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Coluna:

DIMENOR: UM RETRATO DA VIDA DE CRIANร AS E JOVENS MORADORES DE RUA. Por Aderaldo Januรกrio de Almeida

Gnarus Revista de Histรณria - VOLUME XI - Nยบ 11 - OUTUBRO - 2020


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Introdução

E

m 2019 foi comemorado 30 anos da Convenção Geral sobre os Direitos da Criança, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas como forma de garantir a proteção e cuidados especiais para crianças e jovens.1 A assembleia tinha como objetivo propor aos países participantes que adotassem medidas para melhorar às condições de vida e garantir os direitos da infância das crianças e dos adolescentes. Sendo ratificada pelo Brasil e se tornando Lei federal nº 8.069 de junho de 1990, Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA. A Convenção das Nações Unidas tinha como base quatro aspectos principais: (…), o direito à vida e ao de ter as suas necessidades básicas atendidas (moradia, alimentação, saúde); o direito ao desenvolvimento de suas potencialidades (educação, esporte, cultura, informação; o direito à proteção (contra maus tratos, violência, arbitrariedade, exploração, abuso e negligência) e o direito à participação (associação e expressão). 2

Foi proposto para os países participantes, diretrizes que guiassem leis e políticas públicas, entretanto apesar de termos leis específicas para vários casos a realidade de sua efetiva aplicação é outra. Anteriormente, a lei que tratava especificamente sobre crianças e jovens, era o Código de Menores de 1979, que era uma atualização do código de 1927. Segundo Silva,

O Código de Menores de 1979 não era diferente do de 1927 no que dizia respeito ao tratamento do menor, consistindo apenas de uma releitura deste, ou seja, mantinha-se o caráter corretivo-repressivo dele. Ambos tratavam apenas da Assistência ao menor de forma paliativa, ao invés de preocuparse com o que realmente seria efetivo na resolução do problema que a cada dia ia tomando proporções cada vez maiores e que na verdade estava cravado na formação das famílias e em seus problemas sociais cotidianos. 3

De acordo com a pesquisadora, as leis anteriores não davam um completo amparo para crianças e adolescentes, eram apenas medidas paliativas, não focavam na resolução central dos problemas. Inicialmente, o Estatuto das Crianças e Adolescentes poderia ser considerado equivalente ao Código de Menores de 1927 e 1979, não nas leis, mas na falta de medidas públicas concretas. Silva argumenta, “analisando todo o aspecto histórico do amparo ao menor, observa-se que o ECA não funciona como deveria pois nunca houve amparo algum”. 4 A falta de amparo e políticas públicas podem ser vistas nas ruas das grandes metrópoles, onde crianças e jovens de todas às faixas etárias e sexo vivem ao léu sem nenhuma perspectiva de vida. Uma forma de retratar a vida de meninos e meninas de rua, foi idealizado sob a forma

1 http://primeirainfancia.org.br/superior-tribunal-de-justicacomemora-30-anos-da-convencao-sobre-os-direitos-dacrianca/. Acesso dia 26/03/2020.

3 SILVA, Deny Martins da. Estatuto da Criança e do Adolescente: uma abordagem sobre o seu cumprimento e políticas públicas relativas. Revista Âmbito Jurídico. Edição 166. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/ revista-166/estatuto-da-crianca-e-do-adolescente-umaabordagem-sobre-o-seu-cumprimento-e-politicas-publicasrelativas/. Acesso dia 02 de Abril de 2020.

2 VARGAS, 2011. P, 26.

4 Idem.

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GNARUS - 157 de tirinha pelo cartunista Ferreth.5 A tirinha do Dimenor, que antes de ser um conteúdo de humor, é uma denúncia da exclusão social, do descaso, da falta de políticas públicas, além de apresentar de forma implícita os problemas socioeconômicos que parte da sociedade, principalmente entre os pobres, estão sujeitos.

