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1,5M€ para mitigar os efeitos dos antibióticos no ambiente

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Days to Remember

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Investigadora do LSRE-LCM da Faculdadede Engenharia da U.Porto (FEUP), garantiu um financiamento de 1,5 milhões de euros do European Research Council (ERC) que será aplicado no desenvolvimento do projeto ERA_ARE que permitirá avaliar o risco ambiental com base na quiralidade como uma ferramenta para promover fármacos ambientalmente seguros.

É o reconhecimento máximo do meu mérito científico. Com a bolsa ERC, pretendo estabelecer e liderar um grupo de investigação reconhecido internacionalmente, sendo esta fundamental na progressão da minha carreira na área da química ambiental”, admitiu a investigadora Ana Rita Lado.

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A sua linha de investigação tem por finalidade contribuir para a compreensão do papel dos processos ambientais enantioseletivos no comportamento e destino dos antibióticos quirais presentes no ambiente em quantidades residuais. Os resultados serão úteis para prevenir o desenvolvimento de resistência a antibióticos, por um lado criando diretrizes inovadoras de avaliação de risco ambiental dos antibióticos quirais e por outro, despertando o interesse da indústria farmacêutica na pesquisa de medicamentos mais seguros para o meio ambiente.

A quiralidade é uma propriedade geométrica presente em moléculas tridimensionais e assimétricas. Estruturalmente, estas moléculas apresentam duas configurações distintas, como um objeto e a respetiva imagem no espelho (análogo às nossas mãos, esquerda e direita), que não são sobreponíveis, chamados enantiómeros. Estes enantiómeros interagem de forma seletiva com estruturas biológicas (macromoléculas) que também são quirais (enantiosseletividade). Sendo os sistemas biológicos intrinsecamente quirais, as interações com pequenas moléculas quirais, como é o caso de muitos fármacos, são enantiosseletivas.

Com este financiamento passam a estar reunidas “as condições necessárias para implementar e gerir uma equipa multidisciplinar nas áreas da química analítica, química orgânica, microbiologia, ecotoxicologia e simulação, contribuindo para a investigação da relação entre a quiralidade de antibióticos e a resistência bacteriana em cenários ambientais”, perspetiva Ana Rita Lado, consciente da importância que o projeto pode vir a ter no despertar da consciência para a sustentabilidade e proteção ambiental de diferentes players da indústria farmacêutica.

Além da FEUP este projeto envolve o Instituto Federal de Hidrologia da Alemanha - Bundesanstalt fuer Gewaesserkunde.

NOTA BIOGRÁFICA

É investigadora do Laboratório de Processos de Separação e Reação – Laboratório de Catálise e Materiais (LSRE-LCM) do Departamento Engenharia Química da Faculdade de Engenharia (FEUP), estrutura que integra, juntamente com o LEPABE e com o CEFT, o novo Laboratório Associado ALiCE.

Doutorada em Biotecnologia e especialista em Química Analítica e Ciências e Engenharia do Ambiente, Ana Rita Lado chegou à FEUP e ao LSRE-LCM em 2014, no âmbito de um pós-doutoramento que conduziu até 2018. O mesmo que a levou à Loughborough University (Reino Unido) para viver uma experiência enriquecedora na qualidade de investigadora visitante. Regressaria para desenvolver a linha de investigação em Ferramentas Analíticas para Monitorização Ambiental no LSRE-LCM, enquadrada no grupo de investigação que se dedica à Catálise e Materiais de Carbono.

Mas esta é só uma parte de um percurso que se traduz, até à data, em mais de 85 publicações em revistas científicas e livros revistos por pares internacionais nas áreas da Química Analítica e Ciência Ambiental, na colaboração em cerca de 20 projetos de investigação, além do cargo de editora associada do Chemical Engineering Journal Advances, publicado pela prestigiada Elsevier. Ana Rita Lado integrou igualmente as duas últimas edições do “World’s Top 2% Scientists” na área de Ciências do Ambiente, elaborado pela Universidade de Stanford (EUA), iniciativa que reconhece, anualmente, os cientistas mais influentes a nível mundial, com base no número de citações das respetivas publicações pelos seus pares; assim como a lista de Highly Cited Researchers (Clarivate) reconhecidos pela produção de múltiplas publicações altamente citadas (top 1%).

