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O dilema da revenda
Assinar um contrato com a bandeira ou atuar de forma independente, com todas as vantagens e desvantagens que cada alternativa oferece? A decisão costuma ser um verdadeiro dilema para o revendedor. Com contrato, o empresário muitas vezes se sente engessado e sem possibilidade de melhorar sua margem; sem contrato, pode ficar sujeito à instabilidade do mercado spot e sem apoio de uma marca forte e conhecida. Como tomar a decisão mais acertada?
revendedores, o número de estabelecimentos sem vínculo é bastante expressivo.
O número de postos bandeira branca está aumentando, segundo a ANP. De acordo com dados de mercado divulgados pela Agência em fevereiro, 43,7% de todos os postos no Brasil não têm vínculo com nenhuma distribuidora de combustíveis. Em 2008, eram 15.814 postos bandeira branca; em 2009, este número subiu para 16.445. Considerando um universo total de pouco mais de 37 mil postos
Cabe aqui uma explicação: a ANP, ao divulgar os dados de mercado, levou em consideração as informações existentes em seu cadastro. Assim, mesmo que um posto revendedor só compre combustíveis de determinada bandeira, mas por algum motivo não tenha ainda seu contrato, ele pode estar figurando no cadastro da Agência como bandeira branca. E mais de 40% do universo total da revenda está nesta situação, seja por opção (porque desejam a operação independente) ou por falta dela (porque não conseguem chegar a um acordo satisfatório com as bandeiras de distribuição).
É possível elencar várias razões para que quase metade dos postos revendedores opte pela operação independente: desde a preferência por não ter compromisso de compra com alguma bandeira, até a dificuldade de operação com margens satisfatórias quando vinculado a uma empresa de distribuição.
É possível elencar várias razões para que quase metade dos postos revendedores opte pela operação independente: desde a preferência por não ter compromisso de compra com alguma bandeira, até a dificuldade de operação com margens satisfatórias quando vinculado a uma empresa de distribuição
Nas grandes cidades, onde há maior concorrência, é fato que existem vantagens em manter um contrato com uma bandeira. As irregularidades de mercado e a competição predatória promovida por agentes que atuam de forma ilícita levaram o consumidor, de modo geral, a considerar a marca reconhecida como um diferencial. Diversas pesquisas demonstram que o público prefere comprar combustíveis de uma marca conhecida, que lhe passa a imagem de credibilidade (mesmo que isso não seja exatamente uma verdade). Além disso, o contrato, em tese, garante o fornecimento de produtos. Embora situações de desabastecimento sejam raras atualmente, recentemente aconteceu com o etanol, e depois com a gasolina. E os postos com contrato foram prioridade das bandeiras de distribuição na hora de definir para quem vender o produto escasso. Apesar de muitos revendedores terem reclamado de não ter recebido combustível nos volumes solicitados, é inegável que postos bandeirados têm com quem reclamar e pedir providências, enquanto que os independentes precisam procurar no mercado quem possa lhe oferecer o produto, com garantia de prazo e qualidade. Além de tudo isso, estar sob o guarda-chuva protetor de uma bandeira em tese garante a possibilidade de negociar investimentos extras e melhorias para o posto.
Ainda assim, apesar destas (aparentes) vantagens, um volume expressivo de postos continua independente, especialmente em cidades mais distantes dos grandes centros, onde características como a imagem positiva da bandeira não querem dizer muita coisa para o consumidor local.
E tanto em cidades menores quanto nas capitais, há casos de revendedores que não renovam seus contratos por vontade própria, pois não aceitam cláusulas consideradas interessantes apenas para um dos lados (o da distribuidora), ou temem assinar um contrato que não terão condições de cumprir (exigências de volume mínimo, por exemplo). Outros sequer conseguem negociar com as bandeiras, pois seus estabelecimentos não têm o perfil pré- definido pelas distribuidoras. Embora evitem falar sobre isso, as companhias distribuidoras procuram assinar contratos apenas com postos que preencham características consideradas interessantes, como potencial de vendas e localização, entre outras. Com isso, descartam postos com perspectiva de volumes menores, ou localizados em regiões fora de seu interesse. E estes revendedores acabam não tendo outra opção senão recorrer a bandeiras menores ou atuar como bandeira branca. E quando conseguem assinar um contrato, em geral, têm de cumprir metas de vendas estabelecidas pela bandeira para conseguir preços competitivos. Se não atingem as metas, o preço é mais alto e a competição se torna cada vez mais difícil. Com isso, o posto entende que o contrato não estabelece uma parceria – afinal, se a bandeira fosse parceira, haveria interesse na manutenção de seus pontos de venda como empresas lucrativas.
