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Mini Aula:

ORIGENS DA DISCRIMINAÇÃO RACIAL NA SOCIEDADE BRASILEIRA DO SÉCULO XIX Por Germano Vieira1

A

primeira classificação da

sociedade é relativa ao trabalho,

separando

escravos e livres. A massa

escrava representava quase 50% da população brasileira. Os escravos eram divididos entre si por rivalidades tribais. Muitas vezes nem falavam o mesmo idioma, dificultando, ao lado da restrição da liberdade pessoal, a formação de uma camada social coesa.

[...] Mas, indiscutivelmente, a pura presença, as inúmeras revoltas provocaram um medo contínuo nas classes dominantes e influenciaram muito no seu procedimento político.

Este primeiro critério, a partir do qual

Redenção de Can (1895) – Modesto Brocos y Gomes.

podemos dividir a população em livres e escravos, não é tão esclarecedor

como poderia parecer, pois também de um negro alforriado que trabalhava em liberdade os brancos continuavam a exigir sinais de reverência e submissão. Exigiam, por exemplo, que os negros, mesmo livres, lhes cedessem o lugar nas estradas e nas ruas. Era ponto de honra, branco só hospedar branco. Mesmo nas Casas de Misericórdia faziam-se restrições ao negro livre. Embora fosse corrente o dito de que ‘negro rico é branco e branco pobre é negro’, a realidade era outra. Encontramos, assim, outro fator de classificação em que se misturavam classe e raça. A cor era critério de segregação, impedia ou limitava a ascensão social. Para subir socialmente era preciso, além de ser livre, ter cabelos bons, isto é, lisos, pele não muito escura e nariz não muito chato.” (WERNET, Augustin. O período regencial. São Paulo: Global, 1984, p. 17.)

1

Germano Martins Vieira é Graduado em História (Licenciatura e Bacharelado) pela Universidade Gama Filho, Pós-graduado em História do Rio de Janeiro pelas Faculdades Integradas Simonsen, membro do Gelhis e pesquisador da Gnarus Revista de História.


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Mini Aula:

“L’ÉTAT C’EST MOI!”

Por Germano Vieira

D

urante o reinado de Luís XIV (1643-1715), a França conheceu o apogeu do Absolutismo e tornou-se uma grande potência europeia, passando a rivalizar

diretamente com a Inglaterra a hegemonia econômica e política. Devido às grandes realizações que empreendeu em seu governo, ficou conhecido pelos seus súditos como o “Rei Sol” e entrou para a História com a célebre frase: “O Estado sou eu!” Diante desta afirmação, é possível perceber que, como a figura do rei confundia-se com a do Estado, este, enquanto instituição, não existia sem a pessoa do monarca. Embora não obtendo o mesmo sucesso na economia como Luís XIV por, entre outros motivos, abusar dos gastos públicos e exagerar na ostentação da riqueza, foi no discurso proferido por Luís XV, seu sucessor, em 1766, que o pensamento absolutista ficou mais bem expresso.

Luís XV, o Bem-Amado. “É somente na minha pessoa que reside o poder soberano... é somente de mim que os meus tribunais recebem a sua existência e a sua autoridade; a plenitude desta autoridade, que eles não exercem senão em meu nome, permanece sempre em mim, e o seu uso nunca pode ser contra mim voltado; é unicamente a mim que pertence o Poder Legislativo, sem dependência e sem partilha; é somente por minha autoridade que os funcionários dos meus tribunais procedem, não à formação, mas ao registro, à publicação, à execução da lei, e que lhes é permitido advertir-me o que é do dever de todos os úteis conselheiros; toda a ordem pública emana de mim, e os direitos e interesses da nação, de que se pretende ousar fazer um corpo separado do Monarca, estão necessariamente unidos com os meus e repousam inteiramente em minhas mãos.” (FREITAS, Gustavo de (org.). 900 textos e documentos de História, vol. 2, pp. 201-202.)


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Mini Aula: GARGÂNTUA E PANTAGRUEL

Gargântua e Pantagruel – Gustave-Paul Doré (1832-1883). Por Germano Vieira

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ríticos do comportamento corrupto e mundano do clero católico, alguns dos humanistas do Renascimento, como François Rabelais (1494-1553), se utilizaram da forma satírica para denunciar os abusos eclesiásticos nos anos que antecederam a Reforma Religiosa. Censurados como livros

obscenos, a série de romances Gargântua e Pantagruel foram classificadas, em 1564, como obras heréticas e incluídos no Index librorum prohibitorum (Índice de livros proibidos).

