir os custos. Anos depois, a Embraer lançou oficialmente o Ipanema movido a etanol, assim como kits de conversão para os modelos existentes a gasolina. n
Na região Norte, há relatos de uso da gasolina Podium em aviões, apesar da BR Distribuidora indicar o produto apenas para veículos terrestres
Expectativa é por maior equilíbrio neste ano entre o consumo de gasolina e de etanol