Troca
A dificuldade de negociar com as bandeiras, por conta do perfil de volume pré-definido por estas empresas em avaliações de mercado, é comum no setor. E não ocorre apenas em cidades menores. O revendedor carioca Luis Paulo Carvalho enfrentou esta dificuldade ao resolver embandeirar seu estabelecimento, antes independente. “Após enfrentar inúmeros problemas como bandeira branca, eu e minha sócia consideramos melhor operar com vínculo a uma distribuidora. Procuramos algumas das principais bandeiras do mercado, mas não foi possível negociar, pois o estabelecimento não se enquadrava dentro do perfil de vendas destas empresas”, contou o empresário, cujo posto hoje ostenta bandeira ALE e tem um volume de vendas na faixa de 110 mil litros. Depois de muito pesquisar e negociar, Carvalho assinou um contrato de CVM (Compra e Venda Mercantil) com a ALE. Segundo ele, a bandeira é bastante flexível na negociação de preços, além de investir no empreendimento. “A ALE está promovendo a remediação do solo. Então, ao assinar o contrato, a troca ficou clara: a empresa faria um investimento no posto, que em compensação teria um compromisso de vendas”, disse ele. A negociação, segundo o revendedor, foi clara e houve concessões de ambas as partes. A ALE, inclusive, chegou a oferecer a marca Entreposto (franquia de conveniência), mas o empresário preferiu manter sua loja independente.
Mas este caso com desfecho feliz é praticamente uma exceção. A complexidade dos contratos e a dificuldade de leitura destes documentos, via de regra, levam empresários de revenda a assinar contratos sem ter bem esclarecidas determinadas cláusulas. De acordo com Gustavo Tavares, consultor jurídico da Fecombustíveis, os contratos devem ser analisados com muita cautela (veja Box). “Em geral os contratos são bastante longos, utilizam vocabulário jurídico, têm diversos anexos e entrelinhas que dificultam a compreensão. Se cada detalhe não for discutido com a bandeira e avaliado atentamente, há risco de o revendedor se surpreender no futuro”, alertou.
O investimento é cobrado ao longo do contrato
Uma coisa tem de ficar clara para o revendedor: quanto maior o investimento feito pela bandeira no estabelecimento, maior a cobrança futura. “Se a companhia investe uma quantidade de recursos em um determinado posto, isso tem de voltar para a empresa de alguma forma”, admitiu Juscelino Sousa, vice-presidente da ALE. “Ou seja, o preço que é feito para o revendedor visa rentabilizar o investimento anterior. Se a bandeira investiu em equipamentos, remediação de solo, imagem e outros em um determinado ponto, não pode praticar preços idênticos aos oferecidos a estabelecimentos onde não houve investimento algum. Às vezes, não fica claro para o revendedor que, em reciprocidade ao investimento,
Margens fixas para as bandeiras
Com planos de atingir uma rede de 150 postos, a Royal Fic está lançando no mercado uma modalidade de contrato inovadora para o revendedor. De acordo com o diretor Emílio Martins, o novo contrato terá como diferencial a fixação da margem da bandeira, que poderá ser renegociada uma vez ao ano. “Os preços pagos pela distribuidora pela gasolina e pelo diesel serão abertos para o revendedor, que poderá consultar semanalmente os valores praticados pela Petrobras. O preço do etanol será o divulgado pela Esalq, e o do biodiesel (B100) o divulgado pela ANP. Com base nisso, o revendedor poderá fazer a conta: hoje a gasolina tem 20% de etanol; com os dois valores em mãos, é fácil confirmar se a bandeira está cumprindo a margem prevista em contrato. O mesmo vale para o diesel com adição de biodiesel”, explicou. Segundo Martins, todos os novos contratos da bandeira serão fixados com esta cláusula de margem fixa e renovação anual. Os contratos antigos serão substituídos por esta nova modalidade. “A Royal Fic quer crescer com uma rede de postos forte e competitiva no mercado”, afirmou.
A Megapetro, com atuação no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, é outra bandeira que investe em uma modalidade diferenciada de contrato. De acordo com Juarez Francisco Nonemacher, presidente da empresa, a distribuidora também fixa margens máximas de lucro para cada produto. “As margens são negociadas no ato da contratação, variando de caso a caso. Mas quanto maior o investimento da companhia, maior vai ser a margem do contrato. Quando há uma guerra de preços na região de um determinado posto, ou mesmo em momentos em que as margens da cidade/região diminuem, nós reduzimos a nossa margem proporcionalmente, mesmo que conste esta garantia em contrato”, destacou.