“[A ilha era habitada por pássaros] grandes, belos e polidos, em tudo semelhantes aos homens da minha pátria, bebendo e comendo como homens, digerindo como homens, dormindo como homens... Vê-los era uma bela coisa. Os machos chamavam-se clerigaus, monagaus, padregaus, abadegaus, bispogaus, cardealgaus e papagau – este era o único da sua espécie... Perguntamos por que havia só um papagau. Responderam-nos que... dos clerigaus nascem os padregaus... dos padregaus nascem os bispogaus, destes os belos cardealgaus, e os cardealgaus, se antes não os leva a morte, acabam em papagau, de que ordinariamente não há mais que um, como no mundo só existe um Sol... Mas donde nascem os clerigaus?... – Vêm dum outro mundo, em parte de uma região maravilhosamente grande, que se chama Dias-sem-pão, em parte doutra região Gente-demasiada... A coisa passa-se assim: quando, nalguma nobre família desta última região, há excesso de filhos, corre-se o risco de a herança desaparecer, se for dividida por todos; por isso, os pais vêm descarregar nesta ilha Corcundal os filhos a mais... Dizemos “Corcundal” porque esses que para aqui trazem são em geral corcundas, zarolhos, coxos, manetas, gotosos e mal-nascidos, pesos inúteis na terra... Maior número ainda vem de Dias-sem-pão, pois os habitantes dessa região encontram-se em perigo de morrer de fome, por não ter com que se alimentar e não saber nem querer fazer nada, nem trabalhar em arte ou ofício honesto, nem sequer servir a outrem... ou cometeram algum crime que os poderá levar à pena de morte... então voam para aqui, tomam aqui este modo de vida, e subitamente engordam e ficam em perfeita segurança e liberdade.” (RABELAIS, François. Gargântua e Pantagruel. In: FREITAS, Gustavo de. (org.) 900 textos e documentos de História. Lisboa, pp. 161-162.)


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Mini Aula:

BRASILEIRO: POVO PACÍFICO? Por Germano Vieira

R

evoltas populares de colonos contra excessos fiscais,

favores

privilégios

suprimidos,

e

foram

cruentamente,

como no Rio de Janeiro, em 1660, quando foi enforcado Jerônimo

Barbalho

e

sua

cabeça sangrenta foi exposta no pelourinho; ou como no

Estudo do pintor Antonio Parreiras (1860–1937) para o quadro “Julgamento de Felipe dos Santos”, pintado em 1923.

Maranhão, em 1684, quando Manuel

Bequimão

e

Jorge

Sampaio foram decapitados e Francisco Dias Deiró foi supliciado em efígie.2 Se as lutas em Minas Gerais, entre paulistas e emboabas (1708-1709), e as atrocidades do Capão da Traição foram menos cruentas do que se costuma supor, a Guerra dos Mascates (1710-1711) custou 150 vidas, 80 feridos e 490 presos; em Vila Rica, nas duas sublevações de 1720, uma e outra cruentas, o Conde de Assumar teve mais de 2.000 homens para rebater os sublevados e acabou enforcando e esquartejando Felipe dos Santos e queimando as casas dos principais revolucionários; no motim militar de 1728, na Bahia, dos 23 réus, 7 foram condenados à pena de morte, sendo os dois chefes esquartejados e os demais sofreram açoites e degredo por toda a vida para Benguela e Angola. (...) Essas explosões de sangue mostram o inconformismo do povo, o radicalismo da liderança popular e a violência e crueza da repressão pela minoria dominante. A fase colonial não valida a tese da tradição política pacífica, que uma historiografia oficial vem sustentando para abater os impulsos de revolta e para satisfazer as esperanças da minoria dominadora.” (RODRIGUES, J. H. Conciliação e Reforma no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1965, PP. 28-29.)

2

Supliciado em efígie: quando o réu encontrava-se foragido, após sua condenação, a punição era feita sobre sua imagem.