Dimenor: Imaginação e realidade. O personagem Dimenor, como protagonista, junto com sua turma tiveram a primeira aparição nas páginas do jornal O Dia em 10 de Dezembro de 1991. A tirinha rotineiramente impressa em preto e branco tem um estilo gráfico que podemos definir como cartunesco. O estudioso da área dos quadrinhos Roberto Elísio dos Santos explica que. Estilo cartunesco – diferencia-se do realista no que se refere à anatomia: os personagens são desenhados com nariz grande e redondo, 5 Francisco de Assis Ferreira. Ferreth nasceu no Rio Grande do Norte na cidade de Natal em 16 de março de 1961, migrou para o Rio de Janeiro na década de 1970. Começou a publicar seus trabalhos no Pasquim nos anos de 1970, trabalhou com Ziraldo na publicação de livros infantis e no mais celebre personagem criado por Ziraldo, O menino Maluquinho. Com isso não é de se espantar que os traços dos dois personagens Dimenor e menino maluquinho sejam parecidos, a influência de Ziraldo é evidente.

os olhos podem ter só às pupilas, a cabeça é grande e o corpo, menor, não obedece às proporções normais. Mazur e Danner (2014, p,24) designam esse estilo de “cômico pé grande”, por causa do tamanho grande dos pés e dos sapatos dos personagens. 6

O estilo cartunesco fica evidente nos traços da criação do cartunista como na figura 2, mãos, dentes, nariz, pés de formas desproporcionais. Podemos compreender que essas formas mais exageradas e desproporcionais são uma maneira de evidenciar sentimentos e expressões. No que diz respeito à escrita, Cagnin argumenta que a linguagem nas histórias em quadrinhos (tirinhas, vinhetas) são constituídas por dois elementos básicos. De acordo com Cagnin, “A história em quadrinhos é um sistema narrativo formado de dois códigos de signos gráficos: a imagem, obtida pelo desenho; a linguagem escrita”.7 Em relação a linguagem dos quadrinhos somos capazes de identificar uma característica notável nas tiras do Dimenor, um recurso muito utilizado na literatura: a metaficção. Santos esclarece o que é metaficção,

6 SANTOS, 2015, p, 45. 7 CAGNIN, 2015.

Figura 1: Ferreth. Quadrinhos Dimenor. Rio de Janeiro: Editora AKS. 1999.p, 11. Gnarus Revista de História - VOLUME XI - Nº 11 - OUTUBRO - 2020


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Figura 2: FERRETH. Op.Cit., P, 16. (…), uma narrativa em que o personagem sabe de sua verdadeira natureza, de ser ficcional, que conversa com o autor (que muitas vezes se encontra fora da história) ou que conhece ou descobre seu destino como parte da narrativa. Recurso comum na literatura – reconhecível, por, exemplo, quando o personagem “fala” diretamente ao leitor no caso dos quadrinhos especificamente no que se refere às tiras, (..). 8

No caso da tira em questão,9 a utilização da metaficção não é empregada através da linguagem escrita, ela é uma metaficção através da imagem. Analisando as tiras, vemos que o personagem principal quase sempre está olhando diretamente para o leitor, exemplo da figura 1 e na figura 2. O leitor participa das tirinhas “ouvindo” e observando às reclamações, denúncias, a indignação de um menino de rua. Arriscamos a dizer que é um artifício que o criador da tira encontrou para chamar atenção do leitor, pois Dimenor está olhando diretamente para os leitores e são eles que podem transformar o mundo no qual ele está inserido e retrata. A inspiração para a criação do personagem 8 SANTOS, Op.Cit., P, 33. 9 THOMAS. M. Inge classifica esses quadrinhos de metacomics. In: SANTOS, Roberto Elísio dos. VERGUEIRO, Waldomiro., (Orgs). Op. Cit., P, 33.

e seus amigos vieram da realidade vista nas ruas da cidade do Rio de Janeiro da década de 1990, como explica o cartunista Ferreth, Aí tio!… tira a mão de mim que sou dimenor! Era sempre essa a frase ouvia os menores de rua, que fazia a via cheirando cola e fazendo ganhos em cima de pessoas menos avisadas. Os meninos de rua, principalmente os da Cinelândia, lugar aonde eu ia tomar um chopinho no amarelinho, sempre me chamava a atenção. Foi aí que eu achei que seria importante, retratar a vida dessas crianças, que vivem nas ruas. Foi então que criei o Dimenor (…). 10