Sempre fique atento se o contrato apresentado realmente é de CVM ou outra modalidade que contém cláusulas do CVM, franquia
Sobre a franquia Shell
Embora seja uma modalidade polêmica de contrato, o diretor James Assis garante que as franquias da Shell estão totalmente de acordo com a legislação vigente de franchising. A empresa fornece treinamento, manuais de operação, circular de oferta e franquia. Em troca, o franqueado paga uma taxa de franquia de R$ 30 mil, mais royalties sobre a margem bruta. Além disso, tem de dispor de um capital de giro (de quase R$ 300 mil). Segundo informações disponíveis no site da empresa, o retorno do investimento se dá no prazo de 18 a 36 meses. O contrato é por tempo indeterminado. Quanto aos rendimentos, a empresa destaca que, “devido a diferenças de faturamento e eficiência operacional de cada posto de serviço, estes valores são bastante variáveis”.
deve existir fidelidade e remuneração”, explicou. Em outras palavras, um posto com bandeira corre o risco de pagar pelo combustível um valor menos competitivo do que um eventual vizinho que opere de forma independente.
“Mas é importante destacar que o desempenho de um posto não pode estar atrelado somente a preços. O vizinho bandeira branca pode ter preço melhor, mas será que garante a mesma qualidade, os mesmos serviços, o mesmo atendimento? A ALE não é intransigente na questão de preços, muito pelo contrário, e embora nosso preço no mercado spot seja menor do que para os postos com contrato, procuramos sempre preservar nossa rede. Mas estes outros aspectos devem ser tão valorizados quanto os preços”, afirmou Sousa.
Emílio Martins, diretor da Royal Fic, concorda que o investimento da bandeira precisa ser remunerado. No entanto, segundo ele, há formas de se fazer isso que são mais justas para o revendedor. “A bandeira deveria ter também interesse em manter seu ponto de venda competitivo”, disse. Com este objetivo, a empresa está lançando no mercado uma nova modalidade de contrato (veja Box), com mais garantias para os postos. Dentre as novidades, o contrato inclui a fixação da margem de lucro da distribuidora. “Não queremos cair no mesmo erro das outras bandeiras”, destacou Martins.
CVM ou uso de imagem?
Segundo Gustavo Tavares, a melhor modalidade de contrato é o de uso de imagem, já que em geral as bandeiras têm dois preços, um para os postos que apenas utilizam sua imagem, e outro para aqueles onde foram feitos mais investimentos. Mas atenção: se o posto utiliza a marca de alguma bandeira deve necessariamente vender combustível da mesma, para não desrespeitar o direito do consumidor (propaganda enganosa) e a legislação da ANP.
Entretanto, nem todas as bandeiras utilizam esta modalidade. Conforme explicou o vice-presidente da ALE, a distribuidora prefere os contratos de CVM. “Contratos apenas de uso de imagem não são interessantes para a empresa, pois em geral fazemos investimentos no ponto, como reformas e equipamentos”, explicou. Em sua avaliação, o grande problema dos contratos é que o revendedor muitas vezes não compreende que aquela vantagem financeira que obteve no momento da assinatura do documento tem de ser paga de alguma forma depois. “Nenhum empresário assina um contrato forçado. Muitas vezes a bandeira é procurada por revendedores que necessitam do investimento. Então, nada mais justo que em troca deste investimento eles assumam determinados compromissos estabelecidos em contrato. Não existem ‘armadilhas’ nos contratos”, afirmou Sousa.
Já a Shell renovou os contratos de CVM e atualmente usa duas modalidades de contrato, como explicou o gerente de relações setoriais da empresa, James Assis. “Quando o revendedor faz todo o investimento para instalação do posto, a modalidade de contrato atualmente proposta pela companhia é a de Fornecimento Global e Uso de Marcas. Já no caso de interessados em operar um negócio de revenda de combustíveis, mas sem grande capital para investir, a empresa oferece a modalidade de franquia, na qual o investimento nas instalações é feito pela Shell”, explicou o executivo. Segundo ele, da atual rede da empresa (2.721 postos), pouco mais de 100 operam sob o contrato de franquia, que seguem as normas previstas na legislação específica do franchising (veja Box).
As demais empresas do mercado foram questionadas pela reportagem da Combustíveis & Conveniência, mas preferiram não se pronunciar, alegando que as negociações contratuais envolvem aspectos estratégicos do negócio. O Brasilcom, que representa as pequenas e médias bandeiras regionais, destacou que, além de estratégica, a questão contratual envolve aspectos específicos de cada posto e cada bandeira. Por este motivo, a maior parte das empresas associadas optou por não falar sobre o assunto.
Armadilhas: existem ou não?