PODERÁ O FUTURO DA HUMANIDADE ESTAR NAS MÃOS DA ENGENHARIA?

Não sei se alguém se terá lembrado deste título para uma série com streaming na Netflix, mas não posso negar que os anos que levo a acompanhar o dia a dia da Faculdade de Engenharia da U.Porto (FEUP) são mais do que suficientes para acreditar que pode muito bem ser verdade. E com uma bónus track incluída: nestes laboratórios e corredores as descobertas são diárias, num espetro que abarca quase tudo aquilo que faz o nosso mundo funcionar.

Baterias de nova geração, combustíveis menos poluentes, sistemas de monitorização inteligente, novos materiais em fibra de carbono, mitigação dos efeitos dos antibióticos no ambiente, interoperabilidade entre veículos autónomos, manufatura avançada, planeamento e mobilidade urbanas, hidrogénio verde… podíamos continuar, porque tudo implica intervenção da engenharia, numa espécie de resposta aos desafios que vão surgindo. É inquestionável o contributo da ciência para a sociedade, na medida em que possibilita avanços nos campos da saúde, da alimentação, do ambiente, da tecnologia, da energia. A ciência cria conhecimento, melhora a educação e a qualidade de vida das pessoas, reduzindo desigualdades e construindo pontes.

No último ano, uma das áreas que esteve em evidência na FEUP tem a ver com os biofilmes, comunidades de microrganismos – como bactérias e fungos – que se encontram incorporados numa matriz que eles próprios produzem. Embora sejam ainda pouco reconhecidos, os biofilmes afetam várias áreas relevantes para a sociedade como a saúde, a indústria e o ambiente.

“Na saúde, são reconhecidos como uma das principais causas de infeções crónicas e do desenvolvimento de resistência a agentes antimicrobianos por parte dos microrganismos”, avança Nuno F. Azevedo, investigador do Laboratório de Engenharia de Processos, Ambiente, Biotecnologia e Energia (LEPABE) da FEUP. Dedica-se aos biofilmes desde 2001, altura em que iniciou o doutoramento sobre a possibilidade da H. pylori ser transmitida pela água e “uma das possibilidades para que o microrganismo sobrevivesse na água era a sua incorporação em biofilmes”, recorda.

Foi o início de uma carreira científica que passou pela Universidade do Minho e depois pela Universidade de Southampton, no Reino Unido, numa ligação que se prolongou por quatro anos. Ingressou depois no LEPABE, já como Investigador Auxiliar. Em julho passado, foi distinguido com uma ERA Chair, no valor de 2,5 milhões de euros. É a primeira ERA Chair liderada pela Faculdade de Engenharia e permitirá criar um grupo de excelência em engenharia de biofilmes.

É uma enorme oportunidade que vai potenciar uma colaboração interdisciplinar entre vários grupos de investigação da Faculdade de Engenharia com outras instituições europeias e internacionais. Embora seja um projeto sobre biofilmes, as áreas de conhecimento envolvidas no projeto incluem a química orgânica, a análise de imagem, a estatística e a informática.

DARLA GOERES: UMA REFERÊNCIA INTERNACIONAL NO PORTO

Com mais de 20 anos de experiência na investigação de biofilmes bactetrianos em sistemas industriais, Darla Goeres lidera a equipa do Laboratório de Métodos Padrão de Biofilmes (SBML) no Centro de Engenharia de Biofilmes, da Universidade de Montana (EUA), cuja missão passa pelo desenvolvimento e validação de métodos padrão quantitativos para o cultivo, tratamento, amostragem e análise de biofilmes bacterianos.

Em março de 2020, foi nomeada Professora de Investigação de Ciência Reguladora, sendo da sua inteira responsabilidade a criação de um programa de ciência reguladora no Centro de Engenharia de Biofilme com o objetivo de envolver os decisores regulamentares e industriais no desenvolvimento de ferramentas que permitam a inovação em ciência e tecnologia no setor.

É membro da Sociedade Americana de Testes e Materiais (ASTM) e facilitou a aceitação dos primeiros métodos padrão aprovados para biofilmes bacterianos.