Podemos vislumbrar com a citação anterior, que a inspiração para a criação do personagem e sua turma origina-se da realidade cotidiana que o cartunista está inserido de forma direta e indireta, pois o mesmo vivencia cotidianamente a realidade dos menores de rua, situações de violência, momentos dito como de “lazer”, ou seja, situações que exprimem às mais diversas emoções na cidade do Rio de Janeiro. O estímulo para a criação do cartunista Ferreth tem uma interpretação segundo o pesquisador Mauro Sérgio da Rocha, baseado no entendimento de Vigotisk,

10 FERRETH. 1999. p, 2.

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GNARUS - 159 A fantasia possui suas bases no real vivido e, portanto, tem sua origem na realidade social e histórica. Para este autor, toda prática, seja ela criativa ou não, possui ligação direta com o meio material em que se constrói. Nesse sentido, a fantasia presente nas Hqs, entendida por esse viés, é constituída através da relação constante e dialética entre o social e o individual. 11

podemos ter uma compreensão de uma das funções do símbolo. Os autores argumentam,

Seguindo o entendimento do pesquisador Sérgio Mauro da Rocha com base em Vigotisk, podemos compreender que, a realidade, os acontecimentos, experiências oculares, contribuíram para criação dos personagens e o seu universo, que não fugia da realidade dos grandes centros urbanos. Essa interpretação também é defendida pelos estudiosos François Laplantine e Liana Trindad. Os autores argumentam,

Deste modo, podemos deduzir que a intenção do autor era introduzir um sentimento de reflexão, revolta, angústia através das tirinhas do Dimenor. Uma forma de denúncia para sensibilizar os leitores e assim pudesse trazê-los para perceberem o problema que estava a sua volta e muitos não olhavam, principalmente o poder público. A maneira que o cartunista conseguiu dar voz as suas denúncias foi através da tirinha publicada em um jornal de grande circulação. Uma tirinha de traços limpo e desenhos bem-acabados, mas pesada em símbolos e revolta.

Imagens são construções baseadas nas informações obtidas pelas experiências visuais anteriores. Nós produzimos imagens porque as informações envolvidas em nosso pensamento são sempre de natureza perceptiva. Imagens não são coisas concretas, mas são criadas como parte do ato de pensar.12

De uma forma simples, podemos entender que o criador das tirinhas passou os acontecimentos que o mesmo presenciou, possa ter ouvido ou lido em jornais, para ter como base a sua criação, já que era recorrente ver garotos e garotas pelas ruas da cidade do Rio de Janeiro em situação de abandono, para os quadros das tirinhas, infelizmente tal fato ainda persista nos dias atuais. Pode ter sido de uma forma simples, porém é carregada de símbolos e intenções. Com respaldo nos estudos de Peter Berger e Thomas Luckman,

A função do símbolo não é apenas instituir uma classificação, mas também introduzir valores, modificando os comportamentos individuais e coletivos e indicando as possibilidades de êxito dos seus empreendimentos. 13

Apesar da tira ter sido um sucesso ela não teve uma vida longa no jornal carioca O Dia, tendo sido publicada de 10 de dezembro de 1991 até outubro de 1992, essa vida curta pode ser por causa do conteúdo crítico nas tirinhas e da censura do jornal, nas palavras do cartunista, “(…) um sucesso em tiras de quadrinhos, apesar da censura que havia por parte da redação do jornal”.14 No jornal Diário: A Hora do Povo, Dimenor teve uma vida uma pouca mais estendida, teve publicação de junho de 1993 até junho de 1995.15 Em 1999 13 BERGER, P.; LUCKAMN, T. A Construção Social da Realidade: Tratado de Sociologia do Conhecimento. Nova Iorque .1966. In: BACZKO, Bronislaw. “A imaginação social” In: Leach, Edmund et Alii. Anthropos-Homem. Lisboa, ImprensaNacional/Casa da Moeda, 1985.