Apesar de a questão dos reajustes de preços estar de fato vinculada aos investimentos feitos, existem outros aspectos nos contratos que merecem a atenção do revendedor. Um deles é a questão da locação. Em muitos casos, as bandeiras incluem na negociação a assinatura de um contrato de locação do imóvel. Nesta situação, o proprietário aluga o terreno e/ou as instalações do posto para a distribuidora, que, por sua vez, subloca de volta para o revendedor - proprietário ou para a pessoa jurídica representada por ele. “Nestes casos, normalmente, os contratos
“Em os contratos são bastante longos, utilizam vocabulário jurídico, têm diversos anexos e entrelinhas que dificultam a compreensão. Se cada detalhe não for discutido com a bandeira e avaliado atentamente, há risco de o revendedor se surpreender no futuro”, alerta Gustavo Tavares, consultor jurídico da Fecombustíveis de locação têm prazo superior a cinco anos, enquanto os de sublocação da companhia para o posto são por prazo indeterminado. Eis aqui um problema, pois a companhia tem a seu favor um contrato por prazo determinado, contra outro do revendedor com prazo indeterminado. “Em tese, a companhia poderá pleitear o direito à renovação nos termos da lei do inquilinato para tentar obter a continuidade da locação e o posto teria que tentar obtê-la também por meio judicial, todavia, mais fragilizado em virtude de não ter estampado claramente no texto legal. Deve sempre o revendedor tentar obter a locação direta do posto e apenas firmar contratos de CVM com as distribuidoras, pois no caso de fim ou rescisão, não ficaria à mercê da benevolência da distribuidora; ou obter na sublocação contrato também por prazo determinado, com no mínimo cinco anos ou no mesmo período da locação”, explica Gustavo Tavares.
Os contratos de comodato – quando a distribuidora “empresta” os equipamentos para o posto – também merecem avaliação cautelosa. Isso porque, quando encerrado o contrato de compra e venda, o revendedor não pode comprar da bandeira que lhe fizer a melhor proposta, já que os equipamentos não são de sua propriedade. O consultor jurídico da Fecombustíveis, no entanto, lembra que essa modalidade de contrato encontra-se em desuso, principalmente no que se refere a tanques e linhas, devido especialmente à questão ambiental.
A modalidade de contrato de franquia praticada pela Shell também merece avaliação cuidadosa. Embora, de acordo com James Assis, este tipo de contrato siga a legislação específica do mercado de franquias, muitas vezes o revendedor pode se frustrar com a proposta. Foi o que aconteceu com o empresário Wilson Roberto Cerruci, que em 1999 tornouse um varejista da Shell, contrato que anos depois evoluiu para o de franchising . Cerruci, que assumiu um posto revendedor na cidade de Sorocaba (SP), contou que o contrato de franquia não era claro e a margem com que trabalhava, para atender ao volume negociado com a bandeira, era mínima. Nos dez anos em que ficou à frente do empreendimento, a Shell postergou uma reforma que havia prometido, e que inclusive estava sendo cobrada pela Cetesb (órgão ambiental licenciador). “Até na própria prefeitura as plantas do posto estavam desatualizadas. A Shell prometeu uma loja de conveniência e uma reforma para adequação ambiental, iniciativas que poderiam atrair mais movimento para o posto e contribuir para melhorar a margem, mas protelou isso durante anos. Até que no ano passado pediu o encerramento do contrato, alegando que o proprietário do terreno não renovou o contrato de locação do imóvel”, contou. Hoje o posto está fechado.
Segundo James Assis, o encerramento do contrato por conta do pedido do imóvel por parte do proprietário é legítimo e previsto no documento assinado por ambas as partes. “O contrato de franquias lista uma série de possibilidades de encerramento do contrato, que podem ser adotadas por ambas as partes, tanto contratante quanto contratado. A solicitação do imóvel pelo proprietário é uma das razões, isso está claro no documento e não é motivo para indenização”, defendeu o executivo, alegando ainda que o revendedor ficou inadimplente com outras obrigações assumidas perante a Shell, entre elas uma dívida de mais de R$ 170 mil.“Claro que, quando existem dúvidas não previstas em contrato, é necessário um árbitro para avaliar a situação, caso em que uma ação judicial se torna válida. Mas não é o caso nesta situação específica”, disse. De acordo com Assis, das pouco mais de 100 franquias atuais, apenas três foram encerradas com ações judiciais. “E esta informação inclusive está disponível na nossa Circular de Oferta de Franquia, basta o interessado em se tornar um franqueado checar. Ele pode – e deve – entrar em contato com os franqueados e também com os que discutem judicialmente pontos da relação contratual, para tomar a melhor decisão, baseada em fatos concretos”, afirma.
Gustavo Tavares, no entanto, sugere muito cuidado antes de assinar um contrato de franquia. “Além de ter que pagar preços diferenciados nos produtos, os revendedores são obrigados a pagar royalties à distribuidora”, ressalta, lembrando ainda que há a possibilidade de maior ingerência por parte das companhias nestes postos. “Ao analisar o caso acima exposto, numa operação tradicional, seria bem mais difícil a companhia desalojar um revendedor que trabalhou no local por mais de dez anos, sem qualquer tipo de indenização prévia”, afirma.