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Mini Aula:

SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA E O "JEITINHO BRASILEIRO" Por Cindye Esquivel3

S

érgio Buarque de Holanda escrever em uma época onde a

dicotomia

modernismo

tradição era

x

muito

evidente, tornando o incômodo com as estruturas, tidas como atrasadas, muito latentes. Muito mais que lusitanos chegaram nas caravelas, o patrimonialismo advindo de famílias ibéricas também veio. Esta influência minava toda o aparato burocrático responsável por prover uma sociedade mais igualitária já que, tornava a filiação e o "apadrinhado" mais válido que

a

competência

e

respaldo

burocrático. Ranço esse que minava o progresso e representava o retrocesso. A cordialidade era também vista como uma âncora indesejada. O "homem cordial" apresentado pelo autor, representa o "jeitinho brasileiro de ser",

onde

familiaridade

o

sentimento alcança

de

âmbitos

inadequados, chegando em nossa instituição estatal. O homem cordial ajuda quem lhe aprouver, dedicando somente indiferença para aqueles que não são "da família", essa cordialidade é benquista por trazer o sentimento brando frente às ordens, entretanto, não há família de milhões, sendo então essa cordialidade um mecanismo de exclusão e o oposto. 3

Cindye Esquivel é graduanda em História e bolsista do Programa de Iniciação Científica das Faculdades Integradas Simonsen, membro do Gelhis e pesquisadora da Gnarus Revista de História.


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Mini Aula:

FORMAÇÃO DO BRASIL CONTEMPORÂNEO E O "SENTIDO" DE NOSSA COLONIZAÇÃO.

Por Cindye Esquivel

C

aio Prado Júnior ao escrever sobre nossa História, orienta sua análise para o viés que

possui

mudanças

mais

hirtas

(econômica e social), optando por não

avaliar o quesito institucional, por conta de sua frágil mutação. Sua obra evidencia que ainda hoje somos incapazes de bravar nossa nacionalidade, já que a mesma se encontra inconclusa, de forma a provar que mesmo que possamos dizer que chegamos a um aporte político, estamos longe de estar

sem

algemas

econômicas

e,

consequentemente, sociais. O autor deixa claro que a gênese da nossa colonização é capitalista, já foi pensada para se tornar uma engrenagem exploratória

calcada

na

escravidão,

diferentemente de colônias vizinhas, a mão de obra branca nunca foi uma real opção (até mesmo porque, Portugal não tinha "mãos" para mandar para cá, como a Inglaterra fazia com suas colônias). Mesmo que a ideia matriz tenha sido modificada (inicialmente seria só um porto de enriquecimento, uma réplica do êxito na Índia) para um povoamento, não podemos dizer que o interesse primordial (obtenção de riquezas) fora esquecido, povoar foi a forma de tornar duradoura essa obtenção (visto que o escoamento demográfico era impraticável no caso de Portugal). As pechas de nossa frágil sociedade de hoje, são oriundas, para o autor, desse primórdio exploratório escravocrata que hoje permeia as dificuldades de nossa realidade.


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Mini Aula:

CARACTERÍSTICAS DA HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA NO SÉC XIX

Por Cindye Esquivel

N

ossa historiografia teve um início modesto e pouco abrangente já que se ocupava apenas por descrições voltadas para os olhos europeus e escrita por cronistas. Fomos alcançando paulatinamente a abertura do leque de abrangência, em um primeiro momento com um incômodo

sutil de Frei Vicente de Salvador e essa visão de sucesso total da colonização; Pós esse primeiro estranhamento, vimos em Antonil uma abertura nos campos alheios aqueles dos governantes e seus feitos, ele veio com uma abordagem diferenciada que, mais que meramente narrativa, instruía. Antonil nos serviu como um manual de entendimento de uma classe que até então, aparecia somente como objeto pertencente a um processo, mesmo que de forma bem inicial. Já Varnhagen aparece na leva das pesquisas do IHGB, usando uma intensa pesquisa à fontes escritas, mesmo que sendo usadas de forma descritiva, época teórica, linear, e pouco analítica; Varnhagen adota uma postura elitista, voltando sua análise para os governos em vigência e seus antecessores. Enquanto Capistrano, também rato de documentos, usa seus métodos de pesquisa científica (já adotada também por Varnhagen) para ressaltar um viés mais próximo do social, ele grassou expandir o limiar de alcance para horizontes

ainda

tidos

como

"de

pouca

importância" e trouxe o ineditamente das culturas distintas, mesmo que Von Martius já houvesse evidenciado a necessidade da inclusão das três "raças" (branca, negra e Índia) para a formação da História Nacional, foi Capistrano quem de fato trouxe essa multi-cultura para nossa escrita historiográfica.