Ainda no âmbito desta ERA Chair está prevista a contratação de oito investigadores, desde estudantes de doutoramento até investigadores auxiliares. Certa é a vinda de Darla Goeres, do Centro de Engenharia em Biofilmes da Universidade de Montana nos EUA, considerada uma referência mundial na área dos biofilmes, para uma colaboração que se estenderá por um período total de 24 meses para colaborar os trabalhos da equipa liderada por Nuno F. Azevedo na FEUP (ver Caixa).

De resto, esta é uma área em clara expansão dentro do Laboratório Associado ALiCE, onde se inclui o LEPABE. Há uma nova geração de investigadores a apostar fortemente no estudo desta comunidade microbiana, como Laura Cerqueira, premiada no último Montana BioFilm Science & Technology Meeting 2022, que decorreu nos EUA, em finais de julho. Na origem do prémio de Young Investigator esteve um modelo preliminar para a utilização do mRNA-PNA-FISH com o intuito de estudar os mecanismos de regulação de Legionella pneumophila. A partir deste modelo será possível esclarecer a organização e o desenvolvimento funcional de biofilmes e o papel na virulência de L. pneumophila em sistemas hídricos sob diferentes condições físico-químicas, tratamentos de desinfeção e na presença de diversos consórcios microbianos.

Laura Cerqueira utiliza esta técnica para localizar células individuais em biofilmes, permitindo assim o estudo da sua distribuição espacial tridimensional. Ao adaptar o PNA-FISH a sequências de mRNA específicas e combiná-lo com técnicas de imagem de alta resolução o modelo permite estudar a expressão de genes em células individuais em biofilmes, combinando informações espaciais e funcionais das células no seu ambiente original.

ÁCIDO HIALURÓNICO: O NOVO BÁLSAMO

PARA AS FERIDAS?

Mas nem sempre os caminhos que levam a enveredar por um determinado projeto de investigação estão tão definidos à partida. Que o diga João Transmontano, responsável pela empresa Portus Pharma, que durante uma viagem a São Paulo no âmbito da rede BIN@ em 2016, acaba por se cruzar com a comitiva da Faculdade de Engenharia. De uma conversa de circunstância sobre um novo método de esterilização da castanha 100% eficaz utilizado pelo professor Adriano Carvalho num projeto familiar, acabaria por surgir a intenção de colaborarem em breve.

O motivo já estaria identificado. João Transmontano queria dedicar-se ao desenvolvimento de matérias-primas de origem natural para uso clínico no tratamento de feridas (escaras, úlceras de pressão, queimados, pé diabético, cicatrização pós-cirúrgica). Acabou por desafiar o investigador Adriano Carvalho para a criação de um processo de esterilização do mel para fins clínicos – surgia aqui o H2Cure, projeto que envolve a UMinho, o ICBAS e a FEUP, além da empresa Portus Pharma cujo conceito nasceu desta viagem e que acabaria por instalar-se em Portalegre.

“O trabalho da FEUP neste consórcio passa pelo desenvolvimento de um equipamento baseado em aplicação de campo elétrico de alta frequência, baseado em tecnologia GaN e/ou aplicação de ultrassons de potência capaz de realizar a esterilização completa do mel”, reconhece Pedro Coelho, responsável pelo gabinete de Inovação da Faculdade de Engenharia, que assistiu ainda no Brasil às primeiras conversas exploratórias relacionadas com esta investigação. “É fundamental garantir que neste processo de esterilização se consiga garantir a ausência de organismos com viabilidade biológica, até porque tudo o que envolve a prática hospitalar é tremendamente escrutinada”, reforça Pedro Coelho.

Além de Adriano Carvalho, o projeto conta com a colaboração do professor Armando Araújo e Agostinho Rocha como investigador ligado ao H2Cure. Os investigadores pretendem lançar um protótipo de penso à base de mel e de ácido hialurónico, produtos popularmente conhecidos e utilizados em Portugal, para a prevenção e tratamento de feridas crónicas. Às propriedades terapêuticas do mel isolado serão adicionados outros compostos como o ácido hialurónico, contribuindo para uma cicatrização mais rápida e eficaz da ferida, originando formulações diferen- ciadoras no mercado dos dispositivos médicos, com um desempenho superior às existentes e a um custo unitário e global mais reduzido.