11 ROCHA, 2014.P, 1.

14 FERRETH, Op. Cit., P, 5.

12 LAPLANTINE, 1997. P, 10

15 Eram republicações das tiras do Dimenor.

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GNARUS - 160 a tirinha teve um edição especial publicado pela editora AKS, com um compilado de suas aventuras.

Dimenor: “Menor” e/ou menor de idade? Na perspectiva histórica, a expressão “menor” vem carregada de historicidade, pois, são reflexos de antigos códigos que tinham como alvo crianças e jovens desvalidos no Brasil. Os estudiosos John Drexel e Leila R. Iannone apresentam inicialmente uma definição do termo “menor”, indicando que a palavra “menor”, antônimo de “maior”, passa a ideia de pequeno, ainda por formarse, que não é sujeito pleno, que depende de um maior, sob cuja tutela e custódia deveria estar.”16 Drexel e Iannone explicam que o termo “menor” tornou-se um uma conotação depreciativa quando se referem às crianças pobres, abandonadas. Argumentam que, Para os demais - os pobres, os abandonados, os internos em orfanatos ou órfãos do Estado-, a palavra “menor” assume conotação pejorativa, trazendo em seu conteúdo semântico a insinuação preconceituosa de “marginal”. Assim comumente na sociedade brasileira, o nome “menor” é usado discriminatoriamente” 17

Segundo os pesquisadores, o sentido de marginal é utilizado quando se trata de crianças em situação de precariedade, desvalidas. Todavia quando se trata de crianças com “famílias bem constituídas e estáveis”,18 o termo “menor” quando é empregado não tem sentido de marginal e sim em seu sentido

inicial, cru. São menores, pois não atingiram a idade de 18 anos completos. Drexel e Iannone ainda informam que, “para os filhos de famílias estáveis, usa-se “crianças”, “jovem” e, quando há referência a alguma situação jurídica, o termo é usado na forma de locução: “menor de idade”.19 A historiadora Sônia Câmara com base no primeiro Código de Menores de 1927 nos informa, que foi estabelecido uma dualidade para qualificar a identificação de “menor”. Segundo Câmara, Com o Código de Menores, estabeleceuse à composição do termo “menor” como uma categoria social de análise que, ao ser aplicada, supunha demarcar os sentidos para a infância pobre. Nesse movimento, atributos legais passaram a qualificar a identificação do “menor”, delimitando a localização faz crianças em dois grupos: o primeiro, abrangendo os “menores abandonados” como sendo os desamparados, vadios, mendigos e libertinos; e o segundo grupo, os “menores delinquentes”, identificados como autores ou cúmplices de crimes e os pervertidos.20

Na primeira parte da citação, vemos que o “menor” é designado para demarcar a infância pobre, isso corrobora com a explanação dos pesquisadores Drexel e Iannone, quando estes argumentam que o termo “menor” pode mudar de sentido dependendo da situação econômica, social e familiar da criança ou jovem, que a pobreza é um estigma para definir se uma criança será classificada como “menor marginal’. Como pudemos ver na citação anterior, era possível classificar menores de idade em dois grupos, conforme o contexto da época, uma criança pobre poderia ostentar negativamente o cunho de

16 DREXEl; IANNONE, 1989. P, 24. 17 DREXEl, John; IANNONE, Leila R. Op. Cit., P, 24.

19 Idem.

18 Idem.

20 CÂMARA, 2010. P, 271.

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Figura 3: Os sete personagens que formam a tirinha Dimenor. FERRETH, Op. Cit,. P, 5. delinquente, desvalida, infeliz, abandonada.21 Em vigência desde julho de 1990 o Estatuto da Criança e do Adolescente-ECA,22 considera criança até 12 anos incompletos e jovens entre 12 anos até 18 anos incompletos. A tira foi criada em 1991, sob uma nova lei, todavia carrega socialmente várias estigmas e preconceitos sociais. Podemos dizer que aos olhos da sociedade Dimenor e seus amigos, com exceção de um personagem, que compõem a tira são marginais, pois são crianças abandonadas, 21 Sônia Câmara esclarece, a classificação de “menor” tinham como um dos critérios a idade. 22 LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso dia 29 de março de 2020.

moradoras de rua que estão em constante contato com todo tipo de violência tanto praticada, quanto sofrida.