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Mini Aula:

"CAPÍTULOS DE HISTÓRIA COLONIAL", CAPISTRANO DE ABREU E SUA RUPTURA COM MODELO HISTORIOGRÁFICO DE VARNHAGEN. Por Cindye Esquivel

C

apistrano se aloca em um momento transitório entre um momento de ranço tradicionalista da escrita histórica e aqueles que virão para desestabilizar essa corrente de tradição colonial

( Gilberto Freire. Caio Prado Junior, Sérgio Buarque de Holanda...). Sua posição, enquanto historiador, foi marcada pelo intenso culto aos documentos e fontes primárias, entretanto, Varnhagen não destoava nesse sentido. O diferencial entre eles era o viés de análise dedicado ao documento, enquanto a pesquisa de Vernhagem se preocupava em ressaltar, quase de forma ufanista, os feitos da elite dirigente, visando forçar um ideal de cultura unificada; Capistrano ressalta que nossa cultura não foi importada da Europa, nossa abatatem cultural não veio nas caravelas com pitadas portuguesas em nossa receita, tínhamos um pluriculturalismo que ia além dos moldes europeus. Tínhamos em nosso país, regiões que erram desconexas em instâncias que ultrapassam a esfera geográfica, eram áreas com muito mais discordâncias que semelhanças (língua e religião) e tentar pulular um ideal único de nação em uma sociedade marcada pela escravidão, era ineficaz. Tínhamos descontinuidades pós Independência que Capistrano usufrui para ratificar a impossibilidade de uma unidade nacional, quando não logramos nem uma unidade social. Portanto, um "multi-Brasil" era muito mais palatável que um ideal unificado de nação e é ao encontro disso que Capistrano rebate Varnhagen e sua tese simplista de união cultural.


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Mini Aula:

O ROMANTISMO, A HISTÓRIA E O ILUMINISMO Por Cindye Esquivel

A

influência romântica pode levar a essência da História

para conceitos mais inovadores ou conservadores. A autonomia tão em pauta iluminista é agora criticada e vista como uma tentativa de controlar a vida a qualquer

preço, e por isso, se libertar do passado e das tradições já não é mais desejado. Mary Shelley (1797 – 1851) procura mostrar em seu romance (Frankenstein ou o moderno Prometeu, publicado em 1818) que até mesmo os conhecimentos racional e científico têm limites e que buscar a plena autonomia passaria desse limiar. O ser humano e a sociedade, segundo o Romantismo, estão submetidos a forças que não se pode controlar e precisamos aceitar e lidar com isso. O conservadorismo histórico, que tinha Edmund Burke (1729 – 1797) como fiel representante, é o contrapeso das ideias racionais e de autonomia, defendidas pelo Iluminismo, alegando que tanta abstração torna excludente a experiência vivida e a própria história. A História conservadora, portanto, ergue o seu pilar na tradição, mesmo que esta, seja de forma aristocrática e se apoiando na História Magistra para defender modelos ultrapassados que mesmo sendo adaptados, não agradam mais a maioria. A vertente defendida por Michelet (1798 – 1874) também é tradicionalista, entretanto, a inovação trazida por ele é que muda-se o foco de análise que não mais será o meio aristocrático e sim o povo. Para ele, a escrita do autor é fruto da nação e cultura as quais ele pertence, ou seja, a visão cosmopolita defendida pelos Iluministas (o objeto de estudo deveria ser visto com olhos estrangeiros) se extingue e dá lugar à aproximação inseparável do autor e sua forma de escrever História. O autor antes de ser “quem escreve”, é pertencente a um povo e esse povo (consequentemente o autor) tem sua própria História. O povo nacional tem sua experiência que não pode ser substituída por uma escrita racional e abstrata, tornando a historiografia de Michelet fortemente nacionalista. Com esses dois autores em questão (Michelet e Edmund Burke) podemos perceber que ambos desconsideram a possibilidade de a História ser uma ciência totalmente racional, como era defendida no Iluminismo e que cada um com sua vertente, nos traz formas distintas de escrever História.


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Mini Aula:

O DOCUMENTO COMO MATÉRIA-PRIMA DA HISTÓRIA:

Por Fernando Gralha

A

História, segundo o historiador francês Marc Bloch, é o estudo das sociedades humanas no tempo; assim, tem como matéria-prima tudo que comprove, explique e esclareça como as pessoas viviam num determinado tempo e lugar. A produção do conhecimento histórico deve ser feita com base em

indícios, restos e pistas, ou seja, documentos analisados pelo historiador tornam-se fonte do conhecimento sobre o passado. São, portanto, as fontes históricas. Denomina-se fonte histórica todo documento trabalhado pelo historiador em sua busca de conhecimento sobre o passado. Tal noção inclui uma outra, a de registro, utilizada até agora nesta exposição, como sinônimo de documento. Assim, o termo registro, que no dicionário tem uma multiplicidade de significados, está sendo utilizado como uma forma de guardar, de comprovar a existência de algo, de servir como atestado, portanto, de documentar uma experiência coletiva, ação ou sentimento. Assim, os registros do passado também podem ser considerados fontes históricas.