“A NOSSA EVOLUÇÃO PODERÁ SER MAIS RÁPIDA”

E como é ser jovem cientista em Portugal? Que investimento tem sido feito no futuro da ciência? Fomos tentar saber pela boca dos próprios, a começar por Nuno F. Azevedo que defende ter havido “certamente uma evolução”, embora pudesse e devesse ser “mais rápida”. O investigador lembra que há 20 anos o acesso “quer a equipamentos, quer a artigos científicos de outros autores era limitado”. Sobre a fuga de talentos para o estrangeiro, diz que “é desejável a mobilidade sobretudo dos mais jovens” e que a tónica não é tanto por aí mas antes no garantir que “Portugal se torne atrativo para todos os investigadores, independentemente da sua proveniência, e de fornecer condições para que os nossos investigadores portugueses com sucesso internacional queiram voltar”.

Na opinião do investigador do AliCE “tem que ser claro para os investigadores que queremos captar que serão bem integrados e que podem vir a desenvolver a investigação que pretendem nas instituições portuguesas com todas as condições”.

E reforça esta ideia, com um episódio que conhece bem: “Quando obtive a minha primeira posição de investigador auxiliar na FEUP tive também a possibilidade de ficar na Universidade de Southampton como Professor Auxiliar. Para me tentarem convencer a rumar a Southampton, a Universidade ia providenciar uma bolsa de instalação que me permitia a contratação de dois estudantes de doutoramento, a compra de reagentes para eles poderem desenvolver o seu trabalho e ainda um espaço laboratorial autónomo totalmente equipado”. Apesar de “este tipo de apoios não fazer parte da nossa realidade”, se quisermos realmente competir com os países mais avançados ao nível científico, “temos que estudar e implementar as estratégias que eles utilizam para captar os investigadores”, defende o investigador.

Os dados estão lançados e a verdade é que nunca como agora se falou tanto da necessidade de investimento na ciência. Prova disso é o Plano de Recuperação e Resiliência lançado pela Comissão Europeia como resposta aos efeitos da pandemia pós-Covid e que será uma oportunidade única de investir em projetos mobilizadores e áreas com impacto económico. E a FEUP está nessa corrida (ver Infografia pág. 5).

As Grandes Tend Ncias Para 2023

Todos os anos se renovam as previsões sobre as grandes linhas que vão orientar as principais descobertas nos próximos tempos. Uma das mais aguardadas é sempre a da ciência: o que podemos afinal esperar? A Fundação Francisco Manuel dos Santos disponibiliza um conjunto de estudos prospetivos ancorados em artigos da autoria de várias personalidades muito interessantes. Carlos Fiolhais, com base na “Nature”, aponta para alguns setores em constante ebulição: as alterações climáticas e a energia vão continuar na agenda política e mediática, com a necessidade de encontrar cada vez mais alternativas aos combustíveis fósseis, com o hidrogénio a ganhar terreno em várias frentes, assim como as baterias de nova geração.

No campo da medicina, neste período pós-pandemia, decorrem testes de vacinas genéticas que protegem quer da Covid-19, quer da gripe. Em resultado da inovação provocada pela pandemia, vão ser testadas novas vacinas para malária, tuberculose e herpes genital. É provável, garante Carlos Fiolhais, que o futuro nos traga “vacinas por spray”. Ainda na área da saúde, prevê-se as primeiras aplicações de terapia genética e que continuem os avanços em medicamentos contra a Alzheimer.

2023 marca a afirmação da ciência dos dados à escala global: as gigantes tecnológicas continuam a investir fortemente na gestão e disponibilização dos dados, sobretudo em bancos baseados em nuvem. As empresas têm investido cada vez mais na incorporação de machine learning de maneira a simplificar processos e tornar-se mais competitivas. A par com a inteligência artificial, o futuro passa pelo desenvolvimento tecnológico ancorado em big data e pelas preocupações com a cibersegurança, a que se somam as questões éticas que podem ter implicações na vida de cada um de nós.

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