Dimenor: Esta é a sua vida.23 As aventuras do personagem principal junto com seu grupo apresentam constantes violações dos direitos das crianças e dos adolescentes, além de abordar a exclusão social.24 A tira apresenta várias situações que meninos e meninas que vivem nas ruas, principalmente das grandes cidades, estão 23 Frase retirada da capa da revista Dimenor publicada em 1999 pela editora AKS. 24 Não pretendemos discorrer sobre a exclusão social diretamente, pois a tira do Dimenor é muito complexa é o tema não caberia neste artigo.

Figura 4: FERRETH, Op. Cit., P, 25.

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Figura 5- Diário a Hora do povo- S/D sujeitas. Oscilam da condição de malfeitores à de vítimas ou vice-versa, podem estar em constantes convivência a todo tipo de violência, assassinato, estupros, aliciamentos por adultos para cometerem crimes, furtos e assaltos. O personagem principal interage com o leitor, tem consciência política e social, sabe ler e apresenta questões que devem ser refletidas e os desejos que crianças e jovens desvalidos anseiam. Dimenor não tem nome, é apenas Dimenor um apelido como várias da qual fazem parte da sua tira, com exceção de Mauricinho e Carlinha, os demais são todos nominados com apelidos. Sua turma são representações de crianças e jovens que moram nas ruas das cidades do Brasil, apesar da tirinha estabelecer como recorte espacial a cidade do Rio de Janeiro, tais problemas sociais ainda podem ser vistos em várias cidades brasileiras. Com exceção do personagem Mauricinho, ele é um menor que ainda não alcançou a maioridade, é uma criança, pois não é visto como um marginal diferentemente dos demais. Acreditamos que esse personagem foi idealizado para fazer um contraponto com os demais personagens. Mauricinho é apresentado sempre bem-vestido, calçado,

sabemos que tem família estabilizada economicamente, serve como contraponto entre pobreza e riqueza, em um futuro estruturado e um futuro marginal. A tira deixa implícito o possível futuro marginal dos outros dois personagens, todavia esse futuro é incerto, visto que é possível serem assassinados, tanto por vingança por um delito cometido ou para uma dita “limpeza urbana”. Vargas argumenta que em tempos de crise econômica e aumento da violência a prática de extermínio toma corpo. 25 O futuro de crianças e adolescentes que vivem nas ruas e não tem proteção, podem ser assassinadas, como o caso da Chacina da Candelária ocorrida na madrugada de 23 de julho de 1993.26 A figura 5 retrata a violência em sua forma mais brutal, a violência física, o assassinato, o extermínio, para uma dita limpeza como explica Vargas, “é fato que entre diferentes protagonistas a morte ou a execução encontram a mesma justificativa: a limpeza urbana”. 27

25 VARGAS, Joana Domingues. Op. Cit., P, 29. 26 “Em 1993, na madrugada de 23 de julho, oito meninos de rua que dormiam em frente à Igreja da Candelária, no Rio, foram mortos a tiros. O crime chocou o país e o mundo”. In: https://memoriaglobo.globo.com/jornalismo/coberturas/ chacina-na-candelaria/jornal-nacional-sobre-a-chacina/. Acesso dia 07 de Abril de 2020. 27 VARGAS, Joana Domingues. Op. Cit., P, 36.