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Mini Aula:

HISTÓRIA, CONFLITO E MUDANÇA

Por Fernando Gralha

A ideia de conceber a realidade como movimento/mudança e de atribuir ao conflito um papel essencial tem, talvez, em Heráclito de Éfeso (540-480 a.C.), filósofo grego anterior a Sócrates,

seu

pioneiro

e

principal

representante. É dele o aforismo “Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio” (B 91), que os historiadores costumam utilizar para concluir, corretamente, que a História não se repete: tudo muda o tempo todo. Ele também escreveu: “O conflito é pai de tudo, de tudo é rei; designou uns para deuses, outros para homens; de uns fez escravos, de outros, livres” (B 53). O conhecimento científico pode ser resumido à relação entre o sujeito do conhecimento (sujeito cognoscente) e o objeto a ser conhecido (objeto cognoscível). Para aplicar essa definição de ciência à História e compreender os problemas específicos da ciência histórica,

Heráclito, em detalhe do afresco pintado por Rafael, “A Escola de Atenas”

precisamos refinar nossa definição. Para tal, vamos recorrer a outro historiador francês, Marc Bloch (1886-1944). Ele afirmou no início do século

XX: “A História é a ciência dos homens no tempo.” E aqui nos defrontamos com o primeiro e maior problema para a produção do conhecimento científico da História: o sujeito (o historiador) e o objeto (os homens no tempo) são o mesmo, isto é, homens.


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Mini Aula: A FILOSOFIA MEDIEVAL

Por Fernando Gralha

A

té pouco tempo atrás, a Idade Média, como um todo, era apresentada como uma época na qual os seres humanos, subjugados à autoridade do dogma religioso – e essa visão se aplicava ao pensamento filosófico cristão, judeu e islâmico – esgotavam-se em discussões de problemas imaginários. Ainda hoje os termos “medieval” e “escolástico” têm sentidos nitidamente pejorativos.

A Filosofia Medieval só recentemente foi reconhecida como filosofia propriamente dita (BOEHNER; GILSON, 1982), pois suas obras eram consideradas como textos teológicos. Para conhecê-la, é preciso observar alguns elementos do longo debate ocorrido entre as religiões monoteístas e as ideias filosóficas greco-romanas. Com o fim do Império Romano no Ocidente, a Igreja Cristã se manteve como uma importante instituição social e política, consolidando sua organização religiosa e difundindo o cristianismo. Podemos dizer que a religião cristã que conhecemos após o ano mil da nossa era é a síntese de elementos do judaísmo, religião da qual se originou, da própria experiência cristã e da cultura helenística e, desta síntese, se originou a tradição cultural ocidental. Segundo Luiz Alberto de Boni:

“A Filosofia Medieval leva consigo um problema peculiar, que provocou respostas as mais divergentes: o problema de uma Filosofia estreitamente relacionada com a Teologia. Não se trata apenas de um cunho religioso do saber, peculiar ao pensamento filosófico até Hegel. No pensamento medieval, tanto no cristão, como no árabe, como no judaico, a Filosofia encontra-se imbricada em uma religião revelada” (BONI, 1988, p. 59).

Assim sendo a Filosofia Medieval se constituiu dentro das categorias teológicas e é a teologia que confere unidade ao mundo medieval, ainda Segundo Boni: “Não se trata de negar o íntimo relacionamento existente entre religião e filosofia durante o período em questão. Aliás, até Kant, este relacionamento foi sempre muito estreito, e em Hegel é fundamental. (...) Por isso, o critério de entrelaçamento com a religião cristã não é suficiente para delimitar a filosofia medieval e não permite, inclusive, que se estude o pensamento árabe e judaico da época. É preferível, pois, procurar parâmetros dentro da própria Filosofia. Nesse sentido, julgamos poder definir a Filosofia Medieval como aquela Filosofia que, durante um período de cerca de mil anos, procurou recuperar para a humanidade ocidental, repensando-o, o vasto legado greco-romano.” (BONI, 1988, p. 64-65).

Manuscrito medieval representando uma reunião de doutores na Universidade de Paris.


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