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Figura 6: FERRETH. Op. Cit., P, 6. O artigo primeiro do ECA estabelece: “Esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”,28 ou seja, o ECA tem como princípio a proteção integral de crianças e jovens, porém na realidade ela ainda deixa a desejar. A figura 6 apresenta Dimenor lendo alguns dos direitos que crianças e jovens tem garantidos, ademais não era apenas falta de direitos, mas também violação como destacado na figura 5, onde os personagens correm o risco de serem assassinados, isso já era bem exposto 29 anos atrás com a recente lei federal. O protagonista vive nas ruas, a sua “casa” é a rua, esse contradição é explicada pelo 28 LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA.Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso dia 29 de março de 2020.

antropólogo Roberto Damatta, o pesquisador elucida que “(...), rua e casa se reproduzem mutuamente, posto que há espaços da rua que podem ser fechados, ou apropriados por um grupo, categoria social ou pessoas, tornandose sua ‘casa’ ou seu ponto”.29 Dimenor e seu grupo vivem, se divertem, fazem seus ganhos (furtos), todavia não são imunes aos perigos que nela existe, Damatta destaca que “ a rua é um local perigoso, aliás sempre foi assim, e as descrições deste espaço como zonas livre são copiosas”.30 Apesar da rua ser sua “casa” o personagem sabe da sua condição e dos outros, sabe que não deveriam viver nas ruas. Os perigos que crianças e jovens assim como os personagens estão sujeitos, são 29 DAMATTA, 1985, p, 47. 30 Idem. P, 48.

Figura 7- FERRETH. Op. Cit., P, 16. Direito à vida e ao de ter as suas necessidades básicas atendidas (moradia, alimentação, saúde).

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Figura 8- Diário A Hora do Povo - 25 de maio de 1994. variados. Podemos destacar dois tipos de violência segundo concepção de Nilo Odalia. A violência sob forma de privação, Odalia diz que “com efeito, privar significa tirar, destituir, despojar, desapossar alguém de alguma coisa”, e a violência em sua pior forma, “(...) a mais cega, aparentemente a mais gratuita- a violência contra a pessoa, (...)”.31 Esses dois tipos de violência podem ser vistos claramente nas figuras 5,6, 7 e 8 como em várias de suas tiras. Na figura 6 vemos o que Nilo Odalia descreve como violência por privação. Dimenor e outros meninos dormem na rua, são privados de lares, de uma segurança, conforto que uma casa pode oferecer. A dita “limpeza urbana” poderia ser de duas formas, o extermínio de grupos de moradores de rua ou a “limpeza de embelezamento”, quando principalmente em períodos de grandes eventos ou reformas nas cidades, grupos são forçadamente retirados de determinados locais e levados para as periferias ou interior para deixar os grandes centros urbanos “limpos” para os visitantes, estrangeiros principalmente. 31 ODALIA, 1983. P, 90-91.

O protagonista da tirinha tenta chamar a atenção para às mazelas que essas crianças e jovens que vivem à margem da sociedade estão sujeitos e que precisam de medidas e ajuda, pois como deixa claro Drexel e Iannone, “ As crianças não são capazes de pedir para si com a força dos adultos. São os maiores que precisam lutar por elas, impedindo que lhe seja tirado o fundamental, evitando que morram de fome, pela discriminação e pelo descaso”.32 A tira do Dimenor é um excelente conteúdo reflexivo social e político, pois apresenta às condições de vida de meninos e meninas que moram nas ruas, a violência e abusos que convivem diariamente, a falta de políticas públicas que podem ser apontadas e ainda fazer relações com os dias atuais e perceber que algumas coisas mudaram e outras não. A tira apesar de ser um conteúdo classificado com humor, não tem nada de alegre, é um soco bem dado no estômago de todos nós.

Aderaldo Januário de Almeida é Pós-graduado em História social e cultural do Brasil pela Feuc/ Faculdades Integradas Campo-grandenses.

32 DREXEL; IANNONEOp. Cit., P, 25.

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GNARUS - 165 Referências bibliográficas: BERGER, P.; LUCKAMN, T. A Construção Social da Realidade: Tratado de Sociologia do Conhecimento. Nova Iorque .1966. In: BACZKO, Bronislaw. “A imaginação social” In: Leach, Edmund et Alii. Anthropos-Homem. Lisboa, ImprensaNacional/Casa da Moeda, 1985.

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